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Análise da carta de Carlos a Joaninha

 A carta é um texto autobiográfico que abrange os cinco últimos capítulos da obra (XLIV – XLIX). Insere-se
por encaixe na “Novela da Menina dos Rouxinóis”.
 Explicita o modo de sentir mais íntimo de Carlos no fim da guerra civil (maio de 1834) e refere o desenlace
da história.
 É também uma tentativa de justificação e de explicação de Carlos perante Joaninha e os leitores. No fundo,
o protagonista quer ser aceite, compreendido e perdoado por ter recusado o amor de Joaninha e ter
optado pelo materialismo dos Barões e pelas emoções da política.
 Há ainda referências, na longa carta, ao longo exílio de Carlos em Inglaterra, com todas as suas aventuras
(os amores com as três irmãs: Laura, Júlia e Georgina) e as manifestações de volubilidade que o levam à
instabilidade emocional e à sua fragmentação.
 Funcionalidades da carta: função lírica (contribui para a construção de Carlos enquanto herói romântico)
e função estrutural (dá a conhecer através da analepse acontecimentos relativos ao exílio de Carlos).

Cap. XLIV
 Confusão emocional de Carlos, o desespero e o sentimento de culpa. A causa da sua perdição é a “sua
natureza incorrigível…” l.9 a 11, características que o definem como herói romântico.
 Carlos duvida que Joaninha acredite nele e o compreenda por ser mulher, pois não compreenderá os
seus excessos, mas decide contar-lhe a verdade, destruindo as suas ilusões, para que ela se prepare
para as armadilhas do coração (l. 12 a 20)

Acontecimentos familiares que obrigaram Carlos a partir do vale (início na l.21):


Carlos confessa que partiu devido ao crime que manchou a casa paterna (a morte do seu suposto pai), sem
saber que Frei Dinis era o seu verdadeiro pai e devido ao ódio que nutre por ele; por julgar que a avó era
cúmplice do crime que vitimou o seu suposto pai e o pai de Joaninha, e, não o sendo, culpa-a de omissão e
confessa não conseguir também perdoar o adultério de sua mãe.
Avó – protótipo da vítima do destino.

Sentimentos por ele expressos na referência a esse passado: amargura, raiva, revolta, ressentimento,
incapacidade para perdoar.

Sentimentos de Carlos por Joaninha


Carlos confessa a Joaninha que a amou, mas não inteiramente, pois o seu coração não estava completamente
livre (estava comprometido com Georgina com quem veio a casar) e prometeu-lhe um amor que não lhe podia
dar, traindo-a, mentindo-lhe e mentindo a ele próprio, ainda que involuntariamente. Com esta atitude,
demonstra a sua inconstância no amor, a incapacidade para amar alguém de verdade. Revela o seu conflito
interior e as suas contradições amorosas.

Reflexão sobre as três espécies de mulheres – (l.45 a 51)

Acontecimentos ocorridos em Inglaterra e o impacto que estes tiveram na sua vida


Carlos recua no tempo, dando-nos em analepse, dados sobre a sua vida em Inglaterra. Informa que conheceu
uma família da aristocracia inglesa, elegante e rica, pela qual se moldou, embora inicialmente estranhasse os
seus hábitos de vida artificial, protegida; adaptou-se à forma de viver a arte de sedução aprendendo a “flartar”,
de modo inconsequente, com as três irmãs. Mais, Carlos, o herói romântico, o soldado da liberdade, o que
luta pelo seu ideário liberal, demonstra o seu caráter temperamental, impulsivo, um homem sensível que se
entrega ao amor em excesso e se deixa dominar pelo coração que coloca à frente da razão.

Linguagem e sua expressividade


As frases reticentes, curtas, frase interrogativa e exclamativa, as repetições, o diálogo que parece estabelecer
com o destinatário da carta, são denotadores da sua confusão emocional, do seu conflito interior, da sua
sensibilidade, da sua dor e da sua confissão dolorosa, da sua insatisfação e da sua fatalidade.

Cap. XLVIII
Identificação dos acontecimentos da vida de Carlos
Fala das três irmãs: Georgina, Júlia e Laura, caracterizando-as; fala-nos dos sentimentos que nutria por elas (
ver texto); da sua partida para a Ilha Terceira, nos Açores, onde esteve exilado, e fala do seu regresso ao Vale
de Santarém e de como se apaixonou por Joaninha; reconhece que a sua existência e o seu amor são fatais
para quem o ama, reconhecendo a sua incapacidade para amar e pede a Joaninha que o esqueça e proteja a
avó e o Frei Dinis; revela que se vai dedicar à política, tornar-se um Barão.

Caracterização do seu estado de espírito


Mais uma vez, é de realçar o conflito interior e o conflito com a sociedade que lhe destruiu a bondade natural
e que o afastou da possibilidade da realização pessoal.
Carlos desculpabiliza-se constantemente, tentando mostrar que o que aconteceu com as irmãs inglesas
obedecia aos códigos sociais britânicos: “flirtation”.

Carlos está convicto de que o seu destino é causar infortúnio aos que o amam, por conseguinte reconhece que
não foi talhado para o amor, para amar e ser amado (l.34 a 42).

O relacionamento com Georgina fá-lo duvidar dos seus sentimentos em relação a Laura e a Júlia. A
importância desta personagem é ainda maior quando esta decide visitar o vale e conhecer Joaninha.
Georgina – típica mulher inglesa, de olhos azuis…Protótipo da mulher civilizada e bondosa.

Caraterização de Joaninha
Personagem bondosa, a mulher-anjo, pura, perfeita, impoluída, a mulher que se confunde com o espaço idílico
onde cresceu e os valores que emanam desse mesmo espaço.

Cap. XLIX

Neste capítulo final convergem a conclusão da viagem e a conclusão da novela: a viagem termina de forma
original, o narrador assume agora o estatuto de personagem – o camarada de Carlos, que interage com duas
das personagens da novela e lê a carta escrita por outra personagem – Carlos. É a fusão do real e da ficção. O
narrador serve de elo entre os dois planos narrativos.

Divisão em partes do texto


O texto divide-se em 3 partes.
1ª parte: “Acabei de ler…da minha estada ali.” (ll.1-45).
Informa-nos do destino das personagens: Carlos tornou-se barão; Joaninha enlouqueceu e morreu; Georgina
converteu-se ao catolicismo, tornou-se abadessa; a avó morreu psicologicamente, em estado de letargia, e
Frei Dinis toma conta de Dª Francisca e espera morrer logo a seguir a ela.
Transformação de Carlos
Carlos tornou-se rico e burguês, engordou e revelou o seu conformismo ao aceitar as normas sociais. A
personagem perdeu os seus ideais de outrora (nacionalismo, patriotismo, liberdade, justiça). Tornou-se uma
personagem materialista, perdeu a pureza do Homem associada aos seus valores humanos e à natureza.
Conformou-se com as regras da sociedade, traindo os seus ideais ao tornar-se barão.

Máxima de Rosseau – “O Homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe.”

Consequências que o comportamento de Carlos trouxe às mulheres do Vale de Santarém


Joaninha enlouqueceu e morreu; a avó perde o ânimo para viver ao ver morrer os que mais amava (os filhos,
a nora e neta).

Avaliação que o narrador faz do frade e da sociedade portuguesa da época e do resultado das lutas liberais
A sociedade portuguesa que sai das lutas liberais não fez um Portugal melhor e não consagrou os valores
humanos (justiça, liberdade e igualdade). Por outro lado, perderam-se valores bons (espirituais) do Antigo
Regime. Criticam-se os dois lados da contenda entre liberais e absolutistas. Demonstram a sua desilusão com
o rumo de Portugal arruinado pela ambição e condenam o materialismo que invade o país. Desencantados,
assumem que quer os liberais quer os frades erraram nos caminhos escolhidos. Não souberam entender-se
nem fazer da diferença um fator de desenvolvimento e progresso do país. l.36 “Errámos ambos.”
2ª parte (ll.46-63).
O narrador afasta-se da casa do vale, pois ali só pressente a morte, e vai encontrar-se com os seus
companheiros de viagem. Nessa noite, Frei Dinis, a avó e os barões preenchem os seus sonhos.

O narrador da viagem faz referência a um sonho que teve e que estava carregado de simbologia
Sonha com barões e notas que representam a nova classe social que domina o Portugal burguês da época, o
apego ao dinheiro e aos seus bens materiais. O idealismo liberal transformou-se em materialismo de papel –
dinheiro. Havendo grandes desequilíbrios sociais (aumento progressivo da riqueza dos barões em oposição ao
empobrecimento do povo). Em contraste, surgem as figuras do frade e da avó de Joaninha que aludem a
valores mais humanos e espirituais. (l.54 a 60)
Ironia associada à crítica- l.59 e 60

3ª parte (ll.64-72).
O narrador fala do seu regresso a Lisboa de barco, anunciando o fim da viagem e do livro. Deixa em aberto a
perspetiva de fazer novas viagens pela sua terra e critica o Portugal dos barões.

Expressões: “De todas quantas viagens, porém fiz, as que mais me interessaram foram as viagens na minha
terra” (l.65 e 66), “…pode ser que eu tome outra vez o bordão do romeiro, e vá peregrinando por esse Portugal
fora, em busca de histórias para eu te contar” (l.67 e 68) e “…viajaremos com muito prazer e com muita
utilidade e proveito na nossa boa terra.” (l.71 e 72); que revelam o apreço do narrador pela deambulação
geográfica inspirada pelo sentimento nacional.

Nos 3 últimos parágrafos - comentário irónico que o narrador faz ao Portugal dos barões, afirmando que estes
não se preocupam com os problemas do país, porque vivem ofuscados pelo materialismo, provocando o
descalabro social. Os projetos dos barões são fúteis e não contribuirão para o progresso de Portugal, da
sociedade. Paralelamente, elogia, enaltece o país de gente genuína que não se deixa contaminar pelos vícios
dos barões e pelo materialismo.

Considerações finais sobre a obra


O sentimento nacional
 Ao longo da sua obra, Garrett denuncia e critica o estado da nação, colocando em evidência um Portugal
decadente, reflexo de uma sociedade corrupta e com uma manifesta crise de valores. No entanto, no seu
discurso, deixa antever possíveis soluções que podem conduzir à salvação do país. Assim, propõe:
 a união das diferentes fações existentes em Portugal;
 a valorização do passado e as suas tradições;
 o regresso ao estado de pureza original propiciado pela Natureza;
 a reconstrução da nação, tendo por alicerces o povo.

Personagens
Carlos: personagem romântica, o herói da narrativa e primo de Joaninha: personagem romântica, protagonista da novela
Joaninha passional e prima de Carlos
 Fisicamente: jovem, de estatura média, corpo delgado, peito  representa o ideal moral da sociedade (fidelidade ao
largo e forte, de olhos pardos e expressivos, boca pequena e espaço onde cresceu e aos seus valores): a harmonia,
igualmente expressiva; a perfeição, a simplicidade e a pureza original que a
 Psicologicamente: gentil, decidido, de caráter franco, leal e definem;
generoso, afetivo, emotivo e propenso ao arrebatamento;  dezassete anos e olhos verdes;
 Herói romântico: contradições de temperamento, uma certa  doce, meiga e pura;
marginalidade, sentimento de incompreensão e de solidão;  heroína romântica (mulher anjo);
predomínio do coração sobre a razão; fatalismo; sentimental;  profundamente apaixonada e desencantada com a
vive em conflito consigo próprio e com os outros; incapacidade de Carlos a amar;
 Revolucionário e rebelde (liberal);  marcada pelo destino, tem a morte como libertação;
 Patriota e nacionalista;  representa a Natureza impoluída.
 Idealista (depois materialista, quando se torna barão);
 Fortemente propenso a amar;
 De espírito inquieto e insatisfeito (a ânsia do absoluto não lhe
permite decidir-se entre Joaninha e Georgina e,
Frei Dinis: pai de Carlos e amigo da família
desencantado da vida, torna-se barão);
 Destinado à fatalidade;  corregedor do Ribatejo e, mais tarde, frade;
 A sua partida do vale de Santarém corresponde à perda da  austero guardião do convento;
pureza original;  o mais eloquente pregador;
 Relação antagónica com Frei Dinis;  princípios austeros, crenças rígidas e lógica inflexível;
 Personifica as lutas liberais, o falhanço do liberalismo.  vive atormentado entre o bem e o mal;
 é pai de Carlos (que o odeia;
 antagonismo familiar, político e social com Carlos;
D. Francisca: avó de Carlos e Joaninha;
 representa o absolutismo conservador, o velho Portugal.
 cega e decrépita, passa os dias na dobadoira;
 avó e dois netos órfãos;
 cúmplice nos segredos da família; Laura: irmã do meio das três irmãs inglesas
 expiação dos pecados através da autopunição.  a primeira das três irmãs por quem Carlos se apaixona;
 representa a inércia de Portugal.  gentil nobre, elegante, radiosa e fascinante;
 amor impossível;
Georgina: irmã mais nova das três irmãs inglesas  comprometida;
 mulher bela, nobre e rica;  primeiro amor sincero de Carlos;
 cabelo loiro, ondulado e olhos de gazela;  vence o dever para salvar a honra.
 ar majestoso e altivo;
 viaja para Portugal para cuidar de Carlos;
 ajuda na recuperação de Carlos e entrega-o à família; Júlia: irmã mais velha das três irmãs inglesas
 abdica do amor e torna-se abadessa;  a mais sensível e carinhosa;
 vítima da incapacidade de amar Carlos;  pequena, delicada e encantadora;
 representa o sacrifício amoroso e o ideal moral da sociedade,  adjuvante das vivências amorosas do protagonista;
um novo Portugal e a influência estrangeira.  intermediária da correspondência entre Laura e Carlos.
Soledade: uma das mulheres da existência amorosa de Carlos:
 olhos negros e inquietos;
 conhecida como "freirinha";
 amor não correspondido;
 contributo para a instabilidade sentimental de Carlos.

Narrador: substitui Carlos na relação antagónica que estabelece com Frei Dinis.
o Patriota e nacionalista (na defesa dos valores do passado e do povo);
o Idealista (embora reconheça que o liberalismo falhou e que é necessário um compromisso entre o passado e o presente; entre o
materialismo e o espiritualismo);
o Identifica-se com o próprio viajante e autor da obra. É um liberal que perdeu as ilusões revolucionárias;
o Assume um tom confessional e subjetivo. Trata-se de um narrador de 1ª pessoa, personagem principal da viagem que narra, e que
se interrompe frequentemente para se dirigir aos leitores, estabelecendo com eles e elas uma relação de cumplicidade e
afetividade
 narrador- personagem (viajante)
o Em Viagens na Minha Terra, o narrador faz uma viagem a que associa uma história amorosa à qual não fica indiferente.
o Ao referir-se ao seu texto como “despropositado e inclassificável livro das minhas viagens”, o narrador, à boa maneira
romântica, remete para a sua originalidade, que se alia ao aspeto, também romântico, do culto pelas narrativas de viagens
propiciadoras da evasão.
 Narrador comentador
o Ao longo da obra, o narrador tece comentários e faz digressões sobre temas que envolvem a vida do seu país e as questões
sociais, aspetos caros ao Romantismo, mantendo sempre uma ligação muito próxima com o leitor.
o A aproximação/identificação do narrador com a personagem Carlos. Esta identificação é um traço tipicamente romântico e
permite entender o significado histórico-ideológico que atravessa a obra.

O narrador em Viagens na Minha Terra é:


 narrador autodiegético, enquanto personagem principal da história que narra;
 narrador heterodiegético, quando não participa na história que narra;
 narrador da carta de Carlos para Joaninha.

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