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14 a 17 de julho de 2015
EDUCAÇÃO SENSÍVEL: FORMAÇÃO E EXPERIÊNCIA NA DOCÊNCIA
Marissol Prezotto
marissol.prezotto@gmail.com
Universidade Estadual de Campinas
Resumo: Para entrelaçar experiências e tecer imagens para a docência como espaço constante
de educação sensível, fazemos uso da narrativa. Tomando este modo de expressão como
importante recurso formativo, dotado de características que lhe são próprias, propomo-nos a
dialogar acerca das principais contribuições da Educação Estética para que a ação pedagógica
e o desenvolvimento da prática educativa ocorram de modo a favorecer as sensibilidades do
professor. Em três diferentes perspectivas, apresentamos a necessidade de tomar a escola
como espaço de formação que promove encantamento e beleza, chamando a atenção para o
compromisso social e político da educação dos sentidos. Reiteramos, com exemplos
cotidianos de nossas próprias experiências como professoras e pesquisadoras, que as
experiências artísticas e estéticas são constituintes da docência e permeiam o trabalho com as
crianças e também direcionam o modo como cada profissional estabelece parceria e
compartilha seus saberes. Evidenciamos a escuta e o olhar do outro e de si como elementos
constitutivos da identidade docente e da coletividade no espaço da escola. Apresentamos,
assim, a importância de propostas formativas que prezem pela experiência tecida na
sensibilidade, que é também reflexão: corpo inteiro.
Palavras-chave: Educação Estética; formação docente; experiência; sensibilidades;
reflexividade.
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Este texto foi elaborado a partir de nossas falas na Roda de Conversa realizada no VII Seminário Fala Outra
Escola, de 14 a 17 de julho de 2015 na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
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sobre o impacto das experiências estéticas para a formação profissional docente. Tendo
passado o momento da atividade, ao retomar o que foi dito e vivido, percebemos que a própria
experiência de narrar é uma importante maneira de desenvolvimento da sensibilidade do
professor. Optamos, então, por começar esta conversa ressaltando nossa opção pela narrativa,
pois ela não é despropositada e revela concepções importantes que direcionam nosso olhar
para o tema em questão.
Vale ressaltar que o momento em que o professor opta por escrever sua narrativa
caracteriza-se como outra experiência, diferente daquela percebida ao narrar oralmente,
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embora ambas estejam intimamente ligadas. A oportunidade de revisitar os fatos acontecidos
e poder escrever a impressão daquele momento, revela uma escolha possível diante da
polissemia das imagens que se transformam ao serem contadas e também ao serem lidas por
outras pessoas. Fecundadas de sentidos, as narrativas não pretendem recortar uma versão fiel
dos fatos, pois são tramas que possibilitam a desconstrução de verdades tidas como absolutas,
que revelam a necessidade de cada professor questionar o que é dado como certo e refletir
sobre sua própria atuação, a fim de perceber os melhores caminhos a serem trilhados em seu
contexto de trabalho.
As narrativas escritas são, então, como espelhos, pelos quais o professor se vê de outra
forma, com os quais pode se identificar e conhecer possibilidades de leitura da realidade que
antes não tinha. Possibilita aprender mais sobre si sobre os outros. A metáfora da sala de
espelhos, apresentada por Schön (2000) ilustra a maneira pela qual a construção e leitura das
narrativas dos professores é formativa:
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Pois, é evidente, a abertura do educador para o mundo é uma atitude fundamental a ser
cultivada, haja vista que sua ação se movimentará por territórios marcados pelas diferenças,
constituídos na diversidade cultural do grupo com o qual trabalha. Desta forma, para seguir
sua jornada profissional e acolher a complexa constituição do cotidiano educativo, o professor
precisa ampliar olhares e sentidos, alargar a sensibilidade, num movimento que conecta
diferentes dimensões do ser que se fazem presentes no ato do conhecimento, na vida (Ostetto,
2014).
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Assim, pesquisar as práticas educativo-formativas compreendendo-as como espaços
de experimentação e desenvolvimento de outras possibilidades teórico-práticas para a jornada
de ser/fazer-se professor, incluindo a necessária reaproximação dos professores com suas
linguagens expressivas, é um caminho. Ampliar olhares e sentidos, alargar a sensibilidade,
alimentar a imaginação, num movimento de reencontro com a vida: buscar práticas formativas
que vivifiquem o ser da poesia presente-escondido no adulto-educador, por meio de propostas
que convidem aquele em formação à aventura de sair à procura da dimensão perdida
(OSTETTO, 2006).
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devo a minha mãe, que me levava ao cinema, comprava tintas para pintar... Na
escola [...] nunca tive oportunidade de expressão. Essa disciplina tem me ajudado
muito nesse sentido, pois cada aula é um desafio para mim; escrever e refletir sobre
o vivido também. [...] Para a formação do professor, vejo como é importante ter
possibilidades de experimentar, correr o risco e mostrar a sua expressão... Criar! Em
tantos anos de escolarização não acreditava ser possível num ambiente escolar.
(Priscila)
Esta escrita é uma tentativa de resgate das memórias estéticas esquecidas, com o
objetivo de ampliar meu repertório, perceber as possibilidades de expressão, e de
entrega à sensibilização do ser poético que um dia esteve mais presente em mim.
Essas lembranças da formação estética ajudam-me a visualizar e perceber o mundo.
Provocam os sentidos que se conectam com o coração e com a alma, dando
significado ao mundo em que vivo. [...] Ao buscar minhas lembranças estéticas,
pude perceber como o ambiente escolar apresentou pouca influência na construção
do meu ser poético. Vieram mais de escolhas e vivências fora do âmbito escolar. [a
disciplina] ajudou a desconstruir os aspectos cristalizados e normatizados acerca do
significado e sentido da arte, devido à poda escolar. A união da teoria com as
experiências práticas nas aulas foram fundamentais. (Janaína)
Quero recuperar meu ser poético para que essa minha frustração não interfira no
meu fazer pedagógico e eu não cometa, com as minhas crianças, o erro do qual fui
vítima. (Priscila)
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Toda professora como formadora deveria procurar sensibilizar-se, recuperando suas
linguagens esquecidas e guardadas dentro do baú da nossa memória. Só assim o
professor poderá compreender os seres poéticos que seus alunos são, dando-lhes
espaço para ampliação e construção de novas linguagens. (Janaína)
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trabalho que me custam caro até hoje: planejamento como norteador das ações cotidianas na
escola; registro como relato das experiências vividas e como uma das possibilidades de
organização do trabalho; revisitar o registro para reorganizar as ações (reflexão); literatura
como eixo norteador do trabalho e o compromisso político-pedagógico.
Não tendo como separar a pessoa que sou - mãe, professora, amiga, irmã, esposa -
da pesquisadora, fui dialogando e me apropriando de conceitos que contribuíram para o olhar
sensível que tenho hoje em minha prática.
Assim escolhi falar do trabalho docente compart(r)ilhado, porque acredito que é uma
expressão que se relaciona melhor com o tempo necessário de partilha, de comunhão dos
momentos vividos. É o termo que define as experiências docentes e de formação. Trabalho
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com.par.t(r)ilhado tem a ideia de que o conhecimento não é estanque, é dinâmico e mutável.
Ao colocar seus saberes à disposição, em interação com o coletivo, o professor vislumbra
outras interpretações de sua produção e amplia saberes.
Diálogo: Ao dar voz a experiência e entrelaçar com outras vozes isto faz com que
a compreensão do vivido se torne mais rico e amplo, pois assim, haverá confronto
de ideias que resultarão em novas possibilidades de olhar o que está sendo
discutido, vivido, pensado.
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reinventando e buscando estratégias para pensar o tempo presente e da formação a qual
estamos constantemente inseridas.
Esse processo formativo não nega a existência do Outro ou de outras visões presentes,
mas fortalece o individuo que respeita às diferenças.
É nesta partilha que o professor abre seu olhar para o mundo e se desvela de si mesmo
para que a reflexão ocorra de maneira efetiva sobre si mesmo e o trabalho que desenvolve na
sala de aula e na escola/sociedade em que atua.
Escuta sensível: A escuta sensível permeia todos os outros princípios aqui tratados,
pois para que a confiança, o diálogo, a negociação e a afetividade/amizade aconteçam é
necessário que este ouvir o Outro esteja presente.
A escuta sensível faz com que, de fato, possamos conhecer o Outro na sua totalidade
humana, pois estamos nos aproximando e conhecendo a multiplicidade da pessoa que está
conosco: seus medos, suas angústias, seus desejos, suas dores, suas alegrias, suas frustrações,
seus princípios, suas ideias...
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Para que a escuta sensível ocorra, é necessário que haja uma parada no tempo presente
e que o sujeito se disponha a conhecer sensivelmente o que está sendo expresso pelo Outro e
que nas entrelinhas do que não está sendo colocado perceba que junto aos gestos, olhares,
emoções vá constituindo este ato de ouvir sem julgamentos e com delicadeza aquele
momento.
(...) A pessoa que se dispõe a escutar não basta que tenha ouvidos, é necessário que
ela realmente silencie sua alma. Silencie para perceber aquilo que não foi dito com
palavras, mas que talvez tenha sido expresso em gestos, ou de outra forma.
(BARBIER, 2002, p.141)
Ao ouvir, fazer a escuta atenta do que o Outro está nos contando, estamos dando
sentido àquilo que é dito e não dito para que possamos nos distanciar de nós mesmos e
reconhecer no Outro a sua singularidade que poderá a vir compor sua ação futura.
Freire (1996, p.127/128) ressalta que “somente quem escuta paciente e criticamente o
Outro, fala com ele, mesmo que em certas condições, precise falar a ele.”
O tempo em que vivemos nem sempre permite que possamos escutar sensivelmente o
Outro – pai, professor, aluno, Coordenação, direção...- mas ao realizarmos esta ação de ouvir
de fato, podemos ver as belezuras e as agruras do cotidiano escolar - o qual estamos inseridos
e, assim, repensarmos nossas ações e escolhas diante da experiência do Outro. Dessa forma,
aprendemos a transformar o nosso discurso ao Outro, em uma fala com ele, como nos alerta
Freire (1996). Além disso, estamos legitimando o Outro com seus defeitos e qualidades, a
confiança que temos um ao Outro e nos aproximando/mergulhando nas relações interpessoais
que estabelecemos nos diferentes espaços que vivemos.
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Com esta convicção, reforço que somente assim, cada um com sua experiência de
vida e profissional, mas com olhar atento e curioso que podemos nos formar e formar o Outro
com afeto e sensibilidade.
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que tentara pegar na bunda do vento —
mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar. Eu teria sete anos.
A mãe fez um sorriso carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos deram
gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio da
imaginação. Mas que esses vareios acabariam com os estudos. E me mandou estudar
em livros. Eu vim. E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. E dei de
estudar pra frente. Aprendi a teoria das idéias e da razão pura. Especulei filósofos e
até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber. Achei que os eruditos nas
suas altas abstrações se esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei
Einstein (ele mesmo – o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: A imaginação
é mais importante do que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as
pobres coisas do chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E meditei sobre as
borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas podem pousar nas flores e nas
pedras sem magoar as próprias asas. E vi que o homem não tem soberania nem pra
ser um bem-te-vi.
Manuel de Barros – Soberania
Tomar isso como princípio das relações educativas na escola é um bom modo de
contemplar a educação estética no cotidiano da escola. Afinal, sabemos que é preciso dominar
com propriedade diversos conhecimentos para darmos conta das ações educativas que
assumimos, mas é muito importante que tenhamos os olhos de quem nunca viu, que
preservemos esta inocência para olhar para as coisas do mundo, sem deixar que aquilo que já
sabemos ou já vivemos nos ceguem para a possibilidade da surpresa e dos outros modos de
compreender.
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Da mesma forma que os conceitos de teoria e prática não podem ser compreendidos
separadamente, não se pode querer dissociar os saberes sensíveis dos inteligíveis. De acordo
com Schön (2000), a lógica só existe em relação interdependente com a emoção. Isso
significa que qualquer modelo educativo que se pense, por mais imperativo que porventura
tente ser, jamais conseguirá dizer racionalmente como sentir ou criar, nem tampouco poderá
tirar do ser humano estas suas capacidades. Sentimento e criatividade são inerentes à vida, são
estesia2.
Nesta perspectiva, falar da educação estética na escola é uma questão política que traz
à discussão o direito de cultivarmos relações que vão a contrapelo das lógicas de
reprodutibilidade técnica esvaziada de sentido, de exercícios de mera erudição e da cultura do
consumo. É necessário desmitificar o falso discurso de uma suposta formação estética como
modo cor-de-rosa de olhar para o cotidiano. Ao contrário, defendemos que o desenvolvimento
das sensibilidades torna-se imprescindível para sermos capazes de atentarmo-nos às nuances,
conhecermo-nos e reconhecermos no outro suas possibilidades e dificuldades, selando
compromisso com uma estética que implica o professor em seu próprio processo formativo e
o permite agir com sensibilidade, sem fazer-se reprodutor de práticas que negam aos sujeitos
o direito mais amplo de criação e expressão.
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propiciem a criação e a formação sensível dos alunos. É necessário estabelecer contraponto a
discursos reproduzidos e deseducar o olhar que parece já acostumado.
Eu penso que no momento em que você entra na sala de aula, no momento que você
diz aos estudantes: “Oi! Como vão vocês”, você inicia uma relação estética. Nós
fazemos arte e política quando ajudamos na formação dos estudantes, sabendo disso
ou não. Conhecer o que de fato fazemos, nos ajudará a sermos melhores. (FREIRE e
SHOR, 1986 p.145).
Tal como colocado por Freire e Shor (1986), importa-nos olhar para a educação dos
sentidos que permite ao professor sensibilizar-se diante da beleza e da aspereza presentes na
escola e no exercício de sua profissão. A humanidade carece desta sensibilidade, que nos tem
sido permanentemente negada na contemporaneidade, por vivermos numa sociedade por
vezes anestesiada, que nos impele a passar pelos fatos cotidianos sem percebê-los, a tomar a
violência de forma banalizada e que nos leva a acreditar que a devastação e artificialização de
nosso próprio meio são ações necessárias para uma suposta elevação da qualidade de vida.
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escola, em constante relação com os alunos, já assumimos parcela de sua educação estética,
mesmo que não pretendamos fazê-la. Por isso, é preciso tornar tal ação efetiva, olhando para
nossas práticas educativas e questionando o modo como ensinamos nossos alunos a captar o
mundo que os envolve por meio dos seus próprios sentidos.
Como olhar para a própria formação, sabendo que cada ato na sala de aula é um ato
estético, permeado de desenvolvimento sensível? Como planejar tal intencionalidade? Estas
são perguntas que nos assolam quando percebemos a amplitude desta tal educação estética a
que nos propomos vivenciar e para a qual fomos tão pouco preparados para lidar.
Certamente não encontraremos aqui lições prontas que mostrem quais são os passos
para o desenvolvimento de práticas reflexivas e sensíveis em sala de aula. Isso porque
acreditamos na educação como relação permeada pelos saberes e pela cultura dos sujeitos que
constituem cada espaço educativo e desejamos que suas necessidades e interesses sejam
respeitados e priorizados em cada sala de aula. Assim, seria inútil propor estratégias
uniformizantes de educação estética por obviamente sabermos que elas nunca funcionariam.
Também recusamo-nos a aceitar a possibilidade de modelos replicáveis por compreender a
educação como processo de produção de conhecimento e de exercício de autoria docente, de
modo que cada professor possa munir-se de reflexivamente de estratégias que sua própria
percepção revele ser mais ajustadas para seu contexto de trabalho.
É possível observar, entretanto, que nos ambientes formativos que prezam por práticas
expressivas e que valorizam a educação sensível encontramos certas ressonâncias que nos
ajudam a pensar sobre o tema:
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o que percebe de seu grupo de trabalho, buscando tecer novas relações e desconstruir suas
próprias certezas.
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Referências
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