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CECILIA C&BfîLLERQ LOIS

a Rm w ^m da c im c m do d ir e it o no
PENSAMENTO
de m icm io HEmmoEZ g il

JLHA DE smm CATARINA


1993
CE C ILIA CABALLERO LOIS

A RENOVAÇÃO DA CIÊNCIA DO DIREITO NO PENSAMENTO


DE ANTONIO HERNANDEZ GIL

D i s s e r t a ç ã o a p r e s e n ta d a como
r e q u i s i t o p a r c i a l à o b te n ç ã o
do g r a u de M e s t r e . C u rs o de
P ó s-G ra d u a ç ã o em D i r e i t o .
C e n t r o de C i ê n c i a s J u r í d i c a s .
U n i v e r s i d a d e F e d e r a l de S a n ta
C a ta rin a .

O r i e n t a d o r : P r o f . D r. L e o n e l
S e v e r o Rocha

ILHA DE SANTA CATARINA

1993
CE C ILIA CABALLERO LOIS

A RENOVAÇÃO DA CIÊNCIA DO DIREITO NO PENSAMENTO


DE ANTONIO HERNANDEZ GIL

D i s s e r t a ç ã o a p ro v a d a como r e q u i s i t o p a r c i a l p a r a a o b t e n ç ã o
do g r a u de m e s tr e no C u r s o de P ó s-G ra d u a ç ã o em D i r e i t o da
U n i v e r s i d a d e F e d e r a l de S a n ta C a t a r i n a , p e l a Co m issão
formada p e l o s p r o f e s s o r e s :

O r i e n t a d o r : P r o f . D r. L e o n e l S e v e ro Rocha
C u r s o de P ó s -G ra d u a ç ã o em D i r e i t o ,
C C J, UFSC

P r o f . Msc. M a u r í c i o B a t i s t a B e r n i
C u rs o de P ó s-G ra d u a ç ã o em D i r e i t o ,
C C J , UFSC

P r o f . Msc. L u i z E r n a n i B. de A r a ú j o
C u r s o de P ó s-G ra d u a ç ã o em D i r e i t o ,
C C J, UFSC

O rie n ta d o r: P r o f. D r. Leonel S e v e ro Rocha

C o o rd en a d o r do CPGD-UFSC: P ro f. D r. L e o n e l S e v e r o Rocha

ILHA DE SANTA CATARINA, 1Q de dezembro de 1993


De onde e l a vem?! De que m a t é r ia b r u t a
Vem e s s a l u z que s o b r e a s n e b u lo s a s
C a i de i n c ó g n i t a s c r i p t a s m i s t e r i o s a s
Como a s e s t a l a c t i t e s duma g r u t a ? !

(A I d é i a , A u g u s to dos A n j o s )
A meus p a i s ,
Carmen e J o s é .
AGRADECIMENTOS

E s t e t r a b a l h o é r e s u l t a d o do a p o i o e da p r e s e n ç a
muito especial de v á rias pessoas:

Nicolás e Sebastian, pelas coisas boas que só os


irmãos podem trazer.

Consuelo e Blanca, pelo seu carinho e ajuda


incondicional.

Carlos Magno, pois seu apoio e incentivo (tão


amoroso) foram determinantes em todos os momentos.

Luis Alberto Warat, Luis Ernani B. de Araújo, José


Alcebíades de Oliveira Jr. e Maurício Batista Berni, p o r roe
e n s i n a r e m as p r i m e i r a s l i n h a s do d i r e i t o q u e não se a p r e n d e
na e s c o l a .

Enrique Zuleta Pucero, pela colaboração decisiva


no t r a b a l h o .

Marilza, Celso e Cláudia, que fizeram muito mais


f e l i z m i n h a p a s s a g e m p e l a ilha.

Carlinhos e Ana Paula, pela presença amiga e


i m p r e s c i n d í v e l e m t o d a s as horas.

Bedin, João Alexandre, João Augusto, Kátia,


Letícia, Luciane e Vera, p e l o s b o n s m o m e n t o s .

Léo, Alice, Nilcéia e Pimentel, pela amizade e


incentivo.

Marco Aurélio Biermann Pinto, pela ajuda nos


momentos finais.

V
K á tia F o lc h in i Cesca, pelo seu empenho e
colaboração inestimável na d i g i t a ç ã o .

A Secretaria do CPGD, pelo apoio (não só)


administrativo.

Ao CNPq, pelo auxílio financeiro.

F i n a l m e n t e , Leonel Severo Rocha, q u e m a i s d o q u e


orient a d o r , foi amigo; e m u i t o mais que a m i g o foi q u e m fez
da r e a l i d a d e uma u t o p i a p e r f e i t a . P a r a ele, t o d o m e u c a r i n h o
e admiração.
SUMARIO

R E S U M O _ ..........- .............................- - ............. . ix


RESUME"N ................ ........................ - - ......... - ...... - X

IN IR O D U Ç A Ü ................ . -......... ........................ . 01

CAPÍTULO I
AS PREOCUPAÇÕES METODOLÓGICAS: CONCEPÇÕES FUNDAMENTAIS
NO DIREITO"

1.1. O M é t o d o J u s n a t u r a l i s t a ............ ................. ...... 1 5


1.1.1. 0 J u s n a t u r a l i s m o E s c o l á s t i c o ................. ........ .. 1 5
1.1.2. 0 J u s n a t u r a l i s m o R a c i o n a l i s t a ........................ .. 1 7
1.1.3. G i l e o J u s n a t u r a l i s m o ........ .................... ... 2 0

1.2. 0 M é t o d o N o r m a t i v i s t a / P o s í t i v i s t a / D o g m á t i c o ....... .. 2 3
1.2.1. S a v i g n y e a E s c o l a H i s t ó r i c a ......................... .. 2 3
1.2.2. J h e r i n g e a J u r i s p r u d ê n c i a d o s C o n c e i t o s ........ .. 2 7
1.2.3. K e l s e n e o N e o p o s i t i v i s m o ................................ 3 0
1.2.4. A P o s i ç ã o d e G i l ......................................... .. 3 6

1 . 3 . O M é t o d o S o c i o l ó g i c o ............ ......................... .. 3 8
1 . 3 . 1 . 0 S o c i o l o g i s m o J u r í d i c o ..... ............................ 3 8
1 . 3 . 2 . A R e v i s ã o C r i t i c a d o S o c i o l o g i s m o p o r A H G ....... .. 4 2

CAPÍTULO I I
"AS PREOCUPAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS: A CIÊNCIA JURÍDICA
TRADICIONAL"

2.1. A R e v i s ã o d a C i ê n c i a J u r í d i c a ................. ......... .. 4 8


2.2. 0 C o n c e i t o d e D i r e i t o ....................................... 5 2
2.3. A D o g m á t i c a J u r í d i c a .............. - .................. ...... 5 7
2.3.1. C o n s i d e r a ç õ e s G e r a i s ...................... ................ 5 7
2.3.2. O s T r a ç o s D e f í n i t ó r i o s ................................. .. 6 0
2.3.3. 0 P r o b l e m a d o O b j e t o .................................... .. 6 2

v ii
CAPÍTULO I I I
"ESTRUTURALISMO E DIREITO"

3.1. C o n s i d e r a ç õ e s G e r a i s ....................................... .. 7 1
3.2. S a u s s u r e ............. .............................. ............ 73
3.3. C l a u d e L é v i - S t r a u s s ................ . ............. ........... 8 2
3.4. C o n c e i t o d e E s t r u t u r a e E s t r u t u r a l i s m o .............. 89
3.5. E s t r u t u r a l i s m o J u r í d i c o ......................... ........... 9 3
3.6. A p l i c a ç ã o d o M é t o d o E s t r u t u r a l a o D i r e i t o ........ ... 9 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..... ........................... ...... ....... 1 0 4

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................... ...... ......... .. 1 1 2

vi i i
RESUMO

0 presente trabalho tem por objetivo analisar a


t e o r i a j u r í d i c a d e A n t o n i o H e r n á n d e z Gil, a p a r t i r d e uma
(re)leitura de vários a u t o r e s d e s t e c a m p o do s aber jurídico,
bem c omo da s e m i o l o g i a e do estruturalismo. Tal método
d e r i v a do fato de Gil r e a l i z a r uma a b o r d a g e m do d i r e i t o a
p a r t i r de duas p e r s p e c t i v a s d i s t i n t a s : uma m e t o d o l ó g i c a e
outra e p i s t e m o l ó g i c a , c o m v i s t a s à t r a n s f o r m a ç ã o da c i ê n c i a
j u r í d i c a e a proc u r a da e s p e c i f i c i d a d e do d ireito. Para
tanto, ele realiza uma retrospectiva das concepções
fundamentais do direito (j u s n a t u r a l i s m o , positivismo e
s o c i o l o g i s m o ). N e s t e m o m e n t o , e m b o r a G i l d e c l a r e s u a o p ç ã o
pelo sociologismo, fica claro que o método que considera
primordial é o j usnatural ista pois é somente este que
ressalta o conteúdo do direito, ou seja, a justiça é a
filosofia do direito. No capítulo II realizamos uma
a b o r d a g e m d o s c o n c e i t o s f u n d a m e n t a i s na o b r a de Antonio
Hernández Gil. Destacamos o conceito de realização do
direito, de c i ê n c i a j u r í d i c a e as s u a s p r e o c u p a ç õ e s p a r a com
o e s t a d o atual da m e s m a , be m como a idéia do a u t o r de
t r a n s f o r m á - l a de f o r m a u r g e n t e . O c a p í t u l o III a p r e s e n t a a
p r o p o s t a de t r a n s f o r m a ç ã o e r e n o v a ç ã o da c i ê n c i a j u r í d i c a
e l a b o r a d a por A n t o n i o H e r n á n d e z Gil. I n i c i a l m e n t e , t r a z as
idéias de Saussure e L é v i - S t r a u s s pois representam a matriz
do estruturalismo, m é t o d o usado pelo autor para a t i n g i r seus
objetivos. Logo após, são d e s e n v o l v i d o s os c o n c e i t o s de
estrutura e estruturalismo, para finalmente, demonstrar como
seria a ciência jurídica estrutural para o autor. Nas
considerações finais oferecemos alguns comentários críticos
s o b r e a obra de Gil e s o b r e q u e s t õ e s q u e p e r m a n e c e m em
aberto, podendo, ainda, ser discutidas.
RESUMEN

El p r e s e n t e t r a b a j o t i e n e p o r o b j e t o a n a l i s a r la
t e o r i a j u r í d i c a de A n t o n i o H e r n á n d e z Gil a p a r t i r d e una
(re)lectura de varios autores de este campo dei saber
j u r í d i c o , a s í c o m o d e la s e m i o l o g i a y d e i e s t r u c t u r a l i s m o .
Tal m é t o d o d e r i v a dei h e c h o d e G i l r e a l i z a r un a b o r d a j e d e i
derecho a partir de dos perspectivas distintas:
metodológicas y epistemológicas, con vista a la
t r a . n s f o r m a c i ó n d e la c i ê n c i a j u r í d i c a y la b ú s q u e d a d e la
especificidad dei derecho. Para ello, él realiza una
r e t r o s p e c t i v a de las c o n c e p c i o n e s f u n d a m e n t a l e s dei d e r e c h o
(j u s n a t u r a l i s m o , positivismo y sociologismo). En este
m o m e n t o , a u n q u e G i l d e c l a r e s u o p c i ó n p o r el s o c i o l o g i s m o ,
q u e d a c l a r o q u e el m é t o d o q u e c o n s i d e r a p r i m o r d i a l e s el
j u s n a t u r a l i s m o , p u e s e s s ó l o é s t e q u e r e s a l t a el c o n t e n i d o
d e i d e r e c h o , s e p r e o c u p a c o n la j u s t i c i a y la f i l o s o f i a d e i
d e r e c h o . E n e l c a p í t u l o II r e a l i z a m o s u n a b o r d a j e d e l o s
c o n c e p t o s f u n d a m e n t a l e s e n la o b r a d e A n t o n i o H e r n á n d e z G i l .
Destacamos su concepto de realización dei derecho, de
c i ê n c i a j u r í d i c a y s u s p r e o c u p a c i o n e s c o n el e s t a d o a c t u a l
d e la m i s m a , a s í c o m o la i d e a d e i a u t o r d e t r a n s f o r m a r l a d e
f o r m a u r g e n t e . El c a p í t u l o I I I p r e s e n t a , i n i c i a l m e n t e , l a s
ideas de S a u s s u r e y L é v i - S t r a u s s , porque, r e p r e s e n t a n p a r a
G i l la m a t r i z d e i e s t r u c t u r a l i s m o , q u e s e r a la p r o p u e s t a
transformadora de la ciência jurídica; los conceptos
f u n d a m e n t a l e s y f i n a l m e n t e c ó m o s e r i a c o n s t r u í d a la c i ê n c i a
jurídica estructural. En las consideracíones finales
o f r e c e r n o s a l g u n o s c o m e n t á r i o s c r í t i c o s s o b r e la o b r a d e G i l ,
c u e s t i o n e s que permenecen a b i e r t a s y pueden ser discutidas.

x
INTRODUÇÃO

“E x i s t e uma corren te de p ensa m en to, c o n s titu íd a

p o r componentes dos m ais d i v e r s o s m a t iz e s i d e o l ó g i c o s , d esde

as correntes m a r x i s t a s do chamado “D i r e i t o A lte r n a tiv o " aos

ju ris ta s de “d i r e i t a " de C a r i S c h m itt (l i g a d o s aos g ove rn o s

que ig nora m a s l e i s ) , que negam a i m p o r t â n c i a do e s t u d o e da

p e s q u is a da T e o ria J u r í d i c a Contem porânea, s o b a a l e g a ç ã o de

que o d i r e i t o é a p e n a s um “i n s t r u m e n t o da p o l í t i c a “. (1)

O presente trabalho constitui uma incursão pela

Teoria Jurídica Contemporânea, especialmente, por aquela que

se desenvolve na Espanha, a partir da obra de Antonio

Hernández Gil. E, ainda, uma (re)leitura de outros vários

autores e posturas teóricas ligadas a este âmbito do saber

jurídico, que contribuam para a elucidação do trabalho do

referido autor.

É objetivo da dissertação, além de apresentar o

pensamento de Antonio Hernández Gil, demonstrar, com ele e

além dele, que a ciência jurídica detém uma enorme

importância como matéria específica (aquela que versa sobre

o estudo do direito). Ao mesmo tempo, parece inegável que

sua trajetória segue, na maioria das vezes, pelos caminhos

que a ciência e a política vem percorrendo ao longo da

1
história ocidental, sendo ofuscada, assim, sua

especificidade.

A obra de Gil, querendo contribuir para o

esclarecimento deste debate, busca realizar uma análise do

estado atual da jurisprudência, à. luz dos paradigmas

epistemologicamente dominantes, sem perder a singularidade

do s a b e r jurídico, e visando à sua transformação.

Antonio Hernández Gíl é um jurista espanhol

c o n t e m p o r â n e o , cuja obra foi escrita, aproximadamente, entre

o começo dos anos 50 e o final dos anos 70. Suas

preocupações teóricas encontram-se dirigidas,

fundamentalmente, a os p ro b le m as m e t o d o l ó g ic o s e

e p is te m o ló g ico s da c iê n c ia ju ríd ic a , embora tenha se

dedicado de forma incansável, também, ao estudo do Oireito

Civil, Constitucional e Administrativo.

Sua principal obra é M e t o d o l o g ia de l a C i ê n c i a d e i

D e re ch o (0 2 ) , na qual ele expõe, ao longo dos seus três

volumes, as concepções e os métodos jurídicos tradicionais,

suas v a rias correntes de pensamento, a p r o j e ç ã o q u e a lc a n ç a m

no direito e, ainda, as novas evoluções das posições

metodológicas e epistemológicas, as quais define como a

tensão existente entre formalismo © anti-formalismo.

2
A presente dissertação não pretende esgotar todas

as p o s s i b i l i d a d e s de t r a b a l h o na o b r a d e Gil. Desenvolvendo-

se, a partir dos seguintes textos: M e t o d o l o g i a de La C i ê n c i a

dei D ere ch o (em seu s 3 vo lu m e s ), E s tru c tu ra lis m o y Derecho

(o r g a n i z a d o r ) (03), Problemas E p iste m o ló g ic o s de l a C iê n c ia

J u ríd ic a (04) e La C iê n c ia J u ríd ic a T ra d ic io n a l y su

T r a n s fo r m a c ió n (05 ).

A escolha destas obras não é aleatória,

justificando-se por estar nelas inserido o nosso campo de

interesse e os de Antonio Hernández Gil: suas preocupações

metodológicas e epistemológicas para com a ciência jurídica.

Com o objeto de t r a b a l h o d e l i m i t a d o neste campo, a

d is s e rta ç ã o será a rtic u la d a através de três c a p ítu lo s ,

obedecendo à e v o lu ç ã o do s e u pensam ento, que, da forma como

e le p ró p rio e x p l i c i t a , d iv id e -s e em t r ê s e t a p a s d i s t i n t a s . O

primeiro, que corresponde também à primeira eta p a de sua

obra, é constituído por suas preocupações m e t o d o ló g ic a s . 0

segundo, correspondente às suas preocupações

epistemológicas, abrangendo a segunda etapa. Já o terceiro

capitulo analisa as relações entre o estruturalismo e o

direito, tota l i z a n d o a sua t e r c e i r a etapa.

As três fases de Antonio Hernández Gil são:

a c rític a , c rític a e s u p e ra ç ã o da c rític a . Na primeira fase,

Gil não questionava a ciência jurídica, apenas lhe

3
interessavam seus métodos. Advogado militante, naquele

momento sua inclinação teórica era pelo sociologismo. Na

segunda fase, suas preocupações centram-se na ciência

jurídica- e nos s e u s p r o b l e m a s e p i s t e m o l ó g i c o s e n q u a n t o s a b e r

autônomo. A especificidade (ou a falta desta) na ciência

jurídica são o assunto neste momento. A terceira fase, ou a

superação da crise, inicia-se com a influência, sobre Gil,

das teses estruturalistas e seus resultados. Gil aprecia

estes resultados e tenta transferi-los para a ciência

jurídica como forma de solução dos seus problemas

epistemológicos. É o momento chave na s u a o b ra.

0 capítulo I - As p re o c u p a ç õ e s m e t o d o ló g i c a s e os

métodos da C i ê n c i a do D i r e i t o - ( as c o n c e p ç õ e s fundamentais

do direito) encarregar-se-á dos chamados métodos

tra d ic io n a is . A partir das três concepções fu n d a m e n ta is do

d ire ito , conforme Gil a concepção filosófica (correspondente

ao direito natural), a concepção positivista-normativista

(correspondente as teorias " p u r a s " .e / o u dogmáticas sobre o

direito) e a concepção histórico-sociológica-realista

(correspondente às correntes positivistas não normativas),

realizar-se-á um trabalho de apresentação das idéias e

problemas vinculados a estas concepções e métodos.

Consoante o plano de trabalho já apresentado,

serão trabalhadas, em linhas gerais, as obras consideradas

fundamentais a cada concepção e consideradas como expoentes


de sua referida escola. Assim, além de Gil, buscar-se-á uma

(re)Ieitura de autores vistos como "clássicos", quando o

assunto é metodologia da Ciência do Direito, tais como

Savigny, Jhering, Kelsen, entre outros. 0 objetivo, porém,

encontra-se em explicitar ao máximo as idéias e as críticas

de Gil sobre cada concepção fundamental por ele

desenvolvida.

As obras básicas deste capítulo são: Metodologia

dei Derecho e sua segunda edição revisada e ampliada

Metodolog-ía de la C i ê n c i a d e i Derecho (Vol I).

As preocupações epistemológicas (a ciência

jurídica tradicional) de Antonio Hernández Gil estarão

relatadas no c a p í t u l o II. Esta parte, representa, na o b r a d o

jurista, o in ic io de suas preocupações com a c iê n c ia

j u r íd ic a . Assim, Gil a b a n d o n a os p r o b l e m a s de m e t o d o l o g i a da

ciência jurídica para dedicar-se aos problem as sobre o

c o n h e c im e n to da c i ê n c i a j u r í d i c a .

Partindo de uma análise da ciência jurídica

tradicional, con c e b i d a sob o p a r a d i g m a da dogmática, o autor

propõe uma necessidade urgente de t r a n s f o r m a ç ã o da m e s m a sob

uma perspectiva renovadora. Segundo Gil, é necessário saber

como este tipo de c i ê n c i a opera, para atribuii— lhe as suas

características e o seu lugar neste âmbito do saber.

5
■ Desenvolve-se, assim, uma análise da c o n c e p ç ã o de Gil sobre

a jurisprudência atual.

0 capítulo III e n c o n t r a - s e , também, no â m b i t o das

preocupações epistemológicas de Antonio Hernández Gil e

intitula-se Estruturalismo e Direito. Surge a partir das

obras Metodologia de la Ciência dei Derecho ( Vol II), na

qual a maior parte é dedicada à tentativa de construção de

uma c i ê n c i a e s t r u t u r a l do direito, e I n t r o d u c c i ó n al E s t ú d i o

dei E structural ismo y el_____ D e r e c h o , incluído em

Estructuralismo y D e r e c h o , da qual Gil é organizador.

Para a consecução deste capítulo, inicialmente,

seráo trabalhadas algumas idéias de Saussure e L é v i - S t r a u s s .

autores u t i l i z a d o s por Gil para iniciar o d e s e n v o l v i m e n t o de

sua proposta.

Serão apresentados, também, os traços e os

conceitos fundamentais do estruturalismo usados por Gil,

para deslocá-los até o direito. A dissertação vai analisar

as possibilidades levantadas para a construção de um

E s tru tu ra lis m o J u ríd ic o como pro po sta de re nov açã o

m e t o d o ló g i c a da c i ê n c i a ju ríd ic a .

As obras fundamentais para este capítulo são: La

Ciência Jurídica Tradicional y Su Transformación, Problemas

6
Epistemoloqicos de Ia Cíencia Jundica e Metodologia de la

Ciência dei D e r e c h o Vol III.

As considerações finais, estarão limitadas ao

conjunto das idéias apresentadas ao longo do

desenvolvimento, procurando oferecer alguns comentários

p e s s o a i s e c r í t i c o s s o b r e a obra de Gil. Contudo, a in te n ç ã o

s e r á d e m o n s tra r o c a r á t e r in ic ia l e a b e r t o do n o ss o tra b a lh o

que, já se pode adiantar, não pretende encerrar as

possibilidades de discussão sobre a obra e as idéias do

autor espanhol e, ainda menos, sobre a Teoria Jurídica

Contemporânea.

0 método utilizado será o indutivo. Pode-se dizer

que este trabalho será desenvolvido com a utilização da

técnica de pesquisa bibliográfica, nas áreas de Teoria

Jurídica Contemporânea, Epistemologia, Lingüística e

F i l o s o f i a da L i nguagem, a p a r t i r de A n t o n i o H ern ández Gil.

Para se obter uma melhor compreensão da obra de

Antonio Hernández Gil e, por conseqüência, desta

dissertação, faz-se necessário situar-se no contexto

politico-ideológico e epistemológico, o autor e sua obra.

Quei— s e , no entanto, ressaltar não ser este o momento de

empreender uma retrospectiva histórica sobre a formação da

cultura hispânica, mas apenas levantar alguns traços

7
significativos desta cultura que permitam esclarecer o

p e n s a m e n t o de Gil.

A trajetória política da história do estado

espanhol é, em grandes linhas, notoriamente, 1 iberal

conservadora (06). A Espanha é marcada pela decadência

económica e política com o eclipse das grandes navegações:

pela recessão econômica e o fim de todos os direitos

políticos, e sociais na era de Franco; e, na atualidade,

pela retomada lenta e gradual do crescimento econômico com a

(r e ) d e m o c r a t i z a ç ã o do p a í s a p a r t i r de 1975.

No campo teórico, a Espanha é condicionada pela

polêmica levantada entre os "h i s p a n i z a n t e s " e os

"europeizantes" (07). Todo e qualquer debate teórico,

filosófico ou j u rídico não e s t a r i a c o m p l e t o sem r e f e r ê n c i a a

seus argumentos.

Os “
h is p a n iz a n te s " tê m como re fe re n c ia l M ig u e l de

Unamuno. Estes tentam resgatar a tradição espanhola

rejeitada pelo resto da E u r o p a , devido a inércia na q u a l se

encontrava o país. Os "h i s p a n i z a n t e s " i n s i s t e m em valorizar

o misticismo dos indivíduos espanhóis frente ao descrédito

total diante da cult u r a européia.

Os " e u r o p e i z a n t e s ", contrariamente, preocupam-se

em trazer para a Espanha toda a riqueza da cultura

8
filosófica e política da Europa, para tornar o pais uma

verdadeira "possibilidade européia", levando-o ao centro dos

debates teóricos e das instâncias de poder na Europa. 0

maior filósofo desta corrente, e de toda Espanha, é José

O rt e g a y G a s s e t.

Para a Filosofia do Direito na Espanha, este

teórico foi decisivo (08). Embora não se tenha dedicado de

forma especial ao direito, suas idéias marcam,

profundamente, a teoria jurídica espanhola.

A teoria jurídica espanhola encontrava-se imersa

na profunda tradição neokantiana (09). Ortega y Gasset,

inicialmente influenciado por Kant, logo rompe com esta

tradição para dedicar seus trabalhos à sociologia. Quanto à

Ciência Jurídica, o importante, segundo ele, é o direito

vivido (10); interessando-se somente pelo p la n o do s e r e a

forma como o direito interfere na sociedade. Este tipo de

pensamento se encontra nas bases das chamadas correntes de

"Direito Alternativo", de grande repercussão na E s p a n h a , no

i n í c i o d o s a n o s 70.

A fonte principal da teoria jurídica espanhola,

porém, está no jusnaturalismo. Com origem em Miguel de

Unamuno e seu misticismo a Espanha, país extremamente

católico , recebe forte i n f l u ê n c i a d e a u t o r e s c o m o São Tomas

de A q u in o e F ra n c is c o Suarez. Segundo Legaz y Lacambra

9
'éstes influyen la creencia jusnaturalista y el derecho

natural cristiano". (11) Acredita o autor existir nesta

area, também, uma forte influência da corrente

"hispanizante". Devido aos jusnaturalistas, o problema da

ontologia do direito e do valor absoluto da justiça com

padrão decisório tornam-se centrais na Filosofia do Direito

Espanhola.

A partir destas duas tendências - a sociológica e

jusnaturalista - forma-se o pensamento jurídico espanhol.

Sáo m u itos os autores que p a r t i c i p a m deste processo. Os mais

importantes foram: Luís Recaséns Siches, José Medina

Echevarría e Luiz Legaz y Lacambra. Atualmente destacam-se

Nicolás López Calera, Modesto Saavedra , Elias Dias, Antonio

H e r n á n d e z Gil, além de t a n t o s outros.

0 autor, num p r i m e i r o momento, filia-se à posição

" e u r o p e i z a n t e ". Diz e le " ... e sto y c o n v e n c id o de que, no

s ó lo n u estra c iê n c ia j u r íd ic a p re c is a re fle x io n a r sobre s í,

s in o que lo s e s p a n Õ le s no debemos regatear d ie zm o s y

p rim íc ia s al p a trim o n io u n iv e rs a l de la c iê n c ia dei derecho

pues l o s n e c e s ita , p r e c is a m e n t e p o r s e r n u e s t r o s " (12).

Do texto acima depreende-se a posição do autor,

favorável ao resgate da cultura universal para a teoria

jurídica, nos seus pressupostos fundantes. Sua avaliação

sobre o jusnaturalismo comprovam a influência do Pe.

10
Francisco Suarez e do tomismo na forma dele conceber o

direito. Sua obra demonstra, porém, que seus paradigmas

teóricos de forma alguma, limitam-se a esta corrente. Gil

preocupa-se somente no início de sua obra com a sociologia

jurídica, com o j u s n a t u r a 1ismo (como filosofia) e é um

crítico do direito alternativo. Logo após suas preocupações

encontram-se no âmbito da Teoria Geral do Direito. Seus

paradigmas te ó ric o s são lib e ra is / d e m o c rá tic o s . Sua

preocupação com a democracia e o "Estado de Direito" norteou

sua ação incansável no processo de redemocratização da

Espanha. E l e é um d o s j u r i s t a s m a i s a t i v o s p a r a a c o n s e c u ç ã o

da c o n s t i t u i ç ã o da d e m o c r a c i a e s p a n h o l a . As p o l ê m i c a s c o m os

juristas de pensamento marxista in ic ia m o declínio do

direito alternativo e particularizam o estudo da Sociologia

em algumas universidades da Espanha. Gil traz para os

centros académicos espanhóis novas preocupações para a

ciência jurídica, distantes daquelas que foram o centro, por

tanto tempo, da d i s c u s s ã o a c a d ê m i c a na E s p a n h a .

Antonio Hernández Gil é um marco do pensamento

jurídico espanhol. A sua importância nos levou a optar por

apresentar seu trabalho, como representante maior da teoria

jurídica contemporânea na E s p a n h a .

A partir deste momento, Antonio Hernández Gil,

será a b r e v i a d o p a r a AHG.

11
NOTAS

(01) R o c h a , Leonel Severo. “E m d e f e s a d a t e o r i a d o D i r e i t o " .

Revista Seqüência nQ 23. Florianópolis. Ed. UFSC. Dez

1991. P. 08.

(02) Gil, Antonio Hernandez. H e t o d o l o g i a de la C i e n c i a del

Perecho. Vol I. 2§ e d . Madrid, Uguina, 1971. 4 0 7 p.

(03) Gil, Antonio Hernández. Estructuralismo v Derecho.

Madrid, Alianza Editorial, 1973. 2 4 1 p.

(04) G il, Antonio Hernández. P r o b l e m a s E p i s t e m o l ó q i c o s de

la C i e n c i a J u r í d i c a . Madrid. Editorial Civitas. 1973.

1 2 9 p.

(05) G il, Antonio Hernández. La Ciencia Jurídica Tradicional

y su T r a n s f o r m a c i ó n . Madrid. Editorial Civitas. 1981.

1 3 0 p.

(06) M e r q u i o r , José Guilherme. 0 liberalismo. Tradução

Henrique de Araújo Mesquita. RJ. Ed. Nova Fronteira.

1991. p. 143.

12
(07) Mora, J o s é Fer r a t e r de . Ortega y G a s s e t . Barcelona.

Ed. Seix Barrai. 1963. p. 19.

(08) L e g a z y L a c a m b r a , Luiz. H o r i z o n t e s del Pensamiento

Juridlco. Barcelona. Ed. Bosch, p. 344.

(09) L e g a z y L a c a m b r a . op. cit. p. 344.

(10) L e g a z y L a c a m b r a . op. cit. p. 345.

(11) L e g a z y L a c a m b r a . op. cit. p. 364.

13
C A P Í T U L O I

"AS PREOCUPAÇÕES METODOLÓGICAS:


AS CONCEPÇÕES FUNDAMENTAIS DO DIREITO "

14
C a p ítu lo I

“AS PREOCUPAÇÕES METODOLÓGICAS: AS CONCEPÇÕES FUNDAMENTAIS


DO D IR E I T O "

1 .1 . O Método J u s n a t u r a l i s t a

1 .1 .1 . O Ju s n a tu ra lis m o E s c o lá s t ic o

Por jusnaturalismo entende-se, comumente, aquela

corrente que admite a distinção entre Direito Natural e

Direito Positivo, sustentando a superioridade do primeiro

sobre o segundo. Divide-se, o jusnaturalismo, por sua vez,

em duas grandes correntes de pensamento distintas: o

jusnaturalismo escolástico e o jusnaturalismo racionalista.

Ambas afirmam que existe um direito conforme a natureza do

Homem, que preexiste ao próprio direito positivo e que se

irnpõe à h u m a n i d a d e .

Por jusnaturalismo escolástico entende-se um

conjunto de princípios éticos, que constituem um s i s t e m a de

dogmas com pretensão de validade universal, de fundo

cristão. Caracteriza-se por querer atribuir ao direito

pretensões de universalidade, unidade e imutabilidade, mas,

fundamentalmente, por igualar a justiça ao direito, o que

significa que todo o direito que não seja, para o

15
j usnatural i s t a , justo, não pode ser considerado como tal.

Inclusive na h i p ó t e s e d e isto ocorrer, a ordem jurídica deve

ser contestada, pois o jusnaturalismo considera legítima

toda r e v o l u ç ã o q u e se v o l t e c o n t r a a injustiça.

Seu maior e x p o e n t e foi Sã o T o m á s de A q u i n o , s o b r e o

qual diz AHG: "dotó al pensamiento cristiano de la más

a r m ó n i c a de sus s i s t e m a t i z a c i o n e s " (01). S e u ponto c r u c i a l é

o reconhecimento de três ordens de leis distintas: a lei

eterna, a lei natural e a lei positiva. 0 objetivo de São

Tomás foi ha-rmonizá-las para que o Homem, pudesse viver de

acordo com o bem e a sabedoria divina. Tomás de Aquino

defende, a idéia de um direito divino que transcende aos

próprios homens, mas que lhe é natural e, ainda, propõe a

vinculação indissociável do d i r e i t o ao Deus cristão.

Porém, se os traços gerais do Jusnaturalismo

Escolástico foram delimitados por São Tomás de Aquino, sua

formulação definitiva encontra-se em Francisco Suarez. Para

ele "É1 Derecho Natural es preceptivo, e s t o es, un derecho

válido que ha de cumplirse. Obliga, no es meramente

i ndicativo de lo q u e intrínsicamente es bueno o necesario, o

intrínsicamente maio. Procede de Dios que actúa como

legislador" ( 02 ).

0 grande mérito de Francisco Suárez consiste em,

mesmo reconhecendo os ideais jusnaturalistas de

16
imutabilidade e universalidade, unir a esta concepção

ciássica de jusnaturalismo ingredientes históricos e

sociais, defendendo uma necessária mudança no direito,

admitindo-o como dinâmico e evolutivo.

Tomás de Aquino e Francisco Suarez são os

precursores da escola jusnaturalista escolástica. Esta

desenvolveu-se por tod o o séc. XVII, soib o s p r i n c í p i o s e c o m

as c a r a c t e r í s t i c a s já referidas.

No início d o séc. XVIII, inicia-se sua decadência

e processo de revisão, surgindo uma nova concepção de

.3 u s n a t u r a l i s m o : o racionalista. No entanto, ainda que pese o

seu declíneo e pouca expressividade, este jusnaturalismo de

origem divina é a maior influência teórica e ideológica na

Espanha. AHG constatando este fenômeno, afirma que toda a

Filosofia do Direito desenvolvida no seu país é de origem

jusnaturalista escolástica, que faz desta teoria passagem

obrigatória no e s t u d o da F i l o s o f i a Jurídica Espanhola ( 03).


/ ■ •

1 .1 .2 . O Ju s n a tu ra lis m o R a c io n a lis t a

A gênese da corrente racionalista não está

definida em um momento histórico preciso. Mas pode-se

afirmar, com propriedade, que ela é contemporânea à

publicação da obra de Hugo Grocio “De i u r e b e lli a c p a c i s “,

17
desenvolvendo-sé a partir daí, durante todo o séc. XVII. 0

declínio do j u s n a t u r a l ismo racionalista, não obstante as

dificuldades de se determinar uma data, está ligado,

indiscutivelmente, a dois eventos: as gran d e s codificações,

que impõem reverência e c u m p r i m e n t o ã lei e a o historicismo

ju ríd ic o que se d e s e n v o l v e u na A l e m a n h a .

AHG procura uma forma de definir o significado do

jusnaturalismo racionalista e resume, inicialmente, seu

pensamento da seguinte forma: " La concepción racionalista

dei Derecho Natural es un p r o d u c t o f i l o s ó f i c o y s o c i a l de la

epoca en que nace. En el primer sentido representa una

exaltaciòn de la razón como valor máximo dei individuo y de

la humanidad. En el segundo sentido es la ciência social

(...) para intentar la solución de los más variados

problemas religiosos, éticos y políticos" (04) .

Dentro da escola racionalista, podem ser

en contrad os teóricos de diversas ordens: filósofos,

juristas, ou cientistas políticos como Hobbes, Locke e

Rousseau, ou a i ndam P u f e ndorf e Woff, entre outros. No campo

da jusfilosofia, eles dividem-se nas áreas de Direito

Público e Direito Privado. Já.Norberto Bobbio, no s e u livro

"Sociedade e Estado na F i l o s o f i a Moderna, coloca: "Embora a

divisão entre uma e o u t r a historiografia particular seja uma

convenção, que também pode ser deixada de lado e que, de

qualquer modo é preciso evitar considerar como uma muralha

18
intransponível, não há dúvida de que uns pertencem

principalmente à história das doutrinas jurídicas, enquanto

os o u t r o s p e r t e n c e m à q u e l a s d o u t r i n a s p o l í t i c a s " . (05 )

A unificação das duas correntes dá-se pelo método,

mais precisamente, pelo método racional e a idéia do

contrato, como fim do e s t a d o natural e hipotético, no qual

os homens viviam numa guerra de t o d o s c o n t r a todos.

Ao contrário do jusnaturalismo escolástico, o

jusnaturalismo racionalista prescinde de toda idéia ou

fundamento divino para o direito, usando apenas princípios

abstratos como o de igualdade e felicidade para fundamentá-

lo. Seu objetivo é criar uma ética racional, longe da

teologia, capaz de garantir a universalidade dos princípios

que regem a conduta humana. Esta formulação substitui a

idéia de direito como sendo igual a de justiça pela chamada

concepção axiológica de justiça, ou seja, como apenas um

critério v a l o r a t i v o do direito.

Norberto Bobbio define o jusnaturalismo

racionalista da seguinte forma: "el Derecho natural es un

conjunto de dictamina rectae ratíone que proporcionan la

matéria de la reglamentación, mientras que el derecho

positivo es el conjunto de los medios prácticos-políticos

que determina la forma de aquellas" ( 06 ). Nesta

concepção, o direito positivo é um instrumento do Estado

19
para garantir a felicidade e punir os comportamentos

contrários ao contrato. 0 direito positivo serve, também,

para concretizar os princípios abstratos colocados pelo

direito natural, garantindo-lhes efetividade e

materialidade.

No j u s n a t u r a l i s m o racionalista há a c o n v i v ê n c i a d e

ambos os direitos (Natural e Positivo). 0 Direito Natural

tem caráter imutável, constituindo-se em princípios que

regem as relações na sociedade e o comportamento humano,

longe do Estado ou no e s t a d o de n a t u r e z a . -0 D i r e i t o P o s i t i v o

é o fruto do con t r a t o social e vem amparado pelo Estado, mas

somente na medida em que se limita a punir os indivíduos a

ele subordinados e que violaram as regras do Direito

Natural.

1 .1 .3 . AHG e o J u s n a t u r a l i s m o

Como já foi antes alertado, o presente trabalho,

antes de querer desenvolver conteúdos teóricos de ordem

jusnaturalista, positivista ou sociológico, centra-se nas

idéias de AHG . Não pretende esgotar as possibilidades de

investigação sobre os métodos, ou concepções sobre o

direito, apenas realizar um levantamento inicial, para

desenvolver em t e r r e n o mais fértil, o p e n s a m e n t o do autor .

20
Para este autor, na fase acritica de seu

pensamento "El jusnaturalismo, en.sí, no es una dirección

metodológica. Por un lado es más: una concepción y

f undamentación filosófica dei Derecho, por otro lado, es

menos: no puede implicar la solucíón detallada de los

distintos problemas particulares que se plantean a la

ciência dei Derecho". ( 07 )

Nesta fase encontra-se preocupado com a prática do

direito, sua inclinação é, particularmente, para com o

s o c i o l o g i s m o e o s fatos-. No entanto, a Fi l o s o f i a do Direito,

na Espanha, é resultado do desenvolvimento Tomista-Suariano

de cujas influências o professor Gil não está imune. Isto

significa que ele não pode considerar o direito, surgindo

apenas dos fatos, mas também, deve considerar e apreciar o

conteúdo material destes fatos para valorá-los conforme

c r i t é r i o s de justiça.

Gil destaca o jusnaturalIsmo como sendo uma

possibilidade concreta de combater a hegemonia do

positivismo legalista. O jusnaturalismo ressalta o conteúdo

do d ire ito tão importante, para AHG quanto o próprio

fundamento do direito. Esta postura implica a negação do

direito apenas como forma, propondo o necessário encontro

entre a forma e o seu conteúdo, valorizando o fundamento

etico e moral que o direito deve ter.

21
Por tudo is t o , e ainda, pelo fato de ser um

sociologista, considerando-se um crítico de si m e s m o , é que

Gil aprova o ressurgimento do jusnaturalismo pois este pode

exigir novamente do direito um conteúdo com funções de

freios ao formalismo e ao empirismo, voltando a analisar o

fenômeno jurídico à lu z da justiça, que é o último fim do

direito.

Finalizando, Gil propõe, a superação da dicotomia

Direito Natural/Direito Positivo, tornando o primeiro uma

fonte- de renovação das instituições jurídicas, retirando-o

da posição estanque ou teórica dentro da Filosofia do

Direito, para atribuir--lhe uma operati vidade científica e

prática. A explicação disto pode ser fornecida pelo próprio

autor: "El jusnaturalismo, en lo qu e hemos considerado ser

correcta formulación, es uri freno contra las libertades

amorfas dei sociologismo, y una legítima libertad frente a

las i m p o s i c i o n e s dei normativisrno. P e r mite d i ferenciar ley y

derecho, explica la c o n e x i ó n e n t r e d e r e c h o y justiça. Otorga

al derecho la d i g n i d a d de lo racional (...) y reconoce lo

que hay en el de histórico y contingente» Nota Actúa como

vehículo y guia dei progreso jurídico (...). V cumple, en

fin, ei a c t o c o m e t i d o de m a n t e n e r una unidade esencial en la

filosofia y en la c i ê n c i a d e i derecho". (0 8 )

22
1 .2 . O Método Norma t i v i s t a / P o s i t i v i s ta/Dogmát i c o

1 .2 .1 . S a v ig n y e a E s c o la H is tó ric a

Os chamados métodos normativistas,positivistas e

dogmáticos surgem em contraposição ao Direito Natural. Este

movimento inicia-se na Alemanha, com a chamada Escola

Histórica, fundada por Savigny, que produziu o maior giro

e p i s t e m o l ó g i c o da h i stória da ciência jurídica.

Esta escola contribuiu de diversas formas para a

ciência jurídica. As primeiras contribuições provém de

Savigny. Primeiramente ao ressaltar o papel da história na

Ciência J u ríd ic a até então esquecido pelo racionalismo

ahistórico do D i r e i t o Natural. Para Savigny, todo direito é

histórico, ligado a um d e t e r m i n a d o povo que lhe dá o r i g e m e

sentido.

Nesta perspectiva a escola histórica acr e d i t a que

o direito presente deve estar integrado ao passado histórico

e orientado para o futuro tendo sempre, uma causa ou razão

para existir.

A segunda contribuição de Savigny, encontra-se em

redefinir o papel do Estado, do legislador e do jurista.Ao

Eistado, cabe conferir a autoridade, a condição de

obrigatório, ao direito quando transcrito por uma

23
determinada lei, sancionando, legitimamente, através de

instrumentos apropriados, o seu descumprimento.

Ao legislador compete descobrir as normas

c ó n s e t u d i nárias e transformá-las em leis. As leis, para esta

escola, estão a serviço do direito, mas não se identificam

com ele. Ao jurista, cabe o papel de "representar o povo".

Segundo Savigny, os juristas exercem uma dupla função: "la

una, creadora y directa, pues reuniendo em si toda la

actividad intelectual de la nación, desenvuelven el Derecho

como representantes de esta nación: la otra, puramente

científica, pues se a p o d e r a n dei Derecho, cualquiera que sea

su origen, para recomponerlo y traducirlo en una forma

lógica". ( 09 )

Como se vê, para Savigny, a função do jurista é

bem específica: criar aquilo que mais tarde será chamado de

"construção jurídica", ou seja, desenvolver, de forma

cientifica, os postulados jurídicos com o objetivo de

esclarecer o texto legal, afastando, assim, os elementos

dúbios. Surge, desta forma, a chamada ciência jurídica.

A terceira contribuição de Savigny ao estudo do

direito consiste em reconhecer seu elemento filosófico, que

aqui nada tem de s e m e l h a n t e com o sentido que lhe atribuíra

a escola anterior, pois refere-se ao componente sistemático

da c i ê n c i a j urídica, apontado pela escola histórica.

24
Karl Larenz, no s e u livro "Metodologia da Ciência

do Direito", explicita bem esta questão: "No elemento

filo s ó fic o da ciência do Direito não deve, pois,

subentendei— se a aceitação de quaisquer princípios

jusnaturalistas, mas apenas a direção caracetrística da

própria ciência do Direito, no sentido de uma u n id a d e

im anente pressuposta por esta ú ltim a , direção que, segundo

Savigny, é comum a ciência do direito e à filosofia. Neste

s e n t i d o se diz também no S i s t e m a , que a forma científica que

se dá aspira a "r e v e l a r e a a p e rfe iç o a r sua -u nid a de

in te rio r" e que, nessa a s p i r a ç ã o , ou s e j a , enquanto p r o g r i d e

de modo s is te m á tic o , se ap aren ta à filo s o fia a c iê n c ia do

D i r e i t o “. ( 10 )

Portanto, a tarefa do jurista está centrada em

dois níveis: um, empírico, que consiste em identificar a

consciência j u rídica da nação, e um o u t r o , sistemático, que

consiste em formular os conceitos jurídicos e ordená-los

logicamente, a p a r t i r d e um a p r i o r i obrigatório: a idéia da

história como definidora dos conceitos.

Para Savigny, o jurista deve trabalhar

considerando dois dados fundamentais: o simultâneo e o

sucessivo, ou o historicamente dado e o atualmente

existente. Dos princípios resultantes desta combinação é que

25
deve o jurista identificar e deduzir suas regras de

interpretação da lei.

0 conceito de in te rp re ta ç ã o da le i também foi

discutido pela Escola Histórica. Para Savigny, a

interpretação é "una operación intelectual que tiene por

objeto el reconocimiento de la ley en su verdad" ( 1 1 ).

Cabe, ao juiz, executar a lei, extrair somente o conteúdo

do mandato estatal. Para isto o intérprete pode recorrer aos

rnetodos logicos, gramaticais, sistemáticos, ou históricos,

m a s é, principalmente, nos ú l t i m o s - d o i s que se dev e cen trar.

A HG c o nsidera i n e g á v e i s as c o n t r i b u i ç õ e s da e s c o l a

histórica. Não discute o fato desta ter situado as b a s e s da

ciência jurídica atual, mas aponta algumas críticas

iniciais. Em primeiro lugar, critica Gil, a falta de

consideração para com a F ilo s o fia do D i r e i t o , que conduz ã

"fé cega" dos juristas históricos nos fatos, mesmo que

respaldados historicamente. Entende ele que se abstraiu dos

juristas qualquer possibilidade de analisar criticamente os

fatos, de discutir o conteúdo do direito. C o nfu nd e-se, na

sua o p in iã o , o real com o id e a l, im p ed ind o o progresso do

d ire ito .

Por conseqüência, nega-se ao direito sua

vinculaçâo com a moral, que não serve mais como critério

valorativo do direito, como acontecia no jusnaturalismo.

26
Critica, tambem, a escola, porque não reconhece que as

expressões "espiritu dei p u e b l o , la convicción jurídica, la

conciencia nacional no representam sino una generalización

de los hechos obtenida por vía inductiva (...) haciendo que

cualquier contenido que formalmente se manifieste como

jurídico hay q u e reconocerlo como tal". ( 12 )

Finalizando, lamenta Gil que a escola histórica,

podendo ter resultado em um sociologismo jurídico, resulte,

contrariamente, num n o r m a t i v i s m o e num dogmatismo, até hoje

não reno v a d o .

1 .2 .2 . J h e rin g e a J u r is p r u d ê n c ia dos C o n c e i t o s

0 caráter do positivismo e o da dogmática, podem

ser assim explicitados: " no h a y más Derecho que el q u e cada

ordenamiento jurídico impone como tal; m i s i ó n de la ciência

jurídica es investigar los materiales concretos

suministrados por aquél y elaborarlos, formando una unidad

sistemática, mediante procedimientos lógicos". (13 )

A partir de S a v ig n y e da escola histórica, o

fenômeno jurídico e o papel dos juristas têm seu âmbito

redefinido. 0 primeiro fica delimitado ao ordenamento

jurídico de cada país; o segundo, mantém-se atrelado a este

ordenamento e deve formular um sistema de proposições

27
unitário e coerente, aceitando o estabelecido pelo

ordenamento jurídico como dogma. 0 resultado desta operação

lógica é uma “c o n s t r u ç ã o jurídica d o g m á t i c a “, e l a b o r a d a a

p artir do material fornecido pelo direito positivo que passa

a formular conceitos gerais e abstratos, os quais integram-

s e e n t r e s i, formando um sistema.

A construção deste sistema lógico, que reúna todos

os conceitos jurídicos e, ainda, que organize a partir de

uma unidade superior e o mais abstrata possível é, de o r a em

diante, a obrigação da ciência jurídica, que passa a ser

denominada pelos teóricos de dogmática jurídica ou

jurisprudència dos conceitos. (14 )

0 auge do desenvolvimento do método dogmático ou

da jurisprudência dos conceitos encontra-se, no P rim e iro

Jh e rin g , c o m o vem sendo denominada a fase na q u a l este autor

alemão dedica-se ao estudo da ciência jurídica como

construção conceituai.

0 trabalho de Jhering caracteriza-se pela sua

tentativa de querer contribuir, com "certa ordem", ao

trabalho dos juristas na formulação da construção jurídica.

A s s im , p o d e -s e d iz e r que S a vig n y constrói a d o g m á t ic a , e

Jh e rin g fo rm u la s e u s m étod os .

28
Para Jhering, "Toda la tarea de la técnica

jurídica se comprendía en dos fórmulas que resumen los

medios en cuya virtud conquista el jurista el dominio

intelectual sobre el derecho: simplificación cuantitativa y

s i m p l if i c a c í ó n cualitativa. He aqui el arrnazón en que se

encierran todas las operaciones a d e s a r r o l l a r ". ( 15 ) A

primeira consiste numa simplifícação dos elementos

jurídicos, de forma q u e e l e s p o s s a m ser reduzidos a unidades

m ín im a s , formando o que ele mesmo chama de "alfabeto do

direito".

Logo após a desconstituição, os elementos devem

ser recompostos conforme uma nova ordem lógica, sendo que um

elemento pode unir-se a outros diferentes e resultar

inúmeras proposições diferentes. O re s u lta d o d esta

re co nstrução sã o as in s titu iç õ e s ju ríd ic a s ou corpos

ju ríd ic o s , na denom inação do p ró p rio Jh e rin g , numa c la ra

a p ro x im aç ã o d as c i ê n c i a s j u r í d i c a s às c i ê n c i a s n a tu r a is .

A simplificação qualitativa, é a operação mais

importante caracterizando a atividade jurídica como um

método. Esta operação é regida por "leis" que a tornam

diferente das demais. Estas leis são: aplicação direta ao

direito positivo; unidade sistemática e beleza jurídica. 0

resultado deste processo é o c h a m a d o sistema, o mais elevado

grau da ciência jurídica.

29
Para Gil, o maior problema de Jhering consiste no

caráter altamente tecnicista de toda esta operação e os

resultados que podem dela transcorrer. Gil que nesta etapa

demonstra inclinações ou preferências teóricas pela

sociologia, mas com influências j u s n a t u r a l i s t a s , não aprova

as idéias de Jhering. Embora reconheça suas contribuições,

com a formulação teórica do método dogmático, somente pode

conceber a c iê n c ia ju ríd ic a como uma c iê n c ia s o c ia l e ao

ju ris ta como c ie n tis ta s o c ia l, v o lta d o a os p ro b le m a s do

múndo. D iz ele: "El jurista, en cambio, en todo momento,

tanto en la esfera práctica como en la e s f e r a de la teoria,

esta manejando una matéria que tiene, no sólo un destino,

sino un c o n t e n i d o humano, moral y social; y el t r a t a m i e n t o a

que se le s o m e t a no p u e d e darse aqui como cierto lo q u e es

para las ciências fisicas; y la ciência juridica debe

tratar, fundamentalmente, dei pro b l e m a de la J u s t i ç a " . ( 1 6 )

1 .2 .3 . K e lse n e o N e o p o s itiv is m o J u r í d i c o

"0 neopositivismo penetrou na teoria jurídica

através da chamada "filosofia analítica". 0 projeto de

construção de uma linguagem rigorosa para a ciência foi

a d aptada ao d i r e i t o por Hans K e lsen (Teoria Pura do Direito;

4-3 E d . ) e Norberto Bobbio (Ciência do Direito e Análise da

Linguagem). (...) 0 neopositivismo jurídico é uma meta-

teoria do direito, pois, ao contrário do positivismo

30
legalista dominante na t r a d i ç ã o jurídica (que c o n f u n d e lei e

direito), propõe uma ciência do direito como uma meta-

linguagem distinta de seu objeto, o direito (as n o r m a s ) " .

( 17 )

0 neopositivismo (em g e r a l ) surge dos debates travados

em torno ao "Circulo de Viena" e tem como fundamento a

recusa total da metafísica, por considerar as proposições

elaboradas pela mesma, carentes de sentido, pois não podem

ser verificadas e nem possuírem uma significação lógica,

jamais podendo ser c o n s i d e r a d a s como científicas.

Para o neopositivismo lógico, a ciência passa a

ser análise da linguagem e a construção de enunciados

analíticos verdadeiros por serem tautológicos ou empíricos.

Esta forma de tratar a ciência produz uma renovação

metodológica onde a ciência jurídica passa a conceber-se,

também, como análise de linguagem normativa.

Dentre os juristas que se preocuparam èm

desenvolver os métodos Positivista-Normativistas, foi

Kelsen, como já observado, sem dúvida, o maior expoente a

tentar construir uma t e o r i a q u e p r o c u r a s s e c o n h e c e r o o b j e t o

jurídico, a partir dela mesma, sem a i n t e r f e r ê n c i a de o u t r o s

campos do conhecimento.

31
Kelsen não r e p r e s e n t a , exatamente* uma r u p t u r a com

os postulados da Escola Histórica, porém um grau mais

elevado e mais intenso. Coloca ênfase no normativismo e

preocupa-se com a construção da teoria pura do direito. Sua

teoria tem como ponto chave o enfrentamento do

jusnaturalismo e dos positivismos anteriores, pois, na sua

opinião, ainda guardam resquícios jusnaturalistas.

A teoria elaborada por Kelsen pretende ser uma

teoria geral sobre o direito positivo, sem atentar para as

o r d e n s j u r í d i c a s p a r t i c u l a r e s e, pretende, ainda, libertar a

ciência jurídica de todas as influências extra-juridicas_

Assim diz Kelsen: "Quer isto dizer que ela pretende liberar

a ciência de t o d o s os elementos que lhe são estranhos. Esse

é o seu princípio metodológico fundamental". (18 )

Kelsen delimita o o b j e t o da Teoria Pura do D i r e i t o

ao d ire ito p o s itiv o em g e r a l , e não ao ordenamento j u r í d i c o

c o n c r e t o de cada p a í s . P r o p õ e - s e a analisar o direito na s u a

form a , como este parece nas diversas ordens jurídicas

nacionais, porém, desconhece o seu conteúdo material, ou

seja, não se importa com o que ele regula, mas como ele

regula, pois é somente assim que se apresenta como uma

constante nos ordenamentos jurídicos, mesmo que o conteúdo

deste ou daquele ordenamento seja variável.

32
Para atingir seu ideal d e Jpurezar; ^ I S f e o r ia P u r a d o

Direito obriga-se a isolar o direito de todos os elementos

que não lhe são inerentes. A primeira distinção a fazer é

separar "Direito e Natureza" sob a alegação de que, pois

mesmo que participe da vida do Homem, não pode ser aquele,

entendido como um f e n ô m e n o natural. As c i ê n c i a s da natureza,

dizia Kelsen, respondem ao princípio da causalidade e

localizam-se na ordem do ser. As c iê n c ia s n o r m a t iv a s , e é

somente assim que ele concebe uma ciência jurídica pura,

respondem ao princípio da imputação e pertencem à ordem do

devei — s e r .

Kelsen exclui, portanto, do seu campo de

conhecimento os fatos naturais, ou a esfera do ser, para

delimitá-lo somente nas normas jurídicas. P a ra o autor, em

p rin c íp io , norma é um a t o da v o n ta d e humana que s e d irig e ,

in te n c io n a lm e n te , à c o n d u ta de outrem . Isto quer dizer que

alguém, de a c o r d o com a vo nt a d e de qu e m poe a norma, d e v e ria

comportar-se, ou seja, a sua conduta deveria ser tal, ou

qual. Mas a norma j u r í d i c a também s i g n i f i c a , p ara K e lse n , "o

s e n tid o o b j e t iv o de um a t o de v o n t a d e " , ou s e j a , e la d o t a de

s ig n ific a ç ã o ju r íd ic a um a t o da v o n ta d e humana, a trib u íd o um

s e n tid o ju ríd ic o (ou o b je tiv o ) a um a to de v o n ta d e

s u b je tiv o . Assim, a norma funciona como um esquema de

interpretação. Por outras palavras: "o juízo em que se

enuncia que um ato de conduta humana constitui em ato

jurídico (ou a n t i j u r í d i c o ), é o resultado de uma

33
interpretação específica, a saber, de uma interpretação

normativa". (19 )

Kelsen distingue, num segundo momento, o direito

da moral, apesar de esta também ser uma ordem normativa, da

conduta humana. Ao separar os dois, Kelsen obtém,

sinteticamente, os seguintes resultados: o direito é

d i f e r e n t e da mor a l , p o is possui um s is t e m a de c o e r ç ã o s o c i a l

o r g a n iz a d o , enquanto que as sanções morais consistem apenas

na aprovação ou reprovação social. Kelsen não nega a

importância, de o direito possuir um conteúdo moral ou ser

justo, porem afirma, categoricamente, que se não for assim,

não de i x a r á de ser direito.

0 autor austríaco constrói sua teoria baseado num

aparelho conceituai e lógico que o leva a considerar o

sistema normativo como dinâmico, auto-regulado e completo,

cujo fundamento último de validade é a forma fundamental. É

dinâmico e auto-regulável, pois a criação de novas normas

pressupõe a aplicação das n o r m a s já e x i s t e n t e s .

No sistema Kelseniano também não há lacunas e,

constitui-se numa ordem gradual na q u a l uma n o r m a s u p e r i o r é

o fundamento de; v a l i d a d e de outra inferior, até chegar ao

apice onde a validade é dada pela norma fundamental, de

caráter hipotético, não s e n d o posta, mas pressuposta.

34
A última consideração que nos interessa fazer

sobre a teoria Kelseniana diz respeito à relação

validade/eficácia. Diz Kelsen que uma norma não é válida,

porque e eficaz, mas sim porque pertence a uma ordem

.jurí di ca q u e e e f i c a z numa c o n s i d e r a ç ã o global.

AHG inicia suas críticas, afirmando que a T.P.D.

possui "aparentes átracticos". Para ele, o autor da obra

ergue ainda mais rigidez formal do que os métodos

posítivistas-construtivistas-dogmáticos, quando nega,

conjuntamente, os ideais do direito e os fatos. Considera

que, ainda que seja uma t e o r i a f i l o s ó f i c a , tem o a t r a t i v o de

interessar somente ao jurista.

No entanto, Gil não pode ser considerado um

"seguidor" de Kelsen. Suas críticas são muito mais enfáticas

que os elogios. A principal provém do desprezo de Kelsen

pelo conteúdo do direito considerando-o vazio, carente de

ideais e possibilitando, com isso, que todo e qualquer

conteúdo possa ser jurídico.

0 segundo ponto de discordância encontra-se na

chamada c r i a ç ã o do o b j e t o . G i l acredita impossível a criação

absoluta do objeto, mesmo que seja pela teoria do

conhecimento. Para ele, Kelsen recai num racionalismo algo

diferenciado do jusnaturalista, pois a ciência jurídica não

35
"pensa" o direito, senão que o constrói a partir de juízos

sintéticos, "a p r i o r i " .

Por último, critica Gil o desconhecimento de

Kelsen sobre o que seja. a sociologia jurídica. Kelsen, na

sua opinião, vê~la~ia de um modo profundamente positivista,

p r e t e n d e n d o e x p l i c a r os f e n ô m e n o s s o c i a i s de forma natural e

causual, desconhecendo o âmbito cultural do direito. Enfim,

para AHG a T.P.D. "E s un método, un modo de pensar, que ha

quedado, como tantos métodos, en metodologia y en teoria de

la c i ê n c i a " . (20 ) .

1 .2 .4 . A P o s i ç ã o de G i l

/ •

Ao longo da exposição sobre os métodos

positívístas-normativistas-dogmáticos, foram apresentadas

algumas das posturas criticas que AHG lhes mantém. Neste

momento, cabe retomá-las em conjunto, esboçando o pensamento

c r i t i c o do autor, com referência a estes métodos.

Gi l atribui ao positivismo, a exclusão da

Fri l o s o f i a do Direito, no âmbito de estudo do fénômeno

jurídico. Q u a lific a a F ilo s o fia do D ire ito como

"i m p r e s c i n d í v e l ", a trib u in d o -lh e a fu n ç ã o de ap re se n ta r

c rité rio s v a lo ra tiv o s p a ra o ju ríd ic o . Diz Gil que "El

jurista, aunque investigue un determinado Derecho positivo,

36
no p u e d e prescindir de unos principios fundamentales que no

siempre los extrae, por via i n d u c t i v a dei texto legal y que

marcari s u línea de conducta con respecto a éste". (21 )

Para Gil, estes princípios fundamentais somente podem ser

fornecidos pela Filosofia do Direito.

Também considera que o maior equívoco do

positivismo é o desprezo pelo conteúdo do direito, do qual

acabaou decorrendo um e x t r e m o f o r m a l i s m o jurídico.

Gil propõe a união necessária entre o elemento

intrínseco (o conteúdo) e o extrínseco ( a forma) do

direito, para a sua configuração, pois a matéria que

preenche a norma jurídica é do â m b i t o social, mas, ao passar

a configurar a realidade jurídica, não pode deixar de ser

considerada, pois não é m a i s uma m a t é r i a extrajuridica.

Também, para Gil, "El Derecho no es mero reflejo

de lo dado; no reproduce, sino que ordena; no copia, sino

que formula, Actúa en relación con una realidad social dad;

pero i m p r i m e d i r e c c i o n e s ". ( 22 )

G il a c re d ita que o d ire ito a tu a em duas fre n te s:

uma que r e g u la d e te rm in a d a s cond u tas ou s i t u a ç õ e s já dadas,

a ou tra que impõe como devem s e r d e t e r m in a d a s c o n d u t a s , não

se lim ita n d o ao estad o s o c ia l, mas a lc a n ç a n d o um d e se jo

s o c ia l.

37
O professor espanhol atribui ao direito uma

finalidade eminentemente prática. Para ele, o direito tem

uma e x p r e s s ã o s o c i a l muito específica: "cuida de r e g u l a r las

relaciones entre éstos (los hombres), de determinar sus

derechos y sus deberes, de limitar el alcance de sus

deberes, l i m i t a r el alc a n c e de sus actos y la m e d i d a d e s u s

i n t e r e s e s e n el c o n c r e t o de. la v i d a social". ( 23 )

A característica primordial do pensamento do autor

neste momento p o d e -ser assim apresentada: o direito é sem

duvida, norma vinculante. Porém, esta é apenas sua primeira

dimensão. 0 fundamental é o conteúdo do direito, que encerra

sua dimensão humana e social. Desprezar esta parte do

direito e esquecer seu lado moral, espiritual e social, que

para Gil, são o único sentido possível do direito.

1 .3 . Método S o c i o l ó g i c o

1 .3 .1 . O S o cio lo g is m o J u r í d i c o

A terceira grande concepção do direito é a

chamada, por A H G , de H is tó ric o - S o c io ló g ic a - R e a lis ta . É

considerada positivista como a anterior, mas com uma

variável: o positivismo das normas jurídicas é substituído

38
pelo positivismo dos fatos. Entende que mais importante do

que as normas jurídicas e a realidade social, "o e s p í r i t o d o

povo", a organização econômica, etc. 0 sociologismo concebe

o direito não com o uma idéia ou princípio, ou muito menos

como normas isoladas, mas como um fa to s o c i a l .

0 direito como objeto de estudos sociológicos

apresenta-se a partir de dois ramos diversos. Um, como ramo

propriamente dito da sociologia - a chamada sociologia

jurídica. Este estudo é realizado pelo sociólogo, a partir

da constatação da presença do direito na sociedade, seus

efeitos e conseqüências. Neste prisma, o direito é visto

somente corno um fato social. Segundo Larenz, "a sociologia

do direito investiga os fatos sociais s u b j a c e n t e s ao direito

sem ter em vista a a p l i c a ç ã o prática de seus resultados pela

magistratura". ( 24 )

O outro ramo, que se constitui num t e m a d i v e r s o da

sociologia jurídica é o S o c io lo g is m o J u ríd ic o . Este

representa a análise do direito somente a partir do método

sociológico, que consiste na observação, análise e

comparação dos fatos. 0 resultado deste processo leva a

conceber o direito somente como um produto da vontade

social. Isto representa, em resumo, uma recusa ampla do

jusnaturalismo como critério valorativo do conteúdo moral do

direito e do positivismo normativista, que se nega a

vincular o d i r e i t o â s o c i e d a d e onde se alberga.

39
Aurélio Wander Bastos (25 ) aponta Léon Duguit

como o mais importante jurista sociologista e o fundador

desta nova disciplina. A partir dele inicia-se o famoso

"culto aos fatos" dos s o c i o l o g i s t a s , aos quais, para eles, o

direito está, integrado. Para D u g u it, todo o pro blem a do

d ire ito lo c a liz a -s e no â m b it o s o c i a l .

Duguit separa dois tipos de normas: as normativas

e as cons tr ut iva s. As primeiras representam o direito, pois

estão localizadas na s o c i e d a d e e tem o poder de regular e

manter em ordem a vida dos indivíduos, a partir de dois

princípios: a solidariedade social e a justiça. A

justificativa para o direito encontra-se, também, na

sociedade, quando constata a necessidade desta

regulamentação. 0 direito deixa de ser uma idéia, ou somente

uma n orma hipotética e passa a representar uma p o s s i b i l i d a d e

de uma s o c i e d a d e s o l i d á r i a e justa.

Enquanto as primeiras detêm esta importância, as

construtivas passam a significar apenas as regras

reguladoras dos processos de aplicação e, potencialmente,

p odem evitar o uso i n c o n d i c i o n a d o da força, na m e d i d a e m q u e

n o r m a t i v i z a m as regras normativas.

O segundo momento dos métodos s o c io ló g ic o s

e n co n tra-se em Eugen E h r lic h , um positivista sociológico.

40
Karl Larenz aponta para a importância de Ehrlich, dizendo

que este autor foi o primeiro a negar a dogmática jurídica

como sendo a ciência jurídica por excelência, pois ao

desprezar os fatos e a realidade social, não é capaz de

fornecer conhecimentos sobre direito. ( 26 )

Ehrlich possui, apesar disso, aspirações

semelhantes às Kelsenianas: a construção de uma ciência

autônoma do direito, porém negando os "métodos

construtivos". Para ele, somente a sociologia jurídica pode

atingir este feito: sem fundar-se em palavras, pode, através

da observação dos fatos e da análise dos mesmos, construir

p o s t u l a d o s c i e n t í f i c o s puros.

0 autor alemão diferencia, também, dois tipos de

normas jurídicas e, por sua vez, acaba por reconhecer dois

tipos de ciências jurídicas. As primeiras são as normas de

d e c is ã o . São aque l a s das quais os t r i bunais devem ocupar-se,

para fornecer uma solução aos problemas. Deste tipo de

normas ocupa-se a jurisprudência prática. 0 segundo tipo de

normas jurídicas s ã o a s normas de c o n d u t a , c o n s i d e r a d a s c o m o

o verdadeiro direito, e têm a incumbência de regular o

comportamento dos homens. Destas normas ocupa-se a ciência

jurídica autônoma, de caráter sociológico, que deve, ainda,

"fornecer a base científica para a jurisprudência prática".

( 27 )

41
AHG encerra suas idéias sobre Ehrlich, dizendo:

"L a concepción sociológica de Ehrlich, tiene además, otras

significaciones. E h r l i c h c o n s i d e r a al d e r e c h o d e la s o c i e d a d

como negación y antítesis dei Derecho individual; todo el

derecho, i n c l u s o el privado, es social; la v i d a no reconoce

al indivíduo como un se r único y singular separado de toda

conexión; y de igual modo al derecho le es extranho ese

ser"- (28 )

1 .3 .2 . R e visã o C r í t i c a do S o c i o l o g i s m o # p o r AHG

Para Gil, o sociologismo jurídico detém uma

importância chave, na m e d i d a e m q u e s e c o n s t i t u i na p r i m e i r a

critica relevante e e x p r e s s i v a ao positivismo jurídico. Esta

crítica estende-se somente ao "conteúdo" do positivismo, ou

seja, ao fato deste ser normativista e formalista, mas é o

primeiro momento, ou o momento necessário no caminho, para

questionar o positivismo jurídico.

0 sociologismo jurídico, contrariamente ao

positivismo jurídico Cem que importa o aspecto formal),

ressalta o aspecto material, ou de conteúdo fático do

direito. Portanto, só será direito para o sociologismo

aquele que se "realiza", aqueles fatos sociais configurados

como direito, o que para Gil, acentua o principal problema

do sociologismo jurídico.

42
Gil náo nega que os fatos sociais são a melhor

base para a conformação do direito, mas não podem, segundo

ele, ser a única referência, i m p o n d o - s e a n e c e s s i d a d e de ir-

se além. Para o p ro fe s s o r e sp a n h o l, é fundam ental separar o

fa to s o c ia l do fato ju ríd ic o , somente p o s s ív e l a p a rtir de

co n s id e ra ç õ e s e fe tu ad a s p o r um método j u r í d i c o com c o n te ú d o

v a lo ra tiv o , e não p o r um método em inentem ente s o c i o l ó g i c o . A

constatação do jurídico leva à apreciação do poder

vinculante deste fato, como conteúdo da norma jurídica, é

preciso, então, num p r i m e i r o m o m e n t o , c o n j u g a r os dois.

Ha uma terceira constatação fundamental a

levantar, mesmo considerando o direito como originário dos

fatos sociais, mas não reduzido somente a ele. t p re c is o ,

p a ra G il, uma in v e s tig a ç ã o s o c io ló g ic a , que s e ria a fo rça

o rig in á ria do d ire ito , mas com a e s p e c u la ç ã o filo s ó fic a de

caráter ju s n a tu ra lis ta , p a ra v a lo ra r e ste s fa tos, c on form e

p a d rõ e s de m oral e ju s tiç a . Para Gil, a configuração do

direito resulta deste trabalho. Diz ele " (...) nosotros

sostenemos que lo que no cabe hacer es reduzir la

investigación jurídica a investigación sociológica. Así como

a la sociologia, en sí, no puede concedérsele el rango de

especulación fil os ó f i c a o de e x p l i c a c i ó n c i e n t í f i c a c o m p l e t a

y c o n c 1 u y e n t e , así tampoco es admisible que suplante a la

filosofia y a la ciência dei Derecho. En cambio, puede

43
c o n v i v i r con ellas en recíproca comunicación e i n t e g r a c i ó n ".

(29 )

44
NOTAS

(01) GIL, Antonio Hernández. M e t o d o lo g ia de la C ie n c ia del

derecho. Vol I. Madrid. Ed. Uguina. 1971. p. 32.

( 0 2) GIL, op. cit. p. 36.

( 0 3) GIL, op. cit. p. 39.

(04) GIL, op. cit. p. 43.

(05) B 0 B B I 0 , N o r b e r t o . S o c ie d a d e e E s ta d o na F i l o s o f i a

P o lític a Moderna. Trad. Carlos Nelson Coutinbo. São

Paulo. Ed. Brasiliense. 1979. p. 14-15.

( 0 6) _______________- El p ro blem a d e l p o s itiv is m o

ju ríd ic o . Trad. E r n e s t o G a r z ó n Valdés. Buenos Aires.

Ed. EUDEBA. 1965. p. 71.

(07) GIL, op. cit. p. 51-52

( 0 8) G I L , op. cit. p. 6 7.

( 0 9) GIL, o p. cit. p. 101.

45
(10) L A R E N Z , Karl. M e to d o lo g ia d a C i ê n c i a do D i r e i t o . Trad.

Jose Lamego. Lisboa. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian.

1983. p. 10.

( 11 ) G I L , op. cit. p. 110.

( 12 ) G I L , op . cit. p. 126.) LARENZ, coloca a jurisprudência

dos c o n c e i t o s de Puchta abriu, definitivamente, a

separaçaão entre a ciência jurídica e a realidade,

preparando o terreno para o formalismo, op. cit. p. 25.

(1 3 ) G I L , o p . c i t . p . 134.

(14) G IL, op . cit. p. 151.

(15) GIL, op. cit. p. 153.

( 16 ) G I L , op. cit. p. 144. Neste momento, não se po d e

esquecer, também, do nome de W ind sc h e i d , q u e f oi o

marco dec i s i v o para a c o n f o r m a ç ã o do formalismo, ao

conceber o Direito, ao mesmo tempo, enquanto lei e

vontade racional. Larenz, op . cit. p. 31.

(17) R O C H A , Leonel Severo. " M a t r i z e s T e ó r i c o - P o l í t i c a s da

Teoria Jurídica Contemporânea". S e q ü ê n c ia . nQ 24. Ed.

UFSC. S e t e m b r o 1992. p. 14.

46
(.18) K E L S E N , Hans. T e o ria Pura do D i r e i t o . 4 ã e d. Tradução

João Batista Machado. Coimbra. Ed . Armênio Amado. 1979.

P.. 1 7 ..

(19) K E L S E N , op. c it . p . 20.

(20) GIL, Antonio Hernández. C o n c e p to s J u r í d i c o s

F u n d a m en tales . M a d r i d . E d. E s p a s a - C a l p e . 1987. p. 204.

(21) GIL, Metodologia, p. 187. '

(22) GIL, op. cit. p. 190.

(23) GIL, op. cit. p. 192.

(24) L A R E N Z , op. cit. p. 74.

(25) BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à T e o r i a do

D ire ito . Rio de Janeiro. Ed . Liber Juris. 1992. p. 19.

(26) L A R E N Z , op. cit. p. 74.

(27) L A R E N Z , op. cit. p. 74.

(28) GIL, M e t o d o l o g i a , p. 284.

(29) GIL, M e t o d o l o g i a , p. 289.

47
C A P Í T U L O II

"AS PREOCUPAÇÕES EPISTEMOLÓGICOS:


A CIÊNCIA JURÍDICA TRADICIONAL“

48
C a p ítu lo II

"AS PREOCUPAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS:


A CIÊNCIA JURÍDICA TRADICIONAL “

2 .1 . A R e v is ã o da C i ê n c i a J u ríd ic a

Logo após d e s e n v o lv e r suas p re o c u p a ç õ e s com os

métodos ju ríd ic o s , G il depara-se com a n e ce s s id a d e de

re p e n s a r o d ire ito e o saber que lh e é r e la tiv o . Este fato

decorre de suas constatações sobre a disparidade existente

entre a importância que o direito assume na sociedade e o

49
descaso com que è tratado pelo saber científico. Começa,

n e s t e momento, sua e t a p a c r i t i c a .

0 abandono das suas preocupações metodológicas

representa uma " v ir a d a " nos rumos de seu pensamento. 0

professor espanhol, a partir daí, centra seus tra b a lh o s no

saber ju ríd ic o , p re o c u p a d o , fu nd am entalm ente, com o rig o r

c ie n tífic o e a e s p e c ific id a d e da c i ê n c i a ju ríd ic a .

Gil parte, para tanto, da seguinte análise: o

saber dominante e protótipo do d i r e i t o constituiu-se há d o i s

séculos, a partir de S a v i g n y e d a E s c o l a Histórica, e, ainda

hoje, permanece quase que inalterado. Por isto, crê haver

uma necessidade pendente e urgente de uma revisão no

conhecimento jurídico, com vistas à sua transformação e

renovação.

No entanto, o autor acredita que, dificilmente,

pode-se esperar uma "revolução" neste campo, mas constata

também, com grande tristeza, que o saber acerca do direito

ainda está longe dos p r o g r e s s o s feitos por outros campos das

ciências sociais.

G il de se ja a lte ra r e sta s itu a ç ã o . Torna-se

n e c e s s á rio , p a ra e le , p ro d u z ir uma nova forma de saber

ju ríd ic o que m o d ifiq u e o estad o da c iê n c ia ju ríd ic a e,

conseq u entem ente a p rá tic a ju ríd ic a . Ele contempla, com

50
certa admiração, o exemplo da lingüística e da a n t r o p o l o g i a ,

que; u l t r a p a s s a r a m as barreiras do seu objeto e conseguiram

enormes avanços no c a m p o e p i s t e m o l ó g i c o _

O problema, para AHG, encontra-se numa letargia

que acompanha a ciência do direito, também chamada de

ciência do direito "tradicional", mas que, segundo ele,

devido à sua permanência no t e m p o e à i n e x i s t ê n c i a d e o u t r o s

tipos de saberes que produzam o seu deslocamento, também

pode ser considerada como ciência jurídica "moderna".

P o rtan to , rever a c iê n c ia ju ríd ic a torn a-se uma n e c& s s id a d e

que não pode m a is e s p e r a r .

A tentativa de abandono e crítica do saber

dogmático, para Gil, conta com duas posturas diferentes: a

re s ig n a ç ã o e a in s a tis fa ç ã o (0 1) , por parte dos juristas

entregues à crítica.

R e s ig n a d o s são aqueles juristas que renunciam à

procura de um novo saber sobre o direito, por acreditarem

que já se e s g o t a r a m todas as p o s s i b i l i d a d e s de superação, de

avançar até outras frentes. Os juristas resignados, segundo

Gil, tendem ao "retorno". Procuram resolver os problemas da

ciência jurídica, somente à p r o c u r a da d e c i s ã o mais j usta ou

adequada dos conflitos, ou , ainda, usando a tópica e da

teoria da argumentação.

51
I n s a tis fe ito s são aqueles que, tanto se recusam a

esquecer o problema da transformação da ciência jurídica,

quanto a resolvê-los sob postulados científicos que não

representam uma nova alter n a t i v a para o saber jurídico.

AHG define-se como um jju ris ta in s a tis fe ito e

s o c ia lm e n te p re o c u p a d o . Recursa-se * a crer que a ciência

jurídica haja esgotado todas as possibilidades de

transformação, que o próprio saber sobre si mesma não seja

constituído do mais elevado rigor científico e que, ainda,

este esteja condenado a estar sempre a t r e l a d o a uma f o r m a de

conhecimento paradigmático dominante, como representam as

três concepções fundamentais do direito, ou às forças

políticas e ideológicas, ocultando, assim, o próprio

di r e i t o _

Os motivos que norteiam o autor espanhol nas suas

investigações, podem ser assim colocados: procu rar uma

p e rs p e c tiv a te ó ric a que supere o p a d rã o tra d ic io n a l de

c iê n c ia ju ríd ic a e e n c o n t r a r a e s p e c i f i c i d a d e do d i r e i t o e a

autonom ia da c iê n c ia ju ríd ic a , que as três g ra n d e s

c o n c e p ç õ e s ou e s c o l a s j u r í d i c a s não conseguem r e s o l v e r .

2 .2 . C o n c e i t o de D i r e i t o

52
"E n n i n g u n a o c a s i ó n , a l o l a r g o d e mi vida, p o r mi

propia iniciativa, me he d e c i d i d o a e n f r e n t a r m e , en t é r m i n o s

generales, con el concepto o la definición dei Oerecho. Lo

considero demasiado solemne y ambicioso. Quizá innecesario.

Los juristas nos desenvolvemos, claro es , en el seno dei

Derecho y hacemos c u e s t i ó n de c u a n t o en él s e e n c i e r r a y de

èl m i s m o - No obstante, he s o l i d o s e n t i r c o m o una r e s i s t e n c i a

a decir globalmente qué es y cómo es. Son tantos sus

sentidos, sus matices, las posiciones ideológicas y

filosóficas que lo condicionan, que me ha parecido

preferible, por prudência, por dificultad o por simple

mclinacion, abstenerme. Debo precisar esto. No es temor ni

renuncia. Tampouco inhibición. Incidentalmente, con ocasión

de determinados problemas, he escrito acerca dei derecho e

incluso he i n c u r r i d o e n g e n e r a l i z a c i o n e s . L o q u e no he hecho

nunca ha sido empezar por las b u e n a s un texto que comience

p o r el q u i d i u s ". (0 2 )

Da colocação anterior, resulta claro que Gil nêo

se p r e o c u p o u em formular alguma definição mais pecisa sobre

o q u e se.ja, no s e u parecer, o direito. Sua re c u s a fu nda-se,

p rin c ip a lm e n te , no fa to de achar que todo e q u a lq u e r

c o n c e ito representa, a tr e la i— se à a d oçã o de uma p o s t u r a ou

p on to de v is ta . Prefere mais traçar linhas ou

c a r a c t e r í s t i c a s g e r a i s ao longo de sua obra, do que e n c e r r a r

o fenómeno jurídico num conceito que lhe resultaria

insatisfatório. Cabe ao estudioso, ao desvendar a obra de

53
ü i 1, resalatar estas características de modo a delinear o

sign i f i c a d o do dire i t o p a r a AHG.

Pode~se dizer, em princípio, q u e Gil reconhece, em

alguma medida, o conceito de direito traçado por Norberto

Bobbio. (03) D ire ito , p a ra B o b b io , s e ria o chamado

ordenamento ju ríd ic o . O ordenamento jurídico constitui-se

num c o n j u n t o de normas jurídicas que se relacionam entre si.

Tem por fundamento último de v alidade a " n o r m a f u n d a m e n t a l “,

e constitui-se num s is t e m a ju ríd ic o na medida em que não

possui antinomias (normas que se contradizem entre si, no

mesmo àmbíto de validade) e lacunas (comportamentos não

previstos por normas jurídicas, tornando o sistema jurídico

incompleto). ( 04 )

Num segundo momento, é possível identificai— se, na

obra de Gil, o re c o n h e c im e n to do caráter ordenador e

c o e r c itiv o do d ire ito enquanto conjunto de normas. Para o

professor espanhol, é este caráter que faz com que a

convivência social desenvolva-se conforme as pautas

normativas, e o direito possa propor-se a atingir seus fins

sociais.

Porém, o t r a ç o m ais c a r a c t e r í s t i c o da sua forma de

conceber o d ire ito decorre da sua formação inicial como

jurista prático e socialmente preocupado, que rejeita o

54
estrito normativismo analítico, ao qual prende-se o conceito

de N o r b e r t o B o b b i o .

E le pro põ e-se a pensar o d ire ito a p a rtir d estes

d o is dados: como um c o n j u n t o de normas j u r í d i c a s e como um

in s t r u m e n t o de transform açã o s o c ia l. "Trato de hacer

compatible una concepción positivista en el plano de la

ciência con el reconocimiento de una inmanencia de lo

jurídico". (0 5)

AHG, por seu e n g a jamento social, não pode rejeitar

conexão d ire ito / s o c ie d a d e , como base de reflexão científica.

Ao direito, atribui uma missão corretiva das distorções

sociais; cabe a ele auxiliar na transformação de uma

sociedade marcada pelas desigualdades e diferenças, para uma

sociedade igualitária. Diz Gil: "L a conexión

derecho/sociedad coloca ante nosotros el problema, siempre

planteado y de tan difícil solución, como es el de la

convivência entre los hombres y de l o s p u e b l o s b a j o el signo

de la p a z " . (06)

Para o professor espanhol, "el c a m b i o s o c i a l no es

sólo el resultado d e la negación de orden jurídico dado. Es

también una t r a j e c t ó r i a m a r c a d a d e s d e y p o r el Derecho mismo

que no es el estrecho custodio de u n orden inmóvil, ya que

ha d e hacer suyo el proceso de su revisión transformadora".

( 07 )

55
As p r e o c upações s o c i a i s de A HG f a z e m c o m que, para

definir o direito, ele seja obrigado à recorrer ao c o n c e ito

de r e a liz a ç ã o _ Diz Gil: "Nuestro c o n c e p t o de la realización

es muy amplio. (---) nota de la realización es tan

acusada que, además de contar como efecto, cuenta también

c o m o f a t o r c o n s t i t u t i v o dei Derecho". (08)

Segundo as idéias de Gil, a r e a l i z a ç ã o do d i r e i t o

é pressuposto do p ró p rio ordenam ento ju ríd ic o , já que não

podem e x is tir normas que não se re a liz e m na construção de

re la ç õ e s s o c ia is ig u a litá r ia s . Ao ordenamento jurídico cabe

auxiliar nesta efetiva realização. Mas a realização não é,

p a ra Gil, s i n ô n i m o da a p l i c a ç ã o j u r i s d i c i o n a l . Ao contrário,

a segunda é uma forma limitada de garantir a primeira. Diz

AHG: "Entendemos como realización la total incidência dei

Derecho en la o p e r a t i v i d a d s o c i a l que no s i e m p r e se c a n a l i s a

por los a t o s de a p l i e a c i ó n " (09 )

Com o c o n c e ito de r e a liz a ç ã o , G il in s e re na

concepção de d ire ito , como pressuposto fu n d a m e n ta l, as

pessoas e as re la ç õ e s de c o n v i v ê n c i a , às q u a i s d a rã o o rig e m

a regras re g u la re s de cond u ta, nas q u a is , por sua vez, o

p ró p rio d i r e i t o se r e a liz a rá .

A segunda conexão, essencial para estabelecer o

conceito de direito, para Gil, é a conexão

56
d i r e i to/ lin g u a g e m . D iz AHG: "Las normas jurídicas no

constituyen una de las tantas decibi1idades. Existen en

tanto que son espresiones ligüisticas. La lengua (...) no se

limita a recoger y comunicar lo q u e e s el Derecho, sino que

éste es l e n g u a j e o no es". (10 )

2 .3 . A C iê n c ia Ju ríd ic a T ra d ic io n a l

2 .3 .1 . C o n s id e ra ç õ e s G e r a is

Diante do exposto neste capítulo, ou seja, das

preocupações de AHG para com o direito e o saber a ele

relativo, enfrentou-se a necessidade de definir o seu

conceito de direito, neste momento, impõe-se definir o que

se.ja, p a r a ele, a c iê n c ia j u r íd ic a tra d ic io n a l.

Para AHG, a ciência jurídica tradicional é aquela

forrna d e t r a t a r o direito que provém de S a v i g n y e da Escola

Histórica, formulada, teoricamente, por Jhering e adere-se

ao positivismo jurídico, considerando-a como

instrumentalização científica do mesmo. Para o autor esta

ciência pode também ser denominada de c iê n c ia ju ríd ic a

d o g m á tic a .

57
Dogmática, enquanto vocábulo, liga-se ao sentido

de dogma, ou seja, um p o s t u l a d o irrefutável, no e n t a n t o , na

sua acepção juridica, seu significado é bem mais amplo. Diz

Gil: "La dogmática jurídica, como paradigma o modelo dei

saber acerca dei derecho, es una versión teórica y

metodológica de fondo positivista: el modo de hacer ciência

jurídica cuando ésta quedó centrada sobre el derecho

positivo. (...) Do s s on los s i g n i f i c a d o s f u n d a m e n t a l e s de la

dogmática. Uno es atenerse al derecho positivo, (...) el

otro radica en la. operatividad cognosítiva desarrollada

mediante ia c o n s t r u c c i ó n j u r í d i c a " . ( 1 1)

Também sobre a dogmática, Enrique Zuleta Puceiro

oferece uma significação mais precisa: "La dogmática seria

exposiciòn científica dei derecho positivo: se propone al

derecho positivo como el objeto propio de la tarea dei

jurista - es decir, de la interpretación y la

sístematización - a la vez que se le oculta en su más

estricta concretidad histórica". (12)

Conclui-se, portanto, que a dogmática jurídica,

para Gil, é uma elaboração teórica dos juristas, que se

submetem ao estudo de um determinado direito positivo,

especialmente, ao estudo de uma disciplina jurídica

particular. Importa ressaltar que o submetimento a o qual se

refere o autor "no e s t á c o n s t i t u í d o por la a c e p c i ó n d e algo

i nvariable en función de un d e t e r m i n a d o c o n t e n i d o normativo,

58
sino por el a c a t a m ie n t o in v a ria b le de un derecho que

tem poral y e s p a c ia lm e n t e v a r i a " . (1 3 )

Do acima exposto, Gil retira três conclusões, que

são o ponto de partida para a sua definição de dogmática:

'a) ei c o n t e n i d o normativo es indiferente; b) q u e é s t e q u e d a

sustraido, en su enunciación esencial, a la actividad

desplegada por el jurista; c) que es preciso distinguir

entre el acatamiento en bloque dei sistema normativo y los

dogmas que lo i n t e g r a n " . ( 14 )

Para Gil, há necessidade de se distinguir

d o g m á tica ju ríd ic a de dogmatismo , visto não haver uma

elucidação clara dos termos. A dogmática jurídica, ao

responder a um modelo de construção que tem como objetivo

interpretar as normas jurídicas, resolver as antinomias e

preencher as lacunas, atendo-se ao direito positivo, pode

obedecer a um estrito dogmatismo, mas não necessariamente

p recisa ser assim.

Dogmatismo significa um submetimento total e

irrefletido ao direito positivo, até hoje experimentado

somente na escola exegética, a qual prescinde da

interpretação, devendo o jurista apenas procurar o espírito

do legislador. A dogmática jurídica, ao criar abstrações

sobre o direito positivo, fruto da possibilidade de

1 rit;erpret açã o, a o invés de submeter-se aos dogmas, cria-os.

59
Isto ocorre, porque o direito em si não enuncia

dogmas propriamente ditos. As normas j u r ídicas são, somente,

enunciados lingüísticos que ao carecerem de interpretação

deixam livre um vasto campo para a fixação de um sentido

especial dado pelo jurista. Desta forma, abre-se a

possibilidade de discussão do seu sentido normativo para a

determinação do seu conteúdo, porém exclui-se o estrito

dogmatismo. P a r a Gil, isto abre a possibilidade da dogmática

estabelecer seus próprios dogmas, quando fixa um sentido

para as normas jurídicas.

Tércio Sampaio Ferraz Jr, em seu livro "Introdução

ao Estudo do Direito", define a questão com maior

objetividade. Ao falar sobre a dogmática jurídica, ele

afirma que ela "atende ao princípio básico da in e g a b ilid a d e

dos p o n to s de p a r t i d a I s t o não s i g nifica que a f u n ç ã o dela

consista, somente, nesse postulado, ou seja, que ela se

limite a afirmar dogmas, pura e simplesmente. A dogmática

apenas depende deste princípio, mas não se reduz a ele.

Neste sentido, uma disciplina dogmática, como a jurídica,

não deve ser con s i d e r a d a uma p r i s ã o para o espírito, mas sim

o aumento no t r a t o c o m a e x p e r i ê n c i a normativa. (15 )

2 .3 .2 . Os Traços D e fin i tó rio s da D og m á tic a

J u ríd ic a , segundo AHG

60
AHG apresenta "três" características fundamentais

da d o g m á t i c a jurídica:

I ) Reclamar para si a prioridade do conhecimento

jurídico. Isto quer d iz e r que ela pretende ser a c iê n c ia

ju ríd ic a por e x c e lê n c ia . Isto p orque destina-se à elucidação

do s i g n i f i c a d o das normas jurídicas, com vistas à aplicação

e solução uniformes, da forma mais pacífica possível, dos

litígios. Segundo Gil, isto faz com que ela tenha como

objeto de estudo dois momentos distintos: a s ig n ific a ç ã o

n o r m a t iv a e a té c n ic a ju d ic ia l que se tornam objeto de

reflexão teórica, d e c o r r e n t e da n e c e s s i d a d e da a p l i c a ç ã o .

II) Falta de c o n s c iê n c ia de sua p ró p ria

h is to ric id a d e . Em que pese surgir da Escola Histórica e

admitir a variabilidade do direito positivo e dos dogmas

jurídicos, a dogmática jurídica não tem consciência de sua

própria variabi1idade, tornando-se, e la p ró p ria , um dogma,

en qu a nto método j u r í d i c o .

III) É uma d e s c riç ã o e uma forma de compreensão

das normas j u r í d i c a s , e lim in a n d o a p re s c riç ã o e p re te n d e n d o

uma o b je tiv id a d e c ie n tífic a . Assim, é uma descrição, pois

ocupa-se de prescrições e, mesmo não sendo valorativa,

ocupa-se das valorações n o r m a t i v i z a d a s . Ao mesmo tempo, ao

descrever, descarta a possibilidade de prescrever, pois tem

pretensões de objetividade, e estas descrições recaem sobre

61
prescrições valorativas, que impõem condicionamentos à suas

objetividades cientificas.

2 .3 .3 . O Problema do O b j e t o

A delimitação do objeto da dogmática jurídica,

parece, em princípio, que s t ã o de fácil solução: este seria o

direito positivo de um determinado país. Diz Bobbio: "Ante

todo, hay de precisar cuál es la matéria sobre la q u e actúa

el -jurista: el clamado problema dei objeto de la

.•jurisprudência. La m a t é r i a sobre la q u e actúa el jurista es

un c o n j u n t o d e r e g i a s de c o m p o r ta m ie n to " . ( 16 )

Entretanto, ao abordar a dogmática enquanto

metodo, AHG o faz somente a partir de linhas gerais e

universais que c o n f rontarn com o seu objeto histórico e

espacialmente determinado pela vigência, em um determinado

tempo e em uma determinada comunidade jurídica. É im p e rio s o

re s o lv e r este p a ra d o x o , para p o rta n to , apontar,

r ig o r o s a m e n t e , o o b j e t o de e s t u d o .

A primeira tarefa, seria, então, segundo AHG, a

id e n tific a ç ã o das normas ju ríd ic a s . Esta questão, diz o

professor espanhol, já não representa um p r o b l e m a de d i f í c i l

solução. A codificação delimita a si própria e às fontes

que, por sua vez, delimitam o direito. (1 7 )

62
0 segundo momento consiste na in te rp re ta ç ã o . É

aqui que reside o principal p r o b l e m a p ara a i d e n t i f i c a ç ã o do

que seja o direito. Neste momento, recorremos, novamente, a

Norberto Bobbio, que acreditamos ser o mais preciso, quando

c o n s id e ra a in te rp re ta çã o como a a n á lis e da lin g u a g e m

n o r m a t iv a .

Esta é a opinião do jurista para a construção da

jurisprudência_ Pergunta-se ele: "Qué és , en efecto, la

i nterpretación de la ley sino análisis dei lenguaje dei

legislador, de ese l e n g u a j e e n el q u e se e x p r e s a n las regias

jurídicas?“ E ele mesmo responde à questão, situando bem o

problema que AHG procura resolver: "No hay ciência dei

Derecho, en suma, fuera de la labor dei jurista intérprete,

ei qual precisamente como tal intérprete realiza ese

anaJ ísis linguistico dei que ninguna ciência puede

prescindir y constituye ese lenguaje rigoroso en el que

consiste (...) el carater esencial de todo estúdio que

pretenda tener vali d e z de ciência". (1 9 )

AHG não é tão rigoroso na d e l i m i t a ç ã o e s o l u ç ã o d o

problema, embora, em linhas gerais, não d i s c o r d e de N o r b e r t o

Bobbio. Segundo Gil, a interpretação tem os seguintes

atributos:

1Q ) Su carácter general y necesario (...) La

interpretación es uri m o d o de compreender que alcanza a la

63
total interlocución jurista/norma, (_..). esto quiere decir

que ei viejo principio conforme al cual sólo requieren ser

interpretadas las n o r m a s o s c u r a s c a r e c e d e j u s t i f i c a c i ó n - No

se tra ta , pues de un rem ed io a u tiliz a r cuando s e p la n te a n

d ific u ld a d e s , s in o dei medi o general de obtener el

c o n o cim ie n to .

2Q) A los dos critérios tradicionales de la

interpretación, el literal y el lógico la d o g m á tic a , le

i n c o r p o r a r o n el h i s t ó r i c o y el s i s t e m á t i c o .

3Q) Todos los elementos in te rp re ta tiv o s están

equiparados y, por lo t a n t o , s o n c o n c u r r e n t e s ". (20 )

Ainda, na interpretação, segundo Gil, há que se

distinguir a interpretação feita pelo jurista prático e a

feita pelo jurista científico. A primeira, que é a

S.n t e r p r e t a ç ã o típica, tem em vista a solução de problemas

concretos e particulares. Há o encontro, necessário, entre

os f a t o s concretos e sua s i g n i f i c a ç ã o normativa, devidamente

individualizada.

Porém, a interpretação científica, no campo da

dogmática, contrariamente, não individualiza, senão que

generaliza- Seu o b j e t i v o é esgotar tod a s as p o s s ib ilid a d e s

s ig n ific a tiv a s das normas j u r í d i c a s , i n i c i a n d o o t r a b a l h o de

e la b o ra ç ã o da construção j u r í d i c a que d e t e r m in a r á o siste m a

64
ju ríd ic o , c a te g o ria e s p e c ífic a u tiliz a d a p e la d o g m á t ic a

ju ríd ic a , p ara d e s i g n a r o d i r e i t o em s eu c o n j u n t o .

A construção jurídica tem como categorias

operacionais as normas j u r í d i c a s , os c o n c e it o s , as re la ç õ e s ,

as in s titu iç õ e s e o siste m a . Destas/ as fundamentais e

definitorias do modelo dogmático são oâ c o n c e ito s e os

s is t e m a s . (21 ) Gil o considera como o desenvolvimento de

uru processo mental discursivo, para cuja configuração é

necessário formular proposições e juízos.

Porém,' o autor espanhol aponta para os problemas

do tratamento dos conceitos pela dogmática. Esta não os

trata como processos discursivos, mas sim como figuras

dotadas de realidade autónoma, cuja investigação remete ao

uso das intuições e a um processo de ontologização das

figuras jurídicas, e não a uma análise operacional lógico-

discursiva, nos termos já formulados anteriormente por

Jhering.

Quanto ao sis te m a , embora AHG reconheça sua

importância como categoria fundamental e definitória para a

doqmatíca jurídica, Giil não consegue desligar—se da idéia

savignyana de sistema e elaborar uma formulação teórica

consistente sobre esta categoria operacional.

65
Para Savigny, no siste m a , há o p r i m a d o d a h a r m o n i a

entre as instituições jurídicas, é onde elas encontram sua

unidade orgânica. No entanto, embora Gí l reconheça que a

unidade orgânica foi substituída pela unidade lógica e,

ainda, que a ciência não concebe mais a existência de um

sistema prévio, mas que o elabora conceitualmente,

considera, ainda o p r i m a d o da harmonia como o fator fundante

do sistema.

66
NOTAS

(01 ) G I L , Antonio Hernãndez. P ro b le m a s E p i s t e m o ló g ic o s de

la C iê n c ia Ju rid ic a . Madrid. Ed. Civitas. 1981. p. 10.

(0 2 ) G I L , C o n c e p t o s . p. 11.

(0 3 ) B 0 6 B I 0 , Norberto. T e o r ia do Ordenamento J u r í d i c o _

Trad. Maria Celeste dos Santos. Brasília. Ed.

Polis/UnB. 1991. pp . 19-35.

(04 y P a r a s e t e r uma melhor c o m p r e e n s ã o recomenda-se a

leitura completa da ob r a c i t a d a .

(0 5 j G I L , Conceptos. p. 33.

(06 ) G I L , Problemas... p. 11.

(0 7 ) G I L . Ciência Jurídica Tradicional... p. 18.

(0 8 ) G I L , Conceptos. p. 33.

(09 J GIL, Problemas... p. 1 5 3 .

(1 0 ) G I L , Ciência Jurídica Tradicional... p. 19

Gíl não d e s e n v o l v e s a t i s f a t o r i a m e n t e e s t a conexão,

limitando-se a citá-la rapidamente.

(11 ) GiIL, C o n c e p t o s . p. 94.

( 1 2) P U C E IR0, Enrique Zuleta. T e o ria dei D e re ch o . Buenos

Aires. Ed . Depalma. 1987. p. 6 8.

(1 3 ) G I L , Ciência Jurídica Tradicional... p. 41.

(14 ) GIL, op. c it. p. 41.

( 15 ) F E R R A Z Jr., Tércio Sampaio. I n t r o d u ç ã o ao E s tu d o do

D ire ito . São Paulo. Ed. Atlas. 1988. p. 50.

67
(1 6 ) B O B B I O , Norberto. C i ê n c i a dei Oerecho y Analisis dei

lenquaje. In C o n t r i b u i c i o n a l a te o ria dei derecho.

Irad. Afonso Ruíz miguei. Valência. Ed. Fernando

lorres. 1980. p. 184. Bobbio chama a ciência jurídica

tradicional 9ou d o g m á t i c a ) de j u r i s p r u d ê n c i a .

( 1 7) Gil não p r o b l e m a t i z a a q u e s t ã o s o b r e as f o n t e s do

direito, resolve o problema recorrendo ao próprio

ordenamento jurídico.

( 1 8) BOBBIO, op. cit. p. 187. Prosseguindo com as idéias

analíticas, Bobbio aponta três fases à anál i s e da

1inguagem:

a) P u r i f i c a ç ã o da linguagem;

b) A i n t e g r a ç ã o , e;

c) A o r d e n a ç ã o .

(19 ) G I L . Ciência Jurídica Tradicional. p. 58.

(20) P a r a Gil as normas jurídicas são mandatos estatais, as

i n s t i tuições são tipos de realidades concretas,

socialmente a r r a i g a d a s e a r t i c u l a d a s que d o t a m de

s e n t i d o e c o n d i c i o n a m a o r d e n a ç ã o j u r í d i c a e; as

relações são o pressuposto real e social de toda ordem

jurídica.

( 2 1 ) GIL,, C i ê n c i a Jurídica Tradicional. p. 79.

(22) Neste momento Gil não se preocupa em desenvolver seu

c o n c e i t o de s i s t e m a porém, c o n s t a t a m o s que, na s u a fase

estruturalista este problema assume um s e n t i d o

especial. Po r ora, podemos perceber que ele não está

68
preocupado em separar o conceito de sistema no direito

(objeto) nem na C i ê n c i a J u r í d i c a .

69
C fit P í TU LO III

ESTRUTURALISMO E DIREITO

70
C a p ítu lo III

E s tru tu ra lis m o e D i r e i t o

3 .1 . C o n sid e ra çõ e s G e r a is

Vencidas as duas fases iniciais da trajetória

intelectual de AHG , ingressamos, agora, na sua te rc e ira

etapa, m o m e n t o denominado por ele de superação da c ris e , e

podemos considerá-lo, como o momento mais criativo de sua

obra. 0 professor espanhol dedica-se, neste período, ao

estudo do estruturalismo, com v i s t a s à c o n s t r u ç ã o da c i ê n c i a

ju ríd ic a e s tru tu ra l.

tíil desenvolve seu interesse pelo estruturalismo

entre os anos de 1964 e 1972, exatamente quando os

intelectuais o colocavam, no auge da moda estruturalista.

Este fato, diz ele, pode comprometer o caráter c i e n t í f i c o do

seu trabalho, levando-o a parecer uma simples conseqüência

da moda, uma t r i v i a l i d a d e .

No entanto, justifica Gil, "el estructuralismo

ofrece um c a m p o de c u e s t i o n e s y um m o d o de o p e r a r d i g n o s de

nestra atención me refiero, claro es , al estruturalismo

71
serio y riguroso que, remontándose a Saussure se ha

d e s a r ro i l a d o fundamentalmente en la lingüística para

extenderse 1uego a otros âmbitos" (01). Pa ra o autor, a

c o n trib u iç ã o do e s tru tu ra lis m o está na p o s s ib ilid a d e de

fix a r a e s p e c ific id a d e do .j u r í d i c o , problema este que tem

acompanhado a ciência jurídica e não foi resolvido por

nenhuma das três concepções fundamentais do direito.

Segundo Gil, mesmo o expoente máximo das

tentativas purificadoras, a Teoria Pura do Direito, e

algumas projeções da filosofia analítica que expulsaram a

historia, a psicologia, a sociologia e a ética da ciência

jurídica, não e l i m i n a r a m a l ó g i c a . 0 i n t e r e s s e do autor pel o

estruturalismo, especificamente pelo estruturalismo

iingistico, parte deste ponto.

0 estruturalismo lingüístico teve por objeto a

linguagem e suas estruturas. Esta é a entidade

epistemológica preponderante: tudo que não pertence à

natureza é linguagem. Isto explica o fato de ela ter

despertado, no andar do tempo, grande interesse

c o g n o s c i t i v o . A proposta do e s tr u tu r a lis m o I in g is tic o , por

sua vez, é tratar a lin g u a g e m som ente como lin g u a g e m , ou

s e ja , lib e ra d a de todas as in flu ê n c ia s extern as ao seu

o b jeto , in c lu s iv e a ló g ic a , quando re je ita a g r a m á t ic a

tra d ic io n a l por ser p re p o n d e ra n te m e n te ló g ic a e n a rra tiv a .

As várias transformações experimentadas no estudo da

72
linguagem, a crise da gramática tradicional e a preocupação

do estudo da linguagem, como objeto exclusivo de

investigação científica, dão origem ao chamado

estruturaiismo lingüístico.

As preocupações que levam ao surgimento do

estruturalismo norteavam o processo de conhecimento da

linguagem, consistiam em: poder determinar o objeto da

lingüística sem o apoio das disciplinas vizinhas: criar

instrumentos próprios que permitissem apreender o conjunto

dos traços de uma língua dentro do conjunto das línguas

manifestadas e d e s c r e v ê - l o em termos idênticos; determinar a

"significação" em torno da qual se articula a própria

linguagem.

3 .2 . F e r d i n a n d de S a u s s u re

0 grande nome da nova forma de enfrentar o estudo

da linguagem é, sem dúvida, Ferdinand de Saussure. Este

linguista genebriano, consagra, em s eus estudos iniciais, o

e s t u d o da g r a m á t i c a c o m p a r a d a das línguas i n d o e u r o p é i a s , não

se preocupando com a lingüística. Somente após a sua morte,

surge o "Cours de linguistique génerale" ( 02 ) redigido por

dois alunos seus, a partir de três cursos ministrados na

73
Universidade de Genebra, durante os anos de 1906 a 1911.

Esta obra expressa suas idéias sobre uma nova lingüística.

Saussure náo se u t i l i z a do vocábulo e s t r u t u r a , nem

estruturalismo, porém lança a idéia do chamado método

estrutural. Náo pode ser considerado o fundador desta

escola, mas, certamente, e s t a b e l e c e u o seu ponto de partida.

A partir do legado intelectual de Saussure, irradia-se a

idéia do e s t r u t u r a l i s m o par a o u t r o s âmbitos do saber.

Segundo Warat, “o maior mérito de Saussure

encontra-se, indiscutivelmente, em sua revolucionária

postura epistemológica, que determinou a possibilidade de

refletir a partir de um novo lugar teórico, sobre os

diferentes sistemas signicos" ( 03 ) _ S a u s s u re e scre v e

g u ia d o p e la s p re o c u p a ç õ e s d os lin g ü is t a s da sua época e

co n stró i uma t e o r i a g e ra l dos s i g n o s .

Para ele, a tarefa principal da lingüística

consiste ern: fazer a descrição e a história de todas as

línguas; deduzir leis gerais às quais se possam referir

todos os fenômenos peculiares da história e d e i i m i tar--se e

definir-se a si p r ó p r i a ( 04 ).

No pensamento de Saussure, são fundamentais as

chamadas "d i c o t o m i a s ". Sua teoria se constrói a partir das

oposições lín g u a / f a la ; d ia c r o n ia / s i n c r o n ia e

74
s ig n ific a n t e / s ig n ific a d o . E„ fundamentalm também em

Saussure, a noção de sistema, valor e significação.

A criação da dicotomia língua/fala, é o primeiro

momento de Saussure na construção de sua teoria. Nela, a

lín g u a é o c o n ju n t o de s ig n o s que se rv e de m eio de

com u n icação e n tre os in t e g r a n t e s de uma mesma com unidade,

podendo ser v is t a t a n to como uma in s t it u iç ã o s o c ia l, e

q u a n to , como um s is te m a de v a lo r e s s íg n ic o s . A fala é o uso

que cada membro da comunidade fa z da língua para que seja

compreendido. É um a t o individual do pensam e n t o humano.

Barthes, tecendo considerações sobre o pensamento

de Saussure, afirma que a língua, como instituição social,

trata-se, essencialmente, de um contrato coletivo ao qual

temos de nos submeter em bloco, se quisermos comunicar-nos.

Afirma, também que, como sistema de valores, a língua é

constituída por um pequeno número de elementos de que cada

um e, ao mesmo tempo um v a le - p o r e o termo de uma função

mais ampla onde se colocam diferencialmente outros valores

correlativos ( 05 ).

Saussure diferencia dois planos, o social e o

individual. A língua faz parte do plano social, é um

conjunto de possibilidades combinatórias limitadas somente

pela i ntel i g i b i d a d e e o sentido. A fala, por sua vez,

pertence ao plano individual concreto de s e l e ç ã o mental com

75
o o b j e t i v o de exprimir o pensamento. Embora estejam em dois

planos diversos, língua e fala implicam-se mutuamente. A

fa la a p a re c e como o a n t e c e d e n t e a p a r t ir do q u a l se forma a

lín g u a . Mas é , também, a r e a liz a ç ã o da p r ó p r ia lín g u a (06 ).

O autor genebriano diferencia, também, linguagem,

de língua e fala. A linguagem seria, para Saussure, um

sistema complexo de várias línguas, um fato que pertence à

natureza. A linguagem não se confunde com a língua, pois

esta e „ somente, urna parte determinada daquela, não sendo

n a t u r a l , mas adquirida e convencional. A fala distingue-se

das outras duas por ser um ato individual pensado e

inteligente, pressupondo uma v o n t a d e do indivíduo falante.

AHG comentando Saussure diz " q u e el l e n g u a j e e s el

sistema de todas las lenguas, la lengua se muestra como el

sistema parti c u l a r de una sociedad determinada. El habla es

la realizaciòn particularizada de la lengua, su aplicación

concreta e individual" (07). Afirma, ainda, que Saussure, a

partir desta diferença, consagra uma nova ciência, a

s e m i o l o g i a , que está d e s t i n a d a ao estudo dos signos.

A lingüística é uma parte ideal da semiologia.

Nela Saussure desenvolve sua teoria sobre os signos. Os

signos, por sua vez, encontram-se organizados num sistema

lingüístico ou numa língua determinada. "A língua é

c a r a c t e r i z a d a , ao longo do Cours, como um s i s t e m a de s i g n o s .

76
Assim, a analise das relações entre os elementos da lingua

exige a explanação da n o ç ã o de lingua como s i s t e m a . Por sua

vez, para a compreensão da noção de sistema, necessita-se

recorrer ás idéias de s o l i d a r i e d a d e e diferença" (08 ).

0 signo, menor unidade lingüística, é a combinação

do conceito e da imagem acústica. O c o n c e it o é chamado p o r

S a u s s u re de s i g n i f ic a d o e a imagem a c ú s t i c a de s i g n í f i c a n t e .

Estes dois elementos estão interligados, por uma

conexão necessária (para t o d o s i g n í f i c a n t e há u m s i g n i f i c a d o

e vice-versa). Pode-se dizer que correspondem aos dois lados

de uma mesma rnoed a, n ã o havendo um s e m o outro. A relação

que envolve o signíficante e po significado é arbitrária,

irracional e convencional. Não há nada que indique uma

correspondência natural entre o signíficante e o

significado. 0 signo também é imutáve1 e mutável ao mesmo

tempo. É imutável,, pois a relação de arbitrariedade resiste

duramente a qualquer tentativa de modificação, mas é também

mutável, pois há uma capacidade de evolução, ainda que

lenta, na relação convencional s i g n i f i can t e / s ignificado.

Entretanto, o signo não retira sua significação

somente da relação s i g n i f i c a n t e / s i g n i f i c a d o , mas, também, da

relação com outros signos. Se e s te s e s tã o d is p o s t o s num

s is t e m a onde o fundam ental são as d if e r e n ç a s e o c a rá c te r

s o lid á r io , sabemos que sua s ig n ific a ç ã o somente pode ser

77
o b t id a p e la o p o s iç ã o de um s ig n o com r e la ç ã o a o s o u t r o s ( E x .:

sol/chuva). E o fato de serem solidários no sistema,

determina urna rnutua dependência, fazendo com que o valor de

um signo dependa da presença de outro (Ex.: frio, morno,

q u e n t e )_

0 conceito de sistema para o estruturalismo é de

urna i m p o r t â n c i a fundamental, pois define o seu significado a

partir do próprio estruturalismo. Assim, diz Warat: “N ã o f o i

Saussure quem introduziu a noção de s i s t e m a na lingüística,

mas quem lhe deu um papel metodológico fundante na

organização da chamada ciência da linguagem". (09) 0

sistema para Saussure é uma combinação solidária de

oposições, no q u a l , o todo é diferente das partes.

A partir do conceito de sistema. o conceito de

valor adquire uma importância central na lingüística de

Saussure. Ele é a chave do próprio sistema, e determina a

especificidade da lingüística como ciência, para o professor

genebriano.

A noção de valor d e t e r m i n a as relações no i n t e r i o r

do sistema, pois as estebelece na base da totalidade

solidária. Segundo AHG "El v a l o r impl i c a de s uyo e s t i m ación,

medida, comparación, contraste, tomar en cuenta la función,

Ja s relaciones. Equivale a aplicar a algo un critério

78
estimativo por el que tiene sentido dentro de un conjunto".

(1 0 )

O c o n c e i t o de valor, para ser bem explicado, deve

ser d i f e r e n c i a d o do c o n c e i t o de s i g n i f i c a ç ã o . A significação

e equivalente ao conceito correspondente da imagem auditiva

(o s i g n i f i c a n t e ). E n t r e t a n t o , o valor define-se, quando um

signo, c o n s i d e r a d o em si m e s m o , é a contraparte de um outro

signo. O valor resulta da pr e s e n ç a simultânea de cada signo,

ou seja, determina-se por aquilo que o rodeia. Porém, o

valor não é concebível separadamente da significação. Em

verdade, começa com esta e a ultrapassa, ao encontrar seu

sentido na r e l a ç ã o s i g n o / s i g n o .

A i ncidência do tempo sobre os valores e a hiper-

valorização do conceito de sistema, levam Saussure a

distingui r dois tipos de lingüística a: SINCRÔNICA E A

DI.ACRÒNICA.

A lingüística sincrônica ocupa-se das relações

que unem os termos coexistentes e que formam o sistema tais

como sáo percebidos pela consciência coletiva... A

lingüística diacrônica estudará, pelo contrário, as relações

entre os termos sucessivos, não percebidos por uma mesma

consciência coletiva e que se s u b s t i t u e m uns a o s o u t r o s sem

formar s i s t e m a e n t r e si". (11)

79
Para Saussure, não há possibilidade de estudar

ambas simultaneamente. As relações dos signos no sistema e

na história sáo de caráter d i f e r e n ç i a d o . O b v ia m e n te , o a u t o r

p r iv ile g ia o estu d o da lin g ü ís tic a s in c r ô n ic a , le v a n d o em

c o n s id e r a ç ã o os fa to s s im u ltâ n e o s e nunca s u c e s s iv o s . Isto

porque Saussure considera "a língua um sistema do qual todas

as partes podem e devem ser consideradas em sua

solidariedade sincrônica". ( 12) As mudanças nunca atingem

o todo solidário, mas os seus elementos constitutivos. É o

estado da língua que importa para Saussure e qualquer

condição dada tende a manter-se por um longo espaço de tempo

no qua l a soma das modificações é mínima.

AHG diz que, não o b s t a n t e Saussure não c o n h e c e r o

direito, ou a Ciência Jurídica no seu aspscto

epistemológico, traz consigo idéias e conceitos que podem

ser aproveitados, para a construção da ciência jurídica

estrutural. A proposta dè Gil d i z que a jurisprudência deve

seguir os mesmos caminhos da lingüística, o que faz

o b r i g a t ó r i o re f e r i i — s e a o p e n s a m e n t o d e S a u s s u r e .

Segundo AHG, Saussure desconhece o direito e

demonstra falta de compreensão da ciência jurídica, quando

afirma que a jurisprudência não opera com valores, não

havendo, portanto, uma o p o s i ç ã o entre ciência descritiva do

direito, e uma história do direito podendo as duas

coexistirem num m e s m o estudo.

80
Gii, ao criticar este entendimento, demonstra que

a separação sistema/história provém de Savigny, anterior a

Saussure, sendo mais antiga esta separação na ciência

jurídica que na lingüística, porém, tanto Saussure, quanto a

escola histórica do direito exageraram na procura de um

rigor sistemático, estabelecendo um d o g m a t i s m o do sistema. A

diferença entre arnbos está em que Saussure ateve-se à

realidade da fala (nada formal) e a escola histórica dirigiu

seus estudos ao direito romano (altamente formalizado).

Outra crítica efetuada por AHG a Saussure refere-

se ao c o n c e i t o de lei d o semiólogo. Para este lei é igual a

imperatividade e generalidade. Porém, ele acreditava que as

leis sincrônicas são gerais, mas não imperativas, pois

impõem-se pelo uso coletivo. Esta aceitação geral

descaracterizaria a arbitrariedade, excluindo assim a

proximidade entre a lingüística e a ciência jurídica, que

trabalharia com leis fundamentalmente imperativas. Gil diz

ultrapassado este conceito pois: "El que falte una fuerza

e x t e r n a q u e g a r a n t i c e el m a n t e n i m i e n t o d e la r e g u l a r i d a d . no

es a r g u mento b a s tante a nuestro juicio, p a r a q u e n o t e n g a un

puesto a alguna manifestación de imperatividad inmaneote,

interior, a la que se tiende psicológica y colectivamente

por la n e c e s i d a d d e e n t e n d e r s e e n el D e r e c h o , concretamente,

se da una organización estatal, que se manif iesta más o

menos acusadamente según las zonas de regulación, pero no

81
cualquier faita de coacción directa, cuaiquier fisura, se

traduce en una negación dei orden jurídico". (13)

Gíl afirma que a ordem lingüística constituí-se

num sistema talvez mais arbitrário que o próprio direito,

pois. exclui das possibilidades de comunicação, aquele

sujeito que não observa as s u a s "regras". O direito, apesar

de formalmente coativo, não elimina do sistema de

convivência aquele sujeito que o transgride e não elimina,

além disso, a própria possibilidade de transgressão.

35. C la u d e L é v i- S t r a u s s

A partir dé Saussure e o desenvolvimento das suas

idéias chega-se à chamada Lingüística Estrutural que


i
responde a estes postulados: "estúdio de la lengua en sí

misma, y desde su interioridad; plena autonomia de la


/

ciencía lingüística, liberada de influências lógicas,

psicológicas, históricas y sociológicas; s u p e r p o s i c i ó n d e la

exterioridad de la forma al contenido e incluso total

eliminación de éste; y consideración de la disciplina

lingüística como estriçtamente descriptiva y en modo alguno

normativa". (14)

82
Os avanços da lingüística estrutural ern d i r e ç ã o à

autonomia, desejada por todas as ciências sociais e humanas,

despertam o interesse de divresos pesquisadores para

transladar o método estrutural aos seus campos de

conhecimento. 0 primeiro (e mais importante) trabalho

realizado neste sentido pertence áo campo da antropologia,

realizado por Claude Lévi-Strauss ( 15 ). Sua obra consiste

em elaborar todas as possibilidades e conseqüências de uma

analise estrutural nas ciências soci;ais e humanas.

No seu artigo, a Análise Estrutural em Lingüística

e em Antropologia (16 ), Lévi-Strauss começa dizendo: "No

conjunto das ciências sociais ao qual pertence

indiscutivelmente, a lingüística, ocupa, esta entretanto, um

lugar excepcional: ela não é uma ciência social como as

outras mas a que, de há muito; realizou os maiores

progressos; a única, sem dúvida, que pode r e i v i n d i c a r o nome


i

de c i ê ncia é que chegou, ao m e s m o tempo, a formular o método

positivo e conhecer a natureza dos fatos submetidos a sua

a n á 1 i s e “-

Lévi-Strauss vê na lingüística estrutural um

a c o n t e c i m e n t o da maior relevância para as c i ê n c i a s humanas e

sociais, capaz de elevá-las ao mesmo plano das ciências

naturais. Não acredita, entretanto, que possa existir algum

t i p o de s e m e l h a n ç a entre ambas, nem mesmo no método, mas crê

83
na possibilidade das primeiras receberem, também, um

tratamento c i e n t i f i.co .

0 antropólogo começa a situar as relações sociais

especificamente, as relações de parentesco, no âmbito da

teoria da linguagem. Tradicionalmente, tanto a lingüística

quanto a antropologia eram consideradas ciências históricas,

recebendo somente um tratamento diacrõnico. 0 tratamento

sincronico e os resultados obtidos na lingüística levaram

Levi-Strauss ã acreditar que esta aproximação, de alguma

forma, seria possível e extremadamente útil.

0 p r i m e i r o p a s s o de L é v i - S t r a u s s foi a n a l i s a r qu a l

a relação entre a linguagem e a antropologia, mais

precisamente, entre a língua e a cultura o u, ainda, entre o

natural e o artificial: "Penso na r e l a ç ã o não m a i s e n t r e uma

língua ~ ou a própria l i n g u a g e m - e uma c u l t u r a ou a p r ó p r i a

cultura - mas entre a lingüística e a antropologia

consideradas como ciências É que o problema das

relações entre l i n g u a g e m e c u l t u r a é um d o s m a i s c o m p l i c a d o s

que existem. Pode-se, inicialmente, tratar a linguagem como

um pro d u t o da cultura. Mas num o u t r o sentido, a linguagem é

uma pa rte da cultura". (17)

Ele acredita que não há uma identificação absoluta

entre ambas, mas também não há uma dissociação total entre

as duas. Defende, pois, uma p o s i ç ã o intermediária; encontrar

84
quais os aspectos que as ligam e qual o nível desta

correlação. Ambas, diz Lévi-Strauss, levaram séculos para

desenvolver-se na sociedade e ambas evoluíram conjuntamente.

L é v i- S tr a u s s a c re d ita que a a n tro p o lo g ia s o c ia l

p e rten ce à s e m io lo g ia (da q u a l a lin g ü ís tic a é o tip o id e a l

de c iê n c ia ) , por ser uma c iê n c ia que estu d a a lin g u a g e m

m ític a , c o n s titu íd a por s ig n o s p ró p rio s , como as regra s

m o ra is e r e lig io s a s , as regra s de p a re n te s c o , de m a trim ô n io

e tc. Estas regras seriam um c o n j u n t o de signos destinados a

assegurar a cada grupo ou sociedade num certo tipo de

comunicação, possuindo entre si relações necessárias.

O p o n to c r u c ia l da te o ria de L é v i- S tr a u s s e stá em

com parar a lin g u a g e m m ític a com o s is te m a da lín g u a

e la b o ra d o por Saussure. Ambas parecem formar um s i s t e m a de

signos , que estabelecem relações necessárias e cujos

elementos detém um valor por pertencerem a um sistema

determinado. O signo, na t e o r i a d e S a u s s u r e é o a r b i t r á r i o e

o natural ao mesmo tempo porém, a partir dele se organiza

todo o sistema lingüístico. Oa análise do sistema cultural

dos diversos sistemas de parentesco o autropológo visa

identificar qual seria a unidade mínima e sustentadora do

sistema signico para a antropologia e conclui que é a

proibição universal do incesto, pois é universal e

arbitrário como a linguagem e constitui o todo, um sistema

de unidades métricas.

85
A outra c o n t r i b u i ç ã o de L é v í - S t r a u s s , talvez muito

mais relevante para a ciência jurídica, é a divisão que ele

efetua entre ciências sociais e ciências humanas. 0 r igor

cientifico e o critério usado para concretizá-la. O objetivo

e o de elevar ao nível de científicas as ciências da

cultura.

Ele parte do princípio de que as c i ê n c i a s sociais

e humanas formam um c o n j u n t o heterogêneo e cujo objeto, na

maioria das vezes, nada tem em comum entre si, não tendo,

portanto, o mesmo nível de cientificidade. Seu primeiro

p a s s o é tentar d i s s o c i a r as ciências do homem, de a c o r d o c o m

o critério acima descrito.

Seu objetivo, é claro, está em obter, para algumas

ciências sociais e humanas, o mesmo "status" atingido pela

lingüística e, supostamente, pela antropologia. Assim,

aquelas ciências cujas pesquisas remetem a resultados

valorativos, não têm a q u a l i d a d e de ciência, ainda que sendo

ciências humanas.

Concretamente, a divisão efetuada por Lévi-Strauss

conduz a este resultado: as ciências do homem estariam

divididas em dois grupos compostos desta maneira: C iê n c ia s

Humanas - p r é - h i s t ó r i a , arqueologia, história, antropologia,

lingüística, filosofia, lógica, psicologia; e C iê n c ia s

86
S o c ia is ■ jurídicas,


■ econômicas, políticas, sociológicas e

psicologia e m g e r a 1.

A HG! c r í t i c a as idéias de Lévi-Strauss a partir do

seguinte pressuposto: o antropólogo francês não conhece a

ciência j urídica e suas potencialidades excluindo-a do

âmbito das ciências humanas e daquelas que podem pertencer à

semiologia. Acredita que há urna possível analogia entre a

antropologia e o direito que Lévi-Strauss desconheceu.

Segundo Gil, se a antropologia possui um sistema

de relações n e c e s s á r i a s e um s i g n o a r b i t r á r i o e universal (a

p r o i b i ç ã o do incesto), pertencendo por isto, à semiologia; o

direito também pode. A posse seria, o equivalente a uma

relação universal e primária do homem com as coisas que

marca a p a ssagem da natureza ao cultural. A posse é anterior

ã r e g r a de direito que institui a p r o p r i e d a d e privada. Para

Gil: "la propiedad privada es la expresión jurídica

culminante dei p o d e r d e la p e r s o n a s o b r e las cosas. Por ser

expresión jurídica pertenece desde luego al mundo de la

cultura. Pero, que incube ese nudo, ese e n v o l t o r i o de regias

jurídicas, artificiales y "civilizadas" que constituye la

propiedad tal como se encuentra en los códigos y en las

d o c t r i n a s j u r í d i c a s ? L a m á s d i r e c t a p r o y e c c i ó n d e la p e r s o n a

sobre las cosas, determinante de consecuencias jurídicas

dirigidas al m a n t e n i m i e n t o de una s i t u a c i ó n dada: e aqui el

b o s q u e j o a p r o x i m a d o d e la p o s e s i ó n " . ( 1 8 )

87
A segunda crítica do jurista espanhol provém do

d e s c o n h e c i m e n t o de Lév.i-Strauss p a r a co m a c i ê n c i a jurídica.

Gil acredita ser este o motivo pelo qual o antropólogo nâo

coloca o jurídico no â m b i t o d a s c i ê n c i a s . 0 fato está em que

Lévi-Strauss considera o direito um sistema artificial,

criado somente para exercer funções técnicas, na qual é

impossível pára os seus operadores (juiz, promotor,

advogado) colocar suas expressões particulares ou expressar

suas posturas ideológicas e práticas, como acontece nas

ciências com caráter cientifico.

Gil, no entanto, lembra que o direito detém três

facetas a partir das quais pode ser estudado:

a) a técnica consagrada à tarefa de a p l i c a ç ã o das

normas;

b) os d i v r e s o s ramos do direito (civil, penal,

comercial, etc.);

c) a t e o r i a e m e t a t e o r i a , filosofia, sociologia,

etc.

Somente o e s tu d o te ó r ic o do d ir e it o pode, p a ra

G il, ser subm etido a o s modos e s t r u t u r a l i s t a s nos m oldes da

a n t r o p o lo g ia . Somente um t e ó r ic o da c iê n c ia ju r íd ic a p od e

s e r com parado a um a n t r o p ó lo g a ou a um l i n g ü i s t a .

88
3 .H . O C o n c e it o de E s t r u t u r a e E s t r u t u r a lis m o

A palavra e s tru tu ra contempla diferentes

significados possíveis. Interessa neste momento aquele que

parte da lingüística e que vem dotado de um sentido

especifico pelo e s t r u t u r a l is m o . Para o estudo que se

desenvolve, é importante esclarecer qual o significado

particular de estrutura e e s t r u t u r a l i s m o , já que não devem

ser confundidos com o sentido vulgar de seu uso, que

ordinariamente lhes dão significados antagônicos. _

E s t r u t u r a l ism o não é acréscimo de um ismo da p a lm v ra

e s tru tu ra , não é o s e u d e r iv a d o g r a m a t ic a l. P e lo i n v e r t a , é

o e s t r u t u r a li s m o que d o ta de um s ig n ific a d o e s p e c im l a

p a la v r a e s tru tu ra .

O estrutural ismo é um método que tem como regras

d e s e n t i d o d o i s postulados;: a anteposição das relações entre

a s c o i s a s e m si, e a anteposição do todo a seus elementos ou

termos constituintes. O todo é a entidade diferente das

partes.

0 estruturalismo, formulado a partir da

lingüística, também tem a característica de impor rigor ao

89
estudo do seu objeto e serve como modelo para as outras

ciências humanas e sociais.

Sua importância do estruturalismo emana da

constatação da existência de invariáveis nas estruturas, do

fato de d e d i c a i ..s e á análise de um s i s t e m a como um t o d o , mas

som en te de um t o d o em p a r t i c u l a r (Ex_ : lingüística: estudo

da linguagem, rnas s o m e n t e o estudo das línguas concretamente

determinadas).

Segundo AHG os traços metodológicos mais

i m p o r t a n t e s d o e s t r u t u r a l i s m o são:

a) d e t e r a t a r e f a d e d e s c o b r i r a s e s t r u t u r a s ;

b) s e r o p o s t o a o idealismo e à dialética marxista;

c) o m u n d o a p r e s e n t a - s e a t r a v é s d e c o m p l e x o s

sistemas de signos, do qual o mais elaborado é

a lingüística;

d) o d e s p r e z o p e l a f i l o s o f i a e o c o n f o r m i s m o (ou

até a resistência) para com as transformações

políticas, e v i t a n d o as m u d a n ç a s e f a v o r e c e n d o

as estabilizações;

e) p o s t e r g a o p r i m a d o d a h i s t ó r i a ;

f) i m p o r t a m s o m e n t e as g r a n d e s e s t r a t i f i c a ç õ e s com

autonomia para expressar as estruturas;

g) e s t a b e l e c e a s e g u i n t e e s c a l a :

Relação/todo/partes. sendo que o todo não é a

soma das partes, é aquele que se antepõe

90
a estas, realizando-se em cada um dos s e u s

elementos;

h) representa o pensamento formalizado e

codificado, e;

i) d i s c u t e o papel do homem na s o c i e d a d e . (19)

Se o éstruturalismo, enquanto método, define a

estrutura, devemos considerar, que esta p o r s u a vez, define

o estruturalismo, restando uma interrelação, na qual um

interage sobre o outro. Para caracterizar e conceituar

estrutura, devemos desprezar todos os usos comuns que se

fazem da palavra, lembrando, todavia, que no próprio

estruturalismo não há uma unanimidade com respeito ao

conceito de estrutura, somente sendo possível encontrar

alguns traços definitórios.

Benveniste ( 2 0 ), define o termo estrutura da

seguinte forma: "o princípio fundamental é que a língua

constitui um s i s t e m a no qual todas as partes s ã o unidaís p o r

uma r e l a ç ã o de solidariedade e de dependência. Esse sistema

organiza unidades que são signos articulados, que se

diferenciam e se delimitam mutuamente. A doutrina

estruturalista ensina a predominância do sistema sobre os

elementos, visa a destacar a estrutura do sistema através

das r e l a ç õ e s dos elementos, tanto na cadeia falada como nos

paradigmas dos elementos, e mostra o caráter orgânico das

mudanças às quais a língua é submetida".

91
A e stru tu ra e n co n tra-se„ sem pre, lig a d a a um

s is te m a que o r g a n iz a seus e le m e n to s de uma fo rm a

d ife r e n c ia l_ Na compreensão "estrutural de estrutura", os

termos organizam-se pelas oposições e diferenças. Constituem

uma totalidade que se auto regula e consolida, sendo

amplamente resistente ao tempo e às mudanças históricas.

AHG limita-~se a apresentar suas principais

características:

a. elementos, partes o términos (...)

b. totalidad, un c o n j u n t o g l o b a l (...)

c. propiedad de la t o t a l i d a d (...) c o n s i s t e n e n la

p r i o r i d a d y en la a u t o n o m i a q u e s e a s i g n a a la t o t a l i d a d q u e

encierra una autor regulación;

d. propiedad de l o s e l e m n t o s ( ...) que se realizan

en la t o t a l i d a d ;

e. relaciones;

f. modificaciones;

g. solodariedad;

h. autorregulación: la estrutura es criadora de

sus propias leyes e n la q u e s e m a n i f i s t a y s e .mantiene como

totalidad cerrada." ( 21 )

92
J-5. ESTRUTURAL ISMO JURÍDICO: JUSTIFICATIVA DA

PROPOSTA DE ANTONIO HERNADEZ GIL

Apos apresentadas as origens do Estruturalismo

(Saussure), seu desenvolvimento mais exaustivo (Hjmslev),

suas aplicações a outros campos do conhecimento (Levi-

Strauss) e, ainda, os conceitos fundamentais deste novo

método de abordagem das ciências himanas esociais,

o p o r t u n i z a -s e o momento de a p re s e n ta r os argumentos de AHG

p a ra a co n stru çã o do e s t r u t u r a lis m o ju r íd ic o como p ro p o sta

de re n o v açã o da c i ê n c i a ju r íd ic a .

Eím p r i n c í p i o é possível constatar, que a obra de

Gi 1 ultrapassa a mera comparação e aproximação das

categorias estruturais às jurídicas, r e s u lta , a n te s , numa

nova p ro p o s ta m e to d o ló g ic a de e s tu d o da c iê n c ia ju r íd ic a

que, s e p a r t e de S a u s s u re e L é v i - S t r a u s s , em v á r io s momentos

os s e p e ra e o s c r i t i c a , p ro c u ra n d o a t i n g i r a e s p e c i f i c i d a d e

e a autonom ia do s a b e r j u r í d i c o .

Ao realizar uma análise inicial sobre a ciência

jurídica Gil p a r e c e frustai—se. Para ele, o direito, apesar

de constituir um o b j e t o de extremo valor à sociedade e as

relações que esta, particularmente, estabelece, a ciência

d e s t i n a d a a o b s e r v á - l o e d e s c r e v ê - l o em nada tem i n t e r e s s a d o

aos teóricos desta área.

93
Isto a c o nte ce m, segundo Gil, porque a ciência

j uridi.ca tem problemas intrínsecos nâo resolvidos, o que,

i rnpossi bi 1 i ta acompanhar o desenvolvimento de outras

ciências. AHG a c r e d ita fund am ental d e te rm in a r a

s in g u la r ie d a d e do ju r íd ic o , escapando do s in c r e tis m o

m e to d o ló g ic o no qual se en co n tra a c iê n c ia

j u r í d i c a , en co n tran d o o d ir e ito a sós. Ele contata que mesmo

o referencial mais completo ( Teoria Pura do Direito), tendo

chegado mais próximo que os o u t r o s deste ideal e, abstraído

da ciência jurídica a sociologia, a política, a moral etc.

não consegue eliminar a lógica, não encontrando o direito a

sós _

É desta insatisfação com o estado da

jurisprudência, que Gil resume como s e n d o a p r e o c u p a ç ã o pela

Autonom ia da C iê n c ia J u r íd ic a , e„ ainda da sua curiosidade

de experimentar novos métodos científicos junto a ciência

jurídica que nascej para Gil, o "estruturalismo

j u r í d i c o " .E s t e d e v e r á r e a l i z a r uma a n á l i s e d o s is tema em sua

in t e r io r id a d e , como um todo, mas com p ro ce d im e n to s

a p r o p r ia d o s ao to d o em p a r t i c u l a r . D e v e rá , a in d a „ c o n s t r u ir

um s is te m a autônomo de normas p ara a n a l i s a r suas e s tru tu ra s

s u b ja c e n t e s .

AHG resume sua tentativa da seguinte forma: "el

saber jurídico está n e c e s i t a d o de penetración analítica. El

estructuralísmo viene a ser una descripción preocupada dei

94
todo y de los d e t a l les. Por eso pensamos en él con cierta

esperanza de r e n o v a c i ó n " . (22 )

3 .5 . a p lic a ç ã o d o m étodo e s t r u t u r a l ao d i r e i t o

A proposta de AHG para a construção de um

"estruturalismo jurídíco", requer, de sua parte, que sejam

feitas determinadas considerações preliminares, com o

objetivo de situar o campo de análise estrutural e

identificar as possibilidades deste tipo de conhecimento

sobre o direito.

Inicialmente, preocupa-se, com o nível do feômeno

jurídico que deverá atuar o estruturalismo jurídico. Para

ele, isto só pode ocorrer no n ív e l da c i ê n c i a do d ir e it o ,

p o is por ser p u ra e e x c lu s iv a m n e te um m étodo c i e n t í f i c o não

e s tá p reo cu p ad o com nenhuma q u e s tã o de ordem a x i o l ó g i c a , nem

com a a p lic a ç ã o p r á t ic a de seus r e s u lt a d o s . Diz Sil: "el

estructuralismo se circuncribe a la identificación de

sistemas para penetrar en su interioridad y hallar las

r e g i a s c o n f o r m e a las q u a l e l e s se relacionan los e l e m e n t o s

d e n t r o d e un s i s t e m a de d i f e r e n c i a s y o p o s i c i o n e s . " (23 )

Determinado o nível no qual seria possível

realizar a análise estrutural sobre ô direito, re sta saber

qual s e r ia o o b j e t o de a n á l i s e , ou s e j a , s o b que forma deve

s e r c o n s id e r a d o o d i r e i t o , p a ra ta l f in a lid a d e .Gil opta pelo

95
plano forrnai para caracterizar o direito. Neste plano o

direito é visto a partir da norma. Contudo, constatando que

atualmente, a norma carece de expressão jurídica maior,

quando considerada isoladamente, Gil opta por estabelecer

como o objeto da análise estrutural o chamado ordenamento

jurídico, pois amplia o conceito de direito.

O conceito de direito enquanto ordenamento

jurídico é introduzido na ciência do direito por Norberto

Bobbio ( )- Para Bobbio, a norma jurídica não serve mais

como refencial para definir ó direito, pois o avanço da

complexidade social produziu uma defazagem quanto a esta

possibilidade. Segundo ele, somente no ordenamento jurídico

è possível encontrar a lgum s u b s t r a t o e s t r u t u r a l i s t a : “ (...)

pela teoria tradicional, um o r d e n a m e n t o s e c o m p õ e m de normas

jurídicas, na nova perspectiva normas jurídicas são aquelas

que compõem o ordenamento jurídico." ( 24 ).

A partir do conceito de ordenamento jurídico,

aparece a primeira demarcação provisória daquilo que AHG

chama de “e q u iv a lê n c is s ju r íd ic a s Estas resultam da

tranposiçáo das figuras lingüísticas (linguagem, língua e

fala) para o campo do ordenamento jurídico.

Considerando que o direito também pode ser fruto

desta tripartição: DIREITO c o m o conceito global sucetível

de compreender a instituição humana e social que rege

grandes setores do comportamento humano, com vistas a

96
orçjani z a r a convivência; ORDENAMENTO JURÍDICO conjunto de

sistemas de normas que regem uma comunidade social;

REALIZAÇÃO DO DIREITO s e r i e de atos individuais e concretos

que, atrelados ao ordenamento j uridico, levam a sua

aplicação.

A correlação fica, provisoriamente, estabelecida

da sequiríte fo r m a :

DIREITO - LINGUAGEM c o n c e i t o s globais sucetíveis

de compreender todas as manifestações humanas;

ORDENAMENTO JURÍDICO - LÍNGUA s i s t e m a s vigentes em

uma determinada comunidade social;

REALIZAÇÃO DO DIREITO - FALA com preenda a

a p l i c a ç ã o do s is t e m a .

Estas equivalências para o autor não podem ser

consideradas absolutas. Segundo ele, se todas as

equivalências resultam da suposta igualdeda entre

"ORDENAMENTO JURÍDICO - LÍGUA" , isto significaria que se

pode igualar o ordenamento jurídico brasileiro à lígua

portuguesa, considerá-lo como um sistema de signos e,

inclusive, considerá-lo como pertencente á ciência que

e s t u d a os sistemas síg n i c o s , a semiologia.

Para verificar a veracidade (ou não) destas

equívaléncias, AHG faz várias considerações. A primeira diz

97
respeito a real amplitude da iguldade considerada. Embora

ambos possuam algumas semelhanças - são criações humanas,

f e nórne n o s sociais e instrumentos de comunicação

j ntersub.ietiva - não se deduz dai que ambos possam ser

vistos como iguais, pois as semelhanças limitam-se as

a p r e s e n t.a d a s .

Embora, na sua origem, ambos fosem aceitos

naturalmente, emanassem diretamente da sociedade, hoje este

fenômeno não se repete com o direito. A língua continua

sendo um f a t o social inexoravelmente confiado a sociedade.

Porém, o direito a cada momento, experimenta uma maior

racionalização e formalização, que aumenta o grau de

dependência do Estado. Já a língua não conta com regras

expressas previamente, pelo contrario, despreza-as. Não se

trata de analisar as regras impostas pela gramática

tradicional, mas preocupa-se em formular regras que

respondam a combinação do sistema. O direito apresenta para

a análise estrutural regras já formuladas, que são o próprio

objeto de análise estrutural.

A r e a liz a ç ã o do d ir e it o também se constitui num

obstáculo à plena vigência destas equivalências. Se a língua

não s o b r e v i v e s e m a fala, e ambas implicam-se mutuamente, no

direito o fenômeno não se repete. Mesmo as correntes

realistas sociológicas, que não admitem o direito não

realizado, ou o consideram inexistente, pois confundem

realização com aplicação ( 25 ) admitem que o direito é

98
cada vez mais compreendido como sistema e que este é a

preocupação central da ciência jurídica, porém sem que isto

implique numa consideração estruturalista.

Assim, nos diz AHG : " El analisis estructural no

puede consistir en poner de manifisto ese orden o sistema

cori que ya se ofrece el derecho en los ordenamientos

.jurídicos. Su cometido demanda un análísis en profundidad

(...). Las normas ofrecen más combinaciones de elementos que

responden a unas regias obedientes a la estructura dei

s i s t e m a ." ( 26 )

Em f a c e destas diferenças, surgem as dificuldades

de se realizar uma análise estrutural do direito, pois elas

impedem que se t rate a língua igual ao ordenamento jurídico.

Também não é p o s s í v e l igualar a fala a realização do direito

pois esta náo tem um sentido fundante no sistema jurídico

como a fala no sistema linguístico. Para AtfS, a

c o rre p o n d e n te i d e a l da fa la s e r ia m a s normas j u r í d i c a s , p o i s

e la s s e c o n titu e m num f a l a r do d i r e i t o . Estas sãò enunciados

lingüísticos com sentido regulador que atribuem um

significada jurídico às r e l a ç õ e s já e x i s t e n t e s .

0 c o r r e l a t o da língua e s taria para Gil, na b a s e d o

ordenamento jurídico, seria algo pressuposto por este e que

o faz possível. O ordenamento jurídico é a versão de um

99
sistema subjacente, ás custas do qual se elaboram

prpposoções normativas, as quais no s e u intei— r e l a c i o n a m n e t o

resultam no ordenamento jurídico. Este se constitui a

partir dos elementos combinatórios, ou signos, que além de

possuírem uma significação lingüística, possuem uma

significação jurídica, compondo o sistema a partir das

opções do 1e g i s 1a d o r .

A s *conclusões de AHG são as seguintes:

a. A ciência jurídica não poderá torna i— s e

e x c J.u s u v a r n e n t e estrutural, mas poderá ser objeto de análise

estrutural;

b. 0 estruturalismo permitirá um meio-termo

razoável entre a variabilidade histórica, social, política

e econômica e a imobilidade do positivismo, contribuindo

decisivamente para encontrar a especificidade do jurídico.

Ao desenvolver este capítulo, procuramos

estabelecer de que forma Gil pretende elaborar o

estruturalismo jurídico, verificando quais os passos

seguidos pelo autor para tal. Entretanto, apresentadas as

suas conclusões verifica-se o resultado insatisfatório de

seu trabalho, pois não consegue atingir uma sólida

construção para sua proposta, restando-lhe somente

100
considera-lo como um método especulativo para o saber

jurídico. AHG não logra construir o sistema autônomo de

conhecimento sobre o qual deveria recair o estudo

estruturalista, realizando somente uma aproximação ( talvez

mais elaborada que as anteriores) das categorias jurídicas

as lingüísticas. Contudo, este fato não invalida seu

trabalho, apenas o limita a um espaço para reflexão no

âmbito fenômeno jurídico.

101
NOTAS

( 0 1 )GI.L , A n t o n i o H e r n a n d e z _ M e to d o lo g ia de l a C iê n c ia
J u r íd ic a . Vol I I . p .204

( 0 2) S A U S S U R E , F e r d i n a n d de. C u rs o de L i n g ü í s t i c a G e ra l.
p . 31

( 0 3 ) W A R A T ,R O C H A ,C l T T A D I N O . O D ir e ito e sua L in g u a g e m .

p. 1 4

(0 4) S A U S S U R E , op. cit. p .36

(05) B A R T H E S , Roland. E le m e n to s de S e m io lo g ia , p . 13

(06) S A U S S U R E , op. cit. p. 42

(07) GIL. o p. cit. p . 245

(08) W A R A T . op.cit. 22

(09) W A R A T . o p. cit. 25

(10) G IL. op. cit. 250

(11) B A R T H E S , o p. cit. p 16

(12) S A U S S U R E , op. c i t . p . 45

(13) G I L . op. cit. 273

(14) L É V I - S T R A U S S , Claude. A n t r o p o lo g ia E s tr u tu r a l, p. 210

(15) GIL. op. cit. p. 276

(16) L E V I - S T R A U S S , o p. cit.p. 212

(17) L E V I - S T R A U S S , o p. cit.p. 213

(18) GIL. op. cit. p. 279

(19) G I L . o p . c i t . p.349

(20) GIL. op. cit. p. 437

(21) B O B B I O . op cit. p. 12

(22) GIL. op. cit. p. 3 5 6

102
(23) GIL. op. cit. p . 344

(24) GIL op. cit. p. 222

(25) GIL. op cit. p. 412

(26) GIL. op. cit. p. 402

103
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do trabalho apresentamos e desenvolvemos

a obra de AHG soge as perspecticas metológicas e

epistemológicas. Entretanto, acreditamos ainda ser

necessário, a título de conclusão, oferecer alguns

comentários de certos aspectos de seu trabalho, visando o

seu esclarecimento. Notadamente, com relação ao p r o b l e m a da

democracia.

A o b r a de AH G p a r t e d a s influências juafilosóficas

dominantes na E s p a n h a , de uma a n á l i s e d o s métodos jurídicos,

passando por revisão nos aspectos gerais do direito e da

ciência jurídica tradicional, até sua fase mais criativa que

nos permitiu realizar estudos sobre semiologia e

estruturalismo.

No capítulo dedicado ao estudo dos métodos

jurídicos desenvolvidos por AHG, nota-se sua dualidade

teórica i ideológica, principal característica da primeira

etapa de sua obra. Embora tente ressaltar a sua inclinação

104
para o sociologismo, defendendo a necessidade de uma

configuração empírica para o direito, são marcantes as

infliéncias do tomisnio-suariario, tornando fundamental a

existência de critérios valorativos de moralidade e justiça.

Dentro desta perspectiva, AHG critica,

conjuntamente, os métodos positivistas- normativistas e

sociológicos pois ambos tem como cerne o positivismo.

Afirma, portanto, a necissidade de valorar o conteúdo do

direito pois este faz parte da norma jurídica.

Esta primeira etapa de AHG apresenta várias

contribuições para a discussão. Certamente, Gil e s t á c o r r e t o

ao defender um critério de moralidade e justiça para

odireito. Toda sua obra é fruto dessa reivindicação. Ao


i
propor a união entre norma jurídica e conteúdo, ele tem em

vista o papel transformador que deseja para odireito,

desejando vê-lo como um instrumento na consucussão da paz

social.

Porém ,nos parece que Gil é insuficiente nos

critérios que propõe para a valoração do direito- Em sua

obra, ele incumbe esta tarefa ao jusnaturalismo escolástico,

o que leva a pensar que os c r i térios de moralidade p r o p o s t o s

105
seriam de fundo cristão, que encerraria desta forma " a

grande questão da teoria jurídica contemporânea, a discussão

das relações entre o direito e a democracia." (01).

Acreditamos, na importância de se rever a questão

da justiça e da democracia a partir de posturas que

representem a possibilidade de conquista de novos direitos

para a cidadania. Pode-se trabalhar a partir de Lefort, q ue,

segundo Leonel Severo Rocha: "abre mais espaços para a

rediscussão do direito e da democracia". Acompanhando,

ainda, a análise de Rocha, sobre os problemas do d i r e i t o e

dá democracia, pode-se dizer: "uma tal análise para surtir

efeitos inovadores deve romper com todos os preconceitos

dogmáticos, a fim de que possamos elucidar os distintos

sentidos da democracia. Este tipo de abordagem deve também

ser histórico e contextuai, sem deixar, ao mesmo tempo, de


I

acompanhar o curso universal dos avanços e recuos das idéias

d e m o c r á t i c a s ”. (02)

Além do problema das relações entre direito e a

democracia, Lefort resgata a questão dos Direitos Humanos,

revendo seu sentido, atribuindo-lhes um sentido político de

resistência ao totalismo e permitindo que estes atuem

enquanto referência para o questionamento do direito

106
estabelecido, superando o sentido j usnaturaiista que lhe é

atribuído.

Na segunda etapa, que s i m b o l i z a sua fase critica,

Gil preocupa-se com a ciência jurídica tradicional e a sua

revisão e, ainda, com a definição de direito. Destaca-se

neste momento o seu conceito de realização, elemento

fundamental do c onceito de direito. A realização, para Gil,

s i m b o l i z a uma a p r o x i m a ç ã o com a f a l a ( S a u s s u r e / B a r t h e s ) que,

ao m e s m o tempo, que é um r e f lexo do ordenamento jurídico, é

também um e l e m e n t o c o n s t i t u t i v o d e s t e e n q u a n t o s i s t e m a .

Quanto a ciência jurídica tradicional, Gil não

considera a separação entre o seu sentido pragmático e

hermenêutico, vendo-a como somente uma forma sofisticada de

interpretação normativa e, revelando, então, sua inclinação

ã pragmática.

Acreditamos que este engano leve Gil a desprezar

certas potencialidades da dogmática jurídica, que não podem

deixar de ser reveladas pois, implicam relações desta para

com a democracia e a prática judicial- Assim, nos diz Warat:

"Por que no a c e p t a r que también la d o g m á t i c a p u e d e indagar,

descubrir, crear? (...) La ley j u r í d i c a no es comprensible

107
en su funcionamento sin Ia referencia a la dogmática

jurídicas que la. organiza como garantia abstracta de la

propia posibilidad dei vínculo social (...) Apoyándome en

Castoriadis diria que la dogmática jurídica es el magma

particular de significacíones imaginarias que constituyen

( h e t e r o n o r n a m e n t e )~ el mundo dei derecho y organizan la vida

social de manera correlativa". (03) Portanto, não podemos

deixar de concordar com Gil: é necessário transformar a

ciência jurídica, mas se deve operar nos termos Waratianos:

sem desprezar a ciência jurídica, é, fundamental multiplicar

seus significados.

0 momento mais importante de AHG, encontra-se na

sua terceira etapa; consiste, na aplicação do método

estrutural ao direito. Aqui, pode-se dizer, reside a sua

originalidade já que foi um d o s primeiros juristas a tentar

elaborar uma a n á l i s e e s t r u t u r a l .

C o m o já foi assinalado, a p e r s p e c t i v a de Saussure,

revista por Lévi-Strauss, seria o grande método a ser

adaptado. Para atingir seu objetivo, faz uma revisão t e ó r i c a

destes autores, do conceito de estrutura e estruturalismo,

discute o conceito de sistema na ciência jurídica e elabora

um q u a d r o q u e lhe p e r m i t e e s b o ç a r a chamada ciência jurídica

108
estrutural, a partir de categorias aptas a. analisar o

direito.

Passado o auge dessa escola, apontaram várias

posturas que desconstituem a validade e o significado de

seus argumentos, tais como a dialética Marxista, as

concepções funcionalistas, as concepções hermenêuticas e as

criticas de Luhmann. Não é nosso objetivo neste momento

elaborar todas estas possibilidades (04 ), mas criticar, de

alguma forma, AHG.

A proposta elaborada por AHg mostrou-se

insuficiente no âmbito do fenômeno jurídico e, inclusive,

para os ob j e t i v o s do próprio autor. Isto decorreu, em nossa

opinião, de dois elementos que Gil não conseguia atingir:

d e l imitar clara m e n t e o seu o b j e t o de estudo e apres e n t a r uma

f o r m a de o p e r a r c o m os c o n c e i t o s p o r e l e c o n s t r u í d o .

O objeto de estudo seria um sistema autônomo de

normas jurídicas que resultaram de uma estrutura subjacente

ao ordenamento jurídico. Gil, no entanto, não consegue

delimitar e individualizar este objeto. Também não de m o n s t r a

como operaria (mesmo no nível da ciência) o estruturalismo

jurídico, deixando vago este problema.

109
No entanto, cabe ressaltar que as categorias

criadas e usadas pelo e s t r u t uralismo, ainda são fundamentais

para a análise das relações sociais, da política e do

direito rnost ra n d o ~ s e satisfatórias para a reflexão teórica

na c i ê n c i a juridica.Com isto, AHG levanta a possibilidade de

discutir o direito, longe dos padrões dogmáticos, que

norteiam o conhecimento jurídico, abrindo espaço para novas

reflexões.

110
NOTAS

(01 )R O C H A , L e o n e l Severo. A D e m o c r a c i a e o C o n c e i t o de

Sistema. C o n tra d o g m á tic a s . São Paulo : Ed . Acadêmica,

1991. p. 30.

( 0 2) . Em D e f e s a da T e o r i a do Direito.

S e q u e n c ia . Florianópolis: Ed. UFSC, 1991. p . 08

(03) W A R A T , L u i s Alberto. Donde e s t á e l D e re ch o . In é

d it o

(04) P a r a s e t e r uma me l h o r c o m p r e e n s ã o das c r í t i c a s

possíveis ao estruturalismo ver a obra Sociologia

Política, de Roger-Gerard Schwartzenberg, que explica

as v á r i a s c o r r e n t e s de s u p e r a ç ã o do e s t r u t u r a l i s m o .

Pode-se consu l t a r também, Norberto Bobbio no seu livro

C o n t r i b u i c i ó n a la T e o r i a dei D e r e c h o . São igualmente

i m p o r t a n t e s as c ríticas de Luhmann e Focault.

111
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

. AYER, A .J . L in g u a g e m , V erd ad e e L ó g ic a . Trad. Ana B e l a

M i r a n t e .L i s b o a : Ed. Presença. 1991.

. BARTHES, Roland. E le m e n to s de S e m io lo g ia . Trad. Maria

Margarida Baranhona. São Paulo: E d. Cultrix. 1982.

. BENVENISTE, Guille. Problem as de L i n g ü í s t i c a G e r a l. Trad.

Maria G l o r i a N ovak e Maria L uiza Neri. Campinas: Ed.

U E C . 1991.

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