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por Redação
Publicado 17/03/2017 às 16:06
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Hitler fala baixo com o comandante Mannerheim (dir.) em vagão de trem na Finlândia. A conversa foi gravada sem seu
consentimento em 1942. Sua voz, longe dos discursos, é grave e pausada. O historiador Hans Mommsen o considerava um
“ditador fraco”.
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Um livro clássico procura distingui-lo de outros totalitarismos. Ele precisa de violência, de poucas
palavras, de anti-intelectualidade, da degradação cultural. Quão fascista será o governo brasileiro atual?
Nesta semana, circulou por meu facebook um link em que é possível ouvir a voz de Adolf Hitler proferida
numa situação particular. Feita a sua revelia no vagão de um trem, em 1942, por um técnico de emissora
de rádio da Finlândia, país onde o ditador se encontrava secretamente, a gravação foi interrompida tão
logo a SS se deu conta de que era realizada. Possivelmente de modo a evitar hostilidade em relação ao
país que desejava aliado, Hitler não exigiu sua destruição, apenas que fosse recolhida. Isto porque o
ditador jamais deixava sua voz ser transmitida em situações caseiras, especialmente sem que, para isso,
houvesse um ensaio anterior. A gravação, de onze minutos, voltou para a emissora finlandesa apenas em
1957.
Trata-se do único registro conhecido em que Hitler fala baixo, desinteressado de atiçar a multidão.
Durante esta conversa com o então comandante militar Carl Gustaf Emil Mannerheim, posteriormente
presidente finlandês, Hitler mais falou do que ouviu. Ele precisava convencer seu interlocutor de que
estava certo. E aparentemente desejava demonstrar que a Finlândia tinha toda a razão ao se voltar contra
a União Soviética mais uma vez, depois de tê-la enfrentado em um avanço sobre seu território entre 1939
e 1940. Hitler admitia a Mannerheim ter errado o cálculo sobre o poderio militar de Stalin. Sentia-se
inconformado com o fato de a URSS fabricar tanques em quantidade e velocidade inimagináveis,
enquanto os habitantes soviéticos, fazia questão de ressaltar, viviam um cotidiano precário.
Hitler não somente fala baixo e pausadamente durante a gravação (sua voz, ao contrário do que se
poderia imaginar, não era aguda). Parecia ponderar com equilíbrio a situação negativa. E aparentava um
conhecimento de causa, a enumerar estratégias militares e a explicitar motivos para suas decisões que,
ao fim, resultaram em fracasso. A gravação não deixa de ser insidiosa, contudo, a desejar a adesão de seu
interlocutor, que na fita, aliás, surge mais exaltado que o próprio Hitler. Admitir um erro de cálculo
colocava o nazista em frágil situação confessional, mas também apontava para a cooperação entre os
países (não explicitada, contudo, durante a gravação). Hitler se vitimizava, desejoso de vilanizar o
inimigo. Entre 1941 e 1944, Mannerheim comandou o exército durante a Segunda Guerra Russo-
Finlandesa, contra as pretensões soviéticas em seu território. Embora o país tenha aderido à Alemanha
em situações pontuais, não pertenceu ao Eixo durante a Segunda Guerra. Suas Forças Armadas, por
exemplo, receberam milhares de judeus de países ocupados.
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A gravação me levou de volta a um grande livro lançado em 2004, A Anatomia do Fascismo, que recebeu
tradução brasileira (de Patricia Zimbres e Paula Zimbres) pela editora Paz e Terra três anos depois. Um
livro que, a considerar o estado da política mundial, continua urgente. Seu autor, o cientista político e
historiador Robert Paxton, nasceu em 1932 e foi professor da Columbia University de 1969 até sua
aposentadoria, em 1997. Hoje professor emérito da universidade, tornou-se célebre ao estudar o
colaboracionismo francês em Vichy France: Old Guard and New Order, 1940-1944. Este livro de 1972
desmistificou o entendimento de que os franceses cederam ao nazismo apenas para evitar o conflito, por
passividade.
A Anatomia do Fascismo nasceu, diz Paxton, depois de ele constatar que seus alunos desconheciam as
origens e as reais características desse movimento, intitulando “fascista” todo governo orientado pelo
totalitarismo. Embora o ditador italiano Benito Mussolini se declarasse totalitarista, por exemplo, ele o
fazia em um sentido catalisador, explica Paxton. Dizia-se “totalitário” para que pudesse condensar sobre
sua pessoa política as aspirações de uma grande parcela social. Mussolini deveria ser tudo, significar
tudo. Mas os totalitarismos não redundam necessariamente em fascismo, ele precisa explicar. Se
comparados, não necessariamente se equivalem. O exercício de poder por Mussolini difere daquele de
Francisco Franco, na Espanha, ou de Juan Domingo Perón, na Argentina. Quando a imprensa americana,
por exemplo, intitulou Perón de fascista, em verdade desejou derrubar no americano médio o fascínio
que lhe causavam as leis argentinas a favorecer o trabalhador.
O fascismo tem características essenciais. É um movimento, não uma ideologia, esta que prontamente se
pode alterar conforme o gosto do ditador no poder. O líder fascista não se obriga a obedecer o próprio
programa de governo, aliás nem mesmo tem um: seus eventuais princípios e promessas de campanha
(quando a eleição existe) podem ser alterados sem necessidade de mais explicações. O que importa é a
submissão do indivíduo aos interesses do Estado (no caso de Hitler, do partido) e à figura de seu
condutor máximo. Quem adere ao fascismo não necessariamente pertence a um grupo dominante. O
fascismo é um fenômeno horizontal, ao contrário do socialismo, que implica o fortalecimento de uma Privacidade - Termos
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classe, a trabalhadora. Pobres e ricos são fascistas unidos desde sempre. A potencialidade do movimento
depende da ação de uma imprensa manipuladora, rendida aos interesses de grupos conservadores, os
verdadeiros beneficiados pela adesão a esse sistema. Os conservadores utilizam os fascistas quando lhes
convém e se desapegam deles quando não mais lhes servem. O desejo generalizado que o fascismo
manipula é o de “mudança” e engrandecimento nacional, percebido por seus seguidores em todas as
classes.
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O fascismo existe para atiçar a multidão, motivá-la a uma ação constante e dirigida. É basicamente uma
manipulação da consciência de massas em uma sociedade que acolhe o show. Precisa de violência, de
poucas palavras, de anti-intelectualidade, da degradação cultural, do não-pensamento para florescer. No Privacidade - Termos
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início do século XX, a centralidade de poder e o culto pessoal ao governante foram exercidos
inovadoramente pelos fascistas, com som e fúria, diante das câmeras do cinema e dos microfones do
rádio. Não se tratava mais de expor argumentos à população, mas simplesmente instigá-la à força, em
eventos festivos e militares, com ampla cobertura midiática. Os embates parlamentares das ideias
burguesas foram substituídos por discursos em praça pública assegurados pelo quebra-quebra das
milícias nas ruas. Antes de fortalecer a igualdade, buscou-se a desconfiança em relação ao voto. O
sacrifício individual foi exigido para que se construísse uma ideia de grandeza nacional. O fascismo, em
suas manifestações iniciais, genuínas, detestava o burguês, o rico acumulador, uma situação
transformada conforme o poder se consolidava em torno de um homem só. Mas uma de suas
características nunca mudou. O inimigo número um do fascista é genericamente o socialista. E,
particularmente, o homossexual, a mulher e as etnias responsabilizadas por uma instabilidade
econômica do país.
A manipulação precisa ser corroborada pela justiça e pela polícia, explica Paxton, esta que passa a
constituir autoridade inquestionável e duradoura, celebrada por promoções salariais. O fascismo deve
ser anticomunista, mas não necessariamente anticlerical, embora o fosse, por exemplo, o programa
inicial de Mussolini, que depois exaltou o fervor religioso dos italianos. A Igreja passa a interessar como
aliada por conta de seu poderio econômico. Os fascistas, sempre e necessariamente, precisam extrapolar
seus limites territoriais. As guerras de conquista são combustíveis para a crença no governo
“engrandecido”. O ódio a determinada etnia, como aquele ao judeu, varia a depender do país. Na Itália,
explica Paxton, os judeus ricos acreditaram nas promessas de recuperação econômica de Mussolini e o
financiaram até o início da guerra, no final dos anos 1930, quando leis raciais passaram a restringi-los.
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Tela do futurista Giacomo Balla falseia a participação de Benito Mussolini na Marcha Sobre
Roma, que alçou o movimento ao poder na Itália em 1922
Tudo o que um fascista escreve não deve ser lido, como tão bem explica um filme que Robert Paxton não
cita, mas parece fundamental a este entendimento, especialmente na Itália. A Marcha sobre Roma,
realizado por Dino Risi em 1962, mostra, por meio da figura de dois desprovidos enganados,
interpretados por Ugo Tognazzi e Vittorio Gassman, como o fascismo nasceu anticlerical e antiburguês, a
pregar terra para todos e direitos iguais, e como, aos poucos, abandonou suas antigas promessas. É um
filme a explicitar o engodo da marcha até Roma pelos fascistas “liderados” por Mussolini (ele não Privacidade - Termos
participou da marcha, mas uma iconografia posterior, como a tela concebida pelo futurista Giacomo
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O nacionalismo fascista nega o socialismo justamente, entre outros, por seu aspecto internacionalista.
Conforme a economia declina em países como a Alemanha e a Itália, as ofertas de trabalho diminuem
internamente e os camponeses se veem desprotegidos, o fascismo cresce, atribuindo a pequenos grupos
migrantes, antes bem-vindos, a responsabilidade pela crise. A promessa do fascismo é ser nacionalista
ao extremo, expulsando a “ameaça” externa dentro do país. Um corpo ideológico, uma farsa sobre as
origens da nação ditará o que é nacional ou não – o mito da nacionalidade estabelecerá o que é
autóctone, portanto legal, e o que é estrangeiro e não se deve tolerar. Na Alemanha fascista, a legalidade
era ambígua. O governo desrespeitava as próprias instituições, incentivando o poder paralelo do partido
e das milícias, que se tornavam autoridades. Segundo Paxton, existia no país um “Estado dual”, Privacidade - Termos
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O livro de Paxton compreende o fascismo com particularidade. Em seu texto escrito com muita clareza, o
Brasil vem citado nas ocasiões ditatoriais até então mais recentes, o Estado Novo e a ditadura. Não há,
nos dois casos, situações de guerras de conquistas territoriais que possam estabelecer a chancela
fascista, ele conclui. Getúlio Vargas não aderiu ao nazismo como prometia, especialmente durante a
Segunda Guerra, embora atacar o comunismo estivesse em seu ideário. E a ditadura brasileira dos anos
1960 tampouco elegeu a mística em torno de um único ditador, genericamente financiada, que era, pelo
governo americano. Nos Estados Unidos e na França, houve sempre grupos a favorecer e incentivar o
racismo e as milícias de exclusão. Mas, novamente, não se constituíram países onde o fascismo vingou
com as tintas a ele aplicadas por Hitler ou Mussolini.
Volto à gravação da voz de Hitler, feita na Finlândia, porque ela me parece esclarecedora de um ponto
ressaltado pelo instigante livro do professor da Columbia University. Hitler não agia conforme o
esperado. Sua performance publicamente eletrizante não correspondia a uma grande energia pessoal
para conduzir suas políticas. Tudo o que fez, ele o fez gastando pouco. Nem mesmo exercia um
pragmatismo motivador à frente da administração de seu país, embora fosse assertivo na propaganda.
Paxton descreve um momento durante a guerra em que todo governante, em lugar de usar as verbas
recebidas pelo Estado para vitalizar a força produtiva de sua comunidade, sentia que seu dever era
aplicá-la em políticas de extermínio, incentivadas largamente pelo ditador. Hitler não quebrava a cabeça Privacidade - Termos
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para resolver os problemas da economia, embora ela parecesse ajeitada por algum tempo. Enquanto
Mussolini mourejava por longas horas em sua mesa de trabalho, Hitler continuava a se permitir o
diletantismo indolente e boêmio de seus tempos de estudante de arte.
Narra Paxton: “Quando os auxiliares tentavam atrair sua atenção para assuntos urgentes, Hitler
frequentemente mostrava-se inacessível. Passava muito tempo em seu refúgio na Bavária e, mesmo
quando em Berlim, negligenciava questões de maior urgência. Submetia seus convidados com
monólogos que iam até a meia-noite, acordava ao meio-dia e dedicava suas tardes a paixões pessoais,
como fazer, com seu jovem protegido Albert Speer, planos para a reconstrução de sua cidade natal de
Linz e do centro de Berlim num estilo monumental compatível com o Reich de Mil Anos. Após fevereiro de
1938, o gabinete deixou de se reunir. Alguns ministros jamais conseguiam ver o Führer. Hans Mommsen
chegou ao ponto de escrever que Hitler era um ‘ditador fraco’. Mommsen nunca teve a intenção de negar
a natureza ilimitada do mal definido e aleatório exercício pelo poder de Hitler, mas observou que o
regime nazista não era organizado segundo princípios racionais de eficiência burocrática, e que sua
surpreendente explosão de energia assassina não foi produzida pela diligência de Hitler.”
TAGS
ALEMANHA, FASCISMO, FINLÂNDIA, GOLPE, GOVERNO GOLPISTA, HITLER, II GUERRA, NAZISMO, UNIÃO SOVIÉTICA
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