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Pastores Saudáveis, Teologia Saudável, Igrejas Saudáveis

“Amado, oro para que você tenha boa saúde e tudo lhe corra bem, assim como vai bem a sua
alma” (3 Jo 1:2).
Por meio de sua terceira carta, apesar de tão pequena, João expõe de forma gigantesca a
importância da saúde espiritual do cristão para o progresso da evangelização no mundo e para o
fortalecimento da igreja local. Se observarmos o que as Escrituras dizem a respeito de Cristo,
concluiremos que um modo bem eficiente de expor o Evangelho às pessoas é demonstrá-lo com a própria
vida: “E Jesus se desenvolvia em sabedoria, estatura e graça na presença de Deus e de todas as
pessoas” (Lc 2:52); “[Jesus] era varão profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o
povo” (Lc 24:19).
Essa é uma verdade que alcança todos os crentes, sobretudo aqueles que foram chamados para
liderar a igreja de Cristo. Que tal se cada um de nós fizer um autoexame de consciência, respondendo a
algumas perguntas? Eis a primeira delas: “Eu realmente amo a obra de Deus e coopero com a expansão
dela?”; a segunda: “Em minha igreja (e denominação), eu sou parte dos problemas ou da solução deles?”;
e a terceira: “Que tipo de testemunho eu tenho transmitido às pessoas que estão à minha volta e o que
elas dizem a meu respeito?”.
Ao analisarmos o que João escreveu a respeito de três líderes cristãos – Gaio, Diótrefes e
Demétrio –, é possível compreender a importância de cultivarmos uma vida cristã sadia para o bem de
cada um de nós mesmos, dos que estão em nossa rede de relacionamentos e, mais amplamente, do
reino de Deus.
Em relação a Gaio, o discípulo amado (3 Jo 1:1), João escreve para elogiá-lo e incentivá-lo. Sua
hospitalidade e seu apoio aos missionários (3 Jo 1:7-8; cf. Rm 10:15) diagnosticavam uma fé verdadeira,
sem distúrbios. Gaio era filho na fé do apóstolo (3 Jo 1:4) e aprendeu com ele a valorizar a comunhão
entre o povo de Deus (cf. Sl 133:3). Gaio era um varão com notáveis qualidades, a saber:
I) tinha uma admirável saúde espiritual (3 Jo 1:2). A esse respeito, convém lembrar a
orientação de Paulo aos coríntios sobre a pureza do cristão: “purifiquemo-nos de tudo o
que contamina o corpo e o espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus” (2 Co
7:1);
II) era fiel e obediente ao verdadeiro mandamento (3 Jo 1:3-4). Foi o próprio João quem
registrou as palavras de Jesus sobre esse tema: “Se alguém me ama, obedecerá à minha
Palavra; e meu Pai o amará, e nós viremos até ele e faremos nele nosso lar. Quem não
me ama não obedece às minhas palavras” (Jo 14:23-24); e
III) também era um efetivo cooperador e amável hospitaleiro (3 Jo 1:5-8). É impressionante
como as Escrituras conjugam fé e obras para atestar a regeneração espiritual do pecador:
“De que adianta, meus caros irmãos, alguém proclamar sua fé, se não tem obras? Acaso
essa fé pode salvá-lo?” (Tg 2:14). Não devemos limitar nossa fé a um discurso vazio, mas
precisamos prová-la por meio de obras que glorifiquem a Deus (cf. Mt 5:16).
Gaio era um líder que servia a Cristo honestamente, que mantinha sua alma saudável aos pés
do seu Salvador. Ao servir de suporte a outros irmãos, na verdade estava servindo ao próprio Senhor:
“Quem vos recebe, a mim mesmo recebe; e quem recebe a minha pessoa, recebe aquele que me enviou.
Quem recebe um profeta por reconhecê-lo como profeta, receberá a recompensa de profeta; e quem
recebe um justo por suas qualidades de justiça, receberá a recompensa de justo. E quem der, mesmo
que seja apenas um copo de água fria a um destes pequeninos, por ser este meu discípulo, com toda a
certeza vos afirmo que de modo algum perderá a sua recompensa” (Mt 10:40-42).
Mas o que dizer sobre Diótrefes, o líder prepotente (3 Jo 1:9)? João escreve para advertir seu
autoritarismo e sua arrogância, pois ele se sentia o verdadeiro dono da igreja. Seu comportamento era
como uma espécie de câncer, que – como uma metástase – ia afetando todo o corpo de Cristo. A igreja
precisa ser medicada contra esse tipo de patologia. O apóstolo Pedro faz uma contundente ressalva em
relação a esse tipo de líder: “Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como
exemplos para o rebanho” (1 Pe 5:3). Além disso, Diótrefes era um homem maldizente, separatista e, no
fundo, não conhecia a Deus (3 Jo 1:10-11). O “raio x” da vida de Diótrefes testemunhava contra o seu
próprio ministério, por isso ele não deveria ser imitado.
Em relação a Demétrio, outro bom exemplo a ser seguido (3 Jo 1:12), João escreve para ressaltar
a saúde espiritual de mais um homem que nos serve de inspiração, assim como Gaio. Em sua carta, o
apóstolo não deixa dúvida de que todos tinham apreço por Demétrio. O testemunho desse servo de Deus,
ao ser confrontado com as Sagradas Escrituras, causava satisfação.
Sintomas apresentados por Diótrefes e diagnosticados pelo apóstolo João também são
observados na vida espiritual de muitos pastores atualmente, que tentam transformar a vocação
sacerdotal em profissão e acabam fazendo padecer as igrejas que lideram. É preciso concordar com a
opinião do reverendo Ricardo Barbosa de Souza sobre a possibilidade de o significado da vocação
pastoral ter sido completamente perdido (http://www.monergismo.com/textos/pastores/profissao.htm,
acesso em 16/02/2019). É inegável que a pós-modernidade, com suas profundas e ligeiras mudanças,
afetou tanto a igreja como o sacerdócio. O que se percebe muitas vezes é a tentativa de transformar a
igreja em um negócio ou empresa e o pastor em uma espécie de executivo eclesiástico. De acordo com
esse novo estereótipo, o líder deve viver cercado de aparelhos eletrônicos e assistentes para atender
uma quantidade cada vez maior de reuniões, aconselhamentos, conferências, entrevistas etc. Ficar
desocupado? Nem pensar! A competência atualmente, tanto no meio secular quanto no meio eclesiástico,
é aferida pela capacidade de ter uma agenda lotada de compromissos. Afinal, nenhum médico de
prestígio seria assim considerado se não tivesse seu consultório repleto de pacientes e sua agenda lotada
de consultas e cirurgias previamente marcadas para os vários meses do ano.
Infelizmente já não há mais tempo disponível para o discipulado, a oração, a visitação, a
construção de amizades, a escuta diligente do drama dos necessitados, muito menos para o descanso
semanal, as férias anuais com a família, a leitura de um bom livro e a realização de um check-up de rotina.
A busca implacável por sucesso tem tirado o oxigênio espiritual de muitos pastores. Alguns têm respirado
por aparelhos e precisam urgentemente de uma unidade de tratamento intensivo! Na tentativa de
promover o crescimento numérico da igreja, aumenta também a busca de vários líderes religiosos por
novos métodos e novas estratégias para a multiplicação de suas comunidades: G-12, Crescimento
Natural da Igreja, Igreja com Propósitos, Evangelismo Explosivo, As Quatro Leis Espirituais, Teologia da
Prosperidade etc. O grande problema é que várias estratégias divorciam-se da necessidade de
evangelização como consequência do pecado humano e da necessidade de redenção ao senhorio de
Jesus Cristo. Não é difícil perceber alguns equívocos desse tipo de crescimento: a) uma hermenêutica
bíblica enfraquecida, superficial e incapaz de considerar as diferenças espaciais e temporais que separam
o texto bíblico da situação histórica do intérprete contemporâneo; b) um locus teológico centralizado na
igreja, e não em Cristo; c) o princípio, no mínimo questionável, de que os fins justificam os meios, por
exemplo.
Voltando-se mais especificamente para nossa seara congregacional, a transformação desse
cenário religioso requer um tratamento terapêutico em favor da saúde espiritual da nossa União, com
doses de desafios e responsabilidades bem administradas às igrejas locais, que têm autonomia para
eleger e para destituir seus próprios líderes. Uma dessas doses é a libertação do “deus-mercado”, o qual
garante trocas, negócios, barganhas, circulação de bens e mercadorias e muito dinheiro e prestígio aos
seus adoradores. Outra é a mortificação da ambição personalista, ou seja, uma espécie de “concorrência
espiritual”, em que alguns líderes veem o outro como seus concorrentes numa acirrada disputa pelas
multidões. Como num jogo de futebol, o que importa é a vitória, mesmo em detrimento da derrota do
outro. Se a partida termina empatada, quase sempre o espetáculo não agrada aos dois lados, nem à
torcida que a tudo assiste. Na busca por uma projeção cada vez maior, alguns líderes constroem seus
próprios impérios. Muitas vezes, tudo isso parece ser fruto da ambição humana (cf. Gn 11:4). A terceira
dose aqui apresentada tem a ver justamente com os atributos apontados pelo apóstolo Paulo tanto a
Timóteo (1 Tm 3:1-7) quanto a Tito (Tt 1:5-9) em relação a todos que almejam posições de liderança na
igreja do Senhor.
Por fim, deve-se dizer que nenhum tratamento será capaz de mudar favoravelmente qualquer
“quadro clínico” se não houver efetivo investimento em vidas para formação de pastores e igrejas
saudáveis. Nesse ponto, a atuação dos departamentos, das associações regionais e das instituições de
ensino da denominação é emergencial. Esse tipo de investimento não apresenta retorno imediato. A
formação do caráter cristão é um processo de médio a longo prazo. Entretanto, como diz o ditado popular,
é melhor prevenir do que remediar.

Pr. Albert Iglésia


(Licenciado em Letras, pós-graduado em Língua Portuguesa, bacharel em Teologia,
pastor da IEC em Soteco-ES, e-mail de contato: albert.iglesia@hotmail.com)

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