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ESCOLA QUE PROTEGE:

ENFRENTANDO A
VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E
ADOLESCENTES

ORGANIZAÇÃO
Pompéia Villachan-Lyra
Emmanuelle C. Chaves
Jurema Ingrid Brito do Carmo

1ª Edição

Pernambuco
2016
FICHA TÉCNICA
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
Reitora: Profa. Maria José de Sena
Vice-reitor: Prof. Marcelo Brito Carneiro Leão
Conselho Editorial: José Carlos
Mario Pilar
André Rocha
Marcio Claiton
Thiago Miranda
Keiverson Queiroz
Projeto Gráfico e Capa: Verlúcia Santos
Coordenador Gráfico: Erivan Barbosa
Revisão Ortografica: Olbiano Silveira
Comissão de Organização
da Coleção Renaform-UFRPE:
Da formação à transformação Emmanuelle C. Chaves
Flávia Peres
Cirdes Nunes Moreira
Bruna Tarcília Ferraz
Hugo Monteiro Ferreira
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes
Pompéia Villachan-Lyra
Emmanuelle C. Chaves
Jurema Ingrid Brito do Carmo

1ª Edição
Setembro de 2016
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem
prévia autorização dos autores e da FADURPE.

Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco


E74 Escola que protege : enfrentando a violência contra crianças e adolescentes / Fundação
Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional-FADURPE ; organização Pompéia
Villachan-Lyra, Emmanuelle C. Chaves, Jurema Ingrid Brito do Carmo ; prefácio
Valéria Nepomuceno ; apresentação da Coleção Renaform/UFRPE Flávia Peres. –
Recife : MXM Gráfica & Editora, 2016.
148p. – (Coleção Renaform-UFRPE : da formação a transformação)

Inclui referências.
ISBN 978-85-65501-32-3

1. EDUCAÇÃO – BRASIL – ASPECTOS SOCIAIS. 2. VIOLÊNCIA NA ESCOLA –


PREVENÇÃO. 3. CRIANÇAS E VIOLÊNCIA. 4. JOVENS E VIOLÊNCIA. 5. ASSÉDIO
NAS ESCOLAS. 6. BULLYING. 7. DIREITOS DAS CRIANÇAS – BRASIL. 8. DIREITOS
DOS ADOLESCENTES – BRASIL. 9. CONSELHOS TUTELARES – BRASIL. I. Fundação
Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional. II. Villachan-Lyra, Pompéia. III. Chaves,
Emmanuelle C. IV. Carmo, Jurema Ingrid Brito do. V. Nepomuceno, Valéria. VI. Peres,
Flávia. VII. Título. VIII. Serie: Coleção Renaform-UFRPE : da formação à transformação.
CDU 37(81)
CDD 370

PeR – BPE 16-414


SUMÁRIO
Prefácio.................................................................................................................. 5
Valéria Nepomuceno
Apresentação da Coleção RENAFORM/UFRPE.................................................. 7
Flávia Peres
Apresentação da organização do livro................................................................... 9
Pompéia Villachan-Lyra, Emmanuelle C. Chaves, Jurema Ingrid Brito do Carmo

PARTE I - REFLEXÕES TEÓRICAS


Violência escolar: angústias, desafios e (possíveis) alternativas.................. 15
Paulo André Sousa Teixeira
Conselho tutelar e escola: (re)pensando os sentidos da proteção................. 37
Humberto Miranda
Bullying e cyberbullying: enfrentamento da violência na escola................. 61
Paulo André da Silva
Desconstruindo a violência na perspectiva da formação da atitude adotiva
e cultura de paz............................................................................................. 83
Eneri S. C. de Albuquerque, Jaciara Santos Arruda

PARTE II - RELATOS DE EXPERIÊNCIA


(In)tolerância na escola: trabalhando conteúdos atitudinais por meio de
oficinas pedagógicas................................................................................... 107
Rosemery Batista de Moura, Pulcina Ferreira, Eneri S. C. de Albuquerque, Jurema
Ingrid Brito do Carmo

Enfrentamento da violência simbólica na escola........................................ 119


Mycheline Ribeiro Nabuco, Maria José Emídio da Silva, José Ricardo de Lima,
Paulo André Sousa Teixeira

Discriminação racial no cotidiano escolar: desafios e perspectivas............ 131


Cristiane Caetano dos Passos, Rosângela José de Souza, Célia Medeiros de Lima,
Humberto Miranda

Sobre os autores................................................................................................. 143


Sobre as organizadoras do livro......................................................................... 146
Homenagem póstuma à Jaciara Santos Arruda.................................................. 147
PREFÁCIO

O livro “Escola que Protege: Enfrentando a Violência contra Crianças e


Adolescentes” cumpre uma importante missão ao oferecer a oportunidade de
disseminação dos conteúdos trabalhados no Curso de Formação Continuada
Escola que Protege, promovido em 2014 e em 2015 pela Universidade Federal
Rural de Pernambuco-UFRPE.
Em um mundo cada vez mais globalizado, onde a competição e a disputa
estão presentes em todas as esferas da sociedade, a experiência do Curso de
Formação Continuada é acalentadora, especialmente pela disposição do proje-
to em dividir com todos os seus resultados, através desse livro. Foi com muita
alegria que recebi o convite para prefaciar a publicação, especialmente pela
seriedade com que as organizadoras e os autores tratam de assuntos essenciais
para a sociedade.
O fenômeno da violência contra crianças e adolescentes no Brasil tem au-
mentado a cada ano e suas expressões vêm alcançando diferentes espaços,
tanto privados quanto públicos, e a escola também é atingida por essa violên-
cia. Dados do Disque Denúncia Nacional, o Disque 100, do ano de 2015, reve-
lam que, dos 137.516 registros, 80.437 correspondem ao segmento criança e
adolescente. Os números são assustadores e mais preocupantes ainda quando
sabemos que são subnotificados. Ou seja, um número ainda maior desse seg-
mento não possue registros das violações sofridas.
Os motivos para a subnotificação das violências são variados. Desde o fato
da população em geral não reconhecer uma situação de violência, além do
medo das pessoas em sofrer represálias por causa da denúncia e também por
não acreditarem que realizar a denúncia pode fazer cessar a violência, uma vez
que não acreditam na capacidade dos órgãos públicos em proteger as vítimas e
responsabilizar os criminosos.
A proteção de crianças e adolescentes exige atitudes articuladas da família,
da sociedade e das instituições públicas. Uma das principais estratégias de en-
frentamento à violência é o conhecimento, ajudando a desconstruir a percepção
do fenômeno como algo natural em nossa sociedade. E por isso mesmo a ideia
do Curso de Formação Continuada, voltado para os agentes públicos que atuam
no ambiente escolar, contribui imensamente para o enfrentamento da violência
que atinge a criança e o adolescente. O livro “Escola que Protege: Enfrentando
a Violência contra Crianças e Adolescentes” oportuniza que outras pessoas se
mobilizem para tornar a escola um espaço público que protege seus discentes,
reconhecendo o fenômeno, socializando informações sobre as formas de como
enfrentá-lo, contribuindo para notificar a violência e por consequência ajudando
a prevenir novos casos.
A escola e toda comunidade escolar cumpre um importante papel na prote-
ção dos alunos. Razão pela qual o próprio Estatuto da Criança e do Adolescen-
te, Lei Federal 8.069 de 1990, em seu Capítulo II, quando trata das infrações
administrativas, no artigo 245, define que o responsável por estabelecimento
de ensino fundamental, pré-escola ou creche, deve comunicar à autoridade
competente os casos, até mesmo suspeitos, de maus-tratos contra crianças e
adolescentes, estabelecendo também uma pena para a desobediência do artigo.
O conteúdo deste livro possibilita que professores e toda comunidade es-
colar se envolvam com a questão da violência contra crianças e adolescentes,
independentemente de haver a obrigatoriedade da notificação dos casos defini-
da em lei. Nesse sentido, é significativa a contribuição trazida pelos conteúdos
abordados no livro sobre as questões teóricas envolvendo aspectos conceituais
da violência e suas consequências, o papel dos órgãos de proteção e, em espe-
cial, do órgão responsável por zelar pela garantia dos direitos da criança e do
adolescente, o Conselho Tutelar e a discussão de um fenômeno contemporâ-
neo relacionado ao avanço tecnológico e digital e sua relação com a violência.
O livro amplia a discussão para um aspecto mais propositivo, apresentando a
metodologia da formação da atitude adotiva e da cultura de paz.
A singularidade deste livro se expressa também ao agregar valor à aborda-
gem teórica, com a apresentação de três experiências, devidamente fundamen-
tadas teoricamente, desenvolvidas pelos cursistas no ambiente das escolas. O
próprio livro revela para os leitores uma estratégia pedagógica, ao exemplificar
que os conteúdos programáticos discutidos em sala de aula e sistematizados
podem (e devem) ser vivenciados pelas escolas, inspirando outros com os re-
latos dos cursistas.
Toda a sociedade precisa estar comprometida com o enfrentamento das di-
ferentes manifestações da violência contra crianças e adolescentes. Os profes-
sores, dirigentes de estabelecimentos escolares e outros agentes públicos têm
papel estratégico nessa luta. É o reconhecimento do lugar da comunidade esco-
lar no movimento pela proteção das crianças e dos adolescentes que identifico
ao longo deste trabalho, cuja leitura recomendo a todos que entendem que o
conhecimento é o mais importante instrumento de enfrentamento às violações
de direitos humanos de crianças e adolescentes.
Parabenizo a Universidade Federal Rural de Pernambuco pela disposição
em realizar o Curso de Formação Continuada Escola que Protege e pela publi-
cação do livro “Escola que Protege: Enfrentando a Violência contra Crianças
e Adolescentes”, revelando o verdadeiro papel de uma universidade pública. E
registro o meu reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelas organizadoras
da publicação, por todos os professores e cursistas.

Valéria Nepomuceno
(Departamento de Serviço Social – Universidade Federal de Pernambuco)
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
RENAFORM/UFRPE

Esta coleção de livros RENAFORM-UFRPE: Da formação à transfor-


mação tem como objetivo central reunir estudos, pesquisas e relatos de ex-
periências em contexto de mobilização e reflexão crítica, advindos de alguns
cursos ofertados por meio da Rede Nacional de Formação Inicial e Continu-
ada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública – UFRPE.
A Rede RENAFORM foi instituída pela Portaria MEC nº 1.328, de 23
de setembro de 2011, e tem por finalidade apoiar as ações de formação
continuada de profissionais do magistério da educação básica, agindo em
atendimento às demandas de formação continuada formuladas nos planos
estratégicos de que tratam os artigos 4º, 5º, e 6º do Decreto n° 6.755, de
29 de janeiro de 2009. É previsto que a formação da Rede seja constituí-
da pelas Instituições de Educação Superior (IES), públicas e comunitárias
sem fins lucrativos, e pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tec-
nologia (IF) que aderirem por seus termos. Pode ser compreendida como
uma peça fundamental para que se alcancem objetivos e metas da Política
Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica
(PONAFOR).
O Comitê Gestor Institucional da RENAFORM na Universidade Fede-
ral Rural de Pernambuco – UFRPE é uma das instâncias colegiadas exis-
tentes nesta instituição que contribuem com a IFES no sentido de cumprir,
de forma mais efetiva, com o seu papel protagonista na formação de pro-
fessores para a educação básica no Estado de Pernambuco, reafirmando
seu compromisso e responsabilidade social, atendendo aos desafios globais
e à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Na conquista de espaços como esses, que abrem a Universidade ao con-
tato direto com professores das redes municipais e estaduais em todo ter-
ritório nacional, programas como a RENAFORM podem, dentro de suas
funções sociais, mobilizar consciências para responsabilidades coletivas.
Ao mesmo tempo em que se alimenta dos saberes das práticas e vivências
de profissionais em atuação, a universidade reflete sobre suas próprias ba-
ses e formas de atuar, dialeticamente tornando-se ferramenta e resultado do
processo de formação que realiza.
Como fruto de sementes que foram lançadas desde 2009 através dos
cursos ofertados pela UFRPE no âmbito dessa rede, a presente coleção
oportuniza, com sua feliz iniciativa, a publicação de trabalhos que forta-
lecem experiências e favorecem novos caminhos que contribuam com a
educação básica, através da continuidade, atualização e ressignificação de
conhecimentos aos profissionais em atividade.
Um livro é um instrumento de debate e circulação de ideias, e contribui
para que o conhecimento permaneça em movimento e mudança. Sendo
elemento fundamental para intermediar ações e relações no mundo, é tam-
bém possibilidade de reflexão necessária à formação de profissionais da
educação. Quando inserido em uma coletânea, com temática central que
une vários olhares em uma teia de significados e sentidos, o que seria um
artefato único ganha força coletiva com múltiplas vozes em diálogo.
Aproveitamos esse espaço que nos foi conferido para apresentação da
coletânea para agradecer publicamente a todas as pessoas que desenvolve-
ram o compromisso com o conhecimento e, com clareza política, profis-
sional e científica, conduziram os trabalhos coletivos em cada curso que
desembocaram nos livros desta coleção. Os leitores encontrarão a possibi-
lidade de diálogo com diversas temáticas, organizadas a partir de cursos de
extensão, aperfeiçoamento e especialização ocorridos entre 2009 e 2016.
Com um espírito de luta estampado nos diferentes títulos da coletânea,
temos o prazer de apresentá-los na ordem em que estão distribuídos à co-
munidade: (1) Avaliação da aprendizagem escolar: desafios e perspectivas;
(2) Escola que Protege: enfrentando a violência contra crianças e adoles-
centes; (3) Sexualidade na escola: contribuições na formação docente e na
prática pedagógica; (4) Educação Integral e a Transdisciplinaridade; (5)
Formação de educadores socioambientais; (6) Proposta curricular e me-
todologia na Educação Integral; (7) Educar para a Igualdade Racial nas
Escolas; (8) Educação do Campo: reflexões sobre a formação docente; (9)
Educação do Campo: questões teórico-metodológicas e (10) Ensino médio
nas ciências naturais: fundamentos teóricos e vivências didáticas.
A coleção de livros RENAFORM-UFRPE: Da formação à transforma-
ção é uma rede em vários sentidos, pois que se mesclam em suas linhas
muitas vozes, as quais produzem, entre os pontos tecidos de seus diálogos,
muitos significados para a formação de professores. Com isso, é um convi-
te à participação no processo educacional. Que a leitura desses livros possa
contribuir para com a concretização histórica de um futuro mais digno para
a educação em nosso país.

Recife-PE, 30 de março de 2016


Flávia Peres
Coordenadora Institucional do COMFOR-UFRPE
APRESENTAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
DO LIVRO

Atualmente, é inquestionável o aumento e banalização da violência no


cotidiano, o que tem se constituído como um problema social grave, pre-
sente em diversos ambientes, inclusive na escola. No entanto, a escola não
pode se omitir ou se calar diante do contexto de violência, sendo esse um
espaço promotor de desenvolvimento e de formação, além de científica,
ética e moral das pessoas inseridas no processo educacional. Entendemos
a escola como um espaço privilegiado para favorecer um desenvolvimento
infantil saudável e garantir inclusão social e pleno exercício da cidadania
por parte das crianças e adolescentes. Diante de eventos adversos e estres-
sores (como é o caso da violência), a escola deve se constituir como um
espaço de proteção, buscando garantir a efetivação dos direitos das crian-
ças e adolescentes.
Sabemos que a escola é um estabelecimento que capacita crianças e
jovens a construir e gerenciar o conhecimento científico. No entanto, sua
missão não se encerra nesse objetivo pois, além do conhecimento científico
veiculado pela escola, essa instituição tem como missão favorecer o desen-
volvimento do aluno como cidadão.
Dentre os problemas que fazem parte do universo escolar, temos as
diversas formas de violência cometidas contra crianças e adolescentes. A
análise desse quadro social revela que as marcas físicas visíveis no corpo
deixam um rastro de marcas psicológicas invisíveis e profundas. Além das
marcas visíveis, também são inúmeras as marcas deixadas pelos diversos
tipos de violência, que também geram um enorme impacto no curso do
desenvolvimento da criança e do jovem. Portanto, o combate à violência,
que muitas vezes começa dentro de casa ou da escola, se constitui como
uma tarefa complexa, que demanda a mobilização de uma rede de proteção
integral em que a escola se destaca com responsabilidade social ampliada.
O Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECADI), desenvolveu em
2004 o Projeto “Escola que Protege”, que tem como finalidade promover
ações tanto preventivas como educativas, com o objetivo de enfrentar e
reverter o quadro de violência contra crianças e adolescentes existente no
Brasil. A ênfase desse projeto recai sobre a formação de profissionais que,
direta ou indiretamente, estejam envolvidos com o combate à violência
cometida contra crianças e adolescentes.
Buscando contribuir nessa temática, de tamanha importância para a so-
ciedade e mais particularmente para a escola, enquanto agência formadora
de cidadãos, o curso de formação continuada Escola que protege - UFRPE,
se propõe a contribuir com a formação dos professores na busca de formas
qualificadas para prevenir e enfrentar essas situações de violências, cada
dia mais frequentes em nosso contexto escolar.
Este livro se constitui como mais uma iniciativa nessa direção e foi escri-
to pela equipe de docentes e cursistas do ano de 2015, do curso Escola que
Protege da UFRPE. Tem como finalidade compartilhar com profissionais
diversos relacionados ao universo escolar temáticas de grande relevância na
busca de um ambiente escolar acolhedor e comprometido com o processo
de prevenção e enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes,
visando subsidiar ações práticas de acolhimento e enfrentamento à violência.
O livro será organizado em duas seções. A primeira, de natureza mais
teórica, será composta por quatro capítulos.
No primeiro capítulo, que tem como título “Violência escolar: angús-
tias, desafios e (possíveis) alternativas”, o professor Paulo André Sousa
Teixeira discute a violência enquanto um conceito polissêmico, entendi-
da como produto de seu tempo e das relações/acordos que se forjam em
determinada sociedade. O espaço escolar é abordado e concebido como
um dos espaços de sociabilidade em que essas “produções violentas” se
expressam. Ainda, apresenta o paradigma filosófico e prático da Justiça
Restaurativa como alternativa de resistência, uma forma dos atores edu-
cacionais se empoderarem de suas querelas, favorecendo os mecanismos
(ditos) alternativos de resolução de conflitos, através do fortalecimento dos
arranjos interpessoais e comunitários disponíveis.
O segundo capítulo, de autoria do professor Humberto Miranda, tem
como título Conselho Tutelar e Escola: (re)pensando os sentidos da prote-
ção e se propõe a analisar o discurso das legislações vigentes, procurando
construir diálogos entre a educação e o sistema de garantia de direitos.
Destaca o papel do conselho tutelar como órgão zelador dos direitos de
meninos e meninas, contribuindo para que a escola seja um espaço de pro-
moção desses direitos, tornando-se assim uma “escola que protege”.
O terceiro capítulo é intitulado Bullying e Cyberbullying: enfrentamen-
to da violência na escola, de autoria do professor Paulo André da Silva.
Este capítulo tem como objetivo dimensionar um dos tipos de violência
que é encontrado na escola, o cyberbullying. Propõe uma discussão sobre
a centralidade da cultura, o desenvolvimento de uma cultura digital, apre-
sentando brevemente aspectos próprios sobre a Internet, redes sociais e
mobilidade da informação e como, neste contexto cultural e social, os ado-
lescentes formam suas identidades e isto afeta o modelo escolar predomi-
nante. São ainda abordados aspectos próprios do bullying e cyberbullying,
buscando apresentar algumas alternativas para o enfrentamento deste tipo
de violência que tem surgido fortemente nas escolas e repercutido pelas
redes sociais na Internet.
Concluindo a primeira seção do livro, teremos o quarto capítulo, de
autoria das professoras Eneri Albuquerque e Jaciara Arruda, com o título
“Desconstruindo a violência na perspectiva da formação da atitude adotiva
e cultura de paz”. Nesse capítulo são discutidos os seguintes aspectos: a
violência na sociedade contemporânea e suas repercussões na escola; base
conceitual da proposta pedagógica; formação da atitude adotiva e possíveis
estratégias na prática pedagógica que podem ajudar a lidar com a violência
escolar.
Na segunda seção do livro estão relatadas três experiências de interven-
ção na escola, planejadas e executadas por profissionais que participaram
do curso.
Iniciando a seção de relato de experiências, teremos o capítulo cinco,
intitulado “(In)tolerância na escola: trabalhando conteúdos atitudinais por
meio de oficinas pedagógicas”. Nesse capítulo, Rosemery Moura, Pulci-
na Ferreira, Eneri Albuquerque e Jurema Ingrid Carmo propõem oficinas
pedagógicas para desenvolver atitudes de respeito, solidariedade, reconhe-
cimento e aceitação do diferente e, consequentemente, transformar a into-
lerância em tolerância. A realização das atividades na escola teve por ob-
jetivo analisar a percepção dos estudantes sobre situações de preconceito
para que, a partir das interações coletivas, eles aprendessem a importância
do respeito às diferenças individuais e se mobilizassem para construírem
e/ou fortalecerem uma política de respeito às singularidades, necessária à
boa convivência em uma sociedade democrática e pluralista.
O sexto capítulo tem como título “Enfrentamento da violência simbóli-
ca na escola”, de autoria de Mycheline Nabuco; Maria José da Silva; José
Ricardo de Lima e Paulo André Sousa Teixeira. Esse projeto de interven-
ção baseou-se na realização de uma palestra sobre o enfrentamento da vio-
lência simbólica no âmbito escolar, para os alunos do Ensino Fundamental
de uma escola pública da Região Metropolitana do Recife. Posteriormente,
foi solicitado que os alunos escrevessem uma redação sobre a temática. Na
palestra foram abordados diversos assuntos referentes à questão da violên-
cia, tais como: o conceito de violência, em suas diversas formas e tipos; a
noção de violência simbólica e algumas de suas formas de manifestação,
tais como bullying, discriminação, preconceito, racismo, opressão e coer-
ção; as consequências da violência na vida da criança e do adolescente,
dentre outras.
Por fim, o ultimo capítulo, “Discriminação racial no cotidiano escolar:
desafios e perspectivas” é de autoria de Cristiane Passos, Rosangela Souza,
Célia de Lima e Humberto Miranda. Trata-se de um relato de experiência
cujo objetivo foi promover em uma comunidade escolar um debate sobre
o racismo, possibilitando com isto: um levantamento de discussões quanto
às práticas pedagógicas e as emergências de situações geradoras de discri-
minação racial, a partir do contexto escolar; a compreensão da materiali-
zação do racismo institucional e suas consequências na vida do alunado;
o despertar de uma análise quanto o papel da escola na prática de atitudes
racistas; e incentivar uma articulação entre a Lei 10.639/03 e outras formas
de institucionalização do combate às práticas consideradas discriminató-
rias e racistas no contexto escolar.
Desejamos a todos e todas uma excelente leitura e sigamos juntos(as)
na busca por uma escola que protege e contribui no processo de garantia de
direitos das crianças e jovens do nosso país.

Pompéia Villachan-Lyra
Emmanuelle C. Chaves
Jurema Ingrid Brito do Carmo
PARTE I
REFLEXÕES TEÓRICAS
Parte I – reflexões teóricas

VIOLÊNCIA ESCOLAR: ANGÚSTIAS, DESAFIOS E


(POSSÍVEIS) ALTERNATIVAS

Paulo André Sousa Teixeira


Psicólogo do Tribunal de Justiça e do Ministério Público de Pernambuco
Email: pasousa@gmail.com

Tem sido comum a veiculação de matérias jornalísticas, em suas


diversas formas de expressão, que retratam a violência vivenciada pe-
los atores que compõem a comunidade escolar – estudantes, professo-
res/as, diretores/as e demais envolvidos. Essa realidade tem provocado
insatisfações e angústias, sobretudo nos profissionais de educação, os
quais, não raramente, apontam para uma “escalada da violência” intra-
muros e nas adjacências dos colégios, sejam estes públicos ou privados.
O presente capítulo busca refletir sobre a violência, como fenômeno
polissêmico, dentro do contexto em que ela é produzida, entendida
como expressão de seu tempo e das relações/acordos que se forjam em
uma determinada sociedade. Nesse sentido, a escola é compreendida
como um dos espaços de sociabilidade em que essas “produções vio-
lentas” se expressam, com todas as idiossincrasias que esse lugar deli-
mita. Diante desse quadro, não é incomum a gestão escolar solicitar a
intervenção dos órgãos que compõem a Rede de Proteção infanto-juve-
nil, como Conselho Tutelar, Ministério Público, Polícia Militar ou Civil
e o Poder Judiciário, interação que causa, por vezes, estranhamentos
mútuos, os quais serão melhor desdobrados no decorrer do texto. Por
fim, propomos o paradigma filosófico e prático da Justiça Restaurati-
va como alternativa de resistência, uma forma dos atores educacionais
se empoderarem em suas querelas, favorecendo os mecanismos (ditos)
alternativos de resolução de conflitos, através do fortalecimento dos ar-
ranjos interpessoais e comunitários disponíveis.

1) A violência como fenômeno histórico e polissêmico


A violência tem sido tematizada em diversos campos do conhe-
cimento, entre os quais destacamos a Sociologia, a Psicologia e a
Educação. Uma análise minimamente responsável para esse fenôme-

15
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

no merece levar em consideração o seu caráter histórico (que signi-


fica entendê-lo não como um fenômeno natural, mas produzido por
determinados vetores, em um determinado recorte temporal), a sua
complexidade (o que obriga a entender as suas diversas causas) e a
sua polissemia (haja vista a diversidade de definições propostas, nem
sempre complementares e por vezes divergentes). Esse cenário difuso
impõe dificuldades e limites que merecem ser considerados, sob pena
de incorrermos em determinados reprodutivismos e/ou discursos fa-
talistas (FREIRE, 2011).
Outro cuidado a ser tomado é evitar cair no “doce canto da se-
reia” de, ao falar sobre violência, reificá-la. Muitos discursos de
“enfrentamento”, “denúncia” e outras posturas combativas acabam
por cair nessa armadilha. De tanto se falar, tematizar, temer, cria-se,
fatalmente, o “leviatã” temido. Algo semelhante ocorre com a abor-
dagem “anti-drogas”, na qual a propalada guerra contra o tráfico
acaba por retroalimentar o próprio sistema. Em ambos os contextos
o círculo vicioso não oferece fissuras.
De antemão, não estamos defendendo qualquer postura passiva
diante de cenas de violação de direitos, sobretudo quando as vítimas
são populações historicamente vulneráveis, como mulheres, idosos
e crianças e adolescentes. Entretanto, a propositura apenas de ações
de caráter exclusivamente repressivos não dão conta de mudar essa
realidade, mas apenas coibi-la, sem necessariamente transformá-la.
Este capítulo tem a pretensão de “positivar” a violência, não no sen-
tido de encontrar aspectos benéficos em expressões da violência,
mas de potencializar estratégias preventivas, municiar o leitor com
uma leitura conjuntural do fenômeno, bem como propor saídas de
resolução de conflitos para além dos binômios “certo e errado”, “cri-
minoso e vítima”, “mocinho e bandido”. Essas categorias estanques
só têm servido para a manutenção de um determinado status quo, o
qual não tem beneficiado parcela significativa da nossa sociedade.
Em termos etimológicos, a palavra “violência” vem do
latim, violentia e significa força violenta; ou, ainda, re-
curso à força, para submeter alguém (contra sua vonta-
de); exercício da força, praticado contra o direito (Russ,
1994). Essa força é definida como violência quando per-

16
Parte I – reflexões teóricas

turba acordos e regras que pautam as relações, o que lhe


confere uma carga negativa (Zaluar, 2000). A violência
contra o ser humano faz parte de uma trama antiga e com-
plexa: antiga, porque data de séculos as várias formas de
violência perpetradas pelo homem e no próprio homem;
complexa por tratar-se de um fenômeno intrincado, mul-
tifacetado. A análise do fenômeno da violência deve partir
do reconhecimento da sua complexidade, abarcando tanto
a existência de múltiplas formas de violência, com suas
diferenças qualitativas, como também os diferentes ní-
veis de significação e os seus diversos efeitos históricos
(CANDAU, 2001; MARTÍN-BARÓ,1983/1997). (OLI-
VEIRA; MARTINS, 2007, p. 90, grifos nossos).

Após essas breves considerações, convidamos o leitor a refletir


sobre violência e escola, quando esse antigo fenômeno e essa remota
forma de transmissão de conhecimento se depararam, quais os dilemas
provocados por esse encontro e o que fazer diante dos efeitos gerados
intra e extra muros escolares.

2) Qual o lugar da escola na (re)produção do ato violento?


A “democratização”1 quantitativa da educação se deu, de forma
expressiva, no transcorrer da década 1990 (GALVANIN, 2005). Ou-
trora, era comum apenas camadas bem delimitadas da população
terem acesso às bancas escolares, sobretudo as classes média e alta,
pois a escolarização era privilégio de poucos. Desta forma, manti-
nha-se a estagnação das camadas da sociedade em seus respectivos
lugares, uma vez que pouca – quase nenhuma - oportunidade se
dava para a ascensão social. Quando havia um caso excepcional, um
“faxineiro que virou juiz”, reverberava-se, com orgulho, a possibi-
lidade de “com o suor do próprio rosto” subir na difícil íngreme es-
calada social. Sedimentava-se, com isso, uma das diversas falácias
relacionadas à meritocracia exclusivista.
1 Justificamos o uso deste termo entre aspas porque entendemos que, no lugar de uma
verdadeira democratização - que pressupõe uma expansão quantitativa e qualitativa
da oferta de ensino – houve na verdade uma massificação de matrículas e inserção em
salas de aula, com muitas disciplinas ministradas através de vídeo-aulas, em condi-
ções físicas pouco apropriadas e com facilitadores sem formação para aquele tipo de
metodologia. A função dessa proposta educacional era meramente cumprir acordos
internacionais, principalmente aqueles que condicionavam a liberação de recursos ao
cumprimento dessas metas de inclusão maciça de crianças e adolescentes nas escolas
públicas existentes.

17
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Com a dita democratização, não apenas as camadas mais pobres


da sociedade obtiveram acesso à escola formal, mas todos os pro-
blemas outrora “esquecidos” também vieram para a sala de aula.
Antes de qualquer interpretação apressada, não estamos, de forma
alguma, advogando que o problema da violência escolar é advindo
da inclusão de camadas desfavorecidas da população nas escolas.
Estamos, sim, afirmando que esse movimento possibilitou a quebra
de muitos muros, o que redundou na criação de novas demandas
para a escola, que agora deveria se reinventar para educar conside-
rando novas realidades anteriormente “desconhecidas”.
Outra variável historicamente construída, que merece conside-
ração diferenciada pela sua atualidade, diz respeito às interpreta-
ções distintas para um mesmo fenômeno, a depender do autor de sua
ação, sobretudo em razão do sexo (se menino), da cor (se negro),
da faixa etária (se adolescente) e da condição social (se pobre). O
mesmo “furto” pode ser tido como uma pilhéria, “coisa da idade”,
um “ato para chamar a atenção” até um grave problema pedagógico,
quiçá um ato infracional a ser tipificado pela legislação vigente.
Essa realidade nos faz refletir sobre o conhecido (e equivocado)
saudosismo de que “tudo antes era melhor”. Ou seria melhor tam-
bém o menor quantitativo de pessoas alfabetizadas e com acesso à
educação, com a participação predominante de uma classe social
bem demarcada? Além desse dado, tínhamos a utilização de métodos
violentos de controle de comportamentos – palmatórias, gritos, cas-
tigos físicos, dentre outros -, abrindo brechas para o questionamento
se gerações foram educadas (no sentido amplo da palavra) ou foram
domesticadas, a partir de estratégias predominantemente punitivas,
pouco reflexivas e dialógicas.
Hoje podemos afirmar que, pelo menos no plano formal, essas
técnicas “pedagógicas” pautadas em castigos físicos, humilhação
e terror psicológico não são mais toleradas2. Entretanto, o “flerte”
2 Essa mudança cultural pode ser observada na promulgação da Lei Federal Nº
13.010/2014, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA que ficou
conhecida como “Lei do Menino Bernardo”, que criminalizou, de forma mais
contundente, uso de castigos físicos como forma de estratégia pedagógica dentro
ou fora do âmbito familiar. Vide: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

18
Parte I – reflexões teóricas

entre violência e espaço escolar não se esgotou. Substituindo o uso


de técnicas violentas, contemporaneamente a escola é convidada a
denunciar e encaminhar casos de violência de que tenha conheci-
mento. Passou de agente de punição para agente de proteção.
Ao se depararem com obrigações como esta, muitos profissio-
nais da educação se ressentem de “mais uma tarefa”, como se fosse
possível ensinar sem cuidar, como se os aspectos cognitivos esti-
vessem descolados de eventuais machucados, mudanças abruptas
de comportamento, desenhos “estranhos”, para descrever apenas
as consequências mais comuns nas crianças e adolescentes que são
vítimas de violência. Mais adiante daremos algumas diretrizes de
como esses encaminhamentos poderão ser realizados e com quais
instituições a escola poderá dialogar.
Entendemos, empaticamente, que os professores, muitas vezes,
não possuem condições adequadas de trabalho (salas quentes, qua-
dros que ainda usam giz, falta de bancas, livros didáticos desa-
tualizados, dentre outras dificuldades), além de vários receberem
remuneração aquém da merecida, em razão da complexidade do
trabalho desenvolvido. Essa conjuntura, infelizmente, pode redun-
dar em atuações pouco criativas, causando prejuízos, principal-
mente, nos alunos. Mas também temos que estar atentos ao fato
de que a escola, por vezes, é o único lugar de confiança daquele
aluno e o professor sua figura de referência, conferindo-lhe signi-
ficativa responsabilidade pelo que vê, ouve e sensivelmente per-
cebe. Conhecer as funções dos outros atores que, juntamente com
a escola, compõem a rede de proteção à criança e ao adolescente,
pode minimizar a angústia dessa responsabilidade, que não deve
ser solitária.
Temos, por exemplo, o Conselho Tutelar, órgão formado por
pessoas eleitas pela comunidade para zelar pelos direitos de crian-
ças e adolescentes, devendo ser acionado toda vez que haja fato ou
indício de situação que possa comprometer o bem-estar, o desen-
volvimento pleno e saúde integral de qualquer infante3. O Ministé-
2014/2014/Lei/L13010.htm (Acesso em 14/11/2015, pelas 18:30h)
3 Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento
cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obri-
19
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

rio Público também é outro parceiro estratégico, responsável pela


fiscalização permanente das instituições e dos atores envolvidos
no Sistema de Garantia de Direitos – SDG infanto-juvenil4. Temos
ainda as Delegacias de Polícia, vinculadas às polícias civis, que
podem ser acionadas em casos em que adolescentes violam direi-
tos de outrem ou em situações nas quais os direitos de crianças
e adolescentes são violados. Faremos considerações sobre esses
encaminhamentos nas páginas à frente. Alertamos, entretanto, que
não esgotamos as possibilidades de parceiros disponíveis no SGD,
apenas destacamos aqueles mais comuns, considerando o objeto
de estudo deste capítulo.
No mesmo ambiente em que se apresenta o aluno vitimado -
seja por seus familiares, pessoas da comunidade ou mesmo da
escola -, temos o estudante muitas vezes rotulado como “proble-
ma”, aquele que apresenta comportamento agressivo e responde
de forma grosseira aos questionamentos, podendo chegar, inclu-
sive, às vias de fato com alguns colegas e professores. Uma pro-
posta apressada de atuação nessa realidade se resumiria às ultra-
passadas – e ineficazes – propostas de suspensão ou expulsão do
aluno, a depender da gravidade do ato. Faz-se necessário, nesse
contexto, lembrar que toda ação humana no mundo é prenhe de
significados. Nesse sentido, cabe aos interlocutores a disponibi-
lidade de interpretação e realização dos encaminhamentos mais
apropriados para potencializar ou debelar aquele determinado
comportamento.
Para colaborar com o deslocamento dessa discussão do lugar
comum para a reflexão cuidadosa do caso a caso, aquela que não
oferece “fórmulas mágicas”, nem “receitas de bolo”, entendemos
por relevante as contribuições de Chartlot (2002), quando propõe
uma diferenciação na compreensão da agressividade, da agressão

gatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem


prejuízo de outras providências legais
4 Art. 201. Compete ao Ministério Público: V - promover o inquérito civil e a
ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coleti-
vos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º
inciso II, da Constituição Federal;

20
Parte I – reflexões teóricas

e da violência. A primeira poderia ser entendida como uma disposi-


ção biopsíquica reacional. Nesses termos, poderíamos compreendê-
-la como constituinte da espécie humana, um aumento das funções
motoras e da atividade cognitiva, que se dá em um determinado
contexto e numa dada relação. A segunda implica uma brutalida-
de física ou verbal, são os casos onde ocorre uma exasperação da
agressividade. Por fim, a violência remete a uma característica desse
ato, enfatiza o uso da força, do poder, da dominação.
Como podemos ver, os conceitos são gradativos, mas em mui-
to eles se interpenetram. Essa noção de gradação é importante
também para os casos concretos, pois não podemos interpretar
nem adotar as mesmas providências para uma situação de agres-
sividade – por mais acentuada que ela seja – como se fosse um
caso de violência, com essas demarcações de força, poder e do-
minação5.
Outra variável que corrobora com o sentimento de impotência
dos docentes em relação a esses eventos diz respeitos às falsas inter-
pretações do Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmen-
te quando são reproduções acríticas de comentários pouco funda-
mentados. As marcas predominantes desse movimento são: a falta
de conhecimento básico, quando, muitas vezes, o “crítico” nunca
consultou a legislação para confrontar se existe coerência entre as
suas opiniões e o texto legal; a histórica campanha difamatória
contra o Estatuto (PINHEIRO, 2006), que se iniciou logo após sua
promulgação, por setores inconformados com a predominância da
Doutrina da Proteção Integral, em detrimento da Situação Irregular,
que reduziu drasticamente a interveniência do poder do estado na
vida das famílias, sobretudo do Judiciário; e, por fim, como justi-

5 Enquanto este artigo estava sendo elaborado, foi veiculado pelas redes sociais
as imagens de uma criança de sete anos, da cidade de Macaé – RJ, revirando os
mobiliários da escola, dentre outros materiais didáticos. Recomendamos o acesso
à matéria sobre esse incidente como complementação à nossa discussão (uma
vez que a identidade do garoto foi preservada), alertando que a divulgação des-
se material, expondo a criança, é crime, conforme artigos 17 e 18, da Lei Nº
8069/1990: “Vídeo de menino revirando sala dos professores provoca polêmica”:
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/11/video-de-menino-revirando-sala-
-de-professores-provoca-polemica.html

21
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

ficativa para a omissão pessoal, uma vez que “se não me deixam
agir”, estagno no cômodo lugar da passividade e da inércia.
Para complementar esse quadro, temos ainda, segundo Cruz et
al. (2014), um crescente movimento de medicalização da infância,
o qual acredita que grande parte dos “atos agressivos” são frutos de
distúrbios psicológicos, como o de Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade (TDAH). Conforme relata Cruz, houve um aumen-
to entre 2000 e 2008 de 1.616% no uso do metilfenidato (conheci-
do por Ritalina), medicamento utilizado, dentre outras funções, para
controlar esses comportamentos ditos agressivos, o que o levou a ser
apelidado de “droga da obediência”. Corroboramos os autores desse
estudo quanto à importância de medicar casos pontuais, bem avalia-
dos e com acompanhamento sistemático, ao passo que também enten-
demos como absurda a prescrição em massa desses fármacos, como
“fórmulas mágicas da aprendizagem”, assim como, um dia, o rivotril
foi ofertado como “pílula da felicidade”.
Contudo, não estamos legitimando certas linhas de pensamento que
tendem a culpabilizar exclusivamente o professor por qualquer proble-
ma que se circunscreva ao espaço escolar, criando uma falsa dicotomia
em que os docentes são sempre algozes e o outro – seja aluno, família,
parceiros institucionais, etc. – as vítimas. Faz-se urgente o cuidado com
os profissionais da educação, através de uma infraestrutura digna de
trabalho, remuneração condizente com a complexidade e relevância da
atividade e programas de formação continuada, com temas atuais, tendo
a temática da “violência” como abordagem transversal e permanente.
O propalado “empoderamento”, apesar de necessário, não pode ter a
conotação do “faça apenas você”, transformando uma questão social/
institucional numa responsabilidade exclusivamente individual.
Concomitante a um programa de formação inicial (principalmen-
te na oferta dos cursos de graduação) e continuado (através de pro-
jetos de pós-graduação, cursos de extensão e outras ações de cunho
formativo), destacamos a importância das reuniões pedagógicas
como espaços de trocas e não de reificação dos conhecidos “alunos
problemas”. A participação de um profissional externo pode con-

22
Parte I – reflexões teóricas

tribuir com esse distanciamento, apesar do necessário cuidado dos


presentes de não caírem nesse fácil e cômodo lugar da construção
de estereótipos.
Outra diferenciação que se faz necessária é nosso entendimento
sobre a escola (locus geográfico restrito, espaço onde convencio-
nou-se replicar o conhecimento tradicionalmente tido como formal)
e a educação (processo mais amplo de formação humana, não cir-
cunscrito à escola ou aos educadores, que inclui os aspectos cogni-
tivos, afetivos, morais e espirituais da experiência humana). Essa
distinção se mostra apropriada para entender professores e professo-
ras não como especialistas da estrutura escolar, senão de uma cons-
trução educacional. Desta forma, há um compromisso ético com a
aprendizagem - em termos cognitivos, morais e também existen-
ciais – assim como com o desenvolvimento integral, entendido nas
esferas física, biológica e sociocultural. Essa forma de entender o
sujeito educacional permite uma implicação com o aluno extramu-
ros escolares, sem necessariamente querer invadir as competências
e responsabilidades inerentes à família ou de outros atores sociais,
no tocante às suas crianças e adolescentes.
Sendo assim, ciente dessas flexibilizações territoriais, podemos
entender também, inspirados pelas contribuições de Chartlot (2002),
que a violência poderá se expressar na escola de três formas distintas:
a) Na primeira delas, temos que a violência na escola é aquela que
se produz ou é percebida dentro do espaço escolar, sem estar, neces-
sariamente, ligada à natureza e às atividades da instituição escolar.
É nesse tipo de violência em que a criança ou o adolescente poderá
chegar vitimado na escola, sendo obrigação dos professores e de-
mais gestores a notificação às autoridades competentes, tais como
o Conselho Tutelar, Ministério Público ou ligando para o Disque
100. Ressalte-se que esses procedimentos são sigilosos, evitando-
-se a exposição dos denunciantes. Além do caráter cívico deste ato,
sua omissão pode implicar, segundo a Lei Nº 8069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente) punição, em decorrência de infração ad-
ministrativa, conforme se depreende do Art. 245, que determina:
Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por
estabelecimento de atenção à saúde e de ensino funda-

23
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

mental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade


competente os casos de que tenha conhecimento, en-
volvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos con-
tra criança ou adolescente: Pena - multa de três a vinte
salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência. (BRASIL, 1990)

O Bullying pode ser entendido como fenômeno que possui des-


dobramentos frequentemente perceptíveis no âmbito escolar, apesar
de sua ocorrência não estar restrita a ele. Por definição, entendemos o
Bullying como “a ocorrência de várias ações violentas, agressivas, in-
tencionais e repetitivas, que causam dor, intimidação e angústia a uma
vítima” (MIRANDA; MOURÃO, 2014, p. 221). Esse também é um
tipo de violência comumente verificado no espaço escolar ou, mais co-
mum, seus efeitos, como o baixo rendimento do estudante, alterações
comportamentais abruptas, falta de vontade de ir para escola, podendo
evoluir para diversos níveis de depressão e até casos de suicídio.

b) A violência à escola está ligada à natureza e às atividades da ins-


tituição escolar. Temos aqui os infelizes, mas frequentes, casos de
agressões a professores, supervisores e demais profissionais do cor-
po escolar. Outros exemplos dizem respeito à dilapidação das ban-
cas, pichação de muros e portas e outras formas de deterioração dos
espaços físicos. Esses eventos podem ser entendidos como respos-
tas mal elaboradas da violência sofrida pelos estudantes – seja em
casa, na comunidade em que vive ou na própria escola – ou como
sintomas dos espaços socioculturais em que o jovem está inserido.
Esses eventos não seriam direcionados necessariamente à escola,
mas a qualquer pessoa/instituição que representasse uma ameaça
aos interesses imediatos dele e de seu grupo (casos de jovens envol-
vidos com o tráfico de drogas, exploração sexual, situação de rua ou
grupos de adultos que praticam todo tipo de delito).
c) Na terceira e última forma de expressão, temos a violência da
escola. Neste caso, enfatiza-se a violência institucional e simbólica
(PATTO, 1999), praticada ou por seus membros – através de humi-
lhações, desqualificações ou até mesmo agressões físicas – ou pelas
mensagens transmitidas através dos meios formais (sites, e-mails,

24
Parte I – reflexões teóricas

palestras, aulas, panfletos e outras publicações) ou mesmo infor-


mais (conversas na sala dos professores, nos corredores ou em redes
sociais entre membros da escola), que tenham caráter discriminató-
rio, sobretudo racistas, homofóbicos, machistas ou outras formas
particulares de preconceito. Por sua sutileza e difícil identificação,
também há dificuldades de encaminhamentos e providências cabí-
veis, mas que não devem fazer deste tipo de violência uma forma
menos importante, nem que se desdobre em consequências menos
danosas que os demais tipos de expressão relatados nesta seção.

Na próxima seção, refletiremos com maior ênfase sobre os casos


em que adolescentes violam o direito alheio, seja de seus pares ou
de outros profissionais que constituem o universo escolar. Espera-
mos que essas reflexões desconstruam algumas ideias equivocadas,
social e historicamente compartilhadas, principalmente aquelas que
advogam, equivocadamente, sobre uma pretensa inexistência/inefi-
cácia legislativa de mecanismos punitivos para a população juvenil.

3) Ato infracional ou indisciplina?


Nas aulas e palestras que ministramos sobre as relações entre violên-
cia e escola, cujo público majoritário é composto por professores/as, é
bastante comum o debate caloroso sobre as diferenças e particularida-
des entre o ato infracional e o ato de indisciplina. Alguns, sequiosos por
“fórmulas mágicas”, não se cansam de relatar, de maneira “catártica”,
seus inúmeros “causos”. Muitas vezes, parece que estamos numa tácita
disputa da “pior escola” ou do “aluno mais problemático”, uma perse-
guição imaginária pelo lugar de maior merecedor da ajuda e da piedade
dos demais presentes. Reconhecemos, de antemão, a existência de uma
zona nublada entre os fenômenos, mas também destacamos que a per-
gunta que está por trás dessa inquietação (a gente resolve esse conflito
internamente ou aciona os órgãos da rede de proteção, especialmente a
polícia especializada?) poderá ser melhor elaborada se tivermos clareza
em relação a alguns pontos que passaremos a discutir.
Inicialmente, temos a distinção terminológica, uma vez que ato
infracional, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu

25
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

art. 103, conceitua: “Considera-se ato infracional a conduta descrita


como crime ou contravenção penal”. Desta forma, roubos, furtos, trá-
fico de drogas, lesões corporais, injúria, calúnia, difamação, depreda-
ção do patrimônio público, dentre outros comportamentos previstos
nas legislações que fazem o descritivo das condutas penalizáveis (Có-
digo Penal, Código de Trânsito, Lei de Drogas, Estatuto da Criança e
do Adolescente, dentre outras) deveriam resultar no encaminhamento
para uma delegacia especializada, a fim de resultar, em alguns casos,
na abertura de um Procedimento Judicial de Apuração de Atos Infra-
cionais. O ato de indisciplina, por seu turno, deveria ser entendido
como a desobediência de normas intraescolares, previstas em seu re-
gimento interno ou admitidas pela cultura compartilhada, tais como:
chegar atrasado, não usar o fardamento determinado, tratar colegas e
profissionais de forma desrespeitosa, existindo, portanto, um rol infi-
nito de situações que poderiam ser pontuadas.
Entretanto, mesmo diante das diferenciações acima, devería-
mos nos perguntar: “Será que toda situação de furto, ocorrido nas
dependências da escola, mereceria virar um caso de polícia?”. Al-
guns questionamentos podem ajudar no caso concreto:
a) Foi esse um caso isolado ou existe um histórico reiterado de
acontecimentos idênticos ou semelhantes?
b) Há conhecimento do contexto familiar e social dos envolvidos e
se houve mudança abrupta nesses contextos nos últimos meses?
Separação, despejo, mortes ou outro evento representativo?
c) Que significado aquele “furto”, por exemplo, teve para os envol-
vidos? Vontade de vingança, uma retaliação que já vem de his-
tórias pregressas de conflitos entre os sujeitos envolvidos? Foi
motivado por uma necessidade fundamental, para a compra de
alimento para casa ou um remédio para algum parente gravemen-
te enfermo? Ou teria sido um mero engano, uma panaceia que
tomou proporção maior do que deveria?
De forma alguma estamos propondo uma justificativa para atos
socialmente condenáveis, apenas levantamos a importância de, atra-
vés de atitudes interessadas e de uma escuta atenta, os representan-

26
Parte I – reflexões teóricas

tes escolares buscarem compreender as variáveis existentes para a


formação daquele quadro, evitando-se julgamentos apressados e a
busca imediata por culpados e suas punições.
Além dessa postura ética, entendemos por essencial o permanente
contato da escola com os outros atores do Sistema de Garantia de
Direitos infanto-juvenil. Os equipamentos escolares precisam conhe-
cer e interagir com os Centros de Referência da Assistência Social
– CRAS, com o Conselho Tutelar da região, com o posto de saú-
de, ONGs que tratam de temáticas afins, dentre outros órgãos, como
aqueles que abordam o direito da mulher, do idoso, de negros, da
comunidade LGBT, dentre outros grupos minoritários. Esse diálogo,
em termos cotidianos, poderá se materializar através de um convite
para uma palestra, para participação nos eventos da escola, pensando
num movimento de fora para dentro; mas também pode ser feito por
meio de visitas institucionais, seja pelos próprios alunos, para conhe-
cimento, como pelos membros da comunidade escolar, para discussão
de um caso, por exemplo.
No caso dos órgãos da segurança pública (polícia civil e militar) e
do Sistema de Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, Defenso-
ria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil), recomendamos que
esse contato tenha caráter preventivo, acionando esses atores não so-
mente em momentos de crise e de conflitos deflagrados. Ainda nesse
ponto, chamamos a atenção para o equívoco, infelizmente comum,
de se reportar ao Conselho Tutelar como órgão punitivo, invocando-o
para os alunos em tom de medo e repressão. Ao contrário, o Conselho
deve ser visto como o principal parceiro da escola, uma vez que seus
conselheiros, segundo o Estatuto, serão os responsáveis imediatos
para as providências cabíveis no caso de alguma violação de direitos
de crianças e adolescentes, como já pontuamos anteriormente.
Ainda sobre esse parceiro estratégico e necessário, destacamos
o contido no art. 56, que determina: “Os dirigentes de estabeleci-
mentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar
os casos de: I - maus-tratos envolvendo seus alunos; II - reiteração
de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos
escolares; III - elevados níveis de repetência”. Para além da reco-

27
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

mendada interação, é importante a gestão escolar estar atenta a essas


obrigações legais, sob pena de responder por descumprimento de
norma prevista em lei federal. Esse contato, às vezes, se expressa
erroneamente em uma transferência de responsabilidade, como se a
comunicação ao Conselho Tutelar retirasse a responsabilidade esco-
lar sobre o problema apontado.
Ademais, temos conhecimentos, reiteradamente, de equívocos
realizados na interpretação desses fenômenos, seja através da su-
pervalorização dos atos – quando um caso simples, que poderia ser
discutido e encaminhado pelo corpo docente, discente, especialistas
da escola, com a sempre indispensável participação da família, vira
uma caso policial, às vezes até com repercussão midiática; ou nas
situações de subnotificação de casos, como, por exemplo, em cir-
cunstâncias de abuso sexual, violência doméstica, racismo e homo-
fobia. Geralmente, quem toma conhecimento destes últimos tipos
de ocorrências tendem a minimizar a realidade violenta, muitas ve-
zes por estarem envoltas por preconceito, medo e desconhecimento/
descrença dos/nos mecanismos legais de apuração e punição devi-
dos, o que pode corroborar com a impunidade e com a perpetuação
do ciclo violento.
A falta de informação não diz respeito apenas aos órgãos que
compõem o SGD infanto-juvenil, bem como suas respectivas atri-
buições, nem se limita à falta de aprofundamento sobre a dinâmica
própria dos casos de violência, mas também resvala na falta de apro-
priação mínima da legislação vigente, com destaque para o Estatuto
da Criança e do Adolescente. Em alguns casos, o que constatamos
é uma miríade de reproduções pouco reflexivas, sobretudo aquelas
que taxam o ECA como regramento que só “prevê direitos” ou que
“protege bandidos”, rótulos facilmente desconstruídos pelo estudo
e aprofundamento da norma, mas que causam muito estrago até se-
rem descartados (VASCONCELOS, 2014).
Para colaborar de forma prática com essa discussão, a promotora
de justiça da cidade de Alagoinha, interior pernambucano, Andréa
Magalhães Porto Oliveira, publicou no Diário Oficial do Estado, no

28
Parte I – reflexões teóricas

dia 26/05/2015, a Recomendação Nº 001/20156, endereçada àque-


le município, sobre os procedimentos que deveria adotar a partir
de casos concretos de violência nas dependências da escola, distin-
guindo o entendimento para casos de ato infracional daqueles de
indisciplina. Segundo nosso entendimento, a promotora foi ousada
ao abordar um assunto tão polêmico, oferecendo reflexões e enca-
minhamentos através de uma norma, conseguindo ser propositiva,
sem cair no hermetismo estanque da “receita de bolo”.
Além de indicar a leitura integral do texto, facilmente disponível a
partir do site do Ministério Público de Pernambuco - MPPE7, gostarí-
amos de destacar alguns trechos que consideramos pertinentes e que
dialogam harmonicamente com a discussão aqui proposta:
CONSIDERANDO que nem todo ato de indisciplina cor-
responde a um ato infracional, e que um mesmo ato pode
ser considerado como de indisciplina ou ato infracional,
dependendo do contexto em que foi praticado, a exem-
plo de uma ofensa verbal dirigida ao professor, que pode
ser caracterizada como ato de indisciplina, e, dependen-
do do contexto e do tipo de ofensa, bem como da forma
como foi dirigida, pode ser caracterizada como ato infra-
cional – ameaça, injúria ou difamação, e que, para cada
caso, os encaminhamentos são diferentes. (Grifo nosso)

Já no início do texto, a promotora enfatiza um aspecto central da


discussão, que é o contexto em que dado comportamento foi produ-
zido. Muitas vezes, as interpretações dos envolvidos (professores,
supervisores, psicólogos e diretores), sobre os atos praticados, são
atravessadas pelas lentes de rótulos previamente existentes, os quais
impedem uma simples, honesta e profícua pergunta: “o que deve
ter dado as bases – experiências, sentimentos, modelos, permissões,
estímulos, etc. - para essa ou aquela conduta?”. O simplismo inter-
pretativo está diretamente relacionado com a ineficácia interventiva.
CONSIDERANDO ainda uma dificuldade dos gestores es-
colares em realizar encaminhamentos acerca de evasão es-
6 Ver matéria sobre o assunto: http://www.mppe.mp.br/mppe/index.php/comu-
nicacao/noticias/ultimas-noticias-noticias/4254-mppe-disciplina-sobre-atos-
-infracionais-e-indisciplinares-nas-dependencias-das-escolas-de-goiana
7 Para acessar o Diário Oficial: http://www.mppe.mp.br/mppe/index.php/cida-
dao/diario-oficial-link-cidadao

29
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

colar e reiteração de faltas injustificadas, transferindo esta


responsabilidade de imediato ao Conselho Tutelar, quando
só devem assim proceder após exaurimento de todas as pro-
vidências havidas no âmbito escolar (art. 56, II, do referido
Estatuto); - existem ações preventivas anteriores, muitas
vezes negligenciadas, que dão as bases para realidades
violentas mais extremas, que se expressam com atos de
indisciplina ou ato infracionais. (Grifo nosso)

Como já havíamos apresentado o debate sobre a imprescindibilida-


de das interlocuções entre a escola e o Conselho Tutelar, agora desta-
camos a importância das ações preventivas escolares. Nesse sentido,
questionamos que projetos podem ser desenvolvidos para fomentar
nos/as alunos/as experiências que os conectem com a humanidade de
seus colegas, um dos princípios norteadores da Justiça Restaurativa,
perspectiva que abordaremos melhor mais adiante8. Além desse enfo-
que, há de se dar destaque à participação da família nas atividades es-
colares e, para aquelas que não participam, por motivos diversos, que
ações são realizadas? Desta forma, constatamos que, antes da comuni-
cação ao Conselho Tutelar de faltas reiteradas e evasão escolar, muitas
intervenções poderiam/deveriam ter sido feitas previamente. Inclusive,
pensando sistemicamente, em rede, são essas informações que darão as
bases para as ulteriores providências dos conselheiros, evitando-se que
uma realidade seja abordada sem maiores detalhamentos, já que ela,
necessariamente, tem uma pré-história.
Em suma, ambas interpretações (se ato infracional ou se indisciplina)
devem ter, em seu cerne, a preocupação com o caráter educativo/peda-
gógico de sua aplicação e de seus efeitos. O foco na mera punição não
reeduca, apenas alimenta a lógica inerte e binária de “culpados e vitima-
dos”, que dificilmente provoca reflexão e mudança de atitude. Apesar de
não ignorar os aspectos sancionatórios de determinadas medidas – apli-
cadas pela escola ou pelo sistema de justiça -, eles devem vir a reboque
das providências pedagógicas e não ser o objetivo principal das ações.
Exemplificando essa perspectiva, teríamos, por exemplo, que a impo-
sição da privação de liberdade na medida socioeducativa de internação,

8 “Quando a palavra não é possível, a violência se afirma e a condição humana é


negada” (ARENDT, 2004 apud MEIRELLES, 2012, p. 202)

30
Parte I – reflexões teóricas

resultante da apuração de determinado ato infracional pelo juiz compe-


tente, serviria tão somente como contenção temporária para que outras
providências centrais (como matrícula e frequência escolar, participação
em oficinas culturais e esportivas, inserção em programas de iniciação
laboral, dentre outras) fossem adotadas. No âmbito escolar, a imposição
de ações diferenciadas para os casos de indisciplina, como a participa-
ção em grupos de reflexão, a reparação do dano causado (seja físico ou
emocional), ou outras medidas, também deveriam ter no fim educativo
o cerne da intencionalidade e algum eventual dissabor, ficar mais tempo
na escola ou ter mais atividades para fazer um mero efeito colateral da
ação principal. Contudo, o afã punitivo, faz do acessório o essencial,
reproduzindo apenas a máxima babilônica do “olho por olho...”.
Colaborando na composição desse cenário, temos ainda o contem-
porâneo fenômeno da “judicialização da vida” (TEIXEIRA, 2013), que
consiste na banalização dos encaminhamentos dos conflitos cotidianos
para resolução nas salas de audiências dos tribunais. Além de irresolu-
tas, essas querelas acabam por abarrotar o poder judiciário de processos
que poderiam ser evitados, elevando sua taxa de congestionamento9.
Por essa razão, o próprio poder judiciário, sobretudo o Conselho Nacio-
nal de Justiça - CNJ, tem envidado todos os esforços para incentivar a
população a adotar os chamados “métodos alternativos para auto com-
posição de conflitos”, tais como a negociação, a arbitragem, a concilia-
ção e a mediação (FIORELLI et. al, 2008). A Justiça Restaurativa, so-
bre a qual faremos uma breve incursão na próxima seção, também pode
ser entendida como uma perspectiva da mediação, apesar de apresentar
características que a individualizam, como veremos a seguir.

4) Anotações sobre o mundo que queremos/devemos construir


Em nosso contexto contemporâneo globalizado, não podemos olvi-
dar da onipresença e da potência das tecnologias na regulação das rela-
ções e dos comportamentos, principalmente a partir do maior acesso à

9 A taxa de congestionamento mede a efetividade do tribunal em um período, levan-


do-se em conta o total de casos novos que ingressaram, os casos  baixados e o estoque
pendente ao final do período anterior ao período base. Fonte: http://www.cnj.jus.br/
gestao-e-planejamento/gestao-e-planejamento-do-judiciario/indicadores/486-gestao-
-planejamento-e-pesquisa/indicadores/13659-03-taxa-de-congestionamento. Acesso
em: 07/11/2015, pelas 18:36h.

31
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

internet, da pulverização das redes sociais e da valorização da imagem


como constituidor das subjetividades. Esse cenário também repercute
nos efeitos que a violência produz na escola – em todas as formas de
relação que elencamos alhures – fazendo com que esse quadro mereça
um tratamento específico. Apesar de não ter sido nosso objetivo, neste
texto, de dar esse enfoque, não podemos deixar de fazer esse registro,
diante da amplitude e particularidades que atos violentos – mediados
pelas tecnologias – podem ocasionar. A título meramente ilustrativo, ci-
tamos o cyberbullying, um desdobramento do fenômeno bullying, que
mereceu tratamento diferenciado diante de suas peculiaridades. Estu-
dos nessa área já estão sendo feitos (MIRANDA; MOURÃO, 2014;
SILVA; ROSA, 2013), portanto recomendamos que nossos leitores
também se apropriem dessa matéria. Além disso, o capítulo 3 do pre-
sente livro abordará, de forma específica, essa temática.
À guisa de nossas últimas considerações, também refletimos
como a sociedade contemporânea ocidental, pautada na imagem e
no espetáculo (DEBORD, 1997), mediados ou não por aquele ar-
senal tecnológico que mencionamos anteriormente, não produziria
extremos de dessensibilização ou hipervalorização de atos violen-
tos, os quais, por sua vez, redundariam em atitudes de banalização
ou extrema intolerância a esses comportamentos. O caráter pouco
analítico desses posicionamentos limítrofes abre espaços para gru-
pos radicais proliferarem ódio contra minorias, retroalimentando a
espiral de violência que outrora os constituiu e fomentou.
Diante desse quadro, que para alguns se apresenta de forma apo-
calíptica, apontamos a Justiça Restaurativa - JR como alternativa
filosófica, mas também uma ferramenta prática, para os problemas
cotidianos de violência que enfrentamos nas escolas, principalmente
àqueles gestados em seu interior. Em termos de definição, podemos
entender a JR como “um processo no qual todas as partes envolvidas
em uma determinada ofensa reúnem-se para resolver coletivamente
como lidar com as consequências da ofensa e suas implicações para
o futuro” (McCOLD, 2008 apud MEIRELLES, 2012, p. 190).
Durante os mais de oito anos de atuação, como psicólogo, em
diversos espaços do judiciário estadual pernambucano, estou con-

32
Parte I – reflexões teóricas

vencido das limitações impostas pelo modelo de justiça atual, pau-


tado em processos de litígio binaristas, belicosos, ritualísticos e
com pouca efetividade. Na contramão desses referenciais, a JR se
alia a outras formas autocompositivas de resolução de conflitos,
principalmente a mediação, redirecionando a responsabilidade pri-
mária pelas desordens apresentadas para os próprios envolvidos.
A delegação pela responsabilidade e ulterior resolução conflitiva
aliena os sujeitos envolvidos, causando certa “desaprendizagem”
em relação à importância do ouvir (ontologicamente) o outro, o
diferente na sua diferença (a recuperação da autogestão).
Contudo, esse movimento não constitui um mero “deixar que as
pessoas se entendam”, mas, ao contrário, de forma ativa, facilitado-
res previamente treinados se valem de diversos mecanismos inter-
ventivos, como os “círculos restaurativos” (MUMME, 2015), para
que todos os envolvidos – autor, vítima e outras pessoas direta ou
indiretamente implicadas no conflito, sobretudo aquelas que poderão
oferecer suporte aos encaminhamentos estabelecidos – possam ex-
perienciar, humanamente, os efeitos deletérios causados pelo ato que
ensejou aquele encontro restaurativo.
Algo a se destacar na JR é a preocupação com a vítima, geralmente
relegada a segundo plano na resolução litigiosa da justiça tradicional.
Neste modelo, a vítima nem sempre tem os seus prejuízos materiais
sanados, quiçá a preocupação com seus eventuais danos emocionais
e psicológicos. Na Justiça Restaurativa, ao contrário, como há uma
proposta de revivência respeitosa e cuidadosa da experiência, a vítima
tem lugar central, com a proposta de oferta de alguma ação, por parte
do autor, para sanar o malfeito outrora cometido.
No ambiente escolar, a JR se apresenta como uma profícua pro-
posta, haja vista que as repercussões de muitos conflitos poderiam
ser resolvidas na própria escola, potencializando o protagonismo
dos envolvidos na resolução de suas querelas, bem como evitando
que essas questões fossem encaminhadas para um sistema judiciá-
rio que, além de apresentar um modelo conceitualmente limitado,
também já está quantitativamente esgotado, como já mencionamos

33
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

sobre as altas taxas de congestionamentos mensuradas pelo CNJ.


“As escolas agora são solicitadas a ter responsabilidade ativa em
ensinar às crianças as habilidades da vida que ajudarão em seu
desenvolvimento social e pessoal. As habilidades de resolução de
conflitos constituem um enfoque fundamental nessas atividades”
(JONES; BODTKER, 1996 apud MEIRELLES, 2012, p. 201).
A partir dessa nova mirada epistemológica da Justiça Restau-
rativa, compreendemos o porquê de ser possível duas oposições
antagônicas estarem “corretas”, respeitando-se os parâmetros de
verdade escolhidos pelos atores envolvidos. Isso quer dizer que o
objetivo principal de um círculo restaurativo não é reificar os es-
tanques lugares de “autor” e “vítima”, como no sistema tradicional,
mas incentivar que todos os envolvidos saiam dos seus lugares co-
muns, ouçam com atenção as narrativas que são contadas e possam,
com isso, ter novos sentimentos em relação ao fato pregresso que
está sendo tratado, mas também novas atitudes em situações seme-
lhantes ulteriores.
Mediar conflitos, nesse sentido, é muito mais que dizer quem
“está com a razão”, mas propor exercícios de empatia, possibilida-
des de olhar a partir do lugar do outro, formas possivelmente efica-
zes de se chegar a um denominador comum, provavelmente uma
terceira perspectiva ainda não vislumbrada. Não queremos apresen-
tar a Justiça Restaurativa como um manual prescritivo para con-
textos violentos, aplicável em todas as situações, mas como uma
possibilidade concreta para muitas delas.
Além dessas reflexões, sobre essa nova forma de se pensar e fazer
justiça, também entendemos que mudanças culturais são necessárias
e estas passam, obrigatoriamente, por mudanças atitudinais, pessoais.
Esperamos que este capítulo contribua com esse movimento, ofere-
cendo aos leitores, sobretudo aos professores e às professoras das es-
colas públicas e particulares, ferramentas para a análise, intervenção
e modificação de suas realidades.

34
Parte I – reflexões teóricas

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Es-
tatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário
Oficial da União, República Federativa do Brasil. Poder Executi-
vo, Brasília, DF, 16 jul. 1990. 
CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses
abordam essa questão. Sociologias, Porto Alegre, n. 8, p. 432-443,
dez. 2002.
CRUZ, M. C. C.; HOLANDA, A. D.; MEDINA, F. L.; SALES, F. L
J.; GOMES; L. C.; MAIA, R. A. Medicalização infantil. In: COR-
DEIRO, A. C. F. e outros. (Org.). NUCEPEC 30 anos, 30 ideias -
reflexões e práticas sobre infância, adolescência e juventude. 1ed.
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DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a so-
ciedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
FIORELLI, J. O.; FIORELLI, M.R; MALHADAS JUNIOR,
M.J. Mediação e Solução de Conflitos: teoria e prática. São Paulo:
Atlas, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práti-
ca educativa. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 2011.
GALVANIN, B. Reforma do Sistema Educacional dos anos 90: Bre-
ves considerações sobre os aspectos históricos, econômicos e políti-
cos. Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas. Ouri-
nhos/SP, nº 3, 2005.
MEIRELLES, C. Práticas Restaurativas nas Escolas. In: PELIZZO-
LI, M. L. (Org.). Dialogo mediação e justiça restaurativa. 1ed.Re-
cife: EDUFPE, 2012.
MIRANDA, L. L.; MOURÃO, L. C. C. B. Bullying e Cyberbullying:
como nos relacionamos com o outro na escola. In: CORDEIRO, A. C.
F.; PINHEIRO, A. A. A.; ARRUDA, D. P.; COLAÇO, V. F. R. (Org.).
NUCEPEC 30 anos, 30 ideias - reflexões e práticas sobre infância,
adolescência e juventude. 1ed. Fortaleza: Expressão Gráfica e Edi-
tora, 2014, v. 1, p. 1-292.
MUMME, M. Curso de Introdução à Justiça Restaurativa. Apos-
tila disponibilizada no curso ofertado pelo Tribunal de Justiça de Per-

35
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

nambuco – TJPE. 2015. (material não publicado)


OLIVEIRA, E. C. S.; MARTINS, S. T. F. Violência, sociedade e es-
cola: da recusa do diálogo à falência da palavra. Psicol. Soc., Porto
Alegre, v. 19, n. 1, p. 90-98, abr. 2007.
PINHEIRO, A. A. A.  Criança e adolescente no Brasil: porque o
abismo entre a lei e a realidade. Editora UFC, Fortaleza, 2006.
SILVA, E. N.; ROSA, E, C. S. Professores sabem o que é bullying?
Um tema para a formação docente. Psicol. Esc. Educ., Maringá,  v.
17, n. 2, p. 329-338, Dec.  2013.
VASCONCELOS, R. B. Irresponsabilidade, impunidade e inimputa-
bilidade penal: verdade e inverdades sobre a responsabilização legal
de adolescentes autores de ato infracional. In: CORDEIRO, A. C. F.;
PINHEIRO, A. A. A.; ARRUDA, D. P.; COLAÇO, V. F. R. (Org.).
NUCEPEC 30 anos, 30 ideias - reflexões e práticas sobre infân-
cia, adolescência e juventude. 1ed. Fortaleza: Edições UFC, 2014,
p. 171-178.
TEIXEIRA, P. A. S. Da constatação à construção: sentidos de fa-
mília nos laudos psicológicos das ações de guarda de crianças e
adolescentes. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da UFPE. Recife: 2013 (não publica-
da).

36
Parte I – reflexões teóricas

CONSELHO TUTELAR E ESCOLA: (RE)PENSANDO


OS SENTIDOS DA PROTEÇÃO

Humberto Miranda
Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco
Email: humbertoufrpe@gmail.com

Discutir a relação entre conselho tutelar e escola nos faz (re)pensar


a ideia de proteção praticada no contexto dos direitos da criança e do
adolescente no Brasil. Ao ser concebido como espaço de promoção dos
direitos humanos, a escola e o conselho tutelar se tornam locais estra-
tégicos para o enfrentamento das mais diferentes violências praticadas
contra meninos e meninas. Daí a importância da valorização da relação
entre a comunidade escolar e os conselhos tutelares, para a efetivação
dos direitos da criança e do adolescente no nosso país.
Na construção deste trabalho, partimos da hipótese que a relação
entre a escola e o conselho tutelar é marcada por diferentes limitações,
mas, que também se apresenta como um campo de possibilidades. Tais
limitações se manifestam, na maioria das vezes, na própria compre-
ensão das atribuições dos conselhos tutelares e como, a partir das nor-
mativas legais, os profissionais da educação devem se integrar à “rede
de proteção”, no sentido de notificar os casos de violação de direitos
praticados contra crianças e adolescentes, no contexto da escola e para
além de seus muros.
Desse modo, propomos nesse trabalho, analisar a relação entre a es-
cola e o conselho tutelar, tendo como fio condutor o debate sobre as
novas formas de pensar o(s) sentido(s) construído(s) sobre a proteção,
analisando como, historicamente, a sociedade brasileira construiu os
discursos e ações protetivas no campo da criança e do adolescente.
Para além de “amparar”, “abrigar”, “socorrer”, como afirmam os
dicionários tradicionais, o conceito de proteção construído a partir do
Estatuto da Criança e do Adolescente não se refere à relação de poder
daquele que tem “mais força”, que protege o que tem “menos força”.
De acordo com o historiador Reinhart Koselleck, “todo conceito se
prende a uma palavra, mas nem toda palavra é um conceito social e

37
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

político”. Não podemos lidar com as palavras sem entender como seus
conceitos foram construídos e reconstruídos ao longo do tempo e do es-
paço. Para Koselleck, “os conceitos são, portanto, vocábulos nos quais
se encontra uma multiplicidade de significados” (2006, p. 109).
A historiografia contemporânea tem contribuído com o debate sobre
a construção da cultura da proteção, que vem sendo conceitualmente
modificada graças à própria mudança da concepção de infância. No
Brasil colônia, a criança era considerada ingênua ou inocente, a prote-
ção se dava na lógica do poder do forte, o adulto, sobre o fraco, o in-
fante. No Brasil de hoje, a partir da contribuição de diferentes saberes e
práticas, a criança é considerada “sujeito de direitos”. Logo, a proteção
desafia a lógica do forte que protege o fraco, passando a assumir a pos-
sibilidade de uma prática protetiva que garanta o direito da criança ser
respeitada como pessoa humana, em fase de desenvolvimento peculiar.
Ao longo de tempos e espaços, a proteção foi praticada para contro-
lar, para disciplinar, para salvar, para garantir “um futuro melhor para
a nação”. Os diferentes sentidos do proteger muitas vezes atendiam às
necessidades do mundo adulto, que concebiam a criança e o adolescen-
te como objetos de seus interesses políticos, econômicos e sociais.
É nesse cenário que a concepção de proteção foi sendo construída e
reconstruída. Ao longo da história, muitas ações de proteção, produzi-
das na área da legislação ou da política, foram pensadas no sentido de
proteger a criança em nome da família, da sociedade e, principalmente,
em nome do próprio Estado. Protege-se a criança para garantir uma
sociedade mais segura, uma sociedade da disciplina e do controle.
A chamada “Doutrina da Proteção Integral”, que fundamenta os
princípios norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, ma-
terializa a ideia de que proteção deve ser produzida na perspectiva de
garantir que meninos e meninas sejam concebidos como sujeitos de
direitos, uma proteção que se desdobre no fortalecimento da autono-
mia. Desse modo, acreditamos que as crianças e adolescentes também
são detectores de poderes de falar, de participar, de expressar opinião e
de contribuir, em conjunto com pais ou responsáveis, com as decisões
referentes à sua própria vida.

38
Parte I – reflexões teóricas

É importante ressaltar que a ideia da proteção integral foi produzida


a partir da Constituição Federal de 1988, que, por sua vez, desafiou a
sociedade a construir mecanismos legais e políticas públicas voltadas
para “outra” concepção de infância. A partir do Artigo 227, crianças
e adolescentes passaram a ser observados como prioridade absoluta,
estabelecendo que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegu-
rar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absolu-
ta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).10

Desse modo, a nossa Carta magma, também conhecida como


“Constituição Cidadã”, passa a reconhecer que meninos e meninas não
devem ser concebidos como objetos dos interesses do mundo adulto.
A Constituição abriu espaço para a efetivação de uma Lei específica,
que questionava o antigo Código de Menores, fazendo surgir uma mo-
bilização nacional em torno de uma nova forma de pensar a justiça e a
política, voltadas para os meninos e meninas no Brasil, materializado
na Lei 8.096, promulgada em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente.
Para entender esse cenário de transformação em relação à ideia de
proteção, é importante lembrar que essa mudança de concepção foi
construída a partir de uma mobilização nacional e internacional. Aliado
à mobilização em torno de uma Constituição, que teve como princípio
o Estado Democrático de Direito, o movimento internacional dos direi-
tos da criança promulgou nesse período a Convenção Internacional da
Criança, que, por sua vez, estabelecia também uma nova forma de en-
tender as práticas protetivas. De acordo com o Artigo 3 da Convenção:
1) Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito
por instituições públicas ou privadas de bem estar social,
tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legisla-
tivos, devem considerar, primordialmente, o interesse
maior da criança. 2) Os Estados Partes se comprometem a
assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam ne-
10 BRASIL. Constituição Federativa da República do Brasil. Brasília: 1988.

39
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

cessários para seu bem-estar, levando em consideração os


direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas
responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade,
tomarão todas as medidas legislativas e administrativas
adequadas. 3) Os Estados Partes se certificarão de que as
instituições, os serviços e os estabelecimentos encarrega-
dos do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com
os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes,
especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde
das crianças, ao número e à competência de seu pessoal
e à existência de supervisão adequada. (BRASIL, 1990).

Como podemos observar no trecho acima, a Convenção responsa-


bilizava os “estados partes”, dentre eles o Brasil, para repensarem seus
compromissos político e ético na construção das ações protetivas. A
Convenção passa a chamar a atenção para a possibilidade de que as ins-
tituições, o sistema de justiça e as políticas governamentais, passem a
respeitar o interesse maior da criança, desafiando a lógica adultocêntri-
ca presente nas ações protetivas, estabelecendo uma forte relação com
a questão do cuidado.
Desse modo, a Convenção desafiava as formas tradicionais determi-
nistas que permeavam as práticas protetivas produzidas historicamente
nos campos dos sistemas de justiça, assistência e da educação. De acor-
do com esse documento, o cuidado deve estar a serviço da autonomia
do sujeito histórico, da possibilidade dele se constituir como sujeito de
direitos. Como nos afirma Tânia da Silva Pereira:
O cuidado é parte integral da vida humana: nenhum tipo
de vida subsiste sem cuidado. Envolvendo um processo
eminentemente interativo, dinâmico e criativo, reflete in-
teresse e solidariedade. Aquele que é, será cuidado (...)
Outros valores devem ser destacados nas relações huma-
nas: a dedicação, a tolerância, a paciência convocam os
operadores do direito a identifica-los na convivência de
crianças, jovens e idosos na sociedade e na família. Como
o cuidado, o sistema de justiça há de incorporá-los em seu
cotidiano de decisões corajosas. (BRASIL, 1990)

É no Artigo 19 que a ideia de proteção passa a ser definida de for-


ma mais sistematizada, quando a Convenção chama a atenção dos
Estados Partes para as diferentes formas de violência que devem ser
prevenidas e enfrentadas no campo do convívio social e na própria

40
Parte I – reflexões teóricas

produção dos aparatos jurídicos e nas políticas públicas. De acordo


com este Artigo:
1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas,
administrativas, sociais e educacionais apropriadas para
proteger a criança contra todas as formas de violência físi-
ca ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos
ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança
estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou
de qualquer outra pessoa responsável por ela. 2. Essas me-
didas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado,
procedimentos eficazes para a elaboração de programas
sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada
à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem
como para outras formas de prevenção, para a identifica-
ção, notificação, transferência a uma instituição, investi-
gação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos
acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o
caso, para a intervenção judiciária. (BRASIL, 1990)

A Convenção movimenta o cenário internacional e motiva o Brasil


a construir sua legislação específica, que surge através do debate inter-
nacional, que se materializa na promulgação do Estatuto da Criança e
do Adolescente, em 1990. Pensar a história do Estatuto nos faz ressaltar
a atuação da sociedade civil, da qual se destaca o Movimento Nacional
de Meninos e Meninas de Rua e de outras articulações construídas no
próprio espaço da Funabem/Febem e nos juizados de menores. Ou seja,
a resistência à cultura menorista também é produzida nos espaços de
controle governamental.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas
de proteção devem ser aplicadas sempre que os direitos reconhecidos
sejam violados, seja por: 1. “ação ou omissão da sociedade ou do Es-
tado”, 2. “falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável” ou 3. “em
razão de sua conduta”. O Estatuto, além de reconhecer a importância
da proteção, estabelece que o Estado, a família e a sociedade sejam
responsáveis pela garantia dos direitos fundamentais inerentes à vida
digna de nossos meninos e meninas.
A partir da leitura atenta do Estatuto da Criança e do Adolescente,
ele convida a sociedade a (re)pensar as práticas cotidianas, nos planos
macropolíticos ou nas nuances do convívio social. De acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente:

41
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos


fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-
lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades
e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições
de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990)

A partir do fragmento acima é possível perceber que a ideia dos


direitos da criança e do adolescente está fortemente articulada com o
compromisso de garantir que as dimensões do “ser humano” sejam
respeitadas na integralidade, tornando a proteção uma prática compro-
metida com a cultura dos direitos humanos. De acordo com Miranda:
A Doutrina de Proteção Integral afirma o valor intrínseco
da criança como ser humano; a necessidade de especial
respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o
valor prospectivo da infância e da juventude, como porta-
dora da continuidade de seu povo e da espécie; e o reconhe-
cimento da sua vulnerabilidade. (MIRANDA, 2013, p. 35)

É importante ressaltar que essa forma da sociedade entender a crian-


ça e o adolescente deve também ser analisada pelo viés da História, uma
vez que, na trajetória da própria formação social brasileira, as crianças
eram vistas como adultos em miniatura ou como objetos pertencentes
ao senhor que habitava na “Casa Grande”. Da Colônia à República, a
história das crianças no Brasil foi fortemente marcada pelos interesses
do mundo adulto, em que eram vistas como “adultos em formação” ou
“futuro da nação”, negando existencialmente sua condição especial de
desenvolvimento e a própria condição de ser criança.

Proteção, proteções: revisitando conceitos


Ao (re)pensar a ideia de proteção é preciso levar em conta que a
história das crianças e dos adolescentes no Brasil é marcada por di-
ferentes práticas de violência, que se manifestaram na senzala ou na
casa grande, nas ruas ou nas colônias correcionais, na família ou na
escola. Violência praticada por adultos que construíram uma cultura
que os reconhecem como objetos e resistem em concebê-los como
“sujeitos de direitos”.

42
Parte I – reflexões teóricas

O cenário de mudança no Brasil vivido nos anos de 1980, mar-


cado pelo processo de redemocratização, proporcionou uma nova
forma de conceber as ações de proteção praticadas em relação às
crianças e os adolescentes. Contudo, essa nova forma de conceber
a proteção ainda convive com a forma mais tradicional de conceber
essa prática humana e social.
Até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a ideia
de proteção ainda estava fortemente marcada pela ideia de “tutela” e de
“controle”. De acordo com os estudos de Estela Scheinvar, a história da
assistência às crianças e adolescentes no Brasil foi fortemente marcada
pela lógica da vigilância e do controle, onde, no campo jurídico, “a
proteção adquire centralidade e é incorporada pela figura do Juiz, cuja
prática se caracteriza por emitir sentenças difusas, que atravessam o
cotidiano de todos”. (SCHEINVAR, 2002, p. 96)
Desse modo, as práticas de proteção voltadas para crianças e adoles-
centes - materializadas nos campos do sistema de justiça, de segurança,
de educação e da assistência social - foram construídas a partir de nor-
mativas e códigos que buscavam estabelecer padrões de comportamen-
to sobre os protegidos e os protetores. Aos protetores cabiam a respon-
sabilidade de proteger, a partir dos rigores da Lei, que, por sua vez, se
estabeleciam no plano do cotidiano e nas políticas de assistência.
De acordo com Irene Bulcão e Maria Lívia Nascimento, no Brasil,
assistimos a construção do chamado “Estado de Proteção”, no qual ele,
o Estado, “assume o papel de principal responsável por garantias de
proteção social, sendo regulador das organizações de trabalho e das re-
lações de segurança que estão ligados diretamente ao universo de pro-
dução” (p 57). Um Estado protetor, tutor das crianças e suas famílias,
que estabelece regras, que normatiza comportamentos e sentimentos,
que faz surgir uma ideia de proteção ligada à lógica do controle social.
Para Bulcão e Nascimento:
Apesar de a intenção do Estado, através do Código de Me-
nores de 1927, de controlar toda a população infanto-juve-
nil identificada como elemento de desordem, representando
uma ameaça ao futuro da nação, esse controle, inicialmen-
te, só vai atingir alguns, sobretudo crianças e adolescen-
tes que perdem os vínculos de proteção por proximidade,

43
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

passando a perambular pelas ruas. Um outro grupo busca


o juizado mais para utilizá-lo como garantidor do acesso
a benefícios do que para submeter a sua regulação. Ficam
fora desse mecanismo de controle os que não necessitam da
regularização da guarda, ou da tutela, pois já se encontram
protegidos pelos arranjos familiares ou por relação de pro-
ximidade. (BULCÃO; NASCIMENTO, 2002, p. 57)

Os estudos de Bulcão e Nascimento nos fazem perceber que a cul-


tura tradicional da proteção construída no Brasil também foi marcada
pela intervenção do Estado, voltado para as crianças e adolescentes per-
tencidas às famílias populares, que viviam as mais diferentes formas de
abandono, principalmente o material. Essa cultura permeou as políticas
de assistências e as práticas construídas nos órgãos de atendimento, que
entendiam um serviço de proteção como um presente exclusivamente
para os “filhos dos pobres”, que se tornavam “filhos do Estado”.
Da fase caritativa, passando pela filantropia e pelo bem-estar social,
até chegar o que chamamos de “era dos direitos”, é possível considerar
que a trajetória da assistência às crianças passou por diferentes estraté-
gias de ação do Estado, amparado no ideário jurídico-administrativo,
higienista. De acordo com a historiadora Sonia Câmara, a trajetória da
assistência à infância no Brasil República foi marcada pela apropriação
do ideário da profilaxia social, que fundamentou os discursos das ins-
tituições comprometidas em civilizar a infância pobre e abandonada, a
partir de um discurso racionalmente construído. Para Câmara:
A remodelação racional e científica na área da assis-
tência e proteção à infância foi investida também pela
convicção higiênica e exigiu a urgência de iniciativas de
regeneração social em nome de uma infância civilizada
a ser previamente conduzida, protegida e encaminhada.
(CÂMARA, 2010, p. 307)

A história da chamada proteção das crianças está fortemente re-


lacionada ao controle e a vigilância das crianças e suas famílias. A
primeira legislação voltada especificamente para as crianças e os
adolescentes, o Código de Menores, foi promulgado em 1927 com
objetivo de disciplinar corpos e mentes, quando o Sistema de Justiça
passou a construir uma série de normativas na tentativa de garantir
a segurança da população.

44
Parte I – reflexões teóricas

É nessa seara de debate que o sociólogo Edson Passetti (1999, p.


25) afirma: no século XX “o Estado assume o lugar da igreja como
centro da caridade, procurando ofuscar, com sua racionalidade, uma
experiência de milênios”. A partir dessa perspectiva, este Estado se
apoiou no sistema jurídico, materializado no Código de Menores de
1927, que por sua vez representou:
O instrumento jurídico balizador desta continuidade foi,
em primeiro lugar, o Código de Menores de 1927, que
procurava não só regulamentar o trabalho de crianças e
adolescentes, mas também definir a emergência do “me-
nor perigoso”, como decorrente da situação de pobreza.
O Código de Menores de 1979 reviu essa perspectiva a
partir da concepção de situação irregular como origem
do delinquente. (PASSETTI, 1999, p. 25)

Foi através do Código que o Brasil passou a construir a cultura


menorista, que, por sua vez, trazia a ideia de proteção como a de
tutela. De acordo com os estudos de Silvia Arend,
O Código de Menores de 1927 é considerado um marco
no que tange à legislação infanto-juvenil. Esse ordena-
mento contempla as discussões que vinham sendo reali-
zadas em nível internacional, sobretudo nos Congressos
Pan-americanos da Criança, e na sociedade brasileira nas
primeiras décadas do século XX. Segundo esses discursos
formulados pelas elites, sob a ótica dos ideários do pro-
gresso e da civilização, era preciso “salvar” as crianças
e os jovens pobres do Brasil do abandono, do ócio e do
vício. É importante observar que, a partir da instituição da
primeira legislação menorista, o Poder judiciário torna-se
uma peça fundamental na administração da assistência.
(AREND, 2010, p. 353)

Foi esse instrumento jurídico que deu base às políticas públicas de


assistência, que, por sua vez, também reproduziram a ideia de proteção
fortemente marcada pela tutela produzida pelo Estado. Na Ditadura Ci-
vil-Militar o “Estado protetor” tinha a finalidade de tutelar as crianças e
adolescentes, considerados “menores”. Essa proposta fundamentava as
diretrizes da Fundação Nacional do Menor – Funabem e as respectivas
fundações estaduais, conhecidas como Febem’s.

45
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

A Funabem11, implantada em 1964 e extinta em 1990, passou mais


de 20 anos procurando garantir a manutenção da Política Nacional
do Bem-Estar do Menor, a partir de medidas de disciplina e controle,
quando os estados e as instituições particulares passaram a estar sob sua
administração centralizadora. Ainda de acordo com Passetti,
Em nome do bem, o Estado acaba realizando o bem-
-estar da própria burocracia, fazendo recair a ênfase
no grau maior ou menor de corrupção. O que per-
petua é a possibilidade — por vias mais ou menos
obscuras — de realizar, primordialmente, o bem-es-
tar da própria categoria, como em toda corporação.
(PASSETTI, 1999, p. 56)

Esse controle se materializa ainda hoje no cotidiano das escolas e


dos conselhos tutelares. A escola ainda traz consigo uma forte carga
da cultura disciplinar e do controle, que, por sua vez, permeia práticas
de proteção que reproduzem a lógica da vigilância sobre o cotidiano
de meninos e meninas. Manifestado no seu projeto pedagógico ou nas
nuances do convívio social, a ideia tradicional de proteção fortemente
relacionada ao controle dos copos e mentes. Os conselhos tutelares po-
dem reproduzir essa ideia tradicional de proteção, ao inserir a ideia me-
norista de controle sobre o cotidiano de meninos e meninas, na família,
na comunidade ou na própria escola.
Acreditamos que a escola e o conselho tutelar podem nos apontar
possibilidades da cultura da proteção e do respeito à autonomia e que
a escola pode ser o lugar de trocas de sociabilidades, de construção do
saber, que possibilita novas formas de convívio. Lugar onde meninos
e meninas aprendem não só a ler e a escrever, mas como crescer no
convívio com outras crianças. Um lugar de proteção, que pode garantir
a autonomia dos meninos e meninas, proporcionando a participação
cidadã nos espaços que circulam.

Conselho Tutelar: lugar de proteção


O Conselho Tutelar surge com o Estatuto da Criança e do Adolescen-

11 A Febem era uma instância estadual da Fundação Nacional do Bem-Estar


do Menor – Funabem, que foi criada no primeiro ano da Ditadura Civil-Militar,
quando o então Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco promulgava a lei
que estabelecia a Política Nacional do Bem-Estar do Menor – PNBEM, fazendo
parte dessa política o sistema Funabem/Febem.

46
Parte I – reflexões teóricas

te nos anos de 1990. As mobilizações em torno de um novo instrumento


jurídico contemplaram a possibilidade das comunidades participarem
de forma efetiva da escolha daqueles que se tornavam os “zeladores dos
direitos da criança e do adolescente”. Composto por cinco conselheiros,
este órgão, de relevância pública, passou a ser um instrumento de pro-
teção dos meninos e meninas que viviam as mais diferentes formas de
violação de direitos humanos. De acordo com o artigo 131 do Estatuto,
o Conselho Tutelar “é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,
encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da
criança e do adolescente, definidos nesta Lei” (BRASIL, 1990).
Ao estabelecer as atribuições dos conselhos tutelares, o Artigo 136
do Estatuto da Criança e do Adolescente passa a desafiar a ideia tradi-
cional de tutela que estava relacionada ao “zelo do indivíduo menor
de idade” e sim passa a fazer garantir que crianças e adolescentes te-
nham pleno acesso aos direitos fundamentais preconizados no próprio
Estatuto. De acordo com Estela Scheinvar, o Conselho Tutelar pode ser
considerado:
Um equipamento social definido no ECA, no intuito de
diferenciar as práticas de assistência em favor da garantia
dos direitos dos serviços oferecidos até 1990. Tratava-se,
de acordo com os argumentos dos que criaram a lei, de
não só assistir e processar/julgar, mas de criar um instru-
mento de luta que pouco a pouco pressionasse o Poder
Público e orientasse as políticas para a garantia de direi-
tos. (SCHEINVAR, 2010, p. 34)

O Conselho é um espaço físico e social formado por homens e mu-


lheres que devem ter como princípio a chamada “doutrina de proteção
integral”, tornando-se defensores dos direitos humanos das crianças e
dos adolescentes. Para Scheinvar, o conselho é formado por:
Cinco pessoas que devem ser indicadas pela população
como conselheiras tutelares, conforme estabelece a lei,
com a atribuição de encaminhar as violações de direitos
aos serviços ou aos espaços adequados para que sejam
ressarcidos. A qualidade maior do conselheiro estaria
dada, desta perspectiva, pela sua capacidade reivindica-
tiva, pelo seu conhecimento das situações vividas pela
população que reclama seus direitos, pela sua atribuição
de encaminhar as demandas e de pensar nessas demandas
de forma articulada com o movimento da sociedade civil,

47
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

em um foro que definisse a melhor forma de agir junto ao


governo ou de pressioná-lo em favor dos direitos estabe-
lecidos na lei. (SCHEINVAR, 2010, p. 34).

A ideia de proteção emancipatória faz parte do cotidiano do traba-


lho dos conselheiros tutelares. No contexto de suas ações, os conselhos
devem operar a partir de uma proteção que garanta os direitos funda-
mentais, contribuindo com a mudança para a construção de uma socie-
dade que respeite as diferentes formas de viver a infância. Ou seja, o
conselheiro e a conselheira tutelar devem contribuir para a mudança de
cultura, questionando a visão adultocêntrica presentes no antigo Códi-
go de Menores e no paradigma Funabem/Febem.
Desse modo, para além de suas atribuições estabelecidas no Esta-
tuto, a atuação do Conselho deve estar fortemente sintonizada com as
novas formas de pensar o “ser criança” e o “ser adolescente”. Ao atuar
diretamente com as famílias, comunidades e escolas, os conselheiros
trazem no âmbito de sua atuação um engajamento em torno do Esta-
tuto, para que os direitos fundamentais reconhecidos sejam garantidos.
O Conselho Tutelar deve questionar a forma determinista e univer-
salista de conceber as infâncias, deve buscar combater as práticas de
punição e as mais diferentes formas de violências produzidas em insti-
tuições de atendimento, deve contribuir com a construção das políticas
públicas no seu município. Este Conselho se torna para o chamado Sis-
tema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente um impor-
tante agente para a desjudicialização do atendimento e na promoção da
cultura dos direitos humanos.
Mas, percorrendo o caminho da proteção, percebemos que setores
da sociedade brasileira ainda desconhecem as atribuições dos conselhos
tutelares. Esse desconhecimento se encontra presente muitas vezes na
própria rede de assistência ou em seguimentos sociais que insistem em
desvirtuar as atribuições desses agentes públicos e confundi-los com os
antigos “comissários de menores”, agentes públicos que atuavam nos
extintos Juizados de Menores.
O trabalho de Silvia Arend (2011) nos mostra que as atribuições dos
comissários eram as mais diversas, porém as tarefas mais recorrentes
eram de: “apreender os menores abandonados e delinquentes”, “prece-
48
Parte I – reflexões teóricas

der todas as investigações relativas aos menores, seus pais ou encarre-


gados de sua guarda”, além de vigiar e fiscalizar a presença de meninos
e meninas em bares, cinemas, cabarés e outras “casas de diversões”. De
acordo com Arend, “No dia a dia eram esses homens que estavam em
contato direto com os infantes, seus familiares, os guardiões, etc.”.
O próprio Código de Menores representou o marco legal que procu-
rou codificar as ações punitivas frente aos atos considerados “desvian-
tes”, praticados contra os meninos e as meninas que viviam no mun-
do das ruas. O Código possuía um forte caráter policialesco e buscava
efetivamente controlar o cotidiano das crianças e dos adolescentes e
de suas famílias. Esse aparato legal buscava aplicar penalidade ao cha-
mado vadio, ou mendigo habitual, que eram aqueles meninos e aquelas
meninas que foram apreendidos mais de uma vez, por estarem prati-
cando tais atos.
O Código estabelecia a criação de instituições de recolhimento dos
chamados menores em situação irregular. É nesse período que emerge
o debate mais aprofundado sobre os meninos e meninas “de rua”. A
própria Febem passou a reproduzir o discurso do Código de prevenção
e controle sobre esses garotos e essas garotas, que das ruas das grandes
cidades eram encaminhados para as suas unidades de internação.
Não podemos confundir as atribuições dos conselhos tutelares com
os antigos comissários de menores. Enquanto os comissários pensa-
vam a proteção no sentido da segurança, do controle e da punição, os
conselhos tutelares pensam a proteção a partir da lógica dos direitos
humanos.
Para os conselhos tutelares, as crianças e os adolescentes devem ser
concebidos como sujeitos de direitos, que devem ser atendidos a partir
da primazia da prioridade absoluta. Os conselheiros e conselheiras tute-
lares devem ser agentes sociais empenhados em tonar a nossa socieda-
de mais justa e igualitária para nossos meninos e meninas.
Agentes comprometidos com valores dos direitos humanos, da cul-
tura de paz e no enfrentamento das mais diferentes violências pratica-
das contra meninos e meninas. Desse modo, a concepção de proteção
para os conselhos tutelares deve ser baseada na lógica da autonomia do

49
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

sujeito histórico, do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitá-


rios, ou seja, na efetivação da lógica de proteção emancipadora, em que
os meninos e meninas sejam respeitados como sujeitos de suas histórias
e não como objeto de controle do mundo adulto.

Escola: lugar de proteção


Escola é
... o lugar que se faz amigos.
Não se trata só de prédios, salas, quadros,
Programas, horários, conceitos...
Escola é sobretudo, gente
Gente que trabalha, que estuda
Que alegra, se conhece, se estima.
O Diretor é gente,
O coordenador é gente,
O professor é gente,
O aluno é gente,
Cada funcionário é gente.
E a escola será cada vez melhor
Na medida em que cada um se comporte
Como colega, amigo, irmão.

(Re)pensar os caminhos da proteção é (des)construir a ideia tra-


dicional de escola. Para Paulo Freire, a escola vai para além do es-
paço que os conteúdos são transmitidos. Escola é lugar de amor, do
afeto, da amizade. A escola é o lugar onde as pessoas, “as diferentes
gentes”, praticam suas relações humanas e sociais.
Ao enfrentar os desafios cotidianos, marcado pelas diferentes for-
mas de violência, a escola deve se tornar um espaço de produção de
uma cultura de proteção, construída a partir dos direitos humanos.
Nesse processo, os profissionais da educação, estudantes, famílias
e comunidades devem estar articulados no sentido de garantir que
os direitos fundamentais sejam efetivados no cotidiano de meninos
e meninas.

50
Parte I – reflexões teóricas

Ao contribuir com o fortalecimento da rede de proteção, a escola


deve romper com a lógica adultocêntrica e menorista, muitas vezes pre-
sentes no projeto político pedagógico ou nas nuances do convívio so-
cial. No enfrentamento das mais diferentes violências praticadas contra
crianças e adolescentes, a escola deve se aproximar das famílias, esta-
belecendo uma relação dialógica. Como nos fala Tania da Silva Pereira:
A escola deve contribuir para que a sociedade repense
as responsabilidades da família e as consições de seus
membros nesse contexto. Faz parte do processo educa-
cional valorizar o grupo familiar e sua importância na
comunidade e na consciência de direitos e deveres de
cada um dos seus membros. A responsabilidade da esco-
la envolve não só os cuidados físicos da escola e seu de-
senvolvimento psicossocial (PEREIRA, 2009, p. 101).

Entendemos a escola como espaço onde a criança possa viver


efetivamente os direitos humanos. Contudo, é necessário lembrar
que, nos dias de hoje, a escola é marcada pelas mais diferentes
violações de direitos. Pela violência praticada na escola ou pela
própria escola ou por violações praticadas na família e/ou na co-
munidade na qual se desdobram, nas mais diferentes formas, no
cotidiano escolar.
Mesmo enfrentando a resistência de setores reacionários nas ulti-
mas décadas, a sociedade brasileira vem repensando a função social
da escola, ao construir uma proposta educativa baseada na chamada
“educação em direitos humanos”. A efetivação do Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos passa a estabelecer uma propos-
ta para educação básica a partir de uma perspectiva política compro-
metida com a cultura de paz, com a cidadania, com as práticas de
respeito às diferenças étnicas, religiosas, de gênero e classe social.
O Plano representa um importante documento para fundamentar e
planejar ações de uma escola que protege.
Segundo a Diretriz 8 do Plano, a promoção dos direitos funda-
mentais é de suma importância para o desenvolvimento integral das
crianças e adolescentes, devendo ser assegurado o “direito de opi-
nião e participação” do público infanto-juvenil nos debates sobre
as políticas de proteção. Nesse sentido, o Plano reforça a ideia do

51
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Estatuto da participação cidadã dos meninos e meninas nos espaços


de decisão, nos debates sobre assuntos e questões do universo que
os norteia.
A partir dessa perspectiva, destacamos o Guia Escolar Rede de Pro-
teção à Infância, voltado a “potencializar a cooperação de educadores,
particularmente dos professores, com a sociedade, o Sistema de Garan-
tia de Direitos, o conjunto de políticas e serviços de cada município” na
efetivação de uma cultura pela qual a “cidadania infanto-juvenil” seja
tratada como prioridade absoluta (BRASIL, 2011).
O Guia Escolar deve ser compreendido a partir do contexto de pro-
dução. Fruto da parceria do Ministério da Educação e da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, esse documento foi
construído em parceria com o Comitê Nacional de Enfrentamento à
Violência Sexual contra Criança e Adolescente, representando uma im-
portante fonte de consulta para os profissionais de educação e integran-
tes do Sistema de Garantia de Direitos.
Ao propor a “identificação de sinais de abuso e exploração sexual de
crianças e adolescentes”, podemos encontrar possibilidade de “trans-
formar a escola em espaço de desenvolvimento crítico”, em “um am-
biente inclusivo para a criança diferente”, “trabalhar com os familiares
responsáveis pela educação de crianças e adolescentes em comunidade
mais ampla”, “criar atividades didáticas específicas para tratar da temá-
tica” e “ensinar as crianças e adolescentes a se proteger”.
Esse documento não será tratado neste trabalho como um referencial
teórico ou um manual de procedimentos, mas como a materialização de
um trabalho construído a partir de uma outra concepção de proteção.
De acordo com esse documento, a proteção integral “consiste na ga-
rantia legal de todas as condições para que cada criança e adolescente
brasileiro possa ter assegurado os plenos desenvolvimento físico, moral
e espiritual”, sendo este o primordial objetivo do Estatuto da Criança e
do Adolescente (BRASIL, 2011).
O Guia foi construído a partir de uma concepção de proteção
comprometida com a autonomia das crianças e adolescentes, con-
tribuindo para o debate sobre o papel da escola na luta contra as

52
Parte I – reflexões teóricas

mais diferentes violências praticadas contra meninos e meninas. De


acordo com o documento:
A compreensão de educação é mais ampla que o espaço
da sala de aula; por essa razão, o ambiente escolar tam-
bém deve educar. Nesse sentido, consideramos funda-
mental para a prevenção da violência sexual que a escola
se transforme em um espaço de desenvolvimento crítico,
de inclusão de diferenças e de investimento na educação
em saúde sexual como um tema estruturante para a re-
alização das atividades curriculares e extracurriculares
(BRASIL, 2011).

Mesmo focando na violência sexual (levando-nos a discutir o abu-


so e a exploração), o documento nos possibilita compreender a im-
portância da escola no enfrentamento de outras formas de violações,
como a estrutural, a negligencia, violência física e psicológica. Desse
modo, a ideia de proteção para o Guia possui a dimensão pedagógica
de transformar a escola, tornando-a um espaço de proteção.
Desse modo, é importante repensar o papel da escola em uma
sociedade que protege. De acordo com o Guia:
Conceitualmente, a escola não é uma instituição meramen-
te de transmissão de conhecimentos, mas um espaço em
que se trabalham saberes, os afetos, os valores, as normas,
os modelos culturais e os direitos. É também na escola que
se constroem modelos de sociedade. Entendê-la sob essa
perspectiva significa reconhecer que muitos de seus pro-
blemas se originam além de seu espaço pedagógico, e que,
portanto, só podem ser enfrentados se houver uma articula-
ção com outras instâncias sociais (BRASIL, 2011).

A partir dessa perspectiva, a escola deve repensar a sua formação


do ponto de vista pedagógico, gestacional e, o que é mais importan-
te, desconstruir formas tradicionais de relações de poder. Uma escola
comprometida com a cultura de proteção deve produzir novas relações
sociais baseadas no cuidado, no afeto e principalmente na autonomia
do sujeito histórico.
Novas práticas de proteção podem ser construídas no espaço esco-
lar. Para isso é preciso romper com as relações tradicionais de poder,
construídas entre professores e estudantes, professores e professores e
estudantes. Tais práticas, inclusive, devem envolver todos os profis-

53
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

sionais que atuam no espaço escolar: porteiro, merendeira, secretária,


bibliotecárias... Desse modo, a proteção se constrói para além da sala
de aula.
A escola se tornará um espaço de proteção quando todos e todas se
comprometerem a mudar o conceito tradicional de escola. É importante
perceber que, se o mundo muda e as pessoas mudam, a escola deve
mudar com o mundo e com as pessoas. Uma escola que protege é uma
escola comprometida com a mudança, principalmente, com a mudança
da própria concepção de proteção e o próprio conceito de escola.

Conselho Tutelar e Escola: desafios e perspectivas


A concepção de proteção, a partir do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, é construída a partir da ideia do fortalecimento do sujeito his-
tórico. Desvencilhar da ideia tradicional de proteção é garantir que o
ato de proteger não comprometa a autonomia. Mas como superar este
desafio? Apontamos três possibilidades para pensarmos a garantia da
proteção, tendo como foco a escola e os conselhos tutelares, como es-
paços físicos e sociais de construção de uma “outra” cultura de prote-
ção, baseada na lógica da integralidade dos direitos.
Para se construir uma cultura de proteção a partir da perspectiva
dos direitos humanos é de fundamental importância que a escola e o
conselho tutelar passem a construir uma relação dialógica, comprome-
tida com a efetivação da chamada “Doutrina da Proteção Integral” no
cotidiano das crianças e adolescentes. Tal relação deve ser construída
a partir do compromisso ético e político que busque integrar família e
comunidade no processo educativo.
A relação entre conselho tutelar e escola deve ser pautada na cultu-
ra do diálogo e do compromisso no enfrentamento às diferentes viola-
ções dos direitos humanos. Desse modo, conselheiros e profissionais
da educação devem estar sintonizados com as mudanças cotidianas que
marcam a sociedade, percebendo as diferentes formas de viver as infân-
cias e, mais importante, construírem uma cultura de proteção daqueles
meninos e meninas que possuem suas infâncias perdidas ou ameaçadas.
Para que essa nova forma de entender a proteção seja vivida é im-
portantíssimo que a família e a comunidade sejam envolvidas no en-

54
Parte I – reflexões teóricas

frentamento das violências e na promoção dos direitos humanos de


crianças e adolescentes. Retomando o Guia de Proteção, é possível
construir uma “comunidade educadora” no campo do enfrentamento
das mais diferentes violências, praticadas contra crianças e adolescen-
tes. Entendemos que a construção da comunidade educadora envolverá
as diferentes instituições na construção de novas práticas protetivas. De
acordo com o Guia:
Esse aspecto baseia-se na ideia da educação como respon-
sabilidade comunitária. Nesse cenário, a escola é protago-
nista, mas não atua sozinha, porquanto depende da instau-
ração de coletivos de educadores em oposição à prática
individualista e competitiva (...) Por meio de um projeto
elaborado em conjunto com diversos atores sociais, as es-
colas podem romper esse círculo vicioso e, consequente-
mente, obter mais apoio social para enfrentar os desafios
que possui (BRASIL, 2011).

O Guia ainda propõe a construção de um processo colaborativo,


buscando colocar na seara de debate os conflitos e as diferentes formas
de violência vivenciadas na comunidade escolar e para além de seus
muros. A chamada “comunidade educadora” deve atuar fortemente no
fortalecimento de vínculos familiares, trabalhar a defesa dos direitos
humanos e a cultura democrática, a partir do compromisso ético e polí-
tico no enfrentamento das violações.
Para que tenhamos uma “comunidade educadora” comprometida
com a proteção para a autonomia das crianças e dos adolescentes é
necessário, primeiramente, construir estratégias de ações que visem a
concretização da doutrina da proteção integral. Aqui apontamos três
perspectivas para a efetivação desse processo: a primeira é o investi-
mento na formação continuada dos profissionais da educação e dos
conselhos tutelares, de forma integrada; a segunda é dedicar investi-
mentos na integração família, comunidade e escola; e a terceira é cons-
truir um diagnóstico sobre as crianças e adolescentes, buscando valori-
zar o pensamento crítico que elas estão construindo sobre o mundo que
as norteiam.
Sobre a primeira perspectiva, acreditamos que a formação, inicial
e continuada, dos profissionais da educação básica e dos conselheiros

55
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

tutelares deve fazer parte das políticas públicas dos conselhos munici-
pais de educação e dos direitos da criança e do adolescente. A formação
permanente na perspectiva da “educação em direitos humanos” é de
fundamental importância para a mudança de percepção sobre o mundo
da proteção de nossas crianças e adolescentes.
A formação permanente é um importante instrumento para as trans-
formações de práticas cotidianas, nas formas de entender o fluxo de
atendimento nos casos de violações de direitos, na maneira como deve-
mos conceber as atribuições dos diferentes atores que integram o Siste-
ma de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
É importante ressaltar que esses momentos formativos podem ser
construídos de forma integrada, quando os profissionais da educação
e os conselheiros tutelares poderão trocar experiências e saberes, for-
talecer os vínculos profissionais e políticos e, o que consideramos mais
importante, se conhecerem como pessoas e como agentes sociais que
atuam na rede de proteção das crianças e adolescentes.
É nesse contexto de formação, que vai para além dos conteú-
dos, que podemos construir um trabalho em rede, articulado e com-
prometido com uma nova forma de pensar a infância e a lógica da
proteção. A formação continuada também proporciona a articulação
dos grupos e das pessoas, que crescem enquanto profissionais e se-
res humanos, na medida em que discutem novas formas de ver o
mundo e transformá-lo.
A segunda perspectiva se refere ao processo de articulação entre fa-
mília, comunidade e escola. Para que essa possibilidade se efetive é de
fundamental importância que os profissionais da educação e os conse-
lheiros tutelares estejam empenhados em fazer com que a família e a
escola façam parte do cotidiano da escola.
Nos dias de hoje, marcados por diferentes contradições sociais, é de
fundamental importância que a família esteja próxima da escola e que
esta não seja uma ilha na comunidade. Nesse processo é importante
fazer valer os mecanismos legais já conquistados, como os conselhos
escolares, estabelecidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional. Esses conselhos são instrumentos legítimos na relação entre a
escola, a família e a comunidade.
56
Parte I – reflexões teóricas

A terceira perspectiva se refere ao efetivo conhecimento sobre o


cotidiano das crianças e adolescentes. De que crianças e adolescentes
estamos falando? De que infâncias estamos falando?
No plano político, esse conhecimento se estabelece na produção de
um diagnóstico sobre as violações de direitos praticados contra meni-
nos e meninas. Para isso, mais uma vez, é de fundamental importância
um trabalho intersetorial dos diferentes conselhos de políticas públicas
e, mais notadamente, dos conselhos municipais de direitos da criança e
do adolescente e de educação.
Já no plano das relações cotidianas, é necessário que os profissionais
de educação e os conselheiros tenham sensibilidade não só nos casos
que envolvem as crianças, mas, principalmente, no trato com a própria
criança e adolescente que sofreram a violação de direito. Nesse pro-
cesso, é importante buscar construir uma atitude protetiva baseada no
afeto, na não-vitimização e na busca da superação dos problemas.
A criança e o adolescente que sofreram uma violência precisam ter a
dimensão que há uma rede de proteção que atuará na resolução do seu
caso. Na ausência da família, a escola e o conselho tutelar se apresen-
tam como os espaços de proteção, que devem diretamente encaminhar
o caso para os órgãos competentes. Nesse processo, cabe aos profissio-
nais da educação saberem notificar e aos conselhos tutelares encami-
nhar e acompanhar os diferentes casos.
Não basta mudar a Lei e sim as práticas e concepções de proteção. É
preciso que esse novo sentido de proteção seja vivido no cotidiano das
crianças e, para isso acontecer, o Estatuto deve ser efetivado. De acordo
com Renata Malta Vilas-Bôas, a explicação dos limites da efetivação
do Estatuto e a lógica da “proteção integral” se encontra na própria for-
ma da sociedade brasileira entender a criança e o adolescente. Segundo
a pesquisadora:
O Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado
a melhor norma protetiva para as crianças em âmbito
internacional, precisa ainda ser bastante trabalhado in-
ternamente principalmente em decorrência da mudança
de visão de como deviam ser tratadas as crianças e como
devem ser tratadas as crianças. Creio que o maior en-
trave para a aplicação desse conjunto normativo, seja a
própria sociedade brasileira, que sempre viu as crianças

57
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

como sendo algo pertencentes aos seus pais, a ponto de-


les poderem “mandar e desmandar”, já que o filho “era
dele”. Essa ideia de propriedade é que precisa ser re-
vista, criança e adolescente, são pessoas detentoras de
direitos e de deveres, e como tais precisam ter os seus
direitos respeitados (VILAS-BOAS, 2015, s/p).

Construir uma cultura de proteção a partir da lógica dos direitos hu-


manos nos desafia e ao mesmo tempo nos exige pensar em perspectiva
eficaz e eficiente no enfrentamento das mais diferentes violências pra-
ticadas contra meninos e meninas. Construir uma cultura de proteção
para além da lógica do controle e da disciplina nos faz pensar as mu-
danças de mentalidades, a articulação em rede e, principalmente, enten-
der a criança e o adolescente a partir de sua trajetória de vida, do que a
faz singular, para que seja garantido o direito à dignidade humana.

Considerações Finais
As palavras têm sentidos que podem ser construídos e reconstruídos
ao longo do tempo e do espaço. Koselleck (2006, p. 109) nos fala que “o
sentido de uma palavra pode ser determinado pelo seu uso, o conceito,
ao contrário, para poder ser um conceito, deve manter-se polissêmico”.
Ao nos voltarmos para os sentidos atribuídos à palavra proteção per-
cebe-se que nem sempre as práticas protetivas foram construídas tendo
como principal interesse o respeito à condição de sujeitos de direitos da
criança e do adolescente.
Para se construir uma cultura de proteção a partir da lógica dos
direitos humanos é necessário (re)pensar o sentido de proteção que
estamos utilizando nas nossas ações cotidianas: proteger para con-
trolar ou proteger para garantir direitos? O sentido da proteção de
hoje, estabelecido na Doutrina da Proteção Integral, exigi-nos uma
prática comprometida com a emancipação do sujeito. Protegemos
as crianças e adolescentes para que elas sejam sujeitos da história e
não objetos dos interesses dos adultos.
Para a efetivação de outra prática protetiva, o trabalho integrado dos
profissionais da educação e dos conselheiros tutelares se torna impres-
cindível. Se, nos dias de hoje, pensamos a proteção a partir do sentido

58
Parte I – reflexões teóricas

dos direitos humanos, a escola e o conselho tutelar podem se tornar


espaços de proteção. Para isso a escola também precisa de proteção e
de cuidado. O professor precisa de proteção. O conselheiro precisa de
proteção. Temos que proteger aqueles que protegem...
Desse modo, um desafio é desvencilhar da ideia tradicional de esco-
la e de conselho tutelar. A escola tradicional, das regras e da disciplina,
já não representa o espaço onde a proteção integral deve ser efetivada.
O conselho tutelar que opera suas ações a partir da lógica do controle e
da punição, acaba por se afastar dos princípios do Estatuto da Criança e
do Adolescente que, ao romper com o Código de Menores, estabelece
uma proteção comprometida com a autonomia do sujeito histórico.
Falamos de uma nova forma de pensar as medidas de proteção, uma
vez que acreditamos que vivemos numa sociedade que construiu uma
nova forma de conceber as diferentes infâncias. É importante perceber
que a mudança do sentido da proteção, da (re)construção do conceito de
proteção, encontra-se efetivamente relacionado a outro sentido do que é
ser criança e do que é ser adolescente. Daí a importância de um conselho
que protege e de uma escola que protege, para que possamos construir, à
luz da doutrina da proteção integral, uma sociedade que protege.

REFERÊNCIAS
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sil (Década de 1930). Florianópolis: Mulheres, 2011.
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59
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

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de 2015.

60
Parte I – reflexões teóricas

BULLYING E CYBERBULLYING: ENFRENTAMENTO DA


VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Paulo André da Silva


Universidade Federal de Pernambuco – CAV/UFPE
Email: profe.pas@gmail.com

Introdução
Pensar a violência escolar não envolve apenas encontrar os fatos em
si e buscar os importantes caminhos legais e éticos em tratá-los, mas
passa também pela necessidade de compreensão do fenômeno “violên-
cia”, em especial nas suas raízes culturais e sociais. Tal compreensão
possibilita uma reflexão mais ampla sobre o fenômeno da violência es-
colar, assim como demanda compreender formas específicas de mani-
festação dessa violência no universo escolar.
Com o advento da era digital ascende uma manifestação intimamen-
te relacionada com o uso de ferramentas tecnológicas, em especial em
redes sociais, o cyberbullying. Sendo esta manifestação da violência na
escola o foco de nossa atenção no presente capítulo.
Envolto num contexto de ascensão da chamada cultura digital, a
Internet possibilita a criação de identidades próprias, ficcionais até,
e permite a construção de um espaço tido como análogo à realida-
de, propiciando a construção de um ambiente de violência que, em
alguns casos, inicia-se nas interações presenciais e se perpetuam em
ampla escala nas interações virtuais. O cyberbullying enquadra-se
neste contexto e merece nossa atenção neste momento de desen-
volvimento e ascensão tecnológica espalhados em todos os níveis
sociais do Brasil e do mundo.
Sobre estes aspectos pretendemos desenvolver, nesta parte do li-
vro, reflexões a respeito do cyberbullying, considerando o contexto
no qual o mesmo se instala, associando-o à construção da identidade
dos adolescentes e jovens da era digital, chamados de “nativos digi-
tais” (PRENSKY, 2001).
Esperamos que estas reflexões sirvam para nortear possíveis
ações na detecção de atos dessa natureza, assim como indicar cami-

61
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

nhos possíveis para o enfrentamento desse tipo de comportamento


no interior das escolas.

Contexto social
Abordar questões próprias sobre a violência na escola não nos
remete apenas a analisar alguns dos muitos casos que ali ocorrem,
mas, sobretudo, tentar compreender um pouco mais a fundo os mo-
tivos que fazem eclodir tal comportamento.
A explosão da violência emerge de um contexto social, de movi-
mentos próprios da sociedade que intitulam a violência a partir das
suas perspectivas. Charlot (2002) já pondera que há dificuldades
em se definir o termo violência, uma vez que esta compreensão per-
passa pela heterogeneidade dos conceitos e representações sociais
sobre ideias que circunscrevem o contexto da violência, como o
conceito de “infância” e de “escola”, ou mesmo o conceito de “paz”.
A violência na escola é considerada de acordo com visões pró-
prias de cada ator escolar, uma diretora em uma dada escola pode
entender que um determinado ato é violência, enquanto que em ou-
tra escola um ato semelhante não é considerado desta forma. Por
esta questão, dimensionar um único conceito para a violência na
escola torna-se uma tarefa complicada. Assim, “o que é caracteriza-
do como violência varia em função do estabelecimento escolar, do
status de quem fala (professores, diretores, alunos, etc), da idade e,
provavelmente, do sexo” (RUA, 2003, p. 21).
Procuramos então dimensionar o conceito de violência em as-
pectos relativos ao nível que a mesma se manifesta, em acordo com
Charlot e Émin (1997), os quais pontuam a violência em três níveis:
1 - Violência: golpes, ferimentos, abuso sexual, roubos, crimes,
vandalismos, etc.
2 - Incivilidades: humilhações, palavras grosseiras, falta de res-
peito; chacotas, etc.
3 - Violência simbólica ou institucional: ações institucionali-
zadas pela escola, como pressão em provas, imposições de do-
centes sobre alunos, assédio moral, seriação, obrigatoriedade
de permanência na sala de aula, etc.
62
Parte I – reflexões teóricas

Essas ações acima não encerram as possibilidades de novas for-


mas de violência surgirem no meio escolar, no entanto nos ajudam a
compreender e levantar hipóteses explicativas menos generalizantes
em termos de intensidade do que se faz na e pela escola em questões
de violência.
Compreender que a violência escolar se dá em formas e contex-
tos diferentes, apesar das aparentes similaridades de fatos, ajuda
na identificação de questões próprias ao ambiente que os inciden-
tes violentos estão acontecendo, fugindo de uma generalização
midiática que promove e mascara a violência como sendo uma
questão própria de bairros de periferia, próprias de pessoas pobres.
Para Charlot (2002) a violência na escola não é um fenômeno
novo. Há alguns aspectos que se colocam como novos no contexto es-
colar, como o surgimento de formas mais graves de manifestações da
violência, como o estupro, homicídio e agressões com armas. Além
disso, afirma também que há uma diminuição etária de manifesta-
ção de violência, em crianças com 8-13 anos de idade ou mesmo já
precocemente, na educação infantil. Esta condição implica em um
questionamento sobre o futuro desta criança; como ela se comportará
aos 15-18 quando já possuírem maior grau de autonomia? Como se
comportar frente às práticas violentas de alunos na tenra idade?
Outro aspecto abordado por Charlot (2002), não menos importan-
te, aborda a influência externa à escola – “instruções externas”. São
brigas, problemas que nascem no bairro e que são levados para dentro
dos muros das escolas, criando assim um clima de violência que é
alheio, de certo modo, às questões próprias que se originam nas rela-
ções internas da escola. Disputas iniciadas no bairro são levadas para
dentro das escolas como forma de acuar a pessoa que está sendo pro-
curada por pessoas envolvidas em disputas externas à escola. Muitas
vezes estas “invasões” são feitas até mesmo por pais de alunos.
A escola é considerada historicamente como um local de apro-
priação de saberes e de formação de cidadania. O advento da “edu-
cação para todos” promoveu alterações importantes no meio edu-
cacional e, obviamente, impactou a forma como a escola funciona.
De acordo com Nóvoa (2005), a escola foi posta como baluarte de

63
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

promoção de uma sociedade próspera e mais justa, foi igualmente


nomeada como o local que garante o futuro das crianças. No en-
tanto, o que se viu e o que se vê é um espaço de conflitos cada vez
mais intensos. Intensos, também, no sentido de manifestações de
violências na/da escola.
Pode-se perceber mais claramente a escola, enquanto um ambiente
de conflitos, quando a observamos pela perspectiva dos alunos. Estes,
ao chegarem à escola, precisam estar fardados como se militares ou
operários de fábricas fossem, enquanto que fora da escola estes mes-
mos alunos usam roupas diferentes e se manifestam culturalmente
através dos modelos que vestem. Na escola são divididos em séries
por idades, enquanto que fora da escola dividem espaços com colegas
mais velhos e mais novos, como em um parque ou em uma rampa de
skate. Na escola os alunos são obrigados a estudar conteúdos que não
fazem muito sentido para suas vidas, conteúdos que desconsideram
suas realidades e seus saberes, enquanto que fora da escola, os conhe-
cimentos são colocados à mercê dos alunos e estes se servem como e
quando se sentem impelidos, motivados, desafiados a buscarem solu-
ções para seus próprios problemas, suas dúvidas, suas inquietações.
Na escola os alunos não têm muitos espaços para comandarem ações,
enquanto fora pensam, criam, desenvolvem ideias e projetos para seu
lazer, saúde e bem estar. Na escola não são incentivados ao diálogo,
não há tempo para isso, pois os conteúdos precisam ser “passados”,
assimilados, decorados e reproduzidos em uma prova ao final de um
bimestre. Enquanto fora encontram no diálogo, nas conversas, uma
forma natural de conviver com o outro, de expor anseios, medos, ale-
grias. Enfim, estes são apenas alguns exemplos de como a escola é
conflituosa com o universo vivencial dos alunos.
Pensar sobre estas relações de conflitos podem nos dar alguns indi-
cadores que permitam compreender como e porque eclodem ações de
violência na escola. Ao mesmo tempo, nos mostrar que o cerceamen-
to promovido por algumas destas ações institucionais podem emergir
como uma forma de violência da própria escola em relação aos seus
alunos, assim como estimular a violência por parte dos alunos contra
a instituição ou mesmo contra professores e outros alunos.

64
Parte I – reflexões teóricas

O fenômeno acima narrado não é novo. Oliveira e Martins (2007)


pontuam que
A violência que se configura dentro do espaço escolar, ma-
nifestada através do comportamento dos alunos, lança pro-
fessores diante da confusão da possibilidade de um ensino
libertador (caso seja esta a sua proposta) e de uma realidade
insuportável, na qual os educadores recorrem a expedientes
autoritários e até mesmo violentadores, a fim de manter a
“ordem geral”. São estabelecidas regras, controles, puni-
ções e dominações para disciplinar os alunos em estados de
rebeldia (OLIVEIRA; MARTINS, 2007, p. 95).

Os professores, neste cenário, ficam à mercê de lidar com as ex-


plosões imediatas por parte de alguns alunos e, incapazes de resolver
o problema de fato, pois, também são vítimas de um sistema de de-
sigualdade, de um sistema de poder e coerção, aliam-se ao discurso
dominante e acabam por fazer o que essas estruturas de poder lhes
impõem. De fato, a situação não é simples e o discurso literário deste
texto ou de outro qualquer não vai resolver o problema em si, mas
pretende-se que esta reflexão permita a consciência para o enfrenta-
mento ordeiro e pacífico desta situação de violência simbólica.
Entendemos assim que a escola, como afirma Bourdieu (2001),
reproduz uma estrutura social de poder, reproduzindo a cultura do-
minante e mantendo, de forma quase que natural, a divisão de clas-
ses dentro dos muros da escola, assim como acontece na sociedade.
Este fato nos remete a uma vinculação direta do que está dentro e o
que está fora da escola. O controle como algo prioritário exercido
na escola, é utilizado para “domar” pensamentos e ações que visam
mudanças no aspecto do respeito, da inclusão, da igualdade de di-
reitos de fato, da justiça.
Não há aqui intenção de culpabilizar a escola por si, mas sim si-
tuar aspectos próprios da manifestação da violência, que podem ser
entendidos quando ampliamos o campo de análise para questões da
violência simbólica. Conceito estabelecido por Bourdieu e Passeron
(1992), o qual revela um status social de coerção, de imposição de
poder de uma classe social sobre outra, de forma que esta imposi-
ção seja compreendida como natural. A violência simbólica, assim,

65
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

permeia ações do cotidiano que se acredita serem “normais”, acei-


táveis, pois fazem parte de uma tradição que se naturaliza em frases
do tipo: “sempre foi assim, não há como mudar”.
A legitimação da violência simbólica muito se dá pela influência
de uma indústria cultural (ADORNO, 1995), a qual impõe e usa
valores de uma classe social que detém o poder midiático e esta-
belece assim uma ideologia de dominação a todos sem que estes se
percebam como dominados. Esta indústria cultural colabora para a
manutenção do status caótico de manifestação da violência na/da
escola acima descrita, estabelecendo ainda uma falsa compreensão
que esta violência dá-se apenas em bairros de periferia, em comu-
nidades pobres.
Associado a este fator, consideramos a necessidade então de discu-
tir um pouco sobre o fenômeno de manifestação cultural e sua ligação
com a Educação, estabelecendo assim laços de ideias que permitam
enxergar a situação da violência pela dimensão cultural e, em parti-
cular, pela dimensão da cultura digital que trataremos mais adiante.

Cultura e Educação
A cultura toma um papel central nas relações sociais contemporâne-
as e, como afirma Hall (1997), se infiltra nos diversos aspectos da vida
social, tornando-se assim um elemento-chave na maneira como se con-
figura e modifica as relações entre as pessoas e estas com as “coisas”.
Stuart Hall, mesmo ainda não focando sua análise tacitamente no
impacto da Internet e, em especial, nas redes sociais, argumenta que a
indústria cultural e o desenvolvimento tecnológico dos meios de comu-
nicação provocam uma mudança na forma como a cultura se perpetua
e causa uma “compressão do tempo-espaço”, até então inexistente. As
relações sociais tomam outra dimensão, na medida em que passam a ser
mediadas por essa ferramenta.
Questões de ordem econômica, social, política e mesmo culturais
tomadas em uma parte do mundo, rapidamente são compartilhadas e
processadas em todo o mundo conectado, causando uma relação cultu-
ral que, mesmo não negando as relações culturais locais, cria uma rela-
ção global de identidade. Ou seja, a identidade não é mais um aspecto
66
Parte I – reflexões teóricas

ligado às relações sociais e de produção locais, mas é também ligada a


uma série de fenômenos globais que transitam no local e tomam outra
forma que modifica a formação cultural local.
Mesmo com esta centralidade da cultura nos aspectos da formação
de identidades atuais, não há como dizer que a massificação das in-
formações, propagadas por uma mídia eletrônica cada vez mais forte,
tenha um efeito homogêneo e uniforme na apropriação de uma cultura
global. A mistura do global com o local toma formas distintas, mesmo
com alguns traços de semelhança, sendo que estes podem ser vistos
como homogêneos.
A escola, enquanto uma instituição social, não é alheia à cultura,
não fica isenta dos aspectos transformadores da cultura global-local.
Ela apresenta e recebe em suas rotinas internas impactos dessa nova es-
trutura de formação cultural. Desta forma, “não se pode conceber uma
experiência pedagógica “desculturizada”, em que a referência cultural
não esteja presente” (MOREIRA; CANDAU, 2013, p. 159).
Durante muito tempo, a escola foi vista e se solidificou como o ba-
luarte de uma sociedade estável, próspera, baseada em direitos iguais
sem conflitos e ,assim, se propunha em melhorar a vida das pessoas. A
escola tem sido vista, ainda nos dias atuais, como um local de esperança
e de estabilidade social, fato que normalmente é encontrado na própria
forma de estruturação curricular, na qual a disciplina, ordenamento, pa-
dronização de conteúdos, segmentação, ainda mantém um caráter rele-
vante e preponderante. Este conceito de escola, de fato, não condiz com
os fatos reais, com o que de fato acontece na escola, não considera a
heterogeneidade e dinamicidade das relações sociais existentes.
Do ponto de vista da cultura, acima descrito, podemos dizer que a es-
cola passa a ser um local de conflito por natureza. Ela abriga diferentes
“tribos”, diferentes grupos sociais, diferentes formas de pensamentos,
diferentes ritmos de aprendizagem. Cabe assim à escola respeitar essas
diferenças e estimular uma convivência harmoniosa, com as múltiplas
visões de mundo presentes em seu cotidiano. O termo “respeito” é con-
siderado aqui no sentido de compreensão do outro, de empatia pelas di-
versas e diferentes maneiras que as pessoas se manifestam socialmente.

67
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Desta forma, sendo a escola uma instituição cultural por natureza,


entende-se que esta deve estar sintonizada com as mudanças culturais
advindas das relações sociais contemporâneas. No entanto não é isso
que, de modo geral, se encontra. A escola atual ainda se posiciona em
uma dimensão pautada na lógica iluminista, a qual revelou um imenso
valor histórico para a humanidade, no entanto, certamente já não res-
ponde mais às demandas e anseios de formação para o século XXI.
Em vez de preservar uma tradição monocultural, a es-
cola está sendo chamada a lidar com a pluralidade de
culturas, reconhecer os diferentes sujeitos socioculturais
presentes em seu contexto, abrir espaços para a manifes-
tação e valorização das diferenças. (MOREIRA; CAN-
DAU, 2013, p. 161).

A diversidade cultural presente na sociedade hoje, obviamente tam-


bém está presente nas escolas e, de acordo com Candau (2012), há vá-
rias pesquisas que identificaram e denunciaram situações de intolerân-
cia, preconceito e racismo acontecendo em escolas, em especial, para
alguns alunos com “marcas identitárias” bem específicas.
Diferentes manifestações de preconceito, discriminação,
diversas formas de violência – física, simbólica, bullying –,
homofobia, intolerância religiosa, estereótipos de gênero,
exclusão de pessoas deficientes, entre outras, estão presen-
tes na nossa sociedade, assim como no cotidiano das esco-
las. (CANDAU, 2012, p.236).

Considerar as diferenças e formas múltiplas de manifestações cul-


turais na sociedade, mais em especial nas escolas, permitirá o trabalho
mais adequado no que diz respeito à convivência e aceitação da mul-
tiplicidade cultural imanente das crianças e adolescentes, ainda mais
nos dias atuais, que encontramos também um fenômeno cultural bem
específico e, digamos assim, novo, que são os “nativos digitais”. Estes
apresentam uma linguagem e modo de agir bem diferente das gerações
anteriores, em especial dos professores, coordenadores e servidores que
convivem diariamente com estes alunos, mas que não compreendem
bem sua “nova” forma de linguagem e comportamento.
Compreender esses aspectos da cultura e da transição geracional
pode colaborar para o enfrentamento do problema da violência na/

68
Parte I – reflexões teóricas

da escola de forma mais “tranquila”, se é que podemos ousar em


dizer que este tipo de enfrentamento é tranquilo. Abaixo, traçaremos
algumas considerações mais específicas sobre estes “nativos digi-
tais” e sobre como este cenário influencia na construção da identi-
dade das crianças, adolescentes e jovens, refundindo nos comporta-
mentos na escola.

Cultura Digital
Prensky (2012) diz que os nativos digitais são aqueles que já nas-
ceram imersos sob uma linguagem própria de um mundo conectado,
de um mundo cercado por tecnologias digitais, como o videogame,
a Internet, jogos portáteis, celulares, tablets e que as linguagens des-
ses aparelhos são bem distintas das tecnologias acessíveis às gera-
ções passadas.
A partir da década de 1980, houve uma escalada cada vez mais in-
tensa dos modelos de produção e difusão do conhecimento, os quais
alteraram seu formato a partir do que foi denominado por “era da in-
formação” (CASTELLS; GERHARDT, 2000). O conhecimento não é
mais algo linear, centrado em uma exposição por parte de alguém, no
caso escolar por um professor ou mestre, e ainda é escalado em propor-
ções até então não imaginadas. Entende-se esta produção do conheci-
mento como algo não-linear e não-situado.
O aumento exponencial de informações é surpreendente e o acesso
a elas é facilitado pelo avanço tecnológico, pela ampliação dos sistemas
e redes de comunicação, barateamento dos instrumentos tecnológicos
e pela capacidade de mobilidade que hoje se instala no cotidiano com-
portamental global de acesso às informações.
As novas gerações que hoje ocupam as cadeiras escolares tanto
da rede pública quando da privada, na então chamada era pós-in-
dustrial, acessam as informações e produzem informações sem um
controle específico de alguém ou de alguma instituição. O limite é
dado pelos próprios usuários, em formas de acesso ou não acesso a
determinadas informações, assim como pelas possibilidades de de-
núncias a órgãos de fiscalização ou mesmo às próprias plataformas
que difundem as informações.

69
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Especificamente em relação à escola, Otto Peters (2004), indicando


características sobre a Educação à Distância, afirma que o diálogo, a
estrutura, a autonomia e a distância transacional, direcionam o formato
de atuação do professor e dos alunos para o processo de construção
do conhecimento. Exclui-se aqui o papel do docente centralizador e
transmissor de conteúdos e advoga-se por uma renovação das práticas
didáticas, dos métodos de ensino, classificados por Peters por “modelos
de ensino pós-industriais”.
De acordo com Delors et al. (1999), no século XX a escola ba-
seou seu modelo educacional amparada na lógica de produção em
massa, focada em aspectos quantitativos e de acúmulo de conheci-
mento sem, necessariamente, o desenvolvimento de senso crítico
sobre o mesmo. Como já foi comentado anteriormente, este modelo
não atende mais as expectativas do mundo atual. E por não atender,
revela um conflito de interesse dos alunos que são legalmente obri-
gados a estarem na escola e a escola que precisa envolver, motivar
seus alunos para participar das rotinas e exigências acadêmicas.
O modelo educacional atual exige o desenvolvimento de novas
competências. Hoje, a sociedade e os meios de produção reque-
rem pessoas aptas a enfrentar a flutuação e a liquidez das coisas
e das relações de forma mais consistente. Viver em um mundo
em transformação requer pessoas com habilidades e competências
para tal. Então, a escola pós-moderna, indicada por Peters (2004),
deveria estar focada em preparar os alunos para uma vida social
mais participativa, capacitando-os para serem agentes no mundo
e não apenas reprodutores de modelos estagnados e pensados por
outros. A escola deve formar alunos e alunas para terem consciên-
cia sobre cidadania, sobre o que é viver com o outro e não apenas
entender conceitos do que deveria ser a sociedade e do que deveria
ser conviver com os outros.
Entendemos que o desenvolvimento de competência para o do-
mínio de ferramentas tecnológicas também se faz necessário, mas de
nada adiantará ser um bom técnico e não ter competência para o em-
prego saudável dessas ferramentas. Não adianta dominar uma técnica
e não saber como compartilhar isso com seus pares, com a sociedade.

70
Parte I – reflexões teóricas

De nada adianta reter técnicas e criar abismos sociais e materiais entre


as pessoas que eventualmente precisarão usar tais tecnologias.
O século XXI está marcado pelo despertar de uma nova cultura
de aprendizagem, o que acarreta em impactos importantes sobre pa-
radigmas educacionais, seja dentro ou fora da escola. Exemplificando
isso, Gomes (2015) afirma que a cultura escolar contemporânea, ain-
da marcada por práticas de cristalização de conhecimentos estanques,
desconexos da realidade dos alunos, passará por mudanças oriundas
do fluxo de informação, o que fará, cada vez mais, com que não haja
tempo suficiente para cristalizar muitos conhecimentos que serão des-
cobertos. Isso implica em gerar novas oportunidades para experimen-
tação e vivências relacionais entre o(s) conteúdo(s) e o seu contexto,
favorecendo as oportunidades plenas de aprendizagem para as pessoas.
A dinâmica de experimentação revela um lugar tácito, mais palpá-
vel, mais próximo da realidade dos alunos. Possibilitar que os conte-
údos sejam vistos no contexto social dos alunos gera uma dinamici-
dade de comprometimento maior entre alunos e escola, assim como
entre alunos e sociedade. O aluno encontra sentido naquilo que estuda
e assim ocupa mais o seu tempo com a criação de significados para
viver de maneira proveitosa e positiva com seu meio e com os outros.
Além do fenômeno próprio ao ambiente escolar, as crianças e ado-
lescentes de hoje possuem uma ligação bem mais próxima com a in-
dústria de jogos digitais. O aumento da produção de jogos digitais no
Brasil tem crescido nos últimos anos, chegando a ocupar o 4º lugar no
mercado de produção de games no mundo (CGI Brasil, 2014).
Os fatores que fazem com que esta indústria de jogos se amplie
são muitos e variados, desde ordem econômica, tecnológica, de qua-
lidade técnica, design, até questões de natureza social, a qual varia em
termos de dimensão, local, tempo, cultura, explicação. Assim, atreve-
mos-nos aqui a destacar uma dessas modificações da ordem social, a
fim de manter a coerência com o nosso tema em questão, mas desta-
cando que esse aspecto a ser apresentado não encerra e não é o único
que se pode perceber na influência de mudança de comportamento
das crianças, adolescentes e jovens.

71
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Vamos focar então na relação da família e dos novos modelos de


configuração familiar que, de certa forma, possibilita e até mesmo es-
timula a imersão dos screenagers no universo dos games. Esta expres-
são – screenagers – foi utilizada por Rushoff (1999) para referir-se à
geração que nasceu a partir da década de 1980, após a ascensão dos
consoles de videogames, joystick, mouse, lojas de fliperamas, etc.
A perspectiva de saída dos pais – pai e mãe – para o mercado de
trabalho, criou uma lacuna no espaço de interação familiar. Cada
vez mais, os pais não possuem tempo para estarem com seus filhos,
relegando a eles um espaço temporal que precisa ser preenchido de
alguma forma. Muitos superlotam a agenda dos filhos com ativida-
des esportivas, de estudos de idiomas, atividades escolares, o que trás
consequências positivas e negativas também. Mas as crianças que não
possuem tal (super)agenda, focam-se em atividades lúdicas, possíveis
de serem realizadas no interior de suas casas. Estas atividades nor-
malmente estão relacionadas ao uso de jogos digitais, sejam estes em
consoles de videogames ou mesmo em tablets ou smartphones.
Não causa mais tanto espanto vermos os screenagers por aí,
sendo empurrados em carrinhos de bebês, ou mesmo caminhando
conectados aos seus dispositivos móveis e, na maioria das vezes,
jogando. Os jogos variam em termos de mecânica, dinâmica e esté-
tica, apresentando narrativas variadas e, em alguns casos, com nar-
rativas que destacam a violência nas ações das personagens do jogo.
Alves (2004), em sua tese, fez uma análise bastante ampla em
termos conceituais e metodológicos e identificou que
[...] a interação com os jogos eletrônicos não produz
comportamentos violentos nos jovens. A violência
emerge como um sintoma que sinaliza questões afetivas
(desestruturação familiar, ausência de limites, etc) e so-
cioeconômicas (queda do poder aquisitivo, desemprego,
etc...) (ALVES, 2004, p.190)

Apesar da indicação da pesquisa de Lynn Alves, brevemente comen-


tada acima, concordamos que não tem como eleger os jogos digitais vio-
lentos como causa única da manifestação de comportamentos violentos
na escola. Por outro lado, compreendemos que há uma representação

72
Parte I – reflexões teóricas

social forte que liga o uso de jogos digitais violentos com a produção da
violência na infância/adolescência. Não devemos fechar os olhos a esta
representação social, pois a mesma exerce também um papel simbólico
importante na relação que as pessoas têm com seu mundo.
Assim, as relações familiares mais breves, a imersão em muitas
horas de jogos e atividades isoladas, o estímulo à segregação e com-
petição na escola, o excesso de controle escolar, dentre alguns outros
fatores, geram o que chamo de “abandono afetivo”. As crianças so-
frem caladas com essa relação de distanciamento dos sujeitos de afeto
mais próximos e vinculam-se em atividades de cunho individual, so-
litário, competitivo, com pouca ou quase nenhuma relação afetiva no
seu cotidiano. Esses fatores podem repercutir no seu comportamento
em casa e na escola, repercutindo em ações de violência.
De fato, não é um fenômeno simples. As variáveis que circulam
nesta ideia são muitas e podem gerar uma série de explicações que
explicam o transbordar da violência na escola, mas que, por si só,
não os resolvem. Ressaltamos que a compreensão dos fenômenos
culturais, em especial da emergente cultura digital do presente sé-
culo, nos alerta em termos de repensar o papel da escola a fim de
enfrentar com mais propriedade o fenômeno da violência, tanto na
escola como no meio social em si.
Para o enfrentamento da violência na escola é preciso desenvolver
modelos educacionais que favoreçam as relações de afeto. Que favo-
reçam a compreensão dos alunos enquanto pessoas e não enquanto
aprendentes de conteúdos específicos.
Modelos educacionais que caminharam por esta trilha de pensamen-
to revelam uma saída promissora para o enfrentamento da violência.
Como exemplo, apontamos aqui a exitosa experiência da escola públi-
ca Municipal Pres. Campos Salles12, em Heliópoles, região periférica
da zona sul de São Paulo.
O diretor Braz Nogueira, há 17 anos à frente desta escola, convi-
veu com problemas bastante graves em termos de violência, tráfico
de drogas, depredação da própria escola, enfim, enfrentou problemas

12 Mais informações em https://goo.gl/T7Yvax

73
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

graves que muitas escolas enfrentam em maior ou menor escala. A


atitude do diretor Braz caminhou no sentido de estreitar sua relação
com a comunidade local, da qual os alunos faziam parte. Assim, ao
invés de propor sanções punitivas aos infratores, às bagunças, etc,
preferiu investir no diálogo, na integração comunidade-escola.
Como forma de combater o tráfico na praça que existe na frente
da escola, no ano de 2007 resolveu derrubar os muros da escola e
integrar a mesma com a comunidade. Em parceria com a Prefeitura
revitalizou a praça e integrou ações culturais com a comunidade
local. Estas ações promoveram uma compreensão diferenciada da
comunidade em relação à escola, pois esta passou a ser vista como
parte da identidade local e não como um casulo hermético que pra-
tica “coisas superiores” no seu interior, sem nenhum tipo de comu-
nicação com seu entorno.
O professor Braz, em sintonia com sua equipe de professores
e inspirados no modelo da Escola da Ponte de Portugal, resolveu
também alterar a proposta pedagógica da escola e fez isso também
alterando o cenário interno da escola. Derrubou as paredes das salas
de aula. Implantou o sistema de ciclos e acabou com a seriação.
Usou a metodologia de ensino baseada em projetos como viés prin-
cipal de condução das atividades didáticas na escola. Neste modelo
os alunos são reunidos em um ambiente único, mas organizados em
pequenos grupos em mesas de trabalho. Os professores de discipli-
nas diferentes atuam juntos neste ambiente, mediando o processo
das atividades previamente planejadas para cada dia e orientando os
alunos nas suas dúvidas.
As atividades são relacionadas, normalmente, ao dia a dia dos
alunos, relacionadas às experiências vivenciadas na comunidade lo-
cal. Tal forma de abordagem do conteúdo proporciona um sentido
maior para as descobertas que os alunos vão fazendo, em confronto
com conteúdos específicos previamente planejados e propostos em
formas de atividades. Para uma das professoras da escola, esse mo-
mento é muito mais importante que apenas o estudo de um conteúdo
específico, mas passa pela construção da identidade de cada um, de
como os alunos aprendem a respeitar o tempo um do outro e estabe-

74
Parte I – reflexões teóricas

lecer uma comunicação positiva, focada em um desafio comum que


precisam resolver a fim de aprender.
A experiência da escola Campos Salles revela um modelo edu-
cacional possível de ser estruturado em consonância com a legis-
lação nacional.
A educação básica poderá organizar-se em séries anu-
ais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de
períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na
idade, na competência e em outros critérios, ou por for-
ma diversa de organização, sempre que o interesse do
processo de aprendizagem assim o recomendar (LDB
9394/96 Art. 23º. Grifo nosso).

Com base neste artigo de Lei, percebe-se que a organização da


educação escolar pode se dar de maneira muito diversificada. A ênfa-
se importante remete-se a centralidade em processos de aprendizagem
e não em processos de ensino. Assim, apesar de algumas restrições
colocadas por Secretarias Municipais e Estaduais, há de se entender
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação está acima das demais
Leis e regulamentações. Cabe assim às unidades escolares articula-
rem ações que valorizem modelos que permitam maior adequação a
processos educacionais, a propostas de projetos de ensino que visuali-
zem a aprendizagem dos alunos como ação efetiva e não apenas como
escopo de documentos, mas que na prática se afasta do mesmo. Cabe
às escolas lutarem (no bom sentido da palavra) por condições de favo-
recer o diálogo nas práticas internas e externas da escola. Trazer para
o ambiente escolar a empatia, o afeto, a compreensão sobre o outro e
sobre si mesmo, implicar-se no processo de respeito ao próximo.
Compreende-se que o alinhamento legal com as teorias de cultu-
ra, cultura digital e combate a ações de violência na escola parecem
estar em sintonia. Sintonia com aspectos que enfatizam o respeito,
a diversidade, a construção de identidade, o diálogo. Elementos que
entendemos como fundamentais para o enfrentamento da violência,
mas, sobretudo, para a formação de cidadãos conscientes sobre o
seu espaço e sobre seus pares.
Foram traçados aqui dois modelos educacionais, um cujo foco está
mais no controle e punição, cujas práticas são, de modo geral, disso-

75
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

ciadas das vidas dos alunos, com pouca ou quase nenhuma relação
comunicacional com a comunidade local e com práticas pedagógicas
centradas no ensino. Pelo montante de exemplos que encontramos nas
mídias sociais, percebemos que a instalação de ações violentas por par-
te dos alunos ou mesmo de professores, dá-se de forma mais ampla e
acentuada neste modelo mais conservador de escola.
Já em modelos educacionais que investem mais na valorização do
diálogo, no exercício da empatia, no incentivo à participação comuni-
tária na vida da escola, assim como em práticas pedagógicas focadas
na aprendizagem, os relatos de ações de violência são muito menores
e de menor intensidade, em alguns casos são resolvidos por um con-
selho formado pelos próprios alunos, como é o caso do exemplo aqui
descrito da Escola Municipal Campos Salles.
Ainda assim, entendemos que as divergências e manifestações
de violência na escola são variadas, se revelam em intensidades di-
ferentes e atingem a todos os grupos – professores, alunos, equipe
gestora, funcionários, pais e mesmo a própria estrutura da escola.
Neste aspecto, intencionamos aqui destacar uma das formas de ma-
nifestação da violência que, mais comumente, ocorre entre alunos
– o bullying e o cyberbullying.

Bullying e Cyberbullying
O bullying tornou-se um fenômeno em termos de palavra, que
aponta para violência no espaço escolar, mas que gera algumas dis-
torções em relação ao que esse termo de fato se presta. De acordo
com Maidel (2009), o bullying é considerado uma manifestação de
opressão sistemática de um ou alguns contra outra pessoa, de modo
desproporcional de força ou poder.
Não é um ato isolado de agressão física ou verbal ao outro, mas sim
ações repetitivas, sistemáticas de um contra outro e, normalmente, com
apoio de uma plateia que é identificada na literatura como “testemu-
nhas”. Assim, a dimensão do bullying é mais específica em termos de
uma tipologia de violência e não enquanto sinônimo da mesma.
Os casos de bullying na escola estão sendo cada vez mais reprodu-
zidos e propagados nas mídias sociais e na TV. Há muitos programas
76
Parte I – reflexões teóricas

que buscam alertar sobre este fenômeno na escola mas, em especial,


destacamos a ação realizada pelo apresentador Serginho Groisman
em 2011, através do seu programa “Altas Horas”13. A amplitude de
espaços para discussão sobre esse fenômeno é importante, necessário
e torna-se uma ferramenta importante para o devido enfrentamento.
Em alguns programas, o apresentador abriu espaço de fala, espaço
para que os adolescentes pudessem expor suas aflições e isto já é um
caminho importante para o que entendemos enquanto enfrentamento.
Ao mesmo tempo, esta mesma imprensa que promove alguns
programas que abordam o tema de maneira séria e consistente, tam-
bém promove o que é nomeado por Candau (2001) como “banaliza-
ção da violência”. Termo que surgiu nas falas dos próprios alunos,
sujeitos da sua pesquisa. Para a autora, a imprensa transforma a vio-
lência em um “produto comercial”. Motivada pelo aumento da au-
diência, quando em matérias que revelam o fenômeno da violência,
acaba por banalizar esse conceito, minimizando a compreensão do
mesmo, pois enfatiza o fato em si e não as explicações causadoras
do fato e muito menos aspectos próprios para o enfrentamento ade-
quado do mesmo. Ao mesmo tempo, esta mesma imprensa propaga
em seus programas humorísticos cenas de violência verbal, física,
simbólica, como se fossem produtos para fabricar o riso.
O riso da violência provoca o mais alto grau de banalização de um
fenômeno que deve ser levado estritamente a sério, pois este é pro-
vocador de dores, de medos, de abandonos, de tristezas, etc. Não são
sentimentos risíveis, em absoluto. Não o são! Provocar o riso a partir
de tapas, provocações, apelidos, músicas, etc, criam um status de ba-
nalização destas ações e estas se naturalizam na sociedade, podendo
gerar uma compreensão de que “brincadeiras violentas” são apenas
brincadeiras, como por exemplo: colocar apelidos, zoar, gozar, sa-
canear, humilhar, ofender, ignorar, amedrontar, empurrar, roubar ou
quebrar pertences, etc.. Estas atitudes então se justificam enquanto
fenômenos culturais “normais” e colocam a vítima em uma posição
de insegurança, de pouco espaço de defesa. A banalização da violên-
13 http://altashoras.globo.com/ AltasHoras/ Internas/0,, MUL16008 31-
17069,00.html

77
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

cia é, assim, a concretização da violência simbólica, já indicada por


Bourdieu e Passeron, (1992).
Njaine e Minayo (2003), em pesquisa realizada sobre violência em
escolas públicas e particulares, identificaram nas entrevistas dos pro-
fessores a influência da televisão como um meio que contribui para a
formação da identidade dos jovens. Ao observarem a ascensão quase
instantânea de artistas, modelos, jogadores de futebol, músicos, entre
outros, os jovens criam um imaginário de “modelos” que, segundo as
autoras, são “maus modelos”, em especial, em termos de revelação de
comportamento. Esses personagens são refletidos em aspectos identitá-
rios destes jovens como nos penteados, vestuário, linguagem, forman-
do assim sua identidade, que, somada à ausência de modelos de afeto
mais próximos, acabam por formatar o comportamento destes jovens.
Como Candau (2010) revela, a variação de identidades nas escolas
está igualmente sujeita a ações de desrespeito, de preconceito, de dis-
criminação. A não aceitação de um grupo por outro, ou mesmo a não
aceitação de algumas “tribos” pela própria escola, revelam um caráter
desintegrador de um espaço que deveria promover a integração, a har-
monia, a compreensão do outro enquanto pares convivendo sobre os
mesmos espectros sociais, econômicos, culturais e tecnológicos.
A pesquisa nacional empreendida por Candau (2010, p. 2), iden-
tificou a “urgência de se trabalhar as questões relativas ao reconhe-
cimento e valorização das diferenças culturais nos contextos escola-
res”, de forma que seja minimizada, dentre outras coisas, a manifes-
tação da violência na escola.
Aliado ao fenômeno do bullying surge, no contexto da Internet e
no crescimento exponencial de uso de mídias sociais, um espaço de
ampliação, ou de continuidade da prática de bullying. Esse se inicia
na escola e passa para o ambiente virtual em formato de vídeos, fo-
tos, depoimentos que continuam depreciando a vítima do bullying.
Este fenômeno chama-se de cyberbullying.
No cyberbullying há um novo formato, com características pró-
prias, como diz Maidel (2009), que é o “desaparecimento” da ação de
poder de alguém mais forte, pois o agressor agora pode ser qualquer
um, inclusive alguém que não faria tal ação de forma presencial. As-

78
Parte I – reflexões teóricas

sim, o agressor assume um caráter menos explícito, motivado pela


baixa possibilidade de ser pego na sua ação transgressora, violenta.
Outra característica própria do cyberbullying é que a força empregada
contra a vítima é mais ampla, pois a disseminação do evento é rápida,
atinge centenas, milhares de pessoas e muito dificilmente sairá “do
ar”, apesar de possibilidades de denúncia aos administradores das re-
des sociais. Um download deste material e futuro upload bastam para
manter a perseguição, a violência inacabada na Internet.
A vítima, desta forma, acaba por ter que enfrentar a violência em
todos os momentos que acessa suas redes sociais. A pressão psico-
lógica oriunda do cyberbullying é gritante, forte, sufocante. Relatos
desta natureza estão cheios na própria mídia social. Em especial, res-
saltamos aqui um dos casos mais marcantes de cyberbullying, que
teve sua origem na Internet e que repercutiu na escola – o caso de
Amanda Todd (15 anos), que em 2012 se suicidou por enforcamento,
mas deixou um vídeo14 marcante revelando a causa da sua morte.
De acordo com relato extraído na página da Wikipédia15 sobre o
caso, esta adolescente canadense foi assediada por alguém que a con-
venceu em mostrar os seios em um vídeo-chat, ainda quando tinha 12
anos. A partir daí, esse vídeo foi gravado pelo agressor e espalhado
(viralizado) em diversas redes sociais e sites da Internet, gerando uma
pressão que extrapolava o ambiente virtual e se refletia em persegui-
ções e xingamentos nas escolas que Amanda teve que enfrentar du-
rante este processo. Nem mesmo mudando de cidade a adolescente li-
vrou-se da perseguição, da violência virtual que a acompanhava onde
quer que fosse. No vídeo ela usa de cartões escritos por ela mesma,
revelando detalhes do seu caso, dos seus sentimentos e de outras per-
seguições que sofreu, motivados pelas imagens que iniciaram o seu
processo para a lamentável morte.
Ser perseguido sistematicamente na escola, ou em qualquer outro
espaço social, não é algo simples de se conviver. Muitas vítimas de
bullying e cyberbullying buscam soluções drásticas e radicais contra
si mesmos ou contra o próprio agressor ou as testemunhas. A ajuda
14 https://www.youtube.com/watch?v=dPyv9WlO83A
15 Mais informações em https://pt.wikipedia.org/wiki/Amanda_Todd

79
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

deve vir a partir da percepção e da conversa sobre este tema, sobre


as suas implicações, sobre os sentimentos envolvidos, sobre as cau-
sas e consequências.
As vítimas, na maioria das vezes, não revelam que estão sendo
perseguidas pois querem se livrar desta ação e uma das formas de
fazer isso é não falando sobre o assunto (MEIDEL, 2009). As conse-
quências para a vítima são amplas e passam por prejuízos na sociali-
zação, na baixa autoestima, em prejuízos à aprendizagem, motivada
pela queda do interesse e atenção ao espaço escolar. Além de dis-
túrbios emocionais como ansiedade, tristeza, estresse, medo, apatia,
angústia, raiva reprimida, dores de cabeça e estômago, distúrbios do
sono, perda do apetite, isolamento, dentre outros.
Os sinais são muitos e por isso é, de certa forma, fácil de per-
ceber quando algum aluno ou aluna está sofrendo perseguição na
escola, está sendo vítima de bullying ou de cyberbullying.
O enfrentamento primeiro é ter espaços de diálogo na escola. É pro-
mover ações que possibilitem olhar para o outro, olhar para o entorno e
perceber as relações, como elas estão se desenvolvendo. Pessoas isola-
das e apáticas, seja na própria sala de aula ou qualquer outro espaço na
escola, pode servir de alerta para o assunto. Não precisamos ser espe-
cialistas para compreender o quão grave é esse tipo de violência, assim
como podemos estar sensíveis ao outro.
Outras maneiras de enfrentamento passam por discussões amplas
sobre o uso das redes sociais. Ações de apoio, de estímulo à conscien-
tização sobre o assunto. Assim como procurar os caminhos formais de
denúncias, já indicados em outro capítulo deste livro, a fim de ampliar
a rede de proteção à criança e adolescente e mesmo buscar suporte para
resolução de conflitos que os próprios profissionais da escola podem
não estar habilitados a resolver.

Considerações finais
Compreender o espaço institucional no qual ocorre o processo edu-
cacional formal colabora para fomentar a compreensão sobre a plurali-
dade cultural, que emerge nas relações dentro das escolas e consequen-
temente entra em conflito com o próprio modelo da escola que tem

80
Parte I – reflexões teóricas

na sua raiz o autoritarismo e o controle como foco relacional com os


sujeitos escolares.
Não queremos afirmar e nem reduzir o surgimento da violência nas
escolas como sendo um atributo exclusivo deste cenário opositor – es-
cola tradicional X alunos pós-modernos. Mas, ao mesmo tempo, não
podemos ignorar que esta oposição é um canal de geração de conflitos,
muitas vezes intensos, possibilitando a ação ou reação violenta por par-
te de alguns alunos, professores, funcionários ou mesmo pais no inte-
rior das escolas.
Uma das formas de minimização dos conflitos, de violência na es-
cola, poderia ser através de uma revisão do seu próprio modelo, da sua
própria estrutura como indicado em exemplos comentados nesse ca-
pítulo. Promover espaços de diálogo com uma linguagem acessível,
acolhedora, e aceitar com mais naturalidade a diversidade cultural ima-
nente de uma cultura global-local, pode ser uma alternativa para o en-
frentamento de algumas manifestações de violência no seu interior.
No entanto, nem tudo são flores e, no que tange à cultura, não há
fórmula simples de lidar com isso. O diálogo acima proposto preci-
sa ser estabelecido também entre os próprios sujeitos que compõem
a escola, em especial os alunos. A compreensão do outro, o exercí-
cio da empatia e a aceitação das diferenças são caminhos possíveis
para dissolução dos problemas.
Alternativas de enfrentamento da violência na/da escola, em es-
pecial ao fenômeno do bullying e cyberbullying, perpassam por uma
postura de aceitação incondicional do outro, de compreensão das
igualdades e das diferenças naturais em grupos sociais, em pessoas.
Passa também por criação e/ou ampliação da rede de diálogo neces-
sária em qualquer ambiente social, para que este seja positivo para
as pessoas que ali convivem.

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81
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

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82
Parte I – reflexões teóricas

DESCONSTRUINDO A VIOLÊNCIA NA PERSPECTIVA


DA FORMAÇÃO DA ATITUDE ADOTIVA E
CULTURA DE PAZ
Eneri S. C. de Albuquerque
Professora aposentada do Departamento de Educação – UFRPE e Professora da
Faculdade Nova Roma
Email: paescalbuquerque@gmail.com

Jaciara Santos Arruda (In memoriam)

Este capítulo versa sobre os fundamentos teórico-metodológicos


do Módulo III do Curso de Extensão “Em busca de uma Escola que
protege: enfrentando a violência na infância e juventude” da Rede
Nacional de Formação Continuada de Profissionais da Educação
Básica, intitulado “Como lidar com esta realidade?”.
O objetivo deste Módulo foi analisar a violência escolar contra
professores e alunos, para buscar formas alternativas de lidar com
estas questões, ou seja, propor atitudes que a comunidade escolar
precisa tomar para minimizar, erradicar e/ou prevenir esta violência.
Assim, o presente texto está distribuído em quatro partes: a pri-
meira, intitulada “Violência na sociedade contemporânea e suas re-
percussões na Escola: uma crise ética”; a segunda, “Base conceitual
da proposta pedagógica: formação da atitude adotiva”; a terceira, “A
prática pedagogia: estratégia de como lidar com a violência escolar
e a quarta, “Considerações finais”.

1.Violência na sociedade contemporânea e suas repercussões na


Escola: uma crise ética
Nos últimos anos tem-se observado, através da mídia, um aumento
no número de casos das mais variadas formas de violência em todos os
segmentos da sociedade e em diversos setores, como na saúde, educa-
ção e até mesmo em espaços de lazer.
Embora a Constituição de 1988 tenha proporcionado um maior en-
volvimento do governo na vida social e nas últimas décadas tenham
sido criadas políticas públicas de distribuição de renda, a exemplo do
Bolsa Família e do Projovem, que podem até ter contribuído para a di-

83
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

minuição da miséria no país, mas não foram suficientes para erradicar


a pobreza e a desigualdade social. Além disso, a elevação dos juros e
impostos, assim como da inflação, vem contribuindo para aumentar a
distância entre ricos e pobres. Apesar dessas taxas se elevarem, não se
investe de maneira satisfatória nas áreas da educação, saúde, esporte,
cultura, infraestrutura, segurança pública, transporte entre outras, tão
necessárias para o funcionamento mais harmônico da sociedade. So-
mando-se a isso a pouca oportunidade de ingresso no mercado de tra-
balho, a qualificação profissional inadequada e a baixa escolaridade,
fatores excludentes e motivadores para que adolescentes e jovens, em
situação de vulnerabilidade socioeconômica, se envolvam na crimina-
lidade, aumentando, dessa maneira, a oportunidade de sofrerem ou co-
meterem violência.
De acordo com os dados do Disque 100, que é um serviço de uti-
lidade pública da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República para fazer denúncias de violação de direitos humanos, entre
maio de 2003 e março de 2011, foram registradas 275.638 denúncias de
violações de direitos humanos de crianças e adolescentes. Desse total,
27.664 foram de casos de exploração sexual de meninos e meninas, uma
média de 294 denúncias por mês (Relatório da Childhood, 2012, p.7).
Outro tipo de violência social que assume níveis assustadores é o
da violência sexual e doméstica contra crianças e adolescentes, o que
contraria o Plano de Convivência Familiar e Comunitária.
De acordo com Souza (2014, p.11), a violência é resultante da crise
de fatores responsáveis pela manutenção da condição humana como,
por exemplo, redução da solidariedade entre gerações; diminuição da
oferta de emprego; substituição das culturas regionais e locais por
padrões da “cultura de consumo global”, estimulando a competitivi-
dade, o individualismo e o consumo desenfreado; perda dos referen-
ciais e fundamentos ontológicos da ética; educação com ênfase nos
processos cognitivo e técnico, direcionada para a formação de mão
de obra para o mercado de trabalho e a fragmentação das religiões em
seitas sem base doutrinária. Diante desse quadro, como se apresenta
a escola nesse contexto? A escola, como qualquer outro espaço, está
exposta a situações de violência.

84
Parte I – reflexões teóricas

Para compreendermos a instalação da violência nas escolas é im-


portante fazermos uma retrospectiva histórica, pois seu início se deu no
século XVI, quando da vinda dos jesuítas de Portugal para o Brasil,pa-
ra implantarem o primeiro sistema educacional brasileiro. Tal sistema
enfatizava a disciplina e a obediência, impostas até mesmo mediante
castigos físicos, que não eram considerados formas de violência, mas
formas de disciplinar os alunos, aceitas socialmente, representadas pela
Pedagogia Tradicional. (SAVIANI, 2003).
Deste período aos dias atuais houveram muitas transformações na
sociedade. Embora não mais aceite aquela maneira de educar, a vio-
lência se revestiu de outras formas: a violência contra o patrimônio da
escola, contra os professores, alunos e outros funcionários.
Várias pesquisas tanto de enfoque qualitativo quanto quantitativo,
vêm sendo elaboradas para se compreender a violência escolar. Os re-
sultados dessas pesquisas vêm esclarecer este fenômeno da violência na
escola, a exemplo da pesquisa de Priotto (PRIOTTO; BONETI, 2009)
realizada em uma escola particular e outra pública de Foz de Iguaçu,
no Paraná, cujos achados indicaram que as duas escolas apresentavam
as mesmas características dos tipos de violência, mas se diferenciavam
nas suas concepções sobre o papel da escola e como elas lidavam com
os alunos. Para Priotto (2009, pp.165 e 166), a violência escolar é repre-
sentada pelos seguintes comportamentos:
a)violência Física: de um indivíduo ou grupo contra a in-
tegridade de outro(s) ou de grupo(s) e também contra si
mesmo, abrangendo desde os suicídios, espancamentos de
vários tipos, roubos, assaltos e homicídios. Além das di-
versas formas de agressões sexuais; b) agressão Física: ho-
micídios, estupros, ferimentos, roubos, porte de armas que
ferem, sangram e matam. c) violência Simbólica: Verbal
- abuso do poder, baseado no consentimento que se estabe-
lece e se impõe mediante o uso de símbolos de autoridade;
Institucional – marginalização, discriminação e práticas
de assujeitamento utilizadas por instituições diversas que
instrumentalizam estratégias de poder; d) violência Verbal:
incivilidades (pressão psicológica), humilhações, palavras
grosseiras, desrespeito, intimidação ou “bullying”.

O bullying é uma palavra de origem inglesa que representa for-


mas de agressões verbais e físicas para mostrar poder sobre a outra

85
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

pessoa, podendo ocorrer entre os alunos, entre alunos e professores


e/ou outros funcionários da escola.
Pesquisas contratadas pelo Sindicato dos Professores do Ensino
Oficial do Estado de São Paulo demonstraram que os índices de vio-
lência dentro das escolas têm aumentado e que tal fato compromete
a aprendizagem do aluno. Segundo uma pesquisa de 2003, quatro
em cada dez professores já sofreram algum tipo de violência em
escolas de São Paulo. De acordo com Salatiel (2003), os dados com-
provam que “a fronteira entre a escola e a violência das ruas deixou
de existir. Vandalismo, agressões, confronto entre gangues, roubos,
tráfico e até assassinatos passaram a fazer parte da rotina escolar”.
Uma delas, realizada com alunos de cinco regiões brasileiras, indi-
cou que 34,8% dos entrevistados tiveram conhecimento de casos de
violência física nas suas escolas, 22,7% de vandalismo, 21% de dis-
criminação, 8,5% de assalto à mão armada, 5,9% de violência sexual
e 3,6% de homicídio (REVISTA DO VALE, 2014). Outra pesquisa
com uma amostra constituída de professores, alunos e pais, mostrou
que “10% e 5% relataram que seus filhos foram autores de agres-
são verbal e física na escola, respectivamente”. Os resultados tam-
bém indicaram que 82% acreditavam que a violência ocorrida dentro
da escola era influenciada pela violência externa, 57%, que algumas
vezes batiam nos filhos para educá-los e 6% acreditavam que “tem
criança que só aprende apanhando”, mas 30% dos pais disseram que
“bater em criança era errado em qualquer situação” (Portal da FAEL,
2015). De acordo com a pesquisa, intitulada Violência nas escolas:
o olhar dos professores, 72% dos professores já presenciaram briga
de alunos, 62% foram xingados, 35% ameaçados e 24% roubados ou
furtados. Esta situação tornou-se mais grave nos bairros de periferia,
onde 63% dos profissionais consideram a escola um espaço violento,
o que causou muita insegurança no trabalho, de acordo com os coor-
denadores desse estudo (SALATIEL, 2013).
Todos esses tipos de violência suscitam sentimentos de medo e
insegurança na comunidade escolar, em vez de sentirem e percebe-
rem a escola como um espaço de oportunidade para ascensão social
e, consequentemente, para melhoria de vida das populações em vul-

86
Parte I – reflexões teóricas

nerabilidade socioeconômica. Nesse contexto, questiona-se: o que


levou a escola a se tornar este tipo de espaço? Para alguns educado-
res existe um conjunto de fatores inter-relacionados que respondem
a essa questão, tais como: tráfico de drogas; violência doméstica;
ausência de limites e de valores humanos na educação familiar (res-
peito; acolhimento; solidariedade; resilência; ética; companheiris-
mo, compreensão etc); fragilidade dos vínculos familiares; exclusão
social; inexistência de perspectiva profissional; desemprego; insa-
tisfação com a qualidade de ensino; com a infraestrutura da escola;
descompromisso/absenteísmo dos professores; banalização da vio-
lência, entre outros.
Analisando este diagnóstico da violência, levanta-se a seguinte
questão: onde está a sua raiz epistemológica? Para buscar uma res-
posta para tal questão, é importante que reflitamos sobre as diversas
visões de ética e definições mais amplas de ética, cuja etimologia vem
do grego ethos, que significa caráter e, segundo o dicionário Oxford
de Filosofia, é “o estudo dos conceitos envolvidos no raciocínio práti-
co: o bem, a ação correta, o dever, a obrigação, a virtude, a liberdade,
a racionalidade e a escolha” (1997, p.129). A ética também é definida,
de acordo com Vazquez, como sendo “... a teoria ou ciência do com-
portamento moral dos homens em sociedade” (2003, p.23).
O docente que assume uma conduta ética desenvolve competên-
cias e habilidades que o torna capaz de lidar, de maneira eficaz, com
situações problemáticas ocorridas no ambiente escolar, que exigi-
rão decisões estruturadas em aspectos morais, bem como ensina aos
seus alunos conteúdos atitudinais que os orientarão ao longo das
suas vidas.
A ética é estudada sob diversas visões, como a da ética do cui-
dado de Leonardo Boff, da ética da compreensão de Edgar Morin,
da ética da alteridade de Emmanuel Lévinas, (COSTA; CAETANO,
2014), da ética docente, essa última referente aos saberes da Peda-
gogia da Autonomia, de Paulo Freire (1996), como construção da
conduta ética docente. Todas essas éticas convergem para uma mes-
ma direção: o cuidado e o respeito para com as pessoas e o planeta.

87
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Segundo Boff (2004), toda vida humana é regida por diversas di-
mensões: a razão, a afetividade, a estética e a espiritualidade. A ética
tem como base a razão que, para ele, fundamenta o cuidado e a respon-
sabilidade. Para que possamos assumir esse cuidado é importante de-
senvolver uma ética da compreensão, que de acordo com Morin (2001,
p. 93) é a “condição de garantia da solidariedade intelectual e moral
da humanidade”. Diante do contexto mundial vivido com a crise das
migrações de povos de culturas diferentes (do oriente para o ocidente)
nunca se precisou tanto aprender a ética da compreensão interpessoal e
a relacioná-la com a ética planetária, como nos dias de hoje.
Precisamos buscar uma valorização do sentido ético humanitário,
o respeito às diferenças, uma visão sistêmica (CAPRA, 2008) para
tratar dos problemas de ordem econômica, social e ambiental, em que
o padrão de consumo precisa ser revisto, para que não sejam causados
mais danos do que já foram ocasionados, assumindo uma ética da al-
teridade, que nos exige uma maior responsabilidade para com o outro,
uma sociedade mais humana, solidária e justa.
Assim como a família, a escola, por ser um espaço educativo, precisa
assumir seu papel na formação ética da criança e do adolescente,
além de ser responsável, enquanto organização sócio-histórica, pela
“socialização do saber elaborado” (SAVIANI, 1991). Para isso, os
docentes precisam ser éticos, tomarem consciência de que a mudança
é possível; comprometerem-se com o processo ensino-aprendizagem;
estarem disponíveis para o diálogo; saberem escutar os alunos-porque
segundo Freire “é escutando que aprendemos a falar com eles”; serem
solidários, darem liberdade, estimulando a decisão e a responsabilidade
(1996, p.113).
Além desse papel, a escola deve ensinar o aluno a utilizar a
tecnologia de maneira ética, para evitar uma forma de violência,
atualmente muito frequente entre os adolescentes e jovens, que é o
cyberbullying. O espaço virtual e o celular são utilizados cada vez
mais para depreciar e destruir a imagem do outro, de uma maneira
mais rápida e constante, compartilhando a agressão com um número
imenso de pessoas, o que torna seus efeitos ainda mais devastadores
para quem sofre esse tipo de violência, porque invade a vida pessoal

88
Parte I – reflexões teóricas

por meio de mensagens da internet e celulares, tornando-se pior do


que o bullying. Esse tipo de violência pode provocar uma série de
reações. Dentre elas, a desmotivação para estudar, síndrome de pâ-
nico, depressão ou até mesmo comportamentos altamente violentos.
O advento da revolução tecnológica na sociedade contemporânea
deve ser aproveitado pela escola na perspectiva de inserção das no-
vas tecnologias para desenvolver competências cognitivas, culturais
e profissionais, necessárias tanto para o desenvolvimento psicossocial
quanto para a introdução das pessoas no mundo do trabalho (BRA-
SIL, 2000). Tais competências estão envolvidas nos vários segmentos
da vida social, cultural e política, por se referir à “capacidade de abs-
tração; do desenvolvimento do pensamento sistêmico, ao contrário da
compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos; da criatividade;
da curiosidade; da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a
solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento
divergente; da capacidade de trabalhar em equipe; da disposição para
procurar e aceitar críticas; da disposição para o risco; do desenvolvi-
mento do pensamento crítico; do saber comunicar-se; da capacidade
de buscar conhecimento” (BRASIL, 2000, pp.11 e 12).
Finalmente, a escola atual deve cumprir com as orientações da
Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, assu-
mindo o papel econômico, científico e cultural, assim como se es-
truturar nos seguintes eixos, indicados pela UNESCO: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser, cuja
finalidade é a de formar a criança e o adolescente como pessoa e
como cidadão (BRASIL, 2000).
Como o fenômeno da violência tem sido cada vez mais frequente
no contexto escolar, independente de ser instituição particular ou
pública, com menor ou maior quantidade de alunos, localizada em
áreas urbanas ou rurais, ser brasileira ou não, é de extrema urgência
que toda comunidade escolar discuta esta problemática que tanto
afeta o relacionamento interpessoal e o desempenho intelectual de
alunos, professores e gestores, bem como o lado emocional de to-
dos, causando sérios problemas de depressão, síndrome de pânico
entre outras doenças.

89
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Pelo fato da violência escolar ser um problema tão complexo e


multifatorial, é relevante que a comunidade escolar busque informa-
ções sobre as suas possíveis causas.
Segundo Rodrigues (2011), a falta de preparo dos professores para
enfrentar a violência no âmbito escolar encontra-se na sua forma-
ção inicial e na continuada. Por isso, é importante discuti-la desde
o processo de formação inicial dos professores, assim como conhe-
cer experiências exitosas que buscam a transformação social, como
a das professoras Gilda Araújo e Maria José Luna. Elas desenvolve-
ram uma experiência-piloto em duas escolas do município de Igaras-
su, localizado em Pernambuco, inseridas em uma comunidade com
inúmeros problemas socioeconômicos, como delinquência juvenil,
alcoolismo, drogas, exploração sexual comercial de crianças e ado-
lescentes, desemprego, implantando na grade curricular o programa
Educação para a Paz. Essas professoras investiram na ideia de educar
para a cidadania, para os direitos humanos, para a paz e para a solida-
riedade, utilizando-se de oficinas pedagógicas para elaborar projetos
pedagógicos que trabalharam para a desconstrução de estereótipos e
promoção da tolerância das diferenças, através de uma abordagem de
reconhecimento de identidades da pluralidade cultural.
Nas vivências foram consideradas as dimensões afetiva, inter-
pessoal, social e a resolução de situações-problema eram sempre
construídas coletivamente, estimulando experienciar uma ética de
solidariedade. Essa rica experiência promoveu uma mudança posi-
tiva de comportamentos nos vários segmentos da escola, conforme
depoimentos aqui descritos (ARAÚJO; LUNA apud PELIZZOLI,
2008, pp. 109 e 110):
“Se todos nós agirmos assim, vão desaparecer as agressões físicas e
a violência”.(aluno)
“A minha turma é muito resistente e trabalhosa. Já passaram por ela
cinco professoras e todos enfrentavam experiências muito negativas.
Com a disciplina Educação para a Paz trabalhando com música, estou
conseguindo a disciplina da turma e o respeito”. (educador)
“Houve verdadeiramente uma mudança de comportamento na
escola, os alunos pedem desculpas quando erram; as paredes do

90
Parte I – reflexões teóricas

prédio não são riscadas, bancas não são mais quebradas, me sinto
privilegiada por minha escola ter sido escolhida para fazer parte
do Projeto”. (gestora)
Diante do exposto, na dimensão atitudinal é importante que sejam
apresentadas propostas de práticas pedagógicas para minimizar ou er-
radicar a violência, especificamente na escola, pelo fato desse espaço
educativo ser responsável pela formação da cidadania, se constituir
em laboratório de aprendizagem da boa convivência social.
Portanto, uma educação voltada para o diálogo, respeito às dife-
renças (de religião, nível socioeconômico, etnia, orientação sexual
etc.), a cultura de paz pode ser uma alternativa de enfrentamento à
violência escolar, para que se busque uma convivência pacífica.
De acordo com Dalai Lama, líder espiritual do Budismo Tibetano, o
sinônimo para a paz é consciência. Por isso, para que possamos viver a
paz, precisamos investir na consciência em todos os níveis e dimensões
da humanidade: a educacional, a cultural, a política, a socioambiental,
a ética, a psicológica, a histórica, a religiosa e a espiritual (SOUZA,
2014). A escola necessita mudar seu paradigma para priorizar uma edu-
cação integral do aluno, por meio de conteúdos conceituais, procedi-
mentais e atitudinais, relacionando de maneira sistêmica e interdiscipli-
nar as áreas das ciências, arte, filosofia e religião.
Nesta perspectiva, uma alternativa para trabalhar a violência esco-
lar a partir de conteúdos atitudinais pode ser apresentada como pro-
posta pedagógica de formação de uma atitude adotiva.

2. Base conceitual da proposta pedagógica: formação da atitude


adotiva
O século XX foi marcado por acontecimentos responsáveis pelas
transformações sociais, tais como a consolidação e expansão da indus-
trialização, a urbanização da sociedade, a mudança do sistema de pro-
dução, retirando esta de casa para o mercado, estimulando o consumo
de bens e impulsionando as mulheres para o trabalho remunerado, o
que influenciou nas redefinições das relações familiares.
No contexto da sociedade contemporânea, as famílias tradicionais
formadas pelos laços consanguíneos, constituídas por pai, mãe e filhos

91
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

abriu espaço para outras composições familiares como, por exemplo,


a família de recasamentos, a família monoparental, as formadas por
gametas de doadores, as por inseminação in vitro, as homoafetivas, as
adotivas e as formadas por útero substituto.
Por ser uma instituição voltada para a formação do cidadão crítico,
protagonista da sua história, a escola precisa contribuir para a supera-
ção do preconceito, que tanto instiga atitudes de violência contra o di-
ferente, a começar por aqueles alunos provenientes de configurações
familiares fora do padrão, como as citadas anteriormente, além de
alunos residentes em instituições de abrigamento, de etnia, religião e
condição socioeconômica diferentes ou com necessidades especiais.
Com base na experiência profissional, durante observações de ati-
vidades de coleta de dados de pesquisa educacional, convivendo com
professores de escolas públicas, identificamos alguns comportamen-
tos preconceituosos em relação a alunos com ritmos de aprendizagem
diferentes, dificuldades de relacionamento interpessoal e oriundos de
configurações familiares diferentes. Portanto, o preconceito e, muitas
vezes, a segregação, existem também por parte de docentes, daí os
alunos reproduzirem essas atitudes, em virtude dos professores ser-
virem de modelo nas suas salas de aula. Por isso, o Curso “Escola
que protege” tem sua importância, pelo fato de ser oferecido essen-
cialmente a professores da educação básica, tornando-se um espaço
de reflexão contra atitudes preconceituosas, com vistas a substituí-las
por atitudes adotivas, bem como formar esse público para serem mul-
tiplicadores desta experiência.
A escola precisa acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade,
nas últimas décadas, principalmente no que se refere às transforma-
ções dos perfis das famílias, incorporando-os às suas práticas e mate-
riais didáticos, com a finalidade de trabalhar os mitos e preconceitos16
16 Um exemplo explícito de preconceito com relação à compreensão de família,
verdadeiro retrocesso nos avanços jurídicos e sociais, encontra-se na construção e
aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Estatuto da Família, proje-
to de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, em Brasília, que define família
como sendo a união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou
união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus des-
cendentes, para ter acesso às políticas públicas voltadas para a família, a direitos
como pensão, INSS e licença-maternidade (O que é o Estatuto da Família? Publica-
do 23/10/2015 na Revista Carta Capital).
92
Parte I – reflexões teóricas

na perspectiva de aceitar e respeitar as singularidades das pessoas,


compreendendo as diferenças como oportunidades de aprendizado.
Porém, para que a escola consiga ter essa visão, faz-se necessário
quebrar paradigmas no sentido de reformular o conceito de família,
até então compreendido como produto de uma relação biológica, e
avançar para uma compreensão mais ampla, que coloque a constru-
ção do vínculo afetivo como condição sine qua non para que exista a
família, compreendida pela Lei 11340/06 – artigo 5º, II, como sendo
“a comunidade formada por indivíduos que são aparentados, unidos
por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.
A escola também necessita compreender que independente do
tipo de arranjo familiar, a família continua sendo a instituição social
responsável pelos cuidados, proteção, construção do afeto e educa-
ção dos filhos, pelo processo de socialização e interações que pro-
movem as aprendizagens significativas.
Embora a família tenha esse importante papel, os pais sentem-se
inseguros para lidar com determinadas situações em que tenham de
assumir seu lugar de colocar limites na educação dos filhos, ficando
em conflito entre uma filosofia que propõe uma educação mais aberta
e outra mais conservadora, que defende ações mais rígidas, o que faz
esta família transferir, muitas vezes, a sua responsabilidade de educar
para a escola. É neste contexto que a escola entra para orientar os pais,
no sentido de desenvolverem uma atitude adotiva para com os seus
filhos, administrando limites com afeto, segurança e firmeza. Assim
como, proporcionar um processo de ensino-aprendizagem, planejado
de maneira a tomar por referência o conceito de atitude adotiva, não
só ensinando o respeito, a solidariedade, o cuidado para com o outro,
com o meio ambiente e com as causas sociais, mas, também compre-
endendo as dificuldades dos alunos, tentando apreender a lógica que
os mesmos constroem quando aprendem durante as explicações de
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais (COLL; POZO;
SARABIA; VALLS, 1998).
Segundo Coll, Pozo, Sarabia e Valls (p.122,1998), atitudes são
“tendências ou disposições adquiridas e relativamente duradouras a
avaliar de um modo determinado um objeto, pessoa, acontecimento

93
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

ou situações e a atuar de acordo com essa avaliação”, cujos compo-


nentes básicos, que se inter-relacionam, são o cognitivo (conheci-
mentos e crenças), o afetivo (sentimentos e preferências) e a condu-
ta (ações manifestas e declarações de intenção).
Identificando o ponto de interseção que aglutina as visões de
ética apresentadas no tópico anterior, pode-se dizer que a atitude
adotiva refere-se ao cuidado e respeito para com as pessoas e meio
ambiente, no qual estamos todos inseridos, pois somos parte dele.
A atitude adotiva possui as seguintes características: amorosida-
de (amor incondicional); acolhimento (abertura e flexibilidade de
aceitação); respeito às singularidades (respeito às diferenças indi-
viduais); solidariedade (generosidade para com o outro); empatia
(colocar-se no lugar do outro, compreendendo seus sentimentos e
emoções); sinergia (sincronização de ações de um grupo de manei-
ra sistêmica para alcançar um determinado resultado).
O conceito de atitude adotiva nos remete, quase sempre, à adoção
jurídica de crianças e adolescentes. Porém devemos ampliá-lo para ou-
tros contextos, tais como: adoção de causas sociais, ambientais e nas
relações interpessoais no sentido geral, tornando-se importante ferra-
menta na escola para ensinar cidadania, respeito ao próximo, consciên-
cia ecológica e defesa da melhoria de vida de comunidades em vulne-
rabilidade socioeconômica. Desta maneira, a escola pode atuar como
multiplicadora de uma cultura de respeito às diversidades, tornando a
sociedade justa e solidária, um lugar melhor para se viver e conviver.

3. A prática pedagogia: estratégia de como lidar com a violência


escolar
O Curso “Escola que protege: enfrentando a violência na infân-
cia e juventude” foi destinado a um público constituído por profes-
sores do Ensino Fundamental, profissionais que desenvolvem ações
e atividades nas Organizações Não Governamentais, a chamada de-
manda social, e conselheiros tutelares, que atuam também no âmbi-
to escolar. Todos envolvidos com processos educacionais.
O desenvolvimento do Módulo III, com carga horária de 43 ho-
ras, se deu por meio de uma metodologia de ensino voltada para a

94
Parte I – reflexões teóricas

construção do conhecimento, em um contexto de muita interação en-


tre alunos e entre professores e alunos, no qual as experiências dos
cursistas eram valorizadas e utilizadas várias dinâmicas de fortaleci-
mento de vínculos, resgate da reflexão crítica, solidariedade entre os
participantes, criatividade, bem como para o despertar da autoestima.
Como se tratava do Módulo III, fizemos articulações entre os
aspectos teóricos trazidos dos Módulos anteriores e os conceitos tra-
balhados naquele Módulo e suas implicações educacionais como,
por exemplo, quando foi resgatado o conceito e as funções do Con-
selho Tutelar e sua atuação nas questões de violência que surgem na
escola, fundamentada numa perspectiva mais educativa.
Na sequência, iremos discorrer sobre as dinâmicas desenvolvi-
das, seus conteúdos e conceitos trabalhados.
No primeiro dia de aula realizamos a dinâmica da “teia de re-
lacionamentos” com o objetivo de apresentar cada participante
(nome, ocupação e motivação para fazer o curso), promovendo re-
lacionamento interpessoal e autoconfiança. Tal dinâmica consistiu
em organizar a turma em um grande círculo e, à medida que iam
jogando um novelo de barbante para cada participante, as pessoas
se apresentavam, segurando na ponta deste barbante, para no final
estar formada uma estrutura que representava uma teia de aranha.
Além do objetivo já citado, essa dinâmica também contribuiu para
refletir sobre a importância da visão sistêmica e ação em rede, para
enfrentar a violência escolar tanto para preveni-la quanto para mini-
mizá-la e/ou erradicá-la.
Após a apresentação da programação do Módulo, foi realizada um
“brainstorming” (MIRANDA, 2003), ou também chamada “tempes-
tade de ideias”, que é uma técnica de dinâmica de grupo para levantar
o maior número possível de ideias sobre determinado tema, conceito
ou problema. Os conceitos trabalhados foram ética e direitos humanos.
Durante o surgimento dessas ideias, foram desenvolvidas reflexões so-
bre questões relacionadas à ética, cidadania e direitos humanos. Inclusi-
ve, os alunos apresentaram exemplos das suas vivências de sala de aula
para ilustrarem os conceitos trabalhados. Para contribuir com as refle-
xões, foi apresentado o vídeo intitulado “Gente que faz a paz”, produzi-

95
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

do por um grupo de instituições: Grupo Afroreggae, Center for Global


Peace, Viva Rio, UNESCO, UNIPAZ e Associação Palas Athena.
Para fundamentar as discussões, realizamos um painel integrado
do texto “Uma ideia de formação continuada em educação e direitos
humanos”, do autor José Sérgio Fonseca de Carvalho, que apresenta
uma sistematização das discussões teóricas vivenciadas em um pro-
grama de formação continuada para professores do ensino público
de escolas de São Paulo, alicerçado em princípios relacionados aos
direitos humanos nas escolas.
Também foram aplicadas as dinâmicas do “observe e descreva”
e da “esquisitice”, com a finalidade de refletir sobre as diferentes
compreensões de mundo, respeito às diferenças, medição de confli-
tos e cultura de paz. Esses últimos conceitos foram discutidos tam-
bém a partir de um brainstorming. A primeira dinâmica consistiu
em reproduzir, em um papel, um desenho com formas definidas,
representando algum objeto conhecido, a partir apenas da descrição
verbal de um colega, localizado em frente ao quadro e de costas
para o outro que iria desenhar, para em seguida trocar de função,
ou seja, quem desenhou, no primeiro momento, iria descrever outra
imagem, porém ambígua, para o colega reproduzir. A segunda dinâ-
mica constou da atividade de citar dois comportamentos incomuns
que cada um possuía como, por exemplo, “não consegui deixar uma
sandália voltada para baixo, sem desvirá-la, rapidamente”.
Depois ocorreu uma sistematização por meio da apresentação de
Power Point sobre ética, direitos humanos e cultura de paz. Para
fundamentar os conceitos trabalhados, foi discutido o texto Siste-
mas de direitos e de defesa nas escolas das autoras Maria da Con-
ceição Alves e Teomary Alves, que reflete sobre a importância dos
professores conhecerem melhor o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente – ECA, para compreenderem que ele é uma ferramenta peda-
gógica para a formação da cidadania e defesa da democracia e não
apenas uma lei de proteção à criança e ao adolescente.
No segundo dia foram analisadas seis situações-problema, repre-
sentadas por casos contextualizados, relacionados à violência es-
colar (violência/segregação), com questionamentos instigantes para

96
Parte I – reflexões teóricas

serem discutidos com a finalidade de se criar possíveis soluções


para os problemas. A partir das reflexões sobre as situações-pro-
blema, algumas delas descritas em seguida, foram estabelecidas as
relações entre os conceitos de mediação de conflitos, rede de prote-
ção, Conselho Tutelar e rede socioassistencial.

• Situação-problema 1:
Dayane é a filha mais nova de uma família de cinco filhos, cujo
pai é alcoólatra, a mãe sofre violência doméstica e seus irmãos vivem
na rua fazendo biscate para colaborarem com a renda familiar. Todos
moram numa comunidade em vulnerabilidade social e estudam em
uma escola pública da mesma comunidade. Na escola, Dayane tem
problemas de relacionamento interpessoal e vive agredindo seus co-
legas por motivos torpes, além de perturbar as aulas, fato que a levou
a algumas reprovações. Por isso, a escola deu a sua transferência, para
que a aluna pense e possa voltar no próximo ano. A própria gestora até
conseguiu a outra escola.
Questionamentos:
• Seria essa a atitude correta, transferir o problema para outra escola?
• Quem nos garante que a aluna irá mudar?
• Pelo menos um de seus responsáveis a acompanhava na escola
para saber do comportamento da filha?
• O diálogo entre os envolvidos ocorreu?
• Como de fato vive essa família?
• Essa família tem algum tipo de acompanhamento da Rede Socio-
assistencial?
• A escola tem profissionais habilitados para fazer o diagnóstico e
encaminhá-la aos órgãos competentes?
• O que é mais conveniente? Ter todo esse trabalho ou tomar atitudes
mais drásticas, neste caso transferi-la?

• Situação-problema 2:
Durante a realização de um trabalho, solicitado pelo professor de
História, do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola particular,
alguns alunos tomaram conhecimento de que um de seus colegas era

97
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

filho adotivo. A partir deste momento, a classe passou a segregá-lo, dis-


criminando-o dos demais, o que causou grande constrangimento para o
menino, chegando ao ponto da sua família transferi-lo para outra escola.

Questionamento:
Diante dessa situação, qual o papel da escola e como o professor
deveria a ter conduzido?
Também foi apresentado e debatido um vídeo sobre o trabalho
em rede e o Conselho Tutelar e discutido o texto “Conselho Tutelar:
conceito e natureza”, que trata da definição e dos principais aspectos
referentes aos objetivos e atribuições dos Conselhos Tutelares, bem
como suas características.
No terceiro dia foi construído, coletivamente, com base nos co-
nhecimentos prévios dos professores cursistas, um mapa conceitual
(PEÑA, 2006) sobre Atitude adotiva, que é uma estratégia pedagógi-
ca relevante para promover uma visão mais integradora dos concei-
tos que estão inseridos em um mesmo campo conceitual. Esse mapa
representa uma estrutura em forma de fluxograma (representação
esquemática) para apresentar um campo conceitual, com o objeti-
vo de provocar uma resignificação de conhecimentos, construindo
hipóteses e estabelecendo relações entre conceitos. Em seguida foi
lido e discutido o texto “Somos todos filhos adotivos: nove unidades
didáticas para falar na escola” (tradução) das autoras ALLOERO;
PAVONE e ROSATI, que apresenta uma proposta pedagógica de
como lidar com a temática da adoção no currículo escolar.
Depois foi apresentada uma sistematização, por meio de Power
Point, dos conteúdos discutidos, “A formação da atitude adotiva na
escola como medida preventiva da violência e a Dinâmica escolar em
relação às singularidades de alunos e professores”. Além disso, hou-
veram orientações para elaboração dos seminários e sugestões para
que os professores cursistas desenvolvessem, junto a seus alunos,
projetos sociais e ambientais na perspectiva da atitude adotiva.
No quarto dia, os alunos apresentaram os seminários cujos, temas
foram: “Construindo a educação pela Paz: mudando consciências para

98
Parte I – reflexões teóricas

mudar o mundo”; “Educação, consciência e paz”; “Cultura de paz em


escolas públicas: resultados de uma experiência”; “Sou Humano e A
importância do conceito de gênero na transversalidade das políticas pú-
blicas e, por último, o tema A estratégia do abraço”.
No quinto encontro, houve a socialização dos resultados parciais
que os professores cursistas obtiveram com a aplicação dos seus Proje-
tos de Intervenção Pedagógica nas salas de aula.
No sexto e último encontro, para fechamento do Módulo III, foi
apresentado e debatido o vídeo “Gentileza gera gentileza”, para pro-
mover a reflexão sobre a cultura de paz e a relevância de se trabalhar os
conteúdos atitudinais, considerando a ética do cuidado (Boff), a ética
da compreensão (Morin), a ética da alteridade (Lévinas) e ética docente
(Freire). Neste encontro, também houve a orientação para a construção
dos banners que seriam expostos no momento da culminância do curso.
Para concluir, foi realizada uma avaliação global do Módulo III,
cujos itens se referiam a uma autovaliação dos professores cursistas,
a contribuição do conteúdo trabalhado para a vida pessoal e a prática
profissional e a avaliação dos aspectos metodológicos e dos recursos
materiais didáticos utilizados.
Vale salientar que em todos os encontros foram realizadas ava-
liações processuais de cada um deles, utilizando-se, para isso, de di-
nâmicas diferentes, com o objetivo de refletir sobre o que foi mais
relevante do conteúdo trabalhado no dia e a conexão com a prática
docente. Algumas dessas avaliações encontram-se nas falas apresen-
tadas no tópico a seguir.

4. Considerações finais
Como vimos, a violência na escola pode causar impactos negativos
em toda comunidade escolar, tendo como suas principais vítimas os
alunos e professores. Tais impactos produzem diversos sintomas como:
dificuldades de aprendizagem dos conteúdos conceituais, procedimen-
tais e atitudinais e de estabelecer as relações interpessoais, de exercer a
função profissional adequadamente, distúrbios de conduta, problemas
emocionais que vão desde a simples ansiedade até a síndrome de pâni-
co e depressão, ou mesmo, o suicídio.
99
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Na maioria das vezes a escola não está preparada para enfrentar


os comportamentos violentos de alunos, incorrendo em certas medi-
das completamente inadequadas, como por exemplo, chamar a polícia
para intervir em atitudes mais agressivas. Por isso, torna-se essencial
a criação de programas de formação continuada de professores e ges-
tores, relacionados à promoção dos direitos humanos e cultura de paz,
para formar atitudes adotivas na perspectiva da cultura institucional,
considerando que o trabalho desses dois tipos de profissionais estará
sempre vinculado aos valores e princípios éticos e políticos da escola,
construídos historicamente, a fim de que possam repensar suas práticas
pedagógicas e os gestores pensarem nas suas práticas de gestão.
Diante do que foi exposto, ao longo do capítulo, observamos
que os objetivos do Módulo III foram alcançados, em função das
falas dos professores cursistas, apresentadas nas avaliações pro-
cessuais dos encontros e na avaliação do último dia de aula. Para
ilustrar essas falas, temos os depoimentos descritos abaixo:
Quanto à contribuição para a vida pessoal:
“Modifiquei alguns aspectos referentes a atitudes e comportamentos”
“O curso me trouxe uma nova consciência de ver o mundo”
“Levou à reflexão sob minhas práticas e conceitos”.
Quanto à contribuição para a vida profissional:
“Adotei a minha escola de forma mais consciente”
“Ampliou meus conhecimentos e me deu novos saberes para que eu
possa contribuir com o enfrentamento das violências encontradas
nas escolas”
O alcance dos objetivos também foi reforçado pelos resultados
obtidos na implantação do projeto de intervenção pedagógica na
sala de aula desses cursistas, com o objetivo de trabalhar estratégias
de prevenção e minimização da violência escolar. Esse trabalho de
culminância do Curso teve o objetivo de promover a oportunidade
dos professores cursistas estabelecerem a relação entre a teoria e a
sua prática de sala de aula.
Por fim, é interessante afirmar que essa experiência elucida a ne-
cessidade de rever paradigmas cristalizados pelos condicionantes
socioculturais, com vistas à mudança da nossa visão de mundo e,

100
Parte I – reflexões teóricas

assim, termos outra maneira de lidar com o outro e construirmos


uma cultura e política de convivência em que todos saem ganhando,
o indivíduo, as minorias, a comunidade planetária e a biodiversi-
dade, tendo por consequência a garantia de gerações futuras mais
saudáveis biopsicossocialmente.

REFERÊNCIAS
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103

PARTE II
RELATOS DE EXPERIÊNCIA
Parte II – Relatos de Experiência

(IN)TOLERÂNCIA NA ESCOLA: TRABALHANDO


CONTEÚDOS ATITUDINAIS POR MEIO DE OFICINAS
PEDAGÓGICAS
Rosemery Batista de Moura
Bacharela e Licenciada em Ciências Biológicas – UFRPE
E-mail: moura.rosemery@gmail.com
Pulcina Ferreira
Professora da Rede Estadual de Ensino – Abreu e Lima (PE)
Email: pulcina.ferrreira@outlook .com
Eneri S. C. de Albuquerque
Professora aposentada do Departamento de Educação – UFRPE e Professora da
Faculdade Nova Roma
Email: paescalbuquerque@gmail.com
Jurema Ingrid Brito do Carmo
Professora multiplicadora em Tecnologia da Prefeitura do Recife
Email: ibrito.ead@gmail.com

INTRODUÇÃO
Acreditamos e defendemos que a ausência de valores, como to-
lerância e respeito, está na base de muitos conflitos sociais causados
pelo preconceito, racismo, discriminação entre credos religiosos,
xenofobia e marginalização de grupos minoritários em geral. E ten-
do a escola o papel de “formar para a cidadania”, destacamos a sua
função na estruturação socioemocional dos estudantes.
Paulo Freire (2005, p. 11) denomina a tolerância como “a qua-
lidade de conviver com o diferente: com o diferente, não com o in-
ferior”. Para ele, tolerância é uma virtude da convivência humana e
não uma virtude do indivíduo; ela segue na direção da compreensão
e do respeito, rompendo com o paradigma da tolerância como vir-
tude de superioridade. A tolerância é uma atribuição mútua, desen-
volvida na relação de convivência entre indivíduos. Então, a pessoa
que é tolerante, o é porque reconhece na outra pessoa alguém que
possui uma posição diferente da dela; não é tolerante por ser supe-
rior. Freire explica muito bem sobre “reconhecer o outro” ao afirmar
que tolerar não significa concordar com a outra pessoa que pensa ou
age diferente, mas demanda respeito para com a pessoa diferente a
tal ponto que possa aprender com ela, como assinala:
O que a tolerância autêntica demanda de mim é que res-
peite o diferente, seus sonhos, suas ideias, suas opções,

107
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

seus gostos, que não o negue só porque é diferente. O


que a tolerância legítima termina por ensinar é que, na
sua experiência, aprendo com o diferente (p.24).

A escola é o espaço onde se encontra uma ampla diversidade cultural,


bem como muitos comportamentos discriminatórios, seja por parte dos
profissionais da educação e/ou entre os alunos. Situações de violência
observadas no contexto escolar são expressas de diversas formas, tais
como exclusão/isolamento social, bullying, entre outras manifestações.
Entende-se que tais situações decorrem do sentimento de intolerância
entre as pessoas, ao considerar o outro diferente, quer por questões re-
ligiosas/credo, de orientação sexual, ideológicas, socioeconômicas etc.
Como a escola é uma microrrealidade da sociedade, porque reproduz
alguns de seus valores, reforçando certas condutas preconceituosas,
esse espaço educacional precisa ser repensado em função de seu papel
de formadora da cidadania, ressignificando valores vivenciados nesta
sociedade. Diante dos conflitos cotidianos, acredita-se ser necessária
uma intervenção que aborde o tema (in)tolerância no convívio social,
para que tais situações sejam minimizadas.
Por isso, pretendeu-se trabalhar pedagogicamente para desenvol-
ver atitudes de respeito, solidariedade, reconhecimento e aceitação
do diferente e, consequentemente, transformar a intolerância em to-
lerância. Todavia, buscou-se ir além de uma atitude de tolerância,
uma vez que tolerar não é reconhecer. Reconhecer tem uma signi-
ficação de real, de atribuir um valor ao que é diferente ou ao que é
igual, que leva a um bom convívio entre iguais, reconhecendo as
diferenças. “A intolerância é a recusa de aceitação do outro tal como
é e está intimamente ligada ao preconceito” (http://pedagogiaaope-
daletra.com/preconceito-e-intolerancia-na-escola/).
A realização das atividades na escola teve por objetivo analisar a
percepção dos estudantes sobre situações de preconceito para que, a
partir das interações coletivas, eles aprendessem a importância do res-
peito às diferenças individuais e se mobilizassem para construírem e/
ou fortalecerem uma política de respeito às singularidades, necessária
a boa convivência em uma sociedade democrática e pluralista.
Com base no documento de apresentação dos temas transversais no
que se refere à Ética (BRASIL, 1997), o desenvolvimento das ativida-
des, aqui propostas, teve a sua relevância pela intenção de minimizar

108
Parte II – Relatos de Experiência

situações de intolerância e violência e fortalecer atitudes cotidianas de


solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças e discriminações no
ambiente escolar, valorizando o diálogo como forma de resolver confli-
tos e tomar decisões coletivas.
No contexto da escola pública onde lecionava a segunda autora
deste trabalho, o comportamento de intolerância, principalmente em
relação à crença religiosa, era constante. Professores e alunos rela-
taram que presenciaram várias cenas de agressões verbais por parte
dos estudantes, discriminando seus pares, por defenderem opiniões
e crenças diferentes. Ao se analisar a situação, foi percebido que as
ofensas tinham base no desrespeito ao outro, o que justificou a apli-
cação de um projeto de intervenção pedagógica no sentido de refletir
sobre as atitudes que se apresentavam frequentes, na escola, na pers-
pectiva de aprenderem o respeito e a solidariedade entre os alunos.
É relevante a socialização dos resultados deste trabalho para
mostrar aos profissionais da educação que os desafios existem para
serem enfrentados com planejamento coletivo, acreditando na mu-
dança pessoal do outro, para se alcançar o objetivo pretendido.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
As atividades educativas podem ser utilizadas como estratégias
para se promover o desenvolvimento de valores morais na infância,
como a tolerância às diferenças entre as pessoas, principalmente,
no ambiente escolar. A importância da escola no desenvolvimento
socioemocional de seus alunos tem sido apontada por pesquisadores
que se dedicam ao estudo da Psicologia do Desenvolvimento como
um dos objetivos do Ensino Fundamental do país. Essa importância
também é reconhecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1996), por considerar a escola como um espaço
privilegiado para o ensino de relações interpessoais.
Como tal, esse espaço precisa assumir seu papel no sentido de
resgatar o ensino de valores humanos, na perspectiva da cultura de
paz, com a finalidade de substituir a cultura da violência. Compre-
endendo por cultura um fenômeno social formador do ser humano
que “...integra os hábitos, os costumes, os valores, as crenças, as
artes, a estética, o folclore e os conhecimentos de um povo” (SOU-
ZA, 2014, p. 115). É a cultura que influencia a visão que as pessoas

109
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

têm do mundo e os seus comportamentos. Por isso é tão impor-


tante que a escola trabalhe pedagogicamente comportamentos pa-
cificadores voltados para a percepção afetiva, que é um processo
de aprendizagem para reconhecer conscientemente a origem e a
natureza dos sentimentos, tornando-os mais evidentes e compreen-
síveis. Esse tipo de aprendizado promoverá a cultura de paz, a paz
emocional, comportamentos pacíficos e pacificadores na direção da
não violência.
Contudo, a escola moderna segue uma perspectiva pedagógica
fragmentada, cognitivista e tecnicista e tem se constituído em palco
para manifestação da violência de todos os tipos. Este processo de
violência pode ser superado com a construção de uma cultura esco-
lar voltada para à educação do ser humano integral, com o currícu-
lo escolar integralizando os diversos saberes. Concordamos com a
proposta da UNESCO de que o “pilar fundamental da educação é
o ‘aprender a conviver’: consigo mesmo, com as diferenças cultu-
rais, civilizatórias, e sociais, com o pluralismo de valores, hábitos e
comportamentos, com os outros povos e etnias, os diferentes atores
sociais, grupos, em família e na comunidade”. Para que a consciência
emocional seja desenvolvida e aperfeiçoada são necessárias vivências
de sensibilização e processos internos de aprendizado e autoconheci-
mento (UNESCO, 2013).
A construção de espaços escolares saudáveis não está no estado
físico das escolas, e também não está somente na realização de pro-
jetos. Tem relação, sobretudo, em como tais projetos e ações educa-
tivas se integram, e isso tem influência direta nos aspectos de ges-
tão: relacionamento interpessoal da equipe escolar, a valorização do
estudante como cidadão do presente, valorização dos funcionários,
o exercício do diálogo, trabalho coletivo e pertencimento (ABRA-
MOVAY et al, 2003).
A escolha da escola como espaço para o desenvolvimento das
atividades deve-se ao fato de ser essa a instituição na qual o adoles-
cente passa grande parte de sua vida, o ambiente social que consi-
dera como dele e onde mais facilmente os adolescentes se agrupam,
pois é na participação do grupo que desenvolve e afirma sua identi-
dade. Portanto, a escola deve ser aproveitada para o desenvolvimen-
to das mais diversas ações que contribuam para a formação deste

110
Parte II – Relatos de Experiência

grupo etário (JARDIM; BRÊTAS, 2006). Os jovens quando estão


agrupados se sentem mais confiantes quanto aos valores delimitados
de seus pares/iguais, pois compartilham sentimentos de vergonha,
medo, culpa ou até mesmo de inferioridade. Inclusive, o Ministé-
rio da Saúde recomenda que nas atividades com adolescentes sejam
utilizadas técnicas de grupo, como estratégias de intervenção para
as atividades de educação, principalmente no contexto da saúde. A
intervenção em grupo é uma estratégia privilegiada para facilitar
a expressão e expansão de sentimentos, a troca de informações e
experiências, e também a busca de soluções para seus conflitos e/
ou problemas (SOUZA et al., 2007). Considerando a necessidade
que adolescentes e jovens têm em se agruparem e as orientações do
Ministério da Saúde, a estratégia escolhida para a intervenção peda-
gógica, do projeto, foi a da oficina.
Ela consiste em uma técnica de trabalho em grupo que se caracte-
riza por ser estruturada com grupos, independentemente do número
de encontros, focalizada em torno de uma questão central que o grupo
se propõe a elaborar, em um contexto social. A construção que se pre-
tende na oficina não está restrita a uma reflexão racional, mas envolve
os sujeitos de maneira integral, através da forma de pensar, sentir e
agir (AFONSO, 2000).
Portanto, uma oficina propõe a aprendizagem compartilhada. As-
sim, temos na oficina pedagógica, na perspectiva da educação críti-
co-emancipatória, um instrumento de intervenção que visa à forma-
ção dos indivíduos com reflexão crítica sobre as próprias atitudes,
a ampliação na tomada de decisões responsáveis e consequentes
(AMARAL; FONSECA, 2005).

RELATO DE EXPERIÊNCIA DA INTERVENÇÃO PEDA-


GÓGICA EM SALA DE AULA
A intervenção pedagógica em sala de aula foi planejada como
requisito para conclusão do Curso de Extensão intitulado Em bus-
ca de uma Escola que protege: enfrentando a violência na in-
fância e juventude da Rede Nacional de Formação Continuada de
Profissionais da Educação Básica (Renaform), juntamente com a
Universidade Federal Rural de Pernambuco e realizada pelas duas
primeiras autoras, sob a orientação da professora Eneri S. C. de Al-

111
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

buquerque. Além disso, o trabalho contou com a colaboração da


quarta autora, tutora do referido Curso.
Participaram das oficinas pedagógicas 35 estudantes com idades
entre 12 e 16 anos, matriculados no 7º ano do Ensino Fundamental
II da Escola Stela Maria dos Santos Pinto de Barros, localizada no
município de Abreu e Lima, em Pernambuco.
As oficinas pedagógicas foram planejadas para explorar, avaliar
e estimular a percepção dos estudantes em relação aos sentimentos
de respeito e tolerância ao outro. Para as autoras, desta interven-
ção, essas oficinas correspondiam ao “eu” (oficina 1) e ao “outro”
(oficina 2), enquanto para os estudantes elas foram intituladas de
“Análise de imagens” (oficina 1) e “Gostos e Não-Gostos” (oficina
2). A oficina 1 (“O Eu”) explorou a percepção sobre “o que sinto e/
ou como me sinto diante disto”. A Oficina 2 (“Outro”) diagnosticou
a percepção das semelhanças entre as preferências dos estudantes.
Os encontros para realização das atividades duraram 1 hora e 30
minutos cada um.
Durante a realização das oficinas, foram utilizados questionários
para análise das imagens na oficina pedagógica 1 e para a avaliação
pós-intervenção; para a oficina pedagógica 2, tarjetas de papel, ba-
lões de festas de duas cores distintas e câmera fotográfica digital,
para registrar as etapas da atividade.
A Oficina 1 (“O Eu”) foi realizada no dia 23/04/2015 e consis-
tiu em uma análise de 10 imagens. Os participantes observaram as
imagens numeradas de 1 a 10 distribuídas e afixadas na parede da
sala de aula. Eles não precisavam descrever a cena na imagem, mas
registrar, em um questionário, o que pensou e/ou sentiu ao obser-
var cada imagem. No fim do questionário os estudantes indicaram a
imagem que mais e a que menos lhes chamou a atenção, justificando
sua resposta. Os estudantes foram orientados a se deslocarem como
se estivessem observando uma exposição de fotos, e que tentassem
não comentar uns com os outros suas anotações, para não influen-
ciar a opinião do colega. Após o momento de observação, demos um
tempo para que eles concluíssem suas anotações. Em seguida, com
as cadeiras organizadas em círculo, realizou-se a discussão sobre as
imagens e as interpretações dos estudantes. O objetivo desta oficina

112
Parte II – Relatos de Experiência

foi analisar a percepção dos estudantes sobre sentimentos e emo-


ções, avaliar possíveis projeções e narrativas criadas para as cenas,
bem como trabalhar a autoimagem e a autoestima dos mesmos.
Ao analisar os questionários, ainda que superficialmente, consta-
tamos que muitos estudantes, durante a Oficina 1 (“O Eu”), descre-
veram ou explicaram o que tinha na imagem e não o que esta repre-
sentava para ele. Com relação à imagem que mais chamou a atenção
(ou mais gostou) obtivemos os seguintes resultados: imagem 5, que
era de um casal de noivos (9 votos), a justificativa apresentada foi
porque ela representava “romance”, “amor”; seguida da imagem 1,
um grupo grande pessoas de várias etnias (5 votos); imagem 8, de
um homem atirando na sua própria sombra e imagem 9, de pessoas
manipulando seus celulares (3 votos); imagem 3, de pessoas se
observando no espelho e vendo uma imagem diferente do próprio
corpo; imagem 7, de um rapaz fumando (2 votos) e da imagem 2,
de um rapaz cabisbaixo e uma moça chorando (1 voto); um estu-
dante não opinou. Quanto à imagem que menos chamou a atenção
(ou menos gostou), tivemos a imagem 7 (10 votos) apresentando
as justificativas de porque era um “mal exemplo”, um “incentivo
às drogas”), seguida das imagens 3 e 4, de uma moça mostrando
muitos pelos nas axilas e 10 referente a uma situação de bullying na
sala de aula (3 votos), 5 e 9 (2 votos) e as imagens 1 e 6 do rosto de
uma moça com olhar pensativo e chorando (1 voto).
Alguns estudantes relacionaram, mais significativamente, as
imagens, associando-as com preconceito, bullying, abandono, in-
clusive formularam hipóteses para a cena representada na imagem,
criando breves narrativas. Por exemplo, para a imagem 8, um es-
tudante escreveu: “ele fez algo errado e se arrependeu, está muito
triste e com raiva de si mesmo”.
A Oficina 2 (“O Outro”) foi realizada em 08/05/2015 e abordou
a percepção sobre os “Gostos e não-gostos” dos colegas. Nesta ofi-
cina, cada participante recebeu duas tarjetas de papel e dois balões
de festa de cores diferentes. Na primeira tarjeta, os estudantes es-
creveram algo de que gostavam (“eu gosto de...”), dobraram o papel
e colocaram dentro do balão verde; na segunda tarjeta escreveram
algo de que não gostavam (“eu não gosto de...”) e colocaram o papel
dobrado dentro do balão amarelo. Ao final desta etapa, todos os par-

113
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

ticipantes tinham dois balões, um verde e um amarelo. Os gostos e


“não-gostos” escritos podiam ser sobre qualquer coisa: música, ali-
mento, lugares, esportes, sentimentos, etc. Os balões foram jogados
para o alto, na sala de aula, com o intuito de misturá-los; assim, cada
participante deveria pegar um balão de cada cor. Primeiro foram
estourados os balões verdes, para que cada participante lesse a frase
do balão e sempre que os demais concordassem e se identificassem
com o gosto, tinham que levantar a mão. O mesmo procedimento foi
realizado para o balão amarelo, que continha o “não-gosto”.
O objetivo da oficina foi refletir que temos mais semelhanças do
que diferenças e o fato de termos alguns gostos diferentes, não nos
tornam incapazes de conviver. As tarjetas não foram identificadas
nominalmente, mas cada participante preencheu uma ficha com o
nome, a idade e as duas frases que escreveu para os balões, tais
fichas foram entregues antes dos balões serem misturados e estoura-
dos, para avaliação as possíveis mudanças que ocorreram nos estu-
dantes, pós-intervenção.
Na Oficina 2, conseguimos os seguintes resultados: gosto pelos
esportes (9 votos, sendo 7 para futebol/jogar bola), música (11 vo-
tos, cujos cantores/bandas mais votados foram Mc Gui, Mc Biel,
Justin Bieber, Apocalipse 16, K-pop, One Direction, também disse-
ram que gostavam muito de cantar e dançar), videogame (4 votos),
também apresentaram gosto por frutas (4 votos: abacaxi, maçã,
morango, uva) e outros gostos (4 votos: conversar, “mulher”, avó,
minecraft). Os “não-gostos” apresentaram o seguinte resultado: mú-
sica (4 votos: estilo do cantor Justin Bieber, rock, funk), esportes (3
votos: basquete, vôlei), ir à escola (3 votos), da disciplina Matemáti-
ca (4 votos), dos alimentos (3 votos: para abacate, beterraba e leite),
também alegaram que não gostavam de comportamentos/convívios
como (9 votos: falsidade, estupidez, pessoas idiotas, ficar esperan-
do, brigar), do filme Frozen (2 votos) e outras respostas (3 votos
para acordar cedo, praia de Mangue Seco, ficar sem videogame).
Os “gostos e não gostos” citados, nestas oficinas, podem ser ob-
servados na Tabela 1 apresentada abaixo. Podemos observar que a
maioria dos gostos citados refere-se a atividades que incluem movi-
mento e prazer/satisfação (música e esportes).

114
Parte II – Relatos de Experiência

Tabela 1: Quantidade de votos por categorias referentes aos “Gostos” e “Não-


Gostos” indicada pelos participantes na Oficina 2

Categoria “Gostos” “Não-Gostos”

9
3
Esportes Futebol/jogar bola, skate,
Basquete (2), vôlei
longboard

11
Mc Gui (2), Mc Biel (2), 4
Música cantar (2), dançar, Justin Justin Bieber (2),
Bieber, Apocalipse 16, rock, funk
K-pop, One Direction

Videogame 4 -
3
4
Alimentos Abacate, beterraba,
Abacaxi, maçã, morango, uva
leite
7
Estudos - Matemática (4), ir à
escola (3)
9
Comportamento/ Falsidade (4),
- briga (2), estupidez,
convívio pessoas idiotas,
esperar
5
4
Frozen, (2), acordar
Outros Conversar, “mulher”, avó,
cedo, Mangue seco,
minecraft
ficar sem videogame

No dia 21/05/15 trinta e três (33) estudantes responderam um


breve questionário para avaliação das atividades. Destes, 21 partici-
param das duas oficinas; os demais participaram de uma ou de ou-
tra. De acordo com as avaliações dos participantes, as oficinas per-
mitiram e/ou desenvolveram “reflexões sobre preconceito”, “acei-
tação”, “reflexão sobre racismo com negros e brancos”, “conversar
sobre sentimentos”, “desabafar”, “melhorou comportamento” e um
estudante citou: “aprender a respeitar e compartilhar”. Dos 21 estu-
dantes que participaram das duas oficinas, 18 gostaram mais da Ofi-
cina 2, principalmente, pela oportunidade de conhecer os gostos dos
colegas. Também justificaram que gostaram, porque essa Oficina ti-

115
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

nha sido mais divertida (por estourar os balões), mais participativa,


interativa, diferente. De maneira geral, os estudantes avaliaram as
atividades como interessantes, divertidas, criativas, instrutivas e re-
flexivas. Os participantes expressaram desejo e motivação em par-
ticipar de outras atividades/oficinas e de reproduzir as vivenciadas
(citadas neste trabalho) em outros espaços como “em casa”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A técnica de Oficina é um ótimo recurso de intervenção para
transformar e intervir no contexto psicossocioeducativo dos estu-
dantes, por explorar e refletir a experiência pessoal e o conheci-
mento dos participantes, além de ser uma estratégia para formação
e mudança de atitudes, na perspectiva de uma convivência menos
preconceituosa, mais harmônica, promovendo desta maneira, um
ambiente mais equilibrado.
Os resultados da intervenção pedagógica em sala de aula mostraram
que o uso das imagens produziu um impacto positivo na avaliação dos
estudantes sobre o respeito ao outro, pois os participantes puderam se
projetar nas imagens observadas. Embora esse impacto seja considera-
do pequeno, ressaltamos que a atividade também foi uma intervenção
breve, focal, de aproximadamente uma hora e meia cada oficina. Ape-
sar disso, pode-se dizer que intervenções similares e sistemáticas são de
grande relevância, pelo fato de promoverem o respeito e a tolerância às
diferenças, atitudes que transcendem o ambiente escolar.
Destacamos o potencial deste tipo de intervenção na promoção
não apenas do respeito e da tolerância, mas principalmente na saúde
emocional dos estudantes, uma vez que as atividades estimulam o
autoconhecimento. E isso também tem impacto nas formas de ava-
liação adotadas pelos professores e/ou gestão escolar.
Os resultados mostraram que o desenvolvimento socioemocional
dos adolescentes pode ser promovido e aperfeiçoado na escola, e
que também pode-se aproveitar a oficina para atrelar suas atividades
didáticas ao ensino da leitura e produção textual, utilizando-se de
recursos como escrita de narrativas, incluindo a análise de imagens/
figuras e percepção de sons/música, a partir de temas que despertem
o interesse dos alunos por fazerem parte do cotidiano deles.

116
Parte II – Relatos de Experiência

No presente estudo, além do foco nos comportamentos sociais,


os estudantes foram incentivados a interpretar, compreender, refletir
e discutir questões relacionadas ao sentimento e emoção, com base
nos valores de tolerância e respeito.
Constatamos que os adolescentes gostam e sentem necessida-
de de falar sobre sentimentos nas atividades escolares. Contudo, a
maioria dos participantes apresenta muita dificuldade em construir
argumentos e produzir textos com coerência e coesão, além de difi-
culdades na ortografia.
Apesar de terem sido atividades pontuais, os resultados sugeri-
ram que os objetivos das oficinas foram alcançados, sobretudo na
Oficina 2, na qual os participantes disseram ter gostado de conhecer
os gostos dos outros (a “percepção do/sobre o outro”).
Como aspectos negativos das oficinas, tivemos, (1) a sua duração,
pois os estudantes gostariam que tivesse havido mais tempo (citado
pelos estudantes); (2) aproveitamento da atividade para “atingir” al-
gum colega com “indiretas”: alguns estudantes usaram o momento da
oficina 2 para criticar algum colega e (3) a acústica da sala de aula,
pois, algumas vezes, tivemos dificuldades de ouvir e de ser ouvida/o.
Apesar desta técnica poder ser utilizada para trabalhar a produção
textual por meio de narrativas (que melhoram a coesão e coerência
textual, compreensão de leitura e o raciocínio lógico) e, ao mesmo
tempo, promover valores e comportamentos pró-sociais, estudos
que utilizam estes recursos ainda são raros, tanto como estratégia de
intervenção pedagógica quanto meio de avaliação escolar.
Outro aspecto também valorizado nas oficinas foi o lúdico, tão
relevante para se trabalhar pedagogicamente com crianças e ado-
lescentes, pois estimula sentimentos, emoções e a imaginação do
indivíduo. A educação lúdica na formação global favorece relações
reflexivas, criadoras, inteligentes e socializadoras, tornando o ensi-
no/aprendizagem permeado pelo prazer e pela satisfação individual.
AGRADECIMENTOS
À gestão da escola por permitir a realização das oficinas, aos
docentes da escola, pelo acolhimento e concessão do horário e aos
estudantes pela disponibilidade de participar das oficinas.

117
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

REFERÊNCIAS
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CASTRO; LEITE; ESTEVES. Escolas inovadoras: experiências bem
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Rev Min Enferm, 9(2):168-73, abr/jun 2005.
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Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: SEDH/MEC/
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nacionais: apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de
Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 146p, 1997.
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diferenças: efeitos de uma atividade educativa na escola. Psicologia:
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JARDIM, D. P.; BRÊTAS, J. R. S. Orientação sexual na escola: a concepção
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102-5, 2007. Preconceito e intolerância na escola. Disponível em: < http://
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Acesso em: 28 out. 2015.

118
Parte II – Relatos de Experiência

ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA


NA ESCOLA
Mycheline Ribeiro Nabuco
Socióloga pela UFPE
Email: mycheline.nabuco@gmail.com

Maria José Emídio da Silva


Pedagoga pela UFPE
Email: fanny.nabuco@hotmail.com

José Ricardo de Lima


Pedagogo pela UVA
Email: ricardolima1027@hotmail.com

Paulo André Sousa Teixeira


Psicólogo do Tribunal de Justiça e do Ministério Público de Pernambuco
Email: pasousa@gmail.com

1. INTRODUÇÃO
O projeto de intervenção que deu origem a estas reflexões, inti-
tulado “Enfrentamento da violência simbólica na escola”, foi ela-
borado a partir de observações realizadas durante nossa prática no
ambiente escolar e em sala de aula, bem como serviu como trabalho
de conclusão de curso do Projeto de Extensão “Escola que Prote-
ge”, uma iniciativa da Universidade Federal Rural de Pernambuco
– UFRPE através da Rede Nacional de Formação Inicial e Continu-
ada de Professores da Educação (RENAFORM). Verificou-se que a
comunidade escolar estava envolvida por uma cultura de violência
já naturalizada e reforçada pelo contexto social no qual todos os
envolvidos estavam inseridos; uma realidade repleta de estímulos
negativos, propagados através dos meios de comunicação em ge-
ral, mas também oriundos da educação familiar. Entendemos esses
estímulos negativos como, por exemplo, guerras, violência, crimi-
nalidade, corrupção, abuso de poder, impunidade, insegurança, au-
sência de políticas públicas, desigualdade social, exclusão social,
preconceito, racismo, homofobia, intolerância religiosa, destruição
do meio ambiente, disseminação do uso de drogas, promiscuidade,
prostituição, individualismo, competitividade.

119
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Na atualidade, a desigualdade social, no que se refere à distribuição


de renda e usufruto de direitos sociais e culturais, assim como a deterio-
ração de valores éticos agregadores da vida coletiva, como a dignidade,
a justiça e a solidariedade, são fatores determinantes de várias expres-
sões da violência. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).
Essa agressividade se propaga em vários níveis, desde os mais
sutis até as formas mais danosas à integridade física, tendo sua ori-
gem na violência simbólica.
O conceito de violência simbólica foi elaborado pelo sociólogo
francês Pierre Bourdieu, conforme descrição abaixo:
A violência simbólica é essa coerção que se institui por
intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de
conceder ao dominante (portanto, à dominação), quando
dispõe apenas, para pensá-lo e para pensar a si mesmo, ou
melhor, para pensar sua relação com ele, de instrumentos
de conhecimento partilhados entre si e que fazem surgir
essa relação como natural, “pelo fato de serem, na verda-
de, a forma incorporada da estrutura da relação de domi-
nação” (BOURDIEU apud SOUZA, 2012, p. 28).

A violência simbólica é um fenômeno que acontece com frequ-


ência nas escolas. Nesse contexto, é algo de grande complexidade e
difícil solução. Envolve questões referentes ao bullying, raça, gêne-
ro, filosofia etc., manifestando-se, inclusive, nas imposições de pro-
fessores e gestores escolares de suas crenças particulares, valores,
hábitos e comportamentos. Também está presente no comportamen-
to dos alunos através de brincadeiras agressivas, gestos e atitudes
desrespeitosas, agressões verbais, psicológicas, falta de limites, des-
respeito para com os professores e demais funcionários da escola.
Esse tipo de violência se apresenta de forma dissimulada e, muitas
vezes, quase imperceptível, provocando consequências danosas para
todos os envolvidos, podendo comprometer consideravelmente a qua-
lidade de vida de quem a sofre, em nível físico, psicológico e social.
Desta forma, estamos entendendo a violência como um fenôme-
no multideterminado, composto por fatores históricos, econômicos,
sociais, culturais, demográficos, psicológicos e outros. (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

120
Parte II – Relatos de Experiência

Segundo Freud, a natureza humana é sexual e agressiva, corres-


pondendo respectivamente à pulsão de vida e à pulsão de morte. Nes-
se aspecto, pode-se compreender a violência ou agressividade como
uma produção humana. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).
De acordo com Jurandir F. Costa, violência se refere àquela situa-
ção em que o indivíduo “foi submetido a uma coerção e a um despra-
zer absolutamente desnecessários ao crescimento, desenvolvimento
e manutenção de seu bem-estar físico, psíquico e social”. (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 331).
Ligados intimamente à violência simbólica, temos outros tipos
de violência, tais como:
1. Estrutural: causada pelas carências sociais.
2. Interpessoal: acontece de uma pessoa para outra.
3. Institucional: ocorre em espaços institucionais, como hospitais,
escolas, delegacias etc.
4. Urbana: resultante das relações de vida nas grandes cidades como
assaltos, falta de segurança, corrupção etc.
5. Doméstica: acontece no lar, na rua onde mora, na casa de vizinhos.
6. Extrafamiliar: praticada por pessoas que não são da família sem
laços de parentesco ou afeto.
7. Intrafamiliar: realizada por pessoas da família, parentes, tendo ou
não laços de consanguinidade. (DUARTE, 2008).
Nesse cenário em que a violência, nas suas variadas formas de
expressão, compõe o cotidiano de todos os cidadãos, criando um am-
biente social no qual ela vai se tornando invisível para a sociedade,
pois vai sendo naturalizada ou banalizada, as crianças e adolescen-
tes aparecem como os grupos mais vulneráveis à violência. (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2008).
Diante da constatação de que as crianças e os adolescentes são os
grupos mais vulneráveis a esse tipo de violência, tendo como conse-
quência, inclusive, um déficit considerável no seu processo de ensino e
aprendizagem e um comprometimento no seu desenvolvimento psicos-
social, surgiu a necessidade de se desenvolver um projeto, tendo como
objetivo o enfrentamento da violência simbólica na escola. Esta inter-
venção foi realizada na Escola Estadual Timbi, localizada na cidade de
Camaragibe, em Pernambuco.
121
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

2. Referências temáticas e fundamentação teórica


As bases legais que fundamentaram o projeto foram a Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação- LDB (lei nº 9.394/96), o Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente - ECA (lei nº 8.069/90) e a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (proclamada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas em 10 de dezembro de 1948).
Segundo a LDB, em seu artigo 12, os estabelecimentos de ensino,
além de outras incumbências, devem “elaborar e executar sua proposta
pedagógica” e “articular-se com as famílias e a comunidade, criando
processos de integração da sociedade com a escola”.
Em contrapartida, o texto direciona somente à escola toda a res-
ponsabilidade em gerir-se, uma vez que, fica a seu cargo, resolver
com os recursos de que dispõe, todos os problemas que a acomete.
Desta forma, entendemos que pode haver uma ausência de outros
entes públicos na participação deste processo de responsabilidade
social, que envolve não apenas a comunidade escolar, mas também
toda a sociedade e suas representações.
O poder público – em todas as suas esferas de atuação – as institui-
ções de ensino superior, os empresários e a sociedade civil organiza-
da deveriam assumir a sua (co)participação no processo educacional,
atuando como agentes de mudanças ao firmarem parcerias voltadas à
democratização, à valorização e à melhoria da qualidade de nossas es-
colas públicas, qualidade esta que, não deve apenas considerar aspec-
tos cognitivos do desenvolvimento, mas também os que contemplem o
desenvolvimento afetivo, social, cultural e humano de nossos alunos.
Sendo assim, a escola passa a ser vista como a única responsável por
problemas de ensino–aprendizagem, além de outros que têm origem
prioritária em problemas estruturais e de convivência. Este último, por
sua vez, envolve fatores culturais e sociais que terminam por se mani-
festar em forma de violência física ou simbólica.
O projeto político pedagógico é um dos instrumentos que a es-
cola dispõe para ajudá-la a reduzir os níveis de violência em seu
interior. É a partir dele que se deve traçar objetivos, metas e ações
para realizar um trabalho voltado ao enfrentamento desse e demais

122
Parte II – Relatos de Experiência

problemas vivenciados em seu interior. A LDB, em seu artigo 15,


deixa claro que os sistemas de ensino, assegurarão às unidades es-
colares públicas de educação básica, progressivamente, a aquisição
de graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão finan-
ceira, observando as normas gerais de direito financeiro e público.
Isto implica dizer que cabe à escola a busca por soluções para seus
problemas pedagógicos, administrativos e financeiros. Sendo assim,
o projeto político pedagógico precisa traçar objetivos, metas e ações
que visem à diminuição e posterior erradicação de tais problemas.
Porém, a escola sozinha não conseguirá solucionar os proble-
mas de violência. É um erro incumbir apenas à escola este papel.
A Constituição Federal atribui ao Estado, à família e à sociedade o
dever da educação e a LDB reforça o texto quando em seu artigo 2º,
além de atribuir a essas três instâncias o dever da educação, comple-
menta afirmando que a mesma deve ser “inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo por finalidade
o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Esse artigo vem
reforçar a tese de que todos, escola, família, sociedade e Estado de-
vem lutar contra a violência nas escolas.
Para tal, é necessário enfrentar a questão capacitando professo-
res, para que possam promover ações que diagnostiquem os casos
de violência; compartilhar com os pais a identificação do problema
e envolvê-los em estratégias preventivas e produzir debates sobre o
tema com toda a comunidade escolar. Só esta parceria entre escola,
Estado e sociedade poderá promover a diminuição dos índices de
violência nas escolas.
O ECA reforça o respeito às diferenças em seu artigo 58, quando
nos fala que: “No processo educacional, respeitar-se-ão os valores
culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da crian-
ça e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e
o acesso às fontes de cultura”. Fica claro o comprometimento da
escola no combate a qualquer tipo de discriminação, e a obrigação
de acionar os órgãos competentes, como o conselho tutelar, quando
a situação assim exigir, nos termos do artigo 13 do mesmo Estatuto.

123
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

O combate à violência nas escolas, muitas vezes gerada pela falta


de aceitação do outro e de suas subjetividades, respalda-se também no
artigo I da Declaração dos Direitos Humanos, que traz em seu contexto
a condição de igualdade e dignidade para todos os seres humanos ao
declarar que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em digni-
dade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns
para com os outros em espírito de fraternidade”.
Partindo destes pressupostos, foram elaboradas estratégias para
combater as diversas formas de violência, em especial a simbólica,
em nossas escolas. Destacou-se o Bullying, uma vez que o termo se
refere ao desejo consciente e deliberativo de maltratar uma pessoa
e colocá-la sob tensão, a partir de elementos psicológicos ou bruta-
lidade física (TATUM; HERBERT, 1999 apud CARNEIRO, 2011).

3. Relato de experiência da intervenção pedagógica em sala de


aula
O projeto de intervenção pedagógica foi realizado na Escola Es-
tadual Timbi, localizada na cidade de Camaragibe, em Pernambuco.
Foram envolvidos no projeto um total de 195 alunos, distribuídos
nos 6º, 7º, 8º e 9º anos do turno da tarde, abrangendo a faixa etária
entre 11 a 17 anos de idade.
Inicialmente, a ideia de se elaborar uma palestra sobre o enfrenta-
mento da violência simbólica na escola foi levada à equipe gestora da
escola, a qual prontamente se colocou favorável à concretização do
projeto. Posteriormente, a palestra foi elaborada e apresentada como
“projeto piloto” para os alunos de um dos 6os anos do turno da tarde,
escolhido por ser a turma da qual a professora palestrante era a repre-
sentante. Foi pensado esse primeiro momento como uma forma de
experiência para que se pudesse avaliar a eficácia da aplicabilidade
do projeto e realizar os possíveis ajustamentos didáticos. Para repas-
sar o conteúdo, foi utilizado apenas o quadro branco e marcador de
quadro branco. Essa palestra foi constituída por um texto, no qual
foram abordados diversos assuntos referentes à questão da violência:
o conceito de violência, em suas diversas formas e tipos; a noção de
violência simbólica e algumas de suas formas de manifestação, tais

124
Parte II – Relatos de Experiência

como bullying, discriminação, preconceito, racismo, opressão e co-


erção; as consequências da violência na vida da criança e do adoles-
cente e algumas alternativas de como combatê-la, incluindo a atuação
do conselho tutelar junto à família, escola e comunidade. A aula foi
ministrada de forma a permitir que os alunos que quisessem se pro-
nunciar fossem fazendo suas intervenções, observações, questiona-
mentos e também trazendo seus depoimentos e experiências pessoais
sobre o tema, à medida que a professora ia expondo o assunto.
Verificou-se que os alunos ficaram bastante envolvidos com a
aula, compreendendo a relevância do assunto e prestaram muita
atenção. Vários alunos fizeram colocações a respeito do tema, tra-
zendo relatos de situações de violência que eles tomaram conhe-
cimento. Timidamente, alguns estudantes falaram de suas próprias
experiências, de já terem sido vítimas de bullying e/ou de brincadei-
ras desrespeitosas.
Uma aluna, em especial, revelou que estava sendo vítima de ra-
cismo por parte de um colega de turma, fato que foi confirmado por
vários outros alunos da classe; situação na qual a professora interveio,
explicando ao aluno agressor que o racismo é um crime, que tem con-
sequências legais, podendo resultar em prisão para o agressor e que,
no ambiente escolar, os pais da vítima e do agressor poderiam ser
convocados a comparecerem na escola, para que as medidas cabíveis
fossem providenciadas, inclusive junto ao conselho tutelar, quando
necessário. A professora solicitou ao aluno agressor que pedisse des-
culpas para a vítima de racismo e explicou que todo cidadão deve ser
respeitado e tem seus direitos assegurados perante a lei. Ao final da
apresentação de todo o conteúdo do texto, foi solicitado aos alunos
que elaborassem uma redação na qual registrassem sugestões e possi-
bilidades de combater a violência simbólica na escola.
O conteúdo das redações foi satisfatório, demonstrando que os
alunos assimilaram bem os assuntos tratados na palestra. Dentre as
várias alternativas propostas, foi sugerido que:
- Se evitasse falar “palavrão” (palavras de baixo calão) com o colega
e que as brigas fossem acalmadas;
- Deve ser ensinado para os irmãos e vizinhos que é para evitar a
violência na escola, nas ruas e em casa;

125
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

- Temos que propagar a cultura de paz, sem insultos às pessoas,


- Não é para brigar nem praticar bullying, porque violência gera vio-
lência;
- Não é para ser ignorante, pois devemos ser educados e simpáticos
e ter respeito com todos;
- A violência simbólica não é bom porque as pessoas podem morrer
ou até matar outras pessoas e criar mais violência;
- É para manter o silêncio, não quebrar as bancas, não maltratar os
animais, não sujar a sala de aula;
- Devermos ter amor, carinho, compaixão, ajudando as outras pesso-
as e conversando;
- E para pedir desculpas, não aborrecer o amigo e manter a amizade.
Algumas redações foram selecionadas para fazerem parte de um
banner, que foi confeccionado posteriormente, a fim de ser exposto
nas outras turmas do turno da tarde, juntamente com a mesma pa-
lestra que foi ministrada na turma experimental do 6º ano da tarde.
O conteúdo do banner foi o mesmo da palestra citada anteriormente,
acrescentando-se a foto das melhores redações de como combater
a violência simbólica na escola, elaboradas pelos alunos do 6º ano.
Na etapa seguinte, a palestra – com o suporte didático do ban-
ner anteriormente elaborado – foi ministrada em outras turmas do
turno da tarde, inclusive na turma que serviu com “projeto piloto”.
Algumas situações foram observadas e particularidades foram cons-
tatadas, na medida em que a palestra foi sendo proferida nas turmas:
a) Na turma do “projeto piloto”, constatou-se a surpresa, satisfa-
ção e alegria dos alunos que tiveram as suas redações apresentadas
no banner. Teve-se a impressão de que eles se sentiram contempla-
dos com um presente valioso, simbolizando o reconhecimento pela
sua dedicação à causa do combate à violência. Esse fato funcionou
como um reforço positivo para eles. Percebeu-se que eles mudaram
alguns comportamentos, ficaram mais atentos e participativos, pas-
sando a ter um comprometimento maior com o bom andamento da
aula, ajudando na manutenção da ordem na sala de aula, passando a
solicitar a colaboração dos demais alunos para manter o silêncio, a
disciplina, a organização da sala, etc.
b) Em todas as turmas nas quais a palestra foi apresentada, ve-
rificou-se a boa aceitação dos alunos em relação ao tema proposto.
126
Parte II – Relatos de Experiência

Houve o reconhecimento de que a temática era relevante e impor-


tante de ser discutida, pois estava presente no cotidiano da escola,
sendo necessário saber como lidar com ela.
c) O tema foi acolhido e percebido de maneira diferente, dependen-
do do perfil da turma (faixa etária, quantidade de meninos e meninas,
quantidade total de alunos):
As turmas dos 6os anos se interessaram mais pelas figuras cons-
tantes no banner; as figuras chamaram muito mais atenção para eles
do que as explicações verbais. As intervenções e colocações deles
foram mais voltadas para relatar problemas vivenciados na sala em
relação a brincadeiras de “mau gosto”, apelidos, provocações e bri-
gas. Verificou-se que eles tinham pouca noção do que seria o bullying,
ficando surpresos ao perceber que, em diversas ocasiões, ou eram ví-
timas ou eram causadores de bullying. Também perceberam que mui-
tas de suas ações, até então entendidas como normais e inofensivas, se
encaixavam perfeitamente no contexto da violência simbólica.
A turma do 7º ano já participou da palestra de uma forma mais
crítica, trazendo vários exemplos de violência simbólica e fazendo
associações com outros contextos sociais. Citaram, inclusive, aconte-
cimentos veiculados nos meios de comunicação. Fizeram questão de
“lavar a roupa suja em casa”, relatando todas as situações de violência
que tinham acontecido recentemente na sala de aula. Queixaram-se e
elaboraram bastante essas questões.
No 8º ano, surgiram debates bem acirrados entre os grupos que
aparentavam certa rivalidade, cada um acusando o outro por algum
episódio de violência simbólica acontecido. Mostraram-se mais inte-
ressados em discutir sobre questões referentes à sexualidade, discri-
minação e preconceito.
O 9º ano acolheu o assunto com bastante interesse e atenção.
Acompanharam a leitura de todo o texto explicativo e teceram al-
guns comentários sobre as figuras constantes no banner e sobre ou-
tros tipos de violência, principalmente a violência sexual e o as-
sédio sexual. Uma aluna deu um depoimento de que estava sendo
vítima de assédio sexual, pois havia um homem que, às vezes, a
acompanhava até a escola, sem o seu consentimento. A professora,
aproveitando o exemplo dado pela aluna, orientou a turma sobre a
importância de não se omitir diante desses casos de violência se-

127
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

xual, assédio sexual e pedofilia, informando que, na ocorrência de


alguma dessas situações, a vítima deveria procurar ajuda, podendo
e devendo ligar para o “Disque 100”, através do qual se tem acesso
ao conselho tutelar e demais autoridades competentes.
d) No geral, constatou-se que houve uma diminuição dos casos
de bullying nas turmas onde a palestra foi apresentada, provavel-
mente porque houve um melhor reconhecimento para as questões
envolvendo a violência e esclarecimento de muitas dúvidas sobre
o assunto. Entretanto, se ocorresse alguma situação de violência
simbólica, os alunos já estavam preparados para detectá-la e seguir
adiante na busca por seus direitos.
e) Foi possível perceber uma discreta diminuição das ocorrências de
brigas e violência física, que geralmente ocorriam no pátio da escola
durante o intervalo para a merenda.
f) Ao constatar-se que, investindo no combate à violência simbóli-
ca e a todas as demais formas de violência, o ambiente escolar torna-
va-se menos hostil e desagregador, passando a oferecer uma atmos-
fera harmoniosa, verificou-se a necessidade de se trabalhar continua-
mente esse projeto na escola, agregando novas ações e metodologias.
Sendo assim, buscou-se ampliar a discussão sobre a temática através
de um novo ciclo de palestras, referente a outro projeto intitulado de
“educação para a paz”, que já vinha sendo desenvolvido no ambiente
de trabalho da professora em outra instituição. Esse outro projeto foi
trazido para a escola com a intenção de ampliar os debates para con-
textos externos à escola, procurando correlacionar alguns assuntos
trabalhados em sala de aula, tais como: meio ambiente, ética, cida-
dania, visando assim proporcionar uma formação mais ampla e de-
senvolver o senso crítico do aluno. Ademais, intenciona-se que essas
novas prática sejam incorporadas na vida dos alunos, nas ações do seu
cotidiano, modificando a sua forma de ser e estar no mundo.
No geral, verificou-se que houve uma maior conscientização de to-
dos os que tiveram contato com esse tipo de informação. As turmas
mais mistas (onde havia uma equivalência entre a quantidade de me-
ninos e meninas) apresentaram menos relatos de violência; entretanto,
nas turmas menos mistas houve mais relatos de situações de violência.
As ocorrências de violências foram mais relatadas nas turmas com uma
maior quantidade de alunos do sexo masculino.

128
Parte II – Relatos de Experiência

Após a realização da palestra em várias salas da escola e como


houve uma boa receptividade dos alunos, demonstrando interesse
em continuar refletindo sobre a temática tão presente no seu coti-
diano escolar e repercutindo tão negativamente em suas vidas, foi
estabelecida uma série de atividades voltadas para a criação de um
espaço permanente de reflexões sobre a promoção de uma cultura
de paz na escola que se propagasse para o contexto social do estu-
dante. Entre essas atividades, foi estabelecido um ciclo permanente
de discussões, nos quais deveria haver a correlação de assuntos in-
cluídos nos conteúdos programáticos da disciplina lecionada pela
responsável pelo projeto, com temas voltados para a promoção da
construção de uma cultura de paz. Como material didático, foi utili-
zado para o debate um caderno de atividades intitulado “Educação
para a Paz – A Arte de Amar”, o qual continha temas voltados para a
promoção da construção da paz, construção de diálogos de paz, res-
significação da vida, uma proposta para a adoção de um novo estilo
de vida pautado no respeito ao próximo, à diversidade, às diferenças
dos valores básicos da humanidade (éticos, culturais e religiosos).
4. Considerações finais
Ficou evidente que muitos alunos não tinham noção da abran-
gência da violência em suas vidas, de como já haviam incorporado
um “estilo de vida violento”. Por serem oriundos de contextos fami-
liares diversos, muitos deles sem uma figura de referência estável, e
viverem num meio social desassistido por políticas públicas essen-
ciais, alguns denotavam, de modo naturalizado, modelos e relações
familiares pautados na violência, na brutalidade, na negligência, no
abandono, na falta de amor e respeito. Parecia que haviam se acos-
tumado com a violência que sofriam/presenciavam no seu dia a dia,
achando natural a forma violenta de ser e estar no mundo. Esse re-
ferencial violento os acompanhou para outros grupos sociais, sendo
reproduzido também na escola.
Sendo assim, ao ser trabalhada a questão da violência, procu-
rou-se percorrer o caminho inverso, ou seja, a construção de uma
cultura de paz, a fim de que os alunos tivessem a oportunidade de
ressignificar os seus conceitos e valores, motivando-se para o res-
peito ao próximo, a aceitação da diversidade humana, eliminação
dos preconceitos, da discriminação e da intolerância.

129
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Ao final da intervenção, verificou-se em muitos alunos uma


maior percepção sobre as situações e atitudes de violência prati-
cadas no cotidiano escolar e o despertar para essa questão. Houve
considerável aceitação do diálogo sobre violência (através de exer-
cícios e atividades lúdicas), além do surgimento de um comprome-
timento e conscientização para a diminuição dos casos de bullying.
Destaque-se, finalmente, o melhor esclarecimento sobre a rede de
assistência às vítimas de violência, principalmente a importância da
atuação do Conselho Tutelar.

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dução ao estudo de psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Consti-
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em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.
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7, v. 1. 2012. Disponível em:<http://www.revistalabor.ufc.br/Artigo/volu-
me7/2_A_violencia_simbolica_na_escola_-_Liliane_Pereira.pdf>. Acesso
em: 21 abr. 2015.

130
Parte II – Relatos de Experiência

DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO COTIDIANO ESCOLAR:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Cristiane Caetano dos Passos
Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco
E-mail: cp.cristiane@gmail.com

Rosangela José de Souza


Cinzel Engenharia LTDA
E-mail: rosaabr5il@hotmail.com.br

Célia Medeiros de Lima


Voluntária do Projeto Tortura Nunca Mais/Família Solidária
E-mail: celiamedeiro67@hotmail.com

Humberto Miranda
Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco
Email: humbertoufrpe@gmail.com

INTRODUÇÃO
Este relato de experiência é fruto de uma intervenção realizada
durante o Curso “Escola que Protege”, oferecido pela UFRPE em
parceria com o Ministério da Educação. A intervenção ocorreu com
professores, coordenação e alunos do 3º ano do ensino fundamental
da Escola Municipal Sítio do Berardo, que faz parte da Rede Muni-
cipal de Ensino da Cidade do Recife.
A Escola Municipal Sítio do Berardo foi inaugurada na comu-
nidade do Sítio do Berardo localizada no Município do Recife, em
20 de fevereiro de 2003, e iniciou suas atividades atendendo a cerca
de 200 crianças matriculadas no ensino fundamental e 50 adultos
no EJA. Um dos fatores por ter sido escolhida como escola alvo
desta intervenção foi o fato de ela estar localizada numa comunida-
de inserida em uma área ZEIS (Zona Especial de Interesse Social).
Um espaço onde a maioria das moradias não possuem espaço físico
adequado para as estruturas familiares que nela residem.
Outra característica significativa para escolha desta escola é que
existe um grande número de famílias cujo seus membros estão de-
sempregados, ou atuam no mercado informal como meio para sub-

131
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

sistência, ou mesmo dependem de benefícios como aposentadoria


ou programas de assistência social do governo como bolsa família,
por exemplo, para ajudar no sustento da família. Mais, dentre os
critérios da escolha desta unidade escolar, foi o fato de seus alunos e
familiares estarem inseridos no contingente populacional de negros
no Brasil, que alcança os 51% da população do país.
Sendo assim, o objetivo da intervenção foi de promover nes-
ta comunidade escolar um debate sobre o racismo, produzido no
ambiente escolar nas suas mais diferentes formas de expressão (na
relação aluno-aluno, aluno-professor, aluno-escola, aluno-comuni-
dade escolar), possibilitando com isso: um levantamento de discus-
sões quanto às práticas pedagógicas e as emergências de situações
geradoras de discriminação racial a partir do contexto escolar; a
compreensão da materialização do racismo institucional e suas con-
sequências na vida do alunado; o despertar de uma análise quanto o
papel da escola na prática de atitudes racistas; e incentivar uma arti-
culação entre a Lei 10.639/03 e outras formas de institucionalização
do combate às práticas consideradas discriminatórias e racistas no
contexto escolar.
A elaboração deste Relato de Experiência se justifica devido à im-
portância de se compreender o percurso e aplicabilidade desta temá-
tica no contexto escolar, e assim, promover a divulgação do material
como recurso pedagógico/teórico que possibilite ao leitor uma visão
crítica quanto ao assunto abordado, visto que, o ambiente escolar é
um espaço fértil para prática de atitudes que promovem o racismo. A
visão estereotipada sobre as pessoas negras é um dos mais recorrentes
mecanismos geradores de violência no âmbito escolar e a escola, com
sua estrutura (sistemática e/ou pedagógica), acaba contribuindo para
a materialização do racismo em seu ambiente.
Deste modo, a proposta de intervenção surgiu como recurso para
o combate de práticas racistas emergentes na escola (no âmbito in-
dividual, ou sob a forma de racismo institucional também denomi-
nado por alguns autores como racismo sistêmico, um mecanismo
estrutural que contribui com a exclusão seletiva dos grupos racial-
mente subordinados).

132
Parte II – Relatos de Experiência

Portanto, para sua realização, esta intervenção utilizou como


norteadoras as práticas consideradas racistas, expressas pelos pro-
fessores na abordagem dos temas que tratam da história e cultura
dos negros no Brasil; as relações estabelecidas na escola sejam elas,
professor-aluno, aluno-aluno, escola-aluno e as possíveis expres-
sões de atitudes consideradas racistas expressas naquele contexto;
assim como, sugestões para introdução da temática na formação crí-
ticas dos educandos.
Dentro dessa perspectiva, vislumbramos que esse foi um mo-
mento fundamental para que docentes e discentes reconstruíssem
uma relação de co-responsabilização pelas ações, práticas e tipos
de relações estabelecidas na escola quanto à temática abordada,
uma vez que cada grupo, durante as oficinas, teve a oportunidade
de expressar seus anseios, dúvidas e responsabilidades ao abordar
o assunto.

Relato de experiência da intervenção pedagógica em sala de aula


Os encontros aconteceram nas datas 24/04/2015 e 20/05/2015,
num total de dois encontros. Sendo o primeiro encontro com os pro-
fessores e coordenação e o segundo encontro com os alunos do 3º ano
do ensino fundamental da Escola Municipal Sítio do Berardo, situada
na Rua Quatro de Outubro, nº 120, bairro Madalena, localizada na
cidade do Recife/PE. No primeiro encontro participaram 06 professo-
res e a coordenadora da escola. Já no segundo encontro, participaram
20 alunos com faixa etária entre 08 e 11 anos, todos componentes da
turma do 3º ano do ensino fundamental do turno da tarde. Quanto aos
materiais necessários para realização dos encontros, foram utilizados
aparelhos de multimídia, papeis, lápis de cor e etiquetas adesivas.
O primeiro encontro realizado com as professoras e coordenação da
escola teve duração de aproximadamente 02h00min. Deste modo, foi
apresentado a todas elas qual seria o propósito da intervenção, além de
oportunizar uma sondagem através dos relatos das mesmas quanto à
realidade da escola e sua relação com o tema abordado. Objetivou, tam-
bém, levá-las a refletir sobre o papel da escola como entidade respon-
sável pelo bem-estar dos alunos e seu compromisso como instituição

133
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

que compõe a rede de proteção à criança e ao adolescente, esclarecendo


quanto à importância de que a escola esteja atenta à emergência de al-
gum tipo de violência ou violação dos direitos dos seus alunos.
Após o primeiro momento, foi aberto para que os participantes
pudessem fazer colocações e perguntas pertinentes sobre a propos-
ta. Como ponto de partida para tal propósito, um dos facilitadores
explorou o tema “discriminação racial na escola” e suas consequên-
cias na vida dos alunos, seja na vida escolar, familiar e social. Em
seguida ocorreu a apresentação do filme: “Vista a minha pele” (um
filme dirigido por Joel Zito Araújo do Gênero Ficcional Educati-
vo, nacional de 2003, que conta a história de uma garota – Maria
(protagonista) - que sofre bullying, racismo, discriminação, por ser
uma das poucas pessoas branca na escola), sendo esta exibição uma
proposta para articulação entre a trama do filme e a realidade viven-
ciada nas escolas.
Após a apresentação do filme, foi aberto um espaço para um de-
bate sobre as várias formas de expressão de discriminação racial que
aconteceram durante a trama do filme. Logo após as reflexões sobre o
filme, foi colocado para o grupo questionamentos a respeito de como
a escola deve atuar para não ser um ambiente favorecedor do surgi-
mento de qualquer forma de discriminação racial que possa levar o
aluno ao sofrimento.
Durante o processo, os facilitadores deram ênfase ao papel da
escola como entidade responsável pelo bem-estar dos alunos e pos-
suidora da responsabilidade junto a outros agentes da Rede de Pro-
teção à Criança e ao Adolescente em identificar, notificar, atender
e manter uma atitude vigilante quanto a qualquer tipo de violação
dos direitos da criança e do adolescente que nela esteja matriculado.
Seja uma violação através da privação de algum direito ou mesmo
qualquer tipo de violência, ligada à discriminação racial ou não.
No momento final, foi realizada uma dinâmica para trabalhar ques-
tões pertinentes ao preconceito e exclusão como proposta para reflexão
sobre tudo que foi abordado desde o início do encontro. A dinâmica
intitulada de “O preconceito” teve sua realização em aproximadamente

134
Parte II – Relatos de Experiência

30 minutos e os materiais utilizados foram etiquetas autocolantes com


frases como: Sou criativo: ouça-me; sou inferior: ignore-me; sou pre-
potente - tenha medo; sou surdo (a) – grite; sou poderoso (a) – respeite;
sou engraçado (a) – ria; sou sábio (a) – admire-me; sou antipático (a) –
evite-me; sou tímido (a) – ajude-me; sou mentiroso (a): desconfie; sou
muito poderoso (a): bajule-me; aperte minha mão; abrace-me; pisque
para mim; convide-me para dançar; afaste-se de mim; ignore-me; se-
gure minha mão; diga-me olá; faça-me um elogio; deseje-me parabéns;
faça-me um carinho; convide-me para sentar.
O objetivo desta dinâmica foi de trabalhar o tema preconceito
e discriminação na escola, promovendo a conscientização quanto
aos meios que facilitam a emergência do preconceito, da exclusão
social, do “Bullying” como um fator gerador de violência na escola,
além de reforçar atitudes que promovam a autoestima do alunado.
Coube aqui, a intencionalidade de levar o grupo de professores à
reflexões quanto a situações constrangedoras e preconceituosas que
possam ser praticadas na escola pelos próprios profissionais da edu-
cação sem que eles percebam, mostrar a todos que as consequências
na vida do aluno afetado são de grandes proporções, causando-lhe
dor e sofrimento.
Posteriormente, foi solicitado aos professores e coordenadora
que respondessem uma entrevista composta por cinco perguntas que
focavam na temática “discriminação racial na escola”, no qual não
havia necessidade de identificação.
Já o segundo encontro realizado com os alunos do 3º ano do en-
sino fundamental da escola teve um tempo estimado de aproxima-
damente 03h00min. O objetivo da proposta foi de levar os alunos
a refletirem quanto às várias formas de expressão de discriminação
racial que podem acontecer dentro do ambiente escolar e envolvê-
-los no combate às atitudes geradoras de preconceitos praticadas pe-
los próprios alunos. Propondo uma reflexão a respeito da existência
das diferenças individuais e a importância do respeito mútuo.
No primeiro momento, foi apresentado o objetivo da intervenção
e proposta do encontro, além dos tipos de atividades que seriam reali-

135
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

zadas. Foram lançadas reflexões a respeito dos conceitos de precon-


ceito, discriminação racial, racismo e violência, e como a escola pode
estar implicada nesta realidade.
No segundo momento, foram apresentados três filmes, cujos conte-
údos estão relacionados com o tema da intervenção: o primeiro filme
contava a história da “Menina bonita do laço de fita” – duração: 09min-
18seg. (Quintal da Cultura - Livia Alencar e Elon Oliveira contam a
história “Menina bonita do laço de fita”, apelido de uma linda menina
negra. Ela tinha um vizinho, o Senhor Coelho, que gostava tanto de sua
cor, que tentou fazer de tudo para ficar pretinho como ela).
O segundo filme retratava a história da “Galinha Preta” – du-
ração: 11min29seg. (Quintal da Cultura - Camila Cassis e Natália
Grisi, do “A Hora da História”, contam a fábula “A Galinha Preta”:
Era uma vez um rei que gostava tanto de comer ovos que man-
dou construir um galinheiro real. Lá as galinhas eram todas iguais
e competiam pra ver quem botava os melhores ovos. Tudo vai bem
até que surge uma nova galinha, completamente diferente das ou-
tras: uma galinha preta.
Já o terceiro filme intitulado “Diversidade cultural” – duração:
24min39seg. (Educação - Livros animados. Apresentado por Vanes-
sa Pascale. Através de atividades e brincadeiras com crianças ela
apresenta os livros de “Capoeira”, “Jongo” e “Maracatu” da escrito-
ra Sônia Rosa, Vanessa Pascale fala da diversidade cultural, focando
na cultura afro-brasileira e africana).
Ao fim das apresentações dos filmes, foi aberto para o diálogo com
os alunos sobre o que aconteceu em cada um deles. Os facilitadores
sempre estimulando as discussões e fazendo links entre a temática da
intervenção e a fala dos alunos, levando as reflexões para a importância
do respeito às diferenças (de cor de pele, cultura, raças e outras). Como
proposta para o terceiro momento deste encontro, foi aplicada a dinâ-
mica do auto-retrato, que permitiu aos alunos o conhecimento entre os
diferentes elementos do grupo composto por eles próprios. Cada aluno
desenhou seu retrato, do jeito como eles se vêem e se conhecem, em
seguida socializaram seus desenhos e suas singularidades.

136
Parte II – Relatos de Experiência

No quarto e último momento, foi distribuída uma atividade com


imagens onde apareciam seis situações diferentes. Os alunos de-
veriam identificar quais das cenas representavam comportamentos
praticados pelos personagens que são considerados inadequados.
Assim que identificadas as cenas, os alunos deveriam circular a
imagem e as cenas que apresentavam comportamentos praticados
pelos personagens que são considerados corretos, os alunos deve-
riam pintá-las.
Na sequência da atividade, os alunos deveriam também escrever
o comportamento de cada criança nas cenas, em seguida foi aberto
um espaço para uma discussão quanto ao que aprovavam ou desa-
provavam em cada comportamento das personagens da atividade.
Ao final, foi feita uma sondagem sobre o encontro. O que mais gos-
taram e o que não gostaram e por quê? O que aprenderam? A culmi-
nância do encontro foi celebrada com a exposição dos autoretratos
no mural da escola.

Práticas racistas no âmbito escolar: espaço fértil para o surgi-


mento de violência a partir deste contexto
É sabido que o contingente populacional de negros no Brasil alcan-
ça os 51% da população, onde a grande predominância é de pobres e
marginalizados socialmente. Esta realidade é considerada por alguns
estudiosos da área como sendo reflexo de um processo sócio-histórico
que designou um lugar de pouca valia para esta população no passado e
que hoje é refletida nas relações sociais e/ou institucionais.
No que se refere à instituição escola, seu espaço é considerado um
campo fértil para o surgimento de comportamentos e ações que pro-
movem a discriminação racial. Desta forma, há possibilidades do sur-
gimento de atitudes que podem ter por consequência atos violentos de
várias magnitudes. Esta triste realidade recebe forte influência do ima-
ginário de uma democracia racial que considera o “ser negro” sinôni-
mo de sujeira, pouca inteligência, feiúra e inferioridade. Em decorrên-
cia desta condição imposta ao negro, o racismo no Brasil se configura
como um caso complexo e singular, mantendo presente um sistema de
valores que rege o comportamento da sociedade.

137
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Deste modo, como recurso para a compreensão da disparidade


entre a população negra e não negros, em decorrência deste sistema
de valores, faz-se necessário consultar alguns registros históricos
sobre o início da implantação do processo de escolarização para os
negros. Segundo (GONÇALVES, 2000, p. 139) “[... a herança es-
cravista do período do século XX deixou marcas profundas quanto
às experiências educacionais da população negra”. O que reforça as
marcas da discriminação racial presente na atualidade.
Visto que a discriminação racial perpassa os livros e o mundo das
idéias, representando um fenômeno social de grandes proporções, a
educação é um caminho propício para mudança deste cenário atual.
Sendo a escola um local privilegiado de convivência humana onde se
encontra uma enorme variedade cultural, étnica e socioeconômica, tor-
nar a relação professor-aluno num meio significativo para a emergência
de um conhecimento valorativo quanto a História e Cultura Afro-Bra-
sileira é imprescindível.
Na atualidade, alguns estudiosos discutem a questão do racismo ins-
titucional no sistema educacional no Brasil, observando que o modo
como se configura esse sistema permite a manutenção do segregacio-
nismo dos alunos negros. (LÓPEZ, 2012, p. 130) em sua pesquisa diz
“que, no Brasil, a população negra possui menor escolaridade, menor
salário, reside nos bairros de periferia das grandes cidades e não tem
acesso a vários direitos sociais”, o que reforça a possibilidade destes
sujeitos serem vítimas do racismo institucional, podendo este se confi-
gurar no não acesso à educação de qualidade.
Segundo (SOUZA, 2011, p. 79) “A noção de racismo institu-
cional explica a operação pela qual uma dada sociedade interna-
liza a produção das desigualdades em suas instituições”. As ações
afirmativas, toda legislação de combate ao racismo, assim como
as mudanças na LDB, surgem como mecanismo de combate a esta
possibilidade. Para tanto, o Brasil desenvolveu algumas diretrizes,
estatutos e leis que foram sancionados com o objetivo de evitar e/ou
punir este tipo de ação.

138
Parte II – Relatos de Experiência

Marcos legais na luta contra a discriminação racial no âmbito


escolar
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu
Art. 5º destaca que, todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-
dentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualda-
de, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLII - a prática
do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei.
Para compreensão do conceito de discriminação racial, o Estatuto
da Igualdade Racial (lei nº 12.288/10), que é um documento recente,
publicado em 20 de julho de 2010, destaca no “Art. 1o  (...) - Parágrafo
único que discriminação racial ou étnico-racial é:
Toda distinção, exclusão, restrição ou preferência base-
ada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou
étnica, que tenha por objeto anular ou restringir o reco-
nhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de con-
dições, de direitos humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro campo da vida pública ou privada. (ES-
TATUTO DA IGUALDADE RACIAL, 2010, Art. 1º
Parágrafo único).

Além do Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto da Criança e


do Adolescente (ECA) lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, em seu
Art. 5º, destaca que: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violên-
cia, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado,
por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
No entanto, a Lei 10.639/03 possui enorme significância neste
percurso, visto que ela surgiu em resposta às reivindicações dos mo-
vimentos negros, que durante anos lutavam por um reconhecimen-
to do Estado quanto a sua responsabilidade sócio-histórica na vida
dos negros brasileiros. Esta lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB/Lei 9.394/96, (BRASIL, 1996) e torna
obrigatório o estudo da cultura e história afro-brasileira e africana
nas instituições públicas e privadas de ensino no país.

139
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

Já o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos de 2003


destaca algumas exigências fundamentais dentro do projeto da edu-
cação básica, de modo que haja favorecimento na vida da criança
desde os primórdios de sua infância, para que a formação de sujeitos
de direito possa priorizar pessoas e grupos excluídos, marginaliza-
dos e discriminados pela sociedade, destacando aqui a população
negra que compõe o Brasil.
No Programa Nacional de Direitos Humanos de 2010 (PNDH-3),
dentre suas diretrizes destacamos a diretriz 9, que aborda de forma
clara o combate às desigualdades estruturais. No objetivo estratégico
I dessa diretriz, é defendida a necessidade de igualdade e proteção dos
direitos das populações negras: Objetivo estratégico I: Igualdade e
proteção dos direitos das populações negras, historicamente afetadas
pela discriminação e outras formas de intolerância.
Nas ações programáticas do Objetivo estratégico I ressalta-se de
fundamental importância quanto à eliminação de forma de violência
racial para a população negra no Brasil, a ação b que diz: promover
ações articuladas entre as políticas de educação, cultura, saúde e de ge-
ração de emprego e renda, visando incidir diretamente na qualidade de
vida da população negra e no combate à violência racial.

Considerações Finais
Dos resultados obtidos foi percebido que as intervenções tiveram
um impacto positivo na dinâmica escolar dos participantes, visto
que, houve a promoção de reflexões a cerca da temática e suas con-
sequências na vida escolar de todos. Percebeu-se que houve mo-
mentos favoráveis para o desenvolvimento do senso crítico e re-
flexivo dos docentes e discentes, quanto a sua própria postura nas
relações estabelecidas na escola. Sendo percebidas estas dinâmicas
nas respostas dadas as atividades escritas, assim como em suas pró-
prias falas durante as intervenções.
Foi observado no encontro 1 realizado com os professores:
• No início da apresentação da proposta da intervenção, as profes-
soras levantaram dúvidas quanto ao objetivo, dúvidas referentes

140
Parte II – Relatos de Experiência

a exigências de resultados e atividades que elas tinham que apre-


sentar (visto que, em suas práticas profissionais, há a existência de
aplicabilidade de vários projetos educacionais pedagógicos que as
mesmas precisam mostrar resultados periodicamente a cada finali-
zação dos mesmos);
• Durante a apresentação do filme “Vista minha pele”, todas se mos-
traram atentas e reativas às cenas de maior destaque da trama, ape-
sar de algumas dizerem ja terem visto o filme;
• Durante os comentários, algumas delas relataram que ver a realida-
de às avessas foi impactante;
Foi observado no encontro 2 realizado com os alunos:
• No início da apresentação do tema e dos conteúdos, eles se apresen-
taram animados com a proposta;
• Durante as discussões a respeito das diferenças referentes às raças,
cores de pele, tipo de cabelo, alguns falaram das diferenças que
existem em suas próprias famílias, como cor da pele do pai, da mãe
e de sua própria pele;
• Alguns alunos relataram o incômodo quando algum dos colegas
fala de sua cor de pele, cabelo, peso, etc. Alguns citaram o bullying
como algo que acontece na escola e que os deixam chateados;
• Identificação com personagens dos filmes apresentados;
• Na atividade do autorretrato, a maioria se desenhou valorizando
suas reais características (isso aconteceu mais com os meninos do
que com as meninas);
• Na atividade de identificação do comportamento considerado erra-
do e comportamento considerado correto, a grande maioria conse-
guiu identificar os respectivos comportamentos de acordo a propos-
ta da atividade, apesar de a maioria apresentar grandes dificuldades
de ler e escrever.

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Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

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vista da ABPN, v. 1, n. 3, p. p. 77-87, 2011.

142
Sobre autores

SOBRE OS(AS) AUTORES(AS)

Célia Medeiros de Lima


Psicóloga Clínica; Especialista em Saúde Mental, Atenção Básica, CAPS,
Álcool e Outras Drogas, pela Faculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE.
Voluntaria do Movimento Tortura Nunca Mais/ Família Solidaria. Psicóloga
do Abrigo Santa Filonila-Escada- PE
Cristiane Caetano dos Passos
Psicóloga, Professora braillista no CAP-PE – Secretaria de Educação do
Estado de Pernambuco. Especialista em Educação Especial pela Faculda-
de Joaquim Nabuco. Pós-graduanda do curso de Especialização em Saúde
Mental, Atenção Básica, CAPS, Álcool e Drogas da Faculdade Frassinetti
do Recife – FAFIRE. Pós-graduanda do curso de Especialização em Edu-
cação: UNIAFRO – Política de Igualdade Racial no Ambiente Escolar da
UFRPE.
Eneri Saldanha Coutinho de Albuquerque
Psicológa pela Faculdade de Filosofia do Recife, especialista em Meto-
dologia do Ensino Superior pela Universidade Católica de Pernambuco e
Mestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco.
Professora aposentada do Departamento de Educação da Universidade Fe-
deral Rural de Pernambuco e atual professora da Faculdade Nova Roma.
Humberto Miranda
Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor
do Departamento de Educação da UFRPE e do Programa de Pós-Graduação
em Educação, Culturas e Identidades – UFRPE/Fundaj e coordenador do
Programa Escola de Conselhos de Pernambuco, da Pró-Reitoria de Exten-
são da UFRPE. Pesquisador que tem se dedicado aos estudos da História
das Crianças e dos Adolescentes e das políticas de assistência às crianças
no Brasil.
Jaciara Santos Arruda (In memorian)
Jaciara Santos Arruda, Psicóloga pela Faculdade de Ciências Humanas de
Olinda (FACHO), especialista em Associativismo e Cooperativismo pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), coordenou o Pro-
grama Iniciação ao Trabalho da Casa de Passagem Ana Vasconcelos ela-
borando e executando projetos de Formação e Qualificação profissional
para inserir adolescentes e jovens em vulnerabilidade social no mundo do
trabalho. Além disso, representava a instituição como articuladora política

143
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

nos Conselhos de Direitos das Crianças e dos Adolescentes, fazia parte da


Coordenação Regional Nordeste da Comissão Nacional de Enfrentamento
à Violência Contra Crianças e Adolescentes, foi Integrante da Federação
Pernambucana no Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil de Per-
nambuco (FEPETI-PE) e Presidente do Centro dos Direitos das Crianças e
dos Adolescentes de Pernambuco (CEDCA).
José Ricardo de Lima
Professor do ensino regular e Professor de Libras do Município de Jaboatão
dos Guararapes, como também do Programa Mais Educação. Graduado em
Pedagogia pela UVA (Universidade Estadual Vale do Acaraú), possui Espe-
cialização em Educação Inclusiva e Coordenação Pedagógica pela FAESC
(Faculdade da Escada), cursando atualmente Letras Libras pela UFPB (Uni-
versidade Federal da Paraíba) e Letras Português pela UFPE (Universidade
Federal de Pernambuco), Técnico em Tradutor e Intérprete em Língua Bra-
sileira de Sinais (Libras), pela Escola Técnica Estadual Almirante Soares
Dutra, também cursou Tiflologia (Braille) pelo CAPE-PE (Centro de Apoio
Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual), e fez um
Curso de Extensão Escola que Protege pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE).
Jurema Ingrid Brito do Carmo
Professora de Educação Infantil da Prefeitura do Recife desde 2012. Possui
Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica pela UFPE; Especiali-
zação em Formação de Educadores pela UFRPE;Graduação em Pedagogia
pela UFPE.
Maria José Emídio da Silva
Graduada em Pedagogia pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)
e especialista em Formação de Educadores pela UFRPE (Universidade Fe-
deral Rural de Pernambuco). É professora da rede pública municipal da ci-
dade do Recife e supervisora escolar da rede pública municipal do Jaboatão
dos Guararapes. Atualmente é aluna do curso de Letras pela UFPE.
Mycheline Ribeiro Nabuco
Professora da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco e Analis-
ta Técnico em Gestão Universitária da Universidade de Pernambuco-UPE.
Possui Especialização em Gestão da Capacidade Humana nas Organizações
pela Universidade de Pernambuco-UPE, licenciatura em Ciências Sociais
pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, graduação em Secretaria-
do Executivo pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, cursando
atualmente Psicologia pela Faculdade de Ciências Humanas-ESUDA.

144
Sobre autores

Paulo André da Silva


Pedagogo, Mestre em Educação e doutorando em Educação Matemática
e Tecnológica. Professor da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
(Centro Acadêmico de Vitória). Coordenador de Inovação Pedagógica da
Pró-Reitoria Acadêmica da UFPE (PROACAD/UFPE). Autor do livro:
“Design de Experiências de Aprendizagem”.
Paulo André Sousa Teixeira
Psicólogo do Tribunal de Justiça de Pernambuco – TJPE e do Ministério Pú-
blico de Pernambuco – MPPE, com atuação na área da infância e juventu-
de. Especialista em Intervenções Psicológicas na Infância e Juventude, pela
Faculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE, e em Psicologia Jurídica, pelo
Conselho Federal de Psicologia – CFP. Mestre em Psicologia, pela Univer-
sidade Federal de Pernambuco – UFPE. Atualmente também é professor e
orientador do Projeto de Extensão Escola que Protege, vinculado à Univer-
sidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE.
Pulcina Ferreira
Graduada em licenciatura em Geografia (FUNESO) Especialização Uniafro
(UFRPE). Professora da Rede Pública de Ensino.
Rosangela José de Souza
Psicóloga. Atualmente, trabalha na Empresa Cinzel Engenharia LTDA
como Auxiliar de Suprimento. Pós- graduanda do curso de Saúde Mental,
Atenção Básica, CAPS, Álcool e Drogas pela Faculdade Frassinetti do Re-
cife-FAFIRE.
Rosemery Batista de Moura
Mestra em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pernambu-
co (UFPE). Bacharela e Licenciada em Ciências Biológicas (UFRPE). In-
tegrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Sustentabilidade
(GEPES/UFRPE) e do Grupo de Estudos em Educação Ambiental, Docên-
cia e Questões Contemporâneas (GEEADC/UFRPE - linha de pesquisa “In-
fância, juventude e sexualidade”). Atuou como Tutora Virtual e Presencial
no curso EAD “Juventude, sexualidade e prevenção das DST/AIDS” (SER-
PRO/RENAFORM-UFRPE/UNESCO).

145
Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes

SOBRE AS ORGANIZADORAS DO LIVRO

Pompéia Villachan-Lyra
Psicóloga clínica, Neuropsicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia
pela Universidade Federal de Pernambuco, com estágio de doutorado
na University of Utah (USA). Professora Associada do Departamento
de Educação da UFRPE e do PPG em Educação, Culturas e Identidades
da UFRPE/FUNDAJ. Coordenadora do Núcleo de Investigação em
Neuropsicologia, Afetividade, Aprendizagem e Primeira Infância
(NINAPI). Autora do livro: “Relações de apego mãe-criança: um olhar
dinâmico e histórico-relacional”.
Emmanuelle C. Chaves
Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Cognitiva pela UFPE.
Professora Adjunta do Departamento de Educação da Universidade
Federal Rural de Pernambuco e também professora da Pós-graduação em
Educação, Culturas e Identidades da UFRPE/FUNDAJ. Pesquisadora do
Núcleo de Investigação em Neuropsicologia, Afetividade, Aprendizagem
e Primeira Infância (NINAPI). Tem experiência na área de Psicologia, com
ênfase em Psicologia do Desenvolvimento, atuando principalmente nos
seguintes temas: desenvolvimento atípico, autismo, sistemas dinâmicos,
educação inclusiva e processo de aprendizagem.
Jurema Ingrid Brito do Carmo
Professora de Educação Infantil da Prefeitura do Recife desde 2012.
Possui Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica pela UFPE;
Especialização em Formação de Educadores pela UFRPE;Graduação em
Pedagogia pela UFPE.

146
Sobre autores

HOMENAGEM PÓSTUMA À JACIARA SANTOS ARRUDA,


PROFESSORA DO CURSO DE EXTENSÃO ESCOLA QUE
PROTEGE – UFRPE

Quando a dimensão do luto se torna esperança em dias melhores, a par-


tida das pessoas que amamos ganha outro sentido. Jaciara deixa um lega-
do de luta pela vida... De uma vida comprometida com as causas coletivas,
com os direitos humanos... Jaciara Santos Arruda, profissional competente
e responsável. Deixou uma lição para todos(as) nós, envolvidos(as) em
qualquer área do conhecimento: confiança e respeito pelas pessoas, sem-
pre garimpando potencialidades do ser humano, de maneira acolhedora,
na perspectiva de desenvolvê-lo psicológica e espiritualmente. Agradece-
mos todos os ensinamentos que foram repassados. Jaciara deixou escrito
no nosso coração que a luta pelos direitos humanos pode fazer parte da
nossa vida. Rubem Alves afirma que “aquilo que está escrito no cora-
ção não precisa de agendas porque a gente não esquece”. As experiências
construídas no universo de trabalho no Programa Escola que Protege e na
área dos direitos da criança e do adolescente ficam marcadas, de forma
muito especial, na nossa memória e como falou Rubem Alves, “o que a
memória ama fica eterno”. Jaciara vive em nossos corações.

147
Formato 15 x 23 cm
Fonte Times New Roman
Papel Reciclato 90g (Miolo)
Triplex LD 250g (Capa)

Impressão e Acabamento MXM Gráfica e Editora


Av. Chico Science, 301, Bultrins
Fone: 81 2138.0800

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