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Os Documentos Pessoais
no Espaço Público
1.1. Introdução
Embora a fOIUlação de arquivos de pessoas singulares e de famílias
remonte a épocas muito recuadas, a noção de "arquivo privado" demorou a ser
acolhida pela doutrina e pela legislação, porque os conjuntos documentais de
entes privados não eram qualificados como "arquivos". Apenas os acta publica
podiam fazer parte do "arquivo", que era considerado, por essa razão, arquivo
público. Esta concepção prevaleceu durante muitos séculos.
Na Idade Média, e ainda em parte da Idade Moderna, o jus archivi era
considerado um atributo dos soberanos, reservado a quem gozava do jus imperii.
Na Idade Moderna, a jurisprudência começou a afllUlar a existência de
arquivos privados. Passaram a ser reconhecidos como tais não só os arquivos de
pessoas juridicas mas também os de pessoas fisicas. No entanto, a doutrina
prevalecente continuou a definir como arquivo apenas aquele que fosse público.
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2.1. O acesso aos dados pessoais nos arquivos das modernas administrações
São inúmeros os tipos de documentos pessoais que é possível encontrar
nos fundos de proveniência pública. M. Duchein na sua obra clássica intitulada
Obstáculos ao acesso, uso e transferência da informação dos arquivos enumera-os, sem
no entanto pretender ser exaustivo.
Trata-se fundamentalmente de documentos relativos ao estado civil e à
filiação, à saúde, aos rendimentos e impostos, aos processos penais e criminais,
à actividade profissional, às opiniões políticas, filosóficas e religiosas, à infor
mação obtida sob promessa de segredo e ainda de documentos policiais e
estatísticos. Todo este elenco diz respeito a documentos nominativos que contêm
dados pessoais, isto é, informações sobre uma pessoa singular, identificada ou
identificável (a "pessoa interessada"), que incluem apreciações e juízos de valor ou
que são abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada.
De um modo geral podemos dizer que o acesso a este tipo de documentos
contidos nos arquivos correntes da administração pública tem sido tratado de
modo diferente de um país para outro, e isto pode ser ilustrado por dois tipos de
atitudes e soluções legislativas.
Alguns países conferem ao cidadão o direito de olhar para os arquivos
correntes, ainda em poder das administrações, impondo como única restrição a
protecção de interesses vitais públicos e privados. As legislações nacionais desses
países têm raízes nos conceitos do século XVIII relativos aos direitos humanos
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Uma vez que a instituição produtora tem 11m controlo quase total sobre
a criação, processamento e uso dos seus arquivos, as questões legais e éticas
relacionadas com a informação confidencial poderão ser em grande medida
resolvidas se as instituições produtoras e os serviços de arquivo desenvolverem
estratégias conjuntas para identificar os documentos sensíveis e defmirem pro
cedimentos nOlmalizados para a sua utilizaçao administrativa e pela investigação.
Todas estas tarefas se tornam extremamente complexas com o grande
volume de processos e a crescente tensão entre pedidos de acesso à informação e
privacidade pessoal. Embora os conceitos de confidencialidade e acesso restrito
não sejam novos, são necessários novos critérios para proteger a privacidade dos
dados pessoais. Mais do que nunca, é preciso equilibrar o acesso aos documentos
com a protecção dos direitos e dos legítimos interesses individuais.
Por outro lado, não obstante ser profundamente sentida, a necessidade
de infonnação é hisroricamente muiro nova e, tal como os indivíduos lhe estão
a responder com um sentido da privacidade renovado, também as instituições
estão a mostrar uma maior preocupação com a segurança.
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dos direitos individuais das vítimas deve merecer preferência sobre a investi
gação histórica;
- todo o cidadão tem direito ao livre acesso aos arquivos para se informar
sobre a existência ou não de algum processo ou de outra infollllação sobre a sua
pessoa, garantindo-se contudo a privacidade de terceiros;
- a consulta pública dos processos pessoais das vítimas da repressão está
vedada, excepto para os casos em que houver autorização expressa dos titulares
dos interesses legítimos;
- os serviços de arquivo interpretarão as leis relativas ao acesso nas
situações em que estas não forem suficientemente claras. Em tais circunstãncias,
deverá pedir-se a assessoria de especialistas em direito administrativo e procurar
alcançar o equiltbrio entre os direitos e interesses em conflito.
Uma das soluções para viabilizar o acesso a estes arquivos é a remoção
dos identificadores das vítimas ou de terceiros, nas reproduções dos documentos.
Pela complexidade de que se reveste, o expurgo dos dados pessoais não comu
nicáveis constitui sempre uma tarefa muitíssimo morosa.
Deste modo, e com base em diferentes textos legais, foram definidos e
estão em vigor, no Instituto dos Arquivos Nacionaisrrorre do Tombo, um
conjunto de critérios e nOImas de acesso aos arquivos das polícias políticas
portuguesas. Com estes critérios se procura salvaguardar a privacidade da vítima
ou do visado e garantir ao investigador o acesso àquilo que é exclusivamente do
foro político.
Não obstante a enorme responsabilidade que recai neste momento sobre
o IANfTT decorrente da comunicação dos arquivos das polícias políticas, pode
afumar-se que, pelo rigor com que os referidos critérios são aplicados, tem sido
possível responder, sem problemas, quer aos visados por aquelas polícias, quer
aos investigadores.
Recentemente, a imprensa portuguesa foi eco de uma polémica entre
dois historiadores, os professores António Barreto e Fernando Rosas. Alegava o
primeiro que as circuntâncias em que as polícias políticas haviam apreendido os
seus documentos pessoais eram claramente violadoras do direito de propriedade,
e, nessa medida, exigia a restituição desses documentos.
Esta questão, que interessou bastante a opinião pública, não teve con
seqüências práticas, lima vez que prevaleceu o ponto de vista de Fernando Rosas,
que defendia que a restituição dos documentos pessoais estava em contradição
com o princípio da integridade do fundo arquivístico, considerado património
da Nação.
Efectivamente, é fundamental aplicar os princípios da arquivística a este
tipo de fundos, onde muitas vezes não está claramente visível a lógica que garantia
a eficácia dos trabalhos que a instituição repressiva assumia; mas é essa lógica
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