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A Educação de Sujeitos

Considerados Portadores de
Deficiência:contribuições
vygotskianas

Introdução tórias anteriores de aprendizagem. Desta forma, o au-


tor descarta uma leitura organicista e individualista onde
A discussão a respeito da educação de sujeitos con- o êxito ou o fracasso estariam sendo atribuídos exclu-
siderados portadores de deficiência foi enriquecida, a sivamente ao aluno.
partir do final da última década, com a chegada ao Bra- Considerando que natureza e cultura convergem,
sil de algumas obras de Lev S. Vygotski. Estas obras, ao penetram-se reciprocamente e formam uma única for-
basearem-se em uma concepção de desenvolvimento mação sociobiólogica do sujeito, é possível compreen-
humano que leva em consideração a íntima e constante der o desenvolvimento orgânico, por realizar-se em um
relação entre social e biológico, oportuniza aos profissi- meio cultural, como um processo biológico historica-
onais da educação regular e especial, uma reflexão so- mente constituído.
bre sua prática2 . A obra que reúne textos de Vygotski que tratam
Entendendo que o desenvolvimento humano tem especificamente da educação de sujeitos considerados
por base as relações sociais, interações de sujeitos his- portadores de deficiência tornou-se mais acessível por
tóricos, este autor ressalta que o desenvolvimento está ocasião das comemorações do centenário de seu nasci-
interligado às aprendizagens desde os primeiros dias mento, em 1996. Fundamentos de Defectología, que
de vida da criança, que impulsionam e promovem o corresponde ao Tomo Cinco das Obras Completas de
desenvolvimento. Dessa forma, o desenvolvimento se Lev S. Vigotski3 , foi publicada em 1983 pela Editorial
apresenta em dois níveis: real, que representa o que a Pedagógica, em Moscou, e editado em 1989 pela Edito-
criança pode realizar sozinha; e potencial, que repre- rial Pueblo y Educación, em Havana, sendo reeditado
senta aquilo que ela só realiza com ajuda, ou pela imi- em 1995, com tradução para o espanhol por Maria del
tação, mas que poderá vir a realizar sozinha a partir de Carmen Ponce Fernández 4 . A obra em questão está
interações que promovam suas aprendizagens. As dividida em três partes: 1) Questões Gerais da
aprendizagens, assim, são entendidas no sentido da Defectologia; 2) Problemas Especiais da Defectologia;
apropriação (VYGOTSKI, 1989). Com esta compre- 3) Os Problemas Limítrofes da Defectologia, nas quais
ensão, as aprendizagens e as não-aprendizagens na são encontrados dezenove artigos que foram elabora-
escola são atribuídas ao movimento possibilitado pela dos aproximadamente entre 1924 e 1935 e que
forma como as interações estão organizadas entre pro- correspondem à participação do autor em congressos,
fessor e alunos e entre alunos, considerando suas his- publicações em livros, revistas, coleções, etc. Seis deles

1
Fisioterapeuta; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Professora do Curso de Peda-
gogia Educação Especial (Programa Magister) da UFSC e dos cursos Pedagogia Séries Iniciais (Programa Magister) e
Fisioterapia da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL.
2
Ver FREITAS (1994).
3
No total, as Obras Completas do autor estão compostas por seis tomos.
4
Os trechos citados neste texto foram submetidos à tradução livre para o português pela própria autora.

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Rosalba Maria Cardoso Garcia 1
foram publicados pela primeira vez nesta obra. Um não
apresenta qualquer referência dos editores sobre data
de elaboração e dados de origem.
cromossômica não é simplesmente menos desenvolvida
Dentre as contribuições do autor, três pontos de
que as crianças consideradas normais de sua idade. A
discussão serão apresentados aqui como fundamentais:
criança que apresenta características físicas identificadas
a concepção de deficiência, o conceito de compensação
como causas de deficiência não se desenvolve em menor
social, e a educação de sujeitos considerados portado-
escala, mas desenvolve-se de outra forma. Não se trata
res de deficiências.
de subtrair uma função, mas de desenvolver-se de modo
qualitativamente diferenciado. Neste sentido, destaca-se
DeficiênciaPrimáriaeSecundária a noção de desenvolvimento peculiar ou da peculiaridade
qualitativa dos fenômenos e processos que são objeto de
O autor distingüe dois tipos de deficiência – pri- estudo da defectologia (educação especial), pois “a
mária e secundária. A deficiência primária é compreen- especificidade da estrutura orgânica e psicológica, o tipo
dida como biológica e a secundária como social. Nestes de desenvolvimento e de personalidade, são o que dife-
termos, a deficiência primária compreende as lesões or- renciam a criança deficiente da normal, e não as propor-
gânicas, lesões cerebrais, malformações orgânicas, al- ções quantitativas” (VYGOTSKI, 1995, p. 3).
terações cromossômicas, ou seja, as características físi- O autor elabora uma crítica ao que denomina “con-
cas apresentadas pelo sujeito considerado portador de cepção puramente aritmética da soma dos defeitos”. Este
deficiência. A deficiência secundária, por sua vez, com- modo de entender a deficiência tem como base uma
preende o desenvolvimento do sujeito que apresenta concepção de desenvolvimento reduzido ao crescimen-
estas características, com base nas interações sociais. to quantitativo do ponto de vista orgânico e psicológico.
Uma vez que o autor defende uma concepção de de- O enfoque quantitativo da deficiência, segundo Vygotski,
senvolvimento que se orienta do plano social para o indi- preocupa-se com aquilo que a criança não é e com aqui-
vidual, a forma como o sujeito que apresenta uma lesão lo que ela não faz, reunindo sujeitos que têm como ca-
orgânica ou alteração cromossômica desenvolve-se está racterística comum o fato de não serem enquadrados no
intimamente relacionada ao modo como vive, às padrão de normalidade. Desta forma, tanto para fins de
interações sociais com as quais está envolvido. avaliação, como no tocante à educação dos sujeitos con-
Seu trabalho opõe-se às concepções que buscam siderados portadores de deficiência, o autor refere que
explicações exclusivamente biológicas para o desenvol- é necessário caracterizar o seu desenvolvimento, não
vimento dos sujeitos considerados portadores de defici- interessando ao educador medí-lo.
ência, propondo um enfoque no qual a deficiência não é Neste sentido, pode-se destacar o uso de escalas
tanto de caráter biológico, como social. O autor não par- de desenvolvimento no processo de avaliação como uma
te dos dados biológicos, buscando relacioná-los à histó- das referências utilizadas, descaracterizando seu papel
ria e à vida social. Sua compreensão implica em consi- exclusivo de diagnosticar os desempenhos atuais e prog-
derar o caráter social do desenvolvimento, a história e a nosticar os desempenhos futuros. As escalas podem
vida social desde o princípio, quer o sujeito apresente ser utilizadas, principalmente, como um instrumento de
características físicas relacionadas à deficiência ou não. orientação ao desenvolvimento do sujeito, sem ser con-
O que se observa em termos do desenvolvimento siderada a única referência.
da maioria das pessoas com algum diagnóstico de defi- Não há, na visão vygotskiana, diferenças quanto
ciência seria, no seu entender, decorrente da ausência aos princípios de desenvolvimento para os considerados
de uma educação adequada. A deficiência primária con- normais e considerados deficientes. Há uma unidade nas
verte-se em secundária em certas condições sociais. A leis de desenvolvimento. O autor reconhece, no entanto,
lesão cerebral converte-se ou não em deficiência men- que existem particularidades na forma de aprender e se
tal em certas condições sociais, pois não há nenhum as- desenvolver, nos recursos necessários para a aprendi-
pecto onde o biológico possa separar-se do social zagem, entre outros fatores. As leis de desenvolvimento
(VYGOTSKI, 1995, p.71). revelam-se uma só, tanto para os considerados normais
Segundo Vygotski, uma criança cujo desenvolvimen- como para os considerados portadores de deficiência,
to esteja complicado por uma lesão ou alteração mas a expressão deste desenvolvimento se dá de forma

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peculiar. E é sobre este aspecto que os educadores de- mento complicado pelo “defeito” é o duplo papel da in-
vem se debruçar, ou seja, compreender como cada su- suficiência orgânica no processo deste desenvolvimen-
jeito que apresenta um diagnóstico relacionado à defici- to. Por um lado, o “defeito” é a limitação, a debilidade, a
ência se desenvolve. O diagnóstico, nesta visão, é um diminuição do desenvolvimento. Por outro lado, ao origi-
dos fatores que o educador deve observar, pois é um nar dificuldades, estimula o movimento para o desenvol-
dos elementos que constituem o desenvolvimento do vimento. Neste sentido, qualquer “defeito” origina estí-
sujeito, mas não é o ponto central e definidor de toda a mulos para formar a compensação.
sua ação. Junto ao diagnóstico, outros tantos elementos
constituem o sujeito, como as condições sociais e eco- “A educação das crianças com diferentes de-
nômicas de sua vida, as pessoas com quem interage, a feitos deve basear-se no fato de que simulta-
qualidade destas interações, as situações de aprendiza- neamente com o defeito estão dadas também
gem que já conheceu. “Não é importante saber só qual as tendências psicológicas de uma direção
doença tem a pessoa, mas também que pessoa tem a oposta; estão dadas as possibilidades de com-
doença. O mesmo é possível com relação à deficiência. pensação para vencer o defeito e de que pre-
É importante conhecer não só o defeito5 que tem afeta- cisamente essas possibilidades se apresen-
do uma criança, mas que criança tem tal defeito” tam em primeiro plano no desenvolvimento de
(VYGOTSKI, 1995, p. 104). crianças e devem ser incluídas no processo
A partir desta concepção de deficiência, pode-se educativo como sua força motriz” (VYGOTSKI,
refletir a respeito de onde está localizado o fenômeno 1995, p. 32).
da deficiência. Está no corpo do sujeito, em seu tecido O autor buscou em elementos orgânicos a formu-
cerebral, em seus cromossomos? Ou está localizado lação do princípio de compensação como, por exemplo,
nas atitudes dos demais, na forma como encaram o a relação entre vírus e vacina onde o organismo, a partir
sujeito identificado como deficiente? A lesão cerebral do contato com a vacina, elaborada com o próprio vírus
está localizada no tecido cerebral, assim como a causador da doença, torna-se mais resistente a ele. Tam-
síndrome de Down está localizada nos cromossomos bém a compensação biológica de alguns órgãos do cor-
do sujeito. Porém, a deficiência atribuída a sujeitos que po humano, como os rins, por exemplo, que na falta de
apresentam lesão cerebral ou síndrome de Down não um, o outro compensa sua função. Ainda uma outra re-
faz parte de seus organismos, mas sim de sua vida so- ferência é encontrada em relação aos órgãos dos senti-
cial. E é a partir das interações sociais travadas com, e dos, com os quais pode haver uma substituição através
por estes sujeitos, que se constituem as deficiências a da qual o cego pode ler não com a visão, mas com o
eles atribuídas. tato, e o surdo pode compreender a fala do outro não
O fenômeno da deficiência localiza-se nas com os ouvidos, mas com os olhos. No entanto, a com-
interações sociais, no modo da sociedade relacionar-se. pensação da qual fala Vygotski não se trata de uma com-
Costuma-se dizer que aquele sujeito que apresenta difi- pensação biológica, nem tampouco da compensação de
culdades ou limitações em relação ao padrão considera- vísceras ou da substituição dos órgãos dos sentidos. Tra-
do normal, tem dificuldades e limitações, de um ponto ta-se de uma compensação social.
de vista individual. Pela compreensão que está sendo Neste ponto, é importante explicitar que a cultura,
trabalhada neste texto, é preciso esclarecer que as difi- na história da humanidade, tem se constituído sob con-
culdades e limitações são atribuídas socialmente a um dições de certa estabilidade e constância do tipo bioló-
indivíduo. O que não significa negar as características gico humano. Instrumentos, materiais, adaptações, in-
físicas relacionadas socialmente como deficiências, mas telecto, interações têm sido organizadas com base em
sim afirmar que o que caracteriza a deficiência, nesta um tipo humano que se conhece como o padrão de
concepção, não são as questões físicas, mas sim o tipo normalidade. Na forma como a sociedade está organi-
de interações que envolvem um sujeito que apresenta zada, os sujeitos considerados portadores de deficiên-
tais características. Assim, é possível pensar que este cia encontram muitas dificuldades para desenvolver-
sujeito pode relacionar-se e constituir-se de outras for- se, pois esta é uma organização excludente, que difi-
mas, a partir de outras relações. culta o acesso à cultura para aqueles que fogem ao
padrão de normalidade.
A Compensação Social O “defeito” originado pelo desvio deste padrão pro-
voca o desaparecimento de algumas funções, reorgani-
O segundo ponto fundamental a ser apresentado zando todo o desenvolvimento em novas condições e
neste texto refere-se ao conceito de compensação social. alterando o processo de relacionamento com a cultura.
Segundo Vygotski, o fator fundamental no desenvolvi- Por isso, observa-se uma divergência entre os planos de

5
O autor utiliza-se, no tomo cinco, de terminologias como defeito, anormalidade, retardo, entre outros, que na atualidade têm
sido evitados por serem compreendidos como estigmatizadores.

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desenvolvimento biológico e cultural. Mesmo com a pos- ser absolutamente adaptado não teria impulsos para de-
sibilidade de originar estímulos para formar a compen- senvolver-se e que na inadaptação encontra-se uma fonte
sação, a via que leva ao desenvolvimento da deficiência de possibilidades de desenvolvimento (VYGOTSKI,
torna-se a mais comum frente as interações com as quais 1995, p.83). Também criticava o programa reduzido de
os sujeitos considerados portadores de deficiência estão conteúdos e métodos simplificados de ensino. Mais que
envolvidos mais freqüentemente. É importante salientar, uma escola para deficientes, a escola especial deveria
no entanto, que os modos utilizados para relacionar-se ser um local para educação. E, neste sentido, o
com a cultura são diversificados no desenvolvimento de privilegiamento do abstrato frente ao concreto, o desen-
sujeitos que apresentam características físicas relacio- volvimento das funções psicológicas superiores, deveri-
nadas à deficiência. Os cegos utilizam bengalas para am ser as metas. Elaborava, desta forma, uma forte crí-
locomoção, o tato para leitura; os surdos utilizam a leitu- tica à ênfase no exercício das funções sensoriais e
ra labial para compreender a fala dos interlocutores; motoras, em detrimento das cognitivas. Para o autor, as
sujeitos que apresentam seqüelas motoras utilizam ca- questões sociais deviam ser consideradas principais na
deiras de rodas para locomoção e formas alternativas educação, pois “ao trabalhar exclusivamente com re-
de comunicação, entre outros exemplos. presentações concretas e visuais, freiamos e dificulta-
Os processos de compensação estão dirigidos não mos o desenvolvimento do pensamento abstrato, cujas
ao complemento direto do “defeito”, o qual não é possí- funções não podem ser substituídas por nenhum proce-
vel em grande parte, senão à eliminação das dificulda- dimento visual” (VYGOTSKI, 1995, 119).
des criadas pelo “defeito” (VYGOTSKI, 1995, p. 10). Frente à concepção de deficiência e ao conceito
A compensação social pode ser produzida por uma via de compensação social, desenvolvidos por Vygotski, este
indireta, de caráter social e psicológico. Esta condição afirmava que, embora os vários tipos de deficiências
social do desenvolvimento dos sujeitos se forma a partir sejam também circunstâncias biológicas, a educação
de alguns fatores fundamentais. A própria ação do “de- deve estar voltada para suas conseqüências sociais. Caso
feito” sempre resulta ser secundária, indireta, reflexa, contrário, a educação orienta-se, desde o início, para a
podendo constituir-se em um descenso da posição soci- deficiência, a invalidez, como um princípio. Neste senti-
al da criança, uma “luxação social”. Neste sentido, a do, o autor afirma:
compensação social consiste em criar condições e esta-
belecer interações que possibilitem aos sujeitos conside- “É um equívoco ver na anormalidade só uma
rados portadores de deficiência apropriarem-se da cul- enfermidade. Na criança anormal nós só ve-
tura, seja qual for o seu diagnóstico relacionado à defici- mos o defeito e por isso nossa teoria sobre a
ência. O autor chama a atenção, porém, para que o pro- criança, o tratamento dado a ela, se limitam a
cesso de compensação não seja compreendido como constatação de uma porcentagem de ceguei-
universal e que não ocorre livremente. ra, surdez ou alterações do paladar. Detemo-
Desta forma, compreende que “ o desenvolvimen- nos nos gramas de enfermidade e não nota-
to cultural é a esfera principal de onde é possível a com- mos os quilos de saúde. Notamos os defeitos
pensação da deficiência. Onde é impossível o desenvol- e não percebemos as esferas colossais
vimento orgânico, ali está aberta de forma ilimitada a via enriquecidas pela vida que possuem as crian-
do desenvolvimento cultural” (VYGOTSKI, 1995, 153). ças que apresentam anormalidades”
É importante salientar que esta compreensão não (VYGOTSKI, 1995, p. 45).
tem por objetivo negar as questões orgânicas conheci- Segundo o autor, o caráter “especial” deveria ser
das como causas de deficiência. Pelo contrário, esta é retirado da educação especial. A educação especial
uma compreensão que se propõe a discutir o papel das compreendida como parte da educação geral, deveria
questões orgânicas no desenvolvimento humano, desen- ter as mesmas bases e a mesma finalidade, utilizando-se
volvimento este que se dá socialmente. de métodos e procedimentos diferenciados, sempre que
necessário. Desta forma, todas as crianças estariam ten-
A Educação de Sujeitos Considerados do acesso aos mesmos conhecimentos, mesmo que por
vias peculiares. Assim, o autor indica que a concepção
PortadoresdeDeficiência6 de educação especial que defendia, referia-se a proce-
dimentos específicos de educação, porém, fazendo par-
A educação especial conhecida por Vygotski, em te do processo geral de educação, tendo os mesmos
seu país, tinha influências européias. A crítica elaborada objetivos e programas.
por ele dizia respeito a que, aquele modelo de escola Frente a estas questões postas pelo autor, a respei-
especial, separava e isolava os sujeitos em um mundo to da educação especial, pode-se elaborar a questão:
restrito e adaptado ao “defeito”. Considerava que um como pensar a educação de sujeitos considerados por-

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Esta terminologia é utilizada pela autora, a partir das elaborações de CARNEIRO (1996), não sendo utilizada por Vygotski.

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tadores de deficiências nestes termos, a partir da reali- buscando: a manutenção das dificuldades ou a busca de
dade atual? São destacados, aqui, alguns elementos que vias de acesso a novas possibilidades? Deve-se buscar
constituem esta realidade, a título de exemplificação: a soluções individualizadas para os sujeitos considerados
integração de sujeitos considerados portadores de defi- portadores de deficiências ou soluções coletivas para a
ciência na escola regular, em Santa Catarina, por deci- educação de todos os alunos?
são política; salas de aula com 40 alunos na rede públi-
ca; baixos salários dos professores; acentuado número
de professores contratados temporariamente, ocasionan- Conclusão
do uma alta rotatividade dos mesmos; professores con-
Considero que as questões apresentadas podem
siderados despreparados para ensinar alunos com algum
auxiliar no desenvolvimento de uma reflexão a respeito
diagnóstico relativo à deficiência; pouca articulação en-
de dificuldades e possibilidades encontradas na realida-
tre educação especial e regular; entre outros fatores.
de escolar, a partir da compreensão de que toda e qual-
É preciso, primeiramente, que se atente para o
quer prática pode ser explicada teoricamente, e todo
fato de que Vygotski elaborou este pensamento a res-
pensamento pode ser implementado na prática, ainda que
peito da educação especial em um momento em que se
parcialmente. Portanto, que teoria e prática são dois la-
constituía uma sociedade com outras bases, diferente
dos de uma mesma moeda, não podendo ser
desta em que nos encontramos. O clima cultural da
desvinculados.
Revolução Russa propunha que se ousasse, inspirava
As discussões apresentadas neste texto pretendem
para que se buscassem soluções diferenciadas em re-
contribuir com a discussão que já está na rua, ou na
lação ao Ocidente capitalista. Este é um dado funda-
escola, a respeito de como compreender as diversas
mental para se pensar que o que o autor propôs no
manifestações do desenvolvimento humano. A discus-
início do século parece avançado para a nossa realida-
são a respeito dos sujeitos considerados portadores de
de ao final do mesmo. É importante procurar compre-
deficiência representa apenas uma categoria destas
ender como se constituiu o trabalho voltado à educa-
manifestações. Considero que o encontro com o explici-
ção especial no ocidente, relacionado ao modo de vi-
tamente heterogêneo pode auxiliar no sentido de desve-
ver e pensar vigentes.
lar as armadilhas postas pela idéia de homogeneidade,
Situando esta discussão em Santa Catarina, a
no sentido de aprender a lidar com a heterogeneidade
integração pela via legal, através da portaria n. 011/87,
com novas bases e formas.
que instituiu a matrícula compulsória, garantindo vaga
no ensino fundamental para crianças entre 7 e 14 anos,
embora tenha sido um ato antidemocrático, uma decisão
centralizada, tem oportunizado nos últimos anos uma dis- ReferênciasBibliográficas
cussão a respeito da presença de sujeitos considerados
portadores de deficiência na rede regular de ensino, suas CARNEIRO, Maria Sylvia C. Alunos considerados
formas de interagir, suas possibilidades de aprender, as portadores de necessidades educativas especi-
buscas dos professores no sentido de ensinar. A presen- ais nas redes públicas de ensino regular:
ça destes alunos têm possibilitado que se discuta a rela- integração ou exclusão? Dissertação de Mestrado
ção ensino/aprendizagem/desenvolvimento de modo ge- em Educação. Universidade Federal de Santa
ral e não apenas dos alunos que apresentam algum diag- Catarina. Florianópolis, 1996.
nóstico relacionado à deficiência. Ainda que o processo
FREITAS, Maria Teresa. O pensamento de Vygotski
de integração de sujeitos considerados portadores de
e Bakthin no Brasil. Campinas: Papirus, 1994.
deficiência na rede regular de ensino não tenha alcan-
çado resultados substancialmente satisfatórios até o pre- GARCIA, Rosalba Maria C. Contribuições
sente momento, é importante destacar as possibilidades Vygotskianas para a educação de indivíduos
que engendra. A integração, enquanto princípio, traz a considerados portadores de deficiências.
possibilidade da publicização dos sujeitos considerados Florianópolis, 1996, mimeo.
portadores de deficiência; enquanto prática, revoluciona VYGOTSKI, Lev S. A Formação Social da Mente.
a sociabilidade no cotidiano escolar e explicita a São Paulo: Martins Fontes, 1989.
heterogeneidade que já se fazia presente entre alunos e
entre professores. VIGOTSKI, Lev S. Fundamentos de Defectología.
As dificuldades estruturais estão postas, são con- Obras Completas, tomo cinco. Havana: Editorial
cretas e acompanham professores, alunos, especialistas Pueblo y Educación, 1995, 2a. edição.
(orientadores e supervisores), pais e diretores cotidiana-
mente. Frente a elas, pode-se optar pelas elaborações
teóricas que estão disponíveis. Qual o trabalho que se
quer e que se pode realizar na escola? O que estamos

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