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INSTITUTO DO EMPREGO E DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P.

CENTRO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO SEIXAL


EFA B3 – Linguagem e Comunicação
Curso: _____________________________
Formando: __________________________ Nº ____ Data: ______/___/____

1- Leia o texto com atenção e sublinhe as palavras ou expressões que desconhece.

O Salvador e a Senhora do Marquês


13 de Maio de 2017: um dia na vida de um país que, há
séculos, consegue a proeza de sobreviver aos seus habitantes.
Se isto não é um milagre, ninguém sabe o que é.

Muito se escreveu nos últimos dias sobre a hipótese de


estar ainda viva, afinal, a velhíssima trilogia dos três “efes”:
fado, futebol e Fátima – ou, numa variação mais certeira e
humorada: futebol, Fátima e festival. Quiseram Deus, os astros,
os homens, o simples acaso (escolham a vossa crença), que,
num só dia, se celebrassem os 100 anos das aparições de
Fátima e a canonização de mais dois santos portugueses; que o Papa estivesse em Portugal, o clube de futebol mais
representativo do país festejasse, pela primeira vez na História, o tetracampeonato e que, também pela primeira vez, a
canção portuguesa vencesse o Eurofestival. A coincidência de tanto acontecimento extraordinário, senão inédito, não
chegou para abalar a convicção dos cínicos: o país, segundo eles, estava na mesma. Mas, então, porque é que só eles, os
cínicos, cheiram a bolor nesta conversa?
O “fado, futebol e Fátima” nunca foi o programa do salazarismo; foi o diagnóstico que o brilhante Salazar (a
inteligência, sabe-se lá porquê, parece sempre medrar nos terrenos da maldade) fez das paixões do povo que queria
domesticar. Na verdade, o Presidente do Conselho não suportava nenhum dos “efes” – não gostava de fado, tentou
sempre impedir a profissionalização do futebol e foi uma única vez a Fátima, à força, um ano antes de morrer –; limitava-
se a tolerá-los. Sabia bem que, se os tentasse calar, podia lançar a semente de um desagrado que ninguém conseguiria
prever até onde podia chegar. Porque, na essência, nem a vida vadia do fado, nem a euforia anárquica do futebol, nem o
misticismo transnacional de Fátima tinham o que quer que fosse a ver com o salazarismo; eram a sua negação.
Tudo isto se tornou evidente na ressaca do 25 de Abril: a democracia, envergonhada dos fantasmas do passado,
tentou afastar Amália, Fátima e até as direcções dos clubes grandes. Deu no que deu. Em menos de nada, estavam todos
de volta e mais prósperos do que nunca. Seria isso grave? Sinal de um país provinciano, bacoco, irrevogavelmente
atrasado? Estranho seria. Em que nação será a religião assunto de pouco importância? Que países conhecem que não
louvem os seus heróis do desporto? Que bizarra sociedade não cultivará as suas expressões artísticas?
O fado, o futebol e Fátima, lamentamos informar, tornaram-se maiores do que o país que se envergonhava deles.
Pulverizaram fronteiras e tornaram-se património colectivo. Se, tantos anos depois, alguém ainda não o percebeu, é
melhor que abra os olhos.
O que aconteceu a 13 de Maio de 2017 não foi a prova de um país que está na mesma; foi a prova de um país que
evoluiu muito mais do que os seus críticos mereceriam. Ponha-se o coração ao largo e olhe-se aos factos: Fátima, uma
pequena localidade portuguesa, tornou-se uma das capitais obrigatórias da religião com mais fiéis do mundo. O Benfica,
hoje por hoje um dos clubes mais populares do planeta, juntou centenas de milhar de pessoas nas ruas para celebrar um
universo, o futebol, onde, apesar da má fama, ainda se defendem os valores do mérito, do trabalho, da solidariedade e
do espírito de equipa. Onde crianças e jovens pobres de todo o mundo encontram a única oportunidade de ascensão
social das suas vidas. Onde estranhos se abraçam na plateia independentemente de raça, religião ou classe social. Onde,
enfim, se celebram valores de uma sociedade que, fora dali, é quase sempre débil, decadente e injusta.
E, finalmente, a vitória de Salvador Sobral no Festival da Eurovisão que só por desonestidade ou ignorância alguns
querem confundir com o fado. Não é pelo Festival da Eurovisão que, em si mesmo, pouco importa. Não é sequer pela
canção, cujos méritos técnicos não nos cabe avaliar. É pela segurança da postura, pela integridade artística e cultural, pelo
orgulho de cantar na língua materna contra o provincianismo dos estrangeirismos. É por não ser um coitadinho, nem um
ressentido, por não falar pelos outros, por pensar pela própria cabeça, pelo descomplexo, pela naturalidade, por ser um
vencedor. Por ser, enfim, o absoluto oposto do que o país comprazia em encontrar razões para se vitimizar.
Na noite de 13 para 14 de Maio, a canção de Salvador, escrita e composta pela irmã Luísa, soou e foi cantada a
plenos pulmões no Marquês de Pombal pela multidão, instantes antes da chegada dos novos tetracampeões nacionais
do desporto-rei em Portugal. E não faltava por aquela praça quem tivesse chegado, pouco antes, de ter ido ver e ouvir o
Papa, cento e poucos quilómetros acima. Ali, o povo outrora triste e domesticado, celebrou a vitória, a realização, e com
que naturalidade, em tantas frentes.
O que sobra do salazarismo não é nenhum “efe”; é apenas um “erre” de ressentimento. São os cínicos, os
deprimidos, os velhos do Restelo inaptos para a felicidade.
Nossa Senhora do Marquês lhes perdoe.
Alexandre Borges
In http://observador.pt/2017/05/14/cronica-o-salvador-e-a-senhora-do-marques
(texto escrito na grafia pré AO90)
1.1- Procure no dicionário o significado das palavras / expressões que sublinhou.

2- As afirmações apresentadas de (A) a (G) correspondem a ideias-chave do texto de Alexandre Borges. Escreva a
sequência de letras que corresponde à ordem pela qual essas ideias aparecem no texto.
Comece a sequência pela letra (D).

a) No mesmo dia celebraram-se três acontecimentos importantes para milhões de portugueses.


b) Os cínicos alimentam-se de ressentimento.
c) Salazar nunca gostou de futebol, Fado e do fenómeno de Fátima.
d) Dizia-se que a antiga trilogia dos três “efes” poderia ainda estar viva.
e) A segurança, a arte, a cultura e a língua portuguesa venceram.
f) O país permaneceu agarrado ao passado.
g) Houve quem, no mesmo dia, estivesse em Fátima e depois entoasse, no Marquês, a canção vencedora.
h) O futebol continua a ser uma forma de os menos favorecidos terem acesso ao sucesso.

3- Explique o significado da expressão “velhíssima trilogia dos três “efes”.

4- Por que razão se afirma que Salazar terá tolerado os três “efes”?

5- O que desagradava ao Presidente do Conselho na trilogia “fado, futebol e Fátima”?

6- A democracia procurou romper com o Passado. De que forma?

7- Na sua opinião, o que quer o autor dizer com “O que aconteceu a 13 de Maio de 2017 não foi a prova de um país que
está na mesma”?

8- Identifique os valores do futebol defendidos pelo autor.

9- Por que razão, para o autor, a vitória de Salvador Sobral tem tanto significado?

10- O que se celebrou no Marquês quando a multidão entoou a canção vencedora do Festival da Eurovisão?

11- O que entende pela expressão “velhos do Restelo”?

12- Explique o título da Crónica.

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