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JOSIE AGATHA PARRILHA DA SILVA

ROBERTO NARDI
MARCOS CESAR DANHONI NEVES
Organizadores
507 Arte e ciência na Lua : percursos na
A825 interdisciplinaridade / organização de Josie Agatha
Parrilha da Silva ... [et al.]. – São Paulo :
Cultura Acadêmica, 2018
322 p. : il.

ISBN 978-85-7983-969-6

Inclui bibliografia e índice

1. Ensino de ciência. 2. Interdisciplinaridade. 3.


Lua. I. Silva, Josie Agatha Parrilha da. II. Nardi,
Roberto. III. Neves, Marcos César Danhoni. IV. Título.
Conselho Editorial Acadêmico

Prof. Dr. Renato Eugênio da Silva Diniz (Coordenador)


Prof. Dr. Roberto Nardi (Vice-Coordenador)
Prof. Dr. Jair Lopes Júnior
Prof. Dr. Nélson Antônio Pirola
Profa. Ms. Jackelyne de Souza Medrado
Revisão Imagem dos capítulos
Os autores Cap. 1: Intervenção digital nas imagens:
Madona de Cigoli (1610-1613),
Diagramação Aquarelas de Galileo Galilei e recorte das
Adriana Cardoso Luas. Elaborado por Josie Silva
Cap. 2: Intervenção digital em poética
Imagem capa frente da Lua de Cleberson José Cavalcanti.
Título: Lua (12 de agosto de 2016) Cap. 3: Intervenção digital na Imagem
Autor: Marcos Cesar Danhoni Neves da Lua em aquarela de Pedro Padovini
Técnica: Fotografia telescópica colorida Cap. 4: Intervenção digital na Imagem
(telescópio Cassegrain_Schimidt Bausch do relógio lunar de Pedro Padovini.
Lomb [ocular 30 mm], celular android Cap. 5: Intervenção digital em Imagem
Sansung J5) da Lua 1 em aquarela de Pedro Padovini
Dimensão: 20x20 cm Cap. 6: Intervenção digital em Imagem
da Lua com falso impasto de Pedro
Imagem capa fundo Padovini
Título: Lua Cap. 7: Intervenção digital em Imagem
Autora: Luzita Erichsen de cratera lunar de Luzita Erichsen
Técnica: Falso impasto (cola e pó de Cap. 8: Intervenção digital em Imagem
mármore) e tinta acrílica. da Lua em nanquim e caneta nanquim de
Medida: 18 x 18 cm. Vera Lucia Nelli
  Cap. 9: Intervenção digital em Imagem
Fundo da capa da Lua em nanquim colorido de Luzia
Pintura em tinta acrílica do céu do dia Rodrigues da Silva
12 de agosto de 2016, de Luzita Erichsen Cap. 10: Intervenção digital em Imagem
de Lua anamórfica de Marco Antonio
João Fernandes Júnior
Cap. 11: Intervenção digital em Imagem
da Lua em impasto de Luzita Erichsen
Cap. 12: Intervenção digital em Imagem
da capa do Caderno de Pedro Padovini
Dedicamos esse livro aos Professores, em especial àqueles que
acreditam que ensinar é criar possibilidades...
Agradecemos

a todos que compartilharam nosso sonho interdisciplinar


e contribuíram de diferentes formas para tornar um pouco
mais real esse sonho:
Giovana T. Simão
Nelson Silva Júnior
Carlos Alberto de Oliveira Magalhães Júnior
Alisson Thiago do Nascimento
Luzita Erichsen
Fernando Lang
Marisol Miara
Michel Silva
Maria Cristina Mendes
Anderson Pedro Laurindo
Pedro Luiz Padovini
Marco Antonio João Fernandes Júnior
Valdir Heitkoeter de Melo Júnior.
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

PREFÁCIO

DE BEM COM A LUA

Tenho a satisfação incontida e muito prazerosa de apresentar


o livro organizado por Josie Agatha Parrilha da Silva, Roberto
Nardi e Marcos Cesar Danhoni Neves que leva o título sugestivo
de “Arte e Ciência na Lua: percursos na interdisciplinaridade”. A obra
se aloca na esfera da educação científica, considerada sempre mais
coluna mestra das formações escolares e universitárias, desde o pré-
escolar até ao pós-doc. Precisamos saudar o interesse crescente de
professores desta área feita de um conglomerado (assemblage) de
áreas, tomando ciência como imenso guarda-chuva para todos os
conhecimentos relevantes já produzidos e os que vamos produzir.
É muito significativo que se coloque arte e ciência como parceria e
tensão, porque assim é a interdisciplinaridade, quando bem pensada:
ajunta áreas sem diluí-las, sugerindo que o ajuntamento deve
trazer algo novo. Na prática, a melhor interdisciplinaridade é a de
equipe, ao agregar um grupo heterogêneo em termos de formação
profissional que decide pensar junto. Esta situação já ilustra bem
o que queremos da interdisciplinaridade. Não queremos ajuntar
grupo homogêneo (digamos, 10 matemáticos ou 10 sociólogos,
pois, se somados, dão um só, por mais que possam tentar de modo
pertinente alargar os olhares). Queremos ajuntar gente que tem
contribuição própria, soma, potencializa o grupo, desafia o colega
com visão bem diversa, traz perspectivas da pletora do mundo do
conhecimento. Não esperamos que o sociólogo se meta a matemático,
mas que seja sociólogo de mão-cheia, implicando isso que convive
de bom grado com o matemático e dele se disponha a aprender.
Ou seja, nos damos conta de que, para a contribuição ser profunda,
precisa de olhar aprofundado (especializado, embora este termo
esteja sob ataque/suspeita): um sociólogo que saiba sociologia, não
matemática; esta vai vir do matemático. Queremos ativar um estilo
de produção de conhecimento próprio da biodiversidade humana,
algo que a evolução nos ensina superlativamente, quando distribui
preferências científicas para todos os gostos e contribuições. Não

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

queremos, nem o “idiota especializado” (sabe tudo de nada), nem


o “especialista em generalidades” (sabe nada de tudo), porque não
agregam, no primeiro caso, a relevância que interessa a todos e é
resultado do labor compartilhado autoral, e porque, no segundo caso,
não se chega ao conhecimento tipicamente profundo que demanda
pesquisa, elaboração própria, autoria individual, profissionalização.
A importância da interdisciplinaridade está posta em
discussões e produções crescentes na academia, em parte devido
ao cansaço da compartimentalização dos cursos na faculdade e do
tratamento disciplinar das matérias escolares; em parte por conta
de pedagogias da problematização, projeto, pesquisa, nas quais se
oferece aos estudantes a oportunidade de, em grupo, atacarem
uma situação complexa que exige muitos olhares conjugados e um
tempo extenso de prática da pesquisa. Todo problema é – por ser
“problema” – complexo, não linear, difuso, contorcido, múltiplo.
Uma das marcas é que, resolvendo o problema, que é um conjunto de
problemas, encontramos outros, sem solução linear final. Na escola,
porém, temos problemas lineares, como aqueles inventados para
“ensinar” matemática e outros conteúdos, mas é uma depredação
da realidade complexa. Somos levados aí pelo vezo científico
disciplinar que considera crucial – metodologicamente falando
(epistemologicamente) – particionar a realidade em pedaços, por
conta da modelagem formal, abstrata e analítica; inventa-se uma
realidade discreta para que mais bem caiba no método. Embora se
veja nisso um vício epistemológico, aparece aí uma movimentação
mental comum à espécie: para entender o complexo, apelamos para
simplificações, ou seja, partimos em pedaços cada vez mais simples,
numa linearização arriscada, mas que se tem mostrado eficiente no
mundo da ciência, em especial da tecnologia. Quando estudamos
dinâmicas complexas, realçamos nelas as recorrências, exatamente o
que não é dinâmico, por conta da modelagem científica. Acabamos
tentando entender as dinâmicas indiretamente, pelas linearizações
abstratas. É o que o método faz: enquanto, de um lado, aprofunda-se
analiticamente (como na física, ao chegar à teoria atômica, mecânica
quântica, etc.), de outro artificializa o objeto reduzido ao lógico-
experimental, isolado: é a “ditadura do método” (só é real o que

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

cabe no método, como quando certos psicólogos alegam que QI


é o que o QI mede!). Sendo, no entanto, tecnologia a linearização
de facetas lineares da realidade (daí vem a possibilidade de domar a
eletricidade a ponto de a termos em casa disponível sem susto), é esta
a contribuição científica hoje praticada no mundo do conhecimento.
Está no “mundo da lua” (para usar a metáfora!), num lado; mas é
realista noutro: não voaríamos num avião não linear ou que se meta
a pensar interdisciplinarmente! A linearidade é o lado cômodo e
confortável do conhecimento...
Interdisciplinaridade é, mais propriamente, método de
formação e pesquisa colaborativa, e, já por isso, não é amontoado
de disciplinas, mas sua costura por um grupo que aceita misturar-se.
Em termos de profissionalização, como seria o caso na universidade,
todos “optam” por um espaço do conhecimento (como fazem os
médicos que proliferam caixinhas de prática), pela razão palatável
de que perícia profissional pede especialização. O preço que se paga
é aproximar-se do “idiota especializado”, mas pode também ser a
contribuição que se tem para um grupo diverso. Temos na vida
também problemas “especiais” e vamos agradecer a Deus quando,
tendo um câncer raríssimo, achamos este idiota especializado que
alega entender dele. Não é remédio, porque, de tanto estudar só uma
coisa, chega ao final sem entender nada dela, já que, isoladamente, é
nada. Assim, no processo formativo é sempre o caso motivar o olhar
interdisciplinar para que o profissional possa comunicar-se com
colegas diversos. Dentro da hermenêutica dos saberes, um saber
isolado é depredado, artificializado. Um engenheiro não substitui o
sociólogo e vice-versa; se assim fosse, é porque não são profissionais
suficientes; mas precisam, na formação original e continuada,
conviver com, e aprender de outros no trato de problemas complexos
da vida.
O método científico implica um procedimento artificializado -
aborda a realidade não como parece, mas como cabe em modelagens
abstratas, formais, analíticas, ou seja, reduzida a linearizações
operacionais. O mundo do físico não é o da vida concreta, o que
põe para o físico um desconforto: o que ele acha ser “real” (por
exemplo, um universo composto de partículas ínfimas, dentro de

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

dimensões astronômicas) não é o que as pessoas acham. O abalo


de Galilei na visão do senso comum de sua época (geocêntrica) foi
este: embora pareça que o sol nasça em torno da terra, é a terra que
gira em torno do sol, contra o senso comum; embora pareça que a
terra é plana, na verdade é redonda. Em seu embate com o Papa, sua
arma foi matemática – um tipo de conhecimento especializado, mas
que, à época, ainda convivia bem com outros (como arte, filosofia,
etc.). Hoje, na universidade (também na escola) cada professor vive
em sua jaula e dela toma conta, em parte, desenvolvendo seu “latim”
como defesa da exclusividade e superioridade. Por isso aceitamos
que o método não é só modo de observar lógico-experimentalmente
a realidade, é também uma intervenção nos recortes lineares que
pratica. Mesmo assim, não se pode negar que o positivismo tem
suas glórias, em especial nas tecnologias. Foi assim que fomos à
Lua! Tipicamente, para ir à Lua, foi necessário ajuntar um bando
de cientistas dos mais diversos quilates, para, somando habilidades
reducionistas num todo bem menos reducionista, dar conta de uma
complexidade arriscadíssima.
Ao final, porém, interdisciplinaridade não pode esconder que
toda abordagem da realidade, por mais ampla que se pretenda, é
limitada, porque os cientistas são naturalmente limitados – a mente
humana é limitada, como toda tecnologia evolucionária. Pedagogias
da problematização sugerem que cercar um fenômeno por vários
ângulos é mais realista e efetivo, mas daí não segue que vamos
matar a charada. Ao contrário, vamos logo descobrir que, tentando
resolver problemas, provocamos outros (facilmente ainda mais
complexos), em parte porque somos, nós mesmos, “problemáticos”.
Seria tolo tentar “resolver” cientificamente o ser humano! Não
há interdisciplinaridade que dê conta disso. Para encarar a vida
tão complexa e desafiadora, lançamos mão de todos os saberes
possíveis, mesmo contraditórios, porque a mente é capaz de abrigar
contradições, com a maior cara-de-pau. Como assevera Kurzban:
todos somos hipócritas, menos eu! A mente está repleta de “contos do
vigário”, onde matemática e fé estão no mesmo quarto disputando
supremacia, arte e quantificações forçadas se entrelaçam, sabedorias
e ignorâncias se abraçam... A interdisciplinaridade, contudo, nos dá

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

um conforto aí, ao misturar olhares diversos, também contraditórios.


Sobretudo, ela nos descortina que aprendemos da divergência, não
dos consensos. O grupo heterogêneo tem na heterogeneidade seu
trunfo, não nos encaixes comuns. Aprendemos aí mais facilmente
que vale a autoridade do argumento, não o argumento de autoridade.
Este livro trabalha como problematização de base a Lua,
uma ideia extraordinária que mostra como escola/faculdade
poderiam organizar melhor os processos formativos dos estudantes
– cada área do conhecimento tem seu lugar, pode mesmo ser
imprescindível, mas o melhor resultado é sua soma/multiplicação.
Aprender coletivamente é mais produtivo e natural, como indica a
biodiversidade; aprender da divergência é o lucro maior. Ao fundo,
está a expectativa de formar profissionais que sabem aprender dos,
e com os colegas, se autorrenovam a vida toda sob o realismo das
limitações também insuperáveis, ampliam sua leitura e observação
para facilitar pontes interdisciplinares, se interessam pelo que os
outros fazem...
Vamos curtir a Lua!

Pedro Demo

Brasília, novembro de 2016

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SUMÁRIO

Apresentação..............................................................................17
Organizadores

CAPÍTULO 1
As representações da Lua: dos povos sem escrita à Cigoli-
Galileu.......................................................................................23
Josie Agatha Parrilha da Silva, Marcos Cesar Danhoni Neves

CAPÍTULO 2
Lua na Física e na Matemática......................................................57
Marcos Cesar Danhoni Neves

CAPITULO 3
A Arte sob a luz da Lua: Antiguidade, Cristianismo e
Modernismo...............................................................................83
Giovana T. Simão

CAPÍTULO 4
A Lua no cinema de George Méliès...........................................117
Nelson Silva Júnior

CAPÍTULO 5
A influência da Lua nos organismos..........................................133
Adelive Pietrowski Baldin Margutti, Carlos Alberto de Oliveira Magalhães Júnior, Gledson Vigiano
Biancon

CAPÍTULO 6
Lua: as variações dos intervalos de tempo entre as fases principais
da Lua e as cores da Lua cheia...................................................149
Fernando Lang, Maria de Fátima Oliveira Saraiva

CAPÍTULO 7
O crateramento Lunar na Educação Básica..............................175
Michel Pereira Campos Silva, Jane Gregorio-Hetem

CAPÍTULO 8
Lua na água de Paulo Leminski: traduções intersemióticas do
poema......................................................................................193
Maria Cristina Mendes
CAPÍTULO 9
A literatura sob a luz da Lua: Poesia, Literatura Infantil, Romantismo
e Contos...................................................................................209
Anderson Pedro Laurindo, Elisangela Cordeiro

CAPÍTULO 10
Uma Lua tridimensional pela anamorfose...............................235
Marco Antonio João Fernandes Junior, Josie Agatha Parrilha da Silva, Marcos Cesar Danhoni Neves

CAPÍTULO 11
Lua: técnicas e produções artística............................................253
Josie Agatha Parrilha da Silva, Luzita Erichsen

CAPÍTULO 12
Arte, Ciência e Astronomia na formação interdisciplinar do professor
de Artes Visuais: notas de um percurso.....................................283
Pedro Luiz Padovini

EPÍLOGO...............................................................................301
Organizadores

SOBRE OS AUTORES...........................................................304

Índice remissivo de palavras................................................................315


ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

APRESENTAÇÃO

O livro aqui apresentado resultou da pesquisa de Pós-


Doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação
para a Ciência da Universidade Estadual Júlio de Mesquita, campus
de Bauru (UNESP-BAURU) no Programa Nacional de Pós-
Doutorado da CAPES - PNPD/CAPES.
A proposta foi desenvolver uma pesquisa interdisciplinar ligada
às áreas de Ciência (Física- Astronomia) e Arte (Artes Visuais) com
foco na formação de professores. O tema escolhido para desenvolver
efetivação deste trabalho (a partir de um curso de extensão para
formação de professores) foi a Lua. O curso foi denominado Arte e
Ciência na Lua: projetos educativos interdisciplinares na prática docente
a partir do tema Lua, mas tornou-se conhecido como Arte e Ciência
na Lua.
O curso Arte e Ciência na Lua realizou-se entre os meses de
maio a agosto de 2016, a partir de uma parceria entre a UNESP-
Bauru e a Diretoria de Ensino de Bauru (Secretaria de Educação).
Contou com a participação de professores /pesquisadores de
diferentes áreas que contribuíram com o material teórico-prático
e atuação docente no curso e foi oferecido a professores da rede
pública estadual de ensino das áreas de Ciências, Artes Visuais e
Geografia (professores/participantes)
Os resultados da pesquisa e do curso foram editados em
dois livros. O primeiro, Arte e Ciência na Lua: interdisciplinaridade
e formação de professores, relata a todo o processo desenvolvido na
pesquisa, em especial, focando nos resultados referentes à formação
interdisciplinar dos professores no decorrer do curso. O segundo, que
é aqui apresentado, é o resultado do material organizado no decorrer
da pesquisa para dar suporte teórico-prático ao curso realizado.
A maioria dos capítulos foram elaborados exclusivamente para
o curso. Em alguns casos, sofreram alterações, pois, no decorrer
da pesquisa, incluíram-se questões ulteriores que se mostraram
necessárias para o aclaramento de conteúdos. Apenas um dos
capítulos foi organizado com base em material anteriormente
publicado. Por fim, inserimos um capítulo elaborado por um
dos participantes do curso e que indica o percurso pedagógico
desenvolvido. Na sequência a síntese dos doze capítulos:

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Capítulo 1- As representações da Lua: dos povos sem escrita a Cigoli-


Galileu, de Josie Agatha Parrilha da Silva e Marcos Cesar Danhoni
Neves. Apresenta o tema Lua como foi abordado no decorrer
da história da Astronomia. Reporta-se aos estudos, pesquisas e
representações da Lua dos povos de diferentes épocas. O recorte
realizado foi dos povos sem escrita ao Renascimento - como marco, a
representação da Lua realizada por Lodovico Cardi, o Cigoli (1559-
1613), que representou a Lua a partir das observações telescópicas
que partilhou com seu amigo Galileu Galilei (1564-1642). Enfim,
apresenta o percurso histórico de estudos astronômicos sobre a Lua.
Capítulo 2 - A Lua na Física e na Matemática é de autoria
de Marcos Cesar Danhoni Neves. O autor se propõe a apresentar,
mediante recortes históricos, alguns marcos fundamentais para o
cálculo das distâncias Terra-Lua, Terra-Sol, além da descrição de
um instrumento astronômico complexo encontrado nos restos de
um naufrágio de um navio grego próximo à ilha de Antikythera,
além da construção de um relógio ou mostrador lunar, encerrando
um conhecimento completo do fenômeno da lunação aliado à sua
função calendrical (relógio).
Capítulo 3- Arte sob a luz da Lua: Antiguidade, Cristianismo
e Modernismo, de Giovana T. Simão. Propõe uma discussão sobre
a representação da Lua na História das Artes Visuais. Para isso
apresentou como foi sua representação no decorrer de diferentes
períodos históricos e, em cada um destes, mostrou que a Lua
possui um significado diferenciado. A autora estabelece relação da
apresentação da Lua nas Artes Visuais com outras áreas artísticas,
enfatizando o valor romântico que em algumas áreas lhe é atribuído.
Capítulo 4 - A Lua no cinema de George Méliès, de Nelson Silva
Júnior. O autor expõe a discussão sobre como o tema Lua aparece
no cinema. Para isso reporta-se aos filmes produzidos pelo cineasta
George Méliès e como a Lua era representada em seus filmes. A
Lua é um tema que aparece com frequência no cinema e apresenta
o imaginário da literatura e da ficção científica. Enfim, foi um dos
temas que serviu para várias produções cinematográficas a partir de
diferentes interpretações e representações.
Capítulo 5- A influência da Lua nos organismos, de autoria de
Adelive Pietrowski Baldin Margutti, Carlos Alberto de Oliveira

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Magalhães Júnior e Gledson Vigiano Bianconi. Oferece diversas


questões sobre a relação da Lua com a Terra. Em especial, os autores
reportaram-se à influência gravitacional da Lua em relação às marés
e às relações diretas das fases da Lua nos organismos. Pontuou
questões científicas da influência da Lua, desmistificando certas
crenças que permeiam o imaginário popular.
Capítulo 6- Lua: as variações dos intervalos de tempo entre as
fases principais da lua e as cores da lua cheia, de Fernando Lang e
Maria de Fátima Oliveira Saraiva. Foi elaborado a partir de dois
artigos sobre o tema Lua: As Variações dos Intervalos de Tempo entre
as Fases principais da Lua e As cores da Lua cheia, ambos publicados
em revistas da área de ensino de Física. Realizou-se um recorte
abrangendo questões como as fases da Lua, a órbita Terra-Lua e,
ainda, sobre a discussões acerca da cor da Lua.
Capítulo 7- O Crateramento Lunar na Educação Básica, de
autoria de Michel Silva e Jane Gregório. Discute a observação da Lua
por meio do telescópio, destacando a importância deste instrumento
para construir um novo modelo cosmológico, como apresentado
por Galileu Galilei. Apresenta uma proposta experimental para
desenvolver observações da Lua a olho nu e com o uso do telescópio.
Por fim, apresenta questões sobre o processo do crateramento lunar.
Capítulo 8- Lua na água de Paulo Leminski: traduções
intersemióticas do poema, de autoria de Maria Cristina Mendes.
Discute as possibilidades de se estabelecerem relações entre
diferentes linguagens fundamentadas no tema Lua. Apresenta uma
destas possibilidades: o poema de Leminski sobre o tema Lua a
partir de três recriações - um vídeo texto; o trecho de um filme e uma
experiência ótica. Tais possibilidades configuram como a Arte pode
propiciar diferentes relações e interpretações na contemporaneidade.
Capítulo 9- A literatura sob a luz da Lua: Poesia, Literatura
Infantil, Romantismo e Contos, de autoria de Anderson Pedro
Laurindo, Elisangela Cordeiro. Delineia o tema Lua na literatura
brasileira, percorrendo os romances, contos, poemas, lendas e a
literatura infantil. Confirma que o tema está representado em obras
de diferentes gêneros e períodos da literatura brasileira.
Capítulo 10- Uma Lua tridimensional pela técnica da
Anamorfose, de Marco Antonio João Fernandes Júnior, Josie Agatha

19
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Parrilha da Silva e Marcos Cesar Danhoni Neves. Contempla


algumas questões teóricas e práticas sobre a anamorfose a partir do
tema Lua. Detalha a construção passo-a-passo de duas propostas de
construções anamórficas da Lua: a oblíqua e a cilíndrica.
Capítulo 11- Lua: técnicas e produções artísticas, de autoria de
Josie Agatha Parrilha da Silva e Luzita Erichsen. Menciona questões
teórico-práticas presentes em algumas técnicas artísticas - algumas
foram realizadas no decorrer do curso Arte e Ciência na Lua, outras,
desenvolvidas pelos professores participantes do curso.
Capítulo 12 - Arte, Ciência e Astronomia na formação
interdisciplinar do professor de Artes Visuais: notas de um percurso,
de Pedro Luiz Padovini. Enuncia questões sobre a relação entre
Educação Básica, formação de professores e o ensino escolar.
O foco foi a formação do professor de Arte a partir de uma
possibilidade interdisciplinar. Descreve o percurso desenvolvido no
curso Arte e Ciência na Lua, em especial nos aspectos relacionados
à interdisciplinaridade, à relação Arte e Ciência e às metodologias
desenvolvidas.
A construção/elaboração de todo esse material possibilitou
intensas trocas entre os professores/ministrantes, colaboradores,
professores/participantes e pesquisadores. Possibilitou, ainda, uma
vivência interdisciplinar ímpar a partir de um tema abrangente e
comum ao nosso cotidiano: a Lua.
A proposta que aqui trazemos, além do perfil interdisciplinar
que abriga, destaca a importância da construção da pesquisa
teórico-prática que ocorreu no próprio curso Arte-Ciência na Lua.
Os professores/pesquisadores em contato com os professores/
participantes construíram e reconstruíram um material inédito que
poderá servir como referência para outros estudos não somente
sobre o tema Lua, mas para outros temas potencialmente inter e
transdisciplinares.
A presente obra constitui-se, pois, num marco para a proposta
de novas leituras, observações, dinâmicas que busquem a construção
de propostas interdisciplinares a partir da relação entre Arte e Ciência,
estendendo-a para as mais diferentes áreas do conhecimento humano,
recuperando suas potencialidades como ensino, pesquisa e extensão.

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CAPÍTULO 1
AS REPRESENTAÇÕES DA LUA: DOS POVOS
SEM ESCRITA À CIGOLI-GALILEU
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

1. AS REPRESENTAÇÕES DA LUA: DOS POVOS SEM


ESCRITA À CIGOLI-GALILEU

Josie Agatha Parrilha da Silva1


Marcos Cesar Danhoni Neves2

Introdução
A Lua foi observada de forma sistemática por todas as
civilizações. Foi estudada, fotografada, pintada um sem-número de
vezes. Todos nós já a observamos a olho nu ou com instrumentos:
binóculos, lunetas astronômicas. A Lua aparece como tema de
Ciências/Astronomia na literatura, cinema, Arte, entre outras
áreas de conhecimento. Hoje, século XXI, dispomos de potentes
instrumentos óticos e de grande resolução que nos dão uma ótima
visão desse satélite.
E, na Pré-História (povos sem escrita), Antiguidade, Idade
Média, como era observada e representada a Lua? Esta é uma das
questões que iremos discutir neste capítulo que tem como objetivo
traçar o percurso histórico-didático sobre estudos e imagens
realizadas sobre a Lua até a representada por Lodovico Cardi, o
Cigoli (1559-1613).
No decorrer do texto apresentaremos um recorte sobre a
Astronomia de alguns povos e imagens de suas representações
astronômicas, em especial, ligadas ao tema Lua. Para iniciar
mostraremos estudos, pesquisas e representações da Lua, dos povos
de diferentes épocas: do período anterior à escrita, da Antiguidade,
da Idade Média, da Modernidade até à representação da Lua de
Cigoli. Essa Lua craterada foi elaborada a partir de observações
telescópicas que Cigoli partilhou com seu amigo Galileu Galilei
(1564-1642).
1
Docente do Departamento de Artes da Universidade Estadual de Ponta Grossa e
atua no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Educação Matemática-
PPGECEM - UEPG e no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e
Tecnologia (PPGECT) da UTFPR, campus de Ponta Grossa.
2
Docente do Departamento de Física e do Programa de Pós-Graduação em
Educação para a Ciência e a Matemática – PCM-UEM. Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências e Tecnologia (PPGECT) da UTFPR, campus de Ponta Grossa.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Entre as conclusões destacamos que esse satélite, chamado


agora Lua de Cigoli-Galileu trouxe uma nova forma de representação,
não mais de acordo com dogmas religiosos que marcavam a época,
e, sim, como resultado de um olhar cientifico e artístico, reforçando
a relação entre Arte e Ciência que marcou o Renascimento.

Lua na Pré-história (povos sem escrita)

A Lua foi observada pelo homem desde a Pré-história (povos


sem escrita). Provavelmente era o segundo objeto considerado mais
importante a ser notado nos céus: o primeiro era o sol, que definia
o dia e a noite. Não se pode precisar em que momento o homem
se deu conta da importância da Lua para sua vida, em especial, por
ajudar a definir o tempo, datas de plantio e colheita, etc. A Lua
cheia, que iluminava a noite, era bem-vinda, pois favorecia a visão
noturna e possibilitava a caça.
Pela sua proximidade com a Terra, a Lua era o objeto
mais visível e possível de observações e interpretações mesmo
pelo homem antigo. As estrelas constituíam-se em meros pontos
luminosos para o homem daquele período, apesar da aparência das
estrelas mudarem de estação para estação. Enfim, antes da escrita,
os objetos celestes eram um recurso de leitura de céu e Terra para
as sociedades primitivas, utilizado para ajudar na locomoção,
localização e agricultura (saber quando deviam iniciar o plantio).
Aos poucos, o homem passou a fazer observações sistemáticas e
estudos sobre estes objetos celestes, nascendo, assim, a Astronomia
(estudo dos astros). (ASTRONOMIA, 2016b).
Nos objetos e instrumentos produzidos naquele período,
como máscaras, esculturas, baixos relevos e desenhos, é possível
observar a representação de objetos celestes e da própria Lua
(Astronomia, 2016b). Um exemplo de umas destas representações
mais antigas é a Lua dos Inuit (Figura 1). Os Inuit são um dos três
povos aborígenes do Canadá (conhecidos como esquimós). A Lua
iluminava durante a maior parte do ano suas terras, uma vez que o
sol era escasso, o que tornava a Lua muito significativa para eles.
(ASTRONOMIA, 2016b).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 1: Lua do povo Inuit.

Fonte: Hoskins (1997).

A representação da Lua na máscara Inuit fica evidente e a


análise sobre ela é a de que o rebordo em torno da máscara representa
o ar, os aros representam os níveis do cosmos e as penas, as estrelas.
Monumentos ligados à Astronomia comprovam esse interesse
dos povos antigos pelos astros, como, por exemplo, Stonehenge,
na Inglaterra, que data de 3.000 a 1.500 a.C. Stonehenge tem
suas pedras alinhadas com o nascer do Sol no início do verão e do
inverno. (Figura 2a e 2b). Estes foram alguns dos povos e exemplos;
contudo, muitos outros materiais ligados à astronomia e ao tema
Lua podem ser encontrados. (ASTRONOMIA, 2016b).

25
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 2a: Stonehenge (manhã de um


solstício de verão, 21 de junho de 2005). Figura 2b: Stonehenge, 2007.

Fonte: Wikipédia (2005). Fonte: Wikipédia (2007).

Lua na Antiguidade
Os povos antigos faziam estudos e registros astronômicos. Os
estudos tinham objetivos práticos como elaborar calendários, prever
a melhor época para colheita e plantio, fazer previsões meteorológicas,
etc. Infelizmente muitos destes estudos não sobreviveram ao tempo,
ofereceremos alguns exemplos destes povos e estudos: sumérios,
egípcios, caldeus, babilônicos, gregos e chineses. Apresentaremos
alguns estudos e representações, focando, em especial, o tema Lua.
Os sumérios são conhecidos como os povos mais antigos
da humanidade. Há cerca de 5 mil anos moravam na região sul da
Mesopotâmia. Desenvolveram a escrita e se destacaram em diversas
áreas: Arquitetura, Arte e Astronomia. Foram os primeiros a criar
um calendário. O calendário lunar foi sintonizado com o ano solar
(estações) por intercalação de um mês bissexto em certo número de
anos. Utilizavam as fases da Lua, contando 12 meses lunares de um
ano. [Ver símbolo sumério-Figura 3]. (Wikibooks, 2016).
Os sumérios produziam um artefato que se constituía
numa espécie de documento em pedra destinado à delimitação
de um pedaço de terra durante o período de dominação Kassita
na antiga Babilônia, entre os séculos XVI e XII a.C. Este artefato,
o Kudurru, apresentava um texto em caracteres cuneiformes e
algumas representações, entre as quais havia imagens divinas (o
disco do deus-sol Shamash, o crescente do deus-lua Sin e a estrela
de oito ponta de Ishtar, deusa do amor e da guerra, entre outros).

26
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Provavelmente, estas imagens teriam a finalidade de proteger o


contrato que havia sido realizado e apresentava uma maldição para
aqueles que ousassem remover, destruir ou quebrar o contrato
realizado. [Figura 4a e4b]. (Wikibooks, 2016).
Os egípcios não deixaram muitos registros de interesse para
a Astronomia, apesar de as pirâmides construídas entre 2.627 e
2.530 a.C. possuírem muitas características associadas a dados
astronômicos. O maior legado dos egípcios foi o seu calendário,
que, mesmo não sendo tão preciso quando o nosso, previa um
ano de 365 dias, dividido em 12 meses, cada um com trinta dias
(gerava uma sobra de 5 dias que fazia com que o calendário civil
dos egípcios não coincidisse com o calendário solar). Mais tarde
os egípcios conseguiram ajustar o calendário. Contudo, eles não se
preocupavam muito com os dados lunares, pois utilizavam relógios
solares (dia) e relógios de água (noite). (Figura 7) (RICARDO,
2014).
Um dos calendários mais famosos dos egípcios é o Zodíaco
de Dendera. É a representação mais fiel dos céus datada da época.
(Figuras 5, 6a e 6b). Em destaque uma representação do eclipse
lunar. (Figura 6b).
Os caldeus3 observaram que a Lua não tinha luz própria e
que era o astro mais próximo da Terra. Constataram que os seus
eclipses4 aconteciam quando a Terra projetava um cone de sombra
no espaço e que podia ser observado na superfície da Lua. [Figura
8] (Astronomia Viva, 2013).

3
Povo que viveu na Mesopotâmia cerca de 2.000 a.C. e dominou as regiões da
Babilônia e Assíria até o ano 539 a.C. Os sacerdotes caldeus eram magos, que
acreditam na força da astrologia (In: sachttp://www.astropt.org/2014/04/09/
tetrade-de-eclipses-lunares/).
4
Eclipse lunar: a Terra se interpõe entre o Sol e a Lua e projeta sua sombra nesta
última.

27
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 3: Sol e Lua crescente. Símbolo sumério da união cósmica do Sol e da Lua.

Fonte: Symboldictionsary (2016).

Figura 4a: Kudurru. 1250-1100 Figura 4b: Reprodução do Kudurru


a.C. Marco de Propriedade. Museu em construção.
Britânico, Londres.

Fonte: British Museum (2016). Fonte: Arquivo dos autores.

28
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 5a: Zodíaco de Dendera, Figura 5b: Recorte do Zodíaco de


Louvre. Dendera (datas do eclipse lunar).

Fonte: Portal do Astronomo (2016). Fonte: Portal do Astronomo (2016b).

Figura 6a: Contorno dos desenhos do Figura 6b: Zodíaco de Dendera


Zodíaco de Dendera. (reprodução em cores).

Fonte: Portal do Astronomo (2016a). Fonte: Arquivo dos autores.

Figura 7: Relógio d´água egípcio.

Fonte: Vilelo (2016).

29
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 8: Tétrade de Eclipses da Lua

Fonte: Costa (2015).

Os babilônicos foram grandes estudiosos da Astronomia e


seus conhecimentos foram preservados em escritos em pedra. A
pedra Enuma Anu Enlil possui vários destes conhecimentos ligados
à Astronomia e foi finalizada no ano de 900 a.C. (Figura 9). O
corpo celeste mais citado nestes escritos é a Lua.
O calendário babilônico era lunar, pois o ciclo da Lua era
muito importante para eles, mas como ele não era perfeito, foi
necessário realizar ajustes. Apenas no século V a.C. conseguiram
ajustar adequadamente seu calendário lunar (ano lunar com 354
dias e o solar com 365,5 dias).
O calendário foi dividido em quatro períodos correspondentes
às quatro fases da Lua, sendo que esta divisão em períodos de sete
dias deu origem às semanas. O nome dos dias da semana são fruto
do nome do objeto celeste adorado em cada dia na Babilónia [Figura
10]. (Astronomia Viva, 2013).

30
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 9: Enuma Anu Enlil. Figura 10: Dias da Semana a partir


do calendário Babilônico.

Fonte: Mesopotâmia (2016). Fonte: Astronomia Viva (2013).

Os gregos deixaram a maior quantidade de conhecimentos


de Astronomia. Realizavam estudos sobre a Terra, seus
movimentos, a organização e a movimentação dos astros em relação
a esse planeta. No decorrer dos séculos, diversos gregos fizeram
observações astronômicas e apresentaram estudos sobre a Lua. A
seguir, apresentaremos 6 destes pensadores: Pitágoras de Samos,
Anaxágoras, Aristóteles de Estagira, Aristarco de Samos, Hiparco
de Nicéia e Ptolomeu.
Pitágoras de Samos (572 - 497 a.C.) [Figura 11] apresentava
a Terra, a Lua e outros corpos celestes como esféricos. Denominou
o céu de cosmos e para ele, planetas, Sol, e Lua eram transportados
por esferas separadas da que carregava as estrelas.
Anaxágoras (500-428 a.C.) [Figura 12] era um homem
ousado. Afirmou e ensinou que o Sol era uma pedra de fogo de
tamanho superior ao Peloponeso (península ao sul da Grécia).
Pagou caro por isso, após 30ª no de cidadania ateniense foi banido da
cidade. Foi o primeiro a explicar corretamente a causa dos eclipses: a
interposição da Lua entre a Terra e o Sol.
Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.) [Figura 13] realizou
estudos e apresentou explicações sobre a Lua: as suas fases e eclipses.
A partir da observação da sombra esférica da Terra na Lua, e de
outras observações celestes, afirmou que o universo é esférico e
finito. (OLIVEIRA FILHO; SARAIVA, 2010).

31
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 11: Pitágoras (recorte - Afresco). Figura 12: Anaxágoras (pintura) 1888.

Fonte: Rafael (1509). Fonte: Wikipédia (2016).

Figura 13: Aristoteles (Aristotle. Marble, Roman copy after a Greek bronze
original by Lysippos.330 a.C.).

Fonte: Wikipédia (2016c).

32
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Aristarco de Samos (310-230 a.C.) [Figura 14] foi o primeiro


a propor que Terra se movia a redor do Sol e ao redor de seu próprio
eixo (antecipando Copérnico em quase 2.000 anos). Desenvolveu
um método para determinar as distâncias relativas do Sol e da
Lua a Terra e mediu seus tamanhos relativos. Um dos cálculos de
Aristarco, no século III a.C., referente aos tamanhos relativos da
Terra, Sol e Lua é conhecido a partir de uma cópia grega do século
X [Figura 15]. (Astronomia Viva, 2013).

Figura 14: Aristarco Figura 15: Cálculos de Aristarco no século III a.C.
(Aristarchos von Samos). (cópia grega do século X).

Fonte: Wikipedia Fonte: Wikipédia (2016d).


(2016b).

Hiparco de Nicéia (190-120 a.C.) [Figura 16] construiu


um observatório a olho nu na ilha de Rodes, onde fez observações
durante o período de 147 a 127 a.C. Entre os resultados de suas
observações, destacamos: catálogo com a posição no céu e a
magnitude de 850 estrelas; deduziu corretamente a direção dos
polos celestes, e até mesmo a precessão (variação da direção do eixo
de rotação da Terra devido à influência gravitacional da Lua e do
Sol). Hiparco também deduziu o valor correto de 8/3 para a razão
entre o tamanho da sombra da Terra e o tamanho da Lua e também
que a Lua estava a 59 vezes o raio da Terra de distância (o valor
correto é 60). (Astronomia Viva, 2013).
Ptolomeu (85-165 d.C.) [Figura 17] compilou treze livros
sobre astronomia, reunidos no Almagesto (na verdade, este nome

33
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

vem de uma corruptela do árabe que chamou esta obra de His


Magisti Sintaxe – a Maior Síntese – depois conhecida por His
Magisti e, finalmente, Al Magisti – A Maior (obra)), com grande
parte do conhecimento sobre a astronomia na Grécia. Foi dele a
representação geométrica do sistema solar, com círculos, epiciclos e
equantes, que permitiam predizer o movimento dos planetas com
considerável precisão, e que foi usado até o Renascimento no século
XVI [Figuras 18a e 18b]. (Astronomia Viva, 2013).
Além destes importantes personagens da Astronomia,
ressaltamos um importante instrumento astronômico criado pelos
gregos, trata-se da Máquina de Antikythera.

Figura 16: Hiparco. Retrato Figura 17: Ptolomeu. Representação


de Hiparco do frontispício de de Ptolomeu publicado no livro Les
cosmographical. 1559. vrais pourtraits et vies des hommes
illustres grecz, latins, et payens recueilliz
de leurs tableaux livres et medalles
antiques, et modernes de Andre Thevet.
Paris, 1584.

Fonte: Hellinon (2016).

Fonte: Wikipedia (2016i).

34
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 18a: Modelo Geocêntrico de Figura 18b: Modelo Geocêntrico de


Ptolomeu (llustration med Jorden i Ptolomeu simplificado.
centrum J. van Loon, Amsterdam,
1660).

Fonte: Wikipédia (2016h). Fonte: Júlia (2014).

Este instrumento foi encontrado junto com outros objetos


no fundo do mar próximo à ilha grega de Antikythera, no ano de
1901. Posteriormente, estes objetos (ânforas, estátuas, etc.) foram
trazidos a terra e analisados. Os objetos foram datados de 87 a.C.
O instrumento estava muito corroído e incrustado, mas, após uma
análise detalhada, descobriu-se que se tratava de um objeto movido
a engrenagens, com rodas dentadas, o que parecia impensável para
um tempo tão remoto. Parecia um relógio mecânico [Figura 19a e
19b]. (FREETH, 2006).
O aparelho foi estudado meticulosamente pelo físico Derek
de Solla Price. Era capaz de indicar eventos astronômicos passados
ou futuros, como, por exemplo, as lunações, indo de uma Lua cheia
à outra seguinte. As inscrições no mostrador se referiam a divisões
do calendário - dias, meses e signos do zodíaco. O professor supôs
que deveria haver ponteiros que girassem para indicar as posições
dos corpos celestes em períodos diferentes. Deduziu-se, ainda, por
análises realizadas por raio X, que a roda dentada maior representava
o movimento do Sol e que uma volta correspondia a um ano solar.
Uma outra engrenagem, conectada à primeira, representava o
movimento da Lua, demonstrando a proporção entre o número de
dentes nas duas rodas e que deveria refletir o conceito dos gregos
antigos sobre a órbita lunar ao redor da Terra. (FREETH, 2006).

35
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Em junho de 1959, Price publicou um artigo sobre o


mecanismo na Scientific American enquanto o mecanismo estava
apenas sendo inspecionado. Em 1971, o pesquisador submeteu
o mecanismo a uma análise com o auxílio de raios gama. Os
resultados confirmaram que se tratava de um aparelho similar a um
computador astronômico. (FREETH, 2006).
Estudos posteriores no final do século passado, incluindo
algumas reconstruções do aparelho, mostravam que, quando o
usuário girava o botão, as engrenagens de pelo menos 30 rodas
dentadas ativavam três mostradores nos dois lados do aparelho, o
que permitia que o usuário previsse ciclos astronômicos - incluindo
eclipses - em relação ao ciclo de quatro anos dos Jogos Olímpicos
e outros jogos pan-helênicos [Isso no ano 87 a.C.]. (FREETH,
2006).

Figura 19a: Máquina de Antikythera. Figura 19b: Esquema do mecanismo


da Máquina de Antikythera.

Fonte: Wikimedia (2016a).

Fonte: Wikimedia (2009a).

A astronomia chinesa foi ligada à religião e astrologia.


Infelizmente, o conhecimento desse povo não foi preservado, pois,
em 213 a.C., todos os livros foram queimados por decreto imperial.
O pouco material que restou demonstra que os chineses previam os

36
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

eclipses e usavam um calendário de 365 dias. Em torno do ano de


300 a.C. os chineses conheciam a posição de 1.464 estrelas, e, em
28 a.C., já haviam registrado manchas solares, ao observar o Sol
através de finas lâminas de jade. Um dos exemplos de representação
de constelações chinesas é o mapa de Dunhuang da dinastia Tang
(região polar norte), datado entre 705-710, que apresenta três
diferentes constelações [Figura 20]. Astronomia Viva, 2013).
Figura 20: Mapa de Dunhuang (Constelações chinesas) 705-710.

Fonte: Wikipédia (2016g).

A Lua na Idade Média


A Astronomia árabe teve grande destaque na Idade Média.
Foram criados três centros de Astronomia entre os séculos IX e XII.
O primeiro, casa da sabedoria, na região de Bagdá, criada pelo Califa
Abbasid (Ciência como uma forma de louvar a Alá).
O segundo centro de investigação foi criado no Cairo.
Destacou-se nestes, o físico óptico islâmico, Alhazen (986-1039),
que deu continuidade aos conhecimentos de óptica de Aristóteles e
Ptolomeu. Alhazen dissecou olhos de animais e desenvolveu a teoria
da formação da imagem no olho, fez experimentos com câmara
escura e com lentes [Figura 21]. (Astronomia, 2016c).

37
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 21: Alhazen ou Ibn Al-Haytham (965-1040).

Fonte: Wikipédia (2016a).

O terceiro centro localizava-se no sul de Espanha. Neste,


destacou-se o astrônomo Arzaquel que fez observações e desenvolveu
métodos matemáticos de cálculo das trajetórias dos planetas. O
trabalho de observação nos três observatórios ao longo dos séculos
serviu para acumular dados das posições dos astros com grande
precisão. (Astronomia, 2016c.).
Ibn al-Shatir, também um astrônomo árabe, desenvolveu
um modelo de órbita, que mantinha a Terra no centro e continha
epiciclos [Figura 22]. (Astronomia, 2016c.).
Figura 22: Modelo de revolução lunar de Ibn al-Shatir.

Fonte: Astronomia (2016a).

38
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Em relação à Astronomia europeia, diferentemente da que se


desenvolvia no oriente, não era tão valorizada e apoiada, em especial,
pelas restrições religiosas e científicas impostas pela Igreja Católica.
Ao mesmo tempo em que a Igreja restringia a forma de
pensar das pessoas comuns, coibindo interpretações teológicas, na
educação universitária havia mais liberdade de pensamento, uma vez
que todos os professores universitários eram clérigos. A Astronomia
tinha lugar de destaque no curriculum universitário da Idade
Média, que era essencialmente constituído por quatro Ciências
que tomavam o nome de Quadrivium: Astronomia, Geometria,
Aritmética e Música. (SILVA; DANHONI NEVES, 2010).
Não houve grandes descobertas astronômicas na Idade Média,
houve apenas aperfeiçoamento do modelo existente. A ideia aceita e
propagada era a velha ideia aristotélica de que a Terra estava imóvel
no centro do Universo. Assim, o sistema geocêntrico desenvolvido
por Aristóteles e Ptolomeu era apenas repassado.
A Lua na Idade Moderna
A Astronomia da Idade Moderna manteve a tradição da
teoria cosmológica de Ptolomeu com a doutrina de Aristóteles.
Muitos questionamentos surgiram com as grandes navegações
e o conhecimento de continentes antes desconhecidos. Estes
questionamentos, inclusive sobre o modelo geocêntrico, foram
reprimidos pela Igreja. (SILVA; DANHONI NEVES, 2010)
Nicolau Copérnico (1473-1543) [Figura 23] astrônomo
polonês, recuperou o modelo heliocêntrico proposto pelos
gregos, o qual foi apresentado, em 1543, em sua obra máxima De
Revolutionibus Orbium Coelestium (Das Revoluções dos Corpos Celestes).
A tese de Copérnico era a de que todos os planetas, inclusive a Terra,
giravam em torno do Sol. [Figura 24a e 24b]. Sua obra marca o
início da Revolução científica. (SILVA; DANHONI NEVES, 2010).

39
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 23: Copérnico (Nicolaus Copernicus).

Fonte: Wikipédia (2016e).

Figura 24a: Universo Heliocêntrico. Figura 24b: Modelo heliocêntrico


(desenho de Copérnico). De
Revolutionibus, 1543.

Fonte: Wikipedia (2016j).

Fonte: Encickopedija (2016).

40
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Tycho Brahe (1546-1601) [Figura 25] apresentou um modelo


conciliatório entre o ptolomaico e o copernicano. Neste modelo a
Terra era imóvel, localizada no centro do Universo, mas os planetas
Mercúrio, Vênus, Marte, Saturno e Júpiter giravam em torno do
Sol e, levados por este, em torno da Terra. Estudou em detalhes as
fases da Lua. [Figura 26]. (SILVA; DANHONI NEVES, 2010).

Figura 25: Ender. Tycho Brahe. Figura 26: Universo de Tycho Brahe
Pintura. (esboço de Andreas Cellarios a partir
da hipótese de Brahe).

Fonte: Cellarius (2016).

Fonte: Ender (2016).

Johannes Kepler (1571-1630) [Figura 27] - defendeu o


modelo heliocêntrico apresentado por Copérnico, desde que fossem
usados elipses ao invés dos círculos descritivos das trajetórias dos
planetas. (Figura 28) Foi assistente do maior gênio observacional
de todos os tempos, Tycho Brahe, do qual acabou por utilizar suas
medidas do céu realizadas a olho nu.
Kepler realizou um ensaio no qual propôs uma teoria baseada
em forças para o movimento da Lua: In Terra inest virtus, quae Lunam
ciet (Há uma força na Terra que faz com que a Lua se mova). O
ensaio apresentou um novo método para mensurar eclipses lunares.
(SILVA; DANHONI NEVES, 2010).

41
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 27: Johannes Kepler, 1610. Figura 28: Modelo de universo de Kepler.

Fonte: Wikipedia (2016f). Fonte: Britannica (2016).

A Lua de Galileu E Cigoli


Em um restauro realizado em 1931 na cúpula da Capela
Borguese (Paolina) da Basílica Papale di Santa Maria Maggiore, em
Roma (Itália), ficou evidente a representação de uma Lua craterada.
Esta Lua está aos pés da Madonna5 (Nossa Senhora), numa
representação comum da iconografia cristã. Porém, o incomum para
a época era esta figura imaculada apoiar-se numa lua craterada, pós-
copernicana e, obviamente, maculada, muito diferente, pois, da Lua
perfeita, lisa e esférica, apresentada anteriormente na iconografia cristã.
O afresco com a Lua craterada foi resultado da amizade
entre Cigoli e Galileu (Figuras 29 e 30), uma vez que partilharam
conhecimentos científicos que contribuíram para essa nova
representação artística. Os dois eram grandes amigos desde os
tempos de Accademia Del Disegno, em Florença.
5
Será utilizada a denominação Madonna para a figura da Virgem Maria que
se encontra no afresco na cúpula da Basílica de Santa Maria Maggiore, a obra é
denominada pelo autor, Cigoli, como “La Vergine Immacolata e gli Apostoli”.

42
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Quando Lodovico foi executar diversos trabalhos em Roma,


especialmente sua última obra, a pintura da cúpula, houve uma
intensa troca de correspondência entre os dois personagens (de 1609
a 1613). São 31 cartas que chegaram até nós. Destas, somente duas
eram de Galileu para Cigoli. (Ver: DANHONI NEVES, NARDI,
SILVA. O carteggio Cigoli-Galileo6: a troca de correspondência
entre o artista de Florença e o físico de Pisa, 2015).
Como Galilei estudou pintura, pôde realizar com grande
precisão esboços acerca da composição e dos movimentos da
Lua, dos planetas e do Sol (Figura 31 e 32). Boa parte do que foi
observado, foi registrado tanto em desenho quanto em aquarelas,
além de aperfeiçoar o telescópio, o qual era denominado por ele de
perspicillum (tubo de perspectiva- ver Figura 33). Galileu só conseguiu
observar aquilo que seriam as novas descobertas telescópicas (os
4 satélites de Júpiter, a Lua craterada, as nebulosas, as fases de
Vênus, a estranha morfologia do planeta Saturno), graças à sua
mente moldada pela perspectiva nos anos da Accademia Del Disegno
e de amizade com grandes artistas de sua época e que marcaram
presença na História da Arte do Renascimento (Cigoli, Passignano,
Coccapani entre outros). (SILVA; DANHONI NEVES, 2015).
Em 1610, Galileu Galilei, após pacientes observações
realizadas com um tubo de perspectiva (perspicillum), aprimorado de
pequenos telescópios refratores trazidos recentemente à Veneza por
mercadores holandeses, publica o livro Sidereus nuncius - Mensageiro
das estrelas. (SILVA; DANHONI NEVES, 2015). Em relação à
Lua, Galileu concluiu que
- a Lua não era lisa, mas rugosa, possuindo grandes
montanhas. Aqui na Terra eram já conhecidas as violentas
forças produtoras de montanhas: o Vesúvio, o Stromboli,
o Etna, Campi Flegrei; eram alguns dos grandes vulcões
ativos da Itália e delineadores de novos relevos ao longo dos
séculos.

6
No livro utilizamos o nome original em italiano: Galileo Galilei.

43
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 29: Lodovico Cardi Figura 30: Domenico Cresti (Passignano).


(autorretrato). Retrato de Galileu Galilei. 1642.

Fonte: Silva; Danhoni Neves (2015, Fonte: Silva; Danhoni Neves (2015,
p.28). p.85).

O detalhe da obra de Cigoli são as crateras contidas na Lua:


as mesmas crateras como observadas e apresentadas por Galileu
Galilei em seu Sidereus nuncius. As imagens que se seguem ilustram
a cúpula como um todo (Figura 34) e a imagem da Virgem, ou
Madonna como a chamaremos a partir de agora, com a Lua aos seus
pés (Figura 36), nos artigos a imagem é conhecida como A Assunção
da Virgem. Localizamos uma imagem com mais detalhe, contudo
está em preto e branco e em posição invertida (Figura 35).
O livro O Codex Cigoli-Galileo: Ciência, Arte e religião num
enigma copernicano apresenta uma extensa e detalhada análise na
Madonna de Cigoli,. Mostraremos alguns pontos relevantes da
análise iconográfica. A partir desta análise, inferimos que a Madonna
de Cigoli representa uma mulher, mas não uma mulher qualquer e,
sim, a figura descrita na Bíblia como a mãe de Jesus, o filho de
Deus. Para os católicos é chamada de Virgem Maria.
Entre os dogmas marianos, dois relacionam-se à Madonna de
Cigoli: Imaculada Conceição e Assunção. O dogma da Imaculada
Conceição refere-se à Maria não ter o pecado original, pecado

44
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

comum a todos os seres humanos, pois é concebido por uma relação


sexual (o pecado original veio de Adão e é transmitido de geração
em geração pela relação sexual). (SILVA; DANHONI NEVES,
2015).
A doutrina da Assunção de Maria teve início no Império
Bizantino, por volta de século VI. O dogma da Assunção fazia parte
da tradição oral na época da pintura, mas a Assunção de Maria
transformou-se realmente em dogma da Igreja Católica Romana
apenas em 1950, com o Papa Pio XII.(SILVA; DANHONI NEVES,
2015).

Figura 31: A Lua galileana. Figura 32: Aquarelas de Galileu e detalhe de


dois de seus desenhos que aparecem no livro
Sidereus nuncius.

Fonte: Silva; Danhoni Neve (2015, p. 248).

Figura 33: O telescópio galileano sobre uma


folha do livro Sidereus nuncius.

Fonte: Silva; Danhoni Neves; Silva (2015, p.


248).
Fonte: Silva; Danhoni Neves
(2015, p. 240).

45
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 34: A cúpula de Santa Maria Maggiore, Figura 35: Detalhe da


Roma. Madonna de Cigoli.

Fonte: Silva; Danhoni Neves (2015, p. 28).

Fonte: Silva; Danhoni Neves


(2015, p.33).

Figura 36: Cigoli. Madonna. 1910-1913. Cúpula da Capela Borguese (Paolina).


Basílica Papale di Santa Maria Maggiore. Roma.

Fonte: Silva; Danhoni Neves (2015, p. 37).

46
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

As doze estrelas que compõem a coroa podem ter diferentes


representações, pois esse número era muito utilizado pelos
judeus e cristãos: às doze tribos de Israel; aos doze apóstolos que
acompanharam Jesus em sua vida terrena, ou, simplesmente, aos
doze meses do ano. O cetro, que é um objeto utilizado por monarcas,
pode reportar-se ao fortalecimento da imagem da Madonna como
rainha dos céus. (SILVA; DANHONI NEVES, 2015).
Um primeiro olhar sobre a imagem, conhecendo as questões
apresentadas pela Igreja Católica, em uma das quais a imagem
se encontra, é possível afirmar que a cena representa a subida da
virgem Maria aos céus – uma representação muito importante para
a Igreja católica.
Apesar de alguns artigos apresentarem a Madonna de Cigoli
como a Assunção da Virgem, outros apontam tratar-se da cena de
Apocalipse 12, 1. Acreditamos tratar-se de tal cena, especialmente
ao analisarmos a imagem da Virgem com os pés sob a Lua e pela
figura do dragão logo abaixo. Enfim, a partir desta análise, pode-
se asseverar que o tema bíblico se refere ao Apocalipse. (SILVA;
DANHONI NEVES, 2015).
Para finalizar, nos reportamos às ideias apresentadas no livro O
codex Cigoli-Galileo: Ciência, Arte e religião num enigma copernicano
(2015, p. 321):

a) Cigoli é um artista reconhecido em toda a Itália;


b) Galileo é um renomado cientista, autor de uma obra
monumental: o Sidereus nuncius;
c) Cigoli recebeu a encomenda do papa Paolo V para sua
capela da Basílica Papal Santa Maria Maggiore para uma
‘Madonna Assunta’;
d) Cigoli está em contato direto com Galileo, observando
a Lua, o Sol, acompanhando as descobertas científicas e
ilustrando suas próprias observações telescópicas para o
amigo;
e) Cigoli e Galileo defrontam-se com críticas, intrigas,
invejas, que vinham de vários ambientes: eclesiástico no caso
de Galileo, e de artistas, no caso de Cigoli;

47
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

f) Cigoli vivencia um momento de transição de estilos


artísticos: quase tudo era aceito, não havia necessidade de
manter os padrões clássicos renascentistas;
g) Cigoli relaciona-se não apenas com Galileo; participa de
um círculo de pessoas cultas em diversas áreas: médicos,
artistas, escritores, etc. Vivencia uma efervescência científica
e artística repleta de novas descobertas;
h) Cigoli não pode errar em sua Madonna: precisa agradar
ao papa, mas os artistas de sua época estão trabalhando com
alegorias, o que propicia a possibilidade de apresentar e
representar fatos e coisas com um significado oculto;
i) Cigoli utiliza a sua Madonna para apresentar as ideias de
seu tempo e as descobertas de Galileo; o mesmo fazendo o
gênio pisano com suas obras (um conseguindo o imprimatur
da Igreja e outro, a autorização para afrescar a cúpula da
capela Paolina);
j) Cigoli optou por realizar uma alegoria? Acreditamos
piamente que sim; sua Madonna não apresenta apenas
símbolos, sua Madonna encerra um Codex...

Esse Codex vai além de uma Lua craterada. A partir das


análises realizadas, desvendamos que, na obra de Cigoli:

• A Lua apresenta tridimensionalidade, propiciando um efeito


anamórfico;
• Existe uma natureza laica da figura feminina da Madonna;
• A Madonna heliocêntrica, copernicana.

Para finalizar, destacamos que a Lua, chamada agora Lua


de Cigoli-Galileu, trouxe uma nova forma de representação, não
mais de acordo com dogmas religiosos e que ia além de simples
observações. A Lua de Cigoli-Galileu, realizada a partir de
observações, estudos, esboços e novas técnicas, resultou de um
olhar científico e artístico, reforçando a relação entre Arte e Ciência
que marcou o Renascimento.

48
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

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CAPÍTULO 2
A LUA NA FÍSICA E NA MATEMÁTICA
CONSTRUINDO UM ‘RELÓGIO’ DIURNO-
NOTURNO OU UM MARCADOR HORÁRIO
LUNAR
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

2. LUA NA FÍSICA E NA MATEMÁTICA

Marcos Cesar Danhoni Neves1

Introdução
A Lua é um tema recorrente na história da Astronomia não
somente pela reduzida distância de nosso planeta e pela constância
no céu (lunação), mas porque, ao longo dos séculos, serviu como
um marcador do tempo terrestre e como fonte de inúmeras crenças,
crendices e hipóteses acerca de sua natureza e sua influência sobre os
seres animados e inanimados da Terra.
Desde cedo a humanidade aprendeu sobre a regularidade do
movimento lunar, representando-o seja nos tabletes de argila da velha
Mesopotâmia, seja nos edifícios dos Anasazi ou no monumento
megalítico de Stonehenge.
Este conhecimento sistematizado, misturado às crenças ligadas
aos ciclos sazonais, às doenças, às guerras, levaram, paulatinamente
a uma geometrização do movimento da Lua.
Dividiremos este capítulo em três momentos: I) uma história
essencial para a Lua em seu contexto maior: a própria Astronomia;
II) medidas na Antiguidade; III) construção de um marcador ou
relógio lunar para a divulgação científica.
Uma história essencial para a Astronomia de Posição
A Física nasceu na Grécia há mais de 2.500 anos, e, talvez,
o primeiro grande representante dessa ciência tenha sido Pitágoras
de Samos (572 - 497 a.C.). Ele apresentava a Terra, a Lua e outros
corpos celestes como esféricos, por semelhança. Denominou o céu
de Cosmos e, para ele, os planetas, o Sol, e a Lua eram transportados
por esferas separadas daquela que carregava as estrelas (esfera as fixas).
Outro grande nome da Antiguidade Clássica foi Anaxágoras
de Calzômena (500 - 428 a.C.). Era um homem ousado. Afirmou
1
Docente do Departamento de Física e do Programa de Pós-Graduação em
Educação para a Ciência e a Matemática – PCM-UEM. Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências e Tecnologia (PPGECT) da UTFPR, campus
de Ponta Grossa.

57
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

e ensinou que o Sol era uma pedra de fogo de tamanho superior ao


Peloponeso (península ao sul da Grécia). Pagou caro por isso, após
30 anos de cidadania ateniense foi banido da cidade. Foi o primeiro
a explicar corretamente a causa dos eclipses: a interposição da Lua
entre a Terra e o Sol.
Na recém-criada Astronomia especulativa grega, que ia além
dos meros registros das observações das posições de estrelas, sol,
planetas e Lua, o principal fator que moveu essa ciência recém-
criada foi a busca de uma teoria para explicar o movimento aparente
dos corpos celestes (basicamente o movimento planetário). Essa
cosmologia científica tinha por objetivo uma busca por uma ordem
geométrica compreensível que deveria existir sob a desordem
aparente dos errantes (os planetas), sintetizada na preocupação
fundamental de salvar os fenômenos, ou seja, explicá-los baseando-se
numa lógica ordenada e compreensível.
Nasceram assim os modelos planetários gregos, tão elaborados
que faziam inveja ao mais dedicado relojoeiro, dado à complexidade
dos mecanismos utilizados para descrever o que havia por trás da
engrenagem celeste.
Esta complexidade deveu-se fundamentalmente à adoção
da perfeição do movimento circular uniforme. Os sábios gregos
viam nesse movimento a verdadeira PERFEIÇÃO, pois era um
movimento sempre idêntico a si mesmo, e, consequentemente,
eterno e imutável.
Esse tipo de raciocínio dominou todos os movimentos
cosmológicos, de Platão a Ptolomeu, com exceção de Aristarco
de Samos. Para explicar o movimento das estrelas fixas, os gregos
adotaram um movimento circular único (um círculo único). Porém,
para os movimentos do Sol, da Lua e dos cinco planetas conhecidos
da época (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno), isso já não
era possível.
Eudoxo de Cnido, discípulo de Platão (que no Timeo afirmava
sua crença no movimento circular), elaborou um modelo mecânico
para as órbitas planetárias, batizado posteriormente de Modelo das
Esferas Homocêntricas: um modelo essencialmente geocêntrico.
Para explicar o movimento solar, imaginava uma esfera (com o

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Sol cravado nela) rotacionando sobre um eixo num período de


um ano. Essa esfera girava de oeste para leste. Uma outra esfera
(extensa àquela do Sol), a das estrelas fixas, girava num período de
um dia, no sentido leste para oeste, em torno do eixo dos polos,
distante 23,5º do eixo da esfera solar. Com esse modelo, Eudoxo
explicava muito bem o movimento aparente anual do Sol. Mas, para
explicar o movimento dos planetas, foi necessária a introdução de
várias esferas. Esse sistema, para os dados da época, era um modelo
mecânico excepcional porque estava de acordo com as posições
planetárias observadas, dando conta das observações realizadas por
instrumentos de época.
Apesar de ser um modelo bastante elaborado, o modelo de
Eudoxo não explicava a variação do brilho dos planetas, nem como
eram produzidos os movimentos das esferas. Tais falhas levaram seu
sistema cosmológico a ser abandonado.
Calipo de Cyzicus (370 – 300 a.C.) foi aluno de Eudoxo na
Academia de Platão. Também frequentou o Liceu Aristotélico, ou
seja, foi membro ativo do trio que sacudiria a filosofia ocidental
pelos mais de dois séculos seguintes até os dias atuais. Aristóteles
o menciona em seu Metafísica salientando que ele adicionara ao
seu próprio sistema (aristotélico-geocêntrico) mais sete esferas,
perfazendo um total de 34 esferas descritoras do funcionamento
do Universo, segundo a concepção grega. Calipo determinou com
precisão a duração das estações, definindo-as temporalmente de
acordo com a velocidade do sol (no sistema geocêntrico), chamando
essa diferença temporal de anomalia solar. Foi um seguidor de
Meton de Atenas e mediu, com precisão, a duração do ano,
elaborando um complexo calendário lunisolar, usando um ciclo, que
ficou conhecido como ciclo cálipico: começava com a observação do
solstício de verão do dia 28 de junho de 330 a.C. O início do ciclo se
deu com a posição estelar e a hora sideral (o tempo que uma estrela
volta a ser observada na mesma posição após um ciclo sucessivo
– aproximadamente 23h56min) de um eclipse, o que seria usado
posteriormente pelos astrônomos para calibrar suas observações nos
eclipses sucessivos. O ciclo cálipico durava 76 anos e foi usado na
Máquina de Antikythera, que descreveremos a seguir.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Em 1901, próximo à Ilha de Antikythera (Figura 1), na Grécia,


pescadores de esponjas depararam-se, a 40 metros de profundidade
com os destroços de uma antiga embarcação grega ou romana de
300 toneladas. Os destroços estavam repletos de tesouros da arte
grega: ânforas, moedas de prata, estátuas e um estranho objeto, uma
espécie de mecanismo com rodas dentadas, amalgamado à craca de
cerca de dois mil anos de submersão (Figuras 2a e 2b).
Toda a carga, ou melhor, boa parte dela foi trazida à tona e
hoje se encontra exposta permanentemente no Museu Arqueológico
Nacional de Atenas, na Grécia.
O mecanismo, que depois foi batizado de Máquina (ou
Mecanismo) de Antikythera é considerado hoje o primeiro computador
analógico da história humana. Não se sabe sua autoria, mas deve ter
sido construído por volta de 80 a.C. graças a detalhes do próprio
naufrágio (o ano em que foram cunhadas as moedas de prata
encontradas, e a determinadas inscrições no próprio mecanismo.
Figura 1: Ilha de Antikythera (Grécia)

Fonte: Biblioteca Pleyades (2016a).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figuras 2: Fragmentos do mecanismo de Antikythera (a, b).


(a) (b)

Fonte: Freeth; Jones (2012).

O grande interesse que a Máquina despertou na comunidade


científica foi, primeiro, uma estrutura mecânica com um arranjo
completo de rodas dentadas, quando se acreditava que este tipo de
mecanismo só tivesse sido concebido por Leonardo da Vinci no
Renascimento, cerca de 1500 anos após o naufrágio de Antikythera.
O mecanismo é capaz de mostrar com precisão a posição
dos cinco planetas conhecidos de época: Mercúrio, Vênus, Marte,
Júpiter e Saturno (Figuras 3).
Figura 3: O Mecanismo visualizado com suas diferentes engrenagens e rodas
dentadas (a,b).
(a) (b)

Fonte: Biblioteca Pleyades (2016b).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

O mecanismo apresenta dois painéis (frontal e traseiro). O


frontal estava dividido em 3 seções. A seção central mostrava os
cálculos das posições da Lua e dos planetas, das fases lunares com
respeito ao Zodíaco, dividido em 360o. A escala do calendário podia
girar com respeito a uma escala fixa, usando o calendário egípcio, de
365 dias por ano.
Abaixo e acima do quadrante central, estão presentes duas
partes de um calendário astronômico (parapegma), e, à direita,
existe uma manivela que permite de inserir a data. As dimensões do
mecanismo são de 315 X 190 X 100 mm (Figura 4).
Na parte posterior, abaixo de uma tampa removível, estão
presentes dois quadrantes com estrutura em espiral subdividido
nos meses lunares. Aquele superior é subdividido nos 235 meses do
Ciclo Metônico; no interior deste encontramos um quadrante que
remete ao ciclo quadrienal dos Jogos Olímpicos e um quadrante
relativo aos 76 anos do Ciclo Cálipico.
O quadrante inferior (Figuras 5) contém 223 casas relativas
aos meses de um Ciclo de Saros (ciclo de periodicidade dos eclipses =
aproximadamente de 18 anos); nestas casas estão presentes informações
relativas aos eclipses. No interior deste quadrante encontramos
um quadrante auxiliar relativo ao Ciclo de Exeligmos, utilizado
para corrigir as horas dos eclipses nos sucessivos ciclos de Saros.
Figura 4: O mecanismo reconstruído (parte frontal). Print screen de vídeo.

Fonte: Freeth (2015).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figuras 5: Parte traseira do mecanismo reconstruído e conjunto mais completo


dos fragmentos encontrados no naufrágio (a,b,c).
(a) (b)

Fonte: Wikipedia (2016). Fonte: Arquivo pessoal do autor


(montagem a partir de 2 imagens2, 2016).

(c)2

Fonte: Red Ice Tv (2016).

A máquina de Antikythera é, pois, um complexo programador


(Figuras 6a, b), ou computador analógico, que fornecia em tempo
real as complexas previsões teóricas da posição dos astros no céu,
eclipses e a conversão de horas nas diferentes regiões geográficas
2
El Pensante, 2016 e Wikimedia, 2016.

63
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

da Antiguidade Clássica. Os estudiosos acreditam que tenha sido


Posidonius a construí-lo ou alguém de sua escola de inspiração
arquimediana.
Figura 6: Concepção do uso do Mecanismo (a) e réplica instrumento desmontado
(a)

Fonte: Freeth (2009).

(b)

Fonte: Seukonitos (2009).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Para finalizar esta seção, lembramos que Aristóteles, um dos


maiores sábios da Grécia Antiga, foi aquele quem elaborou uma
teoria coesa do Universo, adotando dois postulados como premissas:
i) a Terra, situada no centro do Universo, não possuindo qualquer
espécie de movimento; ii) o Universo finito e esférico. Completou
sua teoria com uma descrição complementar da constituição básica
desse Universo. Acreditava que a matéria-prima dos Cosmos
repousava na existência de cinco elementos: éter, terra, água, ar e fogo.
Para Aristóteles, os céus, onde reinava a perfeição, era
composto pelo elemento éter, perfeito em sua essência. Os outros
quatro elementos compunham um mundo imperfeito e alterável: o
mundo sublunar.
Assim estabeleceu Aristóteles o lugar natural de cada um
desses elementos: 1. Para o Éter, os céus; 2. Para a terra e a água
(elementos que constituíam os graves, corpos pesados), o centro do
Universo; 3. Nas regiões entre a terra e o limite superior sublunar
estavam reservadas para os elementos como ar e fogo.
Acreditava também que o movimento da esfera celeste se
devia graças à existência de um Primeiro Motor, de essência divina.
A física aristotélica era brilhante, mas pecava porque,
ao espírito cientifico, faltava-lhe o método; faltava-lhe a busca
metodológica, como a conheceríamos em tempos pós-galileano, da
lógica superior que tanto havia fascinado aquele sábio. No extremo
oposto, somente um grego ousou nadar contra a corrente do
aristotelismo: Aristarco de Samos.
Medidas astronômicas na Antiguidade
Aristarco foi o primeiro a adotar a hipótese de que a Terra
possuía dois movimentos: o de rotação, responsável pelo movimento
diurno, e o de translação, responsável pelo movimento anual.
Foi também o primeiro a estabelecer um método para a
determinação da distância Terra-Sol. O método baseava-se numa
propriedade trigonométrica simples (Figura 7). Durante um quarto
minguante ou quarto crescente, a Lua descreve um ângulo de 90º
entre a Terra e o Sol, visto desde a Lua. Assim, do triângulo Sol-Lua-
Terra, podemos tirar a seguinte relação:

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

O ângulo obtido foi da ordem de 87º. Assim, conhecida a


distância Terra-Lua (calculado por Hiparco um século depois –
método que será apresentado mais adiante), era possível estimar a
distância Terra-Sol.
Aristarco imaginou corretamente um princípio de relatividade
ótica: tanto faz supor que a Terra gira sobre si mesma, no interior de
uma esfera celeste fixa, como o caso contrário.
Figura 7: Determinação da distância Terra-Sol. Elaborado pelo autor.

Fonte: Arquivo pessoal do autor (2016).

O Universo heliocêntrico de Aristarco era ousado, mas


não encontrou os ecos necessários. Não os encontrou devido aos
argumentos físicos que na época eram irrespondíveis (argumentos
que posteriormente também seriam usados contra o heliocentrismo
de Copérnico).
Esses argumentos baseavam-se no enorme vendaval que seria
provocado se a Terra estivesse em movimento, projetando na
atmosfera todo e qualquer corpo que estivesse sobre a superfície
da Terra. Outro argumento baseava-se no seguinte raciocínio: uma
pedra deixada cair do alto de uma torre, com o movimento da Terra
de oeste para leste, como queria Aristarco, não cairia ao pé da torre,
mas numa posição mais a oeste desta.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Com argumentos tão poderosos, e sem poder rejeitá-los


porque faltava ao seu sistema uma física coerente como aquela
que explicava o sistema aristotélico, Aristarco de Samos caiu no
esquecimento.
No mesmo século de Aristarco, século III a.C., viveu também
outro grande sábio: Erastóstenes de Cyrene, diretor da grande
Biblioteca de Alexandria. Entre outros feitos, cale ressaltar o cálculo
notável do comprimento da circunferência terrestre. Este cálculo
baseou-se no seguinte raciocínio:
- No solstício de verão (21 de junho no hemisfério norte -
quando o sol está em sua maior inclinação com respeito ao equador),
o sábio notou que, em Siena (Cyrene, na Antiguidade), a 800 km
de Alexandria (ele conhecia essa distância porque pagou um homem
– provavelmente, um agrimensor - para medi-la, em passos!), um
obelisco não apresentava sombra (fenômeno conhecido como
sol a pino, que ocorre uma vez ao ano para quem se encontra nos
trópicos, no solstício de verão, e duas vezes ao ano para quem se
encontra em latitudes compreendidas entre os trópicos), enquanto
em Alexandria, mais ao norte, havia uma sombra pronunciada
(Figura 8).

Figura 8: Método para a determinação do comprimento da circunferência terrestre.


Elaborado pelo autor.

Fonte: Arquivo pessoal do autor (2016).

67
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Pelo comprimento da sombra (em Alexandria), Erastóstenes


determinou o ângulo Ө, cujo valor foi da ordem de sete graus.
Sete graus correspondem mais ou menos a 1/50 de 360º da
superfície terrestre. Então, se a distância entre Siena e Alexandria é
de 800 km, este valor multiplicado por 50 fornece o resultado de
40.000 km, de modo que este deve ser o valor do comprimento da
circunferência terrestre.
No século posterior à morte de Erastóstenes, II a. C.,
viveu Hiparco. Uma de suas maiores contribuições à ciência foi
a determinação da distância Terra-Lua, cujo método encontra-se
ilustrado abaixo:
O método baseava-se na observação de um eclipse lunar.
Hiparco pôde determinar o ângulo β, que consistia no ângulo
de paralaxe da Lua, ou seja, o ângulo sob o qual uma pessoa que
estivesse participando do movimento lunar veria o raio da Terra
(Figura 9).
Observando o tempo t gasto na duração do eclipse e sabendo
o período T de uma lunação completa (volta completa da Lua ao
redor da Terra), podemos obter a seguinte relação:

Da Figura 9, e pelo conceito de ângulos suplementares,


obtém-se que:

Como o ângulo (paralaxe solar – ângulo visto desde o Sol


do raio da Terra) é muito pequeno e tende a zero. Então,

(onde, é o semidiâmetro d Sol, e que vale cerca de 16


minutos de arco = 16’).
Assim, a distância Terra-Lua, DTL procurada pode ser
encontrada em função do raio R da Terra:

68
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Hiparco é o último grande representante dos sábios gregos


vividos antes do início da era cristã.
O último dos grandes sábios, antes que a Grécia entrasse em
declínio irremediável, foi Claudius Ptolomeu, que reafirmaria o
aristotelismo em sua concepção geocêntrica de Universo.
Ele elaborou um sistema de mundo cunhado em sua fé na
doutrina aristotélica. Deu a essa doutrina uma vestimenta científica
que lhe faltava. Elaborou um modelo e fê-lo perpetuar por quase
1500 anos.
O universo de Ptolomeu baseava-se na esfericidade. Para ele,
os Céus eram esféricos e os corpos celestes possuíam movimentos
circulares. A Terra era absolutamente esférica e encontrava-se imóvel
no centro da esfera celeste, de raio infinito. Os céus possuíam dois
movimentos fundamentais, da mesma forma que o modelo das
esferas homocêntricas de Eudoxo.
Para os planetas, Ptolomeu elaborou uma teoria baseada em
deferentes, epiciclos e pontos equantes (ver Figura 10).

Figura 9: Modelo de Hiparco. Elaborado pelo autor.

Fonte: Arquivo pessoal do autor (2016).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 10: Modelo ptolomaico. Elaborado pelo autor.

Fonte: Arquivo pessoal do autor (2016).

Neste sistema, o centro E do epiciclo, que tem raio equivalente


à distância média que separa o planeta do Sol, sobre o deferente, girava
uniformemente em relação ao ponto equante D e não em relação ao
centro O, ou seja, a reta DE girava uniformemente em torno de D.
Com isso, garantia-se ao planeta uma velocidade angular constante –
tal efeito garantia, sem Ptolomeu o saber, velocidades areolares, áreas
varridas por unidade de tempo, constantes e velocidades lineares
inversamente proporcionais às distâncias planetas-Sol, como seria
adotado um século e meio depois no modelo heliocêntrico, em sua
versão kepleriana.
Assim como Aristóteles é o último grande filósofo e cosmólogo
na Grécia Antiga, Ptolomeu é o seu último grande sábio, o seu
último grande astrônomo.
Durante 1400 anos, até o século XVI, nada de realmente
novo irá acontecer no estudo do Universo, seja na Física, seja na
Astronomia.
‘Relógio’ diurno-noturno ou um marcador horário lunar
A Lua pode ser usada como um marcador de uma espécie de
‘relógio’ lunar. Este mostrador ou relógio é baseado no fenômeno
da lunação completa (ou seja, um ciclo que vai de uma Lua Nova a
uma Lua Nova), ou seja, o período que a Lua leva para completar
uma volta completa ao redor da Terra.

70
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A lunação dura 27,33 dias com respeito às estrelas ‘fixas’,


porém, durante aquele tempo, o sistema Terra-Lua moveu-se de
1/12 pelo movimento anual ao redor do Sol. Portanto, o período
total da lunação é de cerca de um mês, ou, mais precisamente, 29,5
dias (período sinódico – intervalo entre duas conjunções sucessivas,
ou seja, de uma Lua Nova a uma Lua Nova).
A Figura 11 (a,b,c,d) mostra o ciclo completo da lunação. A
Figura (11a) mostra as posições do Sol e da Lua na, assim chamada,
fase de ‘Lua Nova’. O desenho menor, no canto superior direito,
mostra como a Lua seria observada no céu nas primeiras horas da
manhã, no horizonte leste. Assim, para efeito de construção de
um ‘relógio’ baseado no movimento lunar, admitiremos, usando
uma aproximação relativamente grosseira, que, na Lua Nova, Sol e
Lua nascem juntos (não com a Lua diante do Sol; senão, teríamos
um eclipse a cada manhã de Lua Nova!) às 06h00m (esta é uma
aproximação, pois sabemos que, nas diferentes estações, o Sol nasce
mais cedo – verão – ou mais tarde – inverno – que o ‘horário cheio’
de 06h00m).
Figura 11: Esquemas de uma lunação completa: (a) Lua Nova; (b) Quarto Crescente;
(c) Lua Cheia; (d) Quarto Mingante (ou Decrescente). Elaborado pelo autor.

Fonte: Arquivo pessoal do autor (2016).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Depois de cerca de sete ou oito dias da Lua Nova, Figura


(11b), temos a ocorrência da Lua Crescente (ou Quarto Crescente).
O Sol está bem alto no céu (não a ‘pino’, pois este fenômeno só
ocorre uma vez ao ano para quem se encontra sob os Trópicos –
como Maringá e vizinhanças), às 12h00m. Isso quer dizer que,
quando é meio-dia, a Lua Crescente nasce no horizonte leste (e não
exatamente no ponto cardeal leste!), com a forma de um grande ‘C’
(para quem está no Hemisfério Norte, a Lua Crescente tem a forma
de um ‘D’).
Após 15 dias da Lua Nova, temos a ocorrência da ‘Lua Cheia’,
quando o Sol se põe no horizonte oeste, cerca de 18h00m. Nesse
momento, a Lua aparece numa posição diametralmente oposta, no
horizonte leste, nascendo com seu disco completamente iluminado,
como mostra a Figura (11c).
Passados cerca de 23 dias da Lua Nova, temos sua fase
decrescente ou ‘Quarto Minguante’ (Figura 11d), quando a
Lua nasce no horizonte leste com a forma de um grande ‘D’ (no
Hemisfério Norte, com a forma de um grande ‘C’). Nessa fase, a Lua
nasce às 24h00m. Portanto, conhecendo esses dados, em primeira
aproximação, dispomos dos elementos para, nessa regularidade de
movimento, construir um marcador de tempo baseado na rotação
da Lua. Vamos chamar os quase 30 dias (e aqui iremos utilizar 30
dias exatos, como valor inteiro aproximado) de lunação, quando
a Lua apresenta 30 fases (e não só as quatro mais conhecidas –
Nova, Crescente, Cheia e Minguante), de ‘Idades’. Isso quer dizer
que atribuiremos à Lua Nova a idade ‘zero’. A primeira Lua após a
ocorrência da Lua Nova terá idade igual a um, e assim por diante.
Para as fases de Crescente, Cheia e Minguante, teremos as idades de
oito, 15 e 23, respectivamente.
O mostrador lunar: sua construção
O mostrador que construímos, baseado nos eventos descritos
acima, encontra-se ilustrado na Figura 12 (a, b, c) e sua montagem,
na Figura 12d (e figuras 13 a, b, c). Desenhamos, sobre um grande
círculo (Figura 12c), 30 círculos menores, cada um representando
as diferentes e sucessivas fases da Lua. Para critério de divisão e de

72
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

aproximação ao fenômeno, traçamos partes claras (iluminadas) e


escuras (não-iluminadas) para distinguir uma fase da outra.
Como exemplo, a Lua Nova é um círculo totalmente escuro,
enquanto o seu oposto, o círculo da Lua Cheia, totalmente claro.
Abaixo de cada Lua, na Figura 12c estão escritos números, cada um
correspondendo a uma idade da Lua, contada sempre a partir da Lua
Nova (Idade = 0). Essas Luas estão dispostas em uma divisão angular
de 12o em relação à Lua precedente. Isso porque, se a lunação dura
cerca de 30 dias, então 360o de um círculo completo dividido por 30
fornecem como resultado o valor de 12o/dia. Esse é um fenômeno
bastante interessante de ser notado: ver o ‘atraso’ de 12o diário da
Lua em relação às estrelas. Basta, para tanto, observarmos a Lua e
uma estrela próxima num determinado momento da noite. Na noite
seguinte, basta efetuarmos nova observação para constatarmos que
a Lua, com o auxílio de um transferidor ligado a um fio de prumo,
atrasou-se em cerca de 12o, ou, o que é equivalente, em de cerca de
48-50 min.
Na parte externa do círculo, que contém as diversas fases da
Lua, estão dispostos outros números que correspondem às horas do
dia (24 h). Esses intervalos estão separados angularmente de 15o,
uma vez que este é o resultado de 360o divididos pelas 24 h do dia.
À Lua Nova é indexada a hora 12, e, à sua oposta, a Lua Cheia, a
hora 24.
Depois de construído esse mostrador, podemos recortar um
círculo menor (Figura 12b), para servir de ‘máscara’, ou seja, para
mostrar somente uma Lua por vez. O círculo foi decorado com
um dragão de várias cabeças, retirado de um antigo instrumento
astronômico árabe. Por fim, construímos um novo disco, que aqui
batizaremos de ‘disco do horizonte’ (Figura 12a), o mais externo,
e que corresponde ao horizonte como o vemos. Ele está decorado
com um motivo que foi retirado de uma tapeçaria muito antiga (que
descrevia a chegada de um cometa). O horizonte deve ser recortado
na parte tracejada para que possamos ver a Lua que desejamos,
localizada pela máscara do disco intermediário.
A montagem do conjunto pode ser vista na Figura 13.
Para ser usado, devemos entrar com certos dados, especialmente

73
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

a idade da Lua (não o dia do mês, como muitos confundem!) e


sua posição no horizonte. Assim, se entrarmos com uma idade
de, p.ex., 12 (no furo que deve ser recortado na cabeça do dragão
do disco intermediário), posicionando a Lua respectiva no círculo
recortado (a linha vertical na Figura 12), leremos, no furo superior
do disco mais externo, as horas respectivas que a Lua estará no céu
em diferentes momentos de seu movimento acima do horizonte.
Se posicionarmos a Lua de idade 12 no horizonte leste (notar no
círculo mais externo que, direcionando o centro do mostrador para
o Norte geográfico, encontramos à direita o ponto Leste (L), e,
à esquerda, o ponto Oeste (O)), encontraremos como hora do
nascer da Lua o valor compreendido entre 15h30m e 16h00. Se
deslocarmos a Lua em 90o, ou seja, levando a Lua para a parte mais
alta do céu (meridiano central), veremos que isso ocorre por volta
das 21h00 e 21h30m. Deslocando mais 90o, ou seja, levando a Lua
para o seu ocaso, leremos no orifício das horas os seguintes valores:
03h00m a 03h30m.
Figura 12: Partes constituintes do relógio lunar: (a) disco do horizonte; (b)
máscara; (c) Disco da lunação; (d) montagem. Elaborado pelo autor.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

(d)

Fonte: Arquivo pessoal do autor (2016).

Figura 13: Todos os discos do relógio lunar (a, b, c). Elaborado pelo autor.
(a) (b)

(c)

Fonte: Arquivo pessoal do autor (2016).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A título de conclusão
Os instrumentos aqui descritos foram utilizados durante
centenas de anos por anônimos seres humanos em sua busca da
localização espaço-temporal. Serviu a navegantes, nômades,
astrônomos e gente comum. Hoje, os relógios eclipsaram aquele
saber legítimo e exilaram os fenômenos do céu da compreensão
humana. Currículos idealizados e realidades sombrias povoam o
cotidiano escolar. A Astronomia é tida hoje como uma ciência da
contemplação, do devaneio, quase do descartável. No entanto, a
título de exemplo trágico, devemos lembrar que, há cerca de dez
anos, um grave acidente aéreo matou mais de uma dezena de pessoas
na selva amazônica. Se o piloto do avião da VARIG, o Comandante
Garcez, que havia digitado um código errado no computador de
bordo (o que acabou orientando o avião para uma rota distante – em
plena selva amazônica – daquela pretendida), soubesse um mínimo
de orientação astronômica (usando o Sol, as estrelas e mesmo os
planetas, como referenciais), a tragédia jamais teria ocorrido.
Falta educação integradora, multidisciplinar nas escolas!
Sobram, porém, currículos desconectados da realidade. Nossas
Universidades que ‘formam’ biólogos, físicos, geógrafos,
matemáticos e professores de ciências, desconhecem a Astronomia
em suas grades curriculares. As Secretarias de Educação e Núcleos
Regionais de Educação desconhecem programas de recapacitação
e, todos, professores e alunos, acabam compartilhando da mesma
cegueira coletiva: a do exílio da compreensão. Isso ocorre para a
Astronomia, para as ciências em geral e para o conhecimento
como um todo. Falamos tanto em ‘construtivismo’, mas acabamos
encarando-o, infelizmente, como mais um ‘modismo’ de época,
esquecendo seu real e poderoso valor pedagógico na elaboração
criativa do pensamento científico.
Nas escolas, a Astronomia de posição e sua rica história,
portanto, são irremediavelmente ‘esquecidas’ ou evitadas. Passa-
se de uma ilustração pobre do geocentrismo ptolomaico para
uma Astronomia heliocêntrica e física mal ensinada. Há somente
informação – vazia ou repleta de teores paupérrimos.
O que o presente texto procurou ilustrar foi uma espécie
de Astronomia instrumental (a Figura 14 integra a Máquina de

76
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Antikythera com o Relógio Lunar aqui descrito), que possui


sua validade no cotidiano e que urge ser resgatada na Escola
Fundamental. A densidade do tema aqui tratado poderá, num
momento futuro, ser explorada com temas correlatos. Por ora,
para a compreensão efetiva do que aqui foi abordado, devemos
observar o céu, reconhecer seus referenciais e, especialmente, suas
regularidades. Assim, estaremos aptos a entrar no reino do espaço
e do tempo e da contemplação-compreensiva dos fenômenos e das
maravilhas do céu diurno e noturno.
Figura 14: Fusão da Máquina de Antikythera com o Relógio Lunar. Elaborado
pelo autor.

Fonte: Arquivo pessoal do autor (2016).

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bibliotecapleyades.net/imagenes_ciencia/ciencia_antikythera01.
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BIBLIOTECA PLEYADES. Disponível em: <http://www.
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EL PENSANTE. Los enigmas de la Maquina de Antiquitera.
Disponível em: <https://www.elpensante.com/ooparts-la-maquina-
de-antiquitera-tecnologia-perfecta/>. Acesso em 15 set. 2016.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

FREETH, T. The Antikythera Mechanism: A Shocking Discovery


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www.youtube.com/watch?v=xWVA6TeUKYU>. Acesso em 15
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FREETH, T.; JONES, A. The Cosmos in the Antikythera
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FREETH, Tony. Decoding an ancient computer: greek technology
tracked the heavens (preview). Interesting Things, nov. 2009.
Disponível em: <https://thewere42.wordpress.com/2009/11/30/
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WIKIPEDIA. Computer graphic for back of Antikythera
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78
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

BOCKZCO, R. Conceitos de astronomia. São Paulo: Edgard


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DANHONI NEVES, M. C.; GALLERANI, L. G. Reflexões sobre
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SAGAN, C. Cosmos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.

79
CAPITULO 3
A ARTE SOB A LUZ DA LUA: ANTIGUIDADE,
CRISTIANISMO E MODERNISMO
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

3. A ARTE SOB A LUZ DA LUA: ANTIGUIDADE,


CRISTIANISMO E MODERNISMO

Giovana T. Simão1

Introdução
A Lua poderia, como os demais elementos do sistema solar, ser
apenas mais um corpo celeste de interesse exclusivo dos estudiosos
específicos da área, tais como: físicos e astrônomos. No entanto,
este elemento celeste durante a história da humanidade também
serviu de tema recorrente para os diversos campos da Arte.
Na literatura, ela inspirou várias passagens tanto nos romances
quanto nas poesias, apresentando nestas duas modalidades, por
muitas vezes, sob a mítica de promover encontros românticos.
Assim, a presença da Lua no campo literário lhe atribui quase
uma personificação, porque a ela foi destinado o testemunho e a
confidência de encantos e também dos desencantos amorosos.
No cinema, a Lua também se revelou, algumas vezes, como
um símbolo quase sempre prescrito nas cenas externas dos casais
enamorados. No entanto, além do conhecido signo romântico, a
grande tela reservou para esse astro mais um papel importante,
uma vez que, ela ganhou destaque nas cenas dos filmes de terror e
suspense. Assim, nesta modalidade da produção cinematográfica, a
Lua era quase uma presença indispensável, pois ela aparece como
signo dos mistérios que rondam as noites de vampiros, fantasmas,
bruxas e lobisomens.
Já na música, especialmente nas canções populares, este corpo
celeste recebe novamente o estatuto romântico, tendo, portanto,
como atribuição a responsabilidade de ser fonte de inspiração
romântica sobre as histórias de amor correspondidos ou não.
Outra temática, que embala canções com a presença da Lua, são as
composições que remetem à sua presença como signo de saudade de
um tempo ou de um lugar, por exemplo, Luar do meu Sertão título e
tema de uma conhecida música popular brasileira.
1
Professora Doutora pela UFPR. Atua na disciplina de História da Arte da
UNESPAR-Curitiba /Campus II – Faculdade de Artes do Paraná.

83
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A partir do breve mapeamento anterior é possível rememorar


que a Lua é um tema que ganha um papel romântico de destaque
quando aparece no cinema, na literatura ou na música. A partir
desta explanação, cabe a lembrança e também a indagação: Como se
apresenta e representa a Lua na História das Artes Visuais?
Pois bem, na História das Artes Visuais, a Lua, em geral,
apresenta aparecimentos mais singulares que nas demais Artes. A partir
de uma varredura na produção imagética é possível constatar que a
Lua nas Artes Visuais, curiosamente, raramente aparece como tema
central da representação pictórica, expondo-se, na maioria das vezes,
como um elemento coadjuvante da composição. Isto pode gerar
a falsa ideia que a Lua não tenha visitado com tanta frequência as
Artes Visuais, mas de fato essa aligeirada constatação não é verídica.
Pois, num olhar mais atento sobre a produção plástica é possível
averiguar diversos registros pictóricos da Lua da antiguidade até a
atualidade, perpassando, por conseguinte, toda a História da Arte.
Mas, pontualmente, nas artes plásticas, muito raramente, a Lua
foi associada a uma produção temática de cunho amoroso. Desta
maneira, nas Artes Visuais ela aparece por interesses diversos, tendo
uma presença marcante por todo o percurso da História da Arte,
pois vários foram os seus significados e valores, ora místicos, ora
científicos, ora estéticos.
Então, diante da singular presença da Lua na História da Arte,
cabe apresentar sua aparição plástica, assim como suas atribuições
na composição pictórica. Para isto, foram selecionados para a
presente reflexão três momentos distintos da História da Arte: a
Arte na Antiguidade, nas representações do Cristianismo e, por
fim, nas composições dos Modernistas. Estes três períodos foram
escolhidos porque apontam significativo distanciamento histórico
entre eles. Desta maneira, isto contribui para verificar as seguintes
questões; a) que a Lua tem uma presença marcante na produção
plástica desde a antiguidade; b) que a representação da Lua, em
cada período histórico, atribuiu para este corpo celeste significados
distintos; c) que, apesar do longo tempo de representações da Lua
nas Artes Visuais, curiosamente e raramente, não lhe foi atribuído
valor romântico.

84
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A Lua Mística No Egito Antigo


O céu, desde tempos remotos, foi um tema que intrigou
o imaginário da humanidade. Então, Sol, Lua, estrelas e até as
nuvens foram desde a antiguidade elementos temáticos de diversas
manifestações de registro visual. No caso específico da representação
da Lua, também ocorreram várias interpretações, observações e
registros sobre ela na antiguidade que, em geral naquele período,
eram associados aos ritos místicos de cada tribo ou civilização.
Entre os diversos povos que se encantaram com a Lua,
os egípcios ganham destaque na representação visual, porque
esta antiga civilização destinou para a Lua um lugar de valor na
representação e na vida social egípcia. Na representação plástica do
referido corpo, celeste, os egípcios lhe concederam personificação
gráfica, ou seja, além da forma esférica comum à imagem da Lua,
também havia deuses semi-humanos cujas existências eram oriundas
das divindades lunares. Já nas atribuições da vida social do Egito
Antigo, foi constatado que o ciclo lunar era colaborador para vários
aspectos das atividades civis e religiosas dos egípcios, inclusive
alguns estudiosos consideram a existência de dois calendários no
Egito antigo, um civil e outro religioso, justamente em razão das
fases da Lua.
Em geral, a presença do corpo celeste na imagética egípcia se
inscrevia para funções religiosas. Assim, os egípcios tinham a Lua
como componente dos ritos fúnebres. Pois, a partir da observação
das suas diferentes fases, este povo atribuía inspiração lunar às suas
divindades para a crença do rejuvenescimento e da renovação, pois,
para eles, a Lua era aquela que sempre se refaz.
Havia dois deuses associados à divindade lunar, Khonshu
e Thoth, o primeiro pertence à história mais remota do Egito
conhecido como deus de Tebas, cujo nome significava viajante, ele,
por sua vez, era o deus que representava a passagem do tempo, ou
seja, sua existência era inspirada nas fases da Lua. O segundo, Thoth,
divindade de origem lunar, era o deus da sabedoria, da escrita e
da aprendizagem, sua representação visual era antropozoomórfica,
sendo assim, o corpo de um escriba e a cabeça de uma ave

85
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

denominada por Ibis. Então, na atualidade, graças aos desenhos e


pinturas dos sarcófagos, foi possível constatar a importância mítica
da Lua na vida egípcia. Para os estudiosos da representação gráfica, é
uma surpresa se deparar com um deus metade homem e metade ave
para mencionar as magias lunares sobre os homens na Terra. (Ver
figura de Thoth com cabeça de íbis ao centro da imagem e fazendo
anotações - Figura 1)

Figura 01: Livro dos Mortos (julgamento dos mortos na presença de Osíris). Cerca
de 1275 a.C. papiro. British Museum, Londres.

Fonte: Wikimedia (cerca de 1275 a.C.).

Mitos, lendas e crenças a partir dos deuses gregos


Entre as lendas acerca da Lua, a mais recorrente em diversas
culturas desde a antiguidade e que alcançou os dias atuais, trata sobre
a crença de que a Lua gerava alterações na vida ou no comportamento
dos humanos, sendo que a principal pressupunha que a Lua cheia
teria impacto no agravamento dos sintomas da loucura. Então, a
partir desta associação, surgiu a denominação lunático aproveitando
a origem latina da palavra luna.
Atualmente, ainda é comum ouvir alguém se referir a outro
individuo - que se queira atribuir um valor depreciativo à sua atitude
ou à sua visão de mundo - como um sujeito lunático e, portanto, que
não merece atenção daquele que se julga saudável nas suas faculdades
mentais. Então, a História da Arte, especificamente sobre esta crença
possui um registro visual que faz referência aos lunáticos, portanto,
o registro imagético torna-se também testemunho desta associação

86
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

entre uma patologia psiquiátrica com a potencialização destas


debilidades durante a aparição da Lua cheia. Isto foi identificado
numa Iluminura a qual integra um manuscrito do século XV, sendo tal
imagem intitulada como Diana e seus seguidores lunáticos. (Figura 2)
Vale lembrar que Diana, além de ser conhecida como a deusa caçadora,
também possuía outra atribuição divina, ou seja, a deusa da Lua.

Figura 02: Diana e seus seguidores lunáticos. Manuscrito do século XV.

Fonte: Bruce-Mitford (1997, p.38).

Ainda sobre o encantamento dos gregos com a Lua, há uma


ilustração datada do século XVI que faz referência à deusa Diana e
ao deus Apolo, respectivamente, a deusa da Lua e o deus do Sol.
Também vale o registro que tal ilustração remete aos deuses gregos
em plena Idade Média, mesmo com todo o extremismo cristão, na
qual a Igreja Católica Romana ditava as regras da Arte patrocinando
apenas produções imagéticas das Madonas, de Jesus ou dos Santos.
Então, no medievo houve algum artista que subjugou a norma, pois
a ilustração do século XVI registra a personificação imagética da
Lua e do Sol (Figura 3), demonstrando, assim, que tal costume
também era característico da Grécia antiga. A referida ilustração foi

87
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

encontrada em um tratado de alquimia que, por sorte e/ou extremo


cuidado de seus antigos donos, não foi lançada às fogueiras da Santa
Inquisição. Na Ilustração dos alquimistas a imagem é muito peculiar
na sua composição plástica.
No céu pictórico de Diana e Apolo, observamos a representação
esférica da Lua cheia e do Sol, havendo, logo abaixo, duas figuras
humanas, uma feminina e a outra masculina, as duas vestidas como
nobres. A figura feminina se encontra abaixo da representação
esférica da Lua e se trata da personificação deste corpo celeste.
Assim, a representação faz menção de que a figura feminina se trata
da deusa Diana, porque ela se apresenta vestida de branco remetendo
à claridade lunar e, ainda, Diana tem sob um dos seus pés outra
representação esférica da Lua, da qual ela era deusa e símbolo. Do
outro lado, contracenando com Diana está seu irmão gêmeo Apolo,
conhecido na mitologia grega como deus do Sol, o qual por sua
vez, se apresenta trajado de vermelho e sob seus pés há chamas; na
crença alquimista o sol significava e representava o fogo que se faz
presente em toda a matéria.
Figura 03: Splendor Solis (Brilho do Sol). Século XVI. Representação da Lua
(Diana) e Sol (Apolo). Ilustração de um tratado alquímico. Berlim.

Fonte: Bruce-Mitford (1997, p.38-39).

88
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A Lua na produção imagética cristã


Também foi por meio da produção imagética que o cristianismo
se fez ver, ou seja, com a mesma intenção dos seus desafetos pagãos.
Deste modo, o alto clero também queria firmar seus mitos, lendas e
crenças por meio da representação visual. Uma imagem importante
a respeito dos mitos cristãos se encontra na Abadia de Sant`Amand
na França e representa duas passagens distintas do Gênesis do Antigo
Testamento (Figura 4), portanto trata-se de duas histórias que foram
justapostas numa mesma composição plástica. A Ilustração é uma
Iluminura da página de uma Bíblia que foi produzida no século
XVI, sendo possível observar, na imagem, que, do lado esquerdo
da cena retratada, está a composição plástica da Criação e, do lado
direito, o mito da existência do primeiro homem e da primeira
mulher, respectivamente, Adão e Eva segundo a tradição cristã.

Figura 04: I (In principio) con La creazione del Sole e della Luna e La creazione di Eva
[I (no início) com A Criação do Sol e da Lua e A criação deEva]. Imagem de uma
Bíblia. Norte da França, século XVI. Biblioteca Municipal, Valenciennes.

Fonte: Folia Magazine (2015).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A Lua crescente e a Lua cheia: sob os pés de Nossa Senhora da


Imaculada Conceição

Antes de compreender a aparição da Lua associada às


representações de Maria é válido conhecer alguns encaminhamentos
do rito Mariano, a fim de facilitar a compreensão da plasticidade nas
sucessivas representações das Madonas no decorrer da História da
Arte, especialmente, depois da expansão do cristianismo católico.
Para a iconologia sagrada do rito católico romano, a
representação da mãe de Jesus é o carro chefe da produção plástica
sacra denominada Iconografia Mariana. Na fé católica a representação
de Maria de Nazaré é conhecida como Nossa Senhora em língua
portuguesa e Madona em Italiano, que, na tradução, possui a mesma
força semântica. Neste rito religioso há uma devoção valorosa
para a mãe de Cristo e, segundo a tradição mística, Maria, após
sua passagem pela Terra, fez inúmeras aparições para seus fiéis, a
primeira, trinta e nove anos depois de sua Assunção2 e a última
registrada pelos católicos foi no ano de 1999 e, para os Ortodoxos,3
houve outra manifestação em 2001. Então, considerando todas
as aparições foram setenta e quatro desde o primeiro século d.C.
chegando até o último registro que adentra o século XXI.
Assim, para cada aparição, Maria recebeu um nome acrescido
à identificação de Nossa Senhora, por isso existe, por exemplo: Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro; N.Sra Das Graças; N. Sra de Guadalupe;
N. Sra de Fátima; N. Sra de Lourdes; N. Sra do Rosário; N. Sra das
Dores, entre tantas outras. Para cada fenômeno da aparição, Maria,
além de receber um codinome, também recebe uma produção
plástica, ora pictórica, ora escultórica que a representa. Desta
maneira, Nossa Senhora do Rosário carrega uma terço nas mãos; Nossa
Senhora das Dores apresenta facas que perpassam seu coração e Nossa
Senhora das Graças apresenta um vigoroso feixe de luz emitida da
2
Assunção de Nossa Senhora significa a elevação de Maria ao céu segundo o
doma da “dormição”.
3
Os Ortodoxos também são de fé cristã, também fazem reverência à Maria,
no entanto divergem de alguns ritos católicos e não reconhecem o Papa como
Santidade.

90
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

palma de cada mão de Maria, as quais representam as bênçãos da


Mãe de Deus sobre seus fiéis. A indicação da primeira representação
plástica de Maria é a imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro,
cuja elaboração plástica foi atribuída a São Lucas e produzida em
Creta, local de origem do Santo. A Imagem tem o estilo bizantino
e seu rito e devoção são cultuados até os dias atuais, inclusive, no
Brasil. Também foi na Grécia, em Éfeso, que se realizou um Concílio
no ano de 431 d.C. no qual foi discutido a respeito do dogma da
maternidade divina de Maria denominada de Mater Dei.
O referido Concílio teve como foco a questão da virgindade
de Maria na concepção de Jesus e, portanto, a sua libertação do
pecado original para a concepção do filho de Deus. Porém, este
Concílio acabou reverberando na devoção Mariana pelos fiéis que
valorizavam muito mais o fato de Maria ser reconhecida como
mãe de Deus, do que propriamente o valor de sua virgindade na
concepção. Então, foi, a partir disto e por esta motivação, ou seja,
do fato de Maria ter recebido da Igreja o reconhecimento de sua
divindade por ser mãe de Jesus, que ela se tornou um símbolo tão
recorrente neste rito cristão.
As primeiras representações da Lua junto à figura de Maria
ocorreram nas representações dos artistas nórdicos: Geertgen Sint-
Jans, por volta de 1480 (Figura 05) e Von Wolfegg, no ano de
1490, tendo ambos denominado suas obras pelo título Virgem do
Apocalipse (Figura 06).
Na passagem Bíblica (2005), há a seguinte descrição: “depois
apareceu no céu o grande sinal, uma mulher vestida de sol e a Lua
debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre sua cabeça”
(Apocalipse, Capítulo XII). O texto bíblico não diz que se trata de
Maria, no entanto, os artistas representaram e intitularam suas obras
identificando Maria nesta passagem. Logo em seguida, pela mesma
motivação, surgem as representações de Maria realizadas pelos
pintores Bosch e Dürer, sendo os dois artistas também nórdicos. No
entanto, Dürer é o primeiro a intitular sua pintura como Virgem sobre
o Crescente com uma Coroa de Estrelas. (Figura 08) Cabe sublinhar
que, diferentemente da Itália, os países nórdicos levaram mais

91
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

tempo para adentrar nos ideais intelectuais do Renascimento, visto


que, a Itália foi o berço do Renascimento, portanto, a consolidação
do pensamento humanista já estava bem avançada por volta do ano
de 1500. Já na região nórdica da Europa, tanto as Artes quanto as
ideias humanistas chegaram tardiamente, ou se acompanharam a
Itália foi de maneira pontual, não movimentando, por conseguinte,
o pensamento de um grande contingente da população.

Figura 05: Geertgen tot Sint-Jans. La Figura 06: Meister des Hausbuches von
Vierge de l’Apocalypse (A virgem do Wolfegg. Virgem do Apocalipse. Século
Apocalipse).Século XV. Rijks Museum. XV. Museum Unterlinden, Colmar.

Fonte: Sint-Jans (séc. XV). Fonte: Von Wolfegg (séc. XV).

Provavelmente por isso que a passagem da transição do século,


que ocorreu no ano de 1499 para 1500, tenha se apresentado com
maior temor e misticismo nesta região da Europa. O pintor Bosch
foi um grande representante pictórico a respeito do temor do juízo
final (Figura 07). Vale lembrar que, nesta transição de data, também
havia o receio de que o mundo acabasse e este artista se desdobrou
nas temáticas sombrias sobre os pecadores e seus respectivos castigos.

92
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Neste sentido, as leituras e representações do Apocalipse se tornaram


mais recorrentes nas regiões nórdicas naquele período, talvez por
isso que a temática Virgem do Apocalipse tenha sido utilizada pelos
quatro pintores nórdicos e não pelos pintores italianos.
Enquanto isto, na Itália e em países próximos dela, seja por
geografia ou arregimentação de católicos, é possível detectar por
meio dos documentos litúrgicos da Igreja o registro que Maria se
tornou venerada sob a denominação de Imaculada Conceição desde
o Concílio de Éfeso. O título Imaculada Conceição significa aquela
que concebeu sem mácula (mancha). Há registros que no século IV
havia cânticos e orações fazendo menção para a Nossa Senhora da
Imaculada Conceição; a partir do século VIII também já havia festa
em comemoração a Maria sob esta denominação; em 1476, o Papa
Sisto IV definiu a data dos festejos para 08 de dezembro. E, no século
XV, o Papa Franciscano Bernardino de Bustis escreveu um ofício com
a intenção de definir o dogma da virgindade, no entanto, embora
o documento só tenha sido oficializado como dogma em 1876.
Mas a representação pictórica da Madona com a Lua sob
os pés e com o título de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e
não mais sob o título de Virgem do Apocalipse surgiu nos países de
tradição católica mais arraigada, ou seja, Itália, Portugal, Espanha
e França quase concomitante às representações de Bosch e Dürer
nos países nórdicos. No entanto, a diferença se estabelece não pelos
signos da composição, que são bem similares, ou seja, Lua sob os
pés, as doze estrelas, etc. A distinção entre os países nórdicos e os
países latinos da Europa se fez na motivação da representação.

93
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 07: Hieronymus Bosch. Figura 08: The woman of the Apocalypse
Virgin of the Apocalypse (Virgem do and the seven-headed dragon (A mulher
Apocalipse). 1480-90. Metropolitan do Apocalipse e do dragão de sete
Museum of Art. cabeças). 1498. British Museum.
Londres.

Fonte: Bosch (1480-90). Figura: Dürer (1498).

Para a Itália, Portugal, Espanha e França o foco de atenção era


a valorização da virgem imaculada como mãe de Deus, enquanto
que, nos países nórdicos, a intenção era descrever plasticamente
as escrituras do apocalipse, sendo, curiosamente, mesmo que por
motivações distintas, o resultado final das imagens produzidas bem
similares nas duas regiões. Foi então, a partir do Renascimento,
que a figura de Nossa Senhora da Imaculada Conceição se tornou
constante nos países de língua de origem latina, assim como nos
países que se mantiveram católicos depois da Reforma Protestante.
A mãe de Jesus, sob o título de Imaculada Conceição foi tema de
diversos pintores do Renascimento, depois no Barroco e apareceu
mais tarde no estilo Neoclássico. Mas, independente da data da
pintura com a temática da Imaculada Conceição é possível observar
que ocorrem diferenças nas representações da Lua, pois, ora Maria

94
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

aparece com uma Lua crescente, ora com uma Lua cheia sob os pés.
(Como a Lua de Murillo, Figura 09) No entanto, isto foi apenas
uma opção plástica dos pintores para compor a composição, pois
todos respeitaram a crença litúrgica católica de que a Lua deveria
ser assunta e sem mácula, ou seja, clara e sem nenhuma mancha ou
imperfeição.
Figura 09: Bartolomé Esteban Murillo. Immaculate Conception (Imaculada
Conceição). 1670. Walter Art Museum.

Fonte: Murillo (1670).

A controvertida Lua do pintor Cigoli


A representação da Imaculada Conceição, antes e depois do
Renascimento, foi marcada pela presença ora de Maria sob uma Lua
crescente, ora sob uma Lua cheia, sendo que a regra básica da Igreja
para com a pintura era a seguinte: independente do formato ou fase
da Lua, este corpo celeste deveria representar a pureza de Maria,
tendo isso, criada a alegoria da cor branca associada a nenhuma

95
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

irregularidade na superfície lunar. Tendo em vista que, por muito


tempo, antes e depois do Renascimento, a Igreja se apresentava
como grande mecenas, era importante que os artistas atendessem e
agradassem ao gosto do seu maior investidor e comprador.
Então, era de se esperar que todas as representações da Virgem
sobre a Lua assunta fossem praticamente idênticas. No entanto, entre
1610 a 1613, houve um artista italiano que criou uma Virgem sobre
uma Lua, na qual ele representou com realismo a superfície lunar,
ou seja, com as respectivas crateras, sendo deste modo, a primeira
vez que se realizava uma pintura imperfeita e abusiva aos ditames
da Igreja (Figura 10). Vale lembrar que Galileu havia publicado
em 1610 o livro Sidereus nuncius que, possivelmente, inspirou este
artista, Cigoli, a realizar sua Lua.

Figura 10: Cigoli. Madonna. 1610-1613. Cúpula da Capela Borguese (Paolina).


Basílica Papale di Santa Maria Maggiore. Roma

Fonte: Silva; Danhoni Neves (2015, p. 35).

96
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

O primeiro agravante desta atitude arbitrária, aos olhos da


Igreja, foi o fato que o pintor Lodovico Cardi, conhecido como
Cigoli (1559-1613), produziu tal Madona na Cúpula da Capela
Borguese (Paolina) em uma das catedrais mais importantes de
Roma, a Basílica Papal de Santa Maria Maggiore. O segundo
agravante é que, neste período histórico da façanha de Cigoli,
ocorria na Itália e demais países católicos um movimento religioso
radical da Igreja denominado de Contra Reforma. Tal movimento
ocorreu em resposta à Reforma proposta pelo alemão Martin
Lutero, em 1517. Lutero escreveu 95 teses criticando a doutrina
da Igreja Católica Romana de sua época e, para surpresa da Cúria
Romana, seu pensamento reverberou, além da Alemanha, em várias
regiões como: Suíça, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia,
alguns Países Bálticos e parte do Leste Europeu, o que acarretou,
para a Igreja Católica, perda de divisas territoriais, perdas políticas,
econômicas, além do evidente enfraquecimento religioso. Então,
em resposta ao abalo sofrido, a Igreja Católica realizou, em 1545,
o Concílio de Trento, na cidade de mesmo nome da Itália. Neste
evento, entre outras medidas, a Igreja retomou o Tribunal do Santo
Ofício que havia ficado adormecido nos anos da Idade Média. Assim,
arbitrariamente, depois de quase 100 anos de todos os avanços no
pensamento ocasionados pelo Renascimento, a Santa Inquisição
voltou a ocupar um lugar de destaque na história da Europa.
Em 1564, a Igreja havia dado um passo no seu radicalismo
religioso e produziu o Index Libro rum Prohibitorium que norteava e
também censurava as produções intelectuais da época de qualquer
área do conhecimento, mantendo-se o mesmo por décadas. E,
o curso da história se encaminhou para uma triste situação para
o astrônomo Galileu que, após tantas descobertas, entre elas a
constatação de que o Sol era o centro do nosso sistema planetário,
ele teve que renegar todos os seus achados, estudos e constatações
perante o arbitrário Tribunal da Santa Inquisição em 1633. Enfim,
a mão pesada da Santa Inquisição calou em certa medida os dois
amigos, pois “Galileo foi condenado e Cigoli teve sua pintura da Lua
coberta por traços grosseiros de tinta” (NEVES; SILVA 2010, p.53).

97
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

O reconhecimento de Galileu levou um longo tempo para se


efetivar entre os grandes nomes da Ciência, porque a comunidade
científica dependeu de uma morosa mudança de mentalidade para se
constituir. Já o pintor Cigoli, ainda na atualidade, não se configura
nas grandes nomenclaturas da História da Arte. Mas a partir de
um trabalho de restauração da Catedral de Santa Maria Maggiore,
em 1931, a sua pintura original da Lua com crateras foi descoberta
e revitalizada. Então, desde esta data o nome de Cigoli vinha
circulando timidamente em alguns debates do campo científico.
Mas, sua consagração foi no ano de 2013, por meio da tese de
doutorado da pesquisadora brasileira Josie Agatha Parrilha da Silva,
visto que, nesta pesquisa, Cigoli foi revelado em todas suas facetas
neste estudo, que, apesar da retaliação da Santa Inquisição intervindo
com grosseiras pinceladas de tinta sobre a Lua com crateras, os
inquisidores do santo Ofício não tiveram suficiente sabedoria para
perceber que a Madona de Cigoli possuía mais informações das
descobertas de Galileu. Segundo a autora, a coroa de estrelas que
paira sobre a cabeça da Virgem, na verdade se encontra também
em torno da representação do Sol, o qual, por sua vez, se encontra
distorcido pelo o artifício do desenho em anamorfose.
O recurso da anamorfose pertence ao campo da geometria,
o efeito visual promove uma distorção da imagem a fim de
deixar algum elemento compositivo em destaque, servindo esta
técnica para que determinado signo pudesse ser visto na sua
tridimensionalidade por meio de um ângulo único. Tal recurso de
perspectiva ficou popularmente conhecido na obra Os Embaixadores
do pintor Holbein, especialmente, por causa da representação da
figura de um crânio na técnica de anamorfose. No entanto, Holbein
não foi o único a usufruir deste recurso perspectivo, pois tal técnica
foi utilizada por outros pintores, porém, de maneira mais discreta
ou codificada, como foi para Cigoli.
No caso de Cigoli, o Sol é o elemento representado em
anamorfose. Ele organizou sua Madona numa posição central,
sendo que o sol, em anamorfose, permite que as demais estrelas da
composição fiquem, na verdade, em seu entorno. Trata-se de um

98
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

indício que demonstra o conhecimento de Cigoli de que o Sol era


o corpo celeste central do nosso sistema planetário, ou seja, estava
ali boa parte das descobertas do seu amigo Galileu. Diante disto é
possível constatar que a Lua cristã nem sempre foi tão cristã assim,
porque, ao menos para Cigoli, ela foi científica e também uma
resposta não verbal para aquelas arbitrariedades da época, que, às
vezes, só a Arte pode dizer, mesmo que seja para ser ouvida e vista
séculos depois.

A Lua dos modernistas

O céu, seus astros e respectivos fenômenos foram assuntos


constantes desde a antiguidade e, portanto, o Sol, a Lua, as estrelas,
e até nuvens foram elementos da produção pictórica com registros
até a atualidade. Mas, como teria sido a representação celeste para os
artistas da modernidade? Vale lembrar que, no final do século XIX,
os artistas inauguraram novas possibilidades para a elaboração do
plano pictórico, principalmente a partir das proposições e reflexões
dos artistas impressionistas que estabeleceram o que chamamos
de Modernismo Artístico. Este movimento, por sua vez, abriu os
caminhos para todos os ismos do século seguinte, como, por exemplo,
Dadaísmo, Cubismo, Abstracionismo, Surrealismo, etc.
Deste modo, as temáticas celestes poderiam gerar a ideia de
terem se tornado obsoletas para os artistas do Modernismo, já que
os mesmos estavam renegando uma série de elementos compositivos
que, até então, eram recorrentes na História da Arte. Mas, apesar de
toda a reconfiguração plástica ocorrida no Impressionismo e, depois
nos estilos modernistas subsequentes, é possível observar uma
constante presença dos elementos celestes também nos modernistas.
No caso dos impressionistas, o interesse pelo céu deu-se a partir da
motivação dos pintores pela luz natural, a qual os levou a sair dos
atelieres para observações exteriores. Então, para os impressionistas,
o grande interesse celeste recaiu sobre os efeitos dos raios do Sol
na atmosfera, ou seja, sua luz refletindo nas superfícies ao longo
do dia. Quanto aos interesses noturnos dos impressionistas, estes
eram em torno das diversões urbanas, como, por exemplo, teatros,

99
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

cabarés, cafés, portanto, neste turno, o céu não era o foco. Mas,
observar o céu foi uma tarefa com certa constância para os primeiros
modernistas nas pinturas diurnas, uma vez que a luz, as nuvens e
nebulosidades ou nevoeiros demonstraram que o céu era algo ainda
para aprender a elaborar.
O Pintor francês Monet foi responsável por inaugurar a
primeira série de quadros sobre o mesmo tema, por ter sido ele a
pintar, dezenas de vezes, a Catedral de Rouen, a fim de registrar
as diferentes cores que esta igreja refletia dependendo dos horários
que o sol incidia sobre ela. Tal experiência de Monet perdurou por
meses, observando a incidência do sol nas várias estações do ano,
inclusive, os efeitos da luz solar sobre os nevoeiros que cobriam a
Igreja no inverno. O pintor inglês Turner também se ocupou de
produzir quadros com temas vaporizados, sendo, nas telas dele a
cidade de Londres representada sobre os seus intensos nevoeiros.
Segundo a revista Scientific American Brasil, “Turner buscava a
opinião dos meteorologistas da época para suas representações do
céu e das tempestades” (VILLELA, 2002, p.16).

Figura 11: Claude Monet. Tre opere della serie Cattedrali di Rouen (Três pinturas da
Catedral de Rouen). 1892-84.

Fonte: Claude Monet (1892-94).

Na esteira deste olhar para o céu, no Brasil há o registro


da passagem do francês Hercule Florence (1804-1879), que era
contemporâneo de Turner e que mais tarde ficou conhecido pelos

100
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

seus experimentos de fotografia4. Florence produziu sobre o Brasil


o Atlas Pittoresque des Ciels a partir da sua participação na famosa
expedição de Langsdorf, que partiu por via terrestre e fluvial do
Tietê-São Paulo até o Amazonas, entre 1825 e 1829. Recentemente,
a bisneta de Florence, Leila. E. Florence de Moraes reorganizou o
Atlas Celeste da referida expedição com o auxílio do meteorologista
Rubens Junqueira Villela e publicou a obra Céus/skies: o teatro
pitoresco-celeste de Hercule Florence5. A obra contém as observações
atmosféricas dos céus do Brasil nas aquarelas de Florence, nas quais o
céu foi retratado com veracidade (Freitag-Rouanet, 2013). Segundo
Vilela (2001, p. 15), “A atmosfera é palco de intrigantes fenômenos
luminosos e ópticos, que não escaparam aos olhos de Florence, que
soube revelar espírito científico e conhecimento da física das cores
unindo Ciência e Arte”. Entre estas aquarelas de Hercule Florence,
observamos uma Lua sob o rio Amazonas. (Figura 12).
Pelo visto, o final do XIX, além de todas as novas reflexões
da composição pictórica, trouxe aos pintores o grande desafio de
pintar o céu com veracidade. Segundo Villela (2002, p. 16), o
alemão Lobsack era cético sobre esta questão: “o homem nunca
poderá igualar o pintor divino e reproduzir as cores e a diversidade
do céu e da atmosfera”. Já o pintor francês Harpignies, apesar de
mais otimista que o alemão, também entendia que pintar o céu não
era tarefa fácil, pois, ao ser contatado para se tornar professor de um
menino, o pai da criança lhe comunicou de antemão que o garoto
“já sabia pintar o céu”, e o referido pintor respondeu que: “então
não tem mais nada a aprender comigo, porque o céu é o que há de
mais difícil.” (VILLELA. 2002 p.16).

4
A invenção da fotografia é atribuída a Louis-Jacques-Mandé Daguerre. Pois, em
19 de agosto de 1839, ocorreu o anúncio desta invenção, denominada daguerreotype,
no jornal Gazette de France. Contudo, no ano de 1833, Hercules Florence realizava
experimentos com o método de impressão pela luz. Assim, existe uma controvérsia
sobre ser ele na verdade o inventor da fotografia, apesar de não ter dado aos seus
experimentos esse nome.
5
Florence, Leila; Coli, Jorge (Orgs.). Céus/Skies: o teatro pitoresco –celeste de
Hercule Florence. Coleção Cyrillo Hercules Florence, São Paulo, 2010.

101
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 12: Hercules Florence. Vista do Amazonas. (Próximo a Monte Alegre). 1835.

Fonte: Florence (1835).

Dada às características do Impressionismo em busca da luz


natural, é possível constatar que o céu diurno foi uma temática,
por vezes, de um realismo factual, para um estilo que pretendia se
libertar das regras acadêmicas e, portanto, realistas. Claro que isto
não diminui as novidades das proposições impressionistas, sendo,
no entanto, interessante constatar os paradoxos no próprio estilo,
e, graças a estas incongruências da Arte, uma gama de personagens
ganhou em fruição estética com isso: o público no quesito deleite
estético; já os artistas aumentaram suas habilidades de observação; e
os cientistas, por sua vez, puderam agregar mais uma fonte histórica
e imagética para suas análises.
No grupo dos pós-impressionistas, ainda no século XIX,
Vicent Van Gogh é um expoente no uso exagerado da tinta, sendo
conhecido por usar com furor os pigmentos para aplicar o tom das
cores, e, com o mesmo furor, usou a tinta e pincel para expressar
a força do seu traço. Deste modo, tudo nas obras de Van Goh se
apresenta, à primeira vista, um pouco alegórico, extravagante ou
fantasioso. A tela Noite Estrelada está entre as obras mais famosas do
pintor, a composição rapidamente permite a constatação de que se

102
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

trata de uma composição que remete a um lugar encantado. (Figura


13) Compara-se a uma cena de filme de fábulas, e isto é facilmente
constatado por qualquer expectador que tenha a oportunidade e o
deleite de estar em frente desta obra de primeira grandeza, a qual é
considerada entre uma das mais famosas da História das Artes Visuais.
O expectador de Noite Estrelada, perito ou não em Arte, tem
diante de si uma tela na qual o traço do pincel que construiu o relevo
e o cipreste é o mesmo traço que elaborou a Lua e as estrelas. Tais
traços formam ondas convulsionadas que transformam uma noite
estrelada num lugar quase edílico. A tela apresenta uma aldeia com
árvores e um céu tão fabuloso a ponto de dar a sensação de que se
trata de uma região que só existiu nos sonhos do artista. E foi assim
que a história do tão encantador quadro de Van Gogh foi contada e
interpretada durante muito tempo.
Mas, recentemente, segundo Vinicius de Andrade, houve uma
guinada nas interpretações a respeito desta obra do artista holandês.
Pois, o professor de História da Arte da Universidade da Califórnia,
Albert Boime, e o diretor do Observatório Griffith, E. C. Krupp
decidiram recriar o céu de Van Gogh. A parceria dos dois os levou a
constatar que, pela janela do asilo de Saint Remy/ Provence, em 19
de junho de 1889, era ainda a madrugada do dia 18 para o dia 19,
precisamente às 04h da madrugada, quando Van Goh registrou com
veracidade o céu e os corpos celestes que ali se apresentavam [Figura
14]. (ANDRADE, 2014, p.01).
No livro Cartas a Theo (2002), que trata da compilação da
troca epistolar entre Van Gogh e seu irmão Theodoro, o pintor
deixou o registro de uma de suas observações sobre o céu noturno:
“Esta madrugada, observei o campo pela minha janela por um
longo período antes do sol nascer, apenas com a estrela da manhã
que estava muito grande.”6 Era comum na correspondência entre
os irmãos o detalhamento descritivo que Van Gogh fazia a respeito
da composição das telas para Theo. Apesar dos relatos escritos
do pintor sobre seu trabalho artístico, os críticos de Arte, em boa
parte das vezes, subjugaram que o céu de Van Gogh fosse de fato
6
Vênus naquela época e naquela região era popularmente chamada de Estrela da
manhã.

103
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

um céu verídico talvez devido à sua pincelada frenética e à sua


poética encantada. Isto promove a reflexão do quanto a Arte possui
e elabora outras formas de comunicação que não respondem à
forma cartesiana de se ver o mundo e as coisas. A descoberta de
Boime e Krupp contribuiu para sanar o debate dos críticos de Arte
justamente sobre a representação da Lua no quadro de Van Gogh,
que, até então, se considerava uma alegoria, uma possível fusão
pictórica entre sol e Lua. Mas, para “Boime e Krupp a representação
da Lua na tela coincide com a posição do satélite naquela noite.”
(ANDRADE, 2014, p.02). Ainda segundo Andrade (2014) Van
Gogh era admirador de Camile Flammarion que foi um grande
divulgador da astronomia da época e autor do livro Astronomie
Populaire que tratava, especialmente, sobre as cores das estrelas.

Figura13: Van Gogh. Noite Estrelada. Figura 14: Esquema das representações
1889, óleo sobre tela. The Museum of dos Astros na obra de Van Gogh Noite
Modern Art. New York. Estrelada.

Fonte: Van Gogh (1889). Fonte: Andrade (2002, p. 1).

Sobre o acesso de Van Gogh aos textos de Flamarion, o pintor


demonstra indícios de tais conhecimentos por meio de uma carta de
Van Gogh para a irmã dele na data de 18 de setembro de 1888, na
qual o pintor comenta sua atenção com a representação das estrelas
nos seus quadros “Algumas estrelas são amarelo-limão, outras
rosáceo... é evidente que não basta pintar pequenos pontos brancos
num fundo azul escuro”. Outro apontamento de envergadura
sobre o caráter científico da tela de Van Gogh é do crítico de Arte e

104
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

biógrafo do pintor Meyer Shapiro, que, ao constatar as pinceladas


em espiral no céu da tela, não titubeou em enunciar “Esses objetos
celestes (as espirais) foram documentados pela primeira vez em
1880 e, assim, gravuras dessas nebulosas apareciam frequentemente
na imprensa e na literatura, como Harper´s et Astronomie Populaire,
leituras frequentes do pintor.” (ANDRADE, 2014, p. 2).
A Lua nas telas do século XX também fez suas aparições
nas obras dos modernistas, que, nessa época, ousaram ainda mais
subverter a composição pictórica do cânone acadêmico. Entre eles,
destaca-se Joan Miró, que teve a Lua como elemento de quatro
composições. Na tela deste artista espanhol, a Lua se apresenta nas
seguintes pinturas: a) La Ferme ou A quinta, que se trata de uma
pintura mais realista, com tendência naif, cuja temática retrata um
lugar campestre e aconchegante, e a Lua está lá representada no
canto superior da tela para dar o tom de um lugar edílico e pouco
urbano; b) No mural para o edifício da UNESCO em Paris, cuja
obra leva o nome do corpo celeste intitulado O Vale da Lua; c)
no quadro intitulado A banhista, nessa tela os únicos elementos
compositivos são a Banhista realizada com breves traços e a Lua
branca e crescente no canto esquerdo sob um fundo azul; d) a obra
intitulada Cão ladrando para a Lua (Figura 15) remete, com poucos
e abstraídos elementos, um cachorro uivando para o Luar.
Diferente de Van Gogh, o pintor Miró não teve compromisso
com a veracidade científica de representação da Lua e, tampouco,
com uma composição realista do corpo celeste. Inclusive, é pela
legenda Cão que ladra pela Lua que o expectador pode de fato se
certificar que o elemento alegórico no canto direito superior se trata
de uma Lua. Miró compunha com demais modernistas do século
XX o quadro de artistas que elaborou novas formas e cores para
elementos do cotidiano, ora chegando a imagens de estilo abstrato,
ora surrealista. Mas, a questão peculiar de Miró com a Lua é que,
nas suas representações pictóricas deste corpo celeste, é possível
detectar que ela não é coadjuvante, mas elemento que nomeia a tela
e que, por sua vez, sustenta a composição como elemento pictórico.
Então, em pleno século XX, a Lua, tão cantada em verso e prosa,
é fruto de inspiração para um artista que abriu mão do realismo

105
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

e do cânone clássico, mas que não julgou que esse satélite fosse
um elemento obsoleto para a composição. Deste modo, a Lua se
mantém majestosa na sua condição de inspiradora da Arte também
para os modernistas.
Também é digno de nota que a presença da Lua atingiu a
segunda metade do século XX, pois, em 1968, ela fez presença na
pintura de Renè Magrittè, artista representante do surrealismo que
a registrou como elemento colaborador da construção surreal de
sua tela, que representa uma montanha no formato de uma grande
águia (Figura 16).
O surrealismo foi um estilo das artes plásticas que promoveu
um diálogo intenso entre vários ramos da intelectualidade. O
quadro Domínio de Arnheim recebeu elogios de Edgar Allan Poe que
comentou que a pintura era “uma janela fantástica”, uma vez que a
pintura da montanha em forma de águia parece zelar por um ninho
com ovos.

Figura 15: Miro. Dog barking at the Moon (Cão latindo para a Lua), 1926, óleo
sobre tela.

Fonte: Miro (1926).

106
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Na pintura intitulada A Pintura e a Filosofia (Figura 17), o


pintor Magrittè prestou uma homenagem a Malarmè que refletiu
sobre a impossibilidade de escrever em uma página em branco.
Nesta pintura, Magrittè, assim como Miró, também aproveitou a
Lua como elemento principal da composição, pois, na representação,
é possível observar que a Lua subverte a sua presença realista
erguendo-se numa constelação impossível ao ser representada na
frente das folhas e não atrás delas.
Figura 16. Magritte. Le domaine d’Arnheim (Domínio de Arnheim). 1962,
gouache, paper. Musée Royaux des Beaux-Arts, Brussels, Belgium.

Fonte: Magrittè (1962).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 17: Magrittè. La Peinture Et La Philosophie (A Pintura e a Filosofia). 1967.

Fonte: Magrittè (1967).

Ainda que as pinturas de Magrittè sejam muito conhecidas


pelas características inerentes ao Surrealismo, vez por outra, o
pintor realizava algumas telas com composição mais realista como
no quadro intitulado O Salão de Deus (Figura 18), no qual o pintor
apresenta uma casa na noite escura com um pequeno feixe de luz da
Lua. O curioso deste trabalho é o título do quadro que menciona
Deus numa Arte que naquele momento havia deixado há muito
tempo os laços com a divindade. Mas, considerando que a Lua
acompanhou tantos mitos divinos, Magrittè faz menção a isto.

108
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 18: Magrittè. God’s Salon (Salão de Deus). 1948, óleo sobre tela. Brussels,
Belgium.

Fonte: Magrittè (1948).

Conclusão
Mas, qual seria a razão de tantas demonstrações plásticas da
Lua com inumeráveis registros imagéticos? Por ter agregado, desde
a antiguidade, uma presença mística, seja para representar os ritos
pagãos que personificavam a Lua como deusas, seja no rito cristão
na qual a Lua serviu de signo dos dogmas da pureza de Maria. Foi
também tema dos laços dos artistas encantados com a Ciência como
o pintor Cigoli em 1600, e pela mesma razão, ganhou atenção de
Van Gogh em final do século XIX. Ainda, na ocasião da revisão
modernista dos signos da composição plástica, a Lua resistiu a
qualquer sanção e foi companheira pictórica daqueles que tudo
colocaram abaixo para compor seus quadros, mas a bela Lua foi
preservada pela vanguarda.
No século XXI, um concurso da National Geografic Brasil
premiou uma tomada fotográfica da Lua (Figura 19), soma-se a
isto que tal fotografia ganhou as redes sociais e recebeu a graça de
milhares de compartilhamentos e encantamentos, lembrando que,
ainda em 2015, há sempre alguém compartilhando a Lua mineira

109
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

de 2012. Talvez por ser o corpo celeste mais perto da Terra, a Lua
seja um elemento companheiro do homem que, quando pensa no
universo, se depara com a vizinhança da Lua. Nas Artes Visuais, a
Lua, como já foi dito, não agregou o signo romântico das demais
manifestações artísticas, mas ganhou uma permanência ininterrupta
na produção plástica, que nos faz intuir que se trata mesmo de um
sólido caso de amor dos artistas com ela.
Figura 19: Felipe Lisbôa. Lua em meio às árvores de Barbacena, Minas Gerais.
Fotografia. Nacional Geographic Brasil.

Fonte: Lisbôa (2015).

Referências
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Livre Opinião: ideias em debate. São Paulo. 29 de jan. de 2014.
Disponível em: < https://livreopiniao.com/2014/01/29/van-gogh-
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BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Trad. Centro Bíblico Católico.
São Paulo: Ave Maria, 1995.
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Disponível em: <http://www.metmuseum.org/toah/works-of-
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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

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113
CAPÍTULO 4
A LUA NO CINEMA DE GEORGE MÉLIÈS
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

4. A LUA NO CINEMA DE GEORGE MÉLIÈS

Nelson Silva Júnior1

Que haverá com a lua que sempre que a gente a olha é com o
súbito espanto da primeira vez? Mario Quintana

Introdução
No final do século XIX, os primeiros aparelhos que projetavam
filmes eram a grande sensação em feiras e exposições que apresentavam
os maiores avanços tecnológicos da época. Num momento em que a
própria fotografia era ainda uma novidade, a imagem em movimento
chega como a grande revolução na vida do homem. Os primeiros
20 anos do cinema, período este compreendido entre 1895 e 1915,
foram decisivos para que a produção, a distribuição e a exibição de
filmes, criassem e consolidassem a linguagem cinematográfica.
Os filmes, que iniciam sua trajetória, registrando cenas do
cotidiano, não demoram para superar esta fase e buscar temas
que extrapolassem os simples atos do dia a dia, como a saída dos
funcionários de uma fábrica ou um bebê fazendo sua refeição
matinal. Aquilo que Costa (2006) nos apresenta como o “cinema
de atrações”, que traz para o espectador vistas de atualidades não
ficcionais, como fatos recentes ou naturais ou ainda as atualidades
reconstituídas, como guerras ou catástrofes naturais.
Esse cinema não apresentava certos elementos narrativos que
permitissem, muitas vezes, o pleno entendimento do filme. Isso era
compensado pela presença de um elemento externo ao filme, na
figura de um locutor ou narrador. Esse tipo de produção se estende
até 1907, quando há um aumento significativo na demanda por
filmes de ficção. É nesse contexto que encontraremos o trabalho do
cineasta e artista performático George Méliès, que leva para as telas
o ilusionismo do seu trabalho no palco. Méliès produziu centenas de
filmes que seduziram as plateias, que ficavam encantadas diante da
novidade que era o cinema e da capacidade criativa do artista.
1
Professor do Departamento de Artes da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

117
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Dentre os muitos filmes produzidos por Méliès, três deles


trazem como tema principal a Lua e o fascínio que essa exerce sobre
as pessoas, em especial num período que sua representação era
dotada de um primitivismo, que a transformava num ser animado
com feições e características humanas. Assim, apresentamos as
três obras de Méliès que trouxeram o encantamento e o fascínio
para o público que vivenciou o início do cinema e, ao sair deste,
contemplava o céu a pensar se um dia o homem conheceria de perto
aquele corpo celeste que inspirou artistas de todas as áreas e lugares.
A Lua e o cinema de Méliès
O cinema, desde seu surgimento, tem se mostrado uma fonte
inesgotável de percepções sobre o mundo fenomenológico das
diferentes áreas do saber humano.
O impacto das primeiras cenas gravadas e, que originaram o
que conhecemos por cinema, foi sentido na primeira exibição pública,
feita pelos irmãos Auguste e Louis Lumière. Realizada no dia 28 de
dezembro de 1895, no subsolo do Grand Café, em Lyon, a exibição
das imagens foi assistida por um público, em sua maioria, formado
por intelectuais, professores e fotógrafos e causou grande impacto
na privilegiada e reduzida plateia. A primeira imagem, assistida
por um conjunto de pessoas, não tratava de uma paisagem ou um
fenômeno natural e sim de um produto da inteligência humana.
Figura 1: Irmãos Lumière.

Fonte: A Fantastic... (2016).

118
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A força da imagem em movimento foi tal, que muitos


dos espectadores, ali presentes, tiveram o ímpeto de sair da sala
de exibição, pois estavam diante de um acontecimento que não
entendiam. A história do homem e da própria Ciência está repleta
de momentos assim: a primeira fotografia, a primeira transmissão
radiofônica, a primeira mensagem enviada por um telégrafo, o
primeiro voo de um avião. Momentos que extasiaram o homem
diante da sua própria capacidade de criar.
Figura 2: Chegada do Trem – 1º filme.

Fonte: Martins (2014).

O registro dos irmãos Lumière, de um trem chegando a uma


estação, daria início a um extenso processo que unia a capacidade
científica e a capacidade artística do homem, para criar a indústria
cinematográfica. O cinema preparou o homem para viver em seu
próprio mundo. Se hoje, 2015, ouvíssemos a notícia de que uma
pessoa havia sido tele transportada, de um local para outro, não
nos espantaríamos tanto, quanto aqueles que estavam na exibição
dos irmãos Lumière, pois, por diversas vezes, vimos este fenômeno
acontecer nos filmes de ficção científica. O cinema anteviu a invenção
de aparelhos como o celular e a TV de plasma, fenômenos como o
aquecimento global e acontecimentos como a chegada do homem à Lua.
Ao se transformar em uma forma de linguagem e uma
expressão artística, o cinema trouxe, para o campo da visualidade,
o imaginário criado pela literatura de ficção científica, de autores

119
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

como Júlio Verne, Isaac Asimov e H.G. Wells, entre outros. A partir
do cinema, o imaginário desses autores deixou de ser pessoal e
passou a ser coletivo, apresentado ao mundo na forma de produções
cinematográficas que tinham, na ficção, o seu principal tema.
Muitas foram as produções que trouxeram a Lua, não como
um símbolo do romance entre casais apaixonados, mas sim como o
objeto de desejo da exploração do homem, que sempre sonhou com
o além dos limites da troposfera. Chegar à Lua foi um desejo que
povoou os sonhos do homem até o fim da década de 60 do século
XX e serviu como tema de várias produções cinematográficas.
Dentre os cineastas que usaram o desejo humano de chegar à
Lua como tema principal de seus filmes, George Méliès foi o primeiro
a causar grande impacto junto às plateias de todo mundo. Méliès
(1861-1938) foi um ator de vaudeville, ilusionista, que transpôs sua
Arte do palco para a tela. Produziu mais de 530 filmes, entre 1896 e
1913, período esse que marca o início do cinema e o surgimento das
primeiras grandes produções. Seus primeiros filmes eram registros
de suas apresentações de mágicas, que evoluíram para produções
com trucagens específicas proporcionadas pelos equipamentos
cinematográficos e filmes curtos que, além dos efeitos visuais, já
apresentavam um roteiro e uma produção que anteviam o cinema
que estava por vir.
Figura 3: George Méliès.

Fonte: A Trip to the Moon (2013).

120
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Méliès realizou pelo menos 3 filmes que tinham a Lua como


personagem principal. Em 1898, produziu La lune à un mètre, um
curta de 3 minutos, no qual um astrônomo, interpretado pelo proprio
Méliès, observa em seu telescópio a Lua e essa, ao se sentir invadida,
vinga-se dele, devorando-o. A Lua desse filme é um ser animado,
assustador, de expressão arrogante e sarcástica. Nesse filme, a Lua
é o personagem principal e surge como elemento alegórico, que
determina a ação principal da trama. O astrônomo é o antagonista
coadjuvante, que busca em suas observações, respostas para suas
pesquisas científicas.
Como representante dos primeiros filmes para o cinema, La
lune à un mètre, é carregado de referências ao teatro e ao circo, seja
nas interpretações, cenários, figurinos, seja nos movimentos cênicos.
O astrônomo é a figura de um mago ou bruxo que usa chapéu
cônico, capa, cabelos e barba, longos e brancos, representando uma
idade avançada e consequente sabedoria, trazida com o tempo.
Cenários desenhados e sobrepostos contribuem para os efeitos
especiais, avançados para a época.
Méliès é considerado o primeiro artista a usar os efeitos especiais
para suas produções, reproduzindo no cinema o mesmo sucesso
que fazia nos palcos. Sua produção, como as demais dessa época,
era caseira, experimental, utilizando desde utensílios domésticos a
produtos químicos para efeitos que davam a ilusão de passagem do
tempo e do espaço. Também se atribui a ele a descoberta do efeito,
hodiernamente, conhecido como stop motion, ao, acidentalmente,
pausar a câmera e, sem tirá-la do lugar, ligar mais tarde, obtendo
assim, um efeito até hoje utilizado pelo cinema, a televisão e o vídeo.

121
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 4: a Lua do filme La lune a un metre – 1898.

Fonte: La Lune... – A (1898)

Figura 5: o astrônomo do filme La lune a um metre.

Fonte: La Lune... – B (1898)

Na produção de 1907, L’éclipse du soleil en pleine lune, a Lua


surge dividindo o protagonismo do filme com o sol. O filme mostra,
mais uma vez ,um cientista, um astrônomo, expondo a um grupo de
aprendizes científicos, um eclipse solar. Preserva-se no filme a aura
de mistério e magia que envolve os estudos sobre corpos celestes,

122
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

em especial o sol, a Lua e as estrelas. O observatório é um espaço


de erudição e os participantes se vestem com a suntuosidade que o
momento exige.
Méliès traz a representação alegórica de um fenômeno físico
que sempre seduziu a imaginação dos homens, dando feições
humanas reais aos protagonistas Sol e Lua. Nesse caso, ambos
têm feições masculinas e o encontro entre eles se assemelha a
um encontro furtivo entre dois amantes. O Sol surge como um
elemento dominante, sedutor, visualmente complexo, enquanto a
Lua se apresenta simples, menor, dominada.
Figura 6: Fotograma do filme L’éclipse du soleil en pleine lune.

Fonte: L’Eclipse du... (1907).

Há prazer no encontro dos dois e tristeza na separação, como


se os personagens entendessem que isso só aconteceria novamente,
depois de muito tempo e por vontade da natureza e não por vontade
própria. O filme, nos seus pouco mais de 9 minutos, segue a estética
criada por Méliès e vigente nas produções cinematográficas da época.
O uso de atores animações num mesmo cenário de representação
foi uma forma recorrente nos filmes do primeiro cinema, como
marca da transição de diversas adaptações dos espetáculos teatral e
circense para a, então inovadora, Arte cinematográfica.
Dos mais de 500 filmes produzidos por Méliès, pouco mais
de 40 resistiram ao tempo, sendo que um deles, Cleópatra, de 1899,

123
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

considerado extinto há quase um século, foi descoberto em 2005,


na cidade de Paris.
Foi em 1902 que Méliès produziu o seu filme mais famoso,
considerado a primeira ficção científica do cinema, um filme que se
tornou um clássico e um cult e que teria na imagem da Lua, uma das
cenas mais icônicas da história do cinema: Viagem à Lua.
Baseado em dois livros famosos de ficção científica: “Da Terra
à Lua”, de Júlio Verne, publicado em 1865 e “Os Primeiros Homens
na Lua”, de H. G. Wells, publicado em 1901, o filme relara a saga
de um grupo de cientistas que realiza uma viagem para a Lua. Pela
primeira vez o cinema apresentava um filme que tinha por tema a
maior ambição do homem, até a segunda metade do século XX.
Nenhum tipo de Arte Visual tinha, até então, exposto esse tema.
Figura 7: Fotograma do Eclipse.

Fonte: L’Eclipse du... (1907).

Viagem à Lua (Le Voyage dans la Lune) apresenta, em seus


quase 14 minutos de duração, a conquista da Lua, do planejamento
ao retorno vitorioso à Terra, da equipe de cientistas, liderados pelo
professor Barbenfouillis, interpretado pelo próprio Méliès.
A produção mostra um cenário rico, formado por quadros
sobrepostos, que se movimentam, dando a dinâmica da aventura.
Os recursos do teatro são associados aos efeitos inovadores da, ainda

124
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

recente, linguagem cinematográfica. Méliès se baseou na obra de


Júlio Verne para criar a viagem espacial numa cápsula que lembra
uma bala de revólver e na obra de H.G. Wells para descrever a Lua e
seus supostos habitantes. É interessante observar que, ao dar forma
aos textos literários de Verne e Wells, Méliès traz para as plateias
dos cinemas as possibilidades, ainda que alegóricas, do que seria
a superfície lunar que por tantos anos, dominou o imaginário do
homem. Tanto o livro de Júlio Verne, quanto o de H.G. Wells,
foram adaptados para o cinema, sendo o de Verne filmado em 1958
e o de Wells, em 1919 e refilmado em 1964, com os mesmos títulos.
Cenas marcantes compõem o filme como a nave em forma
de bala, sendo arremessada de cima dos telhados das casas e
impulsionada por um grupo de coristas, vestidas de marinheiro, cuja
cena representou um apelo erótico para a época.
Figura 8: A nave do filme Viagem à Lua – 1902.

Fonte: Procurando um ... (2012).

A cena que sucede o lançamento da nave é aquela que se


tornaria uma das maiores cenas ícones do cinema. A nave chega
ao seu destino, atingindo um dos olhos da Lua, novamente aqui
animada com feições humanas. O próprio Méliès interpretou a Lua
nessa tomada. Pela primeira vez na obra do diretor, a Lua aparece
como um espaço físico, com uma constituição semelhante à da Terra,
habitado por seres que lembram a mistura de um esqueleto com uma

125
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

ave e com um crustáceo, os Selenitas, uma referência a Selene, deusa


grega da Lua. Ali os tripulantes da nave vivem momentos de pura
aventura ao enfrentarem os habitantes lunares. Lutam, sobrevivem
e voltam vitoriosos para a Terra.
Figura 9: A Lua do filme Viagem à Lua.

Fonte: Ribeiro (2013).

Uma das mais belas cenas do filme, carregada de uma poética


visual voltada para o apelo às plateias, acontece quando os tripulantes,
em vez de contemplarem a Lua no céu, contemplam e reverenciam
a Terra, agora o lar distante. O ponto de vista se inverte para esses
poucos seres humanos, como anos mais tarde aconteceria com os
primeiros astronautas que chegaram a Lua e avistaram a Terra.
Figura 10: Fotograma do filme Viagem à Lua.

Fonte: Uma sessão Méliès (1997).

126
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Viagem à Lua foi um marco na história do cinema, seja pela


hábil utilização dos recursos técnicos da linguagem cinematográfica
da época, seja pela ousadia da transposição para o cinema de um
tema explorado, até então, apenas pela literatura. Vários filmes
foram feitos entre a obra de Méliès e a concretização da viagem
lunar de 1969. Outros filmes foram produzidos após a chegada do
homem à Lua, agora com muito mais propriedade sobre o tema.
Porém, Viagem a Lua é o filme com o qual George Méliès assinou
a sua participação na consolidação do cinema enquanto linguagem,
enquanto Arte, e é, na acepção do termo, a obra prima sobre a Lua
no cinema.
A produção cinematográfica sempre foi subsidiada pela
Ciência, quer nos roteiros de grandes produções de Ficção Cientifica,
quer nos recursos usados por essas produções para os efeitos visuais
ou sonoros.
Nessa perspectiva, entendemos a Arte, especificamente,
a cinematográfica, como elemento fundamental num processo
de entendimento sobre a Ciência de um determinado contexto
histórico. Segundo Zanetic, “a Ciência e a Arte, assim como toda
e qualquer realização humana, estão conectadas com as condições
históricas de sua concretização” (2006, p.48). Compreender um
filme sobre Ciência, em sua dimensão histórica, é estabelecer uma
aproximação com o pensamento contemporâneo à produção do
filme. As plateias recebem o filme a partir de uma leitura de mundo,
em parte, determinada pelo pensamento científico vigente.
O cinema de Méliès não representou, para as plateias
contemporâneas as suas produções, apenas uma experiência estética
que iria constituir uma nova Arte. Já representava aquilo que
Guigue (2010) considera como “experiência de vida” (p.324), pois
tratava do limite entre o imaginário e o real, trazia para a tela a
representação da Lua, das estrelas, da terra, a partir de um olhar
próprio, particular, inserido no imaginário coletivo dos homens e
mulheres que, naquele início de século, pressupunham ser a Lua um
lugar habitado por seres monstruosos.

127
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

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128
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

PROCURANDO um lugar na máquina do mundo: a invenção de


Hugo Cabret. 06 mar de 2012. Disponível em <https://armonte.
wordpress.com/2012/03/page/2/> Acessado em 10 de jul. 2016.
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2013. Disponível em <http://www.incinerrante.com/textos/
viagem-a-lua-estetica-e-genero#axzz4MAQ281fc>. Acessado em
10 jul. 2016.
UMA SESSÃO MÉLIÈS: quinze filmes de George Méliès.
Realização: Jacques Meny. Produção: La Cinématheque Méliès.
França: 15 filmes; DVD Vídeo, 1997. 1 DVD (60 min.). son.,
color/PB.
ZANETIC, João. Física e Arte: uma ponte entre duas culturas.
Revista Pro-Posições v. 17, n. 1 (49) - jan./abr. 2006.

Fichas Técnicas dos filmes


La lune à un mètre – O Sonho do Astrônomo
Direção: George Méliès
Ano de produção: 1898
País: França
Duração: 3 minutos (curta)
Gênero: fantasia
Elenco: George Méliès
Características: Silencioso, Preto e Branco e em versão colorido à
mão

Le voyage dans la lune – Viagem à Lua


Direção: George Méliès
Ano de produção: 1902
País: França

129
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Duração: 13 minutos (curta)


Gênero: aventura, fantasia, ficção científica
Elenco: George Méliès, François Lallement, Jules-Eugène Legris,
Victor André , Bleuette Bernon.
Características: Silencioso, Preto e Branco e em versão colorido à
mão, baseado nos romances “De la Terre à la lune” de Julio Verne e
“First Men in the Moon” de H.G. Wells.

L’éclipse du soleil en pleine lune


Direção: George Méliès
Ano de produção: 1907
País: França
Duração: 9 minutos (curta)
Gênero: fantasia, romance
Elenco: George Méliès
Características: Silencioso, Preto e Branco.

130
CAPÍTULO 5
A INFLUÊNCIA DA LUA NOS ORGANISMOS
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

5. A INFLUÊNCIA DA LUA NOS ORGANISMOS

Adelive Pietrowski Baldin Margutti


Carlos Alberto de Oliveira Magalhães Júnior
Gledson Vigiano Bianconi

Como tudo começou


A Lua sempre esteve presente em nossas vidas e seus encantos
e mistérios fascinam a humanidade há milhares de anos. As primeiras
observações científicas sobre este satélite natural ocorreram com a
invenção do telescópio no início do século XVII, sendo creditado ao
astrônomo italiano Galileu Galilei.
A Lua não apresenta luz própria, apenas reflete a do Sol.
Conserva-se constantemente com um hemisfério escuro e um
iluminado. Daqui sempre vemos o mesmo lado, uma vez que a Lua
gasta um tempo similar para girar sobre seu eixo e para orbitar na
Terra, ou seja, sua rotação é sincronizada com o nosso planeta. Além
do mais, por meio da moderação da oscilação da Terra sobre seu
eixo, tem-se um clima estável ao longo de bilhões de anos (NASA,
2015).
O ciclo lunar ou mês lunar consiste nos movimentos exercidos
pela Lua e desenvolvimento de todas as suas fases em torno da Terra
e do Sol, que têm duração de 29 dias, 12 horas, 44 minutos e 2,8
segundos. Este evento, conhecido como mês sinódico, foi o alicerce
dos primeiros calendários do homem. Consiste de quatro fases
(RIVERA, 2005):

1. Lua nova: quando a Lua se encontra entre a Terra e o Sol.


Ocorre quando a luz solar incide completamente na face
“oculta” a nós da Lua. Este fenômeno ocorre uma vez ao mês
e o Sol e a Lua posicionam-se em um lugar diferente a cada
Lua nova, encontrando-se no mesmo lugar somente após oito
anos.
2. Quarto Crescente: a Lua está a um quarto da sua volta –
formando um ângulo de 90º com a Terra e o Sol - sendo
observada uma metade iluminada.

133
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

3. Lua cheia: a Lua localiza-se entre a Terra e o sol com a face


totalmente iluminada voltada para nosso planeta.
4. Quarto Minguante: a Lua está recuando em linha com o Sol,
viajando três quartos de sua órbita. Forma um ângulo de 90º
com a Terra e o Sol, oposto à fase Quarto Crescente.
As áreas mais claras do satélite são as terras altas, enquanto que
as escuras, conhecidas como ‘maria’ (mar em Latim), são bacias de
impacto que foram preenchidas com lava entre 4,2 e 1,2 bilhões de
anos atrás. Ainda não se sabe ao certo a origem da Lua, entretanto,
de acordo com o site da NASA (2015) e alguns pesquisadores
(TRANFIELD, 2013 e COMINS, 1996), a teoria mais aceita
atualmente é a que um corpo do tamanho de Marte chocou-se com
a Terra há cerca de 4,5 bilhões de anos e os resquícios resultantes
acumularam-se para formar nosso satélite natural.
Inicialmente, a Lua ainda recém-formada encontrava-
se em um estado fundido e, somente após cerca de 100 milhões
de anos, foi que se constituiu a crosta lunar. Já o mecanismo de
campo magnético global exercido em planetas terrestres pode ter se
desenvolvido logo cedo (NASA, 2015).
A primeira visita à Lua foi em 1959 pela extinta URSS e, em
seguida, pelo EUA. Todavia, antes da chegada do homem ao satélite
de fato, houve três outras missões do país a fim de condicionar a
exploração humana, que se viabilizou em 20 de julho de 1969 com
a missão Apollo. Os astronautas trouxeram cerca de 380 quilos
de material (rochas e solo) para estudo. Finalmente, em 2012, o
Laboratório de Recuperação de Gravidade e Interior (GRAIL)
produziu o mais detalhado mapa do campo gravitacional de
qualquer corpo celeste até então (NASA, 2015).
O único satélite natural da Terra é puramente chamado de
Lua, pois as pessoas não sabiam da existência de outras até Galileu
Galilei descobrir quatro orbitando Júpiter em 1610. Nós as
titulamos de luas, uma vez que, assim como a nossa, consistem em
satélites naturais orbitando um corpo do sistema solar, que, por sua
vez, orbita uma estrela. As outras luas, dos outros planetas, recebem
nomes diferentes simplesmente para que não sejam confundidas
umas com as outras (NASA, 2015).

134
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Mas, e se não houvesse a Lua? Haveria vida na Terra? Caso


houvesse, seria como é atualmente? A vida terrestre evoluir-se-ia
da mesma maneira? De fato, é sabido que a Lua emana energia e
desempenha uma força gravitacional que opera em diversos tipos
de organismos, como plantas e animais. Pode-se destacar a ação que
provoca as marés, a qual influencia diversas vidas marinhas que são
abrangidas por esse fluxo de águas. E como isso ocorre?
A gravidade consiste na força universal de atração entre
todas as matérias. Grandes oceanos banham todo o litoral
terrestre e seu volume altera acima e abaixo de uma altura média.
A esta grande oscilação da massa líquida dá-se o nome de marés
(MANTELLATTO; CARBONE; MASSAGO, 2012).
As marés acontecem devido à ação gravitacional entre dois
corpos que diminui com a distância, a gravidade puxa o que estiver
mais próximo com mais força do que aquilo que estiver mais longe,
deste modo, os oceanos mais próximos à Lua sentirão maior atração
em sua direção. Por serem fluidos, os oceanos mais próximos se
movem para cima em resposta à atração da Lua, até que haja um
equilíbrio entre a força para cima (da Lua), e a força descendente
(da Terra). A maré alta, localizada no lado da Terra mais distante da
Lua, ocorre porque estes oceanos possuem menor atração ao satélite
e pela inércia de movimento da Terra (COMINS, 2015).
Apesar de exercer grande influência sobre os oceanos, a Lua
não é o único astro incumbido da tarefa de promover as marés. Se ela
não existisse, a única gravitação exercida sobre a Terra seria a do Sol,
que é responsável por um terço das marés do planeta (COMINS,
1996). A Figura 1, a seguir, traz um esquema de influência da Lua
e do Sol na maré.
Ainda que a massa do Sol seja bem maior em relação à da Lua,
por localizar-se bem mais distante da Terra, sua gravidade exercida
sobre nosso planeta é menor e, portanto, a maré exercida terá menor
efeito do que a promovida pela Lua. Na Lua Nova e Cheia - quando
Sol, Terra e Lua estão alinhados - as duas forças gravitacionais se
somam e produzem as marés cheias mais altas e as marés baixas
mais baixas, respectivamente. Já as marés mais brandas, ocorrem
nos períodos em que a Lua se alinha perpendicularmente à Terra,

135
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

formando um ângulo de 90º em relação ao Sol. Portanto, nas


Luas Quarto Crescente e Quarto Minguante (MANTELLATTO;
CARBONE; MASSAGO, 2012).
Figura 1: Influência na maré promovida pela Lua e pelo Sol.

Fonte: Margutti; Magalhães Júnior; Bianconi (2016).

Além disso, sem a Lua, a rotação do nosso planeta aumentaria


e o dia teria em média uma duração de oito horas, com dias mais
curtos e rotação mais rápida, por conseguinte, ventos mais fortes.
Ventos de 100 milhas por hora ocorreriam diariamente e furacões
seriam bem mais nocivos (COMINS, 2015).
Fortes ventos também não favoreceriam formas de vida que
não são estabilizadas através de seu peso - com corpos largos ou
raízes profundas. Como exemplo, podemos citar as palmeiras, que
seriam uma improvável forma de vida em um planeta sem lua,
pois apresentam raízes superficiais e seriam, portanto, facilmente
derrubadas pelos intensos ventos (COMINS, 2015).
As marés lunares são também as responsáveis por terem
preenchido os primeiros oceanos com os elementos químicos

136
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

necessários para que a vida pudesse se desenvolver sob a radiação


solar. Somente com as marés exercidas pela gravidade do Sol haveria
um atraso de milhares de anos para enriquecer os mares com os
subsídios químicos necessários à vida. Assim sendo, provavelmente
despenderia um tempo bem mais longo para a vida evoluir
(COMINS, 2015).
Por fim, o atual valor constante do ângulo de inclinação do
eixo da Terra é 23,5º e isso ocorre graças à atração gravitacional
entre a Lua e o nosso planeta. Essa estabilidade proporciona nosso
clima razoavelmente constante e previsível, tais quais as estações do
ano. Se a Lua não existisse, o eixo oscilaria frequentemente assim
como ocorre em Marte, um planeta sem um satélite (TRANFIELD,
2013).
A Lua nas pesquisas
Os efeitos da Lua sobre o comportamento dos organismos
intrigam os pesquisadores e aficionados até hoje. A influência do
ciclo lunar sobre o comportamento humano, por exemplo, tem sido
averiguada há algum tempo por estudiosos, por meio de critérios
científicos.
Existem muitas crenças e folclore acerca da influência da Lua
em diversos aspectos da vida humana, principalmente relacionados
à morte, como aumento das vítimas de violência, acidentes de
carro, crimes, overdoses e suicídios em determinada fase lunar.
No entanto, não há evidências satisfatórias para assumir qualquer
relacionamento entre a Lua e o corpo humano, pois diversos estudos
na área não demonstram relação significativa entre as variáveis taxa
de mortalidade e ritmo lunar (ZANCHIN, 2001).
Um monitoramento ambulatorial da pressão arterial (MAPA)
realizado com 158 indivíduos saudáveis e não hipertensos, com
menos de 40 anos de idade, em Istambul, Turquia, durante as
quatro fases da Lua, não demonstrou diferenças significativas na
média sistólica e diastólica entre os indivíduos, não evidenciando,
portanto, qualquer relação entre as fases lunares e a pressão arterial
(ERTAŞ et al., 2014).
A influência lunar sobre a frequência de suicídio foi avaliada
por testes estatísticos de permutação. Para tal, analisaram-se 897

137
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

mortes por suicídio, segundo relatórios do Instituto de Anatomia


Forense de Madrid. Não foi possível estabelecer qualquer relação
significativa entre o ciclo sinódico e a taxa de suicídio (GUTIÉRREZ-
GARCIA; TUSELL, 1997).
Também há muitas superstições acerca da influência da lua nos
nascimentos e mortes. Diversas civilizações e culturas relacionam
o satélite e suas fases com a fecundidade, gestação e parto, sendo
frequente alguns profissionais da obstetrícia reforçarem essa ideia.
Entretanto, um levantamento bibliográfico baseado em resultados
de diversos autores concluiu que, embora existam correlações de
partos com as fases da lua, faltam evidências persuasivas e estatísticas
que confirmem tal analogia (BUENO; IESSI; DAMASCENO,
2010). No estudo de Silveira (2003), a partir da apresentação de
resultados, evidencia-se não existir diferenças entres as fases da
Lua e o nascimento. Noutro sentido, Nadeem et al. (2014), após
analisarem retrospectivamente dados de 4.387 doentes internados
na unidade de terapia intensiva entre dezembro de 2002 e novembro
de 2004, na Universidade de Medicina e Ciência Rosalind Franklin
de Chicago, concluíram que a Lua cheia não afeta a mortalidade.
Possivelmente, o motivo de algumas pessoas acreditarem no
poder da influência da Lua sobre algum desvio de comportamento,
evidencia o crédito do folclore e da tradição popular na transmissão
desses conhecimentos. Além disso, a vivência pessoal pode reforçar
essas percepções ligando as fases da Lua a eventos anormais em uma
relação de causa-efeito (GUTIÉRREZ-GARCIA; TUSELL, 1997).
Na contramão dessas investigações que não demonstraram
relação da Lua com nosso comportamento, Cajochen et al. (2013)
evidenciaram que o ritmo lunar pode modular a estrutura do sono
em humanos - quando medido em condições altamente controladas
por um protocolo de estudo de laboratório e sem pistas temporais.
A pesquisa foi realizada com 33 voluntários na qual se descobriu
que, na Lua cheia, o eletroencefalograma (EEG) da atividade
delta durante o sono NREM (non-rapid-eye-movement), um
indicador de sono profundo, diminuiu 30%, o tempo de adormecer
aumentou 5 minutos, e a duração total de sono foi reduzida em 20
minutos. Essas mudanças foram associadas com uma diminuição na

138
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

qualidade subjetiva do sono e na diminuição endógena dos níveis de


melatonina – um marcador hormonal do sistema de temporização
circadiana. A melatonina é capaz de levar ao sono em humanos, bem
como sua retirada capaz de diminuir a sonolência (MARQUES;
BARRETO-MENNA, 2003, p.219).
Como já vimos, em determinadas posições da Lua, a água dos
oceanos muda atingindo uma altura máxima para depois diminuir,
e, assim, sucessivamente. A gravidade lunar também contribui nos
líquidos dos organismos, atuando nos seus processos vitais num
efeito parecido com a influência que as fases lunares exercem sobre
o movimento das marés. A Lua cheia, por exemplo, desloca a seiva
que há nas raízes para os ramos, indicando o melhor momento
para colheita dos frutos. Por este motivo, não é interessante realizar
podas nesta fase, pois a seiva estaria concentrada nos brotos
(BARREIRO, 2003). Contudo, este fenômeno de ação na seiva das
plantas é observado de maneira mais clara em vegetais de troncos
altos com poucos canais vasculares e precária comunicação entre eles
(RIVERA, 2005).
A Lua exerce influência sobre a atividade de formação e
a qualidade dos açúcares nos vegetais. Tem-se a fase crescente
como a que constrói, absorve, inspira, armazena energia, acumula
força; enquanto que a minguante é considerada a que clarifica,
transpira, expira, convida ao gasto energético. Assim, legumes que
desenvolvem e produzem folhas devem ser trabalhados no período
das luas minguante e nova, e os que produzem frutos e flores
cultivam-se nas luas crescente e cheia (RIVERA, 2005).
Estudos na Europa na década de 1970, quando a agricultura
orgânica se fortaleceu e decidiu-se examinar a influência lunar
e astral nos campos de uma maneira desprovida de preconceitos,
demonstraram duas regras mais comuns sugeridas pelos calendários
lunares: “tudo que vai crescer debaixo da terra (cenoura, inhame,
mandioca, batata, cebolas, etc.) deve ser plantado na Lua minguante;
tudo que frutifica acima da terra (milho, feijão, frutas, etc.) planta-se
na Lua crescente.” (REIS; QUEIROZ; FRÓES, 2004, p.16).
A explicação para este fato não tem segredo: consiste no
melhor aproveitamento da luz lunar. As sementes plantadas na fase

139
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

crescente recebem a cada dia maior luminosidade da Lua, logo,


apresentam maiores chances de germinar e desenvolver a parte aérea
mais rapidamente, realizando a fotossíntese com mais eficácia. Já na
Lua minguante, por outro lado, as sementes permaneceriam mais
tempo na escuridão até a Lua nova, encontrando, nos primeiros
dias, menos disponibilidade da luz lunar e cruzando, assim, um
período vegetativo mais longo, fortalecendo as raízes antes de brotar
(BARREIRO, 2003).
Do mesmo modo, em estudos com o Lulo (Solanum quitoense
LAM), um fruto tropical e exótico originário dos Andes que
apresenta coloração laranja quando maduro, a fase da Lua nova
desempenhou efeitos positivos em enxertos da planta, dentre os
quais destaca-se uma menor taxa de mortalidade e maior diâmetro e
comprimento dos brotos (GERMAN, 2015)
Em hortaliças não foi encontrado o mesmo efeito do ritmo
lunar. Um estudo feito há algumas décadas averiguou a influência
da Lua no desenvolvimento e comportamento em relação ao
fotoperiodismo e temperatura de quatro grupos de hortaliças -
herbáceas, de raízes, de bulbos e de frutos. A investigação foi realizada
durante muitos anos em diversas épocas, sendo algumas das plantas
escolhidas por serem consideradas sensíveis ao luar, enquanto outras,
por serem sensíveis à temperatura e ao fotoperiodismo. Entretanto,
apesar de em alguns casos ter sido possível observar uma variação
na produção, esta foi quase sempre conferida a outras causas, não
tornando possível a relação delas com as fases da Lua (SIMÃO, 1958).
Devem-se levar em consideração, todavia, que, devido ao
tempo de a semeadura ser diferente nos diversos tipos de vegetais, as
condições climáticas também sofrerão variação, podendo interferir
nos resultados e culminar na identificação errônea da relação entre a
Lua e o crescimento e desenvolvimento das plantas.
Investigações acerca do comportamento de insetos
(SANT’ANA; LOZOVEI, 2001; SOARES, 2014) sob influência
das fases da Lua não demonstraram qualquer ligação entre o ritmo do
satélite e o padrão de atividade dos mesmos. Contudo, há inferências
na literatura a técnicas de manejo ponderadas sobre as fases da Lua e
o mês de corte em algumas espécies de bambu, visando minimizar o

140
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

ataque da praga Dinoderus minimus, conhecida popularmente como


caruncho. Nessas abordagens, a Lua cheia é considerada a melhor
fase para se realizar o corte, uma vez que representa as menores
quantidades médias de furos e de insetos adultos na planta. Sugere-
se que a intensa luminosidade desse período age desorientando os
insetos, causando alterações em sua fisiologia e fazendo-os procurar
abrigo (SARLO, 2000).
Não raros na literatura são os estudos que abordam a influência
da luminosidade lunar no padrão de forrageio e deslocamento de
animais de hábito noturno. Por exemplo, numa relação predador-
presa, espera-se que as presas reduzam sua atividade de forrageio
(procura por recursos alimentares) em resposta à maior eficiência dos
predadores durante as noites enluaradas. A este comportamento para
evitar predadores foi dado o nome de fobia lunar’ (MORRISON,
1978).
Estudiosos do comportamento animal têm demonstrado com
relativa frequência a fobia lunar em morcegos. Embora os primeiros
trabalhos neste tema datem a década de 1970, até recentemente
as evidências de que a atividade desses mamíferos diminui com o
aumento da luz eram contraditórias. Contudo, em uma avaliação
bastante confiável do fenômeno, envolvendo mais 25 espécies
distribuídas em diferentes partes do mundo, Saldaña-Vázquez e
Munguía-Rosas (2013) comprovaram de maneira bastante clara a
existência da fobia lunar para o grupo.
Recentemente, Prugh e Golden (2014) realizaram uma
meta-análise examinando os efeitos do luar sobre a atividade de 59
espécies de mamíferos noturnos. Em seus resultados, observaram
que a luminosidade aumenta a atividade de presas que usam a
visão como seu sistema sensorial primário, e reduz a atividade de
espécies que usam principalmente outros sentidos, como o olfato e
a ecolocalização1. Os autores destacam a importância dos sistemas
sensoriais e da história evolutiva das espécies na determinação do
nível de risco de predação.
1
Sugerimos este vídeo para visualizar o esquema de como um morcego caça por
ecolocalização: https://www.youtube.com/watch?v=y-dgzjkTHz8.

141
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

As tartarugas marinhas geralmente eclodem seus ovos durante


a noite e, após o nascimento, iniciam o processo de migração para o
mar através da luminosidade da Lua refletida na água. A luz noturna
faz parte do processo de orientação dos filhotes, sendo importante
lembrar que, caso nascessem de dia, a luz do sol que vem de todas as
direções interferiria na orientação dos filhotes, levando-os inclusive à
desidratação (GOMES et al., 2006 apud LUTZ; MUSICK, 1997).
Vimos que a Lua e a gravidade exercida por ela influenciam o
movimento da água nos oceanos. As marés estabelecem um padrão
comportamental em peixes tornando-os mais ativos em baixas
velocidades de correntes, e menos ativos nas de maior velocidade,
pois precisam despender menos energia. A consequência da maré
é mais sentida pelos peixes da região entremarés. Geralmente, os
indivíduos chegam a esses locais junto à maré alta para alimentar-se
e retiram-se com a maré baixa; do mesmo modo, os peixes pequenos
locomovem-se nestas áreas a fim de encontrar lugares para proteção,
tornando estas zonas modelos rítmicos de composição e abundância
de espécies (GODEFROID et al., 2003).
Análises da ação das marés e da fase lunar sobre a captura de
peixes em uma planície da Baía de Paranaguá, realizadas entre agosto
de 1998 e julho de 1999 nas marés altas e baixas das Luas minguante
e cheia, demonstraram que o número médio de espécies capturadas
foi significativamente maior na Lua cheia, enquanto que a média da
diversidade e equitatividade foram maiores na maré alta; sendo o
peso dos exemplares coletados também maiores na Lua cheia e maré
alta, com indicação de que os cardumes de peixes sofrem alterações
com o ciclo de maré (GODEFROID et al., 2003).
Ainda que as ondas desempenhem um papel mecânico
destrutivo, elas possibilitam o fluxo de água e nutrientes promovendo
a circulação e deposição dos sedimentos, renovando as moléculas de
oxigênio e gás carbônico diluídos na água. Como nos tempos mais
remotos da Terra, abordado inicialmente no texto, esse fluxo intenso
colabora viabilizando diferentes formas de vida, das quais, seja o
mar o hábitat ou os costões rochosos do litoral, dependem da ação
da água para sobreviverem.

142
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

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146
CAPÍTULO 6
LUA: AS VARIAÇÕES DOS INTERVALOS DE
TEMPO ENTRE AS FASES PRINCIPAIS DA
LUA E AS CORES DA LUA CHEIA
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

6. LUA: AS VARIAÇÕES DOS INTERVALOS DE TEMPO


ENTRE AS FASES PRINCIPAIS DA LUA E AS CORES DA
LUA CHEIA

Fernando Lang1
Maria de Fátima Oliveira Saraiva2

Este capítulo foi elaborado a partir de dois artigos sobre o


tema Lua. O primeiro, As Variações dos Intervalos de Tempo entre as
Fases principais da Lua3 de Fernando Lang da Silveira, foi publicado
na Revista Brasileira De Ensino de Física. O segundo, As cores da
lua cheia4, foi publicado na revista Física na Escola e de autoria de
Fernando Lang da Silveira e Maria de Fátima Oliveira Saraiva. O
editor das revistas5 e o autor Fernando Lang da Silveira concederam
a publicação dos artigos desde que devidamente referenciados.
Destacamos que Fernando Lang, além destes, possui outros artigos
publicados que apresentam diferentes conhecimentos sobre o tema
Lua. Ao final deste capítulo, após as referências, estão indicados
outros artigos do autor, bem como postagens do sítio Pergunte ao
CREF6 tratando de temas relacionados à Lua.
Os artigos podem ser encontrados on line na íntegra, mas,
para o presente capítulo, fizemos um recorte ao uní-los priorizando
o tema Lua. Do primeiro artigo, selecionamos os seguintes itens:
1
O Professor Fernando Lang da Silveira, da UFRGS, atendendo ao nosso pedido
organizou dois de seus artigos.
2
Departamento de Astronomia, Instituto de Física da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul – UFRGS
3
SILVEIRA, Fernando Lang da. As Variações dos Intervalos de Tempo entre as
fases principais da Lua. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, 23 (3),
set. 2001. P. 300 a 307. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbef/v23n3/
v23n3a08.pdf>. Acesso em 13 de jun. 2016.
4
SILVEIRA, Fernando Lang da; SARAIVA, Maria de Fátima Oliveira. As cores
da Lua cheia. Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008. p. 20 a 24. Disponível em: <http://
www.sbfisica.org.br/fne/Vol9/Num2/a07.pdf>. Acesso em 13 de jun. 2016.
5
Utilizou-se a maior parte do artigo sem alterações em seu conteúdo. A única
alteração foi quando à correção a partir das novas normas ortográficas. As
referências foram apresentadas de acordo com as normas da revista.
6
Centro de Referência para o Ensino de Física do IF-UFRGS - http://www.
if.ufrgs.br/cref/?area=indice. Acesso em 13 de jun. de 2016.

149
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Introdução, Uma explicação para as fases da Lua, Aprimorando a


explicação: a órbita do sistema Terra-Lua em torno do Sol e a órbita da
Lua em torno da Terra são elípticas, Perturbações sofridas pelo sistema
Terra−Lua. Do segundo artigo, selecionamos: As cores da Lua cheia
e A cor da Lua durante seu eclipse e a Conclusão.

AS VARIAÇÕES DOS INTERVALOS DE TEMPO ENTRE


AS FASES PRINCIPAIS DA LUA

Fernando Lang da Silveira7

1. Introdução

As quatro principais fases da Lua (Nova, Quarto Crescente,


Cheia e Quarto Minguante) ocorrem nessa ordem durante um mês
sinódico ou lunação, cuja duração é de aproximadamente 29,5 dias.
Então, poder-se-ia pensar que o intervalo de tempo entre duas fases
consecutivas da Lua é um quarto de 29,5 dias. Contudo, a consulta
a um calendário com as datas das fases principais da Lua revela que
tal ideia é errada. O número de dias entre fases consecutivas é, em
sua maioria, 7 ou 8, mas também ocorrem intervalos de até 9 dias
ou de apenas 6 dias. Por exemplo, em 5 de junho de 2001 ocorre
uma Cheia que é seguida 9 dias depois (14 de junho de 2001) pela
Quarto Minguante; em 12 de agosto de 2001, acontece uma Quarto
Minguante que é sucedida após 6 dias (18 de agosto) pela Nova.
Entre 2000 e 2002 ocorrem, entre as fases principais sucessivas,
apenas 5 intervalos de 6 dias e 4 de 9 dias. Dos restantes 90 intervalos,
55 são de 7 dias e 35 são de 8 dias. Se fizermos um levantamento
do número de dias entre as fases principais consecutivas durante
um grande período de tempo (entre 1940 e 2020), verificaremos
que 48,0% desses 1 intervalos são de 7 dias, 40,9% são de 8 dias,
somente 8,3% são de 6 dias e apenas 2,8% são de 9 dias. A Figura
1 mostra, em dias inteiros, o tempo que, entre 2000 e 2002, separa
cada fase principal da Lua da fase seguinte.
7
Departamento de Física, Instituto de Física da Universidade Federal do Rio
Grande – UFRGS - lang@if.ufrgs.br.

150
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 1: Dias inteiros que trasncorrem entre uma faze principal da Lua e a fase
seguinte no período de 2000 a 2002.

Observa-se na Figura 1 que, para uma específica fase principal,


por exemplo, Nova, o tempo para a fase que lhe sucede é variável (6,
7, 8 ou 9 dias).
A explicação para a existência das diferentes fases da Lua já era
conhecida desde a Antiguidade. Aristóteles (384 − 322 A.C.), em
sua obra Analítica Posterior, já destacava que a Lua não possui luz
própria e que a sua face brilhante é a face voltada para o Sol (Losee,
1993). Como a Lua gira em torno da Terra, sua aparência para um
observador terrestre dependerá da posição relativa Sol −Lua−Terra.
2. Uma explicação para as fases da Lua
Na Figura 2, é apresentado um típico diagrama utilizado para
explicar as fases da Lua, repres0]
[Estando em movimento de translação circular uniforme em
torno da Terra; a parte da Terra que ali aparece é o hemisfério norte8·,
que gira no sentido anti-horário (mesmo sentido da translação da
Lua em torno da Terra). O Sol, muito distante, ilumina a região
do sistema Terra−Lua com raios luminosos praticamente paralelos
entre si, mas não exatamente paralelos ao plano da órbita da Lua.
8
Na verdade o eixo de rotação da Terra está inclinado cerca de 66,5o em relação
ao plano de sua órbita em torno do Sol (eclíptica). Desta forma, a região da Terra
vista na figura é, em sua maior parte, o hemisfério norte, mas também aparece uma
pequena parcela do hemisfério sul.

151
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 2: Lua em órbita circular em torno da Terra.

O plano da órbita da Lua em torno da Terra se inclina


aproximadamente 5 graus em relação ao plano da órbita da Terra
em torno do Sol (eclíptica), conforme representa a Figura 3 (para
que esse ângulo possa ser representado, a figura o exagera). Caso
esses dois planos coincidissem, a cada Nova ocorreria um eclipse do
Sol e a cada Cheia ocorreria um eclipse da Lua. Os eclipses somente
são possíveis quando a Lua, na fase Nova ou Cheia, estiver próxima
a um dos dois pontos de interseção da sua órbita com o plano da
eclíptica (esses pontos são denominados nodos); a cada ano ocorrem,
no mínimo, dois e, no máximo, sete eclipses (Mourão, 1993).
Figura 3: Plano de órbita da Lua e a eclíptica.

152
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A Figura 4 explicita melhor as posições relativas Sol−Lua−


Terra em cada uma das quatro fases principais. É importante destacar
que, nas figuras deste trabalho, os diâmetros dos três corpos, bem
como as distâncias entre seus centros, não estão representados em
escala. Uma Nova ou Cheia ocorre quando, ignorando-se o fato de
que o plano da órbita lunar não coincide com a eclíptica, os três
corpos estão alinhados. A fase será Quarto Crescente ou Quarto
Minguante quando o ângulo Sol−Lua−Terra for 90º.
Figura 4: Posição relativa Sol-Lua-Terra para as quatro fases principais da Lua.

Cada posição relativa está associada a uma específica posição


da Lua em sua órbita. O horário em que ocorre uma fase principal
é muito bem conhecido e pode ser encontrado em uma tabela de
lunações9 (essas tabelas adotam precisão de minuto; já a maioria
dos calendários comuns assinalam apenas o dia em que ocorre uma
9
Uma tabela de lunações, para um determinado ano, fornece, para qualquer das
fases principais da Lua, a data do evento (mês e dia) e o horário com precisão de
minuto. O cálculo de tais tabelas não é simples, pois a órbita da Lua é irregular.
Tais irregularidades ocorrem devido às influências do Sol e dos planetas, à não
esfericidade da Terra e aos efeitos de maré (cálculos precisos da órbita da Lua
envolvem mais de uma centena de termos). Neste trabalho utilizamos tabelas de
lunações geradas pelo Observatório Nacional do Brasil.

153
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

fase principal). Uma consulta à tabela para 2002, produzida pelo


Observatório Nacional, revela que a primeira Lua Nova de 2002
será em 13 de janeiro, às 10 h 29 min pelo horário normal de
Brasília. O gráfico da Figura 5 constitui-se em uma representação
mais precisa dos intervalos de tempo que separam uma fase
principal da subsequente. Percebe-se que esses intervalos variam
entre aproximadamente 6,5 dias e 8,3 dias; em média transcorrem
7,38 dias entre uma fase principal e a subsequente.
Figura 5: Tempo decorrido entre uma fase principal da Lua e a fase seguinte no
período de 2000 a 2002.

O modelo adotado na Figura 2 não consegue explicar


as variações do intervalo de tempo entre duas fases principais
consecutivas; da representação feita naquela figura decorre que o
intervalo de tempo entre duas fases principais consecutivas deveria
ser sempre o mesmo, já que a Lua se encontra em movimento circular
uniforme em torno da Terra. No presente trabalho pretende-se
descrever com mais precisão o movimento da Lua, possibilitando,
assim, uma explicação qualitativa para a irregularidade dos intervalos
de tempo entre as fases principais. No final serão apresentadas
algumas equações que auxiliam a efetuar o cálculo do momento
em que cada uma das quatro fases ocorre. Todos os dados sobre
os momentos em que ocorrem as fases principais da Lua foram

154
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

retirados de tabelas de lunações de 1940 a 2020, produzidas pelo


Observatório Nacional10.
3. Aprimorando a explicação: a órbita do sistema Terra-Lua em
torno do Sol e a órbita da Lua em torno da Terra são elípticas
A primeira correção importante no modelo apresentado na
Figura 2 é que a distância Terra-Lua é variável, sendo a órbita lunar
em relação à Terra aproximadamente elíptica11. A excentricidade
da órbita lunar não é desprezível; a distância média entre o centro
da Terra e o centro da Lua é 384.000 km (60,3 raios terrestres),
variando entre 356.800 km (56,0 raios terrestres) no perigeu e
406.400 km (63,8 raios terrestres) no apogeu (Oliveira Filho e
Saraiva, 1997).
O período sideral da Lua (intervalo de tempo em que a Lua
descreve uma volta em torno da Terra no sistema de referência das
estrelas fixas) é aproximadamente 27,32 dias12. O tempo entre duas
fases iguais consecutivas (por exemplo, duas Novas consecutivas),
denominado de período sinódico da Lua, é aproximadamente 29,53
dias. Para se compreender a diferença entre esses dois períodos, deve-
se ter em conta que, enquanto a Lua descreve uma volta em torno
da Terra, o centro de massa do sistema Terra−Lua13 se translada
em torno do Sol em uma órbita aproximadamente circular14. A
10
O leitor interessado poderá facilmente obter tabelas de lunações (e outras tantas
informações astronômicas) acessando o endereço eletrônico do Observatório
Nacional (www.on.br). Existem inúmeros outros “sites” de Astronomia que podem
ser consultados, entre eles, www.usno.navy.mil, www.if.ufrgs.br/ast.
11
Caso o sistema Terra-Lua consistisse de dois corpos com distribuição de massa
esférica e não interagisse com qualquer outro corpo (Sol, planetas e demais
constituintes do sistema solar), o movimento relativo Terra-Lua seria exatamente
elíptico, sempre com o mesmo período.
12
Mais precisamente, o período sideral da Lua é em média 27,32166 dias, variando
em até 7 horas devido às perturbações que o sistema Terra−Lua sofre (Payne-
Gaposchkin e Haramundanis; 1970).
13
A massa da Lua é aproximadamente 1/81 da massa da Terra. O centro de massa
do sistema Terra-Lua situa-se na linha que une o centro dos dois corpos, em média
a 0,74 raios terrestres do centro da Terra. Assim sendo, o centro de massa do
sistema encontra-se dentro da Terra.
14
A excentricidade da órbita do sistema Terra−Lua em torno do Sol é 0,017; ao
periélio corresponde uma distância de 147,1 x 106 km e ao afélio 152,1 x 106 km. A

155
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 6 representa essa situação (as dimensões dos três corpos, as


distâncias entre os seus centros e a excentricidade da órbita da Lua
não estão em escala; a distância média Terra−Sol é cerca de 394
vezes a distância média Terra-Lua).
Figura 6: Representação de três Novas consecutivas

A Figura 6 nos ajuda a perceber que, após transcorrer um mês


sinódico, isto é, no período entre duas Novas consecutivas, a Lua
se translada mais do que uma volta completa em torno da Terra;
assim, o período sinódico da Lua acaba sendo maior do que o seu
período sideral.
Devido à excentricidade da órbita do sistema Terra-Lua em
torno do Sol e da órbita da Lua em torno da Terra, as velocidades
angulares desses dois movimentos são variáveis15. Como a duração
do mês sinódico depende das duas velocidades angulares, o período
sinódico da Lua não poderia ser constante.
O gráfico da Figura 7 mostra como a duração do mês sinódico
(de Nova a Nova) varia entre 1984 e 2006.
excentricidade da órbita da Lua em torno da Terra é 0,055, portanto cerca de três
vezes a do sistema Terra−Lua em torno do Sol.
15
A Mecânica Newtoniana (conservação da quantidade de movimento angular)
permite demonstrar que, quando diminui o raio da órbita, aumenta a velocidade
angular.

156
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 7: Variação do período sinódico da Lua entr 1984 e 2006.

O período sinódico da Lua é em média 29,53 dias, variando


entre 29,3 e 29,8 dias. As causas dessas variações, além das já referidas
acima, são diversas (mais adiante retomaremos essa questão).
A excentricidade da órbita da Lua em torno da Terra também
é responsável por variações no intervalo de tempo que separa duas
fases principais consecutivas. Na Figura 8 é possível perceber que,
em um dado mês lunar, os comprimentos das trajetórias entre as
fases principais consecutivas não são iguais16; também a Figura 8
indica que, em meses diversos, o comprimento da trajetória entre
as mesmas duas fases principais consecutivas (por exemplo, entre
Nova e Quarto Crescente) é diferente. Assim, os intervalos de tempo
associados às passagens entre as fases principais (que dependem não
apenas do comprimento das trajetórias, mas também da velocidade
linear17 em cada ponto da trajetória), não são iguais ao longo do
mesmo mês lunar, variando também de um mês para outro (vide os
gráficos das Figuras 1 e 5).
16
Por simplicidade, na Figura 8, não está sendo considerada a translação do sistema
Terra−Lua durante o mês sinódico. Esta translação determina que o deslocamento
angular da Lua em relação à Terra entre duas fases principais consecutivas seja
maior do que 90o (aproximadamente 97o).
17
A velocidade linear da Lua em relação à Terra é máxima no perigeu e mínima no
apogeu, variando de um ponto para outro da trajetória.

157
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 8: Representação das fases principais da Lua em diferentes meses lunares.

4. Perturbações sofridas pelo sistema Terra−Lua


O movimento da Lua em relação à Terra depende
preponderantemente da interação gravitacional entre esses dois
corpos. Entretanto, tal movimento sofre perturbações devidas
às ações gravitacionais dos demais corpos do sistema solar. As
perturbações mais importantes são aquelas produzidas pelo Sol
porque o campo gravitacional do Sol sobre o sistema Terra−Lua
não é uniforme. Conforme Silveira e Axt (p. 232−233, 2000):
O campo gravitacional externo ao sistema Terra-Lua,
produzido pelo Sol, não é rigorosamente uniforme pois as
dimensões do sistema não são desprezíveis frente à distância
que o separa do Sol. Na Terra, cujo raio é cerca de sessenta
vezes menor do que a distância Terra-Lua, uma manifestação
da não-uniformidade do campo gravitacional do Sol ocorre
nos efeitos de maré observados nos oceanos: o Sol, que atrai
a Terra com uma força cerca de 200 vezes a força de atração
da Lua, contribui para os efeitos de maré com forças de
maré que perfazem 46% das forças de maré lunares (Marion
e Thornton, 1995). As variações do campo gravitacional
produzido sobre o sistema pelo Sol afetam o movimento
relativo Lua-Terra, determinando pequenas perturbações
na trajetória da Lua. Caso o campo gravitacional externo
ao sistema Terra-Lua fosse uniforme, o movimento relativo

158
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Lua-Terra dependeria apenas da atração gravitacional


mútua entre o planeta e o seu satélite; como não o é, esse
movimento depende também do campo externo. De fato,
a não-uniformidade do campo gravitacional externo não
se deve apenas ao Sol; os demais planetas do sistema solar
também contribuem, produzindo outras tantas pequenas
perturbações no movimento relativo Lua-Terra.

Segundo as autoras Payne-Gaposchkin e Haramundanis


(p. 169, 1970), “o movimento da Lua pode ser decomposto em
aproximadamente 150 termos periódicos principais ao longo
da eclíptica, e outros tantos na direção perpendicular a ela”. Elas
enumeram as 8 perturbações mais importantes sofridas pelo sistema
Terra−Lua, sendo algumas delas conhecidas anteriormente a
Newton (século XVII), até mesmo na Antiguidade.
Em consequência das perturbações, o movimento da Lua
relativamente à Terra é irregular; a duração do mês sinódico, bem
como os intervalos de tempo entre as fases principais consecutivas,
são afetados por tais irregularidades. Para a análise que será
apresentada nas seções 5 e 6, é importante destacar três das 8
perturbações principais: a variação, a equação anual e a rotação da
linha de apside.
Segundo Payne-Gaposchkin e Haramundanis (p. 168, 1970):
A variação é um efeito que faz com que a Nova e a Cheia
ocorram mais cedo, e a Quarto Crescente e a Quarto
Minguante mais tarde no ciclo. A equação anual é um
resultado da mudança da força perturbadora do Sol quando
a Terra viaja em sua órbita elíptica, e a distância que a separa
do Sol se modifica. A variação e a equação anual foram
observadas pela primeira vez por Tycho Brahe por volta de
1600.

A linha de apside é a linha que passa pelos pontos de


máxima aproximação da Lua em relação à Terra (perigeu) e
máximo afastamento de Lua em relação à Terra (apogeu); ou
seja, a linha de apside constitui-se no semieixo maior da elipse
que representa a órbita da Lua em relação ao centro de massa do
sistema Terra−Lua. O centro de massa do sistema Terra−Lua, que

159
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

está em um dos focos dessa elipse, translada-se em torno do Sol


em uma órbita aproximadamente circular (vide as figuras 6 e 8).
Concomitante com esse movimento, a elipse gira lentamente (o
que não está representado nas figuras 6 e 8); essa rotação perfaz
um ângulo de aproximadamente 40o por ano, de tal forma que em
aproximadamente 9 anos, ocorre uma rotação completa da linha
de apside. As figuras 9(a) e 9(b), que ajudam a imaginar o sistema
Terra−Lua em dois momentos separados de um ano, representam
tal rotação (novamente é importante destacar que as dimensões dos
três corpos e as distâncias entre eles não estão em escala; também
a excentricidade da órbita da Lua está exagerada); a figura 9(b)
apresenta o ângulo rotado em um ano, isto é, o ângulo entre a linha
de apside (linha que passa por A e P) nessa figura com a linha de
apside representada na figura 9(a), um ano antes.
A figura 9(b) também apresenta o tempo para que a linha
de apside volte a coincidir em orientação com a linha Terra−Sol
(direção de onde vem a luz solar); esse tempo é aproximadamente
1,13 ano ou 13,9 meses sinódicos, a contar do instante t=0
registrado na figura 9(a).
Figura 9: Representação da rotação da linha de apside: (a) em t=0 e (b) em t=1
ano e t=1,13 ano.

160
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

AS CORES DA LUA CHEIA

Fernando Lang da Silveira


Maria de Fátima Oliveira Saraiva

O espetáculo da Lua cheia nascendo, e depois se elevando no


céu, encanta a nossa sensibilidade! Além de a lua cheia nascente nos
parecer muito maior do que quando se encontra alta no céu, a sua
cor se modifica durante a ascensão. No dia 20 de fevereiro de 2008,
ocorreu um eclipse total da Lua. Como é bem sabido, eclipses da
Lua somente podem acontecer durante a Lua cheia.
A sequência de fotos da Fig. 1 foi realizada desde o nascimento
da lua cheia até quase o seu encobrimento total pela sombra da Terra.
Na Foto 1, vemos a Lua cheia nascente, ainda próxima do
horizonte leste, plenamente iluminada pela luz do Sol que está se
pondo no horizonte oposto. Apesar de o disco lunar se apresentar
encoberto por nuvens, é possível observar que ele tem uma cor
amarelada contra o céu azul, ainda iluminado pelo Sol. Depois, na
Foto 2, a Lua encontra-se um pouco mais elevada (mas ainda próxima
do horizonte), exibindo um belo tom de amarelo contra o céu azul
escuro, fracamente iluminado pelo Sol. A Foto 3 foi realizada às
21h05min, portanto quando a Lua cheia já se encontrava elevada no
céu. Agora a cor da Lua é branca contra o céu escuro. As Fotos 4 a
6 foram tomadas enquanto a Lua penetrava no cone de sombra – ou
umbra - da Terra, o que ocorreu a partir das 22h43min.
A sequência de fotos da Fig. 1 foi realizada com uma câmera
digital com aumento óptico e digital, perfazendo uma ampliação de
cinco vezes, mantida para todas as fotos. Comparando as imagens,
é possível perceber que o disco lunar tem o mesmo tamanho em
todas elas, comprovando que ele permanece inalterado enquanto
a Lua se eleva. Portanto, a avaliação de que a Lua cheia nascente é
muito maior do que quando está elevada no céu é uma ilusão [1].
A Fig. 2 mostra uma fotografia da Lua cheia durante o auge do
eclipse, quando, então, o disco lunar se apresentava com uma bela
cor amarela alaranjada. Assim, o objetivo deste artigo é dar uma
explicação para as diferentes cores que podemos observar na Lua
cheia, inclusive durante os eclipses totais.

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Figura 1: Sequência de fotos mostrando a aparência do disco lunar durante a Lua


Cheia de 20 de fevereiro de 2008, observada na cidade de Laguna, Santa Catarina.
As bordas inferiores das fotografias estão grosseiramente alinhadas paralelamente
ao horizonte.

Figura 2: A Lua se apresenta em cor amarela alaranjada durante o auge do eclipse.

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As cores da Lua cheia


A Lua reflete a luz branca proveniente do Sol. Embora nosso
satélite pareça muito brilhante, reflete apenas 6,7% da luz que
recebe do Sol [3], estando entre os objetos de menor refletividade
do sistema solar. As partes mais brilhantes de sua superfície são as
regiões mais altas e com crateras, compostas de rochas ricas em cálcio
e alumínio. As regiões mais escuras são zonas mais baixas, chamadas
‘mares’, compostas de rochas basálticas que refletem muito pouco a
luz, daí sua cor acinzentada.
Quando vemos a Lua cheia nascendo (ela nasce quando o
Sol está se pondo), a luz por ela refletida deve percorrer um trajeto
mais longo através da atmosfera do que quando, horas mais tarde,
encontra-se elevada no céu. Desta forma, ao se apresentar próxima
ao horizonte, a luz branca proveniente da Lua tem mais luz azulada
subtraída por espalhamento; portanto a radiação transmitida através
da atmosfera contém menos luz azulada no nascente da Lua do que
quando ela está alta no céu. Assim, a luz que chega aos olhos de
quem aprecia a Lua cheia nascente, será amarelada (vide as Fotos 1 e
2 da Fig. 1) por ter sido retirada da luz branca, por espalhamento, a
luz azulada. Depois, enquanto a Lua se eleva, menos espalhamento
do azul acontece, resultando em uma luz transmitida com menos
perda de azul e, portanto, aproximando-se cada vez mais de ser
branca (vide as Fotos 3 a 6 da Fig. 1).
A cor da Lua durante seu eclipse
A Fig. 5 representa esquematicamente as condições para a
ocorrência de um eclipse total da Lua (as dimensões do Sol, da Terra
e da Lua não estão representadas em escala, bem como as distâncias
entre os três corpos).

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Figura 5 Representação esquemática das condições para a ocorrência de um eclipse


total da Lua.

A Fig. 6 ilustra o caminho da Lua sobre o plano que é


perpendicular ao eixo do cone de sombra da Terra, do ponto de
vista de um observador localizado na parte noturna do hemisfério
sul de nosso planeta, no eclipse total de 20 de fevereiro de 2008.
A Lua, apesar de ter penetrado completamente no cone de sombra
da Terra, não passou pelo centro da umbra. A Fig. 6 foi construída
tomando por base a Ref. [4]. O círculo maior representa a zona de
penumbra da Terra e o círculo menor indica a umbra.
As diferentes cores e tonalidades da Lua na Fig. 6 reproduzem
a sua aparência nas diversas etapas do eclipse. A foto da Fig. 2 foi
reduzida e colocada dentro da umbra para retratar a Lua no auge
do eclipse, isto é, quando a Lua se encontrava na região mediana do
seu trajeto dentro da umbra. A linha vermelha indica a intersecção
do plano da órbita da Terra (eclíptica) em torno do Sol com o plano
da Fig. 6.
A Fig. 7 é uma representação esquemática de uma possível
trajetória da Lua, no plano perpendicular ao eixo do cone de sombra
da Terra, durante um eclipse parcial. Neste caso, a Lua não ingressa
completamente na umbra.

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Figura 6: Trajetória da Lua no plano perpendicular ao eixo do cone de sombra da


Terra em 20 de fevereiro de 2008.

Figura 7: Trajetória da Lua no plano perpendicular ao eixo do cone de sombra da


Terra durante um eclipse parcial.

Se interpretarmos literalmente os diagramas das Figs. 5 e


6, concluiremos que, para um observador na Terra, a Lua deve se
tornar invisível quando ela se encontrar completamente imersa no
cone de sombra, pois não haverá mais luz solar para ser refletida em
direção à Terra. Entretanto, conforme a fotografia da Fig. 2, a Lua se
apresenta ainda iluminada com luz amarela alaranjada! A atmosfera

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terrestre desempenha um papel importante para que ocorra a


iluminação da Lua quando ela já se encontra completamente imersa
no interior do cone de sombra. O fenômeno responsável por isso
é a refração; a refração atmosférica sempre eleva a imagem de um
objeto celeste, a menos que o objeto esteja no zênite, quando então
a sua altura já é a máxima possível. Conforme indicado na Fig. 8,
quanto menor for a altura de um astro, maior será o desvio de sua
posição real.
Figura 8: Devido à refração atmosférica, os raios luminosos parecem vir de uma
direção um pouco acima da posição real do astro.

Os raios de luz provenientes da estrela na posição 3 não sofrem


desvio porque incidem perpendicularmente na atmosfera; os raios
provenientes da estrela na posição 2 sofrem desvio e o observador a
enxerga na posição aparente 2. Os raios provenientes da estrela na
posição 1 sofrem um desvio ainda maior, e o observador a enxerga
na posição aparente 1. É devido à refração da luz solar na atmosfera
da Terra que ainda podemos ver o disco do Sol, por inteiro, sobre o
horizonte, até 2 minutos depois de ele ter realmente começado a se
pôr (isto é, quando de fato a borda inferior do disco solar já desceu
abaixo da linha do horizonte). A refração atmosférica determina
que a Lua cheia nascente já possa ser vista no horizonte quando, na
realidade, ainda se encontra abaixo da linha do horizonte!

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Durante um eclipse lunar total, a luz solar que atravessa


tangencialmente a atmosfera da Terra sofre refração, sendo desviada
para dentro do cone de sombra da Terra, iluminando fracamente a
Lua. Mas essa luz já está quase desprovida de suas componentes com
frequências mais altas, as quais foram espalhadas como discutimos
anteriormente. A luz que consegue atravessar a atmosfera,
ingressando na umbra, resulta então apresentar tonalidades que
vão do amarelo brilhante, passando pelo laranja e podendo chegar
até o vermelho. Um astronauta que estivesse na Lua durante um
eclipse total veria o Sol completamente eclipsado pela Terra, a
qual apareceria como um disco escuro circundado por um halo
avermelhado de luz solar, pois o grande espalhamento na atmosfera
terrestre das frequências próximas à da cor azul determina a chegada
de luz avermelhada aos olhos do astronauta. Essa luz avermelhada
que atinge a Lua é refletida e retorna em direção de quem observa o
eclipse da Lua na superfície da Terra. A Fig. 9 representa, de forma
esquemática, o trajeto da luz que ingressa na umbra após atravessar
a atmosfera, iluminando a Lua.
Figura 9: A luz solar que atravessa a atmosfera, ingressando no cone de sombra
da Terra, é amarela alaranjada devido ao espalhamento do azul na atmosfera e é
desviada por refração para dentro do cone de sombra.

Enquanto a Lua transita dentro do cone de sombra, a


iluminação da sua superfície é variável, mudando inclusive de
tonalidade. Isso mostra que o cone de sombra não é uniformemente

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

escurecido, sendo mais escuro na parte mais central, perto do seu


eixo. Na fotografia da Fig. 2 vemos que a iluminação da superfície
da Lua não é homogênea. A parte amarela brilhante da Lua se
encontra mais próxima da borda do cone de sombra do que a região
diametralmente oposta. A região mais próxima à borda da umbra
é iluminada por luz menos desviada por refração na atmosfera da
Terra e que, por ter sido refratada em uma camada atmosférica mais
alta e menos densa, sofreu menos espalhamento, deixando essa parte
da umbra relativamente brilhante. A região mais próxima do eixo
da umbra é iluminada por luz que, tendo atravessado as camadas
mais baixas e mais densas da atmosfera da Terra, desvia por refração
e espalha mais a luz do Sol, transmitindo luz menos intensa e mais
avermelhada [5].
A Fig. 9 indica que a luz desviada pela refração atmosférica
para o interior da umbra possui coloração (e intensidade) diferente,
variando com o trajeto percorrido ao cruzar a atmosfera.
Dependendo das condições da atmosfera, como, por exemplo,
o tamanho das partículas, o espalhamento das frequências mais altas
que constituem a luz branca solar se dará de maneira diferente.
Assim sendo, durante um eclipse total da Lua podem acontecer
cores mais ou menos amarelas, laranja ou vermelhas, sendo que a
intensidade da iluminação da Lua também pode variar de um para
outro eclipse. O brilho da Lua depende da trajetória que ela segue
dentro da umbra (quanto mais perto do centro da umbra passar a
Lua, mais escuro será o auge do eclipse) e de quanta luz é refratada
na nossa atmosfera para o interior da umbra. Outros fatores que
contribuem para eclipses mais escuros são o excesso de nuvens
no terminadouro18 da Terra e a quantidade de partículas sólidas
suspensas na atmosfera, como poeira e cinzas vulcânicas. Grandes
erupções vulcânicas, que jogam muitas partículas de cinza na
atmosfera, geralmente são seguidas durante vários anos por eclipses
muito escuros e vermelhos [6]. O astrônomo francês André Danjon
propôs uma escala de cinco graus para avaliar o brilho e a cor da Lua
durante um eclipse total, atribuindo o grau 0 para eclipses muito
18
Terminadouro é a margem entre o hemisfério iluminado e o hemisfério escuro
de um corpo que não emite luz própria.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

escuros, em que a Lua fica quase invisível, até o grau 4 para eclipses
em que a Lua fica com tons alaranjados ou acobreados, muitas vezes
mostrando uma margem brilhante azulada.
Conclusão
As cores que a Lua cheia apresenta dependem da luz solar
que chega até ela e é refletida, mas resulta também das condições
da atmosfera terrestre, que pode subtrair, por espalhamento, luz
com frequência na faixa próxima da cor azul. A atmosfera da Terra
também é responsável por podermos enxergar a Lua mesmo em
eclipses lunares totais, quando refrata e ao mesmo tempo espalha
fortemente os raios do Sol quase tangentes à superfície do planeta,
fazendo com que eles iluminem a umbra com luz amarela, laranja
e vermelha. Assim, a Lua cheia tem cores variáveis durante a sua
viagem através do céu noturno e, mesmo quando escondida à
sombra da Terra, nos proporciona um espetáculo inusitado e belo.

Bibliografia do Artigo As Variações dos intervalos de Tempo entre


as fases principais da Lua
EXPLANATORY supplement to the astronomical ephemeris
and the american ephemeris and nautical almanac. Londres: Her
Majesty’s Stationery Offica, 1977.
LOSEE, J. A historical introduction to the Phylosophy of
Science. Oxford: Oxford University Press, 1993.
MARION, J. B. e THORNTON, S. T. Classical dynamics of
particles and systems. Fort Worth: Saunders College Publishing,
1995.
MOURÃO, R. R. F. Os eclipses, da superstição à previsão
matemática. São Leopoldo: Unisinos, 1993.
OLIVEIRA F O, K. S. e SARAIVA, M. F. O. Fundamentos de
Astronomia e Astrofísica. Porto Alegre: Instituto de Física da
UFRGS, 1997.
PAYNE-GAPOSCHKIN, C. e HARAMUNDANIS, K.

169
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Introduction to Astronomy. New Jersey; Prentice-Hall, 1970.


SILVEIRA, F. L. e AXT, R. Questão discursiva número 4 do
Provão−2000 do MEC para a Licenciatura em Física. Caderno
Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, 17 (2): p. 229-234,
ago. 2000.
SMART. W. M. Textbook on spherical astronomy. Cambridge:
Cambridge University Press, 1979

Referências do artigo As Cores da Lua cheia


[1] F.L. Silveira e A. Medeiros. Física na Escola 7(2), 67 (2006).
[2] D. Lynch and W. Livingston. Colors and Light in Nature
(Cambridge University Press, Nova York, 1995).
[3] C.W. Allen. Astrophysical Quantities (The Ahtlone Press,
London, 1973).
4] I.G. Varela e P.D.C.F. Oliveira. Uranometria Nova, Circular
Astronômica n. 32. Disponível em http:// www.uranometrianova.
pro.br/ circulares/circ0032.htm. Acessado em abril de 2008.
[5] R.A. Keen, What will 2004´s Lunar Eclipse look like?. Disponível
em: http:/ /eclipse.gsfc.nasa.gov/LEmono/ TLE2004Oct28/image/
TLE2004keen.html. Acessado em abril de 2008.
[6] F. Espenak, Danjon. Scale of Lunar Eclipse Brightness.
Disponível em http:// eclipse.gsfc.nasa.gov/OH/ Danjon.html.
Acesso em 2005.

Outros artigos sobre a Lua


SILVEIRA, F. L. A Lua e os bebês. Ciência Hoje, Rio de Janeiro,
29 (170), abr. 2001. P. 47. Disponível em http://www.if.ufrgs.
br/~lang/Textos/Lua_bebes.pdf. Acessado 14/07/2016.
SILVEIRA, F. L. Fases principais da Lua Marés e bebês. Cad.
Bras.Ens.Fís., v.20, n.1: 10-29, abr. 2003. Disponível em https://
periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/6558/6045.
Acessado 14/07/2016.

170
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

SILVEIRA, F. L. e MEDEIROS, A. A ilusão sobre o tamanho


da Lua no horizonte. Física na Escola, v. 7, n. 2, 2006. P. 67-69.
Disponível em http://www.sbfisica.org.br/fne/Vol7/Num2/v13a12.
pdf. Acessado 14/07/2016.

Postagens sobre a Lua no sítio pergunte ao CREF – IF-UFRGS


acessadas em 14/07/2016
Quanto tempo demora entre cada lua cheia? Disponível em http://
www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=67
Por que a Lua não escapa? Disponível em http://www.if.ufrgs.br/
cref/?area=questions&id=76
Por que a Lua fica laranja às vezes? Disponível em http://www.
if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=214
Qual é a distância entre a Terra e a Lua? Disponível em http://www.
if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=233
Dúvida sobre a Lua Cheia. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/
cref/?area=questions&id=275
Como é possível que a Lua mostre sempre a mesma
face para a Terra? Disponível em http://www.if.ufrgs.br/
cref/?area=questions&id=361
Por que a lua da Terra não gira p vermos o outro lado? Disponível
em http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=418
LUA, SOL E MARÉS. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/
cref/?area=questions&id=486
TAMANHO DA SUPER LUA. Disponível em http://www.if.ufrgs.
br/cref/?area=questions&id=490
As cores da super Lua. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/
cref/?area=questions&id=491
Aproveitar a energia das marés viola o Pr. da Conservação
da Energia? Disponível em http://www.if.ufrgs.br/
cref/?area=questions&id=532

171
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Rotação da Terra influenciada pela Lua? Disponível em http://www.


if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=632
Lua cheia nascente se apresenta objetivamente MENOR do que quando
elevada embora tenhamos a ilusão de que ela é maior! Disponível
em http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=642
Rotação da linha de apside Terra-Lua: por que acontece? Disponível
em http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=643
Razão entre o diâmetro da super lua pelo diâmetro da mini lua. Disponível
em http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=680
Por que os efeitos de marés acontecem nos dois lados da Terra? Disponível
em http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=683
Sombra da Terra e Eclipse Lunar. Disponível em http://www.
if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=783
A LUA CHEIA do dia 25 de DEZEMBRO de 2015. Disponível
em http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1439

172
CAPÍTULO 7
O CRATERAMENTO LUNAR NA EDUCAÇÃO
BÁSICA
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

7. O CRATERAMENTO LUNAR NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Michel Pereira Campos Silva1


Jane Gregorio-Hetem2

Introdução
A Lua é para o ser humano, sem dúvida alguma, o objeto
celeste mais fascinante que se teve a oportunidade de explorar
cientificamente in loco. Junto ao Sol, é o astro mais relacionado à
civilização desde os tempos remotos e assim tem imensa importância
cultural, científica e histórica ao longo de toda a jornada humana.
No início do século 17 tivemos as primeiras representações
telescópica da Lua, dada a sua observação com o tubo óptico, mais
tarde conhecido como telescópio refrator.
Quando se trata da Lua, na perspectiva da aprendizagem
científica, é necessário situar os estudantes quanto ao uso do
telescópio como um instrumento que quebrou um paradigma
na Ciência3, corroborando a queda de um modelo cosmológico,
quando utilizado cientificamente por Galileu.
Inicialmente, o objeto de estudo de Galileu foi a Lua, e ele
mostrou, de uma vez por todas, que este astro não era perfeito.
Desde então, nosso satélite natural vem fascinando ainda mais
a humanidade e incentivando a Ciência Moderna, em estudos e
através de sondas e missões espaciais.
Até a publicação do Sidereus nuncius, de Galileu, não havia
uma representação tão emblemática do nosso astro. Podemos
observar na Figura 1 que há um ganho enorme (para a época) no
que diz respeito ao que se representar após o aperfeiçoamento da
luneta por Galileu, haja vista a representação feita por Thomas
Harriot em 1609.
1
Mestre em Astronomia pelo Programa de Mestrado Profissional em Ensino de
Astronomia, da Universidade de São Paulo.
2
Docente do Departamento de Astronomia – Instituto de Astronomia, Geofísica
e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Docente do Programa de
Mestrado Profissional em Ensino de Astronomia, da Universidade de São Paulo.
3
Para a definição de paradigma no contexto científico verifique A estrutura das
revoluções científicas de Thomas S. Kuhn.

175
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Podemos usar a Lua como um tema para as aulas a serem


ministradas a estudantes do ensino fundamental (9º ano) e ensino
médio, permitindo o contato com experimentação e ao fazer a
observação da Lua a olho nu, com instrumentos ópticos simples,
além de possibilitar a obtenção de imagens com o auxílio de
telescópios operados remotamente.

Figura 1: Representação da Lua apresentada no livro Sidereus nuncius publicado


por Galileu.

Fonte: Silva (2016, p. 53).

A Lua é um tema que pode proporcionar aos estudantes, do


ensino fundamental (9º ano) como do ensino médio, o contato
com experimentação fazendo a observação da Lua a olho nu, com
instrumentos ópticos simples e também permite a obtenção de
imagens com o auxílio de telescópios operados remotamente.
Nas aulas que compõe este roteiro, entre as observações
propostas, sugerimos o uso de um pequeno telescópio refrator4.
Discutimos o crateramento lunar e propomos uma atividade com
um simulador de crateras5, destacando a importância do estudo do
crateramento através de imagens astronômicas.
Tais tarefas devem revelar como a experimentação aproxima
o estudante da forma com que os profissionais lidam com os dados
observacionais e experimentais.
4
Consultar o Apêndice B, em SILVA, M. P. C.
5
Consultar o Apêndice C, em SILVA, M. P. C.

176
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Abrindo os olhos para a Lua


Buscar o primeiro contato com a observação da Lua e notar
os primeiros aspectos fenomenológicos relacionados com ela são os
primeiros passos dados na direção do entendimento de conceitos
básicos sobre a Lua.
Será a observação de um astro como a Lua algo simples de
ser feito?
O primeiro contato que um estudante pode ter com a Lua é
observá-la a olho nu. Mas o que podemos observar além do próprio
astro? E quando dizemos “além”, nos referimos a “o quê” observar
nele.
Para tanto, precisamos verificar, minimamente, em que horário
este astro estará posicionado em uma altura, acima do horizonte,
que permita a sua observação, a partir de nossa localização (latitude
geográfica). Isso possibilitará um planejamento inicial das nossas
atividades6.
Agora podemos pensar no que observar, a olho nu, quando
olhamos para a Lua.
Figura 2: Fases da Lua – Lunação.

Fonte: Fases, 2013.


6
Consultar o Apêndice D, em SILVA, M. P. C.

177
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

É possível, ao longo de alguns dias, verificarmos que a


aparência da Lua vai se alterando por determinado período, como
mostra a Figura 2. A esse período, que dura em média 29,53 dias,
dá-se o nome de lunação.
Temos, à nossa disposição, no site da Universidade de
Nebraska-Lincoln7, uma página onde se encontra um simulador das
fases da Lua. Este software nos traz a visão de um observador situado
na Terra, que, com o passar do tempo, pode verificar a mudança da
aparência da Lua8.
Mas isso é o que se pode obter, de maneira mais generalista,
com uma observação a olho nu – identificar o fenômeno das fases
da Lua - logo em seguida devemos usar o simulador de fases da Lua
para nos auxiliar de maneira mais sistematizada e prática a repetir o
fenômeno, quantas vezes forem necessárias.
O uso do simulador não substitui a observação a olho nu,
que, sem dúvida, proporciona aos estudantes um contato muito
produtivo, através da experimentação direta.
Não é fundamental para o entendimento do crateramento
lunar que os estudantes saibam como se dão as fases da Lua. Mas
é muito importante, nos trabalhos de experimentação, que eles
possam encontrar formas de questionar e de resolver problemas
relacionados aos fenômenos que estão a verificar, sendo, portanto,
indispensável que os estudantes possam ter essa primeira aula com
a observação a olho nu, para que comecem a se relacionar com as
aulas de experimentação.
Depois de apurar as fases da Lua e discuti-las em aula, com o
auxílio da teoria e do software o professor pode junto à sala construir
um breve questionário que o ajude a verificar o aprendizado do seu
grupo de estudantes, antes de passar à próxima aula.
“CHEGANDO PERTO DA LUA”
O principal objetivo de tal atividade é levar um grupo de
estudantes a experimentação, usando um telescópio refrator simples,
a fim de observarem o que Galileu Galilei pôde notar ao apontar sua
7
http://astro.unl.edu/napp/
8
Consultar o Apêndice A, em SILVA, M. P. C.

178
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

luneta para a Lua e, posteriormente para outros objetos celestes.


Com uma observação através de um pequeno telescópio, é possível
ver a Lua de forma semelhante ao mostrado na Figura 3.
Figura 3: A Lua em uma observação semelhante a que pode ser feita com um
pequeno telescópio.

Fonte: Andolfato, 2012.

Mas o que pode nos revelar uma observação como esta que
propomos?
Podemos verificar que existem diversas formações e entre elas
há mares9, montanhas, vales, crateras, etc.
O professor deve propor algumas discussões com os estudantes,
principalmente no que tange à montagem e à utilização da luneta
(caso tenha sido uma opção do professor) ou outro equipamento do
mesmo gênero que esteja disponível.
9
Em selenografia, a denominação mare ou mares significa grande planície. Difere
do termo mar ou mares que, segundo o dicionário Michaelis, define uma grande
massa e extensão de água salgada que cobre a maior parte da superfície do globo
terrestre e que constitui um dos bens do domínio de cada nação, dentro dos limites
do território flutuante.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Deve também colher as impressões dos estudantes, quanto à


aparência do astro, quando observado por um instrumento simples
como este. Algumas questões são relevantes para esse estudo,
como, por exemplo, quais são as características mais proeminentes
relacionadas à superfície lunar que podemos verificar durante
observações com lunetas e pequenos telescópios?
A maior discussão (assim se espera) deve ser relacionada com
a observação da superfície lunar, das crateras, mares e montanhas que
os estudantes podem notar com certa facilidade, mas sem nenhuma
condição, nesse momento, de fazer alguma consideração sobre o
que levou à formação desse tipo de “acidente”.
Estimando dimensões com imagens astronômicas
Podemos utilizar imagens astronômicas para se estimarem
dimensões de crateras lunares, estabelecendo relações matemáticas
entre medidas lineares diretamente obtidas sobre uma imagem da
superfície lunar.
Ao descobrirmos qual é a equivalência entre o tamanho em
centímetros na imagem, através de uma escala e seu respectivo
comprimento real em quilômetros, poderemos estimar de forma
indireta o tamanho de crateras de impacto.
Quando dispomos de uma simples régua e de uma figura
impressa que tem uma escala própria, que guarda relação com a
dimensão física de um dado objeto, é possível estimar o tamanho de
objetos representados nessa figura. Como, por exemplo, usaremos
uma imagem que representa uma parte da superfície lunar, Figura 4.
Como materiais devemos utilizar uma cópia em papel dessa
imagem da Lua, uma régua de 20 cm a 30 cm, lápis e borracha.
O procedimento consiste em identificar a cratera localizada
próxima ao centro da Figura 4, que tem o fundo claro e próximo, a
suas bordas, o aspecto raiado.
Com uma régua o estudante deve medir a cratera, impressa
em papel A4, anotando em seu caderno a medida em centímetros
que ele obteve. Para que sua medida seja melhorada, indica-se repetir
a medição cinco vezes e fazer uma média simples. Depois de calcular
a média, o estudante deverá usar a escala indicada na Figura 4 para,
através de uma regra de três simples, converter a sua medida para

180
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

a unidade quilômetros, obtendo, assim, a medida aproximada da


cratera indicada para esta atividade.
Uma vez estimado o tamanho de uma cratera, é interessante
que o grupo de estudantes discuta a importância de se conhecer as
dimensões de tal formação, assim confrontando seus dados com os
dados oficiais. No caso dessa cratera, conhecida por Copernicus, o
diâmetro é de 93 km.
Também se inicia a discussão que será finalizada na aula
seguinte, que versa sobre o processo de crateramento, na qual os
estudantes serão indagados pelo docente sobre a presença de tais
formações na superfície terrestre, podendo verificar em que se
assemelham as que lá se encontram e as que se encontram na Terra.
O procedimento observacional, de aquisição e análise de
imagens astronômicas, visando estimar parâmetros físicos se
equipara com a natureza do trabalho de pesquisadores de diversas
áreas. Tal trabalho deve agora culminar com as especulações naturais
sobre uma descoberta, em que o grupo de estudantes deve buscar
formas de explicar a origem de tais crateras, debater com seus colegas
a fim de melhorarem seus argumentos e, depois, procurar por mais
informações científicas que corroborem ou não suas hipóteses, quem
sabe, assim, até mesmo chegando ao ponto de debater o significado
de um paradigma científico.
Figura 4: Superfície lunar.

Fonte: Silva (2016, p. 62).

181
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Sobre o processo de crateramento


Para promover o entendimento do processo de crateramento
sem que se perda de vista os aspectos científicos que sustentam este
complexo fenômeno natural, devemos gerar discussões em sala de
aula sobre o processo de crateramento a partir dos conhecimentos
produzidos em pesquisas sobre tal fenômeno, conduzidas com a
coleta de dados por pesquisadores da área científica das Geociências.
A fundamentação teórica desta aula foi baseada da tese de
doutoramento de Elder Yokoyama10, em que, no Capítulo 2, o autor
versa sobre as crateras de impacto.
Um processo geológico é muitas vezes lento e se tratando
da Terra é quase que imperceptível na maioria das vezes. Mas
existem processos bem rápidos, embora complexos e um deles é o
Crateramento.
Nosso principal objeto de estudo durante as aulas foi a Lua
e tornou-se notável que um dos seus aspectos mais importantes é
o seu relevo, que, por sinal, é muito acidentado e claramente tem
relação direta com a grande quantidade de crateras de impacto
espalhadas por sua superfície. No entanto, na superfície terrestre
também encontramos tais acidentes geológicos e, a partir de seu
estudo, podemos levantar teorias para a formação de crateras na Lua.
Com tal discussão iremos apresentar os principais aspectos
desse fenômeno com bases em pesquisas realizadas atualmente.
As crateras de impacto11
Alguns fenômenos astronômicos passam a ter grande aderência
com outras áreas de conhecimento quando se busca a causa e efeito
de tais acontecimentos.
Um bom exemplo disso é a relação que se dá entre a astronomia
e as geociências. Segundo Yokoyama (2013, pg. 5), a formação de
crateras de impacto é uma área de fronteira em Geociências, tendo sido
pouco explorada até a década de 1960.
10
É uma tese da área de Geociências intitulada - Petrologia e Magnetismo de
Estruturas de Impacto da Bacia do Paraná: Reflexões sobre o Processo de Crateramento.
11
Para simular crateras de impacto consulte o Apêndice A, em SILVA, M. P. C.

182
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

O processo de crateramento é descrito por alguns experimentos


analógicos (por exemplo, com disparo de projéteis em direção a
alvos) e por modelos computacionais. A compreensão deste processo
é facilitada pelo uso dos modelos descritos nas Figuras 5 e 6 onde se
destacam três estágios principais denominados contato/compressão,
escavação e modificação.
Figura 5: Estágio de escavação para crateras de impacto.

Fonte: Yokoyama (2013, p. 8).

Cada um destes estágios acontece em um intervalo de tempo


bem curto e estes envolvem grandes quantidades de energia12, que
permitem uma compreensão da grandeza desse processo em termos
físicos e energéticos.

12
Consultar o Apêndice C, em SILVA, M. P. C.

183
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 6: Estágios de escavação e modificação.

Fonte: Yokoyama (2013, p.8).

As características marcantes das crateras são relacionadas ao


seu aspecto final, decorridos estes três estágios, que nos permitem
uma categorização de acordo com sua geometria e morfologia,
como descritas por Yokoyama (2013. pg. 14-15) e que podem ser
vistas na Figura 7.
Figura 7: Exemplos de tipos de crateras na superfície da Lua.

Fonte: Yokoyama (2013, p. 16).

184
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

• Crateras Simples: são as menores estruturas com diâmetro de


até 20 km, com geometria que se assemelha a uma tigela e seu
aspecto final não declara colapso gravitacional pós-impacto.
• Crateras Complexas: têm diâmetro final entre 20 e 150
km, apresentando bordas colapsadas, bacias anelares e núcleo
central soerguido.
• Bacias Multi-Anelares: são as maiores estruturas de impacto
observáveis ultrapassando 150 km de diâmetro, sua estrutura
lembra anéis concêntricos. Atribui-se sua formação nos
primórdios do Sistema Solar devido a uma abundância de
projéteis de grandes dimensões.

Depois de estudarmos estes aspectos referentes ao processo


de crateramento por impacto, faz-se necessária uma intervenção que
vise simular de tal fenômeno13. Essa atividade deve ser gerenciada
pelo professor de acordo com o número de estudantes que fazem
parte da sua turma.
Quando se trata do processo de crateramento, buscamos
evidências que comprovem que meteoritos foram responsáveis por
algum tipo de formação geológica, seja na superfície terrestre, seja
em outros planetas ou em satélites naturais.
A discussão sobre a formação das crateras de impacto é
importante, pois são formações resultantes da colisão de meteoritos
com a superfície de um alvo, que pode ser, por exemplo, a Lua. No
nosso planeta o crateramento é o processo geológico mais veloz em
comparação com outros processos.
Após esta aula, os estudantes devem ser capazes de responder
à seguinte indagação: Como é possível que identifiquemos crateras
de impacto na superfície terrestre para assim compará-las a outras
formações similares encontradas na Lua?
Nota-se que é um processo que envolve grande quantidade de
energia e, sendo assim, é objeto de interesse a comunidade cientifica
tendo em vista que sua ocorrência é provável. Mas podemos atribuir
à Lua o papel de escudo natural? Essa discussão deve ser conduzida
com o auxílio da Figura 8 e também deve levar em consideração as
escalas do sistema solar.
13
Consultar o Apêndice C, em SILVA, M. P. C.

185
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

É provável que no passado a Lua tenha exercido tal papel já


que de seu lado não visível nota-se, com o auxílio de imagens de
satélites, que é muito mais acidentado, com uma imensa quantidade
de crateras de impacto. Cabe o destaque de que os estudos
referentes às características geomorfológicas presentes nas crateras
terrestres transformam-se em importante ferramenta para análise de
semelhantes formações em outros planetas e na Lua.
Ao final desta aula o estudante deve saber identificar as
principais crateras de impacto presentes na Terra, além de discutir
sobre as que se localizam no território brasileiro, figura 9, como a
Riachão, a do Vargeão e a do Araguainha.

Figura 8: Face da Lua não visível do referencial terrestre.

Fonte: NASA (2016).

186
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 9: Localização das crateras de impacto catalogadas no Brasil.

Fonte: Francisco Carvalho.

Referências
ALVES FILHO, José de Pinho. Atividades experimentais: do
método à prática construtivista. 2000. 312 pg. Tese de Doutorado.
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.
ANDOLFATO, Rodrigo. A Lua em uma observação semelhante
a que pode ser feita com um pequeno telescópio. In: Astrofotos.
Disponível em: <http://www.astrofotos.info/index.php/Rodrigo-
Andolfato/Lua/Lua-Full> Acesso em 30 de mar. 2016.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental. SEMTEC. Brasília: MEC,1998.
_______. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio.
SEMTEC. Brasília: MEC, 2000.

187
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

_______. PCN - Ensino Médio: Orientações Educacionais


Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. SEMTEC.
Brasília: MEC, 2002.
CARVALHO, Francisco. Localização das crateras de impacto
catalogadas no Brasil. In: Folha da Barra – março de 2013.
Disponível em: <http://www.folhadabarra.com/2013/02/ma-tem-
duas-crateras-formadas-por.html>. Acesso em 30 mar. 2016.
CHEVALLARD, Yves. La Transposición Didáctica: Del saber
sabio al saber ensenãdo. 3ª ed.. Buenos Aires: Aique, 2009.
FASES da Lua – Lunação. In: O Jornal da Orla – 23 de ago.
2013. Disponível em: <www.jornaldaorla.com.br/arquivos/
noticia/2013_8_23_9_32_39_6537.jpg> Acesso em: 30 mar. 2016.
HORVATH, Jorge Ernesto. O ABCD da Astronomia e
Astrofísica. 2ª ed. São Paulo: Livraria de Física, 2008.
NASA. Face da Lua não visível do referencial terrestre.
Disponível em: <http://solarsystem.nasa.gov/moon/image-display.
cfm?IM_ID=11823> Acesso em 30 mar 2016.
SAITO, Fumikazu. O telescópio na magia natural de Giambattista
della Porta. São Paulo: EDUC / Livraria da Física Editorial /
FAPESP, 2011.
SARAIVA, Maria de Fátima Oliveira; SILVEIRA, Fernando Lang;
STEFFANI, Maria Helena. Concepções de estudantes universitários
sobre as fases da Lua. Revista Latino-Americana de Educação em
Astronomia - RELEA. n. 11, p. 63-80, 2011.
SILVA, Michel Pereira Campos. A observação da Lua com
instrumentos ópticos e o ensino de astronomia: Articulações
entre a experimentação e a sala de aula. 2016. 144 pg. Dissertação de
Mestrado. Departamento de Astronomia, Instituto de Astronomia,
Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, São
Paulo.
TONEL, Arlei Prestes; MARRANGHELLO, Guilherme Frederico.
O Movimento Aparente da Lua. Revista Brasileira de Ensino de
Física. Vol. 35, n. 2, 2310, 2013.

188
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

YOKOYAMA, Elder. Petrologia e magnetismo de estruturas


de impacto na bacia do Paraná: Reflexões sobre o processo de
crateramento. 2013. 285 pg. Tese de Doutorado. Departamento
de Geofísica, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

189
CAPÍTULO 8
LUA NA ÁGUA DE PAULO LEMINSKI:
TRADUÇÕES INTERSEMIÓTICAS DO POEMA
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

8. LUA NA ÁGUA DE PAULO LEMINSKI: TRADUÇÕES


INTERSEMIÓTICAS DO POEMA

Maria Cristina Mendes1

Introdução

A humanidade atribui à Lua inúmeras propriedades mágicas.


O crescimento do cabelo muda de acordo com a Lua em que é
cortado e as maternidades ficam lotadas quando ela muda de
crescente para cheia, isso é o que nos garante a cultura popular. O
único satélite natural da Terra é a morada de São Jorge depois de
vencido o dragão, sua luz evoca sereias e seu lado negro é reduto da
misteriosa Lilith. Reguladora de calendários pautados em épocas
de colheitas, os papéis da Lua na cultura e na mitologia geram uma
inestimável profusão de sentidos.
Por entre comprovação científica e conhecimento popular, o
caráter enigmático do satélite sempre inspirou a humanidade. No
ano de 1969, com a transmissão televisiva da chegada do homem
à Lua, o escritor e desenhista Ziraldo publica seu primeiro livro
infantil, o qual trata de questões sobre uma cor diferente, que não
se enquadra no arco-íris e não encontra seu lugar, até descobrir
que é a cor da própria Lua. Flicts, ao coadunar Arte e descobertas
tecnológicas, é amplamente utilizado na educação de jovens e
crianças; ao personalizar a cor, o criador de O Menino maluquinho,
aborda temas como respeito e cidadania, enfatizando o sentimento
de solidão.
Ao evidenciar vínculos entre representação e Ciência,
pesquisadores propõem alternativas pedagógicas interdisciplinares
com o intuito de repensar atuais problemas enfrentados pela
1
Professora Adjunta do Departamento de Artes da UEPG/PR (desde 2015) e
professora dos cursos de Artes Visuais e Tecnologia em Fotografia da UTP/PR (2002
a 2015) .Doutorado (2014) e Mestrado (2010) em Comunicação e Linguagens na
UTP/PR; Especialização em História da Arte do Século XX (2000) na EMPAP/PR
e Graduação em Pintura (1984) na EMBAP/PR. Coordenadora da Especialização
- Fotografia: processos de produção de imagens na UTP/PR (2012 a 2015).

193
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

educação. As investigações de Josie Agatha Parrilha da Silva e Marcos


Cesar Danhoni Neves sobre a representação da Lua evidenciam a
proximidade entre Arte e Ciência nos séculos XVI e XVII, pois a
familiaridade do pintor italiano Cigoli com as pesquisas de Galileu
Galilei resulta na primeira pintura das crateras lunares, inovação
significativa na Arte europeia (SILVA; NEVES, 2015).
Se no renascimento e no barroco investigações científicas são
cerceadas pela religião e reservadas para poucos, o cenário com o
qual o estudante de hoje se depara é o do excesso de informação:
basta realizar uma rápida busca pela internet e verificar a
abundância de dados sobre qualquer assunto. Num período cultural
caracterizado pela crescente velocidade informacional e banalização
do conhecimento, é pertinente investigar que sorte de paralelismo
pode-se estabelecer entre linguagens diversas com o intuito de
despertar o interesse do aluno.
Seleciono o poema de Paulo Leminski, Lua na água, e três
recriações do mesmo para evidenciar possíveis leituras que relacionam
Arte e tecnologia. A primeira apropriação é um videotexto, a segunda,
um trecho de filme e a terceira, uma experiência de ótica postada
na internet. Todavia, antes de analisar os três trabalhos, procuro
elucidar algumas propriedades da tradução sígnica de acordo com
Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Júlio Plaza.

Leituras e traduções

A intrincada relação entre Arte e outras linguagens é


potencializada a partir do início do século XX, por meio de releituras
dentre as quais se incluem as apropriações e as adaptações. Por
acarretar diferenciados modos de organização formal e conteudística,
segundo Décio Pignatari2, o que se realiza na interação tradutória é
um processo de intersemiose permeado pela migração sígnica. Ao
valorizar mudanças de códigos e seus múltiplos relacionamentos, os
artistas desvendam a natureza do signo, respondendo à linguagem
2
Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos lançam, em 1956,
o Movimento Concreto em São Paulo, alterando significativamente o panorama
cultural nacional.

194
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

com a signagem. A interdisciplinaridade cria uma situação na qual


diversas manifestações artísticas partem em busca de seus eidos3 e de
sua identidade, ao mesmo tempo em que se interrelacionam.
A arte não se pôs simplesmente a “macaquear” a ciência,
e sim a “traduzir” os métodos e processos tecnológicos e
científicos, numa operação, digamos, de tipo homeopático,
na base do similia similibus curantur, a fim de desafiá-
los e neutralizá-los, tanto crítica quanto criativamente
(PIGNATARI, 1981, p.28).

A aproximação de Arte, Ciência e tecnologia, efetivada


por meio de transposições, implica novo desafio para a produção
cultural, diante da inesgotabilidade das imagens da Arte e suas
possíveis leituras.
No que tange à prática da tradução, Haroldo de Campos
se refere à presença angelical: Agesilaus Santander é o protetor da
transmutação luciferina que almeja se igualar a Deus e atingir a
essência do objeto a ser traduzido4. A busca da língua pura, ponto
messiânico ou lugar semiótico, a transluciferação é gerada por
afinidades eletivas nas quais a essência de determinado conteúdo é
representada por intermédio de formas diversas. Ao invés de propor
uma tradução que seja o mais literal possível, Haroldo de Campos
parte em defesa de uma ousadia tradutória, que tenha por objetivo
adentrar a esfera de uma nova criação. Ao promover a manutenção
do estilo próprio de cada autor em detrimento de uma postura
servil, ele afirma:
[...] no limite de toda tradução que se propõe como
operação radical de transcriação, faísca, vislumbra, qual
instante volátil de culminação usurpadora, aquela miragem
[...] de converter, por um átimo que seja, o original na
tradução de sua tradução. Assim, nada mais estranho à tarefa
do traduzir, considerado como uma forma [...] que aspira a
uma fidelidade – hiperfidelidade – a outra forma [...], do que
a humildade (CAMPOS, 1985, p. 6).

3
Ideia ou imagem, no sentido grego.
4
Agesilaus Santander é mencionado em um artigo de Walter Benjamin (1933),
redigido a partir das observações de uma aquarela de Paul Klee.

195
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Para o mais velho dos irmãos Campos, o tradutor transcende


os limites sígnicos da forma e do conteúdo da obra de origem, pois
o ponto de partida da análise tradutória se ancora no intracódigo
semiótico e recria o poema como um novo projeto. Esta evidência
subversiva da tradução criativa e radical libera a forma semiótica
oculta no original, produzindo a aparente quebra de “sua superfície
comunicativa” (CAMPOS, 1985, p.7).
Trânsito de linguagens, a tradução cria sua própria verdade,
lugar-tempo onde se processa a transformação de estruturas. Para
Júlio Plaza, retomando Roman Jakobson, a tradução intersemiótica
ou transmutação é um tipo de tradução que “consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não
verbais”, ou “de um sistema de signos para outro” (PLAZA, 2008,
p.XI). O sujeito semiótico, portanto, busca a visão crítica e criativa
que independe das noções de progresso ou regresso e coloca, em
seu lugar, ideias de movimento, ou seja, de transformação e de
possibilidade de proliferação das formas.
Na medida em que a criação encara a história como
linguagem, no que diz respeito à tradução, podemos aqui
estabelecer um paralelo entre o passado como ícone, como
possibilidade, como original a ser traduzido, o presente como
índice, como tensão criativo tradutora, como instrumento
operacional e o futuro como símbolo, quer dizer a criação à
procura de um leitor (id. ibid., p.8).

Por seu caráter de transmutação de signo em signo, qualquer


pensamento é necessariamente tradução. Pensar é traduzir aquilo que
se tem presente à consciência (imagens, sentimentos ou concepções),
em outras representações que também servem como signos.
A intersemiose, a transcriação e a tradução luciferina têm suas
bases nas teorias do poeta Ezra Pound (1885/1972), cuja dedicação
ao empreendimento de traduzir ideogramas chineses para a língua
inglesa gera o conceito de tradução criativa. Conhecido por afirmar
que “os poetas são as antenas da raça”, Pound postula também que
traduzir é criar uma nova obra que se aproxima do sentido da primeira.
Adaptação e apropriação representam a noção de participação,
pois promovem a retomada de processos artísticos e estéticos. A
atualização dos contextos mentais promovida nos jogos de sentido

196
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

é fundamental para a cultura e a comunicação cotidianas, pois


“dependem da interação entre expectativa e observação, das ondas
de gratificação, desapontamento, conjeturas acertadas e jogadas em
falso.” (GOMBRICH, 2007, p.53).
Narrativas verbais ou imagéticas, na constante reiteração
mitológica, costumam ter por meta potencializar sentidos mágicos.
A permanência de padrões míticos evidencia o trânsito do universo
rumo a uma intemporalidade original e tem por função “servir como
poderosa linguagem pictural para fins de comunicação da sabedoria
tradicional.” (CAMPBELL, 2007, p.254). Os seres mitológicos
personificam leis universais que regem a vida e estabelecem diálogos
com a tradição.
Considero que os processos de adaptação revelam
singularidades nas transmutações socioculturais, as quais
potencializam a fruição artística, já que as representações imagéticas,
na constante adaptação tecnológica, participam de subversões do
conhecimento do visível e dos limites da percepção. Com o intuito
de explicitar com maior clareza as reflexões sobre permutas entre
Arte e Ciência, tomo por objeto três adaptações do poema Lua na
água, evidenciando a vocação da Arte para estabelecer diálogos com
outras áreas.
Poema de Leminski e recriações
Paulo Leminski publica, em 1982, Lua na água. Composto
por três versos é uma espécie de haicai5, tipo de poema que passa
a ser criado no Brasil quando a contracultura nacional, em diálogo
com as investigações das vanguardas, é atravessada pela cultura
de massas e permeada por publicidade e semiótica, ou seja, por
processos comunicacionais.
Na década de 1980, Leminski é um poeta reconhecido
nacionalmente por meio de canções e pequenos poemas. Na década
anterior, a publicação de Catatau6 causara admiração na elite
intelectual nacional devido ao caráter enigmático do romance-ideia,
5
Popularizado no Brasil na década de 1950 por Millôr Fernandes, o termo haicai
atravessa o movimento concreto e chega à poesia marginal dos anos 1970. Matsuó
Bashô, samurai japonês do século XVII, consagra o haicai como um dos cinco
caminhos para a conquista do Zen.
6
O romance trata da hipotética vinda de René Descartes para o Brasil durante a

197
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

espécie de prosa experimental permeada de poesia. Sob os bons


auspícios dos poetas concretos, já nos anos 1960, o ex-seminarista
exibia notável erudição. Em Lua na água, Leminski conjuga imagem
e texto, em um tipo específico de obra de arte, advindo de pesquisas
acerca da Arte verbivocovisual7 (figura1). Este poema tem recebido
significativa atenção na Arte e na Ciência:

Figura 1: Lua na água, poema de Leminski.

Fonte: Toda Poesia.

O processo de abstração da imagem e a preocupação com a


ocupação do espaço do papel criam uma imagem que pulsa e o
poema adquire movimento. O estudo da relação entre poesia e Zen8
pelo qual interessa Leminski, pode ser percebido com facilidade.
São três estrofes, sob cada uma delas a imagem rebatida, espelhos
em degraus que complexificam a escrita, impossibilitando a
completude da fruição. O poema cria imagens e as imagens fazem
parte do poema, o conceito de poesia visual amalgama literatura e
Artes Visuais.
colonização holandeza em Pernambuco. Redigido em um único parágrafo, as quase
duzentas páginas são repletas de eruditismo e complexidade linguística.
7
Em 1958 é publicado o Plano-piloto para Poesia Concreta, no qual se valoriza o
ideograma e é criada a área lingüística verbivocovisual – comunicação não-verbal,
sem abdicar da palavra.
8
Escola budista que surge na China e se espalha no Japão; difundida no ocidente
nos anos 1960. Valoriza introspecção, meditação e prática, na busca a iluminação
individual dos seres humanos.

198
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

As possíveis trocas de sentido se dilatam com a versão de Julio


Plaza (Figura 2), quando o poema “anoitece”; isto é: com o fundo
preto da tela onde se projetam as três imagens sequenciais, não se
está mais diante da mesma experiência estética. Complementares e
não excludentes, poema e videotexto compartilham sentidos, tecem
laços, dialogam com o mundo.
No videotexto de Júlio Plaza, o poema “refletido na sua base
já provoca a aparição de outra qualidade, a água como suporte
do reflexo” (PLAZA, 2008, p.108). Interessado em processos
anagramáticos e paragramáticos que ativam a linguagem, a versão
se liberta da disposição gutemberguiana e o preto-luz da imagem
eletrônica produz um ícone noturno, com similaridade.

Figura 2: Lua na água por Júlio Plaza.

Fonte: Tradução Intersemiótica.

199
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Nesta tradução intersemiótica indicial são mantidas a ordem


do texto e os reflexos; a transposição dos meios, todavia, permite
que a exibição de cada um dos três versos aconteça sucessivamente,
pois a transposição dos signos estéticos, na conformação da
mensagem, deve obedecer às normas do novo suporte. A passagem
da linguagem de um meio a outro requer consciência tradutora
para “dar o salto qualitativo, isto é, passar da mera reprodução
para a produção” (PLAZA, 2008, p.109). O pesquisador de Arte e
tecnologia, também afirma:
A apropriação pelo artista de esquemas representacionais de
cunho científico constitui-se num recurso lícito e necessário,
de caráter intertextual, que, transposto para uma nova ordem
(mesmo que seja desordem), servirá ao artista para pensar
e elaborar as suas idéias e/ou modelos mentais (PLAZA,
2003, p.42).

A amizade de Plaza e Leminski se inicia na década de 1970


e a troca de ideias pode ser percebida na recriação de Lua na água.
Na década de 1990, Plaza participa da criação de um novo conceito
de poesia, os clipoemas9, que hoje habitam o universo computacional
por intermédio de processos metalingüísticos. O termo “refere-se às
produções atuais, nas quais se verifica a mescla de câmeras e recursos
de computação, para criar textos poéticos a serem vinculados nos
mais diferentes meios.” (GUIMARÃES, 2008, p. 311).
A segunda recriação que escolho para análise é uma cena de
anoitecer do filme ExIsto10. Uma das possíveis leituras que estabelece
vínculos com o poema é, de saída, o fato de que, como o poema,
ela é composta por três planos. O primeiro tem a duração de cerca
de dez segundos e mostra a Lua e Descartes, o segundo tem menos
de meio minuto e se detém no reflexo da Lua na água (Figura 3),
e o terceiro volta a exibir Descartes por quase um minuto. Nesta
nova tradução, a imagem-movimento é vinculada a questões de
9
Surgem, nos Perhappiness, eventos da Fundação Cultural de Curitiba que
homenageiam Leminski.
10
Adaptação livre do romance Catatau (Paulo Leminski, 1975), ExIsto é o sexto
longa metragem de Cao Guimarães. O filme de 86 min. é realizado em 2010, a
partir de um convite do Instituto Itaú Cultural / SP.

200
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

verossimilhança, ou melhor, de imagens extraídas da concretude do


mundo físico, possibilitando nova fruição estética. Este vínculo com
o real seja, talvez, a singularidade a identificar imagens produzidas
no século XXI.
Figura 3: Lua na água por Cao Guimarães.

Fonte: filme ExIsto.

De costas no primeiro e no terceiro plano, Descartes é


apenas uma silhueta que destaca a imagem da Lua. O plano do
meio mostra o reflexo da Lua quase cheia nas águas do rio, até
desaparecer sob uma escada de madeira. O branco da Lua, o azul da
água e o preto da madeira se distanciam da relação mimética com a
paisagem, evidenciando um método de abstração que gera imagens
estruturadas por uma geometria sensível, característica da produção
de Arte brasileira após a rigidez conceitual do Movimento Concreto.
As cores planas, em contraposição à textura da madeira, remetem a
processos de colagem utilizados desde o cubismo, enquanto o som
das águas do rio mantém estreita relação com a passagem do tempo.
Ao considerar que Existo é uma adaptação de Catatau e que
o criador do filme conhecia de antemão o poema de Leminski e a
transcriação de Plaza, que espécie de diálogo pode se estabelecer
entre poema, videotexto e filme? Os três versos se transformam

201
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

em três planos, sendo que a Lua na água deixa de ser o verso que
dá início à cena, numa subversão propiciada pela observação das
transmutações realizadas pela exibição em looping do videotexto.
A imagem da Lua na água é transubstancializada em
Leminski, Plaza e Guimarães. Estreitando relações e inter-
relacionando sentidos, as recriações evidenciam as possibilidades do
trânsito sígnico e a instauração de qualidade artística. Se o poema é
permeado por inextrincáveis enigmas, os quais são potencializados
no videotexto, a adaptação cinematográfica cria novos sentidos
ao se voltar para a observação da paisagem, numa evidência da
força da imagem vinculada ao real que caracteriza os processos de
reprodução de imagem como a fotografia e o cinema. Por entre
imagem e conceito, este trecho do filme de Cao Guimarães, que se
estrutura em aparente simplicidade, mantém abissais possibilidades
de aprofundamento.
A terceira recriação que trago para análise foi publicada em
seis de abril de 2013, no youtube por magnifisica11 (figura 4). Esta
apropriação de Lua na água é um vídeo de cerca de um minuto e
meio, no qual um papel com o poema impresso é colocado embaixo
de um copo vazio, lente cilíndrica cuja refração inverte e deforma
as palavras. São inúmeras as possibilidades de transformação das
imagens e é obvio o caráter lúdico da experimentação. Se Leminski
cria o reflexo da Lua na água com o rebatimento especular das letras,
as sucessivas deformações produzidas pelo girar do copo sobre o texto
criam novas configurações tipográficas, estilhaçando ainda mais a
disposição gutemberguiana que havia sido libertada por Julio Plaza.

11
Identificado como um “Canal de divulgação de experimentos e complementos
de física para pessoas e estudantes em geral”, tem oitenta e um vídeos postados de
2011 a 2015. Desde 2007 tem 286 inscritos e pouco mais de 500.000 visualizações.

202
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 4: Lua na água – poema de Paulo Leminski.

Fonte: Magnifísica, 2013.

Nas novas configurações de redes sociais, Arte, Ciência e


Educação se entrecruzam em aulas a distância e/ou tutoriais das
mais diversas qualidades. A necessidade de transformação nas
práticas de ensino, devido às substanciais alterações informacionais
na contemporaneidade, encontra em Edgar Morin uma das reflexões
mais pertinentes.
A educação deve favorecer a aptidão natural da mente
em formular e resolver problemas essenciais e, de forma
correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso
total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais
expandida e mais viva durante a infância e a adolescência,
que, com freqüência, a instrução extingue e que, ao contrário,
se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar.
(MORIN, 2014, p.37).

Ao estabelecer as necessidades para a educação do futuro,


o sociólogo francês diferencia instrução de educação, postulando
que a retomada da ética é fundamental para a sobrevivência da

203
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

humanidade. A arte, portanto, desponta como um modo eficaz de


retomada da sensibilidade humana diante da constante ameaça de
desabamento de valores rumo à banalização geral da cultura. Poesia,
Artes Visuais e Ciência, em constante interação, podem trazer para
o contexto da educação riquezas infindas.
Considerações finais
No império da banalização, a subjetivação interdisciplinar,
que intensifica conexões entre conteúdos aparentemente díspares,
capacita o ser humano a enfrentar as incertezas do mundo. A obra
de Arte, caracterizada por não possuir significado ou sentido único
explicita a importância do aprendizado pautado na razão sensível.
Acredito ter evidenciado com suficiente clareza que as
traduções criativas do poema ampliam a gama de leituras e que,
acima de tudo, representam uma nova forma de potencializar a
fruição estética. Elemento importante no que se refere à prática
pedagógica, recriar uma obra de Arte evidencia a inesgotabilidade
dos sentidos da Arte e de suas possíveis transformações.
Os três trabalhos analisados, as recriações ou traduções
intersemióticas não têm por objetivo repetir a mesma experiência
estética, mas estabelecer novas leituras a partir da obra de Leminski.
As recriações, me parece, permitem que a vitalidade de determinada
obra se atualize em novas possibilidades perceptivas, decorrentes de
transformações tecnológicas e/ou socioculturais.
Compreendidas deste modo, as trocas entre Arte, Ciência
e Educação despertam a curiosidade necessária para a efetivação
do aprendizado. Colaboram, sobretudo, para a criação de novos
modos de se lidar com as incertezas que assolam o mundo, pois
intercâmbios do sensível com o racional podem aplacar a crise que
permeia a sociedade contemporânea.
Referências
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Tradução de: Adail
Ubirajara Sobral. São Paulo: Pensamento, 2007.
CAMPOS, Haroldo. Transluciferação. In: PLAZA, Júlio (Org.)

204
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Transcriar. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea/USP, 1985,


pp.5-8.
LEMINSKI, Paulo. Catatau - um romance idéia. São Paulo:
iluminuras, 2013.
_______. Toda Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
GOMBRICH, Ernst Hans. Arte e Ilusão: um estudo da psicologia
na representação pictórica. Tradução de: Raul de Sá Barbosa. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
_______. História da Arte. Tradução de: Álvaro Cabral. São Paulo:
Zahar Editores, 1972.
GUIMARÃES, Cao. ExIsto. DVD, 86 minutos, digital, estéreo,
Brasil, 2010.
GUIMARÃES, Denise A. D. Comunicação Tecnoestética nas
Mídias Audiovisuais. Porto Alegre: Sulina, 2008.
MAGNIFÍSICA, Lua na água. 1:31min. 2013. Disponível em:
<https://www.youtube. com/ watch?v=fAWglQ4B-zM>. Acesso
em: 10 jan. 2016.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessário à educação do futuro.
Tradução de: Catarina Eleonora F da Silva e Jeanne Sawaya. São
Paulo: UNESCO/Cortez, 2014.
PIGNATARI, Décio. Semiótica da Arte e da Arquitetura. São
Paulo: Cultrix, 1981.
PLAZA, Júlio. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva,
2008.
SILVA, Josie Agatha Parrilha da; NEVES, Marcos Cesar Danhoni.
O Codex Cigoli- Galileu: Ciência, Arte e religião num enigma
copernicano. Maringá: Eduem, 2015.

205
CAPÍTULO 9
A LITERATURA SOB A LUZ DA LUA: POESIA,
LITERATURA INFANTIL, ROMANTISMO E
CONTOS
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

9. A LITERATURA SOB A LUZ DA LUA: POESIA,


LITERATURA INFANTIL, ROMANTISMO E CONTOS

Anderson Pedro Laurindo1


Elisangela Cordeiro2

Introdução
A Lua tem muitas definições, ela é vista, interpretada
e plasmada nas mais diversas formas. Ela não é apenas signo de
admiração e inspiração por parte de cientistas e estudiosos, senão
que diversas áreas a tem presente em seus escritos e manifestações
artísticas. Faz parte de um vasto campo dentro das Artes, da Música,
do Teatro, do Cinema e da Literatura.
Na literatura brasileira ela aparece em todos os Momentos
Literários como protagonista. Está presente em muitos romances,
poemas, lendas, literatura infantil ou como cenário, embalando
diversos romances, sendo testemunha de encantos e desencantos
amorosos.
A Lua, sendo materializada ou mistificada, se fez presente
em obras dos mais variados gêneros e épocas da literatura brasileira.
Assim sendo, o texto nada mais é do que um produto, um grupo de
letras que se unem a palavras recebendo vida em frases, formando
então textos, poesias e afins que acabam dando vida e sentido àquilo
que sozinho parecia não simbolizar nada.
Dentro da dinâmica de que o texto é um produto, e, por
isso um produto que leva tempo e trabalho para ser elaborado, é
importante ter claro que sua leitura e compreensão demanda muito
cuidado e dedicação, já que esta parte de uma teia de signos, que
leva a sua totalidade, sem esta dinâmica fica limitado o trabalho
e assim destruída a significação que o autor pretendia para aquele
trabalho.
1
Mestrando em Ensino de Ciência e Tecnologia na UTFPR – Campus Ponta
Grossa. Atua como professor e Coordenador de Gestão Acadêmica nas Faculdades
Ponta Grossa – PR.
2
Especialista em Língua Portuguesa e Literatura. Atua como professora na SEED
(Letras UEPG e Especialização na Faculdade Espírita do Paraná).

209
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Ainda sobre a literatura, esta deve ser lida mediante uma


dialética em que o autor e o leitor tenham clara a sua participação
dentro do texto de forma que uma reciprocidade possa acontecer
dando, assim, sentido ao trabalho de forma a comprometer não
apenas o que escreveu, senão que aquele que lê a obra, sentindo-se
parte real e viva da mesma.
O que se pretende demonstrar nos escritos a seguir é
exatamente como autores da Literatura Brasileira apresentam a
imagem da Lua dento da Poesia, Literatura Infantil, dos Romances
e Contos, de forma a ver a Lua nas mais diversas facetas dentro da
Literatura.
O embalar da lua na poesia
A Lua Plasmada no Barroco
O Barroco teve início no Brasil no final do século XVI, período
literário antagônico, a fé e o paganismo dividiam o mesmo espaço.
Alguns nomes se destacam nesse período, um deles é Gregório
de Matos, nascido em Salvador no ano de 1636, sendo o mesmo
conhecido pelo apelido de Boca do Inferno, graças à sua irreverente
obra satírica.
Ele firmou-se como o primeiro poeta brasileiro, porque além
da poesia satírica, também cultivou a lírica, a erótica e a religiosa. O
que se conhece a respeito de sua obra é fruto de diversas pesquisas,
já que o autor não publicou nada em vida, trazendo então dúvidas
quanto à autenticidade de muitos textos que lhe são atribuídos.
Um dos poemas em que se evidencia a presença da Lua é o
chamado de A Instabilidade das Cousas do Mundo, no qual o poeta
retrata a efemeridade da vida.

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,


Depois da Lua se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?

210
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Como a beleza assim se transfigura?


Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
(MATOS, 1945, p. 02)

Neste poema, Gregório de Matos apresente uma temática da


passagem do tempo, demonstra a existência da instabilidade das
coisas, uma constância da natureza, da condição humana, demonstra
as incertezas da vida e a transitoriedade dos fatos cotidianos. Existe
a questão metafórica que se expressa nas questões de Claro x Escuro,
que são temas muito presentes no Barroco. Este poema é um clássico
que pode servir para se pensar em como as coisas passam na vida
de cada ser humano e a forma como elas mudam com o passar do
tempo. É uma poesia que, embora escrita no século XVII, ainda tem
muito de atual para os dias de hoje.
A Lua e sua melancolia Arcadismo
O Arcadismo no Brasil teve início no ano de 1768 com a
publicação do livro Obras de Cláudio Manuel da Costa. Ideais
revolucionários começaram a se desenvolver no Brasil, pelo fato
da economia brasileira estar voltada para a era do ouro. Apesar de
as escavações apresentarem-se escassas, os impostos cobrados por
Portugal eram exorbitantes, isso tudo motivado pela Revolução
Industrial que ocorria da Europa.
As principais características deste período é a busca por uma
vida, pastoril, a valorização da natureza e do viver o presente. Porém,
para o trabalho proposto utilizou-se a obra de Tomás Antonio
Gonzaga, do ano de 1787, intitulado de Cartas Chilenas. Esta obra
é composta por 13 poemas satíricos escritos antes da Inconfidência
Mineira. Neste poema, o autor é invadido por uma grande tristeza,
que se dá ao não se sentir capaz de ver a Lua.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Carta lª
Em que se descreve a entrada que fez Fanfarrão em Chile.

155 – Ah! pobre Chile, que desgraça esperas!


Quanto melhor te fora se sentisses
As pragas, que no Egito se choraram,
Do que veres que sobe ao teu governo
Carrancudo casquilho, a quem rodeiam
160 – Os néscios, os marotos e os peraltas!
Seguido, pois, dos grandes entra o chefe
No nosso Santiago junto à noite.
A casa me recolho e cheio destas
Tristíssimas imagens, no discurso,
165 – Mil coisas feias, sem querer, revolvo.
Por ver se a dor divirto, vou sentar-me
Na janela da sala e ao ar levanto
Os olhos já molhados. Céus, que vejo!
Não vejo estrelas que, serenas, brilhem,
170 – Nem vejo a lua que prateia os mares:
Vejo um grande cometa, a quem os doutos
Caudato apelidaram. Este cobre
A terra toda co’ disforme rabo.
(GONZAGA, 1995, p.06)

A Lua plasmada no Romantismo


O Romantismo, movimento artístico e filosófico, surgiu no
final do século XVIII na Europa, teve também seu enfoque literário
e o fim deste movimento no final do século XIX. A característica do
Romantismo mais marcante é a visão de mundo que se contrapunha
ao período neoclássico. Este movimento cultivou uma visão de

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

mundo centrada no indivíduo, sendo, por essa razão, que os autores


voltavam-se para si mesmos, retratando dramas pessoais, tais como
tragédias de amor, ideias utópicas, desejos de escapismo e amores
platônicos ou impossíveis.
No Brasil, tendo em vista a proclamação da Independência
no ano de 1822, esse período foi marcado por um sentimento
nacionalista. Nessa fase destaca-se o poema de Alvares de Azevedo,
com Luar de Verão, de 1853, no qual a Lua é personalizada pelo eu
lírico que brinca com sua imagem.

LUAR DE VERÃO O que vês, trovador? - No céu formoso


Ao sopro dos favônios feiticeiros
O que vês, trovador?-Eu vejo a lua Eu vejo-e tremo de paixão ao vê-las-
Que sem lavor a face ali passeia; As nuvens a dormir, como carneiros.
No azul do firmamento inda é mais pálida
Que em cinzas do fogão uma candeia. E vejo além, na sombra do horizonte,
Como viúva moça envolta em luto,
O que vês, trovador?-No esguio tronco Brilhando em nuvem negra estrela viva
Vejo erguer-se o chinó de uma nogueira. Como na treva a ponta de um charuto.
Além se entorna a luz sobre um rochedo
Tão liso como um pau-de-cabeleira. Teu romantismo bebo, ó minha lua,
A teus raios divinos me abandono,
Nas praias lisas a maré enchente Torno-me vaporoso, e só de ver-te
S’espraia cintilante d’ardentia Eu sinto os lábios meus se abrir de sono.
Em vez de aromas as doiradas ondas
Respiram efluviosa maresia! (AZEVEDO, 1996, p.230)

A Lua e sua interpretação no Realismo e no Naturalismo


O Realismo e o Naturalismo são movimentos que ocorreram
simultaneamente, em 1881, quando o Brasil estava passando por
um período politicamente tumultuado. As obras caracterizaram-
se pela busca pela realidade, racionalismo, os poetas e escritores
procuravam não demonstrar sentimentos, e sim analisar a realidade
e o contexto social.
Machado de Assis, um dos maiores escritores brasileiros,
viveu entre os períodos do Romantismo e do Realismo, um
escritor completo: escreveu vários romances, além de contos,

213
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

teatro, coletâneas de poemas e mais de seiscentas crônicas. Um dos


fundadores da Academia Brasileira de Letras e o primeiro presidente.
Mesmo pertencendo ao Realismo, nunca deixou de representar em
suas obras sentimentos, misticismo e ironia ao mesmo tempo que
fazia análise realista do espírito humano e de seus valores. No poema
Lua Nova o poeta se dirige à lua por Jaci, nome de origem tupy, que
quer dizer literalmente Lua.
LUA NOVA E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço Do arvoredo co’as frutas* que damos
Ei-la assoma serena e indecisa: Aos valentes guerreiros, que eu vou
Sopro é dela esta lânguida brisa A buscá-los na mata sombria,
Que sussurra na terra e no mar. Por trazê-los ao moço prudente,
Não se mira nas águas do rio, Que venceu tanta guerra valente,
Nem as ervas do campo branqueia; E estes olhos consigo levou.”
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar. E um ancião, que a saudara já muitos,
Muitos dias: “Jaci, doce amada,
E iam todos; guerreiros, donzelas, Dá que seja mais longa a jornada,
Velhos, moços, as redes deixavam; Dá que eu possa saudar-te o nascer,
Rudes gritos na aldeia soavam, Quando o filho do filho, que hei visto
Vivos olhos fugiam p’ra o céu: Triunfar de inimigo execrando,
Iam vê-la, Jaci, mãe dos frutos, Possa as pontas de um arco dobrando
Que, entre um grupo de brancas estrelas, Contra os arcos contrários vencer.”
Mal cintila: nem pôde vencê-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu. E eles riam os fortes guerreiros,
E as donzelas e esposas cantavam,
E um guerreiro: “Jaci, doce amada, E eram risos que d’alma brotavam,
Retempera-me as forças; não veja E eram cantos de paz e de amor.
Olho adverso, na dura peleja, Rude peito criado nas brenhas,
Este braço já frouxo cair. - Rude embora - terreno é propício;
Vibre a seta, que ao longe derruba Que onde o gérmen lançou benefício
Tajaçu, que roncando caminha; Brota, enfolha, verdeja, abre em flor.
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.” (ASSIS, 1994, p. 42)

A Lua no Parnasianismo
A literatura parnasiana, originada na França, valorizava a
perfeição formal, o rigor das regras clássicas na criação dos poemas,
a perfeição dos sonetos, a apreciação da rima e métrica, a descrição
minuciosa, a sensualidade, a mitologia greco-romana. A doutrina

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

de “a Arte pela Arte” é algo que esteve bem presente nos poemas
parnasianos, no contexto de alienação e descompromisso quanto à
realidade. Este movimento tem seu marco inicial com a publicação
de Fanfarras de Teófilo Dias, em 1882. Essa implantação no Brasil
foi auxiliada por Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo
Bilac.
Olavo Bilac é um dos representantes do período e escreveu
Via Láctea, uma coletânea composta de 35 sonetos de temática
amorosa, com o formato de um diário do namoro do poeta com
Amélia de Oliveira, irmã de Alberto de Oliveira (poeta do mesmo
momento literário).
VIA LÁCTEA
VIII
E envolvida de tua virgindade,
Em que céus mais azuis, mais puros ares, De teu pudor na cândida armadura,
Voa pomba mais pura? Em que sombria Foges o amor, guardando a castidade,
Moita mais nívea flor acaricia,
A noite, a luz dos límpidos luares? - Como as montanhas, nos espaços francos
Erguendo os altos píncaros, a alvura
Vives assim, como a corrente fria, Guardam da neve que lhes cobre os flancos.
Que, intemerata, aos trêmulos olhares (BILAC, 2003, p. 04)
Das estrelas e à sombra dos palmares,
Corta o seio das matas, erradia.

A lua na fase do Simbolismo


O Simbolismo teve seu início no Brasil em 1893, depois
da publicação das obras de Missal e Broquéis, de Cruz e Souza.
A temática simbolista tem como característica a subjetividade,
o onírico, místico e o mistério, a busca interior do homem e sua
essência. Pontos que muito utilizados eram as dicotomias alma e
corpo, e matéria e espírito.
Diante de toda a temática do simbolismo criou-se um
ambiente propício para se fazer referência à Lua. Nesse momento
literário, Cruz e Souza, poeta simbolista, coloca a Lua em várias
passagens de seus poemas. Em um dos trechos de Sinfonias do Acaso,
pode-se notar a sua descrição:

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

SINFONIAS DO OCASO
Ah! por estes sinfônicos ocasos
Musselinosas como brumas diurnas A terra exala aromas de áureos vasos,
Descem do acaso as sombras harmoniosas, Incensos de turíbulos divinos.
Sombras veladas e musselinosas
Para as profundas solidões noturnas. Os plenilúnios mórbidos vaporam...
E como que no Azul plangem e choram
Sacrários virgens, sacrossantas urnas, Cítaras, harpas, bandolins, violinos…
Os céus resplendem de sidéreas rosas,
Da lua e das Estrelas majestosas (SOUZA, 2009, p. 410)
Iluminando a escuridão das furnas.

Modernismo e a Lua
O Modernismo foi o período do movimento da literatura
moderna nas letras. Seu objetivo dentro da literatura indicou a
necessidade de renovação, opondo a modernidade ao tradicionalismo.
O modernismo brasileiro foi iniciado no século XX. Na
época, a preocupação dos autores modernos era substituir os antigos
valores, sendo suas principais características o progresso, a sensação
de instabilidade e transitoriedade, a criação e investigação pessoal, o
livre exame e o futuro.
Vinicius de Moraes resgata muitas características simbolistas
em sua obra; pertencendo à primeira fase modernista, o mesmo
recupera a espiritualidade em seus poemas. Poemas nos quais a
intimidade amorosa e o sensualismo erótico, contrastam com sua
educação religiosa; Vinícius está sempre hesitando entre os prazeres
da carne e as angústias do pecador. Publicou em 1954 o poema O
Poeta e a Lua.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

O POETA E A LUA O poeta afaga-lhe os braços


E o ventre que se menstrua
Rio de Janeiro, 1954 A lua se curva em arco
Em meio a um cristal de ecos Num delírio de volúpia.
O poeta vai pela rua O gozo aumenta de súbito
Seus olhos verdes de éter Em frêmitos que perduram
Abrem cavernas na lua. A lua vira o outro quarto
A lua volta de flanco E fica de frente, nua.
Eriçada de luxúria O orgasmo desce do espaço
O poeta, aloucado e branco Desfeito em estrelas e nuvens
Palpa as nádegas da lua. Nos ventos do mar perpassa
Entre as esferas nitentes Um salso cheiro de lua
Tremeluzem pelos fulvos E a lua, no êxtase, cresce
O poeta, de olhar dormente Se dilata e alteia e estua
Entreabre o pente da lua. O poeta se deixa em prece
Em frouxos de luz e água Ante a beleza da lua.
Palpita a ferida crua Depois a lua adormece
O poeta todo se lava E míngua e se apazigua...
De palidez e doçura. O poeta desaparece
Ardente e desesperada Envolto em cantos e plumas
A lua vira em decúbito Enquanto a noite enlouquece
A vinda lenta do espasmo No seu claustro de ciúmes.
Aguça as pontas da lua. (MORAIS, 2009, p. 116)

Manuel Bandeira, grande escritor do período modernista no


Brasil, possuía uma linguagem direta e simples. Com uma doença
incurável, foi diagnosticado com pouco tempo de vida, o que, de
fato, não ocorreu. Viveu até 82 anos, mas deixou marcados em seus
poemas essa angústia e a busca por alegria em viver, resgatando,
em sua obra, a nostalgia da infância. Escreve o poema intitulado
Satélite, no qual o escritor apresenta a Lua em suas duas definições:
romântica e simplesmente como cosmograficamente satélite.
O poeta faz o paralelo entre o significado místico e objetivo
da Lua, descrevendo-a romanticamente e ao mesmo tempo,
desmistificando-a, fazendo, assim, um embalar de sentidos e de
formas dentro do poema.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

SATÉLITE O astro dos loucos e enamorados,


Mas tão somente
Fim de tarde. Satélite.
No céu plúmbeo
A lua baça Ah! Lua deste fim de tarde,
Paira. Desmissionária de atribuições românticas;
Sem show para as disponibilidades
Muito cosmograficamente sentimentais!
Satélite.
Fatigado de mais-valia,
Desmetaforizada, gosto de ti, assim:
Desmitificada, Coisa em si,
Despojada do velho segredo de melancolia, -Satélite.
Não é agora o golfão de cismas, (BANDEIRA, 2012, p. 133)

Cecilia Meireles, escritora carioca, apresenta com o uma das


características mais marcantes, em seus poemas, a musicalidade, em
seus poemas, a musicalidade, sendo comum, na temática poética,
retratar a morte, o amor, o eterno e o efêmero. Fundadora da
primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro e professora escreve o
poema Lua Adversa. Utiliza-se do calendário lunar, que tem, como
finalidade, marcar o tempo, marcar as fases da vida do eu lírico, suas
mudanças, desejos, revelando sua necessidade de entrega e solidão.

LUA ADVERSA inventou para meu uso.


E roda a melancolia
Tenho fases, como a lua seu interminável fuso!
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua... Não me encontro com ninguém
Perdição da minha vida! (tenho fases como a lua...)
Perdição da vida minha! No dia de alguém ser meu
Tenho fases de ser tua, não é dia de eu ser sua...
tenho outras de ser sozinha. E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…
Fases que vão e vêm,
no secreto calendário (MEIRELES, 2006. 246)
que um astrólogo arbitrário

A Literatura Contemporânea e sua inspiração na Lua


Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães
Peixoto Bretas, a Aninha, poetisa e contista brasileira notabilizou-se

218
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

pela criação de belos poemas. Tornou-se conhecida como a autora


dos versos que representam um pouco da história da Cidade de
Goiás, no Estado de Goiás.
Em 1976, Cora Coralina faz uma descrição da Lua e relaciona
sua aparição e simbologia em diversos momentos da vida, mostrando
o astro e sua influência e importância para astronautas, mares,
amantes, plantações, pescadores, fertilizações, etc. Lua-luar é um
dos poemas da nossa literatura que retrata a Lua em suas diversas
aparições.
Um grande poeta, que teve uma breve, mas marcante passagem
pelo cenário literário brasileiro, é o paraense, nascido em Curitiba,
Paulo Leminski. O autor trabalhou também como professor de
Redação em cursos pré-vestibulares e também como professor de
História. Tornou-se conhecido por ter inventado seu próprio jeito
para escrever poesias: fazia trocadilhos ou brincava com ditados
populares. Falece de maneira precoce no ano de 1989 com 44 anos.
O poema apresentado na sequência, que recebe o nome de
Lua na Água, demonstra muito bem o que recebeu o nome de Poesia
Concreta Exemplifica fielmente a denominação por ter um carácter
experimental, basicamente visual, procura estruturar o texto poético
escrito a partir do espaço do seu suporte, sendo ele a página de um
livro ou não, buscando a superação do verso como unidade rítmico-
formal.
Paulo Leminski também descreve a lua no Poema A Lua no
Cinema, fazendo uso da personificação atribuindo à Lua a capacidade
de ir, vir e sentir.

A LUA NO CINEMA

A lua foi ao cinema,


passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas


uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

219
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Era uma estrela sozinha,


ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste


com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!
(LEMINSKI, 2013, p.126)

A Lua e sua inspiração para os romances brasileiros


Os romances literários são muito vastos, ao pontuar um
número significativo de obras em que a Lua é citada, pode-se
até mesmo escrever um livro, este astro aparece como inspiração
para os romances, influencia na cultura indígena, caracteriza
comportamentos humanos, está presente como culto à beleza e magia.
No entanto, foi decidido que, nos trechos apresentadas
na sequência, descrevem-se algumas citações de obras literárias
dos romances brasileiros nas quais a Lua se faz como grande
protagonista. Para que fique mais fácil a visualização da citação do
astro, os autores decidiram deixar o mesmo em negrito.
A Moreninha – Joaquim Manuel de Macedo (1844, p. 81)
- Romance Social:
Ali ela está na solidão de seus campos, talvez menos alegre,
porém, certamente, mais livre; sua alma é todos os dias
tocada dos mesmos objetos; ao romper d’alva, é sempre e só
aurora que bruxuleia no horizonte; durante o dia, são sempre
os mesmos prados, os mesmos bosques e árvores; de tarde,
sempre o mesmo gado que se vem recolhendo ao curral;
à noite, sempre a mesma lua que prateia seus raios na lisa
superfície do lago. Assim, ela se acostuma a ver e amar um
único objeto; seu espírito, quando concebe uma idéia, não a
deixa mais, abraça-a, anima-a, vive eterno com ela; sua alma,
quando chega a amar, é para nunca mais esquecer, é para
viver e morrer por aquele que ama. Isto é assim, Augusto;
considera que é lá em nossos campos que mais brilham esses
sentimentos, que são a mesma vida e que não podem acabar
senão com ela!.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Iracema – José de Alencar (1865, p. 43) - Romance


Indianista:
Depois o chefe assim falou:

— Ainda Jacaúna não era um guerreiro, Jatobá, o maior


chefe, conduzia os pitiguaras à vitória. Logo que as grandes
águas correram, ele caminhou para a serra. Aqui chegando,
mandou levantar a taba, para estar perto do inimigo e vencê-
lo mais vezes. A mesma Lua que o viu chegar, alumiou a
rede onde Saí, sua esposa, lhe deu mais um guerreiro de seu
sangue.

O luar passava por entre as folhas do jatobá; e o sorriso pelos


lábios do varão possante, que tomara seu nome e robustez.
Iracema aproximou-se. A rola, que marisca na areia, se
afasta-se o companheiro, adeja inquieta de ramo em ramo
e arrulha para que lhe responda o ausente amigo. Assim a
filha das florestas errara pela encosta, modulando o singelo
canto mavioso. Martim a recebeu com a alma no semblante;
e levando a esposa do lado do coração e o amigo do lado da
força, voltou ao rancho dos potiguaras.

Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis


(1881, p. 71) - Capítulo XCIX – Romance de Plateia:
Multidão, cujo amor cobicei até à morte, era assim que eu
me vingava às vezes de ti; deixava burburinhar em volta do
meu corpo a gente humana, sem a ouvir, como o Prometeu
de Ésquilo fazia aos seus verdugos. Ah! tu cuidavas encadear-
me ao rochedo da tua frivolidade, da tua indiferença, ou da
tua agitação? Frágeis cadeias, amiga minha; eu rompia-as de
um gesto de Gulliver. Vulgar coisa é ir considerar no ermo.
O voluptuoso, o esquisito, é insular-se o homem no meio de
um mar de gestos e palavras, de nervos e paixões, decretar-
se alheado, inacessível, ausente. O mais que podem dizer,
quando ele torna a si, — isto é, quando torna aos outros,
— é que baixa do mundo da lua; mas o mundo da lua, esse
desvão luminoso e recatado do cérebro, que outra coisa é
senão a afirmação desdenhosa da nossa liberdade espiritual?
Vive Deus! eis um bom fecho de capítulo.

221
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Vidas Secas – Graciliano Ramos (1838, p. 06) - Capítulo


I – A Mudança:
Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua
surgiu, grande e branca. Certamente ia chover. Seu Tomás
fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E
ele, Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia porquê,
mas era. Uma, duas, três, havia mais de cinco estrelas no
céu. A lua estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover.
Bem. A catinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao
curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta.
Chocalhos de badalos de ossos animariam a, solidão. Os
meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das
cabras, Sinha Vitória vestiria saias de ramagens vistosas.
As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.
Lembrou-se dos filhos, da mulher e da cachorra, que estavam
lá em cima, debaixo de um juazeiro, com sede. Lembrou-
se do preá morto. Encheu a cuia, ergueu-se, afastou-se,
lento, para não derramar a água salobra. Subiu a ladeira.
A aragem morna acudia os xiquexiques e os mandacarus.
Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na catinga, uma
ressurreição de garranchos e folhas secas.

Dom Casmurro – Machado de Assis (1899, p. 83) -


Capítulo IXXX – Obra Realista:
Capitu era naturalmente o anjo da Escritura. A verdade é
que minha mãe não podia tê-la agora longe de si. A afeição
crescente era manifesta por atos extraordinários. Capitu
passou a ser a flor da casa, o sol das manhãs, o frescor das
tardes, a lua das noites; lá vivia horas e horas, ouvindo,
falando e cantando. Minha mãe apalpava-lhe o coração,
revolvia-lhe os olhos, e o meu nome era entre ambas como a
senha da vida futura.

Macunaíma – Mário de Andrade (1928, p. 52) - VIII Vei,


a Sol - Não o consideramos um romance e sim uma rapsódia por
apresentar mais de um gênero literário: epopeia, crônica e paródia:
Então passou Caiuanogue, a estrêla-da-manhã. Macunaíma
já meio enjoado de tanto viver pediu pra ela que o carregasse
pro céu. Caiuanogue foi se chegando, porém, o herói fedia

222
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

muito. — Vá tomar banho! ela fez. E foi-se embora. Assim


nasceu a expressão “Vá tomar banho!” que os Brasileiros
empregam se referindo a certos imigrantes europeus. Vinha
passando Capei, a Lua. Macunaíma gritou pra ela:

— Sua bênção, dindinha Lua!


— Uhum... que ela secundou.

Então ele pediu pra Lua que o carregasse pra ilha de Marajó.
Capei veio chegando porém Macunaíma estava mesmo
fedendo por demais.

— Vá tomar banho! ela fez. E foi-se embora. E a expressão


se fixou definitivamente. Macunaíma gritou pra Capei que
pelo menos desse um foguinho pra ele aquecer.

O Tempo e o Vento3 – Érico Veríssimo (1949, p. 17) - 2ª


Fase Modernista:
O Continente – O Sobrado I
Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre
a cidade de santa fé, que de tão quieta e deserta parecia um
cemitério abandonado. Era tanto o silêncio e tão leve o ar,
que se alguém aguçasse o ouvido talvez pudesse até escutar
o sereno na solidão. Agachado atrás dum muro, José lírio
preparava-se para a última corrida. Quantos passos dali até
a igreja? Talvez uns dez ou doze, bem puxados. Recebera
ordens para revezar o companheiro que estava de vigia no
alto duma das torres da matriz. “Tenente liroca”, dissera-
lhe o coronel, havia poucos minutos, “suba pro alto do
campanário e fique de olho firme no quintal do sobrado.
Se alguém aparecer pra tirar água do poço, faça fogo sem
piedade.

Grandes Sertões: Veredas4 – João Guimarães Rosa (1956,


p.94) - Romance Regionalista:

3
O Romance pertence à segunda fase modernista trazendo acontecimentos
históricos. Narra 200 anos do processo de formação do estado do Rio Grande do
Sul e divide-se em três romance - O Continente, O Retrato e O Arquipélago.
4
Grande Sertões Veredas possui mais de 600 páginas e não tem divisão de
capítulos.

223
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Bela é a lua, lualã, que torna a se sair das nuvens, mais


redondada recortada. Viemos pelo Urucuia. Meu rio de amor
é o Urucuia. O chapadão – onde tanto boi berra. Daí, os
gerais, com o capim verdeado. Ali é que vaqueiro brama, com
suas boiadas espatifadas. Ar que dá açoite de movimento, o
tempo-das-águas de chegada, trovoada trovoando. Vaqueiros
todos vaquejando. O gado esbravaçava. A mal que as notícias
referiam demais a cambada dos Judas, aumentável, a corja! –
“A tantos quantos?” – eu pondo meu perguntar. – “Os muitos!
Uma monarquia deles...” – os vaqueiros respondendo.

Dona Flor e Seus Dois Maridos – Jorge Amado (1966, p.


54) - Romance Regionalista que retrata o cotidiano baiano:
Noite alta, céu risonho a quietude é quase um sonho e o
luar cai sobre a mata qual uma chuva de prata de raríssimo
esplendor... Só tu dormes, não escutas o teu cantor...

A modinha de Cândido das Neves subia a ladeira mais


depressa do que eles, apareciam cabeças curiosas, demoravam-
se à janela presas ao fascínio da música, à voz de Caymmi. A
negra Juventina batia palmas aplaudindo, era do partido de
Flor e de Vadinho e doida por serenatas. Alguns despertavam
com raiva, na idéia de protestar, mas a doçura da canção os
vencia, adormeciam ouvindo o chamado de amor. Doutor
Carlos Passos foi um desses: saltou da cama numa sanha
assassina; seu dia era trabalhoso, começava no hospital as seis
da manhã e por vezes só volvia a casa as nove da noite. Mas
entre o quarto e a janela foi-se aplacando sua ira e trauteava
a melodia ao debruçar-se no beiral para ouvir mais cômodo.

Lua manda tua luz prateada despertar a minha amada ...

As Meninas – Lygia Fagundes Telles (1973, p. 72) -


Romance psicológico:
Fiquei sutil como a rataria em noite de lua sabiam que a lua
clareava tudo e tomavam seus cuidados. Inventava quilos e
comecei a ficar tão esperta a intuição me dirigindo por aí não!
Depressa fecha a boca agora dê risada. Agora chorei. Fecha
a boca Aninha! Fechei muito a boca porque a ponte estava
cai-não-cai. Então a velha quis saber por que eu andava assim
quietinha. A casa era enorme bem defronte do mar ninguém
mais podia tomar banho naquela praia só a gente.

224
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A Mulher que Escreveu a Bíblia – Moacyr Scliar (1999, p.


44) - Romance contemporâneo:
Salomão não estava ali. Melhor dizendo, estava, mas não
no aposento propriamente dito e sim no amplo terraço, do
qual se descortinava toda a região, iluminada por fantástica
lua. De costas para mim, olhava o horizonte. Em que estaria
pensando? Em novas alianças com países distantes, em
novas esposas a serem incorporadas ao harém? Ou estaria
esperando o obsceno pássaro da noite, para dele obter dicas
a respeito da aventura que logo iria viver?

Por algum tempo fiquei ali, à espera, olhando aquele altaneiro


vulto, aquele largo dorso, aquela bela cabeça.

Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios –


Marçal Aquino (2005, p. 07) - Romance contemporâneo:
Hoje, a lua está transitando por sua casa astrológica favorita.
Câncer. Uma criança nascida neste dia terá personalidade
calma e cordata. Gente boa, portanto. Sofrerá num lugar
como este. Sopra uma brisa vinda do rio e a noite está
silenciosa e com um cheiro de dama-da-noite tão intenso que
chega a ser enjoativo. Faz calor ainda. À tarde, vi pássaros
voando em formação rumo ao norte. Não demora e teremos
frio. Menos aqui, claro. O homem que sai na varanda da
pensão é calvo e barrigudo, e usa camiseta, bermuda listrada
e chinelos. Ele diz um boa-noite torcendo a boca — derrame?
— e senta-se na cadeira de palhinha. Abre o jornal com suas
mãos micóticas e passa a grunhir a cada notícia que lê. Tosse,
bufa. O mais próximo que um ser humano pode chegar de
um bovino.

Manual da Paixão Solitária5 – Moacys Scliar (2008, p. 40)


- Romance contemporâneo:
Era uma noite fria, como costumam ser as noites no deserto,
mas uma lua enorme iluminava a montanha. Sentei-me junto
a uma pedra chata, sobre a qual coloquei o pergaminho,
e pus-me a escrever . Primeiro narrei os acontecimentos
dos últimos dias. Narrei-os do meu ponto de vista, bem
entendido; narrei-os na primeira pessoa: era eu, eu, e mais
5
Recebeu o Prêmio Jabuti em 2009 - Livro do Ano de Ficção.

225
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

eu. O pronome aparecia a todo instante, em cada linha, duas


ou três vezes em cada linha. Tal como eu previra, era uma
pletora de eus, uma avalanche de eus, que talvez caísse sobre
mim como uma avalanche de vingadoras rochas desabando
da montanha para esmagar o pecador, o infiel, o energúmeno.
Mas não ocorria avalanche nenhuma, nem de pedras, nem de
remorsos, e muito menos de pronomes pessoais.

A pureza da Lua na literatura infantil


Reinações de Narizinho, Monteiro Lobato, 1931 - A Lua aqui
aparece em um diálogo muito interessante de Emília e Narizinho em
que o astro é lembrado juntamente com o sol, de forma a analisar as
suas fases e o papel do mesmo.
Viagem ao Céu, Monteiro Lobato, 1932 - Nessa aventura repleta
de pó de pirlimpimpim Emília vai até a Lua levando com ela outros
integrantes do Sítio do Pica-Pau Amarelo, terá um encontro com
São Jorge e o dragão, vários planetas e encontrarão o anjinho da asa
quebrada.
A Lua e a Bola, Alexandre Azevedo, 1996 - Uma história com
muita rima conta a história de Leo que chutou a bola tão alto que
ela ficou no céu derrubando a Lua que ficou no asfalto.
Quem Sabe Onde Mora a Lua? Glaucia Lemos, 2000 - Relata a
busca de uma mulher em saber a moradia da lua, e, ao chegar ao
mar, vai viver lindas descobertas.
O Menino da Lua, de Ziraldo, 2006 - Apresenta a história de um
menino do futuro, que se passa no século 3000. Zélen, o menino
da Lua, mora em uma lua, e não é aceito pelos meninos dos outros
planetas. A aventura começa quando ele é convidado para uma
brincadeira. O livro também leva a criança a conhecer o sistema
solar.
O Pintor da Lua, Miriam Portela, 2010 – Zeca, um menino pintor,
curioso, resolve desvendar os mistérios do sistema solar.
A Lua Tristonha, Rômulo Bourbon, com ilustrações de Emerson
Fialho, 2011 - O livro além de encantar ensina sobre as fases da lua,
eclipse. Narra a história da Lua que era triste por viver sozinha e

226
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

encontra a companhia das estrelas e uma forma de encantar as pessoas.


Um Ônibus Pra Lua, Eliana Sá, com ilustrações de Nireuda
Longobardi, 2011 - Uma viagem espacial que leva a criança a soltar
a imaginação. Texto rico em rimas, som e ritmo, sua história vai
dialogar com as fases vividas na infância.
Lua Estrela Baia, A História de um Rei, Assis Ângelo, 2012 -
O livro narra a história de Luiz Gonzaga, utilizando-se de todo o
cenário nordestino e, até mesmo, de dinossauros. Dona Mocinha
conta para as crianças da família a história do Rei do Baião.
A Lua no Coração, Gláucia Lemos, 2012 - Narra uma linda
amizade entre a narradora e um velho marinheiro, as experiências
vividas pelo amigo. Uma história na qual a fantasia e o mistério se
misturam.
O Menino que Consertou a Lua, Gilka Giradello, 2013 - Nesse
livro a personagem relembra o dia em que o homem pisou pela
primeira vez na Lua, e, mais tarde conta a história para seu filho
e o amigo imaginário, retratando o astronauta como homem
que faz consertos no astro. Lur desde então passa a controlar os
movimentos da Lua. A narrativa termina com o menino na vida
adulta, na profissão que se determinou pela brincadeira de criança.
Davi e a Lua, Leda Gonzaga 2013 - Davi descobre a Lua em um
passeio com sua avó. Essa obra, com indicação para crianças de 3
anos, mostra a doçura do relacionamento entre a avó e seu neto.
Quando a Lua Tomou Chá de Sumiço, Maria Amalia Camargo,
2013 - Essa obra vai trazer a Lua como personagem; cansada de
todas as suas responsabilidades, resolve desaparecer, e os problemas
não serão poucos.
Fio de Lua e Raio de Sol, Roseana Murray, 2013 - Um livro
poético que encanta com a beleza dos raios de luz refletidos pela lua
e pelo sol.
O Sumiço da Lua, Manuel filho, 2014 - Essa obra vai nos dar
dimensão da importância da Lua na pesca, agricultura, marés e o
caos com o sumiço da mesma. Partindo desse mistério, os gêmeos
Éder e Elias e sua prima Tri iniciam sua aventura de férias.

227
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Fases da Lua e Outros Segredos, Marilda Castanha, 2014 - Um


livro composto microcontos para trabalhar com as descobertas
infantis. Nessa obra, “Fases da lua” é um dos segredos revelados
ao longo do livro.
A Lua Cheia de Vento, Mel Adún, 2015 - Um conto que narra
aventuras repletas de sentimentos vividos pelos personagens Gotinha
e Ventania.

Considerações finais
A Literatura como Arte da palavra nos apresenta inúmeras
possibilidades de interpretação e liberdade de criação. Elementos
como seres, astros, animais imaginários, objetos abstratos, dentre
outros, podem fazer parte do cenário descrito ou protagonizado em
uma história, de forma que a mesma cative, encante e auxilie na
projeção de um imaginário que fascina a todos que têm contato
com a obra.
Redescobrir a Literatura com uma nova perspectiva, extraindo
das obras um astro tão significativo como a Lua, foi um desafio e um
deleite. Ao ler um romance, uma poesia, focamos no seu contexto,
e, no momento em que elegemos um elemento a ser analisado,
passamos a construir um novo olhar.
Ao revestir-se da inocência da infância e trabalhar com as
obras infantis, faz com que se possa sair de uma zona de conforto
que é muito mais concreta, e, vislumbrar um mundo imaginário em
que tudo é possível, mundo este que, pouco a pouco, por meio da
maturidade e do ser adulto vamos perdendo.
O medular da obra é explicita a concepção de que o astro, A
Lua, é algo que sempre esteve vinculado na Literatura e nas suas
mais diversas formas de expressões literárias, sendo plasmada em
uma melancolia, em momentos de dúvida, alegria, imaginação e
ficção.
A Lua não é para a literatura apenas o astro a ser observado
à distância, senão que é algo concreto e que pode estar presente nas
mais diversas formas de texto. Desde um poema que traz de volta
uma nostalgia, dando sentido a algo que parecia não ter sentido; um

228
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

romance encaminhado à pessoa amada, sendo este bem recebido ou,


então, apenas vivenciado pelo escritor que ama e esperava algo em
contrapartida. Dentro da literatura infantil representa o momento
no qual o astro transforma-se em objeto palpável, com diversas
formas, finalidades e que não possui limites dentro da imaginação,
podendo assim vê-lo como é quando quiser e quando puder.
Referências
ADÚN, Mel. A Lua cheia de ventos. Bahia: Ogum’s Toques
Negros, 2015.
ALENCAR, José. Iracema. São Paulo: FTD, 2007.
AQUINO, Marçal. Eu receberia as piores notícias dos seus lindos
lábios. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
AMADO, Jorge. Dona Flor e seus dois maridos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.
ÂNGELO, Assis. Lua estrela baião, a história de um rei. São
Paulo: Cortez, 2012.
ASSIS, Machado, Obra Completa – Volume II. Rio de Janeiro:
Nova Aguiar, 1994.
ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo:
FTD, 2002.
AZEVEDO, Alexandre, A Lua e a Bola. São Paulo: Formato, 2010.
AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. (Coleção Poetas do Brasil).
BANDEIRA. Manuel. A Estrela da Tarde. 3ª Ed. São Paulo:
Global Editora, 2012.
BILAC, Olavo. Melhores Poemas Olavo Bilac. 4ªed. São Paulo:
Global Editora, 2003.
BOURBON, Rômulo. A Lua Tristonha. 2ªed. São Paulo:
Vieira&Lent, 2015.

229
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

CAMARGO, Maria Amalia. Quando a Lua tomou chá de sumiço.


São Paulo: Caramelo, 2013.
CASTANHA, Marilda. Fases da lua e outros segredos. São Paulo:
Peiropolis, 2014.
CORALINA, Cora. Meu livro de Cordel. São Paulo: Global
Editora, 2013.
FILHO, Manuel. O sumiço da Lua. São Paulo: Editora do Brasil,
2014.
GIRADELLO, Gilka; GOMES, Lur. O menino que consertou a
Lua. II. Fernando Lindote. Florianópolis: Pirilampejo, 2013.
GONZAGA, Leda. Davi e a Lua. São Paulo: Gregory, 2013.
GONZAGA, Thomás Antonio. Cartas Chilenas. São Paulo:
Compahia das Letras, 1995.
LEMINSKI, Paulo. Caprichos e relaxos. São Paulo: Círculo do
Livro, 1991.
LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras,
2013.
LEMOS, Gláucia. A Lua no coração. São Paulo: Saraiva, 2012.
LEMOS, Gláucia. Quem sabe onde mora a lua? São Paulo:
Formato, 2007.
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo:
Brasiliense, 1996.
LOBATO, Monteiro. Viagem ao céu. São Paulo: Brasiliense, 1996.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: FTD,
2010. (Coleção grandes leituras).
MATOS, Gregório de. Obras Completas. São Paulo: Edições
Cultura, 1945.
MEIRELES, Cecília. Viagem e Vaga música. São Paulo: Nova
Fronteira, 2006.

230
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

MORAIS, Vinícius de. Antologia poética. São Paulo: Companhia


das Letras, 2009.
MURRAY, Roseana. Fio de Lua e Raio de Sol. São Paulo: IBEP,
2013.
PORTELA, Miriam. O Pintor da Lua. São Paulo: Brasiliense,
2010.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. São Paulo: Record, 2006.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão Veredas, São Paulo: Nova
Fronteira, 2006.
SÁ, Eliana. Um ônibus para a Lua. São Paulo: SA Editora, 2009.
SOUZA, João da Cruz e. Broquéis e Faróis, São Paulo: Martin
Claret, 2009. (Coleção obra prima de cada autor).
SCLIAR, Moacyr. A Mulher que escreveu a Bíblia. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
SCLIAR, Moacyr. Manual da paixão solitária, São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.
TELLES, Lygia Fagundes. As Meninas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento: o Continente. São
Paulo: Companhia das Letras, 2013.
ZIRALDO. O menino da Lua. São Paulo: Melhoramentos, 2009.

231
CAPÍTULO 10
UMA LUA TRIDIMENSIONAL PELA
ANAMORFOSE
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

10. UMA LUA TRIDIMENSIONAL PELA ANAMORFOSE

Marco Antonio João Fernandes Junior1


Josie Agatha Parrilha da Silva2
Marcos Cesar Danhoni Neves3

Introdução
A Lua não apenas é visualizada no céu, como também já foi
e ainda é reconhecida em diversas representações, sejam elas na
Ciência como as produzidas por Galileu Galilei (1564-1642), na
Arte como as de Ludovico Cardi (Cigoli) (1559 – 1613), ou, até
mesmo, na capa de um álbum de músicas como fez a banda britânica
Pink Floyd (1965) em The Dark Side of the Moon (1975).
É pensando nas diversas formas de representação que o
presente capítulo pretende elucidar a construção de uma imagem
tridimensional a partir da técnica da anamorfose, e, para tanto, a
imagem que será utilizada para este fim será a da Lua. O trabalho
não tem por finalidade traçar a trajetória histórica da anamorfose e
destacar suas aplicações interdisciplinares, mas sim revelar as etapas
de sua construção a entusiastas e professores para que possam utilizar
desse conhecimento em suas práticas artísticas e pedagógicas. Serão
apresentados aqui duas construções anamórficas: a oblíqua e a
cilíndrica.
Anamorfose – aspectos preliminares
A partir do Renascimento, as técnicas de representação de
imagens passaram por uma profunda transformação em virtude
1
Professor da rede pública de São Paulo (SEED-SP) e da Faculdades Integradas
Regionais de Avaré (F.I.R.A).
2
Docente do Departamento de Artes da Universidade Estadual de Ponta Grossa e
atua no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Educação Matemática-
PPGECEM - UEPG e no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e
Tecnologia (PPGECT) da UTFPR, campus de Ponta Grossa.
3
Docente do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá –
UEM. Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática
– PCM-UEM. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Tecnologia
(PPGECT) da UTFPR, campus de Ponta Grossa.

235
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

do conhecido da perspectiva, o que permitiu com que imagens


pintadas em superfícies bidimensionais transmitissem a sensação
de tridimensionalidade. A história da perspectiva, segundo Silva
& Neves (2016), pode ser agrupada em duas grandes classes: os
processos de representação antes da chamada ‘perspectiva exata’
desenvolvida em Florença no início do século XV e das representações
posteriores ao século XV.
O conhecimento apurado da aplicação da técnica da
perspectiva desperta nos artistas o desejo de deixar ao espectador algo
para adivinhar (GOMBRICH, 2011), daí nascendo a anamorfose,
entendida como uma técnica de representação de imagens, a qual,
pela distorção da perspectiva e do ângulo de observação, permite
criar ilusões ópticas.
A palavra anamorfose etimologicamente pode ser definida por
ana (de novo) e morphe (forma), ou seja, uma “nova forma”. Atalay
(2007) salienta que uma imagem anamórfica consiste na imagem
que exige participação ativa do fruidor, que, ao olhar a imagem,
busca significação. Tal significado implícito na imagem nos estudos
de Silva e Neves (2015) é alcançado quando o fruidor procura um
ponto de vista não convencional para observar a imagem.
Historicamente, a primeira anamorfose conhecida é a do rosto
de um bebê, que só pode ser visto ao deslocar o posicionamento do
olhar para a esquerda. A imagem de 1485 está nas páginas do Codex
Atlanticus4” que são escritos de Leonardo da Vinci .(ATALAY,
2007).
O resultado da anamorfose de da Vinci e de um rosto
simplificado podem ser observados nas Figuras 1, 2 e 3.

4
O Codex Atlanticus é composto de doze volumes, com desenhos e escritos de
Leonardo da Vinci. Foi escrito entre os anos de 1478 a 1519. Em seu conteúdo se
apresenta grande variedade de assuntos, em diversas áreas de conhecimento. Este
códice foi recolhido pelo escultor Pompeo Leoni, filho de Leone Leoni, no final do
século XVI. A obra encontra-se hoje na Biblioteca Ambrosiana, em Milão.

236
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 1: Leonardo da Vinci. Anamorfose.

Fonte: Atalay (2007).

Figura 2: Rosto em anamorfose.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

Figura 3: Figuras que surgem das anamorfoses das figuras 1 e 2.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

Segundo Silva e Neves (2016), em relação à perspectiva, o que


Leonardo e outros artistas fizeram foi orientar a janela de pintura
em 90 graus em relação à linha central entre o olho do artista e o
centro da janela, mas isso é somente uma convenção – não existe
razão para que a janela não possa ser girada num ângulo diferente,
como mostra a Figura 4.

237
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 4: Esquema para anamorfose.

Fonte: Silva e Neves (2016).

Assim, uma figura anamórfica, fruto de uma perspectiva,


chamada no Renascimento de perspectiva divertida, é, pois, uma
imagem deformada que aparece de forma não convencional
(distorcida), que, quando vista de certo ponto, aparece regular e em
proporção, gerando uma nova formação em três dimensões. Uma
imagem bastante conhecida que evidencia a anamorfose oblíqua
é a pintura do artista alemão Hans Holbein (1497-1543) (Figura
5), na qual a restauração da imagem se dá por meio de um olhar
enviesado (Figura 6).

Figura 5: Hans Holbein. 1533. The Figura 6: Detalhe da pintura The


Ambassadors (Os Embaixadores). ambassadors, desanamorfisada.
National Gallery. Londres.

Fonte: Neves et al (2010, p. 53). Fonte: Neves et al (2010, p. 53).

238
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Como propósito deste capítulo, apresentaremos a construção


de dois tipos de anamorfoses: a oblíqua, sem uso de superfícies
refletoras (espelhos cilíndricos, esféricos, piramidais, cônicos) e
a cilíndrica, com o uso de superfície de mesma forma geométrica
capaz de refletir a imagem anamórfica.
Anamorfose oblíqua
Segundo Iavorski (2014, p. 24 ) a anamorfose oblíqua é
[...] aquela que usa a perspectiva para criar as imagens
em superfícies oblíquas em relação ao eixo do cone visual
do observador. Quando a imagem está em um plano
perpendicular ao eixo do cone visual, é vista sem deformação
[...] E quando não está em um plano perpendicular, é vista
deformada.

1. Materiais: régua, compasso, lapiseira, borracha, lápis 6B (para


acabamento), esfuminho (ou um cotonete), par de esquadros e lápis
borracha.

2. Criando uma Imagem Anamórfica Oblíqua da Lua (passo a


passo)
1° Passo – Construir uma grade (10x10) com 1 cm em cada
quadrado;
2° Passo – Identificar os quadrados que orientam a construção da
figura: os números correspondem a sequência de quadrados verticais
e as letras à sequência de quadrados horizontais;
3° Passo - Traçar uma circunferência com raio de 2 cm com centro
no ângulo inferior direito do quadrado localizado em (D, 5);
4° Passo – A partir da circunferência, desenhar a Lua (não há
necessidade de reproduzir a Lua aqui exposta, ela é apenas uma
orientação);
5° Passo- A partir do desenho da Lua, criar uma nova perspectiva
que irá determinar uma anamorfose oblíqua. Utilizando uma folha
(A4) na vertical traçar nas extremidades (superior e inferior um
segmento de reta de 10 cm, destacando todos os centímetros desse
segmento). Traçar segmentos de reta com origem nos centímetros

239
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

de um dos segmentos localizado na extremidade superior da folha


e com final no ponto médio (nesse caso em 5 cm) do segmento
localizado na extremidade inferior da folha. Por fim, traçar uma reta
diagonal que parta da extremidade superior esquerda e termine na
extremidade inferior direta do segmento;
6° Passo - nos pontos de intersecção das retas, traçar retas paralelas
com o par de esquadros;
7° Passo - Identificar os quadrados que orientam a construção da
figura, os números correspondem à sequência de quadrados verticais
e as letras à sequência de quadrados horizontais;
8° Passo – Reproduzir o desenho da Lua criada na primeira grande
para a grande oblíqua;
9° Passo - Reprodução concluída;
10º Passo - A partir de pontos de vistas privilegiados, é possível
ver a representação da Lua numa perspectiva oblíqua. Devido às
proporções do desenho, aconselha-se visualizar com um dos olhos
fechados ou tirar fotografias pelo fato da anamorfose privilegiar
uma visão monocular;
11º Passo - Também é possível cortar uma parte da folha para sugerir
tridimensionalidade;
12º Passo - Processo da Lua Anamórfica oblíqua concluída.
As Figuras 7 e 8 representam o passo a passo e a Figura 8, o
resultado final.

Figura 7: Lua Anamórfica Oblíqua. Passo a passo, elaborado por Marco Antonio.
1º, 2º, 3º Passos 4º Passo

240
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

5º Passo 6º Passo

7º Passo

8º Passo

241
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

9º Passo 11º Passo

10º passo 12º passo

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

Figura 8: Resultado final da Anamorfose oblíqua. Elaborado por Marco Antonio.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

242
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Anamorfose cilíndrica
A anamorfose cilíndrica é criada a partir de um efeito
conseguido por meio da reflexão de uma imagem num espelho
cônico ou cilíndrico. Desta forma, coloca-se o espelho convexo-
cilíndrico em local próximo ao centro da imagem. No reflexo a
imagem é normalizada e fica em três dimensões, podendo ser vista
de muitos ângulos.
1 Materiais: régua, compasso, transferidor, lapiseira, borracha, lápis
6b (para acabamento), esfuminho (ou um cotonete), lápis borracha,
uma latinha de alumínio, um pedaço de insulfilm espelhado, fita
adesiva.
2 Criando uma Imagem Anamórfica Cilíndrica da Lua (passo
a passo)
1° Passo - Considerar a Lua já criada na grande anteriormente;
2° Passo - Em uma folha (A4) na horizontal, traçar na parte inferior
uma reta que abranja a folha toda. Na reta marcar um ponto (M)
que determina o meio da folha, a partir dele traçar um arco de
circunferência (com o raio de 3, 25 cm correspondente ao diâmetro
de 6, 5 cm da latinha);
3° Passo - Considerar a reta e o arco de circunferência, marcar os
centímetros de 0 a 10 e traçar arcos com o compasso considerando
o centro do arco já construindo;
4º Passo - Com o transferidor dividir o arco de 180° em dez partes;
5º Passo - Com a régua traçar as retas que dividem o arco de 180°
convergindo para o ponto central dos arcos;
6º Passo - Identificar os “quadradinhos” por letras e números como
mostra a Figura 24;
7° Passo – Reproduzir o desenho da Lua na grande anamorfizada
(Figura 25 e Figura 26);
8° Passo – Construir o cilindro espelhado para refletir a imagem
desenhada. Para isso, basta encapar a latinha de alumínio com o
insulfilm espelhado;
9° Passo – Colocar o cilindro espelhado no centro do arco e visualizar
as imagens formadas;
10º Passo – Anamorfose cilíndrica da Lua finalizada.
Imagens do passo a passo na Figura 9.

243
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 9: Lua anamórfica cilíndrica. Passo a passo, elaborada por Marco Antonio.
1º Passo 2º Passo

3º Passo 4º Passo

5º Passo 6º Passo

7º Passo 8º Passo

244
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

9º Passo 10º Passo

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

Como se pode perceber, a imagem refletida forma uma


imagem ao contrário. Para corrigir essa característica do espelho,
as possibilidades são fazer o desenho anamórfico ao contrário, ou
fotografar e inverter a imagem em algum programa de computador.
O resultado ficaria como na Figura 10.

Figura 10: Imagem invertida em programa de computador. Elaborado por Marco


Antonio.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

245
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Considerações finais
Com estas lições da anamorfose clássica, resolvemos aplicar a
técnica para a obtenção de uma nova imagem tridimensional da Lua.
Usando a velha técnica do chiaro-oscuro (luz e sombra), inicialmente
com grafite (lápis 6B), a técnica envolveu o desenho em si, sem usar
mais os recursos das grades, o recorte da folha de papel e a tentativa
de fotografar num ângulo privilegiado. A figura 11 exemplifica,
passo a passo, a técnica utilizada.

Figura 11: Passo-a-passo da técnica anamórfica para a Lua – estudos. Elaborado


por Marcos Neves.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

Apesar de o resultado final ter sido considerado bastante


satisfatório pela obtenção do efeito da tridimensionalidade, o
aspecto físico do objeto representado, mais pareceu um pedregulho
flutuando que propriamente a Lua. Assim, resolvemos reiniciar
o processo, mas, desta vez, utilizando nankin (com bico de
pena) e lápis branco para acentuar os detalhes do chiaro-oscuro. O

246
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

resultado (figuras 12) foi considerado bastante interessante, pois a


representação da Lua que se forma é muito análoga (figura 13) à
Lua que nos acostumamos a observar nos céus.
A atividade é muito interessante, pois comunga Arte e Ciência
numa busca da representação dos fenômenos mediante a construção
da imagem e do uso de uma perspectiva pouca conhecida desde o
Renascimento.
Figuras 12: Passo-a-passo de novos estudos para a representação de uma Lua
anamórfica. Elaborado por Marcos Neves.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

247
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 13: Resultado tridimensional obtido pela técnica anamórfica. Elaborado


por Marcos Neves.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores (2016).

Nosso olhar não é ingênuo, entretanto somos bombardeados


constantemente por imagens e muitas vezes não refletimos sobre
elas. Pensando nisso, elaboramos essas orientações, pois as ilusões
sempre despertaram interesses e a curiosidade das pessoas. Logo, as
anamorfoses podem ser um caminho para o despertar de um olhar
crítico, de um olhar investigador, de um olhar que procura novas
maneiras de ver e de interpretar o meio no qual nos encontramos.
Referências
ARGAN, G. C. História da Arte Italiana: de Michelangelo
ao futurismo. Vol 3. Trad. Vilma de Katinsky, São Paulo: Cosac
&Naify, 2003.
ATALAY, B. A Matemática e a Mona Lisa: confluência da arte
com ciência. São Paulo: Mercuryo, 2007.
GOMBRICH, E. H. A história da Arte. Trad. Álvaro Cabral. Rio
de Janeiro: LTC, 2011.

248
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

IAVORSKI, C. Anamorfose: uma arte no ensino de matemática


e sua aplicação em atividades interdisciplinares. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede
Nacional. Curitiba, 2014.
NEVES, M.C.D, et al. Da Terra, da Lua e Além. 2. Ed. Maringá:
Massoni, 2010.
SILVA, J.A.P.; NEVES, M.C.D. O Codex Cigoli – Galileo:
Ciência, Arte e religião num enigma copernicano. Maringá: Eduem,
2015.
SILVA, J.A.P. & NEVES, M.C.D. Arte e Ciência: da perspectiva
à anamorfose. In: Magalhães Jr., C.A.O. Formação de professores
e ensino de ciência. Maringá: Eduem, 2016.

249
CAPÍTULO 11
LUA: TÉCNICAS E PRODUÇÕES ARTÍSTICA
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

11. LUA: TÉCNICAS E PRODUÇÕES ARTÍSTICA

Josie Agatha Parrilha da Silva1


Luzita Erichsen2

É pela imaginação, e pela imaginação artística, que se orientam


as técnicas
(Pierre Francastel, 1983, p. 160)

Introdução
No decorrer do curso Arte e Ciência na Lua: projetos educativos
interdisciplinares, sentimos a necessidade de trabalhar com algumas
técnicas artísticas, pois a maioria dos professores que participava do
curso possuía formação em outras áreas que não a de Arte. Devido a
essa razão, esses professores tiveram dificuldade em realizar algumas
das representações da Lua. A primeira técnica oferecida foi a de
elaboração de esboços a partir da observação.
Como faríamos a observação da Lua com telescópio,
dedicamos parte de um dos encontros a explicar o trabalho sobre
luz e sombra presente nas características mais marcantes das crateras
lunares. Quando realizamos a noite de observação à técnica solicitada
foi a de lápis ou giz branco em papel preto.
Em relação aos professores de Arte, realizamos o oposto:
selecionamos algumas técnicas artísticas e solicitamos que
elaborassem uma representação da Lua a partir destas. Os professores
realizaram o passo a passo das técnicas e apresentaram ao grupo as
que seguem: aquarela, pontilhismo e nanquim colorido. Alguns
professores o fizeram mas não apresentaram posteriormente suas
atividades, como colagem e argila.
No decorrer do curso apresentamos técnicas (elaboradas pelos
ministrantes do curso ou colaboradores) para todos os professores
participantes. As técnicas selecionadas para representação da Lua
1
Docente do Departamento de Artes da Universidade Estadual de Ponta Grossa e
atua no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Educação Matemática-
PPGECEM - UEPG e no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e
Tecnologia (PPGECT) da UTFPR, campus de Ponta Grossa.
2
Mestre em Ensino de Ciência e Tecnologia pela UTFPR.

253
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

foram duas: tridimensional (em isopor com massa e pintura ou


apenas pintura) e pintura com falso impasto. E, por solicitação dos
professores, apresentamos a técnica de produção de vídeo em movie
maker. Ao nos referirmos a técnicas, nos reportamos a essa passagem
de Francastel (1987, p. 157).
Penso que, comparado com os das técnicas, o papel da arte
no século XV aparece como absolutamente preponderante,
não foi graças às técnicas, mas graças à arte, que o século XV
se desenvolveu e criou uma civilização a que chamamos o
Renascimento.

Compartilhamos com a visão de Pierre Francastel sobre a


importância da Arte para o século XV e ainda completamos essa ideia
de que foi a Arte que impulsionou a Ciência no Renascimento. Esse
é um dos motivos que, ao propormos iniciativas interdisciplinares,
nos reportamos sempre a esse período.
As técnicas apresentadas no decorrer do curso, tiveram essa
premissa de valorizar a Arte e sua relação com a Ciência. Assim,
as técnicas executadas no decorrer do curso propiciaram aos
professores desenvolver e produzir as representações da Lua de uma
forma particular de representação. Alguns destes resultados foram
apresentados em uma exposição3 e a organização da exposição
final de todos os trabalhos (mas a partir de fotografia) está em
elaboração. Todos os passo a passo foram disponibilizados no site do
Grupo Interart - Interação entre Arte, Ciência e Educação: diálogos
e interfaces nas Artes Visuais (http://interart2016.wix.com/uepg/).
Na sequência, expusemos o material teórico e prático ligado
às Artes Visuais que foi desenvolvido no decorrer do curso. Esse
material foi organizado em três momentos: Esboço, luz e sombra:
primeiras aproximações; A Lua em diferentes técnicas: produções
individuais; A Lua em diferentes técnicas: produções em grupo.
3
Na exposição Conexão Campos Gerais, realizada no Memorial de Curitiba, os
trabalhos referentes às fotografias das luas telescópicas e de algumas das luas
produzidas pelos participantes/professores no curso foram apresentados sob
o título “A Lua na Arte, na Ciência e na Arte-Ciência” – ver link: http://www.
fundacaoculturaldecuritiba.com.br/agenda/memorial-de-curitiba-exposicao-
conexao-campos-gerais.

254
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Esboço, luz e sombra: primeiras aproximações


Para que os participantes (professores) do curso pudessem
realizar as imagens solicitadas referentes à observação da Lua, foi
importante apresentar algumas questões referentes a técnicas de
desenhos. A primeira questão refere-se à explicação de esboço, uma
vez que, no decorrer do curso, solicitou-se que os realizassem a
partir da observação da Lua. Na sequência, houve uma explicação
mais detalhada sobre técnicas de sombreamento. Os dados foram
elaborados a partir do livro Materiais e técnicas: guia completo, de
Joana Angélica D´Ávila Melo. Mas, para explicar estes conceitos e
técnicas, apresentamos, inicialmente, algumas informações sobre o
lápis grafite e papel canson, que seriam a base para a concretização
das atividades.
LÁPIS GRAFITE: o grafite tem em sua composição a argila
e de acordo com a quantidade de argila e grafite este se torna mais
ou menos duro. No século XVIII Lothar Faber criou uma escala de
graduação de lápis que se tornou internacional e é utilizada até hoje.
(MELO, 2008). Quanto maior o número H (referência à palavra
inglesa hard/duro), mais claro e mais duro é o traço e quanto maior
o número B (referência à palavra inglesa black/preto), mais preto e
macio será o traço. Existem ainda, as graduações HB (hard e black),
e F (referência à palavra inglesa fine), que apresenta um traço fino
e resistente. Podemos organizar estas graduações do grafite em três
categorias, de acordo com o uso do lápis (Figura 1):
*para escrita são usados os lápis de dureza mediana-HB, F,
H, mais conhecidas como nº1, nº 2 e 2½, respectivamente;
*para escurecer ou fazer preenchimentos são usados os lápis
mais macios: 6B, 5B, 4B, 3B, 2B, B;
*para o desenho técnico são usados os lápis mais duros: 2H,
3H, 4H, 5H, 6H (ver Figura 1)
PAPEL CANSON: O papel canson é oferecido em diversas
cores e gramaturas. É usado para pintura em geral, e
suporta tintas à base de água, de secagem rápida a média.
São indicados para aguadas, aquarela, acrílico, também para
grafite, lápis de cor, pastel seco e crayon.

255
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 1: Classificação dos traços de lápis grafite.

Fonte: Faber Castell (2016).

E, depois dos professores obterem informações sobre os


materiais, apresentaremos a explicação dos termos: esboço e
sombreamento:
*ESBOÇO: é um delineamento preliminar, uma concepção
inicial de qualquer produção;
*SOMBREAMENTO: não existe um único método para
realizar o sombreamento com grafite, pode ser feito com
tracejado de forma livre (a), com hachuras (b) ou esfumados
(c) (ver Figura 2). Sugerimos para os iniciantes o esfumado
realizado com os dedos.

Figura 2: Sombreamento - Exemplos de sombreamentos. Elaborado por Luzita


Erichsen.

(a) (b) (c)


Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

A luz e a sombra dão volume e profundidade permitindo


uma ilusão tridimensional ao objeto. O claro e escuro (chiaroscuro)
é uma técnica que foi desenvolvida por Leonardo da Vinci no
Renascimento (século XV). Tratou-se de um trabalho inovador que
dava extrema importância aos contrastes de luz e sombra.

256
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

De acordo com Byinton (2009), Leonardo enaltecia que a


sombra era a principal qualidade artística de todas as formas. Para o
artista, o relevo tridimensional era a primeira tarefa do pintor, pois,
para conseguir a ilusão tridimensional, a luz e a cor deveriam estar
subordinadas à sombra.
Apresentaremos, na sequência, o uso de sombreamento e
Lua, e sombra em uma cratera lunar.
Sombreamento da cratera com grafite:
Para desenvolver o processo, a cratera Tycho. Será utilizada
como modelo. (Figura 3)

Figura 3: Cratera Tycho (80 km de diâmetro).

Fonte: Wikispaces (2016).

Material: papel canson com gramatura 140, lápis 6B, 8B.


Exemplificando a importância da escala tonal, [ver Figura 4 – (a),
(b), (c), (d)].
Note que os modelos estão ilustrando a importância do claro/escuro
em um sombreamento. Os sombreamentos nos desenhos estão
dispostos da direita para a esquerda (incidência da luz) para se obter
volume e forma. [Ver Figura 4 – (a), (b), (c), (d)].

257
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A sequência da gradação da escala tonal, que aparece nas imagens, se


inicia do escuro para o claro e acontece sempre na direção oposta da
luz. Na imagem (a), o sombreamento está muito claro, e na imagem
(b) percebe-se falta de claro/escuro no lado direito da Cratera, o
que a faz perder profundidade. Já na imagem (c) observa-se um
sombreamento suave evidenciando pouca profundidade.
O desenho da Cratera da imagem (d) apresenta o uso correto da
proporção claro/escuro (luz e sombra). Observe que nos espaços
entre as formas em que a luz não atinge, a sombra é bem intensa e
escura, dando volume e profundidade.
Figura 4: Crateras - sombreando crateras. Elaboradas por Luzita Erichsen.
(a) (b)

(c) (d)

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

258
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A lua em diferentes técnicas: produções individuais


Neste item apresentaremos as Luas que foram produzidas por
diferentes técnicas: 1 - Lua: Pontilhismo em Nanquim, da profa.
Patricia Ferreira de Assis (participou do curso); 2-Lua: nanquim
colorido, da profa. Luzia Rodrigues da Silva (participou do curso);
3- Lua: pastel e papel preto: de Higor Gabriel de Almeida (discente
do curso de Artes Visuais da UEPG s contribui com o material, mas
não participou do curso); 4- Lua em aquarela, do prof. Pedro Luiz
Padovini (coordenador da área de Arte que participou do curso).

1. Lua: pontilhismo em nanquim (Patrícia Ferreira de Assis –


Professora do Estado de São Paulo).
O pontilhismo é uma técnica desenvolvida na França e foi muito
utilizada por George Seraut e Paul Signac. Consiste em pequenos
pontos bem próximos feitos com uma caneta nanquim sobre o
papel, diminuindo ou aumentando os espaços entre os pontos para
conseguir o efeito de sombreamento.
Material: lápis 6b, papel canson, caneta preta média 2mm, caneta
fina 1mm
Passo a passo: (Figura 5)
1º Escolha uma imagem da Lua;
2º Realize o contorno da Lua com lápis 6B;
3º Esboce manchas no interior da Lua;
4º Inicie cobertura com pontos no esboço usando uma caneta ponta
média 2mm;
5º Continue o preenchimento da imagem com caneta de ponta
média;
6º Para os traços mais finos, área mais clara da Lua de acordo com a
imagem inicial, usar caneta ponta fina 1,0mm. O contorno da Lua
foi feito com a caneta ponta média;
7º Finalize a imagem com a caneta ponta fina;
8º Finalize os detalhes da representação da Lua.

259
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 5: Lua - pontilhismo em nanquim. Passo a passo, elaborado por Patrícia


Ferreira de Assis.
1º. 2º.

3º 4º

5º 6º

7º 8º

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

260
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

2. Lua em nanquim colorido (Luzia Rodrigues da Silva - Assis –


Professora do Estado de São Paulo).
A técnica de pintura em nanquim consiste em umedecer pedaços do
papel onde se encontra o modelo do desenho, e, posteriormente,
pincelar com tinta nanquim que pode ser diluída ou não para se
obter um sombreado.
Material: Nanquim na cor vermelho, amarelo, preto, e branco, pote
com água, pote para a mistura dos nanquins, prato, papel.
Passo a passo: (Figura 6)
1º Separe os nanquins nas cores, vermelho, amarelo, preto e branco
e o papel canson;
2º Misture a cor vermelha e amarela para obter a cor laranja;
3º Pinte a área externa na cor vermelha;
4º Complemente o fundo vermelho com a cor laranja;
5º Acrescente a cor branca;
6º Pincele o laranja sobre a cor branca e amarela;
7º Misture os tons branco e preto para obter a cor cinza e dar à luz;
8º Forre a Lua com tom cinza escuro próximo ao tom vermelho e ir
pincelando com tons cinza claro;
9º Na superfície da Lua fazer círculos esverdeados de vários de
vários tamanhos;
10º Nos círculos esverdeados pincele tons preto, cinza e branco;
11º Nos círculos esverdeados pincele tons preto, cinza e branco;
12º Dê acabamento na lateral superior direita com branco, para
melhorar a claridade.

261
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 6: Lua em nanquim colorido. Passo a passo, elaborado por Luzia Rodrigues
da Silva.
1º 2º

3º 4º

5º 6º

7º 8º.

262
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

9º. 10º.

11º. 12º

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

3. Lua: pastel e papel preto (Higor Gabriel de Almeida – discente


do curso de Artes Visuais da UEPG).
A técnica de giz pastel seco se aplica diretamente sobre o suporte,
sem a necessidade de pincel. O pastel é uma pasta formada por
pigmento puro que dá um aspecto aveludado ao trabalho.
Material: Giz pastel preto, giz pastel branco, lápis branco, papel
cartão preto.
Passo a passo: (Figura 7).
1º Começamos com um círculo branco;
2º Fazemos então manchas na direita do círculo;
3º Passamos o dedo para esfumaçar o giz;
4º Marcamos algumas manchas menores;
5º Em duas destas manchas ou mais, passamos linhas para os lados,
para dar melhor impressão das crateras (Obs.: não exagerar no

263
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

número nem no tamanho destes elementos);


6º Passamos novamente o dedo para esfumaçar os detalhes
anteriores;
7º Agora, ao lado esquerdo, acrescente uma mancha mais clara com
o giz pastel branco;
8º Acrescente novamente mais algumas crateras com manchas e
riscos;
9º Acrescente mais algumas manchas aleatórias e esfumace com os
dedos novamente;
10º Com o giz pastel preto acrescente manchas na parte inferior
esquerda, e algumas menores aliadas a alguns pontos feitos
anteriormente;
11º Esfumace os detalhes em preto;
12º Reforce com o branco em alguns lugares para dar maior
iluminação. E a cratera estará finalizada.

Figura 7: Lua em pastel e papel preto. Passo a passo, elaborado por Higor Gabriel
de Almeida.
1º 2º

3º 4º

264
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

5º 6º

7º 8º

9º 10º

11º 12º

265
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

13 14º

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

4. Lua em aquarela (Professor Ms Pedro Luiz Padovini –


coordenador de Arte da Diretoria de ensino da região de Bauru).
A técnica da aquarela consiste no uso de pigmentos diluídos em
água, e aplicados com pincel sobre o papel. Sua característica é a
transparência, que exige várias aplicações leves de tinta para se obter
o efeito desejado.
Material: papel canson com gramatura 90, tintas nas cores, azul-
marinho, azul-claro, branco, preto, amarelo ouro, ocre pincel de
cerda macia, godê para as tintas, pote de água.
Passo a passo: (Figura 08).
1º Utilize o pincel para acrescentar mais umidade ao setor circular e
inicie a pintura misturando água com as cores, preto, branco e azul;
2º Utilize o pincel e aplique as tintas sobre o desenho deixando que
a umidade se encarregue das nuances;
3º A maior concentração de tinta será útil para representar os relevos
da superfície lunar. Evite passar o pincel em áreas onde a tinta já se
concentrou;
4º O acaso é o maior aliado nesta técnica. Molhado sobre molhado.
A maior concentração de tinta será útil para representar os relevos
da superfície lunar;
5º Se alguma área de tinta lhe desagrade pode secá-la utilizando
algodão ou pano seco;
6º Depois da aplicação da 1ª camada, deixe secar e estabilizar por
alguns segundos;

266
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

7º Depois aplique mais algumas camadas de tinta branca para


estabilizar as áreas de brilho;
8º Aguarde a secagem completa do setor circular e prepare o fundo
que pode ser pintado com as combinações das tintas azul-marinho e
azul-claro. Nas últimas camadas acrescente a tinta preta;
9º Depois de trabalhar sobre o fundo, acrescente algumas pinceladas
de tinta branca para representar a luz das estrelas;
10º Alguns detalhes em amarelo-ouro e amarelo-ocre podem servir
para representar parte da esfera mais iluminada. Aplicação de tinta
branca com escova dental para efeitos de constelação.

Figura 8: Lua em Aquarela. Passo a passo, elaborado por Pedro Luiz Padovini.
1º 2º

3º 4º

267
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

5º 6º

7º 8º

9º 10º

268
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

11º 12º

13º 14º

15º 16º

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

269
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A lua em diferentes técnicas: produções em grupo


Neste item apresentaremos as técnicas que foram desenvolvidas
no curso por todos os professores: Lua tridimensional em isopor, de
Josie Agatha Parrilha da Silva.

5. Lua tridimensional de isopor (Josie Agatha Parrilha da Silva-


autora).
A Lua tridimensional foi desenvolvida a partir do encontro que
discutiu a relação da Lua com a matemática. Foram desenvolvidas
atividades relacionadas a medida e a distância entre a Lua com a Terra.
Os professores fizeram com massinha de modelar a representação da
Lua e da Terra com a proporção real das medidas entre elas. E, ao
final, a proposta foi de, a partir das discussões sobre o relevo da Lua
elaborassem essa representação em uma bola de isopor.
No encontro seguinte, a representação do relevo da Lua nas bolas de
isopor foram discutidas e analisadas. A pintura destas representações
realizou-se a partir da concepção de cada professor sobre as cores da
Lua (ver Figura 10).
Material: esfera de isopor; cola massa corrida e tinta acrílica nas
cores preta e branca.
Passo a passo: (Figura 9).
1º Marque as regiões escuras e crateras na bola de isopor;
2º Inicie a perfuração e aprofundamentos das planícies (partes
escuras);
3º Marque e perfure as crateras;
4º Misture massa corrida e cola e passe em toda a bola de isopor;
5º Crie dois tons de cinza (mais claro e mais escuro) e passe com a
massa ainda úmida;
6º Espere secar e verifique se ficou na cor desejada;
7º Retoque as cores até chegar ao resultado desejado.

270
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 9: Lua tridimensional de isopor. Passo a passo, elaborado por Josie Silva.
1º 2º

3º 4º

5º 6º

7º 8º

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

271
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

6. Lua a partir de técnica de falso impasto


A palavra Impasto vem do italiano que quer dizer mistura. A
tinta (em particular a de óleo) é espalhada numa área da tela de
forma tão espessa que as marcas de textura se tornam o aspecto da
superfície, áspera e ondulada.
A técnica de textura do falso Impasto consiste na mistura de
pó de mármore à cola branca formando uma massa espessa. Esta
técnica é uma simulação da técnica Impasto utilizada em pintura por
artistas famosos como Van Gogh, Jackson Pollock, Leonid Afremov.
Com esta técnica será possível fazer a textura do relevo da
Lua e suas crateras. Com o auxílio de uma espátula espalhe a textura
(impasto) na tela formando a Lua e, ao mesmo tempo, salientando
as suas crateras.
É possível criar uma tela caseira para utilizar como suporte
para pintura. O tecido pode ser lona crua ou tecido de algodão cru.
Para preparar a tela, misture 500 ml de tinta látex brancos e 100 ml
de cola branca. Espalhe essa mistura sobre o tecido, o ideal é passar
com uma trincha, repita a operação e deixe secar por um dia. Seu
tecido está pronto, corte em pedaços da medida que preferir.
Material: Cola, pó de mármore, tinta nas cores preto, azul da Prússia,
azul escuro, marrom, branco, laranja, ocre, carmim, espátula, e tela
de algodão, pincel nº10 e nº14.
Passo a passo: (Figura 10).
1º Faça uma massa misturando pó de mármore com cola na
proporção do ponto de um bolo de massa pesada;
2º Com o auxílio de uma espátula misture bem a massa. Espalhe
essa massa para formar a Lua;
3º Após a secagem, que poderá ser acelerada com secador de cabelos,
inicie a pintura com um pincel chato;
4º Inicie a pintura fazendo o fundo da tela;
5º Faça nuances de sombra e luz misturando as cores de tinta preta
e azul da Prússia;
6º Faça sobreposições de camadas de tinta para obter diferentes e
sucessivos tons claros e escuros;

272
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

7º Para um efeito de maior volume (opcional), poderá ser


acrescentado em parte desta massa um pouco de vermiculita (mineral
semelhante à mica), o qual dará uma característica mais áspera na
textura.

Figura 10: Lua com a técnica de Impasto. Passo a passo, elaborado por Luzita
Erichsen.
1º 2º

3º 4º

5º 6º

273
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

7º 8º

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

7. Lua em movie maker


O Movie Maker é um software gratuito de edição de vídeos
da Microsoft. Atualmente faz parte do conjunto de aplicativos
Windows Live, chamado de Windows Live Movie Maker. É um
programa simples e de fácil utilização, para pessoas sem muita
experiência em informática e permite adicionar efeitos de transição,
textos personalizados e áudio nos seus filmes. O Software tem uma
interface simples que ajuda a realizar capturas, vídeos, edição e
compilação.
Os vídeos que resultaram desta proposta podem ser
visualizados no site do Interart (ver http://interart2016.wixsite.
com/uepg/)
Material: computador com o programa Movie Maker, um vídeo,
música de fundo e vídeo.
Para utilizar esta ferramenta de forma adequada, e editar um vídeo com
qualidade serão apresentados os quinze passos a seguir (Figura 11).

274
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Figura 11: Lua em Movie Maker. Passo a passo, elaborado por Alisson Thiago do
Nascimento.
1º 2º

3º 4º

5º 6º

7º 8º

275
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

9º 10º

11º 12º

13º 14º

15º 16º

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

276
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Resultados finais: produções dos professores


O material apresentado no decorrer deste capítulo apresenta
algumas das técnicas artísticas desenvolvidas no curso Arte e Ciência
na Lua: projetos educativos interdisciplinares. Além do material
produzido pelos ministrantes do curso, foi relevante a contribuição
dos professores participantes.
Importante ressaltar que, quando falamos em técnicas
artísticas, estamos nos reportando às atividades que requerem
conhecimentos teóricos e práticos, além de que cada pessoa/artista,
ao desenvolver sua produção com uma determinada técnica, inclui
nesta um processo próprio de criação.
Podemos utilizar o termo apresentado por Walter Benjamin:
reprodução técnica4 para denominar as produções realizadas pelos
professores a partir destas técnicas. Contudo, essa reprodução não
tem o objetivo de obter produções de Lua próximas ao modelo
inicial e sim de propiciar subsídios para que o professor desenvolva
diferentes formas de representação da Lua.
Estas diferentes representações elaboradas pelos professores
participantes do curso podem ser observados em dois exemplos de
técnicas desenvolvidas: crateras e Luas em isopor. Os resultados,
a partir de determinada técnica, foram diversos como podemos
observar nas Figuras 12 e 13.
Figura12: Crateras realizadas pelos professores (P6, P2, P12).
P5 P6

4
Termo encontrado na obra: BENJAMIN, Walter (1994), “A obra de Arte na era
de sua reprodutibilidade técnica”, in BENJAMIN, Walter, Magia e Técnica, Arte e
Política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. 7.ª ed. São Paulo: Brasiliense.
(Obras escolhidas; v. 1).

277
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

P2 P12

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

Figura 13: Luas tridimensionais em isopor. Elaboradas pelos professores.

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2016).

Apresentamos a possibilidade de adotar o termo reprodução


técnica, no entanto, nestas propostas relacionamos Arte e Ciência,
no sentido de nossa pretensão em fortalecer e estreitar esta relação.
Para isso, incluímos um novo elemento: teknè (termo que, em grego,
refere-se etimologicamente à técnica ou arte). Poderíamos apresentar
muitas definições para o termo, entretanto adotamos o que reporta
à teknè como algo que surge da experiência, mas que é baseado no
conhecimento. Desta forma, Arte e Ciência terão agora a teknè como
mais um elemento que possibilitará a aproximação entre ambas, em
especial, a partir de uma abordagem que reflita sobre as questões
teóricas e práticas que permeiam o tema Lua.

278
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Referências
BYINTON, E. O projeto do Renascimento. Rio de Janeiro:
Zahar, 2009.
CAUQUELIN, A. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes,
2005.
FABER CASTELL. Dureza da mina grafite. Disponível
em: <http://www.faber-castell.com.br/54340/Curiosidades/
Curiosidades/Como-a-dureza-da-mina-grafite-expressa/fcv2_index.
asp>. Acesso em 10 de jun. 2016.
FRANCASTEL, Pierre. A imagem, a visão e a imaginação:
objeto fílmico e objeto plástico. Trad. Fernando Caetano. Lisboa:
Edições 70: Lisboa, 1987.
MATERIAIS E TÉCNICAS. Guia completo. Trad. Joana Angélica
D´Ávila Melo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.
SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios. A ciência
vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.

279
CAPÍTULO 12
ARTE, CIÊNCIA E ASTRONOMIA NA
FORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR DO
PROFESSOR DE ARTES VISUAIS: NOTAS DE
UM PERCURSO
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

12 - ARTE, CIÊNCIA E ASTRONOMIA NA FORMAÇÃO


INTERDISCIPLINAR DO PROFESSOR DE ARTES
VISUAIS: NOTAS DE UM PERCURSO

Pedro Luiz Padovini1

Na convergência de campos que atuam na área do conhecimento


encontro a arte!
Prof. Dr. César D. P. Leite

Introdução
Este ensaio aborda o desenvolvimento de um curso de formação
de professores oferecido pelo Programa de Pós-graduação em
Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – campus de Bauru a
partir das atividades didáticas do Laboratório de Instrumentação
para o Ensino de Física e do Núcleo pedagógico da Diretoria de
Ensino - Região Bauru, no período de 14 de maio a 20 de agosto
de 2016.
O objetivo do texto é analisar o tratamento dado pelos
formadores do curso aos temas como a interdisciplinaridade e a
relação Arte e Ciência na escola, além da prática pedagógica proposta
pelos idealizadores do curso que elegeu a Lua como objeto de reflexão
e pesquisa das representações artísticas produzidas por artistas
renomados e cursistas a partir de informações fundamentadas nos
estudos da Arte, das Ciências da natureza e da Astronomia. Interessa-
nos, em particular, analisar a formatação do curso em pauta, suas
propostas, atividades e resultados traçando notas articulados com
o Currículo oficial de Arte da Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo. O tema, então, recairá sobre o percurso e as práticas
interdisciplinares propostas aos professores cursistas que corroboram
para a elaboração de projetos interdisciplinares na escola.
1
Pedro Luiz Padovini é professor de Arte na Secretaria de Ensino do Estado de
São Paulo, Mestre em Comunicação, Especialista em Arte educação e Pedagogo.
Atualmente está designado professor coordenador de Arte do Núcleo pedagógico
da Diretoria de Ensino – Região de Bauru.

283
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

O curso de extensão Arte e Ciência na Lua: projetos educativos


interdisciplinares na prática docente a partir do tema Lua, oferecido pelo
Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência da Faculdade
de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho – campus de Bauru – voltou-se à formação interdisciplinar
de professores, tendo como principal objetivo contribuir com a
formação de um perfil interdisciplinar dos professores da rede
estadual pública de ensino da região de Bauru. Partiu da utilização
de subsídios teóricos alicerçados em pesquisas sobre as formas de
se relacionar com o conhecimento no período renascentista ou,
também, conhecido como Revolução científica pós-copernicana.
Visou, nesse ínterim, fornecer um espaço onde os professores da rede
pública vivenciassem uma proposta interdisciplinar desenvolvendo
pesquisas ligadas às disciplinas de Arte (Artes Visuais), Ciência,
Geografia e Física (Astronomia) que propiciassem reflexões teórico-
práticas para sua formação interdisciplinar. A busca da construção
plural do conhecimento, dispondo diferentes metodologias e práticas
educativas que pudessem contribuir para o trabalho na escola.
O curso teórico-prático teve carga-horária de 46 horas sendo 32
horas de encontros presenciais, divididos em 4 horas por encontro,
2 horas de observação Astronômica e 12 horas de atividades
dirigidas como de leituras, estudos, produção de material didático e
experimentações artísticas. O curso contou com 21 inscritos, sendo,
ao final, 12 certificados.
A realização do curso Arte e Ciência na Lua, no que se relaciona
à discussão com os professores sobre projetos interdisciplinares, se
apresenta em íntimo diálogo não apenas com a proposta atual do
ensino da Arte, mas também com uma necessidade de se tratar a
conquista do conhecimento na escola como um projeto interdisciplinar
que exige um movimento crescente nos níveis curricular, didático e
pedagógico, pois, como constatamos, a hierarquia dos saberes torna-
se uma ideia discordante da organização social contemporânea na
qual redes de comunicação, informação e conhecimento se espalham
e se conectam gerando novas organizações.
Na justificativa da proposta de realização do curso pontua-se que
a formação interdisciplinar do professor tem sido uma preocupação

284
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

ao longo dos anos. Muitos investimentos foram desenvolvidos nesse


sentido, porém, os professores da rede estadual pública de ensino
sofrerem, em diversos níveis da prática profissional, a influência de
um modelo de pensamento cartesiano para a conquista da verdade.
Isso vem dificultando o diálogo entre as áreas de conhecimento,
principalmente entre Arte e Ciência. Contudo, observamos, no
panorama contemporâneo, especialmente em documentos e
propostas educacionais, a valorização da interdisciplinaridade
entre as disciplinas e suas áreas de conhecimento. O objetivo dessa
proposta interdisciplinar é contribuir na valorização dos processos
colaborativos em busca da verdade e do conhecimento. Podemos
identificar essas propostas nos textos de apresentação do Currículo
oficial da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, inaugurado
em 2008, que afirma:
O currículo do Estado de São Paulo nos remete ao princípio
de que ninguém é detentor absoluto do conhecimento e
de que o conhecimento coletivo é maior que a soma dos
conhecimentos individuais, além de ser qualitativamente
diferente. Esse é o ponto de partida para o trabalho
colaborativo na formação de uma “comunidade aprendente.
(SÃO PAULO, 2011, p. 13).

Além disso, podemos perceber propostas de articulação entre


as disciplinas que, por estabelecer a busca do desenvolvimento das
competências nos alunos, procura promover o rompimento entre as
fronteiras dos conteúdos: “Um currículo que promove competências
tem o compromisso de articular as disciplinas e as atividades escolares
com aquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo dos
anos.” (SÃO PAULO, 2011, p. 14).
O Currículo oficial da Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo, citado anteriormente, chegou ao sistema no ano de
2008 como “proposta curricular” e, em 2009, sofreu um processo
de implantação nas escolas públicas estaduais de São Paulo. A
organização metodológica das propostas de aprendizagem na
disciplina de Arte se mostra aberta à interdisciplinaridade quando
propõe olhar o objeto artístico não apenas por um ângulo de visão,
mas, a partir de um olhar carregado de conexões cujo resultado

285
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

é um modo de pensamento contemporâneo na abordagem do


conhecimento. Trata-se de uma maneira de propor conteúdos
e gerar processos educativos, observando e analisando o objeto
artístico a partir das conexões nos territórios de “Processos de
Criação”, “Materialidade”, “Patrimônio Cultural”, “Linguagens
artísticas”, “Forma e conteúdo” e “Saberes estéticos e culturais”. Ao
conectar esses territórios, a proposta curricular de Arte discute, em
sua organização, o olhar rizomático, sobretudo no conhecimento do
objeto artístico.
Se, de um lado, temos documentos e propostas que destacam
a importância do processo ensino–aprendizagem baseado na
interdisciplinaridade, de outro, encontramos nas práticas dos
professores, em diferentes áreas de conhecimento, procedimentos
estanques em seus conteúdos, o que revela uma formação
profissional acadêmica centrada no conteúdo disciplinar. Diante
desta dicotomia: formação disciplinar do professor (versus)
exigência de atuação interdisciplinar, observamos a necessidade da
formação do professor para atuação de uma prática interdisciplinar
na escola. A esse aspecto, Ivani Fazenda conclui:
Se definirmos interdisciplinaridade como junção de
disciplinas, cabe pensar currículo apenas na formatação de
sua grade. Porém se definirmos interdisciplinaridade como
atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento, cabe
pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se
formam professores. (FAZENDA, 2008, p.17).

A Diretoria de Ensino de Bauru busca, a partir da parceria


com os propositores do curso Arte na Lua, contribuir com a
formação de um perfil interdisciplinar dos professores, além de
motivar o desenvolvimento de pesquisas e projetos que relacionem
Arte e Ciência e onde se possa ampliar, debater e refletir processos
pedagógicos a partir da articulação com os cadernos do currículo de
Arte da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

286
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

A busca do conhecimento, a Estrutura Rizomática e a


Interdisciplinaridade
Há um consenso geral no qual se afirma estar ultrapassado o
modelo linear e sequencial de currículo diante das mudanças sociais
e tecnológicas que estão ocorrendo no mundo. Entretanto, por
que ainda percebemos resistências na elaboração de currículos não
disciplinarizados? Apesar das diretrizes curriculares tencionarem
novas configurações nos currículos de formação de professores,
ainda persiste a fragmentação por disciplinas ou por campos de
conhecimentos especializados. Em busca do diálogo entre as
disciplinas, os mediadores do curso Arte e Ciência na Lua discutiram
com os participantes o tema trazendo as afirmações de alguns
pensadores. Sobre essa questão destacamos Edgar Morin (2000, p.
135) que elaborou o seguinte comentário:
Sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e não
comungam umas com as outras. Os fenômenos são cada
vez mais fragmentados, e não consegue conceber-se sua
unidade. É por isso que se diz cada vez mais: ‘Façamos a
interdisciplinaridade.’ Mas a interdisciplinaridade controla
tanto as disciplinas quanto a ONU controla as nações.
Cada disciplina pretende fazer reconhecer a sua soberania
territorial, e, à custa de algumas magras trocas, as fronteiras
confirmam-se em vez de desmoronarem.

Essa resistência no que se refere à prática interdisciplinar se


estabelece a partir da herança do modelo linear e sequencial de
currículo racional-positivista que se consolidou como hegemônico
no pensamento ocidental. Acabou por definir os espaços/tempos da
escola estabelecendo noções de norma, sequência e disciplina e que,
por muito ter contribuído para o desenvolvimento de um tipo de
prática docente, tutelada e limitada à mera prescrição dos conteúdos
disciplinares, tornou-se como a “pele” da prática docente, além de
uma relação de poder entre os profissionais de educação. Para Antônio
Flávio Moreira, “não há relação de poder sem a constituição de um
campo de saber, nem saber que não pressuponha e não constitua
relações de poder.” (MOREIRA, 2005, p. 312).

287
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Apesar da resistência das práticas educacionais, não podemos


deixar de admitir que a crise da modernidade coloca em xeque a
linearidade da história gerando incertezas. No contexto moderno
da educação aceitamos a ideia de que o conhecimento e a verdade
sobre os fatos encontram-se em conflito e que a lógica cartesiana
responsável por alojar o sujeito no centro da ação não suporta
mais os efeitos das conexões complexas em que o princípio da
contemporaneidade deixa de ser o da Identidade para ser o da
Diferença. (BRITO; DANDOLINI, 2005).
Em relação ao conceito de “interdisciplinaridade”, Danhoni
Neves; Silva afirmam que se “refere à interação entre disciplinas, que
vai desde conceitos até a sua organização e pesquisa”. Os autores, ao
analisarem de forma aprofundada o tema, revelam que essa prática não
ocorre de modo significativo dentro do ambiente escolar, salvo por
alguns projetos isolados que, mesmo assim, apresentam resultados
questionáveis. (SILVA; DANHONI NEVES, 2015, p. 289).
Sendo assim, há de se considerar um caminho que indique a direção
de um conhecimento holístico que, segundo D`Ambrósio, apoia a
recuperação de várias dimensões do ser humano e a compreensão
do mundo em sua integralidade. (D`AMBROSIO, 2012).
Diante dessas considerações, reavaliou-se a organização dos
saberes em Arte atendendo ao modelo rizomático de tratamento
dos conteúdos e suas conexões. Esse modelo pertence a uma
corrente de pensamento que questiona a concepção arborescente
a respeito de como aprendemos. Para os filósofos Deluze (1925-
1995) e Gattari (1930-1992), o conhecimento não está pronto e
logo não há como ser direcionado a alguém. Para os pensadores, o
que podemos é construir saberes a partir da vivência nas situações
cotidianas que nos fazem tomar consciência desses saberes. As ideias
geram movimentos criativos que, pela força desse movimento,
geram novas ideias que ganham conexões diversas. Dessa forma,
o poder das ideias está justamente no movimento e nas conexões
que elas provocam. Os saberes/conceitos, quando transmitidos de
forma determinista, como única verdade, deixam de ter movimento,
deixam de se conectar. Logo, tendem a ser superados. As atitudes
de aprender e ensinar estabelecem relações e que se remetem um ao
outro.” (GUATTARI, 1992, p.20).

288
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Aprender e ensinar pode vir a se um processo vivo que se


desenvolve no encontro com teorias, produções e vivências culturais.
Não se trata de explicar ou apresentar certezas, mas abrir espaço para
conversas, trocar ideias e experiências. Deleuze e Guatari discutiram
a influência das tecnologias da informação no modo como olhamos,
escutamos e sentimos o mundo. A fim de ilustrar seus pensamentos,
eles pegaram de empréstimo da Botânica o termo rizoma para
construir uma metáfora do pensamento humano. Lírios, íris e
samambaias representam exemplos de plantas com caules classificados
como rizomas, que nascem marcadas pela multiplicidade: na
umidade do terreno seus caules crescem em linhas horizontais
que se entrelaçam, bifurcam, ramificam para onde a terra estiver
nutrida. Desenvolvem-se fazendo conexões em raízes, ocupando
espaços, criando ramificações. O termo rizoma, na argumentação
de Deleuze e Guatari é uma metáfora sobre pensamentos
moventes, construídos em redes, em linhas de fuga, tendo como
essência a unidade e a sequencialidade, mas sem a multiplicidade
e complexidade, expansão de ideias que se proliferam por campos.
Como definem os autores: “Não existem pontos ou posições num
rizoma como se encontra numa estrutura, numa raiz. Existem
somente linhas.” (DELEUZE, G. e GUATTARI, 1995, p. 17).
Pensar de forma rizomática é fazer conexões entre
pensamentos e saberes; é procurar múltiplas fontes de pesquisas e
conviver com incertezas, se aventurar e se espalhar por territórios
na busca por nutrientes de forma a construir mais conhecimentos.
Criar territórios, não para ficar parado, mas romper fronteiras, se
desterritorializar. Em educação rizomática, conforme conceituamos,
a vida está em pleno acontecimento, com seus fluxos e refluxos,
potencias e devires.
Entendemos que educadores lidam com uma rede complexa
de pensamentos, com relações e modos simbólicos de fazer e
expressar leituras de mundo. A metáfora do rizoma presente na
concepção do ensino da Arte em nosso sistema curricular ilustra
o ideal do trânsito inter, multi e transdisciplinar que o curso “Arte
e Ciência na Lua promoveu ao discutir as aproximações entre Arte
e Ciências a partir das ações propositoras que abordaram temas
como a “A Lua e a astronomia - sistema solar, fases, movimento da

289
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Lua”, (Ciências – Terra e universo), “Distância entre os planetas


do sistema solar”, “Distância entre a Lua e a Terra”, “Medidas
(tamanho) da Terra, do Sol e da Lua” (Matemática), “Influência
da Lua na Terra: nas plantas, animais e nas marés”,(Biologia), “Lua
galileana” e o “afresco de Lodovico Cardi”, “O tema Lua na Arte;
História da arte, Cinema e nas técnicas artísticas de aquarela, lápis
e carvão sobre papel, colagem e assemblage, além da produção de
vídeo para “Criação poética”.
Vale destacar que, para a composição das orientações do curso
Arte e Ciência na Lua, além de um pensamento associado ao modelo
rizomático de acesso aos conhecimentos, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) de Arte foram referência. Percebemos no processo
de ensino-aprendizagem do curso o encaminhamento metodológico
no qual os três eixos norteadores estiveram sempre presentes nas
Situações de Aprendizagem abordando-se os três eixos norteadores
da disciplina de Arte: produção, fruição e conhecimento na
aprendizagem dos cursistas. Dessa forma, podemos enfatizar alguns
procedimentos metodológicos importantes que estiveram presentes
na formatação do curso Arte e Ciência na Lua, que corroboram
com os fundamentos do Currículo da Secretaria de Ensino de
São Paulo como, por exemplo, os que resgataram a ideia de um
professor propositor e mediador quando se fez uso de situações de
sondagem dos saberes dos cursistas antes da abordagem de cada
assunto, encaminhamentos das suas ações expressivas e leituras
compartilhadas de textos verbais e não-verbais para nutrição estética.
A nutrição estética do curso e as aproximações entre Arte e
ciência
Em relação às propostas do curso para promover uma
aproximação entre Arte e Ciência, os propositores iniciaram as
discussões com a questão: “Como você desenvolveria um projeto
interdisciplinar?” Buscando problematizar o pensamento abalando
as certezas dos cursistas, discutiu-se a questão sobre quem é o centro
do processo na busca do conhecimento. Assim, a necessidade de
deixarmos o centro para, além de conhecer e ser conhecido, interagir
e colaborar, discutir propostas e atitudes que possam universalizar

290
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

o conhecimento e a formação do ser humano, implicou na forma


rizomática de acessar alguns temas abordados.
Como procedimento metodológico, os mediadores
propuseram, para cada integrante do curso a elaboração de um
caderno portfólio. Além disso, um pequeno caderno de bolso
foi entregue a cada cursista com o objetivo de ser utilizado no
recolhimento de dados sobre a observação diária da Lua.
A partir disso, introduzindo os temas, os mediadores
propuseram questões como:
a) A Lua gira em seu próprio eixo?
b) Quantas fases tem a Lua?
c) Qual é sua força gravitacional da Lua?
d) A Lua possui luz própria ou é “aluna”?
e) Quantas faces da Lua são visíveis para um observador
terrestre?
f) Eclipse e fases da Lua são as mesmas coisas?
g) Qual a relação da Lua e suas fases com as marés e a vida no
planeta terra?
h) Como as culturas representaram a Lua ao longo da história
da humanidade?
i) A Lua significa ou significou a mesma coisa em culturas
diferentes no tempo e em territórios diferentes?
j) A Lua pode ser um ponto referencial determinante de
rumos e orientações espaciais na superfície terrestre?
Essas questões deram o tom inicial das conversas e estimularam
a curiosidade da maioria dos presentes. Embora os professores de
Física e de Arte, além de alguns astrônomos amadores presentes,
pudessem esboçar respostas plausíveis, o momento recheou-se de
curiosidade estudantil. Podemos perceber que as questões não se
expressaram apenas pelos conteúdos abordados por uma disciplina,
mas envolvia uma série delas: Matemática, Ciências, Arte, História,
Física, Biologia, Geografia. O pensamento rizomático, que
representa as conexões entre as áreas de conhecimento, começava a
se instalar nas discussões.

291
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Após o lançamento dessas questões, os mediadores do curso


expuseram imagens e artefatos colhidos ao longo de suas pesquisas
que demonstravam as observações e representações da Lua desde os
povos sem escrita até Renascença.
• Cálculos matemáticos de Aristarco sobre as dimensões da Lua,
do sol e da terra e suas distâncias relativas no século III a.C.
• As medições de Hiparco de Nicéia e suas observações da Lua
durante o século II a. C.;
• Calendário egípcio zodíaco de Dendera;
• Pedra Enuma anu Elil;
• O modelo geocêntrico de Ptolomeu;
• A máquina de Antiquitera – instrumento astronômico de
criação grega;
• O modelo de revolução lunar de Ibn-Shatir;
• O modelo heliocêntrico de Copérnico;
• O modelo de universo de Tycho Brahe;
• O modelo de universo de Kepler;
• As aquarelas de Galileu Galilei a partir de suas observações da
Lua publicadas em seu livro Siderus nuncius;
• As pinturas de Nossa Senhora (Madonna) de Lodovico Cardi
– o Cigoli – na cúpula da capela Borguese (Paulina), Basílica
Papale - Igreja de Santa Maria Maggiore - Roma;
Sobre essa exposição inicial, que despertou o interesse dos
cursistas, podemos notar que os mediadores optaram por nutrir
esteticamente os participantes. Essa é uma estratégia proveitosa haja
vista que está ligada à dimensão axiológica do aprendizado. Podemos
perceber que, em geral, professores encontram dificuldades de fazer
seus estudantes entenderem conceitos complexos porque dispensam
mais esforços ao trabalho epistemológico das questões. Porém, como
afirmam Gama e Henrique (2010), a motivação para o aprendizado,
o engajamento nas discussões, o reconhecimento das questões como
algo significativo, estão ligados à dimensão axiológica pois,

292
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

[...] esta envolve o interesse ou a importância atribuída a algo


(por um objeto ou por um tema de discussão, por exemplo),
e também algumas faces do vislumbre do prazer, em especial
o prazer estético, que o ser humano reconhece diante de
certos objetos. (GAMA; HENRIQUE, 2010, p.8).

Não é difícil compreender a estratégia que levou os mediadores


a usarem essa forma de abordagem. Basta pensar que somos levados
a aprender e a compreender o mundo movidos pelos prazeres que
isso provoca, seja por curiosidade, seja por necessidade de explorar
e investigar o desconhecido. Afinal, não foi esse prazer o que levou
a humanidade elaborar mitos e ir ao espaço sideral?
Quanto ao tema Lua, debatido durante toda a exposição,
percebemos claramente o objetivo dos mediadores em promover
uma revelação poética. O exercício nos permitiu, enquanto cursistas,
dimensionar o quanto a Lua inspirou formas incontáveis de obras,
equipamentos, desencadeou horas de cálculos para conclusão de
seus movimentos e dimensões, tanto que gerou a capacidade de um
pouso lunar no século XX. Percebemos que o tema que estávamos
estudando fascina a humanidade desde suas eras sem escrita, no berço
das culturas e, passando pelo Renascimento, persiste na atualidade.
Depois dessa nutrição estética e da matéria discutida,
destacaram-se as observações astronômicas de Galileu Galilei a
partir de 1610 utilizando seu “tubo de perspectiva” (perspicillum)
e a publicação de sua obra Sidereus nuncius – Mensageiro das estrelas
que, “estremeceu definitivamente a relação Ciência-religião.”
(SILVA; DANHONI NEVES; 2015, p. 237). Essa obra propôs o
deslocamento do planeta Terra do centro, como afirmava a crença
católica-cristã da época, para a periferia do sistema solar, além de
atribuir-lhe movimentos de rotação e translação. No que tange à
Arte, as descobertas científicas de Galileu Galilei alteraram não só a
crença em um mundo estável, mas também a forma de representação
artística da Lua, pois, segundo a mesma crença católica medieval, o
céu (perfeito) estava separado da Terra (imperfeita e mundana) e,
assim, os objetos celestes deveriam ser representados sem máculas.
Galileu Galilei, com a apresentação dos resultados de suas
pesquisas científicas, consolidou novos rumos à Ciência, pondo

293
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

fim ao modelo aristotélico adotado pela Igreja da época. Porém,


segundo Danhoni Neves et al (2015, p. 2):
[...] essa vitória espetacular (e o marco-zero da nova ciência)
deveu-se a uma ligação íntima entre arte-ciência e que
encontrou em Galileo um de seus máximos expoentes. Como
diria Horst Bredekamp, da Universidade de Berlim, Galileo
deve ser considerado como ARTISTA, e não cientista, como
nosso vão cartesianismo o tem classificado há mais de 400
anos.

Ao concluirmos essa discussão, estavam estabelecidas as


bases da relação Arte e Ciência a partir dos pressupostos estéticos
da renascença europeia nos quais encontramos uma efervescência
nessa relação. Instrumentos astronômicos e cartográficos eram
construídos sob a ótica de objetos artísticos de Arte que serviam não
somente para a orientação espaço-temporal, mas, sobretudo, para
decorar as cortes ansiosas por novos conhecimentos (DANHONI
NEVES; SILVA, 2015). Em relação ao pensamento interdisciplinar,
ao final do século XV, a estética renascentista colocará as disciplinas
de aritmética, geometria, música e astronomia a serviço de uma
nova visão de mundo.
O desenrolar dos estudos levou os cursistas a conhecerem o
artista Ludovico Cardi, conhecido como Cigoli e sua amizade com
o também artista Galileu Galilei. Tal amizade teve início no curso
da Academia del Disegno que ambos frequentaram em Florença, por
volta de 1585. Ambos, por estarem dentro do contexto histórico do
Renascimento, compartilhavam uma visão de mundo: a copernicana
(SILVA; DANHONI NEVES, 2015). As descobertas científicas de
Galileu foram acompanhadas por seu amigo Cigoli que, mesmo
a distância, enquanto realizava seus trabalhos artísticos em outras
regiões, mantinha contato através de cartas.
Silva e Danhoni Neves (2015) relatam algumas descobertas
de Galileu e entre elas aquela que se tornou objeto de discussão
ao longo do curso, determinante para a obra de Cigoli exposta
anteriormente. A descoberta do cientista foi descrita no seu livro
Siderus nuncius: a Lua não era lisa, mas rugosa, possuindo grandes
montanhas. Essa informação permitiu que Cigoli representasse a Lua

294
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

“maculada” por rugas, sob os pés da Madonna, pintada na cúpula da


Igreja de Santa Maria Maggiore, em Roma.
Pode parecer simples que as aproximações entre dois amigos
com gostos artísticos e interesses comuns em Ciências tenham
compartilhado informações e descobertas. Porém, como discutido
no curso Arte e Ciência na Lua, as aproximações entre Arte e Ciência
estavam muito mais fundamentadas que os laços de amizade de
seus contemporâneos. Podemos dizer que, na Renascença, não
havia aproximações uma vez que não havia divisões claras entre os
saberes, uma vez que, as fronteiras entre Arte e Ciência não estavam
determinadas pelo espírito da época. Segundo Danhoni Neves; Silva
(2015), o artista renascentista era um mestre com conhecimentos
em diversas áreas. Essa postura do “homem renascentista” era
determinante para destacá-lo dos artesãos provenientes das guildas
da Idade média que, trabalhando com a técnica, produziam artíficies
de obras. Aliás, o termo artíficie de obras designou, até os anos
finais do século XX, profissionais como marceneiros, pedreiros,
carpinteiros, caldeireiros, entre outros, enquanto o termo “obra
de Arte” designava o artefato produzido por esse profissional.
Podemos dizer que o homem do século XV, para ser considerado
“renascentista” e ser anistiado do pagamento dos tributos impostos
aos profissionais artesãos e suas obras, precisava necessariamente
dominar as técnicas artísticas além das Ciências Naturais, Mecânicas,
Arquitetura, Engenharia e Matemática. Estávamos, à época, diante
de mentes com visões holísticas da realidade, ou seja, inter, multi e
transdisciplinares.
Não é difícil considerar a opção dos mediadores do curso Arte
e Ciência na Lua em tratar do contexto renascentista para organizar
os conceitos sobre interdisciplinaridade e, diante dessas discussões,
tornar possível a elaboração de projetos interdisciplinares na escola.
Concluindo as discussões, pudemos perceber que o modelo
de ensino moderno organizado em disciplinas autônomas e que
acabou por estabelecer fronteiras entre a Arte e da Ciência após o
período renascentista, germinou na adoção do método racionalista de
Descartes no qual observamos a separação entre os conhecimentos
que operam dentro do discurso ortodoxo e aqueles que são

295
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

considerados tácitos. Dito de outra forma, a maneira racionalista


cartesiana de ver o mundo e lidar com o conhecimento promoveu
a separação entre o objetivo e o subjetivo. Logo, se a Arte trabalha
dentro de uma esfera subjetiva, não pode ser mensurada pelo discurso
objetivo e não pode sobreviver ao rigor do método científico.
Entretanto, sabemos que a divisão em disciplinas na escola não
só operou a separação dos saberes como promoveu a insolvência do
prazer estético diante da experiência da descoberta. Essa discussão
promoveu a compreensão sobre a importância das experiências
estéticas na aprendizagem dos alunos. Para o ensino da Arte, por
exemplo, a experiência é um conceito fundamental, pois não nos
relacionamos com a Arte senão de forma pessoal, ou seja, por meio
de uma experiência pessoal. Esse contínuo de experiências e reflexões
fundamenta preocupações sobre a formação de professores que,
dentro de uma sociedade de consumo, individualista e imediatista,
aos poucos faz mecanizar suas práticas e saberes.
Na sequência dos estudos os cursistas puderam discutir como
a sociedade contemporânea, caracterizada por uma rede de conexões
se articula com a interdisciplinaridade e, como já afirmamos, o
comportamento pela busca do conhecimento se desenrola feito
raízes de um rizoma.
O grupo pode estabelecer relações sobre a observação da lua a
partir de um referencial fixo na terra ou no céu. Essa tarefa permitiu
ajustar as observações da Lua para a realização de representações
mais elaboradas que eram registradas no portfólio. Além disso,
resgatando as discussões sobre Erátones, foram executados cálculos
para encontrar as dimensões aproximadas do planeta e seu satélite
natural, bem como a distância entres eles.
Em meio aos estudos, os cursistas estavam discutindo os
aspectos físicos da Lua, suas relações astronômicas e simbólicas, suas
representações nas técnicas bi e tridimensionais utilizando materiais
como Isopor e argila, além do uso de suportes tecnológicos para
demonstrarem suas produções. Assim, seguindo a metodologia
expressa na esfera do fazer, os cursistas foram desafiados a montar uma
maquete, em escala, para demonstrar a dimensão da Terra e da esfera
lunar, bem como seu relevo e a distância que separa os dois astros.

296
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Na discussão sobre as representações simbólicas da Lua, o


curso Arte e Ciência na Lua propiciou uma discussão sobre a Lua nas
Artes plásticas e nas produções cinematográficas. Foram analisadas
algumas obras como “viagem à Lua” (versão de Georges Méliès,
1902). Essa discussão não deixou de abordar também a relação
cinema/escola considerando outros filmes icônicos da história do
cinema como, por exemplo, Un Chien Andalou (Um Cão Andaluz)
de 1929, escrito por Salvador Dali, o grande artista representante
do movimento Surrealista.
A influência da Lua e sua força gravitacional sobre os
organismos vivos e na Terra também foi tema de destaque nas
discussões. Os cursistas puderam estabelecer as diferenças entre
corpo iluminado e corpo luminoso, os efeitos da gravidade sobre
a maré e como a vida no planeta se aproveita desses fenômenos
para se desenvolver. Gestação, agricultura, pesca e até o sono são
exemplos de casos que sofrem influência da gravidade lunar.
Para encerrar as atividades, os cursistas realizaram planos
interdisciplinares orientados a um público e bimestre específico
articulados ao currículo oficial da SEE, além de trabalhos de pintura
com aquarela, desenho a lápis e carvão, assemblage e colagens com o
tema Lua. Logo que os participantes apresentaram seus portfólios,
todas as produções foram catalogadas, comentadas e avaliadas
em conjunto e os monitores garantiram que os participantes
aprendessem a utilizar software de edição de vídeos para que seus
trabalhos fossem registrados em meios eletrônicos e publicados na
rede internacional de computadores (internet).
Considerações finais
Sabemos que a Ciência produz suas conclusões a partir da
experimentação, investigação dos resultados e das inferências que
constrói sobre esses resultados. A Ciência trabalha a partir do
método, ou seja, um instrumento, que bem manejado levará o
homem à verdade. Esse método consiste em aceitar apenas aquilo
que é certo e irrefutável e, consequentemente, eliminar todo o
conhecimento inseguro ou sujeito a controvérsias. Porém, enquanto
o cientista busca a realidade, o artista trabalha com as possibilidades

297
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

do real, pensa fora do contexto, cria e inova. A arte é o estudo, a


exploração das possibilidades da realidade enquanto que a Ciência
quer conhecer a realidade.
Durante muito tempo essa relação, que, à primeira vista parece
antagônica, separou as duas áreas do saber. Entretanto, o curso Arte
e Ciência na Lua foi importante na integração que promoveu entre
as questões de Arte, Ciências da natureza, Matemática, Física e
Geografia. Discutiram-se as pesquisas de grandes cientistas, como
Galileu Galilei, Leonardo da Vinci e Lodovico Cardi que transitaram
pelas vias de conexão entre a Ciência e a Arte ao desenvolverem o
conhecimento deixando legados inestimáveis à humanidade.
Recolhendo, estudando e interpretando as histórias contadas
por pensadores, artistas e cientistas eminentes, os cursistas
puderam perceber que, por meio da Arte, os cientistas encontram
as ferramentas para expor a realidade percebida e que, de fato, um
cientista, como um pintor, um poeta ou compositor, é um realizador
e descobridor de padrões. A Arte pode sensibilizar a percepção, via
expansão de nossos sentidos, de nossos olhares, e nos facilitar o
encontro de novas ideias e soluções e, assim, o que o cientista pode
fazer depende não apenas do que ele sabe, mas de sua personalidade,
de suas crenças, de suas habilidades e sua prática nos campos da Arte.
Todas essas discussões ajudaram a pensar a Ciência e a arte
como uma linha de pesquisa de ensino e criatividade, e como
estratégia pedagógica. Cientistas e artistas lidam com as inquietações
da descoberta, as regras, com as heranças culturais e transformações
do conhecimento ao longo dos anos. Reunindo cientistas e
artistas no mesmo espaço de trabalho e debate, possibilitamos o
desenvolvimento de estudos estabelecendo diálogos com todas as
áreas de conhecimento e facilitando o trabalho interdisciplinar. A
Arte pode proporcionar a junção, a integração da transversalidade
em todos os espaços de educação, sejam informais, sejam tradicionais
como os espaços escolares. Assim, as atividades dos pesquisadores
e estudantes nessa linha de pensamento do curso pretenderam
sensibilizar e capacitá-los na realização de trabalhos nas escolas,
ampliando seu repertório expressivo, seu alcance na sociedade por
meio das Artes Visuais, nas quais o conhecimento estará sendo
transmitido sob uma linguagem e um mundo visual diferenciados.

298
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Concluímos que é possível sensibilizar o professor para um ensino


mais criativo e desenvolver estratégias que aumentem a criatividade
na formação dos cientistas, praticando um ensino que estimule a
imaginação.
A Arte pode interagir com os estudos da Ciência sendo como
a parte de uma estratégia pedagógica explícita para a educação
científica da população. Atividades de Ciência e arte possibilitam
o desenvolvimento de novas intuições e compreensões através da
incorporação do processo artístico a outros processos investigativos.
Ajudam a construir um discurso interno e público sobre a relação
entre Arte, Ciência, atividades humanas e tópicos relacionados a
atividades multidisciplinares e multiculturais.
Referências
BRITO, Eliana Povoas Pereira de. DANDOLINI , Gertrudes
Aparecida. A metáfora do rizoma: contribuições para uma educação
apoiada em comunicações e informática - CINTED-UFRGS Novas
Tecnologias na Educação V.3 Nº 2, Novembro, 2005.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria à
prática. 23ª. ed. Campinas: Papirus, 2012.
DANHONI Neves, M. C.; SILVA, Josie Agatha Parrilha da;
GUERRA, W. Uma falsa controvérsia: a segunda Lua craterada
do Renascimento galileano entre Elsheimer, Cigoli e Passignano.
In: VI Simpósio Nacional de Ciência, Tecnologia e Sociedade,
2015, Rio de Janeiro. Anais. Disponível em: <http://www.
rio2015.esocite.org/resources/anais/5/1440812574_ARQUIVO_
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DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O Anti-Édipo: capitalismo e
esquizofrenia. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasilense, 1991.
FAZENDA, Ivani (Org.). O Que é interdisciplinaridade? São
Paulo: Cortez, 2008.

299
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

GALLO, S. Educação e Interdisciplinaridade; Revista de educação


nº 1. Campinas: SINPRO, 2002.
GAMA, Leandro Daros., HENRIQUE Alexandre Bagdonas.
Astronomia na sala de aula: por quê? Revista Latino-Americana
de Educação em Astronomia – RELEA, n.9, p. 7-15, 2010.
GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1992.
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. O pensamento de Foucault
e suas contribuições para a educação. In: Educ. Soc., Campinas,
vol. 26, n. 90, p. 309-313, jan. /abr. 2005.
MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000.
SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Currículo do
Estado de São Paulo. 2. ed. São Paulo: SE, 2011.
SILVA, Josie Agatha Parrilha da; DANHONI NEVES, Marcos
Cesar. A perspectiva anamórfica de Hans Holbein: o início da
perspectiva preparatória de Galileo e Cigoli no Sidereus nuncius.
In: VIII ENPEC, 2011, Campinas. ANAIS DOVIII ENPEC.
Campinas: ENPEC, 2011. v. 1. p. 1-15. Disponível em: <http://
www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R1151-2.pdf>.
Acesso em 15 de out. 2016.
DANHONI NEVES, Marcos Cesar; SILVA, Josie Agatha
Parrilha. Uma falsa controvérsia: a segunda Lua craterada do
renascimento galileano entre Elsheimer, Cigoli e Passignano.
Ecosite, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <http://www.
rio2015.esocite.org/resources/anais/5/1440812574_ARQUIVO_
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oc2015.pdf>. Acesso em 10 out. 2016.
SILVA, Josie Agatha Parrilha da; DANHONI NEVES, Marcos
Cesar. O códex Cigoli-Galileo: Ciência, Arte e religião num
enigma copernicano. Maringá: Eduem, 2015.

300
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

EPÍLOGO

O livro apresentou o material teórico-prático do curso Arte e


Ciência na Lua: projetos educativos interdisciplinares na prática docente
a partir do tema Lua. Como salientado, o curso foi desenvolvido
com um grupo de professores da rede pública estadual de Bauru e
região. Atendeu ao objetivo de propiciar uma formação e vivência
interdisciplinar a partir do tema Lua.
Os onze primeiros capítulos foram escritos por pesquisadores
de diferentes áreas: Artes Visuais, Física, Letras, Filosofia, Ciências.
Seus autores discorreram sobre o tema. No último capítulo
apresentamos o olhar de um professor/participante do curso sobre
o percurso que foi desenvolvido. Queríamos apresentar a Lua sobre
os diferentes olhares e, se fôssemos dar continuidade à pesquisa,
incluiríamos ainda outras, como o olhar da Música, do Teatro, da
Química, apenas para exemplificar alguns.
O material foi elaborado a partir de um diálogo entre
diferentes áreas e resultou da vivência dos professores no decorrer
do curso. Essa construção buscou ampliar os conhecimentos
sobre o tema Lua. Aqui entendemos ser importante discutirmos
o entendimento do conhecimento que pautou nossa pesquisa, e,
para isso, nos reportamos a Ludwig Fleck (1896- 1961). De acordo
com o autor, o processo de conhecimento não pode ser entendido
como uma simples relação entre “entre sujeito e objeto, entre o ator
do conhecimento e algo a ser conhecido.” (FLECK, 2010, p. 81).
Fleck explica que existe um terceiro e fundamental elemento nessa
relação, especialmente acerca de um novo conhecimento o estado do
saber.
Os professores/autores dos respectivos textos nos propiciaram
adentrar neste estado do saber, enfim, os conhecimentos sobre o
tema Lua foram partilhados a partir de visões de diferentes grupos.
Devemos ainda levar em consideração que os próprios professores/
participantes já traziam questões sobre esse saber. Fleck (2010, 81-
82) aponta que “[...] o processo de conhecimento não é o processo
individual de uma ‘consciência em si’ teórica; é o resultado de uma

301
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

atividade social, uma vez que o respectivo estado do saber ultrapassa


os limites dados a um indivíduo”. Assim, no decorrer deste processo
de construção de novos conhecimentos, as visões de diferentes
grupos foram discutidas, refletidas e questionadas.
Ainda citando Fleck (2010, p. 76): “Nas Ciências Exatas,
assim como na Arte e na vida, não existe outra fidelidade à natureza
senão a fidelidade à cultura”. Desta forma, o conhecimento para ele
está mais ligado à sociedade do que à própria natureza. Observamos
que os grupos (áreas de conhecimento) partilham determinadas
teorias e, na maioria das vezes, ficam presos a estas. Vislumbramos
nesse entendimento uma possiblidade de construção de novos
conhecimentos a partir da interdisciplinaridade.
Numa proposta interdisciplinar, pessoas de diferentes áreas
entram em contato com conhecimentos que não são de sua área e
ainda não possuem tantos conceitos ou teorias pré-determinadas.
Isso pode propiciar às pessoas uma possibilidade de desenvolver
novos conceitos a partir das áreas com as quais ainda não estavam
fechados.
Umberto Eco (1932-1916), filósofo contemporâneo
recentemente falecido, dedicou um capítulo de seu livro A definição
de arte à interdisciplinaridade, intitulado A pesquisa interdisciplinar,
a partir de uma conferência proferida no Congresso O mundo de
amanhã, realizado em 19631.
No início do texto Eco expõe que o escreveu no decorrer do
Congresso, a partir do que ouviu e vivenciou no evento. Ao final
do texto, recortado abaixo, Eco (20162, p. 264), aponta algumas
possibilidades para o mundo e o homem de amanhã:
[...] para poder justamente desenvolver um discurso
“filosófico” a respeito de um mundo de amanhã, considero
que o primeiro passo a ser dado é exatamente o de uma
pesquisa interdisciplinar que, reduzindo os vários fenômenos
a modelos descritivos, possa então permitir a identificação de
similaridades estruturais entre eles e a partir daí proceder ao
1
O Congresso intitulado O mundo de amanhã foi realizado na Universidade de
Perugia, Itália.
2
ECO, Umberto. A definição de arte. Trad. Eliana Aguiar. São Paulo: Record,
2016.

302
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

estabelecimento das relações mais profundas entre os vários


fatos, com o objetivo de reconhecer os esboços de um novo
panorama antropológico, para o qual será preciso instituir
quadros de valores, parâmetros à luz dos quais consiga
sustentar racionalidade, humanidade, espiritualidade,
positividade de comportamentos humanos que hoje parecem
aberrantes porque ainda não estamos de posse de um quadro
referencial adequado.

Eco aponta um dos caminhos para o mundo do amanhã, ou


seja, para se pensar concretamente em uma sociedade do futuro
seria a pesquisa interdisciplinar. Com essa forma de pesquisa
podem-se estabelecer relações profundas de um novo panorama,
segundo ele, antropológico. Por fim, aponta que essa possibilidade
seja baseada em valores que sustentem racionalidade, humanidade e
espiritualidade. Segundo o próprio Eco, isso pode parecer estranho,
uma vez que nosso quadro referencial não nos possibilita ver de
forma distinta o que nosso limitado horizonte nos permite ver.
Compartilhamos, pois, com Eco (2016) sobre a importância
de um projeto interdisciplinar e entendemos que muitas vezes
não nos sentimos preparados para desenvolver um projeto nesse
modelo, isso porque estamos amarrados aos referenciais teóricos e
metodológicos de nossa área de origem e à nossa cotidianeidade. Para
romper com essas amarras, é preciso partilhar e compartilhar esse
projeto com pessoas de diferentes áreas, em especial, propiciando
oportunidades potenciais de aproximação entre Arte e Ciência, pois
acreditamos que esse é o caminho mais ímpar para construirmos
uma compreensão do homem no seu todo.

303
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

SOBRE OS AUTORES

Josie Agatha Parrilha da Silva


Professora do Departamento de da Universidade Estadual de Ponta
Grossa - UEPG. Graduada em Artes Visuais e Pedagogia. Mestre em
Educação e Doutora em Educação para a Ciência a e Matemática.
Atua no Programas de Pós-Graduação: Ensino de Ciência e
Educação Matemática da UEPG e Ensino de Ciência e Tecnologia
da UTFPR, campus Ponta Grossa. Líder do Grupo de Pesquisa
INTERART - Interação entre arte, ciência e educação: diálogos e
interfaces nas Artes Visuais (CNPq). Atua na tríade universitária:
Ensino Pesquisa e Extensão, com projetos ligados às Artes Visuais e
enfoque interdisciplinar (ênfase na relação Arte - Ciência)

Roberto Nardi
Docente do Departamento de Educação e do Programa de Pós-
Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências
da UNESP de Bauru. Licenciado em Física, Mestre em Science
Educations pela Scool od Educationa de Temple University, Filadelfia
– EUA. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo.
Pós-Doutorado na Universidade Estadual de Campinas. Bolsista
Produtividade em Pesquisa do CNPq. Líder do Grupo de Pesquisa
em Ensino de Ciências, interessem em pesquisas relacionadas a
ensino de Ciências e ensino de Física e formação de professores.

304
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Marcos Cesar Danhoni Neves


Professor Titular da Universidade Estadual de Maringá – UEM. Atua
nos Programas de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Tecnologia
(UTFPR-PG) e de Educação para a Ciência e a Matemática-UEM.
Graduado em Física, Mestre em Física e Doutor em Educação
pela Universidade Estadual de Campinas. Realizou estágio de pós-
doutoramento no Dipartimento di Fisica da Università degli Studi
di Roma La Sapienza, Itália. Tem experiência na área de Educação e
Divulgação Científica, Alfabetização Científica, Linguagem Verbo-
Visual aplicada à Divulgação da Ciência, História, com ênfase em
História e Epistemologia da Ciência.

Adelive Pietrowski Baldin Margutti:


Bióloga licenciada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Participou dos Programas de Iniciação Científica atuando na área
da botânica, e do de Iniciação à Docência (PIBID). Atualmente,
é integrante do mestrado no Programa de Pós-Graduação em
Educação para a Ciência e a Matemática (PCM) também da UEM.

305
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Anderson Pedro Laurindo


Filósofo e Pedagogo; Terapeuta Holístico; Pós-Graduado em
Psicopedagogia e Filosofia e Sociologia para Educadores; Mestrando
Profissional no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência
e Tecnologia. Atuou como professor nas áreas de Educação Básica e
Superior. Atualmente está como Coordenador de Gestão Acadêmica
na Faculdades Ponta Grossa.

Carlos Alberto de Oliveira Magalhães Júnior


Professor do Departamento de Ciências da Universidade Estadual
de Maringá - UEM, do Programa stricto sensu de Pós-Graduação
em Educação para a Ciência e a Matemática PCM - UEM e do
Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Rede
Nacional para o Ensino das Ciências Ambientais (PROFCIAMB-
UEM). Pós-doutor em Educação em Ciências pela Universidade
do Minho - UMinho/Portugal, e em Educação pela Universidade
Federal Fluminense - UFF, Doutor em Ciências pela UEM, Mestre
em Ensino de Ciências pela USP e Licenciado em Ciências pela
UEM. Coordenador de Grupo de Pesquisa: Ensino de Ciências,
Formação de Professores e Representações Sociais - CIENCIAR do
CNPq, atuando principalmente nas áreas de Formação de Professores
de Ciências, Educação Ambiental e Representações Sociais.

306
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Elisangela Cordeiro
Formada em Letras - Português na UEPG (Universidade Estadual
do Paraná, Especialização em Literatura na Faculdade Espírita do
Paraná. Professora da SEED desde 1998, atua como professora no
Colégio Irenio M. Nascimento na cidade de Tibagi – Paraná, onde
a mesma reside. Em 2012 foi selecionada para as filmagens dos
programas do MEC da série “Sua escola nossa escola”. Em 2014 e
2015 atuou na coordenação do “Pacto pelo Ensino Médio”.

Fernando Lang da Silveira


Possui graduação em Física e Mestrado em Física pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Doutorado em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente
é professor titular da UFRGS. Tem experiência na área de Física, com
ênfase em Pesquisa Em Ensino de Física, atuando principalmente
nos seguintes temas: métodos quantitativos aplicados à pesquisa,
história e filosofia da ciência, tópicos em física geral. Além da
graduação atua no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física
do IF-UFRGS.

307
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Giovana T. Simão
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná -
Área de Cultura em Estudos da Imagem. Mestre em História da
Educação. Especialista em História da Arte/Belas Artes. Graduada
em Artes Visuais. Professora efetiva da UNESPAR-Campus II/
Faculdade de Artes do Paraná, atua nas disciplinas de História da
Arte e Formação de professores.

Gledson Vigiano Bianconi


Biólogo, Mestre em Biologia Animal e Doutor em Ciências
Biológicas (Zoologia) pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). É Professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR), sócio
fundador e presidente do Instituto Neotropical, e pesquisador nas
áreas de Ecologia e Zoologia, com ênfase na Mastofauna, atuando
principalmente nos seguintes temas: fragmentação florestal, ecologia
de populações, interação animal-planta e ecologia química. Possui
experiência na coordenação de projetos de pesquisa e na docência de
Ensino Superior, incluindo Pós-Graduação.

308
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Jane Gregorio-Hetem
Possui graduação em Física pela Universidade de São Paulo (1982),
mestrado em Astronomia (1986) e doutorado em Astronomia
(1991) também pela USP, pós-doutorado pelo Centre d’Études
de Saclay/Service d’Astrophysique (França, 1995) e livre-docência
pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
(IAG/USP, 2003). Atualmente é professor associado na USP e
coordenadora do Bacharelado em Astronomia. Tem experiência
na área de Astronomia, com ênfase em Astrofísica Estelar, atuando
principalmente nos seguintes temas: formação estelar, nuvens
moleculares, estrelas pré-sequência principal e discos protoestelares.

Luzita Erichsen Martins Neto


Possui graduação em Artes Visuais pela Universidade Estadual
de Ponta Grossa (2012). Trabalha profissionalmente como artista
plástica desde 1995. Mestre em Ensino de Ciência e Tecnologia
(2014-2016) na Universidade Tecnológica Federal do Paraná
UTFPR. (Campus Ponta Grossa).

309
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Marco Antonio João Fernandes Junior


Licenciado em Artes, especialista em Arte-Educação e Mestre
em Docência para Educação Básica (Unesp/Bauru). Atua como
professor de Educação Básica e Superior

Maria Cristina Mendes


Doutorado (2014) e Mestrado (2010) em Comunicação e
Linguagens na Universidade Tuiuti do Paraná. Especialização em
História da Arte do Século XX e Bacharelado em Pintura na Escola
de Música e Belas Artes do Paraná. Coordenadora do curso de
graduação lato sensu Fotografia: processos de produção de imagens
(2012 a 2015) na UTP. Professora do Curso de Artes Visuais na
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora dos Cursos de
Artes Visuais e Tecnologia em Fotografia na UTP (2002 a 2015).

310
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Maria de Fátima Oliveira Saraiva


Possui graduação em Ciências pela Faculdade de Filosofia Ciências
e Letras de Santo Ângelo. Licenciatura em Física e Mestrado na
área de Astrofísica pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e doutorado na mesma área, também pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (1992). Fez estágios de pós-doutoramento
na Universidade do Texas (1994) e no Telescópio SOAR (Chile,
2005). Professora aposentada do Departamento de Astronomia do
Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Atua em Ensino de Astronomia.

Michel Pereira Campos Silva


Mestre em Ensino de Astronomia, pelo Instituto de Astronomia,
Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo -
IAG/USP. É Graduado em Física (Licenciatura Plena) pelo Instituto
Federal de São Paulo - IFSP, Campus São Paulo. Trabalha com a
educação formal de nível de básico lecionando a disciplina de Física.
Pesquisa como se dá o Ensino de Astronomia e de Física através
da composição de roteiros didáticos, da transposição didática e
investiga qual o papel dos livros e textos paradidáticos na educação
formal.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Nelson Silva Júnior


Graduado em Engenharia Civil e Artes Visuais. Mestre em Ciências
Sociais Aplicadas e doutor em Ensino de Ciência e Tecnologia.
Professor do curso de Artes Visuais da Universidade Estadual de
Ponta Grossa. Atua nas áreas de Cinema, Fotografia e Ensino de
Artes Visuais.

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Professores participantes do Curso Arte e Ciência da Lua: projetos educativos


interdisciplinares (Bauru, 20 de agosto de 2016).

Fonte: Arquivo Pessoal dos autores (2016).

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

ÍNDICE REMISSIVO DE PALAVRAS


A Astro 135
Astronautas 134
Abissais 204 Astronomia 18, 24
Aborígenes 24 Astronomia árabe 37
Accademia del disegno 42 Astrônomo 121
Aclaramento 17 Atlas celeste 101
Afresco 42 Atlas pittoresque des ciels 101
Alegórico 121 Atmosfera 66
Al magisti 34
Alquimia 88 B
Amalgama 200
Amazonas 101 Babilônicos 30
Anagramáticos 201 Barroco 94, 212
Análise iconográfica 44 Bissexto 26
Análoga 249 Bizantino 91
Analogia 138 Busca metodológica 65
Anamórfico 48
C
Anamorfose 20, 98
Anamorfose clássica 248 Caldeus 27
Angularmente 73 Calendário babilônico 30
Ângulo 68 Calendário lunar 26
Antagonista coadjuvante 121 Calendário lunisolar 59
Antiguidade 23 Calendrical 18
Antikythera 18 Cânone acadêmico 105
Antropológico 305 Cânticos 93
Antropozoomórfica 85 Cartesiana 104
Apropriação 202 Cenários 121
Aquarela 255, 268 Cetro 47
Arbitrária 97 Chiaro-oscuro 248
Arborescente 290 Ciclo 36
Arcadismo 213 Ciclo cálipico 59
Aristotélica 39 Ciclo metônico 62
Aritmética 39 Ciclos astronômicos 36
Arquitetura 297 Ciclos sazonais 57
Arte e ciências 291 Ciência 98
Artes visuais 18, 84 Ciências naturais 297
Arzaquel 38 Cigoli 18
Assemblage 9 Cigoli-galileu 18
Assunção da virgem 47

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Cilíndrica 237 D
Cineasta 117
Cinema 18, 83 Dados lunares 27
Circo 121 Dados observacionais 178
Circunferência 241 Declínio 69
Circunferência terrestre 67 Dentadas 36
Clérigos 39 Desenho 98
Clipoemas 202 Detrimento 197
Completude 200 Deusa da lua 87
Composições 83 Devoção 90
Computador astronômico 36 Diálogos 199
Concomitante 93 Diametralmente 72
Cone de sombra 27 Diastólica 137
Configurações tipográficas 204 Dinastia tang 37
Conglomerado 9 Disco do horizonte 73
Conhecimento holístico 290 Disco intermediário 73
Conhecimento popular 195 Distâncias terra-lua 18
Conjeturas 199 Divindade 108
Conjunções 71 Divisão angular 73
Constelações 37 Dogma da virgindade 93
Construtivismo 76 Dogmas marianos 44
Contraposição 203 Doutrina aristotélica 69
Contra reforma 97 Doze estrelas 93
Copernicana 48
Copernicano 41
E
Coristas 125 Eclipse lunar 27
Coroa 47 Eclíptica 155
Corpo celeste 30, 84 Ecolocalização 141
Corroborem 183 Edílico 105
Cosmograficamente 219 Educação básica 20
Crateramento 183 Efeitos especiais 121
Crateramento lunar 19 Efeitos visuais 120
Crateramento lunar 19 Egípcios 27
Crença litúrgica 95 Egito antigo 85
Crenças 57 Eixo da terra 137
Cristianismo 18, 84 Endógena 139
Crônicas 216 Enfraquecimento religioso 97
Cúpula 43 Engenharia 297
Cursistas 285 Engrenagem 35
Enomenológico 118

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Ensino–aprendizagem 288 Fotoperiodismo 140


Ensino, pesquisa e extensão 20 Fruição 200
Enuma anu enlil 30 Fruição estética 203
Envergadura 104
Equações 156 G
Erupções vulcânicas 170 Geocêntrico 39
Escrita 23 Geocêntrico 35
Escultórica 90 Geocentrismo 76
Esculturas 24 Geociências 184
Esfera 58 Geográfico 74
Esférico 65 Geometria 186
Espaço-temporal 76 Germinar 140
Espalhamento 165 Grande sinal 91
Essência divina 65 Gravitação 135
Estratégia pedagógica 300 Gregos 31
Estrelas 47
Estudos astronômicos 18 H
Excentricidade 159
Explanação 84 Hegemônico 289
Heliocêntrico 39
F Histórico-didático 23
Hodiernamente 121
Facetas 98 Hora sideral 59
Fascínio 118 Horizonte 73
Fases 72
Fases da lua 19, 152 I
Fecundidade 138
Fenômeno 73 Iconografia cristã 42
Fenômeno físico 123 Iconologia 90
Fenômenos 77 Idade média 23
Ficcionais 117 Igreja 39
Figurinos 121 Iluminura 87
Filmes 117 Ilusionista 120
Física 57 Ilusões ópticas 238
Fobia lunar 141 Imagético 86
Folclore 138 Impacto 188
Formação de professores 20 Impasto 274
Formação interdisciplinar 286 Impressionistas 99
Forma geométrica 241 Incongruências 102
Forrageio 141 Incrustado 35
Fotografia 109 Indícios 104

317
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Indústria cinematográfica 119 Lua tridimensional 272


Inesgotabilidade 206 Lulo 140
Inextrincáveis 204 Lunação 57
Influência da lua 19 Lunações 35
Influência gravitacional 19 Lunáticos 86
Influência lunar 138 Luneta 181
In loco. 177 Luz avermelhada 169
Interação 206 Luz e sombra 248
Interdisciplinaridade 9
Ínterim 286 M
Interposição 31 Maculada 42
Interseção 154 Madonna 42
Intersecção das retas 242 Magias lunares 86
Intersemiótica 198 Mágicas 120
Intersemióticas 19 Magnitude 33
Intrincada 196 Mamíferos noturnos 141
Inuit 24 Manchas solares 37
Irmãos lumière 119 Mapa de dunhuang 37
Isopor 272 Mapeamento 84
K Máquina de antikythera 34
Marés 19
Kepleriana 70 Marés lunares 136
Kudurru 26 Máscaras 24
Matemática 297
L Mecânico 58
Latitude geográfica 179 Mecanismo 36
Latitudes 67 Mecenas 96
Linearização 10 Mediadores 295
Linguagem cinematográfica 117 Medievo 87
Linha de apside 162 Megalítico 57
Lírica, 212 Mesopotâmia 26
Literatura 19 Mês sinódico 133, 158
Literatura brasileira 212 Metodologias 20
Literatura parnasiana 216 Migração sígnica 196
Locutor 117 Misticismo 216
Lógica cartesiana 290 Modelo cosmológico 19
Lua cristã 99 Modernismo 18
Lua mística 85 Modernismo artístico 99
Lua plasmada 214 Modernistas 105
Morfologia, 186

318
ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Morosa 98 Oriente 39
Mortalidade 138 Orifício 74
Mostrador 72 Oscilação da terra 133
Motivações distintas 94
Movie maker 276 P
Movimento da lua 160 Paganismo 212
Movimentos cênicos 121 Painéis 62
Multiculturais 301 Panorama contemporâneo 287
Multidisciplinares 301 Paradigma 183
Música 83 Paragramáticos 201
Música 39 Parapegma 62
N Partículas 170
Passagem do tempo 85
Nanquim 261 Passo a passo 255
Narrador 117 Pastel 265
Nascente 163 Pecado 44
Naturalismo 215 Pecadores 92
Naufrágio 60 Pensadores 31
Nave 125 Percurso 20
Nebulosas 105 Perpendicularmente 135
Noite estrelada 103 Personificação gráfica 85
Nomenclaturas 98 Perspectiva 238
Nórdicos 91 Perspectiva divertida 240
Nostalgia 230 Pesquisador 202
Pintura 43
O Pioneiro 133
Obelisco 67 Planeta 70
Objeto celeste 168 Plano da órbita 154
Objetos celeste 24 Plasticidade 90
Oblíqua 237 Plateias 117
Observações sistemáticas 24 Poema, 19
Observações telescópicas 18 Poesia satírica 212
Observatório griffith 103 Poética visual 126
Oceanos 135 Pontilhismo 261
Óptico islâmico 37 Pós-galileano 65
Orações 93 Povos 23
Órbita lunar 35 Prática pedagógica 285
Órbita terra-lua 19 Previsões teóricas 63
Orientação astronômica 76 Primitivismo 118
Problematização 10

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

Procedimento metodológico 293 Semiótico 198


Produção 117 Sistema solar 34
Produção cinematográfica 127 Sistólica 137
Projetos educativos 17 Solstício 67
Projetos interdisciplinares 286 Stonehenge 25
Propositores 288 Sublunar 65
Prumo 73 Subsídios químicos 137
Ptolomaico 41, 76 Subversões 199
Sumérios 26
Q Superfície lunar 96
Quadrante 62 Superfície terrestre 183
Superstições 138
R
T
Raio 70
Raios gama 36 Tapeçaria 73
Realismo 215 Teatro 121
Realismo factual 102 Técnicas artísticas 255
Recriações 19, 196 Técnicas de desenhos 257
Registros astronômicos 26 Tecnologias da informação 291
Registros pictóricos 84 Tecnológicos 117
Religião 36 Teknè 280
Relógios solares 27 Telescópio 19
Renascentista 296 Telescópio refrator 180
Renascimento 24 Tendência naif 105
Representações da lua 91 Teológicas 39
Reprodução técnica 279 Teoria coesa 65
Retaliação 98 Teoria cosmológica 39
Revolução científica 39 Texto poético 221
Ritos fúnebres 85 Traduções intersemióticas 206
Rizomática 291 Transcriação 197
Romance 120 Transição 123
Rotação 65 Translação 65
Transmissão radiofônica 119
S Tridimensionalidade 48
Trigonométrica 65
Santa inquisição 88 Troca epistolar 103
Sarcófagos 86 Trópicos 67
Satélite 23 Troposfera 120
Satélites 43 Tutoriais 205
Semi-humanos 85

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ARTE E CIÊNCIA NA LUA: percursos na interdisciplinaridade

U
Umbra 166
Universo finito 65

V
Valor romântico 84
Velocidades areolares 70
Velocidades lineares 70
Veracidade 103
Verbivocovisual 200
Verossimilhança 203
Viagem à lua 124
Via láctea 217
Vício epistemológico 10
Visualidade 119

Z
Zodíaco de dendera 27

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