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POÉTICAS DA INTERPRETAÇÃO

Prof. Jamil Dias

MEYERHOLD e BRECHT
O que inspirou tanto a poética de MEYERHOLD quanto a de BRECHT ?
Ambas se inspiraram em formas tradicionais do teatro oriental.
Durante séculos as tradições teatrais do OCIDENTE e do ORIENTE seguiram
caminhos separados e completamente diferentes.
No Ocidente, desde a Grécia, o Teatro caminhou (com algumas exceções)
no sentido de uma crescente mímese da realidade, até chegar ao
realismo/naturalismo.
No Oriente, o Teatro tomou um outro caminho: o da convenção total, de uma
linguagem altamente codificada.
Por exemplo: na Índia, na China e no Japão.
Na passagem do século XIX para o século XX, surgiu no Ocidente uma certa
insatisfação com o realismo/naturalismo. Isso coincidiu com as viagens
internacionais dos artistas e dos grupos, criando oportunidades de conhecer o
que outro lado fazia. Então o teatro oriental passou a ser visto como um
exemplo para os que queriam um caminho não-realista.

A POÉTICA DE ARTAUD :
O TEATRO DA CRUELDADE – O ATOR VISCERAL

ANTONIN ARTAUD (França, 1896-1948)


Ator, poeta, escritor, dramaturgo e diretor de teatro francês de
tendências anarquistas.
Inicialmente ligado ao movimento Surrealista.

O Surrealismo foi um movimento artístico e literário nascido em Paris na


década de 1920.
O Surrealismo propõe a valorização da fantasia, da loucura e a utilização da
reação automática.
O artista deve deixar-se levar pelo impulso, registrando tudo o que lhe vier à
mente, sem se preocupar com a lógica.
O maior objetivo dos artistas surrealistas era usar o potencial do subconsciente
como fonte de imagens fantásticas e de sonhos.
Assim, as artes eram vistas como um meio de expressar a fusão dos sonhos e
da realidade em um tipo de “realidade absoluta”, uma "surrealidade".
Surreal -
aquilo que está além do real; que transgride a verdade sensível ou da razão;
que pertence ao domínio do sonho, da imaginação, do absurdo.
Participaram do movimento surrealista:
Salvador Dali, René Magritte, Pablo Picasso e outros.
Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-
1939), o Surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa.

Antonin Artaud
Aos 18 anos (em 1914) teve suas primeiras estadias em sanatórios para
doentes mentais.
Um artista com talento para atuar em diferentes áreas:
- poesia;
- teatro (como ator, diretor, dramaturgo, teórico);
- cinema (como ator e roteirista).
Em 1923, publica seu primeiro livro de poemas Tric trac du ciel.
Em 1926, Artaud funda o Teatro Alfred Jarry com Roger Vitrac e Robert Aron.
Em 1926, rompe com os artistas do Surrealismo, quando o movimento aderiu
ao marxismo e ao Partido Comunista.

ARTAUD NO CINEMA
Suas principais participações no cinema foram em:
- NAPOLEÃO, de Abel Gance (1925)
- O MARTÍRIO DE JOANA D’ARC (como o monge apaixonado por Joana
D’Arc, 1928).

Em 1931, Artaud conheceu o Teatro de Bali e ficou impressionado pelo seu


caráter ritual e simbólico, pelo de convenções que eliminavam a improvisação
espontânea. Isso vai ter grande importância no desenvolvimento de sua
poética teatral – o Teatro da Crueldade.
Em 1932 lança o Manifesto do Teatro da Crueldade, no qual defende a ruptura
com os padrões tradicionais do teatro em nome do "drama metafísico".
Para ele, as obras teatrais só têm sentido se expressarem o sofrimento básico
do homem e liberarem as forças inconscientes da plateia.
Para dar nova dimensão à arte da representação, pesquisa as origens do
teatro ocidental e evoca a tragédia antiga, os mistérios e a magia do teatro da
Idade Média.

Em 1935 encena o drama Les Cenci, que é rejeitado pelo público.


Em 1936 refugia-se no México, onde vive entre os índios tarahumara, e
publica As Novas Revelações do Ser.
Em 1938 Artaud publica O TEATRO E SEU DUPLO (Le Théâtre et son
Double), um dos livros mais influentes para o teatro do século XX.
Nessa obra teoriza o Teatro da Crueldade , em que não haveria nenhuma
distância entre ator e plateia, todos seriam envolvidos (“contaminados”) no
processo teatral.
No livro, Artaud pregava:
- o uso de elementos mágicos que hipnotizassem o espectador, sem que fosse
necessária a utilização de diálogos entre os personagens;
- a utilização de muita música, danças, gritos, sons distorcidos, sombras,
iluminação forte e expressão corporal, que “contaminariam” o público,
reproduzindo no palco os sonhos e os mistérios da alma humana;
- um teatro fortemente ritualístico e irracional.

Ao mesmo tempo em que denunciava o teatro digestivo (entretenimento) e


rejeitava a supremacia da palavra.

Principais características do Teatro da Crueldade:


- a escolha de temas míticos universais e arquetípicos, sem influência do
moralismo social;
- o teatro visto como experiência ritualística, destinada à cura das angústias e à
reintegração do homem à sua totalidade física e espiritual;
- valorização da cultura dita “primitiva” (xamânica) com o sacrifício do corpo,
propiciando o limite e o êxtase que fazem cair as máscaras;
- a utilização de objetos, signos e símbolos, ou seja, o espaço cênico como
local da presença ativa das imagens do inconsciente;
- o fim da divisão entre palco e plateia, com a encenação ocupando todo o
espaço;
- um espaço teatral não tradicional (espaços adaptados, galpões, igrejas,
hospitais ou quaisquer outros lugares que a encenação precise);
- ator como elemento de primeira importância da obra, com a sua afetividade
atlética, que são os sentimentos através do gesto, da pantomima, do canto e
da dança – um teatro físico, centrado na experiência corporal dos atores;
- um corpo livre para a pulsação do movimento que entra em contato com o
inconsciente coletivo, com os fluxos contrários do duplo da vida e da morte, ou
do consciente e do inconsciente pessoal e/ou coletivo.

Procura, enfim, levar para o teatro o caráter redentor das experiências místicas,
principalmente as carregadas de fisicalidade ritualística, geralmente
pertencentes a culturas não atreladas à "civilidade" europeia (como a cultura
indígena que Artaud conheceu em visita ao México, em 1936).
Entre os elementos teatrais mais combatidos por Artaud estão:
- a visão do teatro como entretenimento;
- a caracterização psicológica dos personagens;
- a valorização exagerada do enredo;
- o predomínio da dramaturgia em relação à encenação.

O Teatro da Crueldade rejeita não somente as características do teatro


ocidental tradicional, mas também a racionalidade da sociedade ocidental,
propondo as bases para um novo teatro e para uma nova maneira de
apreensão do mundo, que remeta ao nível pré-verbal da psique humana.

O termo "crueldade" se refere aos meios pelos quais o teatro pode abalar as
certezas sobre as quais está assentado o mundo ocidental - a começar pela
própria linguagem.
Artaud:
“O teatro é igual à peste porque, como ela, é a
manifestação, a exteriorização de um fundo de crueldade
latente através do qual se localizam num indivíduo ou numa
população todas as maldosas possibilidades da alma.”
Em seu livro O Teatro e Seu Duplo, Artaud reafirma seu descontentamento
com o teatro europeu, denunciando a perda do caráter primitivo do teatro como
cerimônia.
Ao mesmo tempo, avalia o teatro oriental como original, ressaltando que esse
manteve seu aspecto cultural milenar, constituído por temas religiosos e
místicos, que não busca a explicação e a psicologia, como no teatro ocidental.
Artaud passou os últimos dez anos de sua vida internado em hospitais
psiquiátricos.
O primeiro foi o sanatório Le Havre-Rodez, onde passou nove anos e escreveu
as Cartas de Rodez. Nessas cartas, Artaud pedia ao médico que parasse de
lhe aplicar eletrochoques.
Foi em Rodez que Artaud escreveu os textos que vieram, em 1945, a compor o
livro Viagem ao País dos Tarahumaras.
Em 4 de março de 1948, Artaud foi encontrado morto no seu quarto, no
Hospício de Ivry.

UM PROFETA DO TEATRO
Hoje Artaud é reconhecido como um profeta do teatro – antecipou práticas que
ainda estavam por vir. Mas, esse reconhecimento só veio após a sua morte.
O conjunto de ideias teatrais propostas pelo ator, diretor, poeta e teórico
francês Antonin Artaud foi posteriormente reinterpretado e colocado em prática
por diversos grupos e diretores ao redor do mundo, especialmente a partir da
década de 1960.

Porém, há reflexos desse ideário em boa parte das manifestações teatrais


contemporâneas.
Peter Brook realiza um grande trabalho experimental sobre as ideias de
Artaud em meados da década de 1960, quando dirige a Royal Shakespeare
Company.
Primeiro, as atividades se dão em torno de exercícios e estudos acerca do
teatro oriental.
Depois, se traduzem na montagem da peça Marat-Sade, do dramaturgo
alemão Peter Weiss (1916 - 1982), em 1965. A peça permitia a exploração de
jogos físicos intensos e a exteriorização da angústia, elementos fundamentais
do Teatro da Crueldade.
E, na montagem de Édipo Rei(1968), Brook liga o teatro à religiosidade e à
liturgia.
O crítico Alain Jacob escreveu no Le Monde:

"A orquestração do coro, espalhado pela sala e pelo palco,


ofegando, gemendo, suspirando, batendo os pés e as mãos,
recorre tanto às tonalidades gregorianas quanto às da música
serial, aos ritos da magia africana e às tradições do teatro
japonês. Tudo isso [...] chega a criar a impressão de uma espécie
de liturgia".
O diretor polonês Grotowski nega ter sofrido influência direta de Artaud,
tendo atingido resultados semelhantes a partir de premissas parecidas.
O que aproxima as experiências desses dois artistas é a ênfase na
necessidade de um trabalho metódico com os atores, que leva ao domínio do
corpo e das emoções (como em algumas experiências do teatro oriental), além
da visão do teatro como uma experiência litúrgica, "um ritual, uma religião sem
religião".
O grupo norte-americano Living Theatre - baseado numa filosofia
anarquista, buscou a unificação entre teatro e vida, congregando artistas em
comunidade e buscando a transformação da sociedade, revela a influência das
teorias de Artaud desde a década de 1950, mas é apenas na década seguinte
que seus espetáculos passam a utilizá-las com mais ênfase.
Isso acontece relegando o texto a um plano inferior ao da experiência teatral
física - muitas vezes cheia de violência e tensão, como em The Brig (1965); e,
principalmente, com a união de teatro e ritual, o que se dá de maneira
impressionante em espetáculos como Frankenstein (1967) e,
principalmente, Paradise Now(1968), encenação mais famosa do Living
Theatre.

Teatro Oficina
- 1967, O Rei da Vela - espetáculo que, carregado da força poética de Oswald
de Andrade, retratava de forma ácida e grotesca a elite brasileira;
- 1968 – essa agressividade torna-se ainda mais explícita em Roda Viva , peça
montada fora do Oficina, mas dirigida por José Celso Martinez Corrêa, que
acrescentava à agressão - verbal e até física - a reconfiguração do espaço
cênico e dos limites entre palco e plateia;
- 1969 - radicalização autodestrutiva de Na Selva das Cidades .
Nos anos seguintes, torna-se ainda mais intensa a assimilação do Teatro da
Crueldade por parte do Oficina, seja na convivência com o Living Theatre,
durante sua estada no Brasil, seja na viagem do Oficina pelo país durante a
preparação de Gracias, Señor; que faz temporada em 1972 no Rio de Janeiro e
em São Paulo.
Com produção de Ruth Escobar são dignas de nota as encenações do diretor
argentino Victor García (1934 - 1982) para Cemitério de Automóveis (1968)
e O Balcão (1969), espetáculos que retomam, em seu experimentalismo, ideias
de Artaud.
A partir da década de 1970, alguns dos preceitos do Teatro da Crueldade,
adaptados às novas conjunturas, figuram entre as grandes referências dos
artistas teatrais.

No Brasil, são exemplos a retomada das atividades do próprio Oficina e


experiências como as do Teatro da Vertigem, que dialoga com proposições de
Artaud (tais como a ênfase na experiência corpórea dos atores, a não utilização
de espaços teatrais tradicionais, a não divisão espacial entre palco e plateia
etc.).

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