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O Manual do Chato
Ailton Amélio da Silva*
Uma conversa agradável é aquela que corre fácil, os assuntos surgem naturalmente, a
passagem de um assunto para o outro acontece de uma forma imperceptível, perde-se a
noção de tempo. Tudo isso faz com que ela seja percebida como prazerosa e envolvente.
Todos estes efeitos são resumidos pela sensação de que há afinidade entre os parceiros,
que há motivação para conversar e que o relacionamento entre eles vai de vento em
popa.
Duas amigas estão em uma balada. Uma delas fica entusiasmadíssima com alguém da
mesa ao lado. Depois de um tempo, ela e o rapaz começam a flertar. O rapaz a aborda e
começam um encontro alucinante. Tudo o mais se torna secundário. A amiga vai embora,
porque sentiu que estava sobrando. No dia seguinte, as duas amigas se encontram. A
amiga que tinha ido embora antes pergunta: “E ai, está com aquele rapaz? Ontem, você
estava tão entusiasmada.”. A outra responde: “Não. Ele me decepcionou”. A amiga, muito
espantada, pergunta: “Porque?” A outra responde: “Quando saímos da balada consegui
ouvir direito o que ele dizia!”
Vamos examinar agora algumas formas específicas de ser chato através da conversa. O
objetivo deste artigo, obviamente, é contribuir para que você tome consciência e evite
estes tipos de comportamentos.
Infelizmente existem várias maneiras de ser chato em uma conversa. Vamos examinar
aqui apenas algumas das principais.
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Forçar conversas e temas
Nem sempre é possível conversar com uma pessoa ou tratar de um determinado tema
com ela. Existem vários tipos de motivos para esta impossibilidade: quando pelo menos
uma das partes considera que a outra não é um interlocutor adequado (por exemplo, o
interlocutor é alguém desconhecido que faz uma abordagem na rua), quando o momento
não é adequado (por exemplo, uma das partes está sem tempo) quando existem
dificuldades para localizar assuntos adequados e envolventes naquele momento (“Não ter
nada para conversar naquele momento”), etc.
Para que haja uma conversa é necessário que haja alternância nos papéis de ouvinte e
falante. Caso isto deixe de ocorrer, o acontecimento não é um diálogo. Pode ser um
monólogo, uma palestra, uma declaração ou algo do gênero. Esta falha na alternância de
papéis tanto pode ocorrer porque um dos interlocutores não quer abrir mão do seu papel
de falante ou de ouvinte. O primeiro caso (“pessoas que falam demais”) é mais
comentado por aí do que o segundo (pessoas que “ouvem demais” ou “pessoas que
falam de menos”).
Existem várias formas de não contribuir para que a conversa fique interessante: não
ajudar a procurar assuntos, não conduzir conversas amenas enquanto não aparece um
assunto mais interessante, não funcionar como ouvinte ativo, não puxar assuntos, não
mostrar envolvimento, não se manifestar (nem mesmo quando estiver achando a
conversa interessante), não ajudar a manter e a desenvolver os assuntos propostos pelo
interlocutor, entre outras.
Mostrar desatenção
Esta forma é ainda mais grave de ouvir passivamente. O ouvinte passivo mostra sinais
fracos de interesse e envolvimento. O desatento deixa de apresentar os sinais de atenção
ou mostra sinais de atenção para outras coisas como, por exemplo, ficar olhando para o
que está ocorrendo no ambiente ou apresenta sinais de que quer continuar a se
concentrar em outra atividade (continua com um livro aberto na mão, continua com o
corpo orientado para a televisão ligada etc.).
Interromper demais
Certa vez fiz a seguinte experiência com meus alunos: fiz uma pergunta para um deles.
Assim que ele começou a responder eu fiz outra pergunta. Assim que ele começou a
responder esta segunda pergunta eu apresentei uma terceira, e assim por diante.
Geralmente três ou quatro perguntas e interrupções de respostas deste tipo eram
suficientes para fazer o aluno ferver de raiva. Ele se mostrava perturbado, frustrado e
agressivo comigo. Só se acalmava um pouco quando eu explicava que este procedimento
estranho e rude tinha o objetivo de demonstrar os efeitos da interrupção.
Muita gente confunde quando o interlocutor quer apenas relatar ou desabafar sobre um
acontecimento com um pedido de conselhos. Os homens cometem muito este tipo de
erro. As mulheres odeiam, por exemplo, quando começam a contar um fato aborrecido
que ocorreu no trabalho e o marido logo se apressa em sugerir medidas que ela deveria
tomar. Este tipo de conselho na hora errada encerra a fase de desabafo. Isto acontece
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principalmente quando o conselheiro espera que o outro passe a considerar aquilo que
aconselhou e fica irritado quando o outro mostra resistência e não dá sinais de que vá
implementar o sugerido.
Ladrão de holofotes
Neste caso, o chato segue a seguinte regra: “O que aconteceu comigo é mais importante
do que o que aconteceu com você”. “A minha notícia é mais interessante do que a sua”.
Quando este tipo de chato atua, a pessoa que introduziu o tema não consegue obter o
impacto que queria. O tema pode continuar em pauta, mas agora quem o expressa é o
ladrão. Ele continua a tratar do tema que o outro apresentou, mas da forma que o
interessa: como o fato o afetou, como ele o vê, como tratou dele, enfim, como é mais
importante a sua relação com o tema e do que daquele que o introduziu. Ele adquire o
controle do tempo, da palavra e da forma.
Evitar ser chato já é meio caminho andado para uma boa conversa.
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* Ailton Amélio da Silva é Doutor em Psicologia, psicólogo, psicoterapeuta e professor da USP, em
São Paulo (SP). É autor de vários estudos científicos sobre relacionamentos amorosos e de livros
como "O Mapa do Amor" e “Para Viver um Grande Amor”.