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A DITADURA MILITAR NO BRASIL

Arbitrariedade, v iolência e opressão

Tasso Assunção
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO
2 METODOLOGIA
3 UM PERÍODO CONTURBADO
4 IMPERIALISMO NA AMÉRICA LATINA
4.1 O imperialismo pela via populista no Brasil
5 BREVIÁRIO HISTÓRICO DO REGIME MILITAR
6 AS DIRETRIZES DOS GOVERNOS MILITARES
6.1 O governo Castelo Branco (1964-1967)
6.2 O governo Costa e Silva (1967-1969)
6.3 O governo Garrastazu Médici (1969-1974)
6.4 O governo Ernesto Geisel (1974-1979)
6.5 O governo Figueiredo (1979-1985)
7 CONCLUSÃO
8 ANEXOS
BIBLIOGRAFIA
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1 INTRODUÇÃO

A História, como ciência social, tem por finalidade pesquisar e analisar as evidências e

transformações ocorridas em uma determinada época, numa determinada sociedade. Essa

análise visa a estabelecer um parâmetro confiável, para que os fatos históricos sejam julgados

com objetividade e se lhes atribua o adequado grau de importância, pois a análise isolada dos

fatos conduziria a uma interpretação estrábica dos acontecimentos estudados.

A conscientização de que o estudo dos fatos históricos, sistemático, lógico, formal,

genuinamente selecionado, é determinante para que se possa evitar a ausência de crítica

criteriosa e a alienação do povo, submetendo os acontecimentos a uma crítica criteriosa para que

a classe dominante não insira no seio da sociedade informações distorcidas em benefício de seus

interesses.

Quase sempre a História é transmitida a partir da ótica da classe dominante. É preciso,

portanto, estudar o passado decodificando as informações históricas que podem proporcionar

benefícios à humanidade, viabilizando a compreensão dos acontecimentos, para que deixe de

prevalecer a veneração das tradições, o pseudopatriotismo, o culto aos heróis e o preconceito,

que relega povo a segundo plano.

Estar claro que as sociedades humanas se vêem, através dos séculos, enredadas em

complexas contradições, dificuldades, dominação e injustiças, fato agravado pelo registro

predominantemente factual da História, pelo simples gosto de registrar informações que nenhum

benefício pode proporcionar. O estudo do passado deve viabilizar a compreensão do presente e

uma visão lúcida e equilibrada do futuro.

Partindo desse raciocínio, procedeu-se à análise da ditadura e do regime militar instituído no

País em 31 de março de 1964, no qual o autoritarismo, o arbítrio, a intransigência, as

perseguições, a tortura e o assassínio se fizeram presentes e se verificou o crescimento das

desigualdades sociais e da marginalização.

Ante a sombria retrospectiva desse período, intensificou-se na consciência dos brasileiros,

especialmente nas duas últimas décadas, a esperança da adoção de medidas restabelecedoras

da democracia. Diversos segmentos da sociedade se empenharam com afinco para tentar


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esclarecer todos os atos e vestígios do despotismo, ficando cada vez mais evidentes as mazelas

do sistema.

Assim, recrudesceu a inquietação nacional e então pôde-se vislumbrar o retorno da

democracia, ante a crescente pressão da sociedade. Os generais abrandaram e anunciaram a

distensão, o afrouxamento da linha dura e o poder foi restituído aos civis em 1985. Embora ainda

condicionado ao mesmo ideário político do governo ditatorial, o País retornou ao regime

democrático.

Dessa forma, considerando-se a importância desse período para a compreensão da História

recente do País, os autores definiram-se pelo tema O golpe de 1964 e a ditadura militar para o

presente trabalho monográfico.

2 METODOLOGIA

Em qualquer estudo das sociedades humanas não se deve deixar de considerar quatro níveis

básicos: o econômico, o ideológico, o jurídico e o político. Embora os quatro sejam indispensáveis

à correta compreensão dos fenômenos sociais, o nível econômico é, inegavelmente, o que exerce

influência determinante no desenrolar das ações e fatos que impulsionam a história

Não há dúvida de que os modos de produção da vida material condicionam as dimensões

social e política das sociedades, o que não anula a importância dos níveis ideológico, jurídico, e

político, os quais, embora relativamente autônomos, constituem, na verdade, os mecanismos por

meio dos quais o fator econômico impõe sua primazia e garante a hegemonia de uma classe

sobre outra.

A partir dessa concepção dinâmica, este trabalho toma por base as questões básicas relativas

à estruturação da sociedade capitalista brasileira e suas relações internas e externas, para

analisar, sob a ótica dialética do materialismo histórico, os fatores das contradições ideológicas e

os diversos aspectos dos movimentos políticos subjacentes aos conflitos que culminaram com o

Golpe de Estado de 1964

Fundamentando-se em ampla pesquisa bibliográfica, buscou-se esclarecer o contexto .histórico

em que se deu o golpe de Estado de 1964, analisar os fatores sociopolíticos e econômicos desse
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acontecimento, definir as correntes ideológicas cujo embate resultou no movimento militar e

identificar a influência e a participação do capital estrangeiro na rebelião, sob a perspectiva do

imperialismo norte-americano.

Foram estudados todos os regimes ditatoriais da História Mundial, para que pudesse ser feita

uma análise dos antecedentes e circunstâncias econômicas, sociais, políticas, jurídicas, culturais e

históricas determinantes da conspiração que redundou no golpe militar de 1964. Finalmente,

teceram-se considerações sobre o processo de transição para o regime democrático, com vistas a

determinar as condições do Brasil no atual contexto sociopolítico e econômico mundial, para que

se possa entender que as contradições sociais são processos constitutivos da formação social

capitalista e seus regimes políticos.

3 OS ANTECEDENTES DITATORIAIS NOS PRIMÓRDIOS DA HISTÓRIA

No Império Romano, as monarquias absolutistas se pareciam em certos aspectos às ditaduras

atuais. Até a Revolução Francesa, os poderes dos reis derivavam de Deus e, ao contrário do que

acontece nos regimes ditatoriais, eram aceitos universalmente. Como referência temos, em 1851,

o golpe de Estado de Luís Napoleão Bonaparte, que instaurou o II império francês. Foi a

interrupção mais expressiva no estabelecimento dos regimes constitucionais do século XIX na

Europa.

No século XIX, com o surgimento das democracias modernas, o termo ditadura veio à tona,

para designar os regimes políticos cuja legitimidade não se fundamentava no modelo democrático

liberal. E o conceito de ditadura aproximou-se mais da tirania da antigüidade do que da ditadura

romana. A marca da tirania é a ilegalidade – o exercício do poder pela força e a violação dos

direitos humanos.

Na Europa, depois da I Guerra Mundial, instalou-se um período de profunda instabilidade

política e social, fazendo com que surgissem e ascendessem idéias autoritárias que golpearam a

democracia em diversos países. Como exemplo, podem ser citados: Espanha (Miguel Primo de

Rivera, 1923 a 1930), Itália (Mussolini, 1922), Alemanha (Hitler, 1933), dando início a uma política

expansionista que provocaria a segunda guerra mundial.


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Desde os primeiros anos do século XIX que os países da América Latina enfrentam períodos

de anormalidade democrática. A história do Continente está povoada de vários casos de caudilhos

que, a partir de províncias ou regiões periféricas, rebelaram-se contra os débeis governos centrais

e tomaram o poder político de seus países. Depois da segunda guerra mundial, as ditaduras

latino-americanas caracterizaram-se pelo componente ideológico e pela participação ativa dos

segmentos militares nos governos.

Também são numerosos os países dos continentes asiático e africano que viveram sob

regimes não democráticos. Na China, ao terminar a Segunda Guerra mundial, Mao Zedong tomou

o poder; no Irã, a ditadura do xá Mohamed Reza Pahlevi; na Indonésia, a do general Sukarno e

depois o general Suharto. Na África, a transição dos regimes coloniais para a independência

culminou freqüentemente com a instauração no poder de partidos únicos.

No Brasil, o primeiro regime ditatorial foi instalado pela revolução de 30, sob a chefia de

Vargas. O primeiro regime Vargas admitiu formalidades democráticas e ampliou o direito de voto

às mulheres. O segundo, instaurado por meio de um golpe institucional aplicado pelo próprio

Vargas, foi caracterizado pelo uso da força policial para assegurar a manutenção do poder e pelo

recurso sistemático da propaganda política e do culto da personalidade do ditador.

Posteriormente, seguiu-se uma fase de prática política democrática que se estendeu até 1964,

apesar de ameaças de golpes militares, quando da posse do presidente Juscelino Kubitschek, em

1955, e do vice João Goulart, em 1961. Finalmente, condições internas e pressões internacionais

anticomunistas levaram ao golpe que derrubou João Goulart e inaugurou uma série de cinco

governos militares que terminou com a adoção da Constituição de 1988.

4 UM PERÍODO CONTURBADO

O período de 1961-1964 pode ser visto como um momento privilegiado da vida política

brasileira. Mas para os que vêem nos conflitos e nos antagonismos o sinal da desagregação

social, os “tempos de Goulart “ só podem ser encarados como trágicos tempos dos caos e da

anarquia. 1964 é, pois, um marco divisor e uma referência obrigatória em qualquer avaliação

sobre o passado recente da nossa história, posto que nele ocorreu uma divisão política e

ideológica com dimensões inéditas e com características singulares.


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O presente estudo inclui a época que abrange desde a tentativa de golpe inserida na renúncia

de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, à instalação do regime ditatorial, em 31 de março de

1964, e todo o período dos governos militares de Humberto de Alencar Castelo Branco, Costa e

Silva, Garratazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista de Figueiredo, encerrado em 15 de março

de 1985 com a posse na presidência de José Sarney, o primeiro presidente civil do País depois de

mais de duas décadas sob o julgo militar.

Não se pode deixar de ressaltar que, no regime ditatorial, o que sobressai é o seu caráter

discricionário e entreguista, com toda uma carga de censura e repressão, embora, por

conveniência, em certas ocasiões os regimes de exceção adotem formalidades democráticas que

até admitem a existência de partidos políticos afins, e, em certas situações, podem permitir

eleições periódicas, desde que sejam mantidas as determinações dos comandantes do regime de

exceção.

Essa época da história brasileira é relevante. Nela se intensificaram e condensaram alguns dos

mais agudos impasses e conflitos da democracia. Em poucos dias, duas tentativas de golpe se

sucederam: a de Jânio Quadros e a dos setores militares. Três anos depois, foi alcançada uma

forte coesão ideológica nas Forças Armadas, levando-as a impor, juntamente com a mobilização

política das classes dominantes e setores da classe média, uma nova ordem político-institucional

no País.

Os setores populares e democráticos, a partir de então, pagariam um preço muito elevado pela

resistência oferecida aos golpistas. Portanto, foi no entreato de alguns ensaios golpistas e de um

golpe político-militar plenamente vitorioso que decorreu o governo João Goulart. Nos seus dois

anos e meio de vigência, um novo contexto político-social emergiu no País. Esse novo quadro se

caracterizou por uma intensa crise econômico-financeira.

Houve também nesse período freqüentes crises político-institucionais, extensa mobilização

política das classes populares, ampliação e fortalecimento dos movimentos operários e dos

trabalhadores do campo, crise do sistema partidário e acirramento da luta ideológica de classe.

Para os militares e demais setores civis golpistas, Jango simbolizava tudo o que havia de

“negativo” na vida pública brasileira: era demagogo, subversivo e implacável inimigo da ordem

capitalista.
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Nesse contexto, as esquerdas, não obstante reconheçam os reais avanços sociais e políticos

ocorridos no período, buscam, fundamentalmente, investigar as razões dos limites e das

impossibilidades da democracia burguesa com características populistas; a direita, ao definir os

tempos de Goulart, “como a expressão acabada de toda a perversidade social (subversão,

corrupção, crise de autoridade, desordem etc.), procura justificar a implantação do regime

autoritário e a perpetuação do poder de Estado militarizado.

Apesar de todas desejarem a queda do regime, cada organização via,


sob sua ótica, o tão decantado caráter da revolução brasileira. Uns
lutavam por uma revolução democrático-burguesa, outros pugnavam por
uma revolução socialista imediata, enquanto existiam aqueles que
acreditavam ser possível efetuar uma revolução popular, a qual tomaria
rapidamente o caminho socialista. Em relação à estratégia de luta, as
divergências eram salientes. Cada organização tinha a sua e era comum
surgirem divergências dentro das próprias organizações que acabavam
provocando outras dissidências... (MOCELLIN, 1987, p. 273.)

As justificativas para esse pensamento, segundo os golpistas, seriam as reformas de Base

(agrária, tributária, fiscal, educacional, sobre lei da remessa de lucros, constitucional, criação da

Superintendência Nacional de Abastecimento - SUNAB, nacionalização das refinarias particulares

de petróleo etc.).

5 O IMPERIALISMO NA AMÉRICA-LATINA

Na maioria dos países do chamado Terceiro Mundo, o processo de emancipação política não

foi acompanhado por uma efetiva independência econômico-social que levasse à superação de

seus problemas, das limitações estruturais e das seqüelas deixadas pelo colonialismo. Esses

países, via de regra, são apenas “nominalmente independentes”. Suas economias e recursos

continuam sendo controlados por suas ex-metrópoles.

No pós-guerra e pós-colonialismo, os Estados do chamado mundo pobre adotaram ou foram

exortados a adotar sistemas políticos derivados dos antigos senhores imperiais, ou daqueles que

os haviam conquistado, as novas nações e grupos hegemônicos. Empobrecidos, sem

comunicação, descapitalizados e com gravíssimos problemas de estrutura dentro de cada

fronteira, os países latinos americanos abatem progressivamente suas barreiras econômicas e

financeiras para que os monopólios pudessem ampliar seus movimentos.

A urgência em servir ao imperialismo e particularmente em tranqüilizá-lo


quanto à capacidade de servir foi tamanha que, de imediato,
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praticamente, transitou uma lei de garantia de investimentos estrangeiros


que só as colônias conheceram. O Brasil assistiu, sem demora, à
tranqüila, rápida e efetiva entrega de suas riquezas naturais, à destruição
sistemática de suas fontes de acumulação, ao empenho em manter o
nível baixo de salários e em impedir qualquer ameaça de reivindicação
salarial, à desorganização das empresas estatais, a pretexto de expurgar
nelas os elementos ditos subversivos – que eram os que trabalhavam e
acreditavam nelas – e sua substituição por apaniguados da nova
situação, tão ardentes nas punições e nos expurgos e nos desempregos
quanto empenhados em que não subsistisse nenhuma dúvida de que a
fase era de entrega mansa e pacífica de recursos nacionais em benefício
de multinacionais ávidas. Nada do que o imperialismo exigiu lhe foi
negado. Queriam a compra do ferro velho da Bond and Share, pelo
preço fixado pelo vendedor – comprou-se. Queriam a liqüidação da lei de
remessas de lucros, de forma a permitir retirar, não menos mais lucros
do que antes – deu-se. Queriam uma nova política financeira, que
arrasasse a acumulação interna e debilitasse as resistências nacionais –
adotou-se. Queriam a tutela do FMI – aceitou-se. Queriam liberdade de
ação para carregar nosso minério de ferro – concedeu-se. Queriam
muito mais e tudo lhe foi concedido... (SODRÉ, 1984, p. 61-62.)

Embora só os regimes comunistas ou sociais-democratas insistissem em ter o “popular” ou

“democrático” em seu título oficial, todo o mundo era democrata. Na prática, esses rótulos

indicavam onde esses Estados queriam situar-se internacionalmente. Mas a predominância de

regimes militares ou a tendência de neles cair unia os Estados do Terceiro Mundo de diversas

facções constitucionais e políticas.

O intervencionismo militar verificado nas últimas décadas na América Latina se originou da luta

das superpotências. Especialmente os Estados Unidos e a União Soviética, pela dominação

mundial ao longo da história do capitalismo, em função do interesse na expansão e no domínio

econômico de uma nação sobre outras, principalmente onde o trauma da descolonização se

mostrou intolerável, os militares ocidentais foram tentados a dar o golpe militar.

Quando Fidel Castro se dirigiu ao Banco Mundial e ao fundo Monetário


Internacional, nos primeiros tempos da Revolução Cubana, para
reconstruir as reservas de divisas estrangeiras esgotadas pela ditadura
de Batista, ambos organismos lhe responderam que primeiro devia
aceitar um programa de estabilização que implicava, como em todas as
partes, o desmantelamento do Estado e a paralisia das reformas de
estruturas. (GALEANO, 1998, p. 252 v.)

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, estabelece-se no mundo o conflito denominado

guerra fria, travada entre Estados Unidos e União Soviética, visando à hegemonia sobre as

demais nações do planeta nos planos econômico, ideológico, político e social, pelas vias

comercial, cultural e não poucas vezes, pela via da força militar.


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O conflito entre as duas potências induziu os países periféricos ao alinhamento a um ou outro

bloco dominante e à dependência econômica e tecnológica. Nesse contexto, a América Latina

logo fez sua opção pelo bloco capitalista e caminhou passo a passo para o total ajustamento à

dominação neo-imperialista norte-americana.

Por meio de uma hábil articulação diplomática, e valendo-se da superioridade bélica e

tecnológica, os Estados Unidos conseguiram enquadrar as elites econômicas dos países latinos

ao seu modelo de desenvolvimento imperialista, concentrador de riquezas e excludente das

maiorias, características que se mantêm hoje de maneira mais sofisticada pela ia diplomática.

Esta [a diplomacia], nos dias de hoje, se processa de maneira mais sutil,


em grandes conferências internacionais, nas quais os dólares são
cuidadosamente distribuídos entre os representantes das classes
dominantes que se encarregam de defender os interesses norte-
americanos nos seus próprios países, mas distribuídos de tal forma que
revertam sempre em benefício das firmas norte-americanas que neles
operam. (CHAVES NETO, 1978, p. 173.)

Quando Cuba se viu livre do protetorado da Espanha, os EUA tinham a intenção de obter

concessões para explorar as riquezas minerais da ilha. O controle e dominação norte-americana

sobre as Américas Latinas fica claro quando se conhece o pensamento de um membro do seu

exército, o General Leonard Wood, um dos chefes do governo militar impostos pelo EUA a Cuba:

Pouca ou nenhuma independência se deixou a Cuba com a Emenda


Platt (...) Não pode fazer tratados sem nosso conhecimento, nem solicitar
empréstimos além de certos limites (...) Creio não existir um governo
europeu que não considere Cuba como verdadeira dependência dos
EUA (...) Com o controle que temos sobre Cuba, controle que se
converterá em possessão, brevemente controlaremos o comércio de
açúcar no mundo. Creio ser uma aquisição desejável para os EUA. A ilha
se norte-americanizará gradualmente e com o tempo contaremos com
uma das mais ricas e desejáveis possessões existentes no mundo.
(AQUINO, 1990, p. 368.)

Apesar de seu caráter imperialista, os Estados Unidos sempre se utilizaram de um discurso

pró-democracia, especialmente em contraposição ao comunismo. Na prática, no entanto, a tão

propalada democracia norte-americana jamais passou da representatividade pré-programada,

visto que os eleitores em geral escolhem entre candidatos da elite A ou B.

Além disso, as supostas democracias latino-americanas apoiadas pelos imperialistas nunca

tiveram longa duração. Pelo menos até a década de setenta, logo que as organizações
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trabalhistas e populares começavam a ameaçar a hegemonia das elites econômicas, a potência

dominante viabilizou a implementação do controle pela via autoritária.

O surgimento dos regimes ditatoriais na América Latina marcam, de modo geral, o colapso do

modelo populista. Nessa situação, sob a ótica dos grupos conservadoras que patrocinaram a

ascensão dos militares ao poder, as relações com as camadas populares se encontravam na

iminência do confronto, pondo em risco a ordem burguesa fundada na propriedade privada.

Para disfarçar a tirania e a crueldade impostas pelos regimes ditatoriais que apoiavam, o

governo norte-americano desenvolveu uma política de direitos humanos, por meio da qual passou

a condenar maus tratos a presos políticos, mas era ao mesmo tempo o patrocinador do

esmagamento de qualquer forma de oposição ao sistema capitalista.

A imperiosa necessidade de materiais estratégicos, imprescindíveis para


salvaguardar o poder militar e atômico dos Estados Unidos, está
claramente vinculada à maciça compra de terras, por meios geralmente
fraudulentos, na Amazônia brasileira. (GALEANO, 1998, p. 150 v .)

Apesar de beneficiados com bilhões de dólares em empréstimos que por outro ângulo

consolidaram a dependência econômica e política, nesses países os direitos humanos foram

largamente violados, sem que houvesse grandes pressões dos Estados Unidos, enquanto os

governos socialistas eram constantemente acusados a esse respeito.

O controle dos Estados Unidos sobre os países latino-americanos sempre teve um objetivo

definido: a preservação do capitalismo e de fontes de matérias-primas e mão-de-obra barata,

modernamente por meio da influência ideológica e do poder ditatorial, que configuram novo tipo de

colonialismo que os historiadores chamam de neocolonialismo.

Aos países latino-americanos, desde a época colonial, foi destinado o


papel de fornecedores de produtos agrícolas e minerais para as
metrópoles européias. Mesmo quando, a partir do século passado, o
processo de descolonização propiciou a independência, a maioria deles
continuou a produzir praticamente os mesmos produtos da época
colonial. Isso demonstra que, embora a independência política tivesse
sido alcançada, a dependência econômica persistia. (OLIC, 1992, p. 7.)

No âmbito político, essa dependência econômica se viabilizou pela cooptação de ditadores

sempre dispostos a governarem um império alienado e a perseguir, torturar e eliminar os que

ousaram pensar, duvidar ou rebelar-se contra o poder econômico, medidas que levaram à

desnacionalização das atividades produtivas das nações dominadas.


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O golpe militar do Chile caracteriza muito bem esse período de dependência. No campo das

relações internacionais, o governo de Allende estabeleceu relações diplomáticas com a China,

Cuba e outros países socialistas, adotando uma política externa independente e partidária de

grupos de nações não-alinhadas.

A execução de tão avançado programa entrava em choque direto com o capital norte-

americano e as oligarquias dirigentes chilenas, fazendo com que estes tentassem por todos os

meios desestabilizar e derrubar o governo de Allende.

Com esse objetivo, promoveram assassinatos de dirigentes civis e militares, estimularam

levantes militares, montaram feroz campanha pela imprensa, espalharam boatos contendo falsas

acusações ao governo e seus partidários.

Os resultados foram o aprofundamento das desigualdades, o crescimento da violência e a

permanente instabilidade política, que culminou com a queda de Allende.

5.1 O imperialismo pela via populista no Brasil

No campo interno, a década de cinqüenta fez aflorar os limites do populismo, receita de

pacificação das contradições entre os diferentes setores da sociedade, aplicada com sucesso nos

trinta anos anteriores com vistas à viabilidade da modernização. O populismo constituía-se numa

política de conciliação entre capital e trabalho e se revestia de um questionável apoio à

organização sindical e da concessão de direitos trabalhistas, além do interesse na industrialização

e no desenvolvimento nacional.

O populismo se apresenta também como nacionalista, na medida em


que busca uma saída nacionalista (pelo menos no plano teórico e em
algumas poucas medidas concretas) para as economias latino-
americanas, e estabelece como inimigo primordial o imperialismo. (...)
Em suma, o populismo latino-americano representou uma ampla
mobilização das classes populares e sua inserção direta nas lutas
políticas, transformando-se num dos principais setores sociais de que o
sistema político necessitava para sua legitimação. (PRADO, 1981, p. 74.)

No entanto, o discurso anti-imperialista da ideologia populista era mais retórico do que prático,

visto que consistia numa proposta de caráter reformista, limitando-se a medidas superficiais que

não atingiam as estruturas da sociedade burguesa. De qualquer forma, conseguiu atrair a atenção

de estudantes e intelectuais sensíveis à causa nacionalista e, assim, favoráveis à adoção de uma


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política de combate ao imperialismo, em prol de medidas voltadas para os interesses econômicos

da nação.

Mas, ante os sinais de que os governos populistas jamais assumiriam uma posição propícia a

transformações mais profundas, o movimento operário cresceu, multiplicaram-se as manifestações

e greves e os sindicatos se fortaleceram. Assim, percebendo que a organização trabalhista

ameaçava as fronteiras do pacto populista, as elites, receosas da irrupção das massas no cenário

político, passaram a cogitar da necessidade de uma reestruturação que garantisse a sua

hegemonia política e econômica.

A alimentar o receio da burguesia, despontava no cenário internacional o exemplo da revolução

cubana, em 1959, a qual deixava transparecer a existência de uma via revolucionária para a

América Latina, representando forte ameaça ao capitalismo. A perspectiva de uma revolução

socialista aterrorizava também a Igreja Católica, que via no comunismo a negação dos princípios

cristãos, visto que os países comunistas eram ateus, e retratava essa ideologia como a

incorporação do próprio satanás.

Os militares, por seu turno, há muito insatisfeitos com a política populista e munidos da

doutrina de Segurança Nacional importada dos Estados Unidos, estavam dispostos a deter o

avanço do comunismo no Brasil a qualquer preço. Registra a história que, já desde o último

governo de Getúlio Vargas, com o seu equilibrismo ambíguo ante a crescente influência dos

monopólios estrangeiros e a possibilidade de participação popular, em função de medidas

nacionalizantes, o golpe já se esboçava.

Até janeiro de 1956, quando foi empossado o novo presidente eleito,


Juscelino Kubitscheck, o país viveu momentos igualmente conturbados
por novas tentativas dos mesmos setores direitistas. Desta vez,
esbarraram na resistência de grupos nacionalistas das próprias Forças
Armadas, detentores de importantes postos nesse período, como o
Ministério da Guerra, ocupado pelo general Henrique Teixeira Lott. Os
golpistas foram obrigados a recuar mais uma vez para a fase dos
preparativos, agora reunidos em torno da Escola Superior de Guerra,
que, fundada em 1949, vinha estruturando toda uma ideologia chamada
Doutrina de Segurança Nacional. (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO,
1985, p. 57.)

Nesse cenário, uma das estratégias a que a direita recorreu, ante a cada vez mais forte

iminência de ruptura das estruturas sociais capitalistas, foi uma intensa campanha de marketing,

desenvolvida sob orientação norte-americana tanto no Brasil como nas demais nações da América
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Latina. Veiculada pelos meios de comunicação de massa. Com o beneplácito das elites

econômicas, da Igreja, dos militares e das escolas, a propaganda anticomunista infiltrou-se em

quase a totalidade das sociedades latino-americanas.

Foi por meios da propaganda ideológica que a burguesia doutrinou a maioria da população, em

sua maior parte desprovida de condições intelectuais para discernir as verdadeiras razões do

capitalismo e distinguir os valores transmitidos. Por conseqüência, boa parte das massas

acabaram por desenvolver uma grande aversão ao comunismo, o que criou um campo propício à

instalação do regime militar e do autoritarismo.

Vê-se, assim, que a instauração do regime ditatorial veio contemplar os interesses das forças

conservadoras, em função do colapso do modelo populista e da ameaça cada vez mais próxima à

propriedade privada e à ordem burguesa. Ou seja, os grupos dominantes passaram a entrever a

possibilidade de rompimento dos limites populistas, ante a superação do reformismo, o que

colocava em xeque os interesses da burguesia industrial, das oligarquias agrárias e dos grandes

grupos financeiros associado ao capital internacional.

A associação de interesses das classes dominantes nacionais com grupos estrangeiros, já sob

a égide das Forças Armadas, estas altamente influenciadas pela Doutrina de Segurança Nacional

e comprometidas com a ideologia anticomunista, mais o apoio da classe média e a ignorância das

massas, viabilizou a imposição da nova ordem, eliminando-se o pacto populista e assegurando a

hegemonia capitalista no País.

6 BREVIÁRIO HISTÓRICO DO REGIME MILITAR

O regime militar instaurado em 1964 não pode ser compreendido se encarado como um fato

isolado, produto de circunstâncias históricas ou o resultado de ações de um ou mais grupos. Na

verdade, o golpe militar que levou à consolidação do autoritarismo instalado no Brasil em meados

da década de sessenta, com todo o arbítrio e a crueldade que lhe são inerentes se encaixa numa

longa tradição intervencionista.

Muito antes da Proclamação da República, ocorria a interferência ou a participação dos

militares em episódios em que as classes dominantes sentiram a necessidade de reprimir

movimentos ou lutas populares. Essa realidade, comprovada em inúmeros registros históricos,


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demonstra, por outro ângulo, que o brasileiro não é o tipo caracteristicamente cordial e submisso,

como se disseminou através dos anos.

Ainda no período monárquico, registraram-se sucessivas revoltas populares em defesa da

dignidade nacional e contra a opressão política, as quais são provas incontestes de que o

brasileiro também é capaz de se indignar-se.

• em 1824 eclodiu, em Pernambuco, a Confederação do Equador, movimento liderado por

Frei Caneca, que acabou sendo executado;

• entre 1835, desencadeou-se a Cabanagem, que foi reprimida com tal violência que dizimou

metade da população da então Província do Pará;

• em 1835, teve início a Revolução Farroupilha, que se prolongou por dez anos em Santa

Catarina e no Rio Grande do Sul;

• em 1837, novo levante na Bahia, denominado Sabinada, foi também reprimido com

desmedida e sangrenta crueldade;

• em 1838, deflagrou-se, no Maranhão, a Balaiada, mais uma vez assustando as classes

dominantes e despertando impiedosa reação;

• em 1842, em Minas Gerais e São Paulo, a Revolta Liberal já tinha seus líderes organizados

em partido de elite, mas também foi sufocada;

• em 1848, explodia em Pernambuco a Revolução Praieira, mais um movimento liberal que

não resistiu à repressão imperial.

... Se a história do País não é tão cruenta como a dos Estados Unidos e
de quase todas as da América espanhola, também não deve ser vista
como cordial, pois é uma série de contestações, de 1500 a 1998 (...) com
enorme presença de reivindicações dos grupos mais humildes, como se
vê até nos nomes de tais movimentos (Cabanada, Balaiada, Sabinada,
Farroupilha), ou a série de movimentos libertários da República – a
Revolta da Armada no Rio de Janeiro, a Revolução Federalista no Sul,
logo no começo do regime, sem falar nos episódios sangrentos do
sertão, como a guerra de Canudos... (COUTO, 1998, p. 17.)

Embora todos os levantes populares verificados no decorrer dos últimos séculos tenham sido,

de uma forma ou de outra, sufocados pela repressão oficial, deixaram à mostra uma história de

lutas. Em todas elas, exerceu papel decisivo o aparelho repressivo do Estado, constituído
15

inicialmente pelo Exército, que, paralelamente à defesa contra agressões externas, sucessivas

vezes interveio na política interna.

A condição de instrumento rotineiro de combate a iniciativas revoltosas ou revolucionárias se

instituiu patentemente nas Forças Armadas brasileiras em 1831, quando foi criada a Guarda

Nacional. Corporação auxiliar do Exército incumbida da repressão à dissidentes internos, a

Guarda Nacional acabou atrelada aos caudilhos da sociedade agrário-exportadora da época e

deteve grande prestígio.

No entanto, com o enfraquecimento dos velhos fazendeiros, ante o relativo avanço do projeto

de industrialização e a ascensão da burguesia, a Guarda Nacional entrou em declínio no final do

século passado. O Exército, por seu turno, retornou fortalecido da guerra contra o Paraguai,

ocorrida entre 1864 e 1870, assumiu posição de destaque e passou a se manifestar abertamente

sobre questões políticas.

As suas intervenções políticas, então já rivalizando com a Guarda Nacional e, assim, em

oposição aos setores reacionários, emprestaram-lhe um certo caráter progressista que se revelou,

no entanto, bastante relativo.

O marco mais importante dessa fase de alinhamento do Exército com o


espírito progressista foi a sua participação decisiva na derrubada do
imperador Dom Pedro II para implantar o sistema republicano no país.
Com efeito, os militares foram os autores diretos da deposição do
imperador e chamaram para si – primeiro na figura de Deodoro da
Fonseca e, depois, na de Floriano Peixoto – as tarefas da presidência da
República. (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985, p. 54.)

Entretanto, essa feição progressista não alijou do Exército a sua inerente e primordial

qualidade de força repressiva das camadas populares insatisfeitas que se rebelassem contra a

ordem estabelecida. Ou seja, enquanto se configurava progressista no combate às oligarquias

monarquistas, o braço armado do Estado se mantinha como o organismo incumbido do

desempenho de severa repressão à população pobre.

Essa composição com os setores hegemônicos da Republica implicava, por outro ângulo, o

envolvimento da cúpula do Exército com a rede de corrupção e fraudes eleitorais dos grande

proprietários de terra. Em contraposição a essas práticas, emergem, no início da década de vinte,


16

os levantes tenentistas (1922 e 1924 ), seguidos da épica marcha da Coluna Prestes (1924 a

1927), em prol da democracia e da moralidade.

Essa rebeldia perdurou nas décadas seguintes e passou a impressão a militantes esquerdistas,

inclusive João Goulart, de que poderiam contar com o apoio dos setores menos graduados das

Forças Armadas. Mas, embora defendesse o voto secreto e a soberania nacional, o movimento

tenentista não apresentava um ideário político que o identificasse com os interesses das camadas

populares por reformas estruturais.

De qualquer forma, o movimento polarizou as atenções da sociedade, ganhou a adesão das

alas dissidente das oligarquias rurais e possibilitou a vitória da Revolução de 30, que levou, pelas

armas, Getúlio Vargas à presidência. Mas, para a formação do seu governo, ele teve de formar

uma aliança entre as oligarquias rurais e a nascente burguesia industrial, tendo o aparelho militar

como instrumento de acomodação das forças.

Ao compor com as velhas oligarquias, o presidente tornou a sua gestão incompatível com

facções mais progressistas do tenentismo, o que resultou na criação da Aliança Nacional

Libertadora (ANL). A ANL congregou comunistas e nacionalistas imbuídos de idéias pró-reforma

agrária, independência do capital estrangeiro e melhor distribuição de renda, as quais alimentaram

efervescentes comícios e manifestações.

Ante o rumoroso avanço do movimento que reunia civis e militares, Getúlio Vargas proscreveu

a Aliança Nacional Libertadora, o que levou o Partido Comunista do Brasil (PCB) a deflagrar

alguns movimentos revolucionários. Foi nessa época, em novembro de 1935, que o Partido

Comunista promoveu um levante em Natal (RN), o qual foi rechaçado pelo Exército, que se

definiu, então, como o instrumento oficial de combate ao comunismo.

Além disso, sob o pretexto de punir os rebelados da chamada Intentona Comunista, as elites

retrógradas cooptaram as Forças Armadas para instaurar uma ditadura francamente repressora.

Era um novo período que se iniciava em 1937, sob a denominação de Estado Novo, numa

conjuntura em que se deflagrou a Segunda Guerra Mundial e as grandes potências passaram a

buscar a formação de alianças.


17

A princípio, as Forças Armadas e o governo estavam divididos entre as potências do Eixo e as

potências Aliadas. Ainda chegaram a comemorar vitórias nazistas. No entanto, o Brasil já era

economicamente dependente dos Estados Unidos e Getúlio Vargas teve de se decidir por apoiá-

los, o que colocou o seu regime ditatorial em contradição com os princípios democráticos

defendidos em campo de batalha.

...Convivendo com os americanos no campo de batalha, os oficiais


brasileiros compreenderam a contradição de combater os fascistas e
sustentar no Brasil um regime corporativo. Ao regressarem, vitoriosos,
desejaram modificar as estruturas políticas do país. Estavam imbuídos
das idéias de renovação dos quadros políticos, através de eleições, e de
uma verdadeira alergia ao comunismo e aos sistemas sociais mais
avançados. (ANDRADE, 1989, p. 16.)

Definida a supremacia dos aliados no plano internacional, situação que não poderia deixar de

se refletir no nível interno, a opressão do Estado Novo forçosamente se moderou. Entretanto,

como minguadas conquistas nacionalistas atingiam interesses norte-americanos, setores ligados

aos Estados Unidos desencadearam um plano que levou Getúlio Vargas à renúncia em 29 de

outubro de 1945.

Sucedeu a Getúlio Vargas, o marechal Eurico Gaspar Dutra, que procedeu à eleição

presidencial da qual saiu vencedor. A eleição não passou, no entanto, de um ensaio de

democracia e já em 1947 o novo governo se demonstrava antipopular e perfeitamente afinado

com os interesses norte-americanos. Um resquício de democracia permitiu, todavia, a volta de

Vargas à presidência, pelas urnas, em 1950.

Quando voltou, Getúlio Vargas estava imbuído do propósito de substituir a figura do ditador do

Estado Novo pela imagem de um estadista democrático, sob o lema do nacionalismo e do

trabalhismo, características que o haviam consagrado ante a classe trabalhadora urbana em seu

governo anterior. Mas interesses norte-americanos já estavam firmemente arraigados no País e

novamente determinariam os rumos do governo.

Semelhantemente a João Goulart, em 1964, Getúlio Vargas oscilou entre a conveniência do

alinhamento com monopólios estrangeiros, que avançava sobre a economia, e o apoio das

massas pelo estímulo à participação popular, com vistas à implementação de medidas

nacionalizantes. Ao inclinar-se na direção desse último posicionamento, deparou-se com a

oposição de generais direitistas.


18

Sob o peso de forças reacionárias personificadas por chefes militares, recorreu à dramática

solução do suicídio, em 24 de agosto de 1954. O sinistro gesto de Vargas fez irromper em

diversos pontos do País enérgicas manifestações contrárias ao caráter imperialista do capital

norte-americano. Foi, pois, a indignação popular que barrou a conspiração militar que mais uma

vez planejava destituí-lo.

De qualquer forma, o germe do golpe de Estado de abril de 1964 já se encontrava em

gestação, num processo de amadurecimento dos propósitos despóticos dos militares. Já durante

do curto período de final de governo do vice de Getúlio Vargas, Café Filho, setores direitistas se

compuseram em outras tentativa de subversão, desta vez frustradas por grupos nacionalistas das

próprias Forças Armadas.

Em 1955, elegeu-se Juscelino Kubitschek, que tinha João Goulart como vice, e novas

iniciativas golpistas tiveram de ser desmontadas. Recolhidos ao estágio preparativo de uma

possível intervenção, os militares, que já haviam fundado, em 1949, a Escola Superior de Guerra,

se articularam em torno desta em prosseguimento às manobras intervencionistas, desta vez

pautadas pela ideologia da Doutrina de Segurança Nacional.

Estruturadas as intenções conspiratórias, o ambiente entrou em efervescência durante a crise

provocada pela renúncia do sucessor de Juscelino Kubitschek, o populista Jânio Quadros, em 25

de agosto de 1961, e a sua conseqüente substituição pelo vice, que era, mais uma vez, João

Goulart. Considerado radical pela alta hierarquia das Forças Armadas, o vice-presidente foi alvo

do veto imediato dos três ministros militares.

Em favor da posse de João Goulart, amplos setores se mobilizaram pelo País. No Rio Grande

do Sul, o governador Leonel Brizola lançou o mais intenso movimento de apoio à legalidade. Ante

a iminência da guerra civil, os militares retrocederam em seus intentos, mas sob a condição da

instituição do regime parlamentarista, que vigorou até 6 de janeiro de 1963, quando um plebiscito

restabeleceu o presidencialismo.

Nesse ínterim, ganhava corpo o movimento popular. No período que se seguiu ao plebiscito,

pelo qual João Goulart derrotou com a grande maioria dos votos o parlamentarismo pespegado

pelos militares, os sindicatos, apesar de visíveis deficiências na organização de base, alcançaram


19

uma ampla capacidade de arregimentação das massas em torno de ações tanto reivindicatórias

quanto políticas.

Em defesa das “reformas de base”, aglutinava-se uma ascendente quantidade de sindicatos

que, embora em contradição com o modelo de organização sindical imposto pela lei, levaram a

termo a idéia da fundação de uma central sindical. Nascia o Comando Geral dos Trabalhadores

(CGT), uma entidade que se afigurava sobremodo ameaçadora aos setores mais à direita sem

vínculo com o governo.

Em nível mundial, o comunismo assomava como um fantasma a inquietar a maioria capitalista

ciosa de sua propriedade privada urbana e rural e seus privilégios. No Brasil, o nível de

organização sindical de que se revestiram os trabalhadores, associado à duvidosa porém

manifestada simpatia do presidente pela esquerda, traduziu-se em reajustes salariais à altura da

elevada inflação então verificada.

Na área rural, começaram a surgir as ligas camponesas, um dos braços fortes das revoluções

comunistas levadas a efeito e apregoadas em todo o mundo, as quais, em 1964, já somavam

2.181 em vinte estados e se mantinham em efetiva militância. Esse vigor organizacional de

sindicatos e ligas camponeses amedrontavam capitalistas e fazendeiros, os quais se viam na

iminência de deparar uma revolução comunista.

As manifestações do proletariado se intensificavam, as discussões sobre a reforma agrária, até

então limitadas a grupos isolados, ganhavam as ruas. Paralelamente, artistas, estudantes,

intelectuais e diversos segmentos da classe média, com forte ressonância no Congresso,

pressionavam por transformações de cunho nacionalista que incluíam nova estrutura educacional

e novo tratamento às empresas estrangeiras.

...o período 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos
trabalhadores brasileiros neste século, até agora. O auge da luta de
classes, em que se pôs em xeque a estabilidade institucional da ordem
burguesa sob os aspectos do direito de propriedade e da força coercitiva
do Estado. Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-
revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo
caráter contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o
imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo
entornasse. (GORENDER, 1998, p. 73.)
20

Em meio ao clima de efervescência ideológica que imperava no País, as elites se alarmavam e

em 1963 já estavam à beira do pânico. A burguesia, articulada com influentes setores das Forças

Armadas, que contavam por sua vez com o apoio da agência central de inteligência dos Estados

Unidos, a CIA, traçava o plano golpista, favorecido pela alta inflação e forte oposição do

Congresso ao Plano Trienal de João Goulart.

Com vistas a refrear a crescente “onda esquerdizante” e preparar o terreno para o desenlace

da conspiração, a direita criou o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de

Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), que se encarregaram de desenvolver fartas campanhas

contra o governo e financiaram centenas de candidaturas de políticos identificados com os

interesses norte-americanos.

Enquanto isso, prosseguia o movimento pela reformas de base, o qual já se estendia às bases

militares. Fundada em 1962, a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil se fazia

notar. Em setembro 1963, sargentos se rebelaram em Brasília. Esses fatos emprestaram aos

generais o pretexto da necessidade de manter a disciplina e a hierarquia da corporação, por meio

do qual se fortaleceram ante o presidente.

A exemplo de Getúlio Vargas em 1954, João Goulart nesse período se caracterizou pela

ambigüidade. Hesitava entre a esquerda e a direita e alimentava a desconfiança de ambas as

partes. A crise se avolumava e a sedição militar em andamento já era pública. Numa

demonstração de força, o governo realizou, em 13 de março de 1964, um comício que concentrou

um número estimado entre cem e duzentas mil pessoas.

Nessa ocasião, João Goulart, na presença de todo o seu ministério, inclusive os ministros

militares, e dos governadores de Pernambuco, Miguel Arraes, e de Sergipe, Seixas Dória, assina

as reformas de base, que visavam transformar a estrutura da terra e sindical, a organização

político-constitucional e financeira e o sistema energético e de transportes, atingindo fortes

interesses políticos e econômicos.

Enquanto isso, de há muito a direita se organizava e promovia manifestações contra o

“governo comunista” de João Goulart, dentre as quais a mais expressiva foi a “Marcha da Família

com Deus pela Liberdade”. O movimento de apoio à conspiração militar contava com a
21

participação de latifundiários, grandes empresários, amplos setores da classe média e da Igreja

Católica e a decisiva aprovação dos Estados Unidos.

A crescente radicalização política do movimento popular e dos


trabalhadores, pressionando o Executivo a romper o “pacto populista”,
levou o conjunto das classes dominantes e setores das classes médias –
apoiados e estimulados por agências governamentais norte-americanas
e empresas multinacionais – a condenar o governo Goulart. (TOLEDO,
1994, p. 120.)

Entre os dias 25 e 26 seguintes, novo episódio protagonizado por militares menos graduados,

denominado “motim dos marinheiros”, veio agravar a situação, visto que o governo se posicionou

favorável aos rebelados e causou grande insatisfação entre os oficiais. Criticado por essa atitude,

João Goulart defendeu-se pronunciando, em 30 de março, discurso a dois mil sargentos no

Automóvel Clube do Rio de Janeiro.

Foi a gota d´água. No dia seguinte, o general Olympio Mourão Filho, comandante da IV Região

Militar, de Belo Horizonte, deflagrou o movimento golpista que mobilizou os quartéis em todo o

País. No âmbito político, além do governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, apoiavam o

levante os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de São Paulo, Ademar de Barros, para

citar apenas os mais influentes.

Marcado pelo estigma do comunismo impingido pela propaganda veiculada por organizações

financiadas pelos Estados Unidos, como o Partido Social Democrático (PSD), a União

Democrática Nacional (UDN), o IBAD, o IPES e a grande imprensa, o presidente se viu numa

situação insustentável e, não havendo como resistir ao poderio armado dos militares, partiu para o

exílio no Uruguai, onde faleceu em 1976.

Deposto João Goulart, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazilli, assumiu

provisoriamente o cargo. No entanto, a aparência de legalidade apenas disfarçava o controle

político do País pelo Alto Comando Revolucionário. Assim, em 9 de abril, decretou-se o Ato

Institucional n.º 1, que facultava ao Poder Executivo cassar mandatos, suspender direitos políticos,

alterar a Constituição e impor estado de sítio.

Em 11 de abril, sob a influência constrangedora e coercitiva das armas, o Congresso Nacional

elegeu presidente o marechal Humberto Castelo Branco de Alencar, empossado no dia 15

seguinte. Embora tenha prometido reorganizar o País e manter a eleição presidencial do ano
22

seguinte, as declarações do novo presidente não passaram das palavras. Além disso, logo depois

de sua posse, deflagrou-se intensa campanha repressiva.

Efetivamente, logo depois de confirmado o sucesso do golpe, desencadeou-se intensa

perseguição a políticos de esquerda supostamente ou de fato adversos à “nova ordem”, bem

como a jornalistas, estudantes, intelectuais ou qualquer pessoa considerada subversiva, por meio

da delegação de poderes excepcionais a chefes militares de praticamente todos os municípios e

localidades do País, os quais tiveram total liberdade de ação.

Enquanto isso, estabeleceu-se forte cerceamento aos meios de comunicação, que tiveram

todas as notícias que veiculavam censuradas a critério, muitas vezes, de prepostos

despreparados, bem como artistas e intelectuais em geral tiveram suas atividades monitoradas.

Nesse exercício de coação da liberdade de expressão, qualquer tendência comunista, embora

anterior ao regime, era motivo de prisão, tortura e até morte

Os que ousavam continuar se manifestando livremente, ou mesmo que o tivessem feito

anteriormente, eram perseguidos e muitos tiveram de fugir do país. A grande maioria da

população, por seu turno, obscurecida pelo baixo nível cultural e a inexperiência política, era

mantida alheia ao que ocorria no órgãos oficiais, embora em outros países se soubesse que no

Brasil havia tortura e morte de gente inocente.

Prevaleceu a indiferença da maioria da população. Sem consciência


política, desorganizado, desinformado, pobre e carente, o “povão” nem
tem noção precisa do que está acontecendo. Não participa, não é
ouvido. A verdade é que essa massa aprovará entusiasticamente o
governo Médici, auge da ditadura. Tudo por causa do impacto favorável
da aceleração do crescimento econômico sobre o seu cotidiano.
Especialmente emprego e renda. Os realmente sensíveis ao golpe são
os políticos, os intelectuais, os cientistas, religiosos, artistas, jornalistas,
estudantes, empresários etc. É a sociedade civil organizada. E os
militares, claro. O povão não filtrava os acontecimentos, não era tocado
pelo regime de exceção, não pedia democracia. Não tinha lado nem
preferência ideológica. Isso só vai acontecer após a crise e
estrangulamento do modelo de crescimento acelerado de 1968-1973.
(COUTO, 1998, p. 99.)

Sessenta dias depois, estavam sem mandato nem direitos políticos mais de três centenas de

brasileiros. Dentre os cassados estavam os ex-presidentes Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros

e João Goulart. Estima-se entre dez e cinqüenta mil o número de pessoas presas nesse período
23

que antecedeu a posse de Castelo Branco, na maioria das vezes arbitrariamente, e, embora

muitos tenham sido logo liberados, não poucos sofreram violência.

Essa prática chegou ao paroxismo no final da década, quando grupos esquerdistas se

decidiram pela luta armada e muitos de seus membros foram presos e submetidos a diversos tipos

de tortura e, não poucas vezes, assassinados. A prática da tortura, institucionalizada durante

quase toda a vigência do regime militar, mereceria um estudo à parte, tantos e tão escabrosos

foram os casos de brasileiros submetidos ao mais degradante tratamento.

Mas a princípio os militares não tinham a intenção de permanecer no poder por muito tempo. O

mesmo Ato Institucional n.º 1 decretava eleições indiretas para Presidente da República, dois dias

depois, e eleições diretas em outubro do ano seguinte. O plano inicial era promover uma “limpeza”

do cenário político, expurgando a política dos líderes esquerdistas e, num prazo de um ano,

devolver o poder aos civis.

Aos poucos, entretanto, os acontecimentos vão tomando a direção contrária. Apesar da

declarada intenção de Castelo Branco de restituir a democracia ao País, o segmento das Forças

Armadas identificado com a chamada “linha dura” exerce influência cada vez mais forte sobre o

governo. Estavam dispostos a defender a consolidação do movimento revolucionário e logo

conseguem significativas concessões do presidente.

7 AS DIRETRIZES DOS GOVERNOS MILITARES

O golpe militar marcou o fim do regime democrático e o início de um período de 21 anos de

autoritarismo durante o qual se sucederam na Presidência da República cinco generais: Humberto

de Alencar Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e

João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Esses generais-presidentes protagonizaram um governo caracterizado pela força das armas, a

extinção do direito ao voto, a censura às mais diversas manifestações, o exílio de milhares de

brasileiros, a tortura e o assassínio patrocinado por órgãos de repressão, caracterizado, enfim, por

atos de perseguição e terror que mancharam a história do País.


24

No âmbito econômico, a ditadura se pautou por um modelo de desenvolvimento dependente

em que prevaleciam os interesses do capital e da tecnologia estrangeiros, personificados em

multinacionais ávidas de lucro, tudo à custa das riquezas naturais brasileiras e de inestimáveis

sacrifícios impostos aos trabalhadores.

Embora a política econômica do governo militar tenha se revertido alguns anos depois em

resultados satisfatórios, como a queda da inflação e a estabilização econômica, seguida de um

surto de crescimento que propiciou o investimento de bilhões de dólares em obras faraônicas, não

se deu atenção às gritantes carências sociais.

7.1 O governo Castelo Branco (1964-1967)

Em sintonia com os interesses do capitalismo norte-americano, o governo Castelo Branco

opôs-se frontalmente ao comunismo e promoveu severa repressão a diversas agremiações

sociais. Fechou sindicatos de trabalhadores e invadiu a União Nacional dos Estudantes (UNE),

cortou relações diplomáticas com o governo socialista de Cuba e liberou o mercado nacional à

exploração de empresas multinacionais ao revogar a Lei de Remessa de Lucros. Em

contrapartida, teve o apoio dos Estados Unidos e de multinacionais.

Paralelamente, os ministros do Planejamento, Roberto Campos, e da Fazenda, Otávio Gouveia

de Bulhões, lançavam o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), que tratou das

políticas monetária, cambial, salarial e fiscal, além dos aspecto institucional, com vistas a debelar

a inflação e promover o desenvolvimento. Com efeito, a inflação, de 92,1% em 1964, caiu para

39,1% em 1965. Em 1966, foi de 39,1% e, em 1967, de 25,0%. Mas o crescimento econômico foi

modesto nesse período. (COUTO, 1998, p. 65.)

De qualquer forma, a governabilidade estava restabelecida, o País renegociou a dívida externa

e deixaram de se registrar deficits na balança comercial. Embora tenha criado as bases de

sustentação do chamado “milagre econômico”, nos governos seguintes, de Costa e Silva e Médici,

quando houve acelerado desenvolvimento, o programa de estabilização impôs grandes sacrifícios

a toda a sociedade brasileira, tanto no âmbito econômico quanto no da liberdade de escolha e

opinião e representou também alto custo político ao governo.


25

Por outro ângulo, o PAEG beneficiava o capital estrangeiro, enquanto restringia o crédito e

achatava os salários dos trabalhadores, que ficaram à mercê da instabilidade e da coação ao

menor sinal de protesto ou tentativa de paralisação, por força da Lei de Greve de 1964 (n.º 4.330).

O salário-mínimo recebeu reajustes defasados em relação ao aumento do custo de vida e teve

seu valor real reduzido em 15,3%, em 1965, 15,6, em 1966 e 5,6%, em 1967. Nesse contexto, o

governo tornou-se cada vez mais impopular.

Nas eleições para os governos estaduais de 1965, os partidos de oposição obtiveram

expressivas votações. A reação do regime militar à desaprovação nas urnas veio, em 27 de

outubro de 1965, na forma do Ato Institucional n.º 2, por meio do qual se estabeleceu

definitivamente eleição indireta (pelo Congresso) para a Presidência da República e se

extinguiram os partidos políticos, que foram substituídos por um situacionista, a Aliança

Renovadora Nacional (Arena), e um oposicionista, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Pressões. A caldeira militar ferve. Em 27 de outubro de 1965, o já


esgarçado tecido democrático sofre nova ruptura. O AI-2 leva à extinção
do pluripartidarismo, devolve ao governo o poder de cassar mandatos e
direitos políticos, permite-lhe a decretação de estado de sítio, a edição
de decretos-leis sobre assuntos considerados de interesse da segurança
nacional, fortalece-se a justiça militar, estabelecem eleições indiretas
para presidente... (COUTO, 1998, p. 73.)

Em 3 de novembro, o Ato Institucional n.º 3 tornou indiretas também as eleições de

governadores e prefeitos das capitais, que passaram a ser indicados pelo presidente e pelos

governadores, respectivamente. Em 7 de dezembro, o Ato Institucional n.º 4 conferiu prerrogativas

constitucionais ao Congresso, que aprovou nova Carta Magna em 44 dias, dotando o Poder

Executivo de autoridade exclusiva para legislar sobre segurança nacional e finanças públicas,

mantendo as eleições indiretas para presidente.

Todas as medidas se deram no sentido de fortalecer mais e mais os poderes do Presidente da

República em detrimento dos Poderes Legislativo e Judiciário. O movimento militar, que a princípio

se apresentava como temporário, revelava cada vez mais o seu caráter continuísta. Consolidava-

se o arbítrio, instituía-se a ditadura. Embora a nova Constituição tenha suprimido a cassação

excepcional de mandatos e direitos políticos, o País estava enquadrado nos limites e parâmetros

do poder militar.
26

7.2 O governo Costa e Silva (1967-1969)

Candidato dos militares de “linha dura”, o general Arthur da Costa e Silva assume, em 15 de

março de 1967, a presidência num momento em que recrudesciam as manifestações públicas

contra o novo regime. A oposição tentava se reorganizar e, apesar da violência da repressão,

trabalhadores organizaram greves, estudantes promoveram passeatas e enfrentaram as forças de

segurança do regime, enquanto políticos mais ousados proferiram discursos contra a ditadura e

padres progressistas condenavam a fome e a tortura.

A reação do governo se revestiu de avassaladora fúria. Mis uma vez recorrendo a um ato

institucional, o AI-5, de 13 dezembro de 1968, que atribuía amplos poderes ao presidente para

reprimir e perseguir os adversários, fechar o Congresso Nacional, as assembléias legislativas e as

câmaras de vereadores, decretar intervenção nos estados e municípios, cassar mandatos e

suspender direitos políticos, demitir funcionários públicos e até suprimir direitos individuais,

permitindo a prisão sumária de qualquer pessoa.

...Em dezembro de 1968, o governo, em nome da segurança nacional,


chega ao extremo de decretar o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), ponto
culminante da legislação autoritária e do autoritarismo, porque suspende
os direitos civis comuns, inclusive o habeas-corpus, devolve ao
presidente a competência para cassar mandatos e direitos políticos e, de
fato, para fazer os atos de governo que quiser como quiser. É o golpe
dentro do golpe. O aprofundamento do militarismo. A ditadura dura. (Id.
Ibid., p. 85.)

Valendo-se do AI-5, Costa e Silva fechou o Congresso, cassou os mandatos de 110 deputados

federias,160 estaduais, 163 vereadores e 22 prefeitos, afastou quatro ministros do Supremo

Tribunal Federal, prendeu milhares de pessoas em todo o Brasil e dissolveu a Frente Ampla,

lançada em novembro de 1966, pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek, então senador cassado,

pelo ex-golpista e ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda, e pelo ex-presidente João

Goulart, que se encontrava exilado no Uruguai.

À medida que o regime endurecia, a oposição, apesar de desarticulada em nível institucional,

se manifestava nas ruas pela mobilização de trabalhadores, estudantes e artistas. Os estudantes,

principalmente, embora centralizassem suas reivindicações em problemas específicos da

educação, eram também duramente reprimidos. Dessa forma, os movimentos estudantis davam
27

lugar a protestos contra o governo, enquanto a violência da repressão despertava o

descontentamento da classe média e da Igreja.

Setores mais à esquerda, embora na clandestinidade, tentavam resistir. Alguns optam pela luta

armada para derrubar o regime. Inspirados na Revolução Cubana, na Guerra do Vietnã e várias

outras guerrilhas que eclodiram na América Latina, criaram diversas organizações esquerdistas

que agiram isoladamente, cada uma a seu modo. Assaltaram bancos, explodiram bombas,

seqüestraram embaixadores estrangeiros e procederam a outras operações armadas. Foram

perseguidos, torturados, assassinados.

O extremo poder de violência implícito nessa legislação arbitrária e as suas repercussões

negativas no meio da sociedade parecem ter inquietado Costa e Silva, que incumbiu o seu vice,

Pedro Aleixo, de coordenar uma comissão de juristas na elaboração de nova Constituição. Depois

de várias outras medidas oficiais regulamentadoras da atuação repressiva do regime de exceção,

a iniciativa do presidente apontava na direção da volta à norma constitucional e à conseqüente

reabertura do Congresso

Mas, quando o anteprojeto da Carta Magna chegava à fase conclusiva, uma trombose tira o

presidente do cargo, em 29 de agosto de 1969, e, como o vice havia se posicionado contra o AI-5,

os militares o impediram de assumir o cargo, no qual foi empossada, por meio do AI-12, uma junta

militar formada pelos ministros militares Aurélio de Lyra Tavares, do Exército, Márcio de Souza e

Mello, da Aeronáutica, e Augusto Hamann Rademaker Grunewald, da Marinha, os quais

declararam-se no comando da nação em 31 de agosto.

...Carlos Chagas* afirma que o principal motivo para a decisão de não


entregar o poder ao vice-presidente Pedro Aleixo foi a certeza de que ele
insistiria na abertura política, para a qual vinha colaborando efetivamente
em todo o ano de 1969. O general Murici afirma, por seu lado, que a
pressão militar não era contra a abertura política, e sim contra a sua
realização imediata, porque havia ainda elementos políticos
incompatíveis com a revolução exercendo mandatos e com plenos
direitos políticos. (SILVA e CARNEIRO, 1998, p. 101.)

Além da incoerência do raciocínio do general Murici Magalhães, ao tentar justificar as intenções

democráticas da junta militar com ressalvas à participação de opositores, o que representava

obviamente uma restrição à abertura, as próprias medidas governamentais subseqüentes ratificam

a pouca ou nenhuma disposição dos ministros militares para promover a restauração da


28

democracia, visto que, em menos de três meses no poder, enrijeceram ainda mais o regime e

outorgaram uma constituição de caráter ditatorial

A Junta Militar mantém o AI-5 e promove alterações na emenda


constitucional preparada sob Costa e Silva. São introduzidas medidas de
exceção tomadas desde 1967, inclusive os dispositivos do AI-5. Em 17
de outubro de 1969, ela é outorgada, na presença apenas dos ministros,
de alguns convidados especiais e da imprensa. Entra em vigor no dia 30
de outubro. Apesar de emenda constitucional, fica conhecida, por sua
abrangência, como “Constituição de 1969”. (COUTO, 1998, p. 104.)

Além da reabertura do Congresso, em 22 de outubro de 1969, o ato mais significativo da junta

foi a “legalização” da ditadura militar, levada a efeito através dessa emenda constitucional (de n.º

1), por meio da qual se alterou substancialmente a Constituição de 1967. Cinco dias depois, ante a

impossibilidade de recuperação imediata de Costa e Silva, a junta militar indica para sucedê-lo o

general Emílio Garrastazu Médici, indicação essa referendada pelo Congresso, reaberto após dez

meses de fechado, já sem os deputados cassados pelo AI-5.

*O jornalista Carlos Chagas era à época secretário de Imprensa da Presidência da República.

7.3 O governo Garrastazu Médici (1969-1974)

A exemplo de seus antecessores, ao assumir a Presidência da República, em 30 de outubro de

1969, o general Emílio Garrastazu Médici se pronunciou favoravelmente à “plenitude do regime

democrático” por meio do “sistema representativo baseado na pluralidade dos partidos e na

garantia dos direitos fundamentais do homem”. No entanto, as ações do seu governo traduziram

profundo desrespeito a esses princípios.

A promessa de restauração da democracia Médici nunca cumpriu. Ao


contrário, apertou as já draconianas leis de segurança nacional e
aumentou a censura estabelecendo a censura prévia a livros e
periódicos. Em 1971, garantiu para si o poder de redigir decretos
secretos que seriam conhecidos só dele e de uns poucos assessores de
segurança. (DROSDOFF, 1986, p. 29.)

Escamoteado sob o lema da “Segurança e Desenvolvimento”, instalou-se no País o mais

truculento processo repressivo do período ditatorial, se não da própria história republicana. Um

aparato de órgãos de segurança dotados de autonomia para agir contra a liberdade civil deu início

a uma verdadeira caçada anticomunista que atingiu milhares de cidadãos, enquadrados como

subversivos, e transformou a tortura e o homicídio em rotina.


29

Embora em algumas ocasiões tenha acenado com uma vaga possibilidade de restauração do

regime democrático, o presidente acabou por deixar patente sua descrença na viabilidade da

democracia no Brasil, cujo conceito era para ele “sujeito às revisões impostas pela conveniência

social”. Além disso, chegou a declarar não haver “razão para que sequer se cogite em alterar as

linhas dentro das quais a nação está[va] sendo guiada”.

Em 2 de janeiro de 1971, numa demonstração de que preferia a vigência do AI-5 (que conferia

poderes ditatoriais ao Executivo e mantinha a oposição à distância do Congresso), Garratazu

Médici justificou o prosseguimento do regime de exceção sob a alegação de que a volta à

democracia colocaria em risco a ordem necessária à seqüência do plano de desenvolvimento

econômico em andamento no País.

Se nessa ocasião o presidente ainda tentou fundamentar seu discurso, em junho de 1972,

deixou transparecer apego às atribuições despóticas que ora exercia, apesar do tom cívico

emprestada à retórica com que racionalizou sua pretensões continuístas, valendo-se

simplesmente do direito que lhe cabia, ante o as disposições do ordenamento jurídico vigente, de

se manter no cargo, a despeito de seu caráter antidemocrático e violento:

“... qualquer desvio de rumo (...) comprometeria gravemente a atmosfera de paz e tranqüilidade

de que o Brasil necessita para sustentar o ritmo de progresso, pelo qual ora se distingue” –

comentou Médici em discurso à Arena, em janeiro de 1971. Em junho de 1972, sentenciou: “Não

fugindo aos deveres que lhe impõe a ordem jurídica (...), não abdica o governo, igualmente, das

prerrogativas ou poderes que lhe foram atribuídos”. (Id. Ibid., p. 30.)

De fato, sob o aspecto econômico, foi no governo de Médici que a política desenvolvimentista

iniciada por Costa e Silva chegou ao clímax. A severa política fiscal e monetária de Castelo

Branco havia criado as bases internas para a retomada do crescimento econômico. As contas

ajustadas, o restrito controle sobre o operariado e os baixos salários tornavam o País muito

atrativo para os investidores estrangeiros.

O câmbio estava equilibrado e o deficit público girava em torno de 1%, havia estabilidade

política, embora forçada, e desenhou-se uma favorável associação de fatores externos. Tudo isso

possibilitou uma excelente expansão do crescimento econômico – era o “milagre brasileiro”,


30

utilizado pelo governo ditatorial em intensas campanhas oficiais que criaram um clima de otimismo

e confiança no futuro do País.

Em fins de 1971, o presidente sintetizou seu projeto reformista sob duas siglas: O I PND (Plano

Nacional de Desenvolvimento) e o PIN (Programa de Integração Nacional). A estas se juntaram

dezenas de outras siglas representando reformas financeiras, empresas estatais e programas

sociais, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e o Movimento Brasileiro de Alfabetização

(Mobral) pelo menos aparentemente benéfico.

Mas, paralelamente ao avanço da economia e à construção de grandes obras, como a Rodovia

Transamazônica e a Ponte Rio–Niterói, o governo adotava uma rígida política de arrocho salarial e

cerrada vigilância sobre qualquer manifestação contrária ao regime. Os direitos fundamentais do

cidadão estavam suspensos. Quase não havia passeatas, comícios nem greves. O “milagre”

econômico mascarava a arbitrariedade e a repressão política.

Ao lado do desempenho brilhante da economia, que a comunicação e a


propaganda oficial creditam ao governo, o quadriênio do presidente
Médici é também o auge da radicalização política do regime militar, do
autoritarismo e da repressão. A oposição política, alvo de centenas de
expurgos nos dois governos anteriores e no da Junta Militar, está
debilitada. Os movimentos sindical e estudantil estão enfraquecidos,
contidos pela repressão, emudecidos pela censura e ofuscados pela
euforia econômica. (COUTO, 1998, p. 111.)

No período entre 1968 e 1973, o governo contraiu vultosos empréstimos e incentivou as

inversões de capital estrangeiro. Cresceu, então, a produção industrial, diversificaram-se as

exportações e multiplicaram-se os investimentos privados. O Estado ampliou sua participação no

mercado, financiando importantes obras de infraestrutura e assumindo atividades empresariais

consideradas estratégicas ou menos atraentes para a iniciativa privada.

No entanto, condicionado à conjuntura internacional favorável, o surto de acelerado

crescimento econômico desapareceu juntamente com essa conjuntura, a partir de 1973, quando a

chamada “crise do petróleo” provocou forte impacto sobre as finanças nacionais. As taxas de

inflação logo voltaram a se elevar, a dívida externa atingia patamares alarmantes – e o governo

militar perdia um de seus principais argumentos para se manter no poder.


31

7.4 O governo Ernesto Geisel (1974-1979)

Demonstrada a incapacidade do regime militar de manter a economia sob controle e garantir o

crescimento econômico, e ante a crescente insatisfação popular com a ditadura, insatisfação essa

corroborada pelas eleições legislativas de 1974, quando o MDB, apesar das condições

desfavoráveis, venceu a Arena em 79 das noventa cidades brasileiras com mais de cem mil

habitantes – Ernesto Geisel assumiu sob o signo da abertura.

Quando o presidente Ernesto Geisel foi empossado, em 15 de março de


1974, a economia mundial vivia mudanças drasticamente importantes e
adversas para o Brasil. A explosão dos preços do petróleo e suas
repercussões atingiram frontalmente o país, terceiro importador mundial,
inviabilizando o modelo de crescimento chamado “milagre econômico”.
(Id. Ibid., p. 133.)

Numa tentativa de reverter os problemas econômicos, o presidente lançou o II PND, voltado

para a expansão das indústrias de bens de produção (aço, cobre, energia elétrica, equipamentos e

máquinas), com vistas à instalação da infraestrutura necessária ao desenvolvimento, nos setores

de mineração e energético, compreendendo, respectivamente, a exploração mineral e a

construção de usinas hidrelétricas e nucleares.

No entanto, além do autoritarismo e do isolamento do governo em relação à sociedade,

manifestado no excesso de confiança na capacidade do Estado para custear e implementar o

Plano, a economia mundial apresentava dificuldades cada vez maiores ao comércio exterior

nacional alavancadas pela elevação dos preços do petróleo. Ernesto Geisel buscou, então,

compensar os problemas financeiros com o afrouxamento da ditadura.

Outros fatores também contribuíram para o início da implementação da abertura política, a

começar pelo fato de que a princípio o plano golpista já previa a devolução do poder aos civis.

Concluindo-se o processo de “limpeza” do meio político, completava-se o décimo ano de governo

militar, o que por si só já implicava um certo desgaste, até mesmo junto a setores beneficiados

pelo regime, dotados também de vontade política.

Além disso, a oposição mais radical ao regime estava praticamente liqüidada pelos violentos

órgãos de repressão e já não representava grande risco para o regime. Mas os militares não

deixaram de condicionar o processo de abertura a imposições restritivas do afloramento da


32

democracia, como o prosseguimento da política econômica e a indulgência aos excessos

cometidos nos subterrâneos da ditadura.

A idéia era a de uma distensão lenta, gradual e segura. Abrandar o regime, mantendo-o em

mãos militares. Moderar a censura, conservando instrumentos de exceção. Liberalizar a

participação popular, preservando as eleições indiretas para presidente e governadores. De

qualquer forma, o processo de abertura estava em marcha e a sociedade começava a se mobilizar

em torno de reivindicações de maior liberdade política.

Em 1974, realizam-se eleições livres para senadores, deputados e vereadores. A partir de

1975, a censura à imprensa começou a desaparecer. Em 1978, Ernesto Geisel amenizou os

rigores da Lei de Segurança Nacional, anistiou parte dos políticos exilados e revogou o AI-5. Mas

setores radicais das Forças Armadas interpõem objeções ao processo de abertura, ainda

reprimem, cometem atentados a bomba e até matam presos políticos.

Mesmo no campo político, ante a desaprovação do regime pela população nas eleições de

1974, sobrevêm retrocessos, como a Lei n.º 6.339, de 1.º de junho de 1976 (Lei Falcão) e o

conjunto de emendas constitucionais editadas no início de abril do mesmo ano, denominado

“Pacote de Abril”, ambos destinados a limitar atuação do MDB e garantir a supremacia do governo

no Congresso.

O clima nacional dominante confirmava-se nitidamente contrário ao


regime. (...) Cenário assustador para o governo Geisel. Na sua avaliação
inadmissível e colidente com a própria essência da estratégia da
abertura. Por razões de balanço e controle de poder, por inviabilidade de
assimilação pela linha dura, e por colidir com os princípios básicos que,
unilateralmente, definirá para a abertura: lentidão, gradualismo,
segurança. (COUTO, 1998, p. 201.)

Mas a eleição de Ernesto Geisel representava o retorno do grupo castelista ao poder, embora

Castelo Branco já estivesse morto desde julho de 1967, e o quarto governo ditatorial chega ao seu

término, em 15 de março de 1979, numa situação em que diversos setores da sociedade

brasileira, desde trabalhadores a empresários, de estudantes a cientistas, já manifestavam com

maior liberdade suas anseios de redemocratização do País.


33

7.5 O Governo Figueiredo (1979-1985)

O governo do presidente João Baptista de Figueiredo iniciou num período em que tanto a crise

econômica quanto as críticas à tendência autoritária e centralizadora do regime militar

caminhavam para o ápice. Diversos setores representativos da sociedade brasileira voltaram a se

movimentar em torno de reivindicações de redemocratização. Os sindicatos retomaram o fôlego e

novas greves foram deflagradas contra o achatamento dos salários.

O ressurgimento do movimento sindical e grevista foi o fato mais


relevante na conquista da democracia no Brasil. Ao reiniciar o seu
movimento (...), a classe operária deu um passo fundamental, pois, além
de fazer “letra morta” da legislação sindical repressiva, iniciou um
processo de rompimento das amarras do arrocho salarial. E, ao fazer
isso, começou a romper com os pilares da política econômica antipopular
instaurada a partir de 64 em nosso país. (ANTUNES, 1984, p. 91.)

Assim, enquanto os problemas econômicos se agravavam por conseqüência de novos

aumentos no preço do petróleo e da elevação dos juros no mercado internacional e a inflação se

afigurava cada vez mais fora de controle, arrefecia a ditadura e crescia a resistência popular ao

autoritarismo, vencendo pouco a pouco as rígidas barreiras da repressão e proporcionando à

população gradativo retorno à normalidade democrática.

Os resultados mais significativos das campanhas pela redemocratização foram a anistia e a

reabilitação, em 28 de agosto de 1979 (Lei n.º 6.683), da cidadania dos que haviam sido banidos

ou tiveram direitos políticos cassados e a volta do pluripartidarismo, por meio de nova Lei

Orgânica dos Partidos Políticos (n.º 6.767). Mas esta última medida veio também atender à

conveniência eleitoral do governo.

Os estrategistas do governo, principalmente os ministros Golbery [do


Couto s Silva) e Petrônio Portela, estavam diante de vários objetivos de
curto prazo. Os principais eram a preservação da maioria no Senado e
Câmara, a eleição dos governadores em 1982 e o controle do colégio
eleitoral para o pleito presidencial de janeiro de 1985. (...) Uma das
obviedades era o retorno ao pluripartidarismo, extinto pelo governo
Castelo Branco. Como visto, o bipartidarismo transformara as eleições
em plebiscitos. Votava-se, principalmente, contra ou a favor do governo,
como em 1974 e 1978. (...) Além disso, era evidente que o MDB se
transformara numa frente, num conjunto de facções, como os grupos
Autêntico e Moderado, este liderado por Tancredo Neve. Seria fácil
fragmentá-lo. (COUTO, 1998, p. 279.)

De qualquer forma, apesar dos superavits alcançados com o III PND, o agravamento da crise

econômica e da recessão, com crescimento da dívida externa, aumento da inflação e redução das
34

taxas de emprego, continuaram a alimentar a insatisfação popular, o que redundou na vitória de

candidatos oposicionistas em importantes estados nas eleições de 1982, como São Paulo, Rio de

Janeiro e Minas Gerais.

Ainda assim, a despeito da baixa votação recebida, o governo conservou a superioridade da

sua representação no Congresso Nacional, bem como o controle do colégio eleitoral, em virtude

principalmente do casuístico “Pacote de Abril, o que não impediu, entretanto, a ampliação do

espaço político da oposição nem a ascensão e vitória do candidato oposicionista à Presidência da

República, Tancredo Neves.

Ficou marcado, assim, o dia 15 de março de 1985 como a data limite do lento e gradual

processo de abertura iniciado em 1974. Mais do que um novo mandato presidencial, em mãos de

um civil pela primeira vez depois de 21 anos, instaurava-se nesse dia um novo regime político.

Apesar das ameaças de golpe e de várias manobras continuístas, chegava ao fim o mais longo

período de intervenção militar da história republicana brasileira.

8 CONCLUSÃO

A década de sessenta inicia marcada pela inquietação mundial trazida pelo apogeu da Guerra

Fria. Estão em jogo grandes interesses capitalistas internacionais, ameaçados pela efervescência

ideológica do período. Estados Unidos e União Soviética se digladiam pelo domínio da maior parte

possível do planeta. Um dos meios utilizados é a indução ou o favorecimento de regimes

autoritários no Terceiro Mundo.

No Brasil, a instabilidade política chega ao clímax. O presidente João Goulart inspira

desconfiança aos setores de direita, que vêem nele o risco do desmantelamento da ordem social

vigente baseada na propriedade privada. O receio de que isso realmente aconteça cresce quando

o presidente anuncia a execução de uma série de reforma estruturais, as chamadas “reformas de

base”, entre as quais se incluía a delicada questão da reforma agrária.

Os setores empresariais nacionais e estrangeiros se viram, então, na iminência da instituição

de uma república sindical no País. Enfrentando crescentes dificuldades para conseguir o apoio

dos conservadores, o presidente se aproximava mais e mais da esquerda e, sob a ótica das elites
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burguesas, identificava-se na mesma proporção com o comunismo. A inquietação crescia e as

classes dominantes começaram a se movimentar em defesa de seu patrimônio.

Além disso, ao estigma de comunista, o presidente feriu os brios dos generais ao anistiar

marinheiros revoltosos. Para agravar ainda mais a situação, em 30 de março criticou as Forças

Armadas. No dia seguinte, estava deflagrada a sedição militar. Impotente ante a rebelião, o

presidente buscou asilo político no Uruguai. Consolidava-se o golpe e tinha início um período de

quase 21 anos de ditadura militar marcado pela repressão e a violência.

Nesse período, prevaleceram, do princípio ao fim, os interesses das elites nacionais e do

capital estrangeiro, impostos pelo arbítrio e o autoritarismo dos governos militares e a perseguição

e a violência dos órgãos de repressão, que facilmente venceram a resistência popular da minoria

politizada, bem como aniquilaram sem grande dificuldades a fragmentada reação armada dos

grupos esquerdistas radicais.

Uma vez instalados no poder, com o apoio de lideranças políticas e amplos setores das

classes alta e média, além da influência e do apoio dos Estados Unidos, os militares colocaram

em prática sucessivos planos desenvolvimentistas que proporcionaram a estrutura econômica

necessária à definitiva industrialização do País, mas consolidaram, por outro ângulo, a

dependência do capital estrangeiro e aprofundaram as desigualdades sociais.

Por fim, os dois últimos generais presidentes não contaram com a conjuntura internacional

favorável à economia brasileira, a exemplo dos que lhes sucederam. Receberam o governo

quando a crise do petróleo já havia provocado forte impacto sobre as finanças nacionais e a dívida

externa e a inflação alarmavam o Brasil. Desintegrava-se, assim, um dos principais argumentos

dos militares para justificar a sua permanência no poder

Em meio ao crescente descontrole da economia, que já provocava a insatisfação da classe

média e até da alta, a sociedade civil se organizava para reclamar cada vez com maior

intensidade a redemocratização do País. Além disso, a reação armada dos grupos esquerdistas

havia sido esmagada, o comunismo já não representava grande risco à ordem vigente e as

ditaduras não eram vistas com bons olhos no exterior.


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Sobreveio o processo de abertura, com o afrouxamento da censura, a desmontagem do

aparelho repressivo, a volta de eleições diretas – tudo de forma lenta, gradual e segura, com

vistas a prolongar ao máximo a presença dos militares no poder, amenizar os riscos políticos do

processo e garantir a transferência pacífica do governo aos civis, no cumprimento de um longo e

moroso programa de concessões e conquistas que durou onze anos.

O retorno dos civis ao poder se deu, portanto, somente após a definitiva instalação dos

interesses do capital estrangeiro no País e após assegurada a tranqüilidade dos autores da

sublevação e da inumerável série de abusos e crimes praticados durante a ditadura militar, numa

situação em que tanto a conjuntura nacional quanto internacional já não ofereciam quase

nenhuma ameaça à propriedade privada e ao capitalismo.


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