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Será que cristandade jamais colherá o turbilhão que plantou? Que ela tentasse passar, sem
a vulnerabilidade do intervalo, de uma tirania a uma piada, é certamente compreensível, mas
que seus inimigos não fizessem nada para obstruir sua evasão da nêmese é mais enigmático.
Como pode haver tal indiferença ao declínio de nossos inquisidores? Será que eles foram tão
exorbitantemente bem-sucedidos em seu projeto de domesticação que fomos roubados de
todo impulso de morder de volta? Tendo finalmente escapado do palácio de torturas do amor
autoritário, vacilamos por aí, entorpecidos e confusos, nos esquivando da ferida séptica e
retorcida de nosso passado (agora desajeitadamente enfaixada com os trapos da cultura
secular). É dolorosamente evidente que a humanidade pós-cristã é uma matilha de cães
débeis.
Georges Bataille é o impedimento textual preeminente à cuidadosamente traçada
morte silenciosa do Cristianismo; o prolongamento de suas agonias terminais para dentro do
século XX. Tendo definitivamente se exaurido após dois repulsivos milênios de vivissecção
da espécie, o Cristianismo tenta escapulir da cena, auxiliado pela névoa de tolerância supina
que se dignifica como 'pós-modernidade'. Não é necessário ser um gênio para ver os
interesses de quem são servidos por esta passagem de um teísmo militante para a
ambivalência pós-moderna.
Um déspota abandona qualquer jogo que começa a acabar mal. Este tem sido o caso
com a metafísica. De Kant em diante, a filosofia exploratória deixou de gerar os resultados
favoráveis ao poder estabelecido (teísta), e, de repente, nos disseram: "este jogo acabou,
digamos que é um empate". A tradição autoritária da razão europeia tentou puxar a tomada
das grandes viagens no ponto exato em que elas primeiro se tornaram interessantes, o que
quer dizer: ateias, inumanas, experimentais e perigosas. Schopenhauer - recusando o
impasse agnóstico da antinomia - foi a primeira zona de reagrupamento para todos aqueles
enojados pela paz artificial intitulada 'o fim da metafísica'. Bataille é seu sucessor mais
recente. As forças do anticristo estão emergindo com presas e sendo encorajadas a saírem
de seus buracos de rato chamuscados na esteira da hegemonia monoteísta, sem o menor
apego aos retoques paralíticos da indecidibilidade desconstrutiva. 'Uma atitude que não é
1
NÚMENOS COM PRESAS
nem militar nem religiosa se torna insuportável, em princípio, a partir do momento da chegada
da morte'1. A guerra mal começou.
É difícil imaginar qualquer coisa mais ridícula do que Descartes ou Kant, tendo erigido
suas humildes moradias filosóficas ao lado dos excessos arquitetônicos barrocos da igreja,
de pé sob as sombras de arcobotantes, perguntando pomposamente: como sabemos a
verdade? Certamente não pode ser unicamente devido a Nietzsche que vemos o absurdo de
uma questão 'epistemológica' sendo feita em tal ambiente. Quando um filósofo tem um padre
como vizinho, ou seja, um praticante do sistema mais elaboradamente construído de
mendacidade já concebido sobre a terra, como pode um comprometimento com a 'verdade',
em um sentido positivo, sequer estar sob consideração? A verdade, em tais situações, é um
privilégio dos surdos. Não há qualquer questão de 'erro', 'fraqueza no raciocínio' ou 'juízo
equivocado' quando se aborda discursos oficiais sobre a verdade na tradição ocidental, essas
catedrais de construção conceitual teológica que fundamentam nosso 'senso comum'; não,
aqui só se pode falar de uma profundamente arraigada e fanática disciplina do mentir. Em
outras palavras, uma fração da radicalidade do pensamento ateu, intensificado através de
Schopenhauer, Nietzsche e Bataille, é que ele derruba a problemática apologética-
epistemológica da alta burguesia na filosofia moderna, perguntando claramente, pela primeira
vez: onde as mentiras acabam?
O grande valor educacional da guerra contra a cristandade está na falsidade absoluta
do padre. Tal pureza é rara o bastante. O 'homem de Deus' é inteiramente incapaz de
honestidade e surge apenas no ponto em que a verdade é desfigurada para além de toda
legibilidade. Mentiras são todo seu metabolismo, o ar que ele respira, seu pão e seu vinho.
Ele não pode comentar sobre o tempo sem uma agenda secreta de fraude. Nenhuma palavra,
gesto ou percepção é discreto o suficiente para escapar seu extravagante reflexo de
falsificação e, das mentiras em circulação, ele instintivamente se apoderará das mais
grosseiras, da farsa mais obscena e opressiva. Qualquer proposição que passe pelos lábios
de um padre é necessariamente totalmente falsa, excetuando-se apenas insidiadores cuja
mensagem é momentaneamente mal-entendida. É impossível negá-lo sem descobrir algum
fragmento ou realidade enterrada.
Não há nenhuma verdade que não seja guerra contra a teologia, e mesmo a palavra
'verdade' foi rebocada pela saliva do sacerdócio. Ela não pode ser apego a alguma convicção
alternativa que aqui atravessa, mas apenas recusa implacável do que já foi dito. Os perigosos
infiéis evitam a dialética. É o cético que assassina a mentira.
Quando quer que seu nome tenha sido qualquer coisa além de um gracejo, a filosofia
tem sido assombrada por uma questão subterrânea: E se o conhecimento fosse um meio
para se aprofundar o desconhecer? É somente este pensamento que a tem diferenciado das
coisas rasas da terra. Ainda assim, a glória e também a indignidade da filosofia é ter buscado
o fim do saber e nada mais.
Uma vez que se dispensam sofismas flagrantes, o fato de que o ceticismo nunca foi
efetivado é o único argumento dos dogmatistas, e ele é poderoso, apesar de seu sabor
empírico. Há pouca dúvida de que os defensores filosóficos da descrença tenderam a
explorar as próprias convenções que professam desprezar como um abrigo para uma loucura
insincera. Como foi o caso de Sócrates, a filosofia buscou se descascar do sofismo admitindo
sua ignorância, como se o desconhecer fosse um pathos a ser confessado. Apenas a
profunda ecsanidade ['Ecsano' - fora de si] é um ceticismo efetivo, em comparação com a
qual as filosofias céticas são vítimas de teorias ingênuas de crença, como se a crença
1
G. Bataille, Oeuvres Complètes, 12 Vols. (Paris: Gallimard, 1970-1988), vol II, 246.
2
NIETZSCHE XAMÂNICO
pudesse ser simplesmente descartada ou contida. Não sabemos de nada, claro, mas não
sabemos remotamente nem isso, e a mera afirmação de maneira nenhuma melhora nossa
destituição. A crença não é uma posse, mas uma prisão, e nós continuamos a crer no
conhecimento alcançado, mesmo depois de negá-lo com abrangência intelectual. A recusa
em aceitar uma masmorra não é nenhuma substituta de um buraco na parede. Apenas em
uma viagem ao desconhecido existe real escapatória da convicção. Os perigosos céticos são
aqueles que Kant teme, 'uma espécie de nômades, desprezando todos os modos
estabelecidos de vida'2, que vêm de uma região selvagem de além do conhecimento. Eles
são exploradores, isto é: rotas de invasão do desconhecido. É por meio destes inumanistas
que o vasto abrupto do zero xamânico - a Éποχή dos antigos - infiltra sua loucura contagiosa
na terra.
Éποχή é uma palavra atribuída a Pirro por meio de reportagem indireta, mas, em sua
ausência, o nome do filósofo perderia o pouco sentido que o investe. Embora se pudesse
argumentar que devemos Éποχή a Pirro, é de Éποχή que o nome Pirro chega até nós, como
um criptograma do desconhecido. Mesmo se não fosse pelo silêncio de Pirro - um silêncio
bem mais profundo do que a abstinência literária de Sócrates - Éποχή certamente não seria
algo sobre o que pudéssemos diretamente saber a verdade, muito menos um método ou um
estado subjetivo.
Éποχή é um relatório do abrupto, e uma escapatória.
1. [...]
3. a antítese deste mundo fenomênico não é 'o mundo verdadeiro', mas o mundo
sem forma e informulável do caos de sensações - um outro tipo de mundo
fenomênico, um tipo 'incognoscível' para nós;
2
I. Kant, The Critique of Pure Reason, tr. N. K. Smith (NY: Palgrave Macmillan: 2003), Preface to the
First Edition, 8.
3
F. Nietzsche, The Will to Power, tr. W. Kaufmann (NY: Vintage, 1968), section 569.
3
NÚMENOS COM PRESAS
O materialismo não é uma doutrina, mas uma expedição, uma fuga da convicção socialmente
policiada. Ele 'é, antes de mais nada, a negação obstinada do idealismo, isto é, da própria
base de toda filosofia'11. A matéria acategórica exploradora navega o pensamento como
acaso e a matéria como turbulência 'além de toda regulamentação'12. Ela não produz
quaisquer proposições para julgar, mas apenas caminhos para explorar.
Este é Nietzsche como um poeta com presas, em guerra com os filósofos (com os
novos padres), um pensador que busca tornar a vida mais problemática. Bataille mira um
desejo que ressoa com a realidade que nos confunde e não com uma 'racionalidade' que nos
extricaria do labirinto. Nietzsche é o grande exemplar de pensamento complicador,
explorando o conhecimento no interesse das interrogações (e isto não é a fim de esclarecê-
las e focalizá-las, mas de sutilizá-las e dissociá-las). O pensamento complicador fortalece o
ímpeto de uma confusão ativa ou energética - delírio - contra as forças reativas cuja tendência
obsessiva é resolver e concluir. Rebelando-se contra a correnteza fundamental do raciocínio
filosófico, ele toma o partido do pensamento contra o conhecimento, contra as prescrições
tranquilizadoras da 'vontade de verdade'.
Se Nietzsche está preso em uma luta extraordinariamente furiosa com a filosofia é
porque é a filosofia que se arrogou, com a mais cínica franqueza, a negar problemas. A
filosofia sempre quis se retirar; Schopenhauer é simplesmente seu exemplar mais honesto.
O 'absoluto' é o pensamento mais preguiçoso da humanidade. Tampouco basta argumentar
que o pensamento pode ser complicado dentro de si mesmo ou - como os filósofos disseram
4
A. Rimbaud, Collected Poems, tr. O. Bernard ( Harmondsworth: Penguin, 1986), 327.
5
Ibid., 296.
6
Ibid., 293.
7
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. I, 179.
8
Nietzsche, The Will to Power, section 558.
9
Ibid., section 562.
10
Ibid., section 567.
11
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. I, 220.
12
Ibid., vol. VI, 97.
4
NIETZSCHE XAMÂNICO
por algum tempo - 'imanentemente', pois sabemos onde esta linha de pensamento leva. Uma
intelecção que necessita de uma crítica imanente é uma que já está se acotovelando contra
uma solubilidade derradeira. 'O intelecto encontra seus limites dentro de si mesmo' - ele nem
mesmo precisa se mover para consumar a interrogação! São pensamentos como este, cujo
modelo mais eminente é o Kant da filosofia crítica, que geraram tamanha desconfiança em
Nietzsche para com autores que trabalham sentados.
A sabedoria (sophia) substitui o viajar, escavando-o em uma caricatura baudelairiana
da Voyage - redundantemente reiterando um dogma moral - e amar é buscar ser imóvel. Em
obediência ao Eros narcoplatônico, a filosofia defere ao fim do desejo. Nietzsche retrocede
para além deste filosofar sacerdotal helênico e avança para além de seu limite moderno,
remontando a sophia como escapatória:
De fato, nós filósofos e 'espíritos livre' sentimos, quando ouvimos as notícias de que
'o velho deus está morto', como se uma nova aurora brilhasse sobre nós; nosso
coração transborda com gratidão, espanto, premonições, expectativas. Finalmente o
horizonte aparece livre para nós novamente, mesmo que não seja brilhante;
finalmente nossos navios podem se aventurar novamente, se aventurar a encarar
qualquer perigo; toda ousadia do amante do conhecimento é permitida novamente; o
mar, nosso mar, está aberto novamente; talvez nunca tivesse havido ainda tal 'mar
aberto'.13
A morte de Deus é uma oportunidade, um acaso. Faz sentido perguntar o que se quer dizer
com a palavra 'noumenon', mas 'acaso' não funciona desta maneira, uma vez que não é um
conceito a ser apreendido, mas uma direção na qual ir. 'Para aquele que compreende o que
o acaso é, quão insípida a ideia de Deus parece, e suspeita, e cortadora de asas'!14 O
monoteísmo é o grande guardião e, onde ele acaba, a exploração da morte começa. Se há
lugares aos quais estamos proibidos de ir, é porque eles podem, em verdade, ser alcançados,
ou porque eles podem nos alcançar. No final, a poesia é invasão e não expressão, uma
trajetória de incineração; seja amarrada nas teias de aranha do Paraíso, seja viciada nas
torrentes de sombras do inferno. É uma rota de criação, que é, para cada um, seu destino
interpretado como enigma, como isca. 'Agora uma difícil, uma inexorável viagem começa -
uma jornada na maior distância possível'15 'Eu disse adeus ao mundo'16. Mesmo a mais
angélica curiosidade - quando multiplicada pela potência da eternidade - tem que encontrar
seu caminho para acabar no abismo.
Pode parecer, às vezes, como se Bataille devesse quase tudo ao Cristianismo; sua
compreensão do mal no coração do amor erótico, a afetividade histérica de sua escrita, junto
com sua obsessão excrementícia, sua concepção epileptoide de deleite, sua malignidade, o
fedor perpétuo da sarjeta. Sim, isto é tudo muito cristão; bem sintonizado com uma doutrina
gestada nos esgotos do império. Ainda assim, de fora da intensidade e da desordem
aberrantes dos escritos de Bataille, uma proposição impossível é perpetuamente reiterada:
que longe de ser o apogeu da religião - muito menos seu florescimento télico - Deus é o
princípio de sua supressão. A unidade de theos é a lápide do zero sagrado, a fundação
granítica em desintegração da destituição secular. Isto é tão exorbitantemente verdadeiro que
13
F. Nietzsche, The Gay Science, tr. W. Kaufmann (NY: Vintage, 1974), section 343.
14
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. VI, 116.
15
Ibid., 29.
16
Rimbaud, Collected Poems, 330.
5
NÚMENOS COM PRESAS
a existência de Deus seria um desastre ainda maior para ele do que para nós. Quão
infinitamente trivial a crucificação de Jesus parece ao lado da tortura degradante de ser Deus,
afinal, a existência é tão indistinguível da profanação que se fica pálido só de pensar no cheiro
de um ser eterno. Talvez seja por isso que Deus 'é profundamente ateu'17, levando Bataille a
observar que '[e]mbora eu seja Deus, eu o nego até as profundezas da negação'18 ('o niilismo
... poderia ser uma maneira divina de pensamento'19, antecipa Nietzsche). Deus só pode
redimir o universo de seu servilismo reduzindo sua criação a cinzas e aniquilando a si mesmo.
Tal é o 'Deus do sol ofuscante, ...este Deus de morte que eu buscava'20. Bataille invoca a
ressaca sombria de uma divindade automassacrante: 'Deus de desespero, dê-me ...seu
coração ...que não mais tolera que você exista'21. (Se Deus é um explorador, então não há
Deus algum.)
Os textos de Bataille são 'uma hecatombe de palavras sem deuses ou razão de ser'22,
reconduzidos abaixo, através das criptas do Ocidente, por um ímpeto furioso de dissociar o
teísmo e a religião e, assim, retornar o sagrado à sua impiedade xamânica, exceto que nada
jamais pode simplesmente retornar, e o Inferno nunca será um inocente submundo
novamente. As profundezas se tornaram infernais, verdadeiramente assim, bastante
independentemente dos contos de fadas que ainda nos contam. '[C]hamas nos cercam/ o
abismo se abre sob nossos pés'23 relata Bataille da borda do impossível, 'um abismo que não
acaba com a contemplação saciada de uma ausência'24 porque seu lábio é a ruína
carbonizada, mesmo da subjetividade mais sublimada. 'Eu não tenho nada a fazer neste
mundo', ele escreve, '[s]e não queimar'25. 'Eu sofro, não do queimar ...me aproximando tão
perto da morte que eu a respiro como o hálito de uma amante'26. Não é apenas devido à
inquisição que todos os grandes viajantes foram por muito tempo cantados. Por bem mais de
um século, todos que quiseram ver, viram: nenhuma exploração profunda pode ser lançada
das ruínas do monoteísmo, a menos que extraia seus recursos da danação.
A morte de Deus é um evento religioso - uma transgressão, experimento em danação
e golpe de guerra antiteísta - mas isto não é dizer que seja preeminentemente um crime. O
Inferno não tem nenhum interesse em nossa moeda moral devassa. Confundir salpicos
reativos em pecado com expedições em danação é superficialidade cristã; o erro Dantesco
de imaginar que se poderia obter uma excursão no Inferno, como se o infernal, também, fosse
uma questão de justiça. Nossos crimes são meros tropeços no caminho para a ruína, assim
como todo Inferno na Terra projetado é um exemplar estrito de idolatria. A transgressão não
é uma ação criminosa, mas um destino trágico; a intersecção de um apocalipse
economicamente programado com a anti-história religiosa da poesia. É a ocorrência inevitável
da impossibilidade, que não é o mesmo que a morte, mas tampouco é essencialmente
diferente.
Esta ambivalência responde àquela da morte 'em si mesma', que não é ontológica,
mas labiríntica: um relapso de composição que é absoluto para a descontinuidade e, ainda
17
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. V, 121.
18
Ibid., 152.
19
Nietzsche, The Will to Power, section 15.
20
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. IV, 203.
21
Ibid., vol. v, 59.
22
Ibid., 220.
23
Ibid., vol. III, 95.
24
Ibid., vol. V, 199.
25
Ibid., vol. IV,17.
26
Ibid., vol. V, 246.
6
NIETZSCHE XAMÂNICO
E se o eterno retorno não fosse uma crença? ('A forma mais extrema de niilismo seria a visão
de que toda crença... é necessariamente falsa porque simplesmente não há um mundo
verdadeiro')29. Bataille sugere:
27
Ibid., vol. X, 72.
28
Nietzsche, The Will to Power, section 251.
29
Ibid., section 15.
30
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. VI , 23.
31
Nietzsche, The Will to Power, section 247.
32
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. VI , 50, 167.
33
Ibid., 29.
34
Nietzsche, The Will to Power, section 247.
7
NÚMENOS COM PRESAS
Relacionar doença com morte como causa e efeito é, em si mesmo, um sinal de saúde. Sua
interconexão mórbida é bastante diferente. A doença não é seguida pela morte dentro da
série da representação ordenada. Ela abre os portões.
A genealogia não reduz a doença a um tópico histórico, uma vez que a doença - a
incapacidade de suspender um estímulo - escapa ao mero desdobramento no tempo
progressivo, tendendo ao desaparecimento do tempo na interrupção epocal. O espasmo-
reflexo no (e pelo) qual a reatividade tateia é o contínuo atemporal sob a crosta da saúde. A
morte é 'aquilo que não tem nenhuma história'40, e o método de Nietzsche é a sífilis. 'Apenas
a religião assegura um consumo que destrói a substância própria daqueles que ela anima'41.
A filosofia é um vampiro que assombra apenas ruínas, e os crocitares quebrantados
de nossos hinos à doença mal começaram. Carregados por correntes de exaustão profunda
que fluem silenciosas e inexoráveis sob as perturbações superficiais de contração e vibração,
amaldiçoados, tremendo, dedos como garras talhadas de tortura e afundadas em destroços
puxados, com insuportável morosidade, para baixo da goela de chamas e escuridão apagada
e retorcida como espetos em olhos escavados de febre. O eterno retorno é nosso extermínio,
e nós nos agarramos a ele como infantes aos seios de suas mães.
35
Ibid., section 55.
36
Ibid.
37
Ibid.
38
Ibid.
39
Ibid.
40
F. Nietzsche, On the Genealogy of Morals, tr. W. Kaufmann, R.J Hollingdale (NY: Vintage, 1969),
Second Essay, section 13.
41
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. VII, 316.
8
NIETZSCHE XAMÂNICO
42
Ibid., vol. V, 157.
43
Ibid., 133·
44
Ibid., 212.
45
Rimbaud, Collected Poems, 10.
46
Ibid., 11.
47
Ibid., 6.
48
Ibid.
49
Nietzsche, Ecce Homo, 230.
50
Rimbaud, Collected Poems, 313.
51
Ibid.
9
NÚMENOS COM PRESAS
52
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. V, 137.
53
Rimbaud, Collected Poems, 313.
54
Ibid., 304.
55
Ibid., 302.
56
Ibid.
57
Ibid., 301.
58
Ibid., 307-8.
59
Ibid., 309.
60
Ibid., 315
10
NIETZSCHE XAMÂNICO
61
Bataille, Oeuvres Complètes, vol. V, 111.
62
Ibid.
63
Nietzsche, The Gay Science, section 371.
11