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OS AFRO-UMBANDISTAS E A RESISTENCIA NA DITADURA DO ESTADO NOVO Zuleica Dantas Pereira Campos" Dentro do amplo quadro dos contatos de racas ¢ culturas que caracterizaram a formac&o das sociedades -atuais na América, a persisténcia de crencas ¢ rituais das religides negras[...Jtem sido objeto do particular interesse de um bom: nimero de investigadores** © psiquiatra e antropélogo René Ribeiro, no texto acima, aponta a preocupacgao, por parte dos estudiosos, de entender a influéneia das religides de origem africana na América. No processo de legitimag&o e de integragHo social dessas praticas religiosas, a resisténcia as tentativas oficiais de destrui- las se manifesta, em diversas ocasiées e sob diferentes formas. Inuimeros atos de rebeldia esto registrados na Delegacia de Ordem Politica e Social, o que leva a acreditar que os afro- umbandistas.nao foram agentes passivos diante do autoritarismo que marcou 0 periodo do Estado Novo, Além de René Ribeiro; muitos estudiosos se preocuparam em explicar as estratégias de resisténcia. dessas prdticas religiosas. Waldemar Valente’ , a0 tratar do assunto, atribui, como estratégia dos negros, o fenémeno do sincretismo religioso. Para o autor, “...0s megros recebiam a religiéio catélica como uma espécie de antepara para esconder ou disfargar, conscientemente, os seus proprios conceitos e rituais religiosas.””” * Professora Adjunto IH do Departamento. de Sociologia da UNICAP, doutora em Histiria. " Ribeiro, R. Antropologia da religife ¢ outros ensaios, Recife: FUNDANMassangana, 1982, p.123. ' Valente, W. Siteretisme religieso afro-brasifeire. S40 Paulo: Nacional, 1955, bid, ppl 14-£5, Saeculum - Revista de Histérta ~N". 8/9 ~ Jan./Dez./2002-2003 103 : Fernandes’ fala’ da presenga dos xangés disfargados eny blocos carnavalescos, escapando, dessa forma, 4 agio repressiva da policia: Da pressio da policia resultou camuflarem de sociedade carnavalesca e centro espirita. os terreiros afro-pernambucanos. Maracatu e Centro Espirita aparece de tal maneira que fez desconfiar. | Os relatos de disfarce dos Terreiros de Xangé em Centros de Espiritismo também eram comuns nas matérias veiculadas pelo jornal Folha da Manhii: Muitos’ macumbeiros, cartomantes, disfargados de. espiritas tentam se instalar no Recife. A Delegacia de Vigilancia e Capturas nao os deixou em paz. Dessa forma, alguns terreiros de Xangé fimcionavam utilizando .o nome, de centios espiritas, como: Centro Espirita Pas, Luz, Amor e Caridade!, Centro Espirita Jodo. bape verdade e luz’, Centro Espir' ‘te Boa Fraternidade dos Reis" entre outros. As sociedades espiritas, por sua vez, temendo perseguigdes da Secretaria de Seguranga Publica, passam a demarcar quais Centros estariam dentro dos principios Kardecistas em suas praticas. meditinica-doutrinarias ¢. quais aqueles que estariam 0 Femandes, G. Xangds do Nordeste: investizagdes sobre 05, eultos negro-fetichistas do Recife. Ric de Janeiro: Civilizagio Brasileira, 1937. p. 10. A *Macumba” a servigo do. futebol. Folha da Manhi, Recife, 31 jul, 1944. p. 4. Edigio Matutina, © Apiehensto de objectos de baixo espiritisme, Folba da Maha, Recife, 25 ago. 1938. p12 Edigio Matutina. 4 PERNAMBUCO, Museu do Estado. Colecio culto afro-brastleiro: um testemunho do Xango pernambucano. Recife, 1983. p. 106. ‘44 Pollta da Mantis, Recife, 27 ago. 1958. p.2. Edigtio das 16 horas, 404 Saeculum - Revista de Historia -N?. 8/9 — Jan/De2./2002-2003. « fugindo a esses padrdes"S, Assim, os adeptos das religides.afro- umbandistas cram” -duplamente, perseguidos. Do lado do espiritisme Kardecista, os orixas alticanos apresentavam pouca elevagao espiritual; do lado cristio catélico, a religido afro ¢ sacrilega e demoniaca. Porém. as_estratégias de preservagao da religiosidade afro- brasileira. no decorrer da sua histéria, no se resumem ao fenédmeno do sincretismo e da camuflagem. Muitos foram os mecanismos de resisténcia, A violéncia da repressio nfo impediu o seu fimeionamento, Mesmo depois de presos, uma vez postos em liberdade, os adeptos insistem na manutengdo.de suas crencas: Insistindo na reincidéncia, foi. agora. novamente detido © processado pela mesma autoridade, que acaba de enviar og autos ao juiz da Comarca’ Apesar da imposigio, as idéias.e os modelos.de conduta circulam, sio -apropriados, “ softem | .intervengdes e sao ressignificados .de diversas formas. Sao. recebidos com submissao ¢ passividade, em alguns casos, ¢ com sublevagdes e revoltas em outros, O Estado. ea Igreja, com ‘suas. praticas repressivas e¢ punitivas,.acabaram por contribuir para a preservagao dessas prdlicas religiosas. Neste case o poder repressivo gerou saber, crow estratégias de lntas. A_zepresstio ‘cultial ¢ religiosa exige submissdo. Ela estabelece também ume rede -de- relagSes- tensas que se aprofundam dentro da soviedade. Cria circularidade nos focos de instabilidade, Se uns se submetem ao poder repressor, outros ‘{entami inverter essa relagig de forga. Foi o caso da “Baiana do ~ Pina” ao enxotar unt pesqiisador dos seus. dominios:

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