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Referência Bibliográfica
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO,
José Maria [org.] Um Pé de História: estudos sobre aprendizagem
histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Ebook
LAPHIS/Sobre Ontens, 2017.
ISBN: 978-85-65996-45-7
Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens:
www.revistasobreontens.blogspot.com.br

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ANDRÉ BUENO
DULCELI ESTACHESKI
EVERTON CREMA
JOSÉ MARIA NETO

UM PÉ DE HISTÓRIAS: ESTUDOS
SOBRE APRENDIZAGEM
HISTÓRICA

Edição Especial LAPHIS/Sobre Ontens


2017

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Nota Introdutória

É com grande alegria e satisfação que apresentamos este nosso novo livro, Um Pé de
Histórias. Ele é resultado da terceira edição do Simpósio Eletrônico Internacional de
Ensino de História [www.simpohis2017.blogspot.com.br], e traz as comunicações
apresentadas nas mesas de Ensino de História e História do Ensino.

No momento crucial que o campo da História vem passando em nosso país, as


investigações sobre a arte de ensinar história, bem como seu desenvolvimento ao longo
dos anos, nos trazem subsídios fundamentais para pensarmos o que erramos, o que
acertamos, o que podemos e precisamos melhorar.

Tanto a escola quanto a academia estão imersos em um profundo momento de reflexão,


buscando resignificar a dimensão de seu trabalho histórico. Nesse sentido, o que pode
ser feito?

Junto com Canteiro de Histórias e Jardim de Histórias [outros dois livros dessa série]
esse nosso volume visa dar uma pequena contribuição a essas questões.

Seja bem vindo!

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Sumário
ENSINO E APRENDIZAGEM DA HISTÓRIA: ASPECTOS COGNITIVOS E CULTURAIS............ 13

PORNOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA ............................................................................... 17


ENSINO DE HISTÓRIA E TURISMO CULTURAL: AS POSSIBILIDADES DE EDUCAÇÃO EM
AMBIENTES NÃO FORMAIS DE APRENDIZAGEM ................................................................. 21
BRASIL: PENSAMENTO E PRÁTICA SOCIAL DA LAICIDADE NO AMBIENTE PÚBLICO
ESCOLAR ............................................................................................................................... 25

FILOSOFIA E ENSINO DE HISTÓRIA NA OBRA DE PAULO FREIRE ....................................... 29


DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: O TRABALHO DO HISTORIADOR/PROFESSOR DE
HISTÓRIA E A LITERATURA DE CORDEL.............................................................................. 33
UMA GERAÇÃO SEM HISTÓRIA: DO PROJETO ESCOLA SEM PARTIDO À REFORMA DO
ENSINO MÉDIO ...................................................................................................................... 39
A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR: PARA QUE SERVE A HISTÓRIA? UMA PRETENSÃO
DE RESPOSTA ........................................................................................................................ 42

NOVAS PERSPECTIVAS DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA NA CONTEMPORANEIDADE ..... 46


ENSINO, PESQUISA E MEMÓRIA: A PRESERVAÇÃO DO ACERVO DO ARQUIVO PÚBLICO NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ..................................................................... 49
A APRENDIZAGEM HISTÓRICA DE JORN RÜSEN, O CONSTRUTIVISMO DE JEAN PIAGET E
A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE LEV VYGOTSKY: DIÁLOGOS POSSIVEIS? ........ 52

O ENSINO DE HISTÓRIA SOB O VIÉS DO ANARQUISMO: É POSSÍVEL? ................................ 58


O PROFESSOR DE HISTORIA E O ALUNO EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA
SOCIOEDUCATIVA ................................................................................................................ 61

ENTRE A HISTÓRIA ENSINADA E O DIREITO A OPINIÃO: DILEMAS E PERSPECTIVAS ....... 65

ENSINO DE HISTÓRIA E A TEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS ........................................ 69


OS ESPAÇOS MUSEOLÓGICOS E O ENSINO DA HISTÓRIA: POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO
BÁSICA .................................................................................................................................. 72
MEMÓRIA E PATRIMÔNIO DIALOGANDO NAS AULAS DE HISTÓRIA: A EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA NA CONTEMPORANEIDADE....................... 76
AS RELAÇÕES ENTRE O PODER E COMPORTAMENTOS TRANSGRESSORES E OS DESAFIOS
DA PRÁTICA DE ENSINO ....................................................................................................... 80
AS DISCIPLINAS ESCOLARES: UM ESTUDO A PARTIR DO UNIVERSO DA CULTURA
ESCOLAR ............................................................................................................................... 83
AS AMAZÔNIAS PRESENTES NOS LIVROS DIDÁTICOS REGIONAIS: REFLEXÕES SOBRE
ABORDAGENS E PROBLEMAS DE IDENTIDADE DISCIPLINAR............................................. 87
“PRA QUÊ ESTUDAR O QUE JÁ PASSOU? ”: A PERCEPÇÃO DOS JOVENS SOBRE O ENSINO
DE HISTÓRIA ......................................................................................................................... 90
TEMPORALIDADES E ENSINO DE HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO
TEMPO A PARTIR DE LIVROS DIDÁTICOS PARA O ENSINO MÉDIO (PNLD 2012) ................. 93

5
ENSINO DE HISTÓRIA, ORALIDADE, ALTERIDADE E SURDEZ ............................................. 97

QUEM QUER SER PROFESSOR? APONTAMENTOS PARA REFLEXÃO ................................. 100

ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO ................................................................................ 104


SENTIDOS DO ENSINO E APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA PARA ESTUDANTES DO ENSINO
FUNDAMENTAL................................................................................................................... 108

ENSINO DE HISTÓRIA E A NOÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL CONTEMPORÂNEA ....... 112

ENSINO DE HISTÓRIA E MUDANÇA CLIMÁTICA: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA............. 116

O RANKING NOS PRÉ-VESTIBULARES E O MODELO TERCEIRÃO DE ENSINO .................. 120

OS LUGARES DA JUVENTUDE NO ENSINO SUPERIOR........................................................ 125


ENSINAR HISTÓRIA: UM DILEMA ENTRE PENSAR HISTORICAMENTE OU PREOCUPAR-SE
COM A CALIGRAFIA? .......................................................................................................... 129

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA DA INFORMAÇÃO .......................... 133


CONSIDERAÇÕES SOBRE A MONITORIA ACADÊMICA DO CURSO DE HISTÓRIA DA
UNIFESSPA: UM OLHAR DISCENTE..................................................................................... 136
ENSINO DE HISTÓRIA & HISTÓRIA PÚBLICA: REFLEXÕES ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE
............................................................................................................................................. 139
HISTÓRIA, RELIGIÃO E ENSINO: BREVES REFLEXÕES PARA A EDUCAÇÃO ..................... 142
PROJETO DE EXTENSÃO DE HISTÓRIA COMO UM ELEMENTO DE FORMAÇÃO DO
DISCENTE BOLSISTA ........................................................................................................... 147
DO VESTIBULAR À SALA DE AULA: O PAPEL SOCIAL DA HISTÓRIA E DO PROFESSOR DE
HISTÓRIA ............................................................................................................................. 150

ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL: UM ROTEIRO ..................................... 154

ENSINO DE HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL ........................................................... 158

O ENSINO DE HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL: DIFICULDADES E PERSPECTIVAS 161


PROFESSOR EM TERRA ESTRANHA: UMA POSSIBILIDADE DE ESTUDO DA HISTÓRIA DA
CIDADE ................................................................................................................................ 165
REFLEXÕES A RESPEITO DOS LIMITES E POSSIBILIDADES DO ENSINO DE HISTÓRIA DO
PARANÁ NA GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ........................................................................... 169
A PRODUÇÃO COMUNITÁRIA COMO INTERMEDIADORA DE CONHECIMENTO E
PRODUÇÃO DE SABERES EM DIÁLOGOS COM A ESCOLA ................................................. 173

A HISTÓRIA ENSINADA NO ENSINO FUNDAMENTAL SÉRIES INICIAIS ............................. 177

REFLEXÕES EM TORNO DA HISTÓRIA ENSINADA: QUESTÕES URGENTES ...................... 181

A RELAÇÃO ENTRE O PASSADO E O PRESENTE NAS AULAS DE HISTÓRIA ...................... 185


PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES EM SALA DE AULA: A MELHORIA NO ENSINO DE
HISTÓRIA ............................................................................................................................. 189

A CHINA NOS LIVROS DIDÁTICOS: O ESTADO DE UMA QUESTÃO ................................... 193

6
FUNDAMENTOS DO ENSINO DE HISTÓRIA EM ESCOLAS PÚBLICAS DO ESTADO DE SANTA
CATARINA ........................................................................................................................... 197
EDUCADORES E EDUCANDOS ENTRE DISCURSOS, POLÍTICAS E PRÁTICAS: REFLEXÕES
ACERCA DOS DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA NO SÉCULO XXI ................................ 201

UM MANIFESTO SOBRE A PERTINÊNCIA E PERMANÊNCIA DA HISTÓRIA ESCOLAR ....... 206

O USO DO TEATRO NAS AULAS DE HISTÓRIA: UMA PRÁXIS A SER DISCUTIDA .............. 209
APRENDIZAGEM HISTÓRICA NO ENSINO DE HISTÓRIA: PONTUANDO ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES ................................................................................................................ 213
HISTÓRIA LOCAL E ENSINO DE HISTÓRIA: NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ESTUDO DO
LUGAR ................................................................................................................................. 217

NOVO ENSINO MÉDIO: PRIMEIROS DEBATES .................................................................... 221

HISTÓRIA REGIONAL: ESTUDO DE MÚLTIPLAS DEFINIÇÕES ............................................ 225

HISTÓRIA PRA QUÊ? ............................................................................................................ 229

AINDA PRECISAMOS DEFENDER A HISTÓRIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR? .................. 232


REFLEXÕES NECESSÁRIAS EM TEMPOS SOMBRIOS: A DISCIPLINA HISTÓRIA E O SEU
LUGAR NA ESCOLA ............................................................................................................. 236

QUESTÕES HISTÓRICAS REFERENTES ÀS FACETAS DA EDUCAÇÃO E TRABALHO ......... 240


EDUCAÇÃO ESCOLAR E ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL: ENTRE PERMANÊNCIAS E
MUDANÇAS ......................................................................................................................... 243
DOCUMENTOS HISTÓRICOS CONTIDAS NO LIVRO DIDÁTICO E SEU POTENCIAL COMO
SUPORTE PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA................................................ 248

A IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO COMO FERRAMENTA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA ..... 252

METODOLOGIA E PRÁTICAS: O PAPEL DO PROFESSOR NO ENSINO DE HISTÓRIA ........... 255

HISTÓRIA TEMÁTICA: APONTAMENTOS PARA UMA REFLEXÃO ...................................... 259


PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E EDUCAÇÃO HISTÓRICA: CONTRIBUIÇÕES PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA NAS ETAPAS 7,8 E 9 DO EJA ............................................................ 263
PATRIMÔNIO LOCAL: OS BENS URBANOS COMO TEMA PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ NO
ENSINO DE HISTÓRIA .......................................................................................................... 268
CLAMOR À HISTORICIDADE DA EDUCAÇÃO: O PROJETO DO FRACASSO E A MEDIDA DO
SUCESSO .............................................................................................................................. 272
POR QUE TORNAR A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO
FREQUENTE NAS AULAS..................................................................................................... 277
ENSINO DE HISTÓRIA: NARRATIVAS DE ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM
HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, UEL ........................................ 281
ENSINO DE HISTÓRIA: EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM A HISTÓRIA LOCAL
............................................................................................................................................. 286
A LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O DOCUMENTO, OS CUIDADOS E A PRÁTICA290

7
O ENSINO DE HISTÓRIA NOS CURRÍCULOS DO CURSO DE PEDAGOGIA ........................... 295
HISTÓRIA, MEMÓRIA E ENSINO: CAMINHOS E DESCAMINHOS PARA UMA PRÁTICA
DOCENTE ............................................................................................................................. 300

COMO OS ALUNOS APRENDEM HISTÓRIA? ........................................................................ 303

A POLISSEMIA DA PALAVRA VIOLÊNCIA NO AMBIENTE ESCOLAR ................................. 307

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR - BNCC E O ENSINO DE HISTÓRIA ................. 311


A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL E REGIONAL NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE SOCIAL DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL ....................................... 315

ENSINO DE HISTÓRIA COMO PRÁTICA EDUCATIVA .......................................................... 319

DIÁLOGO EM SALA DE AULA: REFLEXÕES SOBRE INTERAÇÕES VERBAIS NO ENSINO .. 321


METODOLOGIAS PARA PESQUISA EM HISTÓRIA DA ARTE: O PROBLEMA DA FALTA DE
DATAÇÃO EM PINTURAS ESTUDADAS ............................................................................... 324

O ENSINO E APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA: PRÁTICAS E METODOLOGIAS ..................... 328

EIXOS PARA PRÁTICA DO ENSINO DE HISTÓRIA ............................................................... 331

JÖRN RÜSEN, A RAZÃO HISTÓRICA E O ENSINO DE HISTÓRIA ......................................... 335


ALUNOS DO ENSINO MÉDIO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE
POLITICA E ENSINO DE HISTÓRIA ...................................................................................... 338
A HISTÓRIA LOCAL E SUAS IMPLICAÇÕES: CONSIDERAÇÕES SOBRE ALGUMAS
ESTRATÉGIAS DE ENSINO NAS SÉRIES INICIAIS ................................................................ 342
ROMPENDO AS FRONTEIRAS HISTÓRICAS: CONCEITOS CONTEMPORÂNEOS SOBRE
HISTÓRIA E PEDAGOGIA ..................................................................................................... 348

DIFERENTES LINGUAGENS E SUA UTILIZAÇÃO NO ENSINO DE HISTÓRIA ...................... 352

ESTUDO DO MEIO: ENSINO DE HISTÓRIA ALÉM DA SALA DE AULA ................................ 355

CIDADANIA E EDUCAÇÃO NO PROJETO NEOLIBERAL ...................................................... 358

O ENSINO DE HISTÓRIA E A AMEAÇA DA NOVA REFORMA DO ENSINO MÉDIO .............. 364

POR UM ENSINO DE HISTÓRIA PARA A VIDA ..................................................................... 367


ENTRE PARADIGMAS E DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL II .................................................................................................. 370

PENSAMENTO E EDUCAÇÃO HISTÓRICOS EM CRIANÇA BRASILEIRA ................................ 372

A HISTÓRIA VIVIDA EM ATO – UMA APROXIMAÇÃO ........................................................ 375


ENSINO DE HISTÓRIA E A ABORDAGEM DAS “RELAÇÕES ECONÔMICAS” EM SALA DE
AULA: UMA BREVE DISCUSSÃO ......................................................................................... 379

O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PROPOSTA DE PESQUISA ............... 383

NOVAS ABORDAGENS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS ..... 387

O ENSINO DE HISTÓRIA: NOVAS LINGUAGENS E RECURSOS METODOLÓGICOS ............. 390

O PROFESSOR DE HISTÓRIA COMO SUJEITO DE TRANSFORMAÇÃO ................................ 393

8
_Toc478322721O GRUPO ESCOLAR ESPERIDIÃO MARQUES: A HISTÓRIA DO ENSINO
PÚBLICO NO INTERIOR DO ESTADO DE MATO GROSSO.................................................... 397
OS LIVROS COMO AGENTES FORMADORES DA NOBREZA PORTUGUESA NA TRANSIÇÃO
DO MEDIEVO PARA A ÉPOCA MODERNA (SÉCULO XV) .................................................... 400
O ENSINO DE TRABALHOS MANUAIS NA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NO ESTADO NOVO EM
PERNAMBUCO (1937-1945)................................................................................................... 405

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA FAZENDA GRANDE DO RETIRO-SALVADOR-BA ..................... 408

MÚSICOS NEGROS E PARDOS NO BRASIL DO SÉCULO XVIII............................................. 412

O ENSINO DE HISTÓRIA NO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930-1945) ............................ 416


BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERFIL DO ALUNADO DAS ESCOLAS DA CANGO
(1940-1950): ANÁLISE DAS FICHAS CADASTRAIS ............................................................... 420
O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DOS DIVINOS SABERES DOCENTES: O QUE OS GREGOS
TÊM A NOS ENSINAR? ......................................................................................................... 425
A DICOTOMIA ENTRE ‘COLÔNIAS DE EXPLORAÇÃO’ E ‘COLÔNIAS DE POVOAMENTO’ E O
ENSINO DE HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS NO BRASIL ................................................ 430

BREVE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS ................................................................ 434


MEMÓRIAS EM MOVIMENTO SOBRE O ENSINO DE TEMAS CONTROVERSOS NO PARÁ
(1964 – 1985) ......................................................................................................................... 439
LER, ESCREVER E GRAMATICA LATINA: ASPECTOS DA INSERÇÃO DAS AULAS RÉGIAS NO
ESPAÇO POLÍTICO REGIONAL DO SUL DE MINAS GERAIS ................................................ 443

COMEMORAÇÕES, ESCRITA, LEITURA E ENSINO DE HISTÓRIA ........................................ 447


O ESTADO NOVO E A AFIRMAÇÃO DO ENSINO DE HISTÓRIA COMO APARELHO
IDEOLÓGICO NACIONALISTA ............................................................................................. 451
ENTRE DITADURA E DEMOCRACIA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA HISTÓRIA E
MEMÓRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE 1976 E 2016 ........................................................... 454
ENSINAR HISTÓRIA DO BRASIL COLONIAL: O PROFESSOR DE HISTÓRIA ENTRE CHOQUES
DE PERSPECTIVAS ............................................................................................................... 458

EDUCAÇÃO PARA POUCOS NOS PRIMEIROS ANOS DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL ...... 463
A ESCOLA VISTA POR DENTRO: A SITUAÇÃO DAS ESCOLAS DO ENSINO PRIMÁRIO NA
CIDADE DE SALVADOR EM 1913 ......................................................................................... 466
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
NO BRASIL ........................................................................................................................... 469
CONJUNTURA EDUCACIONAL DA DÉCADA DE 1980: NOVAS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS E
SUA INFLUÊNCIA SOBRE A PRODUÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS....................................... 474
CONFRONTOS POLÍTICOS EDUCACIONAIS: CONTEXTO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DAS LEIS
DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL DE 1961........................................... 479
ANTIGUIDADE TARDIA OU ALTA IDADE MÉDIA: O ENSINO DA DIVISÃO
HISTORIOGRÁFICA EM UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA ....................................... 483

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A COMPANHIA DE JESUS E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NOS SEUS PRIMEIROS ANOS ...... 487
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NOS PRIMÓRDIOS DA
FUNDAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS ................................................... 491

A CONCEPÇÃO EDUCACIONAL PARA O “HOMEM NOVO” MOÇAMBICANO: 1975-1983..... 495

ESBOÇOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO ............................ 499

A HISTÓRIA DA HISTÓRIA: PORQUE SE ESTUDA A HISTÓRIA ANTIGA PRIMEIRO? .......... 502


CONHECENDO A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS: UM PASSO PARA LIBRAS
(LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS) ....................................................................................... 505

O IDEAL DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO NA GRÉCIA ANTIGA ............................................ 509

O ENSINO DE HISTÓRIA E A DITADURA MILITAR NO SERTÃO ALAGOANO ATUAL ........ 512

CAMÉLIA BRANCA: O PROCESSO DE ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO EM SALA DE AULA .. 516


ENSINO DE HISTÓRIA PARA CRIANÇAS: LIÇÕES DE HISTÓRIA DO BRASIL DE JOSÉ
SCARAMELI ......................................................................................................................... 520

APONTAMENTOS SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA E QUESTÃO NO MARANHÃO ................. 524


O POSITIVISMO E O CONTROLE DOS CORPOS NAS ESCOLAS PAULISTAS DOS SÉCULOS
XIX E XX .............................................................................................................................. 528
ANÁLISE DOCUMENTAL HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO (1952 – 2016): BREVES
CONSIDERAÇÕES SOBRE ELEMENTOS DA PEDAGOGIA TRADICIONAL NO ENSINO ATUAL
............................................................................................................................................. 532
A FORMAÇÃO DO CIDADÃO NOS PRIMEIROS ANOS DA REPÚBLICA: O LIVRO DIDÁTICO
“NOSSA HISTÓRIA”.............................................................................................................. 537
O CARÁTER PEDAGÓGICO DA OBRA DOUTRINA PARA CRIANÇAS (C. 1274-1276) DE RAMON
LLULL .................................................................................................................................. 541
GYMNASIO AMAZONENSE PEDRO II: PROSOPOGRAFIA DO CORPO DISCENTE (1930-1933)
............................................................................................................................................. 544
ENSINO DE HISTÓRIA NAS ORIENTAÇÕES CURRICULARES – EXPECTATIVAS DE
APRENDIZAGEM DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO (2005-2012)............... 547
VERDADES ETERNAS DAS SAGRADAS LETRAS: HSTÓRIA, EDUCAÇÃO E IMPRESSOS
PROTESTANTES NO NORDESTE BRASILEIRO (SÉC XIX-XX) .............................................. 553

A PÓLIS COMO EDUCADORA DA HÉLADE NA GRÉCIA ANTIGA ........................................ 557


DITADURA CIVIL- MILITAR NAS UNIVERSIDADES: ESTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DE PELOTAS ........................................................................................................ 560

AS DATAS COMEMORATIVAS NO CONTEXTO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO...................... 565


EDUCAÇÃO, ESCOLARIZAÇÃO E REPÚBLICA: AS PRIMEIRAS REFORMULAÇÕES NO
ENSINO NO PARÁ REPUBLICANO (1890-1897) ..................................................................... 568
OS INTELECTUAIS DO IHGP E A HISTÓRIA ENSINADA NO PARÁ REPUBLICANO (1900-1920)
............................................................................................................................................. 572

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12
ENSINO E APRENDIZAGEM DA HISTÓRIA:
ASPECTOS COGNITIVOS E CULTURAIS
Adriano José Dias Rodrigues

Introdução

Observa-se atualmente que, apesar das transformações curriculares, o ensino formal de


História continua intimamente ligado a construção da identidade e a transmissão da
memória coletiva. Em especial, os contemporâneos têm vivenciado esta permanência,
após uma época de grandes mudanças estruturais para a história da humanidade.

Em diferentes culturas e sociedades vemos aparecer apelações identitárias, que tentam


urdir as suas reivindicações na semente, sempre nutriente, da história. No âmbito de um
processo de globalização que põe em permanente conexão cultural, social, econômica e
política aos diversos setores mundiais, as comunidades demonstraram diversas maneiras
de adaptar-se aos novos desafios desta atualidade globalizada. Mas a apelação à
identidade histórica como fonte de legitimidade frente as certas tendências
homogeneizadoras do mundo global reforçou e demandou uma aproximação mais
profunda sobre seu significado.

O ensino de História tem como objetivo fundamental que os estudantes adquirem os


conhecimentos e as atitudes necessários para compreender a realidade do mundo onde
vivem, as experiências coletivas passadas e presentes, assim como o espaço no qual
desenvolve-se a vida em sociedade. Mas além da transmissão da memória coletiva e o
patrimônio cultural, tempos, espaço e sociedade devem ser articulados nas
representações mentais dos estudantes para compreender o presente no qual vivem, para
interpreta-lo criticamente. Ao longo das últimas décadas o papel moralizante e
instrutivo no ensino da História não o deixou ao reconhecimento da sua importante
função na formação de cidadãos críticos e autônomos (ROMERO, 2004).

Desde esta nova concepção, o ensino da História não se vértebra já em torno dos
personagens, as datas e os acontecimentos significativos do passado. Se pretende que os
estudantes compreendam os processos de mudança no tempo histórico e a sua influência
ao momento presente, ou seja, que aprendem a pensar historicamente. Se trata de uma
importante dimensão que enfatiza os aspectos cognitivos e disciplinares do ensino da
História. Da mesma maneira que de outras matérias da Educação Secundária, as
Ciências Sociais em geral, e a História em especial, tem um importante papel na
formação de capacidades de pensamento e a promoção das capacidades de aprender a
aprender dos estudantes. Mas quais competências intelectuais podem ser consideradas
características da aprendizagem da História? Quais dificuldades provocam o seu ensino?
Quais recursos didáticos podem ser empregados para ensinar e pensar historicamente?

Pensar historicamente provoca múltiplas habilidades, que vem sendo estudadas na


literatura, como avaliar provas e interpretações, analisar a mudança ao longo do tempo,
raciocinar causalmente, entre outras habilidades de caráter intelectual. Desta forma,

13
importante se faz as duas capacidades fundamentais: a capacidade de compreender o
tempo histórico e raciocinar causalmente, por um lado; e a capacidade de avaliar e
interpretar criticamente as fontes de informação histórica, por outro lado.

O conhecimento histórico se fundamenta em relatos, mas também em interpretação


explicativa dos fenômenos históricos, as suas causas e as suas relações com
acontecimentos posteriores. Frequentemente estas relações não podem ser reduzidas a
relações simples entre uma causa e uma consequência. Os fatos do passado são
frequentemente intérpretes no âmbito de uma complexa rede de relações causais e
motivacionais. Alguns eventos ou condições podem ser explicados em forma aditiva,
enquanto outros serão explicados por um critério de simultaneidade (ou vice-versa).
Entre outras ocasiões, os fatos históricos se interpretam sucessivamente como sequência
à uma série de fatos precedentes e como causa de outros posteriores. Além disso, os
ingredientes dos fenômenos históricos não se circunscrevem aos acontecimentos mais
sobressalientes ou as ações dos seus personagens. Para compreendê-los é necessário
contextualizar estes elementos nas condições estruturais da época, de tipo
socioeconômico, político, cultural, entre outros.

Tudo isso explica as dificuldades que os estudantes de diferentes níveis educativos


encontram para raciocinar com conteúdos históricos de caráter multicausal. Sabe-se, por
exemplo, que os estudantes tendem a simplificar as explicações causais sobre os
fenômenos históricos. Esta simplificação pode produzir-se por uma expressão de
cercania, ou seja, para atribuir mais importância às causas temporariamente mais
próximas que à as mais afastadas, ou por uma tendência narrativa, que destaca os fatores
que fazem parte da principal linha de mudança, em prejuízo de outros que tornam mais
complexos ou tiram coerência ao relato. Por outro lado, os eventos históricos estão
frequentemente protagonizados por indivíduos e grupos humanos cujos valores e
motivações desempenharam um papel crucial. A sua interpretação pode provocar
diversas dificuldades.

Pode, por conseguinte, ser traduzido na tendência a pensar que um evento, semelhante à
outro que em certas circunstâncias produza um determinado efeito, produziria também
uma consequência semelhante em outro tempo e contexto.

Finalmente, muitos adolescentes tendem também “a personificar a História”


(GONÇALVES, 2006, p. 13), ou seja, atribuem da excessiva relevância às ações ou as
intenções dos indivíduos, e encontram mais dificuldades para compreender a influência
destas condições estruturais. Esta última expressão causal não se reduz simplesmente
superestimar a influência de conhecidos personagens históricos. Se manifesta também
quando se atribui motivações ou sentimentos a grupos sociais, instituições e mesmo
condições situacionais (ROMERO, 2004).

Outro importante conjunto de habilidades intimamente relacionadas com a


aprendizagem significativa da História se relaciona com que é chamado geralmente
como pensamento crítico. Dado que a História é construída sobre os valores ideológicos
e as visões subjetivas (não há “fatos puros”), é importante aprender a questionar as
próprias versões e evidências históricas.

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Pensar historicamente supõe, por conseguinte, muito mais que acumular uma
informação sobre os fatos que se sobressaíram no passado. Requer também a
capacidade de avaliar criticamente as fontes de informação, primárias ou secundárias, e
as interpretações ideológicas que inevitavelmente realizamos dos eventos históricos.

Com efeito, “alguns estudos demonstraram que os estudantes têm muitas dificuldades
para compreender a natureza interpretativa e subjetiva das explicações históricas”
(BITTENCOURT, 2008, p. 45). A este respeito (que poderíamos chamar de
objetivação) provém, em parte, de limitações cognitivas dos adolescentes, mas também
dos métodos de ensino e a linguagem utilizada nos próprios livros didáticos. É notório
que os livros escolares não expõem geralmente dúvidas ou interpretações divergentes
sobre um mesmo fenômeno histórico, mas tendem a apresentar os conteúdos de maneira
fechada e com tratamento de certezas.

Neste contexto, ensinar a raciocinar e a pensar criticamente se revela como um objetivo


complexo, que não se deveria esperar atingir sem um tratamento explícito no currículo
escolar e em sala de aula. “Desde certas posições “logicistas” pensava-se que um estudo
sistemático e aplicado da lógica formal (através de exercícios de validação de
silogismos, por exemplo) poderia reforçar a “competência raciocinadora” dos
estudantes” (BITTENCOURT, 2008, p. 24).

Contudo, hoje se tende melhor a importância de formar o raciocínio e a crítica com


conteúdo específicos. Raciocinamos melhor quando desenvolvemos estratégias e
“esquemas retóricos próprios da disciplina” que permitem-nos conferir um raciocínio a
uma estrutura mais clara e mais ordenada), e quando praticamos o debate sobre estes
conteúdos específicos. Entre outras, se consegue ajudando os estudantes que descubram
o conteúdo ideológico ou os prejuízos implícitos num texto; quem analisem as carências
ou as inconsistências na informação, ou os pontos de vista conflituosos que são
expostos em várias fontes; quem critiquem a argumentação que sustenta certo autor ou
teoria, busquem contra-argumentos e debatem explicitamente em sala de aula.

Conclusão

A análise sobre os aspectos cognitivos e culturais do ensino de História vai além da


consciência de implicar o objetivo básico que se esboçou para a construção das
identidades. É forçoso que o ensino da História seja voltado para o estudante pensar
criticamente. O desenvolvimento deste duplo eixo temático (pensar historicamente e
construir identidade) deve abordado, além disso, desde uma visão intercultural e
interdisciplinar.

O ensino de História, seja no ensino básico ou no ensino superior, deve ser voltado para
o sujeito consciente de seu tempo. De uma consciência histórica que deve ser
elucidativa, ou seja, todo fato ou fenômeno pode (e deve) ser historicizado. O ensino de
História, portanto, torna-se fundamental no crescimento cognitivo do alunado, pois em
tempos ditos pós-modernos, tecnológicos e utilitários, a História torna-se a disciplina
mestra das humanidades.

15
Finalmente, nesta análise, pode-se destacar que o ensino de História não pode repetir os
erros dos antigos livros didáticos, os quais os grandes eventos, os heróis e as gestas dos
reis são importantes para o estudo. O ensino de História deve ser humanizado e, por
conseguinte, dar voz aos atores silenciados na história. Já não se ensina ou aborda fatos
e eventos, mas uma abordagem consciente e crítica da natureza das coisas.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.


2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

GONÇALVES, Pedro Alves. A Construção da Memória Histórica na Era Global. São


Paulo: Coutrix, 2006.

ROMERO, Jair Lopes de Assis. Aprender a Pensar a História. 2. ed. São Paulo:
Coutrix, 2004.

16
PORNOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA
Alexandre Guilherme da Cruz Alves Junior

Introdução

Pensar a pornografia no ensino de História pode parecer, para grande parte da


população, algo impróprio e até mesmo ofensivo. Embora haja certo consenso em torno
da importância de se tratar temáticas relativas à sexualidade nas escolas, a simples
menção da palavra pornografia causa estranhamento, por se tratar de algo considerado
proibido, sujo, lascivo, sem qualquer relação aparente com atividades educacionais.

O presente ensaio pretende estimular uma visão alternativa, ou seja, refletir sobre as
possibilidades de se pensar historicamente a própria noção de pornografia, e as relações
jurídicas, políticas e culturais que o conceito e a prática ensejaram em diferentes
contextos ao longo do tempo, tornando-se um interessante objeto de estudo para
estimular reflexões acerca da construção social de conceitos como marginalidade,
repressão, outsiders, etc.

História e Pornografia: Brevíssima apresentação

Conceituar pornografia pode ser extremamente difícil, pois ao mesmo tempo que
descreve um comportamento, também lhe imputa um valor, que muda ao longo do
tempo.

A primeira tentativa conhecida de elaborar uma definição moderna para o termo


pornografia surgiu no Oxford English Dictionary, em 1857, buscando descrever a
relação entre saúde pública e prostituição feminina.

Entretanto, a palavra pornografia e suas variações, com conotações modernas, já


circulavam na França em meados do século XVIII.

“O conceito foi definido historicamente, e seu desenvolvimento como


categoria esteve sempre sujeito a conflitos e mudanças. A pornografia
especifica um argumento, não uma coisa, e designa uma zona de batalha
cultural.” (HUNT, 1999, p.14)

De fato, no século XV iniciou-se uma maior produção e distribuição de livros contendo


passagens com forte apelo sexual. Entre os séculos XVI e XIX, houve um
crescimento gradual de produções literárias consideradas “indecentes”.

“O desenvolvimento da pornografia ocorreu a partir dos avanços e


retrocessos da atividade desordenada de escritores, pintores e gravadores,
empenhados em pôr à prova os limites do ‘decente’ e a censura da
autoridade eclesiástica e secular” (HUNT, 1999. p.10)

17
Não por acaso, McConahy (1988) aponta que os autores de histórias classificadas como
pornográficas eram justamente os hereges, livres-pensadores e libertinos de reputação
considerada duvidosa.

“A pornografia não foi espontânea, foi definida num longo processo de


conflito entre escritores, pintores e gravadores, por um lado, e espiões,
policiais, padres e funcionários públicos, por outro. Seu significado político
e cultural não pode ser separado de seu aparecimento como categoria de
pensamento, representação e regulamentação.” (MCCONAHY, 1988, p.30)

De modo geral, ao longo dos séculos XVI e XVIII, obras com forte apelo sexual
censuradas eram postas ao lado de outros escritos contestatórios da ordem política e
social, como os panfletos que criticavam o poder absoluto dos reis, o estilo de vida dos
nobres e a moralidade cristã. Neste sentido, obras com teor considerados pornográficos
não possuíam um estatuto específico, o que passaria a ocorrer apenas no final do século
XVIII. (HUNT, 1999)

Neste sentido, é possível localizar neste período a gênese de uma tradição pornográfica
relacionada diretamente com à crise geral das sociedades do Antigo Regime e o apogeu
do Iluminismo. Por outro lado, no começo do século XIX, obras pornográficas passaram
a ser consideradas inferiores aos outros escritos contestatórios da ordem social vigente.
Os editores e escritores de livros considerados pornográficos se afastaram dos círculos
políticos, ou foram expulsos deles.

Na Inglaterra, o Obscene Publications Act, reformulado em 1859, considerava obsceno


qualquer material “que tivesse a tendência de depravar e corromper aqueles cujas
mentes estavam abertas a tais influências morais”. Mais tarde, buscando uma
classificação mais precisa, foi instituído o teste Hicklin. O teste, também aplicado nos
Estados Unidos, consistia em indagar se um pai de família conseguiria ler, sem
constrangimento, e em voz alta, para a sua mulher e seus filhos, o texto em questão.
Apenas um pequeno trecho de um livro bastaria para que a comercialização da obra
fosse proibida. Como aponta Silva (2013, p.114),

“Até meados do século XX era bastante comum que tribunais


estadunidenses apoiassem a censura a obras literárias de mérito
insuspeitável, como ‘O amante de Lady Chatterly’, ‘Ulisses’ e obras de
Balzac. Ulisses foi proibido em 1920 a pedido da “Sociedade de Nova
Iorque pela Supressão do Vício”, pelo fato de que o personagem principal
do romance se masturba em determinado ponto da narrativa”.

A reversão do teste Hicklin no âmbito da Suprema Corte dos Estados Unidos viria ainda
em 1957, com o julgamento do caso Roth v. United States. Para os juízes da Suprema
Corte, sexo e obscenidade não seriam sinônimos, e a Primeira Emenda deveria proteger,
portanto, qualquer obra que tivesse alguma relevância social.

Não por acaso, revistas pornográficas, no final dos anos 1950, passaram a ter seções
dedicadas a artigos sobre saúde, lazer e comportamento. De forma irônica, editores de
revistas e produtores de filmes passaram a incluir trechos de obras de Shakespeare nas

18
revistas ou nos diálogos entre os atores pornôs, de modo a caracterizar “a relevância
social da obra” (BOULWARE, 1997)

Nas últimas décadas do século XX, a pornografia tornou-se o principal adversário de


dois movimentos socais aparentemente opostos: o conservadorismo religioso e uma
determinada corrente do feminismo. A partir dos anos 1970, o discurso religioso contra
as revistas e filmes pornôs ganhou força. Grupos passaram a lutar a nível local contra
obras que consideraram um risco às famílias.

“A década de 1970 serviu de terreno fértil para o cultivo da nascente


plataforma dos ‘valores familiares’. A ideologia da Guerra Fria tinha posto
as saudáveis famílias americanas como um baluarte crítico contra o
comunismo, e com o declínio da posição global dos Estados Unidos em face
do fracasso no Vietnã, o embargo do petróleo da OPEP, e outros debacles,
apoiar a família americana, uma instituição outrora venerável, mas abalada
pela revolução sexual, assumiu uma importância social e política recém-
descoberta pelos conservadores religiosos” (STRUB, 2010, p. 181)

Para o grupo que mais tarde seria identificado como feminismo antipornô, todo e
qualquer tipo de material pornográfico deveria ser censurado, ou até mesmo eliminado,
pois utilizava o corpo feminino como mercadoria, reforçando o machismo, ao estimular,
direta ou indiretamente, o uso da mulher como objeto e o aumento da violência sexual.

As ativistas Andrea Dworkin e Catherine MacKinnon se destacaram como líderes do


movimento feminista antipornografia. “Para Dworkin, a pornografia constituía um
ethos, o ethos central do mundo dominado pelos homens. ” (STRUB, 2010, p. 245) Para
Dworkin e MacKinnon, mulheres que trabalhavam na indústria pornô, fossem em filmes
e/ou revistas, na verdade, seriam vítimas, muitas vezes inconscientes, do sistema
patriarcal norte-americano.

De fato, como aponta McConahay (1988), em diversos momentos as feministas


antipornografia se uniram à Direita Cristã em seu objetivo de não permitir que a
Primeira Emenda protegesse obras pornográficas, gerando fortes críticas de outros
setores do movimento feminista, defensores da liberdade de expressão.

Entretanto, é preciso estar atento para o fato de que não havia nenhuma questão
religiosa presente na retórica das feministas antipornografia. Na verdade, a base do seu
discurso era extremamente sofisticada.

“MacKinnon, em particular, dirigiu sua crítica para o liberalismo, cujos


ideais abstratos de ‘liberdade, igualdade, privacidade, e expressão’
funcionavam para ratificar a ordem social existente ao atomizar direitos
como questões estritamente individuais e, assim, desviar as pesquisas sobre
as desigualdades institucionalizadas”. (STRUB, 2010. p.248)

Como resposta a este movimento, surgiu o Feminist Anti-Censorhip Taskforce (FACT),


alegando que, na verdade, o discurso antipornografia feminista seria um desvio, por
reproduzir justamente uma característica da cultura patriarcal norte-americana, na qual
as mulheres precisavam ser “protegidas” das questões sexuais. “Para as feministas

19
defensoras da liberdade de expressão, a impureza do pornô era um preço pequeno a
pagar pelas liberdades duramente conquistadas sobre seus corpos e crenças”.
(STRUB, 2010, p.248)

Estes debates ainda carecem de estudos mais profundos. Por outro lado, caracterizá-lo
como uma “guerra” interna no movimento feminista, mesmo com os duros discursos
dos dois lados, é sugerir que houve um movimento feminista consensual, ignorando a
sua pluralidade característica.

Considerações finais

O presente ensaio não pretende encerrar o debate, mas justamente estimular reflexões
acerca das possibilidades de se pensar a pornografia e todas as questões que se colocam
ao seu entorno, como um importante objeto para o Ensino de História, possibilitando,
principalmente, a discussão crítica acerca da historicidade das noções de
comportamentos sociais considerados marginais e/ou transgressores.

Referências Bibliográficas

BOULWARE, Jack. Sex, American Style: an illustrated romp through the Golden age
of heterosexuality. Venice: Feral House, 1997.

DUGGAN, Lisa. HUNTER, Nan D. Sexual Wars: sexual dissent and political culture.
New York: Taylor & Francis, 2006.

HUNT,Lynn. Obscenidades e as Origens da Modernidade, 1500 – 1800. In: HUNT,


Lynn. A Invenção da Pornografia. São Paulo: Hedra, 1999.

MCCONAHAY, John B. Pornography: The simbolic politics of fantasy. In: Law and
Contemporary Problems. vol 51.n.1, 1988.

SILVA, Júlio César Casarin Barroso. Liberdade de Expressão, Pornografia e Igualdade


de Gênero. In: Estudos Feministas. Florianópolis, 21(1): 424, jan.-abr.,2013.

STRUB, Whitney. Pervesion for Profit: The politics of pornography and the rise of the
New Right. NY: Columbia University Press, 2010.

20
ENSINO DE HISTÓRIA E TURISMO CULTURAL:
AS POSSIBILIDADES DE EDUCAÇÃO EM
AMBIENTES NÃO FORMAIS DE
APRENDIZAGEM
Amanda Cristina dos Santos Costa Alves

Introdução

O presente artigo busca-se discutir as possibilidades do Ensino de História e do Turismo


Cultural nos ambientes não formais, valendo-se como referência o Parque Estadual do
Guartelá, localizado no município de Tibagi- Paraná. O parque foi criado no ano de
1992, é classificado como sendo uma Unidade de Conservação, e tem como propósito
preservar a riqueza natural, biológica, arqueológica, histórica e geográfica do local.
(IAP, 2002).

O Parque tratar-se de uma reserva de Unidade de Conservação, ou seja, uma área


protegida, que tem a necessidade de preservar e conservar o meio em que se insere.
Logo é um espaço de incentivo e propulsor para o ensino de história não formal,
avivando as ações educativas de ensino-aprendizagem, que propicia a compreensão da
salvaguarda e do acondicionamento do patrimônio histórico-cultural e social.

O Ensino de História e o Turismo Cultural relacionados tem a necessidade de pensar o


parque como um ambiente de educação não formal, como tantos outros espaços
educativos fora da sala de aula, desenvolvendo ações de cunho educacional.

Diante disso, é considerável pontuar a relevância frente aos espaços não formais,
contribuindo nas ações que tencionam as atividades turísticas e educativas do local, que
enseja a visitação do turista, uma vez que gera a oportunidade de ter contato com o
patrimônio cultural. Ou seja, a importância do patrimônio para a concepção histórica.
Segundo Prats (1998, p.63), o patrimônio cultural pode ser entendido como “todo
aquello que socialmente se considera digno de conservación independientemente de su
interes utilitário”.

Por conseguinte, faz-se necessário assinalar a associação do patrimônio à comunidade, a


importância que o parque exerce frente ao turista enquanto processo impulsor para o
Ensino de História e para o Turismo Cultural.

Espaços não formais de aprendizagem

A Educação não formal caracteriza por ser uma educação que atua fora dos âmbitos
escolares, promove ações em ambientes motores como museus, parques, pontos

21
turísticos, praças, cidades, dentre outros, que dispõem de um perfil cultural, histórico e
artístico. Segundo Gohn (2014):

“A educação não formal é aquela que se aprende "no mundo da vida", via os
processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços
e ações coletivos cotidianas. Nossa concepção de educação não formal
articula-se ao campo da educação cidadã – a qual no contexto escolar
pressupõe a democratização da gestão e do acesso à escola, assim como a
democratização do conhecimento. Na educação não formal, essa educação
volta-se para a formação de cidadãos (as) livres, emancipados, portadores de
um leque diversificado de direitos, assim como de deveres para com o(s)
outro(s)”. (GOHN, 2014, p. 40).

A educação não formal acontece de uma maneira distinta da educação formal, ocorre
fora da sala de aula. Em ambientes que não necessariamente foram construídos para
serem estudados ou relacionados à pesquisa, mas tem uma relação direta com o ensino
formal. O ensino não formal relaciona com as vivências e os conhecimentos do
indivíduo mediante a relação com a sociedade. Segundo Simson, Park e Fernandes
(2007):

“A educação não-formal é toda aquela que é mediada pela relação


ensino/aprendizagem; tem forma, mas não tem uma legislação nacional que
a regule e incida sobre ela. Ou seja, uma série de programas, propostas,
projetos que realizam ações e interferências, que são perpassados pela
relação educacional, mas que se organizam e se estruturam com inúmeras
diferenças – em suma, um leque bastante amplo de possibilidades.
(SIMSON, PARK, FERNANDES, 2007, p.16).

Em outras palavras, a educação não formal dialoga com a sociedade, com o cotidiano,
com as representações, a cultura, os costumes e os indivíduos. Logo, pode acontecer em
diversos espaços sociais e culturais independente da utilidade do meio físico, o
importante é que este espaço forneça meios para que ocorra a intenção de ensinar e
relacionar o ambiente com o aprendizado.

Portanto, o Parque Estadual do Guartelá, referindo-se características de elementos


históricos, turísticos e patrimoniais, considerado nos âmbitos da educação não formal,
um propulsor que possibilita a prática de atividades, como parte de um processo
educativo não escolar, que garante meios para que ocorra o Ensino de História e o
Turismo Cultural, através deste espaço como recurso didático pedagógico.

Discussões entre Ensino de História e Turismo Cultural

A relevância do ensino de história e o turismo cultural abordam aspectos do passado e


do presente, contando a história do local, da cultura, dos costumes e dos povos.
Segundo Moletta (1998, p.09-10), a definição de Turismo Cultura pode ser entendida
como:

22
“Turismo cultural é o acesso a esse patrimônio cultural, ou seja, à história, à
cultura e ao modo de viver de uma comunidade. Sendo assim, o turismo
cultural não busca somente lazer, repouso e boa vida. Caracteriza-se,
também, pela motivação do turista em conhecer regiões onde o seu alicerce
está baseado na história de um determinado povo, nas suas tradições e nas
suas manifestações culturais, históricas e religiosas”. (apud. BATISTA,
2005, p. 30-31).

A atividade turística é importante tanto para o a comunidade residente impulsionando à


economia, a cultura, a história da cidade, tanto para o público que visita que busca
atividades turísticas de lazer, tanto para ensino- aprendizagem que estimula o
conhecimento e o aprendizado histórico do local. Segundo Costa (2009, p. 190):

“O turismo cultural pode ser compreendido como um segmento da atividade


turística que, por meio da apreciação, da vivência e da experimentação
direta dos bens do patrimônio cultural, material e imaterial, e da mediação
da comunicação interpretativa, proporciona aos visitantes a participação em
um processo ativo de construção de conhecimentos sobre o patrimônio
cultural e sobre seu contexto sócio-histórico. Em última escala, este
processo auxiliará na produção de novos conhecimentos e a conservação dos
bens visitados”. (apud CARVALHO, 2010, p. 56).

De fato, viabiliza efetuar o Ensino de História extramuros, fora da sala de aula,


oportunizando o diálogo com o Patrimônio, a História, o Turismo e com a identidade, a
memória e o próprio indivíduo. Portanto, pontuam importantes aspectos como sociais,
culturais, saberes, aprendizados, conhecimento a cerca do local visitado e dos elementos
históricos do passado e do presente.

Diante disso, o Ensino de História nos espaços não formais e o Turismo Cultural
dialogam e possibilitam desenvolverem ações que valorizam o patrimônio histórico e
cultural, atuando de maneira interdisciplinar à medida que são considerados
componentes propulsores do patrimônio.

Considerações

Os espaços não formais de aprendizagem são importantes ferramentas que eleva o


potencial educativo. Através de monumentos e patrimônios culturais, dentre outros, que
reafirmam a valorização do patrimônio e a História. Auxilia no enriquecimento da
cultura individual, coletiva e o fortalecimento dos sentimentos de cidadania e o respeito
às culturas.

O Ensino de História e o Turismo Cultural em ambientes não formais, desde que


estejam inseridos em um contexto histórico-cultural revela a importância e a
possibilidade de promover ações educativas que proporciona o reconhecimento dos
atrativos naturais e culturais dos patrimônios. E o Turismo para a cidade impulsiona a
economia garantindo a possibilidade do processo de visitação, estimulando o fluxo de

23
turistas, e consequente assegura elementos que instigam o Ensino de História e a
preocupação com os recursos patrimoniais.

Referências Bibliográficas

BATISTA, C.M. Memória e Identidade: Aspectos relevantes para o desenvolvimento do


turismo cultural. Caderno Virtual de Turismo. Vol. 5, n° 3. 2005, p. 27-33.

CARVALHO, D.K. Turismo Cultural e Arqueologia nos espaços urbanos: caminhos


para a preservação do patrimônio cultural. Turismo e Sociedade. Curitiba, Vol.3, nº 1.
Abril de 2010, p. 51-67.

GOHN, Maria da Glória. Educação Não Formal, Aprendizagens e Saberes em Processos


Participativos. Revista Investigar em Educação - II ª Série, n° 1, 2014, p. 35-50.

IAP–INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ. Plano de Manejo do Parque


Estadual do Guartelá. Curitiba, 2002.

PRATS, Llorenço. El Concepto de Patrimonio Cultural. Revista Política y Sociedad,


Universidad de Barcelona, 1998, p. 63-76.

SIMSON, O.R.M; PARK, M.; FERNANDES, R.S. A Educação não-formal: um


conceito em movimento. Visões singulares, conversas plurais.São Paulo: Itaú
Cultural, (Rumos: Educação, Cultura e Arte,3) 2007, p. 13- 38.

24
BRASIL: PENSAMENTO E PRÁTICA SOCIAL DA
LAICIDADE NO AMBIENTE PÚBLICO ESCOLAR
Ana dos Anjos Santos Costa

O ponto inicial deste trabalho foi a leitura do texto Ideias fora do lugar, de Roberto
Schwarz e também do texto de Silvano Santiago intitulado Interpretes do Brasil. Nesses
textos observamos as culturas diaspóricas e como podemos analisá-las academicamente.
Partindo dessas análises, refletiremos sobre o conceito de laicidade, mais
especificamente, inserindo-o no ambiente público e escolar no Brasil.

No texto de Schwarz o autor traz à tona as contradições entre os discursos filosóficos e


acadêmicos das práticas cotidianas da elite brasileira. Focando mais especificamente na
questão entre liberdade e escravidão, mostra que a elite brasileira, que tinha acesso aos
discursos e debates filosóficos europeus, se interessava pela ideia de liberdade entre os
homens, mas, apesar da aceitação da teoria, o grupo esclarecido não mencionava a
pretensão de mudanças na estrutura econômica e social da escravidão brasileira. Para
Schwartz essa elite brasileira que se formava não conseguia ou não queria relacionar
suas ideias com seu cotidiano escravista. Existiria um “defeito”, uma lacuna a ser
observada em nossa sociedade.

Já Silvano Santiago aponta que os primeiros escritores sobre essa terra colonial eram os
viajantes europeus, que tinham suas visões eurocêntricas sobre como era e como deveria
ser o Brasil. Ele aponta que, após a independência política brasileira perante Portugal,
foram os próprios brasileiros, intelectuais da elite local que se debruçaram em entender
o pensamento e a sociedade nacionais.

Santiago não enxerga como um defeito as disparidades entre reflexões e ações das elites
intelectuais no Brasil. Para ele ocorre um jogo de correspondência e de comparação. E
esse jogo de comparações faz sentido na lógica da manutenção da hierarquia de poder
no Brasil (SANTIAGO, 2000 p.19). Também aborda de relance a questão da educação
quando cita a reforma pombalina que modificou a educação no reino português, a qual
antes era comandada pelos jesuítas. É nessa questão que começaremos a discutir o tema
de nosso trabalho. Até então, a educação no reino e nas colônias era delegada a uma
ordem religiosa, a Companhia de Jesus, que ensinava o currículo tanto as crianças
portuguesas como aos recém descobertos índios americanos.

Pombal entrou na administração do reino português (1750 – 1777) implementando


reformas em diversos setores, inclusive no setor educacional. O governo pombalino
tenta atribuir à Companhia de Jesus todos os males da Educação na metrópole e na
colônia. Ocorreu então a primeira separação entre religião e educação no território
colonial. Mesmo que sendo de forma mais formal do que prática, com inspiração nas
ideais iluministas, Pombal lança uma profunda reforma educacional.

O pensamento iluminista impulsionava as reformas pombalinas. O ensino jesuítico já


não alcançava as necessidades da nova administração portuguesa e a ideia de uma

25
educação controlada pelo Estado (moderno) ganha espaço. Nas reformas pombalinas o
Brasil adere à ideia da educação controlada pelos atores políticos. O que nos interessa é
como essa ideia de laicidade foi e é aplicada em nossa sociedade.

O termo laicidade vai aparecer relacionado ao ambiente escolar em 1871, quando foi
associado ao ensino público da França no Novo Dicionário de Pedagogia e de Instrução
Primária de Ferdinand Buisson, publicado em 1887. O verbete sobre laicidade expressa
que:

A laicidade ou a neutralidade da escola em todos os graus não é nada senão


a aplicação à escola do regime que prevaleceu em todas nossas instituições
sociais. Partimos, como a maioria dos povos, de um estado de coisas que
consistia essencialmente na confusão de todos os poderes e de todos os
domínios, na subordinação de todas as autoridades a uma autoridade única,
aquela da religião. É somente através do lento trabalho dos séculos que,
pouco a pouco, as diversas funções da vida pública distinguiram-se,
separadas uma das outras e livres da tutela estreita da Igreja.(BASTOS,
2010. P. 268)

Buisson deixa claro seu entendimento do conceito de laicidade como o oposto do que
ocorria com a “confusão de todos os poderes e todos os domínios” dentro do ambiente
escolar. O autor continua seu verbete escrevendo que:

Apesar das reações, apesar de tantos retornos diretos ao antigo regime,


apesar de quase um século de oscilações e de hesitações políticas, o
princípio sobreviveu: a grande ideia, a noção fundamental do Estado Laico,
quer dizer, a delimitação profunda entre o temporal e o espiritual entrou nos
costumes de maneira a não mais sair. (BASTOS, 2010. P. 268)

No Brasil, a ideia de um governo laico teve seus apoiadores. De Rui Barbosa até
Benjamin Constant, a laicidade também perpassava pela escola pública como sendo
fundamental para a boa educação. A primeira Constituição brasileira, de 1891, reafirma
a ideia desses pensadores e estabelece a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade
de culto e o reconhecimento a liberdade religiosa.

Atualmente alguns pesquisadores se debruçam sobre o tema da laicidade na escola. Luiz


Antônio Constant Rodrigues da Cunha, professor titular da Faculdade de Educação da
UFRJ, em seus estudos, defende o que denomina princípios de uma educação pública,
ou seja, uma educação para todos, onde no espaço escolar não pode haver qualquer tipo
de doutrinação.

Seria o ensino religioso e catequizante um risco à escola pública. O risco estaria no


desrespeito aos estudantes e o que podem querer no futuro. Cunha aponta também que é
um erro atrelar valores morais e éticos a uma determinada religião. Isso poderia passar a
ideia equivocada de que só quem segue aquela religião específica é que possui valores.
Cunha diz que “Só uma concepção totalitária da vida imagina que é a religião que vai
embasar a Pedagogia e dar sentido ao ensino público e aos valores humanos.”
(CUNHA, 2013)

26
Nossa questão é até que ponto a ideia francesa de laicidade se encaixa em nossa
sociedade. Aqui observamos uma problemática. Assim como Schwarz, inicialmente
pensamos em ideias e práticas dissonantes entre si. É interessante verificar o caminho
percorrido pela elite intelectual no Brasil. Tempos depois da Era Pombalina, a
Constituição de 1824, já com o Brasil independente, dava a Igreja Católica condição de
representante da religião oficial. Nascimentos, casamentos e mortes ficaram a cargo da
administração católica. Além disso, a educação primária e secundária foram entregues à
Igreja, tirando novamente o discurso da laicidade e retornando à educação confessional.

A indagação que fazemos é se a separação total entre religião e ambiente escolar tem
sido realizada e se ela é realmente necessária. Isso porque presenciamos práticas
cotidianas escolares que não se enquadram na ideia francesa. É nesse ponto que
pensamos nos aproximar das ideias de Silvano Santiago que aponta para um discurso
vindo de fora, não como algo fora do lugar, mas como um discurso que irá favorecer um
determinado grupo social.

Nesse sentido, entendemos que a laicidade muitas vezes é utilizada não como um
conceito para se colocar em prática efetiva no cotidiano escolar, mas como um
argumento que irá impedir determinadas religiosidades de percorrerem os ambientes
escolares. Ocorre que, em muitos casos, a escola pública brasileira não é laica em sua
prática. A manutenção de discursos religiosos é aceitável, desde que estes se enquadrem
no pensamento dominante.

Também é interessante ressaltar o aspecto racista pode estar envolvido nesta questão.
Uma vez a laicidade não se estabelecendo na escola, são muitos os casos em que
religiosidades de matriz africana são excluídas do ambiente escolar. Sabendo do número
de negros em nosso país, principalmente nos endereços periféricos e assistidos pela
escola pública, a questão que nos incomoda é o porquê da exclusão.

Até que ponto a ausência de determinados grupos e suas culturas expressa a laicidade é
o que se pergunta. Em que momento devemos distinguir a separação necessária do
Estado e sua escola das crenças religiosas das ações que visão aos silenciamento de um
grupo pertencente à sociedade brasileira?

Não temos a pretensão de ser uma resposta fechada e definitiva. Antes, fizemos a
elaboração de uma reflexão sobre a prática educacional e quais discursos perpassam o
ambiente escolar. Mostramos como a laicidade é importante para o ambiente de uma
escola pública de qualidade. Mas também tentamos demonstrar que o fato do conceito
muitas vezes parecer fora do lugar no Brasil, é motivo para indagação de como e por
quem ele é utilizado.

Bibliografia

BASTOS, Maria Helena Camara. Introdução Verbete Laicidade. BUISSON, Ferdinand.


Verbete Laicité/Laicidade. Dictionnaire de pédagogie et d'instruction primaire publié
sous la direction de Ferdinand Buisson (1878-1887, p. 1469-1474). História da
Educação. Pelotas: Asphe, v. 14, n. 32, 2010, p. 267-276.

27
BRASIL. Constituição Federal. (1891) Art.72.
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm visto em
5/01/2017).

CUNHA, Luiz Antônio. "A escola pública não pode ser uma arena de disputas
religiosas". Revista Nova Escola, Maio de 2013. (disponível em
http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/escola-nao-pode-nem-impor-
religiao741655.shtml visto em 04/01/2017)

SANTIAGO, Silviano. Intérpretes do Brasil. São Paulo: Nova Aguilar, v. 3, 2000.

SCHWARZ, Roberto. Ideias fora do lugar. Ao vencedor as batatas. 2. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1992.

28
FILOSOFIA E ENSINO DE HISTÓRIA NA OBRA
DE PAULO FREIRE
Anderson Romário Pereira Corrêa

Introdução

A presente comunicação tem por objetivo informar como Paulo Freire pensava a
História. Buscou-se identificar a “concepção freireana de História”. Foi elaborada uma
contextualização da trajetória das discussões no Campo da história e os principais
paradigmas historiográficos. Analisou-se o conjunto das obras, através de método
qualitativo, com técnicas de análise de discurso e concluiu-se que Paulo Freire
participou da construção de uma “nova” concepção de estruturalismo e que, sua
filosofia pedagógica, defendia uma concepção crítico- dialética de História.

A História: uma ciência em construção

Francisco Ricardo Rudiger (1991, p.185), escreve que um dos principais temas da
reflexão epistemológica contemporânea, no terreno das ciências humanas, é em relação
ao caráter do conhecimento histórico. É um assunto que preocupa tanto filósofos quanto
historiadores. Segundo Rudiger do ponto de vista geral, os paradigmas epistemológicos
da história podem ser divididos em basicamente três: historicismo, positivismo e
dialético. Dentro destes paradigmas existem varias correntes. Estes paradigmas
divergem quanto a concepção de ciência, quanto ao método empregado pelo historiador
e quanto a matéria da história (Idem, p. 186). Francisco R. Rudiger, afirma que no
paradigma crítico-dialético, o campo factual do historiador é visto como práxis humana,
limitada por determinadas condições, cujo caráter, sempre mediado pelos sujeitos da
ação social, podem ter cunho estrutural ou sistêmico. (Idem, p.187) Em termos de
prática historiográfica, a retomada de pressupostos como a interdisciplinaridade, a
relação com as Ciências Sociais, a à História problema, e a substituição do Marxismo,
no sentido de aprimoramento do saber histórico, terá aqui o conceito de “Paradigma
Crítico Dialético”.

Paulo Freire e sua concepção de História

Ao fazer análise de conteúdo nas obras de Paulo Freire observou-se que sua idéia de
História é contraria ao fatalismo e defende a visão de História como possibilidade.
Rejeita o determinismo, considerando que existem condicionantes, mas nada pré-
determinado em relação aos acontecimentos históricos. Segundo Paulo Freire, não
existe uma causa determinante nos acontecimentos, mas vários fatores que interagem na
realização dos fatos. Sua concepção é dialética, admitindo o papel condicionante das
estruturas sociais, porém enfatizando as experiências a nível do cotidiano. A seguir

29
apresenta-se a concepção de Paulo Freire sobre a História como fatalidade ou destino, a
concepção mecanicista e determinista da história, os condicionantes na História, a
possibilidade, a concepção dialética, as experiências e o cotidiano.

Segundo Paulo Freire (1987), pensar a história enquanto fatalidade ou destino é pensar
o passado como algo pré-dado ou imutável, o presente domesticado e bem comportado
e o futuro prefixado e inexorável. Esta concepção é castradora e negadora da liberdade.
Nesta concepção, os indivíduos tornam-se espectadores da história, esperando a
manutenção do presente e a espera que o futuro já conhecido se instale. (1987, p.26)

Ainda na “Pedagogia da Autonomia” Paulo Freire (1996, p.38) destaca que a concepção
mecanicista e determinista da história reduz a consciência a puro reflexo da
materialidade. Da mesma forma que a fatalidade, o determinismo (seja ele mono-causal
ou pluri-causal) também servem aos interesses do imobilismo. São as chamadas
concepções teleológicas, que afirmam existir um “destino já traçado”. Assim explica
ele: “Sempre recusei os fatalismos. Prefiro a rebeldia que me confirma como gente e
que jamais deixou de provar que o ser humano é maior que os mecanicismos que o
minimizam.” (1996, p.44)

Paulo Freire é contrário a idéia do fatalismo e do determinismo, porém, acredita que


existem condicionantes sociais. Em “Política e Educação” o pedagogo apresenta a
defesa da idéia de condicionamentos, que não determinam o comportamento dos seres
humanos, mas impõe-lhes certos limites: “A nossa experiência, que envolve
condicionamentos mas não determinismo, implica decisões, rupturas, opções, riscos.”
(2001, p.09) Na mesma obra salienta que: “Esta inteligência da História, que descarta
um futuro predeterminado, não nega, porém, o papel dos fatores condicionantes a que
estamos mulheres e homens submetidos.” (Idem, p.47) Desde sua primeira obra a
“Pedagogia do Oprimido” que ele escreve sobre os condicionantes e não determinantes
na História: “Os homens, pelo contrário, porque são consciência de si e, assim,
consciência do mundo, porque são um “corpo consciente”, vivem uma relação dialética
entre os condicionamentos e sua liberdade.” (1987, p.90).

A crítica ao marxismo aparece quando ele escreve que embora não podendo
compreender a história contemporânea sem a luta de classes, a luta de classes tão pouco
pode explicar tudo. Em “Pedagogia da Esperança” Paulo Freire escreve: “Nunca entendi
que as classes sociais, a luta entre elas, pudessem explicar tudo, até a cor das nuvens
numa terça-feira à tardinha, daí que jamais tenha dito que a luta de classes, no mundo
moderno, era ou é o motor da história. Mas, por outro lado, hoje ainda e possivelmente
por muito tem o não é possível entender a história sem as classes sociais, sem seus
interesses em choque.” (1992, p.47) Logo a seguir Paulo Freire escreve que o “sonho”,
os ideais, são também um dos “motores da história”, e acrescenta sua visão de que a
realidade e a história é o resultado de vários fatores, sendo que não aponta nenhum deles
como tendo primazia sobre os outros: “O sonho pela humanização, cuja concretização é
sempre processo, e sempre devir, passa pela ruptura das amarras reais, concretas, de
ordem econômica, política, social, ideológica etc., que nos estão condenando à
desumanização. O sonho é assim uma exigência ou uma condição que se vem fazendo
permanente na história que fazemos e que nos faz e re-faz.” (Idem,p. 51)

30
O ensino de História

A história fatalista e determinista que organiza o passado estanque, apresenta-se na


didática, na forma de narração e exposição dos fatos, geralmente de forma cronológica,
enfatizando datas e nomes. Na “Pedagogia do Oprimido” ele escreve: “Narração de
conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto,
sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica
num sujeito – o narrador – e em objetos pacientes, ouvintes – os educandos.” (1987,
p.57) Acrescenta Paulo Freire: “A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os
educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os
transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto
mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será.
Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão.” (Idem,
p.58) Esta concepção e forma de trabalhar com os conhecimentos históricos é conhecida
pelos professores de história como “História Tradicional”.

Ao contrário da concepção fatalista e determinista da história (História Tradicional), que


tem na narração e na repetição de fatos, datas e nomes seu ponto forte, a concepção
dialética de história, que trabalha com a concepção de possibilidades condicionadas,
destaca a “história problema.” Em “Pedagogia do Oprimido” Freire escreve que: “A
concepção e prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer os
homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter
histórico e da historicidade dos homens.” (1987, p.72) A problematização da realidade
parte sempre do seu aqui e agora.

Freire explica que é necessário problematizar os fatos, pois não existe nada que não
possa ser ainda desvelado. Em “Extensão e Comunicação” Paulo Freire (1985) escreve:
“É necessário que ele reflita sobre o porquê do fato, sobre suas conexões com outros
fatos no contexto global em que se deu.” (1985, p.35). Destaca o pedagogo a tarefa do
profissional educador da área de história: “Poder-se-ia dizer que esta é a tarefa própria
de um professor de História; a de situar, na totalidade, a “parcialidade” de um fato
histórico. Parece-nos, entretanto, que sua tarefa primordial não é esta, mas a de,
problematizando a seus alunos, possibilitar-lhes o ir-se exercitando em pensar
criticamente, tirando suas próprias interpretações do porquê dos fatos.” (Idem)

Conclusão

O que mais Paulo Freire enfatiza em seus textos é uma concepção dialética de História
(História como movimento e contradições). Escreve bastante, como não deveria deixar
de ser, do saber histórico escolar. Para ele, a história é importante para “conhecer” a
realidade (o presente histórico). Ele defende um saber histórico que parta das
experiências, porém crítico e metódico, para atingir a “Consciência histórica”. Critica o
fatalismo, os mitos e a mitificação do passado. A história para ele é multi-causal,
destacando a “vontade de potencia” (discurso e instrumento das relações de poder). Em
sua filosofia (histórica) Paulo Freire critica o idealismo e o determinismo, afirmando
que a história é possibilidade e se manifesta no cotidiano. A História Escolar deve ser
problematizada, critica o “narrativismo” de fatos, datas e nomes. A História escolar

31
deve proporcionar práticas reflexivas através de problematizações em busca dos
porquês, em fim, deve ser explicativa e responder a problemas do presente.

Bibliografia

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SP:EDUSC, 2003.

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RUDIGER, Francisco Ricardo. Paradigmas do estudo da história: os modelos de


compreensão da ciência histórica no pensamento contemporâneo. Porto
Alegre:IEL/IGEL, 1991.

32
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: O
TRABALHO DO HISTORIADOR/PROFESSOR DE
HISTÓRIA E A LITERATURA DE CORDEL
Andrea Cristina Marques

Pretendemos neste artigo apresentar e problematizar a relevância da literatura para o


trabalho do historiador/professor de história, seja dentro ou fora da sala de aula. Essa
relação da literatura, nesse caso do cordel, com a história é bastante produtiva, mesmo
que história e literatura apresentem caminhos diversos, embora convergentes, ambas
trabalham com as representações do mundo social, por isso a riqueza desta união.

Também é necessário colocarmos que essa união se torna possível a partir da


interdisciplinaridade proposta pelos Estudos Culturais, que alargaram o campo de
estudos não só da História com de outras tantas disciplinas, e trouxe consigo rupturas e
incorporações que contribuíram para uma nova perspectiva teórica, assim como novas
problemáticas.

Assim, documentos como o cordel, por exemplo, puderam ser vistos e utilizados como
documentos históricos. Pois, a cultura passou a ser vista e concebida pelos estudiosos
dos estudos Culturais como uma relação de intercâmbio e não mais como um confronto
bipolar ente as culturas, sedo uma superior e a outra inferior. Logo,

“(...) Elas não são vistas como exteriores entre si, mas comportando
cruzamentos, transações, intersecções. Em determinados momentos, a
cultura popular resiste e impugna a cultura hegemônica; em outros, reproduz
a concepção de mundo e de vida das classes hegemônicas.”
(ESCOSTEGUY, 2006, p.147)

Dessa forma, uma das grandes contribuições trazidas pelos Estudos Culturais foi esse
alargamento das possibilidades de trabalho com fontes antes não concebidas assim, e
que ganharam a devida legitimidade a partir desses estudos que deixaram de privilegiar
somente as questões econômicas e de classe. O que deu maior mobilidade para o
trabalho do historiador que pode agora construir seu trabalho analisando a partir de
outras perspectivas e fontes.

Com essa interdisciplinaridade conquistada pelos Estudos Culturais, os textos literários


passam a ser alvo das problematizações e análises feitas pelos historiadores e é

nesta perspectiva que nas últimas décadas os textos literários passaram a ser vistos pelos
historiadores como materiais propícios à múltiplas leituras, especialmente por sua
riqueza de significados, para o entendimento do universo cultural, dos valores e das
experiências subjetivas de homens e mulheres no tempo.

O que PESAVENTO confirma, ao dizer que:

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“A literatura tem se revelado o veículo por excelência para captar sensações
e fornecer imagens da sociedade por vezes não admitidas por esta ou que
não são perceptíveis nas tradicionais fontes documentais (...)”
(PESAVENTO, 1995, p.118)

Desta forma, os cordelistas ao escreverem seus cordéis, teriam também essa capacidade
de conseguir perceber sensivelmente o que se passa em sociedade. E a partir daí
transformariam em versos suas percepções, repassando-as ao público.

Porém, para conhecermos melhor a produção dos cordelistas, devemos mostrar quais
seriam as características do cordel, dos cordelistas e de sua poesia, e para isso é preciso
colocar que os poetas de cordel revelam-se, quase sempre, como homens com pouca
instrução, mas com grande talento para contar histórias.

Para GRILLO,

“(...) a relação deles com a realidade, pilar de sua produção poética resulta,
sem dúvida, das condições de vida quase sempre inóspitas e sem acesso às
fontes seguras de transmissão sistemática do conhecimento acessível apenas
aos cidadãos das classes mais favorecidas”. (GRILLO, 2008, p.2).

Ela afirma também que o Nordeste seria a região do Brasil privilegiada com relação à
quantidade dos cordelistas existentes nela. E o interessante é que numa época e numa
região em que a maioria da população era constituída de analfabetos, os cordéis
encontravam um grande público de auditores, já que as poesias eram apresentadas em
reuniões, saraus e feiras e o que facilitava sua memorização é que são desde essa época
escrita em forma de versos.

A literatura de cordel funcionou no século XIX como o meio de comunicação mais


eficiente para os que viviam longe dos grandes centros, sendo capaz de levar notícias
aos lugares mais remotos, a literatura de cordel sempre foi vista como incapaz de
sobreviver aos adventos da tecnologia, mas eis que, em pleno século XXI, pode ser
encontrada em sites voltados apenas para este tipo de produção havendo, inclusive,
cordelistas que existem apenas no mundo virtual, sem jamais ter imprimido sequer um
folheto.

E eram inicialmente impressos em papel pardo, 12x18 cm, com 8, 16 ou 32 páginas,


contendo ilustrações em xilogravuras. Nesse sentido, a literatura de cordel deve ser
percebida em vários níveis: o simbólico, o artístico, o linguístico, o social, o político, o
econômico e principalmente o histórico (GRILLO, 2008, p.1).

Especialmente, porque o cordel através de sua narrativa conta os acontecimentos de um


dado período e de um dado lugar, o que se transforma em memória, documento e
registro da história brasileira. Assim, “(...) Tais acontecimentos recordados e
reportados pelo cordelista, que além de autor é conselheiro do povo e historiador
popular, dão origem a uma crônica de sua época.” (GRILLO, 2008, p.3).

Um exemplo disso é o cordel denominado “Cordel do Império Romano”, onde o


cordelista, Medeiros Braga narra a história da Roma Antiga, tratando segundo ele dos

34
períodos que vai do Patriarcado ao Republicanismo. Assim, ele mostra a história
romana de maneira rimada e poética. Vejamos um trecho dessa história romana:

Falarei nesse cordel


Do grande Império Romano,
Seu ciclo Patriarcal, Monárquico e Republicano,
Sua expansão pelo mundo,
O seu domínio, segundo
O seu poder soberano.

A hierarquia romana,
Sua escala social
Começava por Patrícios aqueles
Aristocratas rurais
Depois Plebeus em geral,
Mais abaixo os Clientes,
Sob esses excrescente,
Os escravos no final.

A poesia de cordel seria então uma história popular no sentido de que ela relata os
eventos que fizeram a história numa perspectiva popular, levando em consideração que
seus poetas são do povo e o representa em seus versos.

Porém, erroneamente, alguns afirmam que a poesia de cordel reproduz o discurso


oficial, os valores tradicionais e conservadores, sendo dessa maneira, uma produção
incapaz de construir seus próprios significados simbólicos. O que a historiadora rebate,
colocando que:

“(...) não se pode deixar de lembrar que, na poesia de cordel, há uma grande
quantidade de personagens estradeiros, astutos, trapaceiros, anti-heróis, que
sobrevivem por expedientes e artimanhas que lhes valem como alternativa
para escapar do sistema opressor.” (GRILLO, 2008, p.3)

Essa maneira simplória de perceber a literatura popular é também alvo de críticas, pois
quando esta afirma que de uma forma geral quando fala-se de cultura popular, coloca-se
como se ela fosse uma cultura dominada, invadida, aniquilada pela indústria de massa e
pela indústria cultural sendo também envolvida pelos valores dominantes, pauperizada
intelectualmente pelas restrições impostas pela elite, manipulada pela folclorização
nacionalista, demagógica e explorada, em suma, impotente face à dominação e arrastada
pela potência destrutiva da alienação.

Portanto, a literatura de cordel não deve ser observada enquanto lugar somente onde
residiria discursos oficiais, mas uma pluralidade de discursos, os quais o professor ou
historiador teria de perceber dentro desta narrativa suas criações e recriações,
obviamente não estamos ultrapassando a questão da oposição entre cultura popular e
erudita, mas sabe-se que ambas alimentam-se reciprocamente da “circularidade
cultural” que existe entre ambas.

35
Pois, não podemos esquecer que as práticas culturais populares pontilham nosso
cotidiano. Uma atitude de descaso para com as coisas populares, muitas vezes, está
associada a raciocinar o fazer das classes populares a um fazer desprovido de saber
(GRILLO,1996, p. 109).

É neste sentido que devemos conceber a literatura de cordel enquanto estratégia didática
que possibilitará grandes contribuições para o ensino de história, levando em
consideração também o que coloca os PCNs, ao mostrar que com o avanço da
comunicação industrialização, da urbanização novas demandas foram exigidas,
tornando obsoletos os métodos tradicionais de ensino, sem enumerar os altos índices de
repetência e evasão escolar (MARTINS, 2008, p.18).

Uma das questões que levaria o professor de história a buscar na literatura de cordel
mais uma forma de material didático, seria também a tão falada falta de interesse dos
alunos em fazer leituras, sem as quais não pode se efetivar a aula proposta pelo
professor de história. Já que a aula de história necessita obrigatoriamente de leitura, e
sem esta fica impossível de acontecer, pois para que os alunos acompanhem a aula de
história estes tem que necessariamente ter feito a leitura dos textos da aula proposta.

Outra questão a ser pensada se refere à dificuldade tanto de leitura e interpretação dos
alunos quanto à dificuldade em encontrar livros ou material didático por eles, pois
grande parte dos alunos são oriundos de escolas que não oferecem subsídios para que
estes gostem de fazer leituras, logo as escolas:

“(...) não promovem projetos que visam ao desenvolvimento do prazer pela


leitura, além de estarem imersos numa sociedade que não tem como
prioridade o desenvolvimento de políticas públicas preocupadas com o
fomento da leitura.” (MARTINS, 2008, p.11).

Sendo assim, o professor deve trazer para a turma em que trabalha o material didático
para a aula, assim como também deve fazer com que eles flertem com esse material e se
apaixonem ao ponto de lê-lo. Nesta perspectiva,

“A leitura surge na escola como uma oportunidade de colocar o aluno em


confronto com o outro, propondo-lhe o desafio de enxergar a pluralidade
cultural como forma de levá-lo a ser capaz de exercer a sua cidadania
plenamente, sem vestígios de imposição de uma cultura sobre a outra.
Portanto, nossa discussão não busca a substituição de textos literários
canônicos por textos da Literatura de Cordel, mas sim ampliar o leque de
leitura dos alunos, a fim de lhes proporcionar um contato mais plural com as
diversas formas de gêneros textuais e artísticos encontradas no Brasil.”
(ALVES, 2008, p. 107).

Desta maneira, a literatura de cordel se mostra como material didático rico para o ensino
de história porque oferece não só a riqueza estilística da literatura de cordel, como
também as possibilidades de debate sobre a nossa realidade social, política e econômica.
E, além disso, sua rima de alguma forma facilita tanto a leitura como o aprendizado.

36
Observa-se que, a cada dia que passa, o mundo contemporâneo exige mais agilidade,
criatividade, rapidez de pensamento, discurso persuasivo e adequação de estilo, o que
impõe à escola algo novo: levar o aluno a apropriar-se dos escritos para agir na vida.

É justamente a partir desse momento que se torna possível desenvolver o senso crítico
do aluno, levando-o a perceber não só a sua posição no mundo como também a posição
do outro, representada nos diversos contextos sociais. O contato com a literatura de
cordel será capaz de proporcionar aos alunos uma ampliação de sua capacidade de
enxergar as diversidades sociais, políticas.

Mas, é necessário ressaltar que o trabalho com o folheto de cordel em sala de aula não
pode ser resumido a uma simples leitura dos textos ou até mesmo a uma produção de
cordel. Esse trabalho deve ir mais longe, procurando sempre estabelecer relações entre o
que está escrito e a realidade de nosso país, levando o aluno a pensar o seu lugar no
mundo e o daqueles que produzem, consomem e apreciam a literatura de cordel.

Assim, os alunos atualmente precisam enxergar o mundo além de si mesmo, sob pena
de, não o fazendo, ficarem à margem do próprio mundo em que vive, já que a
modernidade se faz presente e exclui aqueles que não preenchem seus requisitos ou se
contentam com o superficial. Paralelamente a isso, a necessidade de mudar o contexto
socioeconômico em que vivemos tem se tornado urgente e só pode será alcançada
mediante uma educação crítica. Assim,

“A presença da literatura de cordel em sala de aula implica refletir, entre


outras coisas, sobre as concepções de leitura, literatura e ensino postos em
prática no cotidiano das escolas. Seria propor uma forma de estimular os
alunos a enxergarem o que há por trás dessas produções textuais, não só no
que diz respeito ao texto em si, mas com relação às vozes que ele traz
consigo. Vozes essas capazes de expressar questões morais, políticas,
sociais, econômicas e culturais.” (ALVES, 2008, p.108).

A literatura de cordel pode perfeitamente contribuir para uma educação voltada para a
realidade, na medida em que apresenta ao aluno uma visão de mundo, que pode se
assemelhar ou não à sua, mas que suscita variados questionamentos que podem levar o
aluno a refletir sobre a sua posição social, política, econômica e cultural dentro do
contexto em que vive.

O papel da escola é crucial na ampliação não só do público leitor, mas também do


material de leitura e dos modos e ritmos de ler. Nesse ponto, podemos nos reportar à
importância do contato dos alunos com os diversos gêneros textuais, conforme já citado
anteriormente. Aliás, ela nos alerta para a necessidade de valorizar as condições
concretas de comunicação literária, alegando que a leitura não se dá no vazio, já que se
trata de uma atividade que implica sociabilidade.

A partir disso torna-se mais fácil para o aluno perceber-se como um ser pensante e
crítico, capaz de compreender não só a si mesmo como também ao outro e,
consequentemente, tornar-se apto a intervir na realidade, a fim de mudá-la para melhor.

37
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38
UMA GERAÇÃO SEM HISTÓRIA: DO PROJETO
ESCOLA SEM PARTIDO À REFORMA DO
ENSINO MÉDIO
Arnaldo Lucas Pires Junior
Caroline Trapp de Queiroz

O objetivo desse texto não é apresentar uma pesquisa histórica, propriamente dita, mas
sim colocar em discussão alguns princípios do Programa “Escola Sem Partido”,
chamando atenção aos possíveis resultados que a proposta acarreta quando combinada à
atual “Reforma do Ensino Médio”, que exclui do currículo, dentre outras disciplinas, a
obrigatoriedade do ensino de História.

Para iniciar nossa análise, é importante compreender que o currículo, dentre tantas
definições, se trata de um organizador das experiências vividas no processo educativo
(LOPES, MACEDO, 2011, p.19) e, como tal, não se restringe à forma prescritiva,
abrangendo toda a dinâmica das relações tecidas nesse processo. Assim, ainda que as
concepções de currículo variem, de modo geral é possível pensa-lo como “o coração da
escola, o espaço central em que todos atuamos, o que nos torna, nos diferentes níveis do
processo educacional, responsáveis pela sua elaboração” (MOREIRA; CANDAU, 2007,
p.19).

O que Moreira e Candau destacam aponta justamente para o fato de que os currículos
são definidos num entrecruzamento de decisões que envolvem governo, cultura,
movimentos sociais e comunidades acadêmica e escolar. Nesse sentido, cabe pensa-lo
como uma arena de disputas de poder que justifica cada novo governo desenvolver uma
proposta curricular específica. Essa constatação nos chama atenção às propostas que
circulam em nossa realidade atual, o que implica pensar sobre o “Programa Escola sem
Partido”, Projeto de Lei (n.193/16) que está tramitando no Senado e que propõe
inclusões na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (n.9394/96) que modificam por
completo sua estrutura política e filosófica.

Considerando os limites desse texto, propomos uma breve análise do Artigo 2° do PL,
que prevê, dentre outros, os seguintes princípios para a educação nacional:

I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;

II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;

III - liberdade de aprender e de ensinar;

IV - liberdade de consciência e de crença;

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Como ponto principal, contestamos a questão da neutralidade política, destacando que a
educação não pode ser concebida como empreendimento neutro justamente porque a
política transcende a esfera institucional, constituindo-se como uma espécie de
negociação contínua que realizamos para compatibilizar interesses em diferentes setores
da vida cotidiana (MAAR, 1982, p.10). É nessa medida que falar sobre neutralidade
política numa proposta curricular não faz sentido, pois “pela própria natureza da
instituição, o educador [está] implicado, de modo consciente ou não, num ato político”
(APPLE, 1982, p.9).

Essa questão contradiz, inclusive, outras que seguem à “Proposta”, como as de


“pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”, “liberdade de aprender e de ensinar” e
“liberdade de consciência e de crença”, pois quando se afirma neutralidade política na
ação pedagógica, retira-se do ambiente escolar justamente a possibilidade de debater
diferentes concepções, inclusive sob pontos de vista científicos, impedindo que haja
quaisquer das liberdades descritas – ainda que a própria dinâmica escolar dite liberdades
não previstas em documentos normativos por meio de uma “autonomia relativa”
(BORDIEU, 2011, p.208). Nesse processo de tolhimento, determinados conceitos –
como revolução, luta de classes e ideologia – são roubados de seu lastro histórico e
filosófico, sendo taxados como “partidários” e, por isso mesmo, deméritos de uma
abordagem educacional.

No bojo das discussões sobre o “Programa Escola sem Partido”, deu-se um primeiro
passo oficial, no mês passado, em direção à modificação das bases educacionais do país
com a aprovação, no Senado, da “Reforma do Ensino Médio”, que dentre tantas
mudanças, torna facultativo o ensino de História. Embora essa “Reforma” pareça, a
princípio, apenas uma ideia ruim, devemos estar atentos aos limites que a tornam,
também, uma ideia perigosa. Uma ideia ruim passa a ser perigosa quando se torna
axiomática, ou seja, quando se encerra como evidente e incontestável, e esse é
justamente o caso da “Reforma”, que se apoia na concepção de que existem “talentos
naturais” e que seria, portanto, desperdício de tempo obrigar estudantes à formação
integral globalizante, em vez de uma pautada em “itinerários formativos” – uma espécie
de à la carte educacional em que é possível escolher que disciplinas se quer estudar,
com base nos talentos e interesses que se tem.

Como a maioria das ideias axiomáticas, a “Reforma” também não resiste à


experimentação científica. Para refutá-la, recorremos à pesquisa de Catalano e Kleiner
(1984), cujo objetivo era descobrir relações entre aprendizagem e performance motora.
Para isso, eles desenvolveram um equipamento que consistia numa linha de luzes que se
aproximavam do observador em uma das pontas e se afastavam na outra. As luzes
acendiam em sequência, da mais distante à mais próxima, e os participantes eram
orientados a pressionar um botão logo no início do acendimento da última das luzes, a
mais próxima.

Os participantes do experimento foram divididos em dois grupos: um deles exposto a


um conjunto de luzes que se movia em ritmo constante, e o outro, que tinha de executar
a mesma tarefa em um conjunto de luzes que se movia em ritmos diferentes. Depois de
algumas horas de treinamento, os dois grupos foram expostos a um terceiro ritmo de
luzes, até então desconhecido para ambos. O resultado mostrou que o grupo treinado em
uma variedade rítmica maior teve desempenho até 50% superior ao grupo treinado em

40
um só ritmo. Estava então descrito o princípio da variedade na aprendizagem, ou seja,
quanto mais amplo for o “treinamento”, melhor uma pessoa se sairá em uma atividade
desconhecida, seja ela motora ou criativa. A pesquisa foi além e acabou descobrindo
também que indivíduos treinados em um só conjunto de estímulos são incapazes de
aplicar esses mesmos estímulos em atividades mais amplas – por exemplo, um
trabalhador de fábrica que corte pedaços de pano com uma faca diariamente não fará a
mínima ideia de como cortar bem os condimentos ao manipular a mesma faca numa
cozinha.

Essa descoberta nos faz pensar no verdadeiro impacto que os “itinerários formativos”
podem acarretar no desenvolvimento dos estudantes. Não se trata apenas da defesa do
retorno da disciplina de História, ou qualquer outra, afirmando sua importância como
área de conhecimento específica, mas sim da constatação de que a aprendizagem dessas
disciplinas é capaz de formar químicos, físicos e matemáticos melhores. Não porque
estas disciplinas carregam conteúdos que estes profissionais utilizarão em sua atividade,
mas sim porque elas apresentam um conjunto de padrões totalmente diferente das outras
disciplinas.

O químico que nunca estudou História, assim como o historiador que nunca estudou
Química, será como os sujeitos que compõem o primeiro grupo do estudo que
comentamos, se sairá muito bem com o “seu” ritmo de luzes, mas assim que for exposto
a um novo padrão, terá uma resposta inferior à dada por aqueles que tiveram uma
formação ampla. Eis o grande perigo desta “Reforma”, a produção de toda uma geração
cega para a variedade de conhecimentos do mundo – geração que será marcada pelo
aprofundamento da desigualdade de oportunidades educacionais. Talvez seja justamente
esse o projeto político que torna o “Escola sem Partido” tão necessário na manutenção
de um ensino meramente utilitarista.

Referências bibliográficas

APPLE, Michael. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.

BORDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: Elementos para uma


teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

CATALANO, JF; KLEINER BM. Distant transfer in coincident timing as a function of


variability of practice. Percept Mot Skills, n.58, p.851–856, 1984.

LOPES, Alice; MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011.

MAAR, Wolfgang. O que é Política. São Paulo: Brasiliense, 1982.

MOREIRA, Antonio; CANDAU, Vera. Currículo, Cultura e Sociedade. In: Indagações


sobre o currículo no ensino fundamental. Programa Salto para o futuro. Boletim 17.
Set.2007.

41
A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR: PARA
QUE SERVE A HISTÓRIA? UMA PRETENSÃO DE
RESPOSTA
Bruno Flávio Lontra Fagundes

Há quase 100 anos que ouvimos, nós, profissionais formados em História, e leitores das
obras-primas da área, o eco da pergunta fatídica de Marc Bloch: “para que serve a
História?” Curioso é observar que, lá atrás, num contexto terrível, Bloch lançava
afirmações como a de que o historiador deve também saber falar aos colegiais/crianças
e que a História também podia divertir. Ao conectar história com crianças e diversão,
exatamente em que pensava Marc Bloch além do explícito?

É provável que o que tentava dizer não se casava com o que podemos entender, hoje,
das afirmações de Bloch se deslocadas para os tempos de agora, pelo menos aqui no
Brasil. O ensino de História na escola sofre, já de algum tempo, de duas enfermidades:
o de produzir-se num contexto de afastamento da universidade-escola-universidade e o
de ter de verificar que os colegiais não se afeiçoam à história ensinada escolar. Registra-
se com ênfase: não se afeiçoam à história na escola, embora se afeiçoem bastante à
história em espaços e meios extra-escolares! A estimativa é a de que 70% dos colegiais
gostam e saciam seus desejos de história por outros meios: filmes, músicas, jogos,
televisão, sites e blogs, redes sociais, revistas. Para alguma coisa serve a história, com
certeza! Não saber dizer não quer dizer que não sirva. Pode muito bem servir, e ser
gostada e querida, mesmo que não saibamos verbalizar isso.

Quando a pergunta nos é lançada, ela muitas vezes nos embaraça, e quando não é
lançada, a resposta quase sempre está entre os dentes: “a história forma sujeitos críticos
e participativos para transformar a sociedade”. É certo que mais de 90% dos cursos de
História brasileiros têm em seus projetos político-pedagógicos essa definição. Consulte
os PPPs disponíveis na Web e lá encontrarão aquela resposta quase como um mantra.
Ela cabe ainda hoje? É possível pensar um pouco sobre isso aqui, no Brasil, pois não
conhecemos PPPs de cursos de História fora do país - entendendo a dificuldade de
respondê-la e o automatismo em fazê-lo como está escrito em nossos PPPs.

Vamos pensar nossa dificuldade como resultado de um processo histórico que a tornou
difícil, desnaturalizando a ideia de que sua serventia seja, ontologicamente, a de formar
para a crítica e a transformação social. “Formar sujeitos críticos para transformar a
sociedade”, como querem os PPPs, não é uma retórica tão cristalizada sobre a área, um
grilhão que imobiliza pensarmos outros fins para a História e nossos cursos? Se
aceitarmos que sim, talvez já possamos começar a responder lembrando do que disse
Bloch quando mencionou crianças e diversão, num contexto terrível em que todo
conhecimento precisava lutar contra a estupidez humana a que estava Bloch submetido.
Seguindo ele, a história também deve servir para algo que seja atraente, e que não é, ou
não se resume, à crítica e à transformação social. Ler os PPPs de cursos de História no

42
Brasil chega a ser angustiante, porque parece que não conseguimos, desde o século
XIX, quando a história se tornou conhecimento ensinável, (FURET, 19??) dizer nada
mais do que isso. Imobiliza pensar em nada mais. Isso marca nossas iniciativas dentro
do cursos e, pior de tudo, a expectativa que a sociedade deposita em nós.

Daí, desses PPPs e do mantra que pregam, surge uma reflexão em última instância
derivada do fato de que socialmente ao historiador se associa uma imagem hostil de
“crítico chato e impertinente, carregado de uma energia negativa”. Ora, outros campos
de formação, assim como ambientes de aprendizado diversos, não são também
formativos para aquilo que só se tem a tradição de se atribuir à História conhecimento?
Por que só à História cabe carregar esse “fardo” (WHITE, 2001), como se não houvesse
mais saídas? A primeira medida do pensamento, aqui, é assumir que a crítica e a
transformação social não são privilégios da História e transformar a sociedade não tem
de ser, indiscutível e peremptoriamente, atribuição da formação em História. A História
não pode dizer às crianças, à diversão? É possível que aqueles que “transformam
sociedades” tenham a História no horizonte quando agem, mas há muitas outras razões
que agem totalmente alheias a uma formação em História.

Certo mesmo é que a pergunta parece-nos pertinente: por que é a História que deve
formar para a crítica e transformação? Por isso teremos um lugar de glória e no panteão
dos heróis da vida comum? Hoje, perguntas assim, como a de Bloch há mais de 80 anos,
ganham foro de obrigação tentar pelo menos respondê-la, sem se cair no contra-
argumento alusivo de que é a História um campo sólido, consolidado de saber – e que
não pode ceder espaços para crianças, diversão, atração, corpo, brincadeiras, atividades
lúdicas. A curricularização da Extensão, que prevê 10% de todas as matrizes
curriculares para atividades extensivas, pode ser uma grande chance para historiadores
repensarem o que fazem e como podem se apresentar socialmente com uma atitude
menos pretensiosa de transformar a sociedade.

No século XIX foi assim: a História transformou a sociedade, de monarquias para


repúblicas, ajudando a formar as sociedades nacionais tão importantes para os Estados
Nacionais e construindo os povos homogêneos. Não vivemos mais o século XIX,
embora Sarlo (2007) já tenha advertido para mostrar algumas analogias. Que vivemos
tempo em que “(...) as operações com a história entraram no mercado simbólico do
capitalismo tardio com tanta eficiência como quando foram objeto privilegiado das
instituições escolares desde o fim do século XIX”. Estão em questão saberes históricos
que existem em espaços de memória extra-escolar, linguagens e narrativas vinculadas à
produção, mas também à difusão do saber histórico acadêmico – pari passu aos saberes
históricos no espaço escolar. Stephen Bann (1989) sugere uma “visão interdisciplinar da
representação histórica”, conclamando que o historiador identifique “os códigos através
dos quais a história foi mediada”, procurando evitar o que qualifica como uma
“separação definitiva entre o mundo circunscrito do historiador profissional e a
generalizada moda de espetáculo na qual todas as formas de representação popular se
arriscam a ser assimiladas”. Alerta para a “questão do consumo de massa
contemporâneo de ‘história’ pela indústria da herança e outros canais menos
respeitáveis”, mas pede cuidados: aconselha “certa cautela ao criticá-lo e satirizá-lo” [o
consumo]. O autor dizia isso por volta do final dos anos 1980, presume-se.

43
Haveria diferenças de realidade e de tempo que inviabilizariam deslocar 1989 e a e a
realidade do universo de historiadores anglo-saxões de que trata o autor para o Brasil de
agora, quase 30 anos depois? É possível.

Mas também é possível que haja uma diferença que diz respeito a assumir que o debate
em torno do tema, agora, é mais do que relevante e, diríamos, cala fundo ao destino
profissional que aguarda a todos nós, profissionais formados em História. Referindo-se
ao “brilhante” livro de Hobsbawn e Terence-Ranger, a “Invenção das Tradições”, ainda
Bann confessa que há ali uma estratégia que diverge da dele, uma vez que a visão de
tradição, ali, supõe uma “espécie de falsa consciência”, uma história que “discrimina
magistralmente entre o que está certo e o que está errado”. E o que está certo e o que
está errado para historiadores profissionais não têm envolvido a aceitação do fato de que
o errado ou o certo tem sido consumido como “consumo de massa” alheio aos juízos
desse nosso mundo circunscrito. Historiadores parecem mercadores do “certo” e do
“errado” num mundo que insiste não os consumir, afinal o certo e o errado não
pertencem a alguns sujeitos dizê-los. Nessa perspectiva, Beatriz Sarlo (2007) analisa,
hoje, a situação de histórias não-profissionais: vivem de um “mercado de bens
simbólicos” em que a história alcançou um lugar mais importante que a História do
século XIX quando esta serviu a interesses dos Estados Nacionais. Mas quem alcança
esses espaços, hoje, de História, são produtores de História que não têm formação
alguma em cursos de História! São eles é que “fazem a cabeça” de consumidores
afobados por história em locais onde historiadores profissionais não penetram – por
formação, mas também por índole.

Responder a Bloch, nos dias atuais brasileiros, se seguirmos a linha de raciocínio


exposta acima, não pode ser ficar na equação do oito ou oitenta. Só existe um raciocínio
dual do tipo?: ou nos preservamos – circunscrevendo-nos aos benefícios de escolhas
protegidas pelas obrigações do Estado - ou deixamo-nos consumir - contaminados pelos
malefícios de um mercado que vai se apropriar da história e ditar temas e metodologias?
Não há mais nada além dessa equação dúbia e excludentemente contrária uma a outra?
Não podemos participar de outros espaços e lugares sendo consistentes e ao mesmo
tempo dentro de ambientes de diversão, entretenimento lúdico, que sejam de relações
ensino-aprendizagem?

A saída pela Extensão, dentro da universidade, é mais do que uma mera alternativa: é
uma realidade institucionalizada, a que os historiadores poderiam bem se debruçar e
pela qual se empenhar mais. Daí poderiam sair iniciativas que fariam da resposta à
pergunta de Bloch algo menos constrangedor e menos glorioso, embora mais prática e,
provavelmente, mais ligado a anseios de públicos carentes e desejosos de história, a
quem nós não estamos conseguindo responder – por várias razões que deveriam ser
temas de grandes discussões dentro da corporação, mas que não são.

Referências Bibliográficas

BANN, Stephen. As invenções da História. Ensaios sobre a representação do passado.


SP: Ed.UNESP, 1994. 292 p.

44
FURET, François. O Nascimento da História. In: ______ . A Oficina da História.
[Lisboa?]: Gradiva [19 --]. p. 109 – 135.

HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. RJ: Paz e Terra,
1984. 316 p.

SARLO, Beatriz. Tempo Passado. Cultura da Memória e Guinada Subjetiva. SP: Cia
das Letras; BH: Editora UFMG, 2007. 129 p.

WHITE, Hayden. O Fardo da História. In: ______ . Trópicos do Discurso. Ensaios


sobre a crítica da cultura. 2ª ed. SP: EdUSP, 2001. p.39-64.

45
NOVAS PERSPECTIVAS DA HISTÓRIA DA
ARQUITETURA NA CONTEMPORANEIDADE
Camila Cristina dos Reis de Almeida

As alterações ao longo da evolução da sociedade no que diz respeito a cultura,


economia e política tem direcionado a população para um universo de descobrimento e
desdobramentos infinitos. Diante de tais alterações, a forma de se discutir história tem
se mostrado cada vez mais ampla e diversificada, onde a monotonia e repetição de aulas
projetadas e montadas em Power Point já não suprem a necessidade de se desenvolver
um posicionamento crítico aos estudantes. Entende-se que, visando futuros arquitetos
conscientes da produção contemporânea de arquitetura, onde temáticas como
sustentabilidade e arquitetura social vem sendo cada vez mais inseridas, manter as
formas tradicionais de ensino de história da arquitetura e urbanismo já não cabem as
atuais escolas desta área de atuação. A experiência proporcionada pelo Programa
Institucional de Monitoria de Ensino (PIME) da Universidade de Uberaba possibilita
um novo entendimento e olhar acerca da disciplina de História e Teoria da Arquitetura,
do Urbanismo e do Paisagismo, gerando entre alunos e professor uma discussão que
aborde de forma lúdica, com auxílio de plataformas audiovisuais, e cruzada com outros
campos das artes e manifestações culturais, como sociologia e filosofia, gerando
conceitos advindos de uma interpretação própria da história por cada indivíduo.

O grande desafio que se nota no ensino de história voltado à arquitetura é o de


desenvolver um posicionamento crítico do que se estratificou dos conceitos, hipóteses e
soluções adotadas para a evolução da mesma ao longo dos anos. A necessidade de se
interpretar a história e distingui-la de passado, é cada vez mais assistida no curso de
arquitetura e urbanismo. Para tanto, é entendido que o ensino de história da arquitetura
seja de história da arquitetura e não história geral. Nota-se, a priori, uma necessidade de
se desvincular da ideia de que história é passado. Tal associação se justifica no fato de
ter em foco acontecimentos datados em uma época anterior a qual estamos vivendo.
Porém, a história se desdobra em uma dialética entre passado e presente na qual se
mantém acerca da contemporaneidade. A compreensão de que os projetos de
determinada época de produção arquitetônica e as relações entre sociedade, cultura,
economia e política são justificáveis dentro daquele contexto específico é fundamental
para as finalidades desejadas do estudo desse ramo dentro da graduação em arquitetura.
Com base nisso, começa-se a compreender a especificidade de se ter o olhar voltado à
história da arquitetura. Por mais que os acontecimentos se tornem determinantes para os
rumos que a produção arquitetônica tomou, a própria produção é o que de fato vai
ocasionar uma reflexão aos estudantes dessa área. O principal posicionamento de um
arquiteto urbanista está vinculado ao olhar crítico do mesmo, assim, vemos a história,
ao longo do curso, como base de apoio teórico para o desenvolvimento da consciência
de crítica e interpretação que culminarão na produção de arquitetura contemporânea. As
dinâmicas de ensino devem, portanto, estimular tal postura e possibilitar a correlação
com as disciplinas de projeto. O raciocínio critico está atrelado a tudo que se diz
respeito ao pensamento de um arquiteto na contemporaneidade e, portanto, o exercício

46
de estudar-se história e desenvolver tal postura em muito contribuirá para as novas
produções arquitetônicas dos que hoje são discentes.

A utilização de recursos que atinja os mais diversos sentidos e atice a psique humana
com relações indiretas com o tema de estudo pode ser vista como uma solução a ser
adotada para novas disseminações de conceitos históricos. A exemplo disso, cita-se o
filme “Metropolis” de Fritz Lang, 1927, e sua correlação com a vanguarda do
movimento moderno conhecida como expressionismo. Partindo do pressuposto que o
estudo a respeito do assunto abordado (Expressionismo) tenha sido feito anteriormente a
exibição do filme, é possível se gerar um debate que venha a facilitar o entendimento do
contexto histórico do movimento, das principais características observadas neste e, em
alguns casos, fazer analogia com obras de arquitetura. No caso aqui citado, foi possível,
com a exibição do filme e leitura da teoria a respeito da década de 1920, se extrair
definições e relações entre a revolução industrial e arquitetura, o contraste da
proposição de novos materiais na construção civil advindos desta época e o olhar social
da arquitetura voltada para as massas.

Em se tratando de ensino, discute-se ainda a aplicabilidade da vertente filosófica da


teoria do rizoma, desenvolvida pelos filósofos Deleuze e Guattari (1995) e segue,
segundo os autores, seis princípios. Tais princípios abordam a conexão e
heterogeneidade, a multiplicidade, a ruptura, a cartografia e a decalconomia. Um
sistema de ensino baseado em tais princípios se estabeleceria multiplicidade e
particularidades de cada indivíduo, proporcionando as mais diversas abordagens dentro
do campo da história e teoria da arquitetura. A aplicabilidade desta teoria é ampla,
podendo ser incorporada as múltiplas ciências de estudo e conhecimento. Os princípios
de conexão e heterogeneidade tratam da possibilidade de conexão entre todos os pontos
do rizoma, na dinâmica de ensino de história da arquitetura poderia se exemplificar tais
princípios através da relação entre todas as temáticas envolvidas, porém cada qual se
resulta em uma interpretação própria advinda de seus fins e de quem a estuda; princípio
de multiplicidade diz respeito às diversas linhas que o rizoma pode vir a ser e as
dimensões que pode atingir, assim, dentro deste campo, vemos a multiplicidade
relacionada às diversas interpretações que podem ser geradas e ainda os múltiplos
resultados em prática de projeto advindos de tal interpretação; princípio de ruptura
assignificante aborda a questão de que o rizoma pode ser rompido e retomado, tal ponto
pode ser demonstrado quando se estuda acontecimentos simultâneos na história, cada
qual segue pontos pré-definidos pelo contexto, mas pode-se abandonar interpretações ou
retomá-las a qualquer momento; e os princípios de cartografia e decalconomia inserem
o rizoma em um patamar de constante transformação com incontáveis reproduções,
novamente diz respeito a interpretação pessoal e intransferível de cada indivíduo, pois
pode-se sobrepor conceitos, definir visão crítica e associá-los de quaisquer maneiras
possíveis. O período em vigência da monitoria pôde-se experimentar funcionalidades de
tal teoria quando voltada a práticas de ensino.

Qual rumo a arquitetura tomará daqui a cinquenta anos? Seriamos nós capazes de
responder tal pergunta? Esta lacuna do tempo apenas o estudo da história, passados
esses cinquenta anos será capaz de sanar. Portanto, cabe a nós atuais estudantes de
arquitetura e urbanismo ter em mente a preocupação de interpretar de maneira eloquente
o que a história hoje nos apresenta, adaptando dentro das novas tecnologias e
incorporando caráter multidisciplinar a esta área, para que assim cada vez mais

47
tenhamos disseminados por entre a sociedade, e não só entre arquitetos, os valores
históricos e seus resultados mediante a produção de arquitetura na contemporaneidade.

Referências

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia,


Vol. 1, Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora
34, 2000b.

FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo:


Martins Fontes, 1997.

LE CORBUSIER. Por uma Arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1988.

BRATTO, Romullo. "José Lira: O ensino da história e o fazer da arquitetura" 11


Fev 2016. ArchDaily Brasil. Acessado 1 Mar 2017. Disponível em
http://www.archdaily.com.br/br/781954/jose-lira-o-ensino-da-historia-e-o-fazer-da-
arquitetura

48
ENSINO, PESQUISA E MEMÓRIA: A
PRESERVAÇÃO DO ACERVO DO ARQUIVO
PÚBLICO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL
Carla D. Silva

Pretendemos, com o seguinte relato, apresentar uma proposta de pesquisa que tem como
objetivo compreender a preservação do acervo do Arquivo Público Mineiro (APM) na
perspectiva da educação patrimonial, dialogando com o ensino, pesquisa e a construção
da memória social. A relevância dessa pesquisa é debater a questão da Educação
Patrimonial enquanto processo de interação entre escola e espaços de preservação da
memória.

Ao debatermos as perspectivas da Educação Patrimonial temos que fazemos o seguinte


questionamento? O que é patrimônio histórico, cultural, arquitetônico, etc.? Que
critérios os definem? O conceito patrimônio é amplo, e assume variados significados no
tempo, nas instituições e na escrita da história. Para Castriota, "originalmente herança
do pai no direito romano antigo, entendia-se como patrimônio de um particular o
complexo de bens que tinham algum valor econômico, que podiam ser objeto de
apropriação privada" (CASTRIOTA, 2009, p. 83). Com o passar do tempo, o termo
ganhou outros significados, que ampliaram em muito a abrangência do conceito. Assim,
ainda segundo Castriota,

Com o tempo, porém, o uso desse termo sofre uma ampliação e um


deslocamento, sendo hoje utilizado em uma série de expressões como
"patrimônio arquitetônico", "patrimônio histórico e artístico", "patrimônio
cultural", que abrangem uma gama de fenômenos muito mais ampla que a
inicial (CASTRIOTA, 2009, p. 83 - 84).

Ao longo do tempo, também esses "novos" termos sofrem deslocamentos e ampliações,


o que os torna ainda mais abrangentes. O patrimônio arquitetônico, por exemplo, passou
a incluir "conjuntos arquitetônicos inteiros, a arquitetura rural, a arquitetura vernacular
[...]" (idem, p. 85), o que, na prática, se traduz em tombar e preservar uma cidade
inteira, um bairro, uma praça, etc. Segundo Françoise Choay, data do período
revolucionário francês a ideia de se preservar os documentos e o patrimônio histórico
em geral. Segundo a autora, patrimônio histórico

[...] designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se


ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de
uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum:
obras e obras primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e todos
os saberes e savoir-faire dos seres humanos. (CHOAY, 2001, p. 11).

49
Para Choay, o conceito ainda "remete a uma instituição e a uma mentalidade". Ou seja,
está ligado a um lugar específico, uma construção por exemplo, e a algo um tanto
intangível, que é o imaginário de uma comunidade. Assim, o que define o objeto a ser
preservado perpassa por instancias oficiais, (em última análise é delas a decisão final),
mas também deve contemplar todos os aspectos que envolvem a sociedade que cerca a
coisa a ser transformada em patrimônio histórico/cultural, de importância capital para
todos.

Deve ser considerada ainda a questão do monumento, definido este como histórico ou
não. Segundo Choay (2011), o termo

[...] deriva do substantivo latino monumentum, fruto do verbo monere:


"advertir", "lembrar à memória". Chamar-se-á então "monumento" todo
artefato (túmulo, tumba, poste, totem, construção, inscrição...) ou conjunto
deliberadamente concebido e realizado por uma comunidade humana (...), a
fim de lembrar, para a memória viva, orgânica, a afetiva de seus membros,
pessoas, acontecimentos, crenças, ritos ou regras sociais constitutivos de sua
identidade (CHOAY, 2011 p. 12).

O monumento é algo criado intencionalmente para guardar uma memória que não deve
ser esquecida, e que permita a preservação de uma identidade coletiva. O monumento só
toma o adjetivo "histórico" quando se agrega esse valor a ele. Para Le Goff, os
monumentos são "herança do passado", enquanto "os documentos são escolha do
historiador" (LE GOFF, 1996, p. 526). Assim, de acordo com o autor,

O monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação,


voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à
memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima
são testemunhos escritos (Idem).

Ou seja, todo documento (tratado aqui como vestígio da historia humana) carrega em si
uma intencionalidade, (ou monumentalidade?), uma ideia de perpetuação dos feitos
humanos ao longo da sua trajetória.

Partindo dessas considerações, indagarmos: Que elementos contribuem para um diálogo


entre o acervo documental do Arquivo Público Mineiro e o ensino de História
atualmente? Existe uma mediação realizada entre o Arquivo Público Mineiro e as
escolas públicas e particulares na cidade? Se existe como é realizada essa mediação? Na
formação dos professores é contemplado o debate sobre a relevância da Educação
Patrimonial enquanto espaço de mediação entre memória, história e processo
aprendizagem?

A adoção da Educação Patrimonial, enquanto instrumento de alfabetização cultural teria


um papel de fortalecimento da noção de pertencimento e da construção da cidadania?
Os objetivos que pretendemos alcançar são: investigar as relações entre a preservação
do acervo do Arquivo Público Mineiro na perspectiva da educação patrimonial,
dialogando com as novas abordagens no ensino, pesquisa e memória, discutir a

50
possibilidade da inserção da Educação Patrimonial nos currículos escolares do médio
visando um trabalho integrado entre Patrimônio e o Ensino de História; identificar as
perspectivas que levam ou não o professor de história a utilizar o acervo do Arquivo
Público Mineiro em sua disciplina; os arquivos em seu trabalho dentre outros.

Para darmos conta da proposta vamos debater categorias como espaços de memória,
pertencimento, educação, cidadania, preservação e conservação de acervos
documentais, ensino de história. Para o desenvolvimento dessa proposta pretendemos
fazer uma abordagem qualitativa nas etapas do processo de construção da pesquisa,
como levantamento bibliográfico sobre Educação Patrimonial e preservação e
conservação de acervos, também pretendemos analisar duas escolas, sendo uma da rede
pública e outra particular de ensino do município e entrevistas com professores, alunos,
direção e profissionais do APM.

Assim entendemos que a preservação do acervo do Arquivo Público também é um fator


de construção de cidadania e fortalecimento de possibilidades de conhecimento,
disseminação e mediação entre ensino, história e memória social.

Dessa forma, o papel do professor é mediar à construção de conhecimento em sala de


aula e para além dos muros da escola, interagindo com outros espaços de construção,
conservação e preservação da memória da sociedade.

Referências

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Segunda parte: Políticas. Alternativas


contemporâneas para políticas de preservação. in: Patrimônio cultural: conceitos,
políticas, instrumentos. São Paulo: Anablume; Belo Horizonte: IEDS, 2009. p. 81- 91.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2011.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4 ed. - Campinas, SP: Editora da


UNICAMP, 1996.

ROSSI, Paolo. O passado, a memória, o esquecimento: seis ensaios da história das


ideias. São Paulo: UNESP, 2010.

SOARES, André Luis Ramos, KLAMT, Sergio Célio (org.) Educação Patrimonial:
Teoria e Prática. Santa Maria: UFMS, 2007.

51
A APRENDIZAGEM HISTÓRICA DE JORN
RÜSEN, O CONSTRUTIVISMO DE JEAN PIAGET
E A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE
LEV VYGOTSKY: DIÁLOGOS POSSIVEIS?
Carla Gomes da Silva

Introdução

Objetivando entender com mais propriedade as possíveis aproximações entre a Teoria


da História de Jörn Rüsen e as Teorias de Aprendizagem de Jean Piaget e Lev
Vygotsky, optamos por cursar a disciplina de Interação Social na Perspectiva de Piaget
e Vygotsky. Durante o semestre efetuamos leituras de textos “puros” (fontes), ou seja,
de autoria direta dos teóricos estudados, tendo por tanto a oportunidade de conhecer
com alguma profundidade os trabalhos e pesquisas destes autores.

Após horas de intensas leituras podemos assegurar que, foi possível visualizar estes
teóricos para além do que havíamos estudado em nossas graduações. Passamos a ver
suas teorias de aprendizagem como elemento essencial nos processos de aprender e
ensinar, e, mais especificamente nos processos aprendizagem histórica, de como
entender como se estabelece esta aprendizagem histórica.

Buscamos, neste artigo situar elementos que nos permitam fazer uma associação entre
os saberes estabelecidos por cada um dos três teóricos estudados e o que se entende por
aprendizagem e aprendizagem histórica.

Diálogos possíveis?

Ao final do século XIX e início do século XX inúmeros pesquisadores ampliaram seus


estudos sobre a Psicologia, visando a criança e a aprendizagem, o como ela aprende e se
relaciona com seu ambiente. Entre divergências, discussões, concordâncias dois
pesquisadores, Jean Piaget e Lev Vygotsky, chamaram a atenção por estabelecerem
critérios testagem e teorias que ainda hoje são focos de estudos discussões e aplicações.

Jean Piaget e Lev Vygotsky podem ser vistos como teóricos “atemporais”, uma vez
que, os estudos e discussões por eles estabelecidas na década de 20 e 30 do século XX,
circulam fartamente nos meios acadêmicos do século XXI. Suas contribuições para as
áreas da Psicologia, Neuropsicologia e Pedagogia são, ainda hoje, motivo de novos
estudos e grandes temáticas.

Seria possível estabelecer um diálogo entre um biólogo para o qual o desenvolvimento


psicológico é uma continuidade da vida fisiológica, um psicólogo para o qual a cultura e

52
história estavam intimamente relacionada com os desenvolvimentos psíquicos dos
sujeitos e um filósofo e historiador alemão da contemporaneidade que estabeleceu a
História como Ciência a partir de sua Teoria da História? Acreditamos que sim, uma
vez que, estes três teóricos tem alguns elos em comum: aprendizagem e consciência.

Jean Piaget, Lev Vygotsky, Jörn Rüsen: aprendizagem e consciência

Quando somos apresentados a Jean Piaget, biólogo suíço e suas teorias, na grande
maioria das vezes, somos remetidos uma perspectiva construtivista adotada no Brasil
após a década de 1970 onde, a criança deveria que ter liberdade total para aprender, não
ser cerceada e não ter conteúdos pré-estabelecidos que impedissem seu aprender tudo
isso associado à sua faixa etária correspondente, uma vez que fora desta o aprender seria
parcial ou inexistente. Mas Piaget vai muito além disso, já que seu principal foco era
desenvolver a autonomia intelectual e moral do ser humano, ou seja, aprender para viver
em sociedade.

Já em 1931, Vygotsky deu início aos estudos sobre as “funções psíquicas superiores”
nos quais fazia referência a importância do respeito ao meio histórico-social para os
processos de aprendizagem dos sujeitos.

Jörn Rüsen (nascido em 1938) é um historiador e filósofo alemão, conhecido


mundialmente pelas suas reflexões sobre os fundamentos da consciência histórica, da
cultura histórica e da Ciência da História. Os seus textos e investigações abrangem,
sobretudo, os campos da teoria e metodologia da história, da história da historiografia e
da metodologia do ensino de história.

Para Piaget a primeira forma de significado que o sujeito tem do mundo é a


aprendizagem que está ligada ao corpo - a sua interação em si mesmo (sensório motor)
conhecimento prático de vida (saber cotidiano) e também a uma prática de vida
(necessidade) carências de vida prática. (STOLTZ, 2012, p.17-21). Este teórico também
enfatiza a importância do conhecimento prático e respeito aos saberes do sujeito, a qual
dá o nome de Inteligência pratica e o quão importante é esse conhecimento que é
composto de experimentação, a criação, percepção e movimento do corpo, sendo estes
os fundamentos de toda a aprendizagem e ou inteligência, que tem sido esquecida nas
áreas da educação. Conhecimento prévio, portanto, é de extremo interesse para a teoria
Construtivista Piagentiana, pois é a partir dele que o sujeito constrói a sua cognição e a
interação com o seu meio.

Aqui nos deparamos com as primeiras correlações entre a Aprendizagem


Histórica que é “[...] uma necessidade humana básica, uma compreensão integracional
da vida. ” (RÜSEN, 2012, p.06) e, seus princípios básicos com as teorias de Vygotsky e
Piaget, pois Rüsen afirma que, toda aprendizagem histórica para a formação do sujeito
histórico e deve partir de uma carência de vida prática, sendo devidamente respeitadas
as experiências de vida trazidas pelos sujeitos para a formação de uma consciência
histórica. Mas esta construção de consciência deve estar atrelada no respeito ao passado
como ele está estabelecido. Nos textos do livro “Juízo Moral da criança” fica claro a
existência de regras morais e as suas diferenciações relacionadas a idade, tempo-espaço

53
e, as relações entre a vida social e a consciência racional, pois a sociedade nada mais é
do que um conjunto de relações que podem ser de coação ou de cooperação, com
relações de autoridade ou de igualdade. (PIAGET, 1994, p. 294). O que na
aprendizagem histórica pode ser entendido como empatia (ser solidário e simpático a
situação do outro independente de tempo ou espaço-lugar) e Humanismo (respeito ao
outro e a sua cultura sem imposição de valores próprios), (RÜSEN, 2010,p.34). Ainda
temos que

Aprendizagem histórica é um processo mental em que as competências


ganhas são necessárias para orientar a própria vida por meio da consciência
histórica presente na cultura histórica existente na própria sociedade[…]
(2015,p.24) . Aprendizagem da história é um processo de desenvolvimento
da consciência histórica no qual se deve adquirir competências da memória
histórica (RÜSEN,2011,p. 113)

Já para Vygotsky (2007,p.93) a aprendizagem é um processo sócio- histórico, mediado


pela cultura, pela interação entre sujeitos e pela ação impulsionadora da escola e por
outros mecanismos de socialização, ela afirma que

O aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade


escolar, e é também uma poderosa força que direciona o seu
desenvolvimento, determinando o destino de todo o seu desenvolvimento
mental. (VYGOTSKY 1993,p.74)

Percebemos então que estes teóricos pautam parte de suas pesquisas, estudos e
análises nos processos de aprender dos sujeitos independentemente da idade. Afirmam
que a aprendizagem não é somente um processo cerebral (fisiológico) mas sim, a soma
de fatores intervenientes como o meio físico, o social, histórico e cultural e que
necessita de mediadores ou instigadores para assessorá-los.

Mas, para que a aprendizagem ocorra é preciso que se tenha consciência do


processo. O que seria então a consciência para estes três? Rüsen, Piaget e Vygotsky
“dialogam” no que tange a “consciência do sujeito” ,

A aprendizagem é uma experiência social, mediada pela utilização de


instrumentos e signos, de acordo com os conceitos utilizados pelo próprio
autor. (VYGOTSKY 2001:65)

[...] não é uma operação simples e encontra-se ligada a um conjunto de


condições psicológicas. É aí que a pesquisa psicossociológica se torna
indispensável à teoria das normas e que se observa o paralelismo genético
entre a constituição da consciência lógica e da consciência moral (PIAGET,
1994, p.297).

[...] necessário compreender a consciência histórica como um processo


mental, como um conjunto de operações da consciência (emocional,
cognitivo e pragmático), que diferem de outros conjuntos conceitualmente
claros e que, em sua especificidade, podem ser explicados.

54
A aproximação entre eles nos leva a compreender que para aprender história são
necessários, então conhecermos os elementos da psicologia e da Neuropsicologia sobre
os processos que levam os sujeitos a aprendizagem. E qual seria então as formas de
aprender e como aprender que poderiam interliga-los. E isso se dá por meio das Funções
Psicológicas Superiores estabelecidas primeiramente por Vygotsky, uma vez que, são
elas

[...]que nos definem como seres humanos comportamento emocional,


memorização ativa, afetividade, percepção ampliada, linguagem (as várias)
capacidade de socialização. Só se desenvolvem a partir das relações sociais
do meio e com o meio. (STOLTZ ,p. 68. 2012)

Para Vygotsky a aprendizagem se dá na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).


Sendo assim, todo processo de aprendizagem depende obrigatoriamente da ZDP, de
forma que o conhecimento real seria então, aquele que o indivíduo é capaz de aplicar
para resolução de problemas de forma independente e, o potencial é aquele em que o
indivíduo necessita do auxílio de mediadores (que podem ser professores, pais, tutores,
etc) para ser capaz de aplicar para resolução de problemas. (STOLTZ, 2012, p.64)

Piaget (2015, p. 163) nos propõe ver a criança como indivíduo que aprende, que tem
atividade mental e desenvolvimentos próprios. Afirma ainda existir paralelos entre os
seus estudos e as análises históricos-críticas e lógico-sociologias afirmando que estas
também convergem para o desenvolvimento moral e a evolução intelectual, ou seja,
interações entre a reflexão teórica e a vida prática. Coloca a importância da “self
governament” (governar a si próprio, suas atitudes, suas ações) e dos trabalhos em
grupos, por meio de jogos como forma de aprendizagem colaborativa (PIAGET,
1994,p.297).Isso levará a um equilíbrio que vai promover uma ativação, pois a criança
compreende o novo a partir do que já tem e gerar uma assimilação, discussões e
experimentações na realidade (sensações, emoções) pois o conflito cognitivo promove
choque de saberes, culturas, conhecimentos, etc. Aprender no construtivismo é aprender
o novo correlacionando com o que você traz de vivência.

Para Rüsen (2015, p. 24) que trata da aprendizagem histórica esta é

[...] um processo mental em que as competências ganhas são necessárias


para orientar a própria vida por meio da consciência histórica presente na
cultura histórica já existente na própria sociedade. É composta de quatro
diferentes habilidades que são sistematicamente inter-relacionadas e
interdependentes: a capacidade de construir a experiência histórica, a
capacidade de interpretar esta mesma experiência a capacidade de usar a
experiência interpretada conhecimento histórico) para orientar a própria vida
[...] a capacidade de motivar as próprias atividades de acordo com a ideia de
nosso lugar nas mudanças temporais.

Neste ponto podemos dialogar facilmente com Vygotsky em seus estudos e arguições
sobre as emoções e imaginação como elementos fundantes da aprendizagem seja ela
histórica ou não. Vygotsky já nas décadas de 20 e 30 do século XX, trata de temas que
nos sãos “novos” na educação e na História como o valor a ser dados aos aspectos
emocionais da criança e do adolescente, bem como na vontade e o interesse em

55
aprender (2012, p.13). Também destaca a importância na transformação do adolescente
e as mudanças de interesses escolares, sociais e emocionais. Faz um estudo significativo
sobre a imaginação e a fantasia e suas funções na aprendizagem. Aqui certamente
entram aspectos da aprendizagem histórica, uma vez que, “ir ao passado” perceber o
outro em seu contexto temporal e espacial, retornar ao presente para projetar o futuro é
o elemento chave do pensamento e, portanto, da consciência histórica.

Considerações finais

A História enquanto ciência está sempre aberta a novos saberes e não seria diferente no
que tange a Psicologia e suas contribuições para a aprendizagem de história. Durante o
semestre, quando pesquisamos percebemos que existem poucos estudos acadêmicos na
área de História e o ensino desta que envolvam Vygotsky e Piaget como fontes, sendo
estes somente citados quando autores da história pretendem “justificar” suas propostas
de métodos e técnicas de ensino.

Cursar uma disciplina na área de Psicologia em Educação e, a partir desta poder abrir
novos horizontes para o conhecimento do como ensinar e aprender história contribuiu
sobre maneira para o nosso aprendizado. Ver que o principal referencial escolhido para
a nossa pesquisa acadêmica Jörn Rüsen e os teóricos da psicologia como Lev Vygotsky
e Jean Piaget, podem ser entrelaçados em suas teorias e colaborar consideravelmente
para o “entender” como se aprende história significou agregar saberes e contribuições
significativas.

Referências

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PIAGET, Jean. A GÊNESE DOS NOVOS MÉTODOS, in: Psicologia e Pedagogia:


Jean Piaget. Tradução: Dirceu Accioly Lindoso e Rosa Maria Ribeiro da Silva, 10ª ed.
Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2015, p.125- 135.

PIAGET, Jean. Princípios da Educação e dados psicológicos, in: Psicologia e


Pedagogia: Jean Piaget. Tradução: Dirceu Accioly Lindoso e Rosa Maria Ribeiro da
Silva, 10ª ed. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2015, p.137- 163.

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem Histórica: fundamentos e paradigmas.Curitiba.WA


Editores,2012.

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem Histórica. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA,


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Curitiba: Ed. UFPR, 2010. (P. 41 a 76).

A razão histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília:


UnB, 2001.

56
____________. Reconstrução do passado: Teoria da Historia II: os princípios da
pesquisa histórica. Brasília: UnB, 2007.

____________. História viva: Teoria da História III: formas e funções do conhecimento


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http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&
palavra=substantivo. Acessado em 20/09/2014

SOTLTZ, Tania. Vygotsky e a perspectiva histórico-cultural. in: As perspectivas


construtivistas e histórico-cultural na educação escolar. Curitiba. Intesaberes, 2013

VYGOTSKI, Liev Semiónovich. História del desarrollo de las funciones psíquicas


superiores-1931. Capitulo 1: El problema del desarrolho de las funciones psíquicas
superiores. In: VYGOTSKI, Liev Semiónovich. Obras escogidas: fundamentos de
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escogidas: v. 1. Madrid, Centro de Publicaciones Del MEC/Visor, 1991.

VYGOTSKI, Liev Semiónovich. CONFERENCIA La imaginacion y su desarrollo


en la edad infantil.. In: VYGOTSKI, Liev Semiónovich. Obras escogidas:
Pensamiento y Lenguaje. Tomo II. Madrid.

57
O ENSINO DE HISTÓRIA SOB O VIÉS DO
ANARQUISMO: É POSSÍVEL?
Carlos Mizael dos Santos Silva

Essa comunicação tem como base discutir a possibilidade de pensar o Ensino de


História sob o viés do Anarquismo. O que é possível fazermos para que o fenômeno de
ensino desse tipo ocorra, se é que isso é realmente possível? Para iniciarmos esse debate
primeiro faremos o diálogo com o capítulo chamado A História Na Visão de
Anarquistas do livro História Por Anarquistas, pois nesse livro é deixado bem claro não
apenas o conceito de Anarquismo a ser levado em consideração, como também o que
pode ser compreendido como o modo de proceder na História por um viés anarquista.
Vale lembrar que esse capítulo está na íntegra no site cujo endereço se encontra na
referência no final desse texto.

O conceito de Anarquismo nesse capítulo está pontuado como um elemento que pode
ser tanto uma ideologia, quanto matriz de pensamento, ou uma teoria revolucionária que
é seguida por aqueles(as) que podem se autoproclamar também como Socialistas
Libertários(as), para se distinguir dos(as) comunistas (CORRÊA, 2010). Após definir o
conceito de Anarquismo o autor oferece uma breve biografia de Pierre Proudhon,
Mikhail Bakunin, Peter Kropótkin e Rudolf Rocker para compreender o que cada um
deles entendem por História. Por fim o autor chegou as conclusões de que:

“(...)o único que apresenta um pensamento destoante é Bakunin. Ele se


difere dos outros anarquistas por acreditar em um “destino na história”, na
razão iluminista e na ciência. Defende que o principal fator determinante na
história é o fator econômico, aposta na constituição da “Ciência histórica” e
que sejam criadas leis históricas. O método de Bakunin é hipotético-
dedutivo (metafísico). Proudhon, querendo criar um método e defendendo o
empirismo, criou uma teoria. Kropótine misturou “ciência” e ideologia
(filosofia), contudo foi capaz de formular orientação mais coerente para a
prática historiográfica, para a construção do saber histórico ao relacionar a
história com a antropologia. O único problema nas discussões de Rudolf
Rocker é o fato de ele considerar somente o modelo das ciências naturais
como sendo o verdadeiro método científico. ”(CORRÊA, 2010)

Sendo assim o autor acaba por definir o pensamento anarquista da História como algo
que possui determinadas características como a presença da concepção da existência da
autonomia humana no devir, a história como resultante de uma construção dada por
meio da disputa entre vários agentes e projetos sociais. Para os anarquistas, não existe
determinismo na história, as causas nessa história são de caráter humano e social. O
mecanismo dessa história é sempre pluricausal impedindo que hajam “leis a serem
seguidas”. Essa disciplina dialoga com as Ciências Sociais, além disso esses
historiadores:

58
“(...)defendem em primeiro lugar o estudo do empírico, as particularidades,
individualidades e especificidades, articulando, estas, ao global e geral, à
unidade e à teoria. No campo temático, os anarquistas em estudo apostam
na história das ideias e mentalidades, uma história social da
cultural.”(CORRÊA, 2010)

Agora que possuímos o domínio do conceito de Anarquismo e do pensar anarquista


sobre a História segundo Anderson Romário Pereira Corrêa, vamos tentar refletir a
seguinte questão: Como podemos pensar a implementação do pensar anarquista sobre a
historiografia dentro da sala de aula de uma educação básica? Não possuímos a resposta
exata para isso, mas podemos estabelecer alguns diálogos com pensadores do campo do
ensino dessa disciplina, esperando que no fim dessa comunicação cada um(a) encontre o
seu método. Geraldo Balduíno Horn e Geyso Dongley Germinari, na obra O Ensino de
História e Seu Currículo: Teroria e Método, propõem que se pense a importância de
tomar o trabalho como o princípio de investigação do Ensino de História. Ou seja,
pensarmos pelo que entendi, a maneira como o trabalho humano, na concepção
marxista, impulsiona a formação, transformação e o modo de produção da existência
humana ao longo do tempo, dominando a natureza e futuramente transformando tudo
isso em Ciência e Saber. (HORN; GERMINARI, 2013, p.10).

Dessa forma os autores afirmam a proposta de cruzamento das concepções de trabalho


tanto de Marx, quanto de Thompson e Hobsbawn. Ou seja, nesse sentido não há como
pensar a História na concepção marxista sem pensar a questão da classe que, para
Thompson, ocorre quando alguns homens vivenciam uma experiência em comum se
articulando a fim de insurgirem como formação social e cultural. (THOMPSOn Apud
HORN; GERMINARI, 2013, p.83). Com base no conceito de Anarquismo citado por
Corrêa, podemos nos posicionar contra essa concepção, ou afirmar que o objeto de
investigação do Ensino de História não pode ser apenas o trabalho, pois, do contrário,
seria levado apenas em conta as classes sociais, correndo o risco até mesmo de silenciar
as individualidades de cada sujeito(a) na história. Individualidades essas que podem ser
representadas, por exemplo, por meio da biografia de pessoas, independente do período
histórico em discussão na sala de aula, levantada pelo(a) professor(a) e/ou pelos(as)
discentes. Se for pensar a classe, que a mesma posso ser pensada também com base na
individualidade de alguém, não importando quem seja. Bakunin ainda no período
oitocentista, em sua obra Catecismo Revolucionário. Programa da Sociedade da
Revolução Internacional, ao desenvolver o seu modelo de sociedade libertária, exerce
também uma reflexão de como deve funcionar a igualdade. Para ele:

“ A igualdade não implica o nivelamento das diferenças individuais nem a


identidade intelectual, moral e física dos indivíduos. (...), essas diferenças
de raças, nações, sexos, idades e indivíduos, longe de ser um mal social,
constituem, ao contrário, a riqueza da humanidade.” (BAKUNIN, 2009,
p.42)

O que Bakunin pode ter dado a entender indiretamente nessa citação é que um(a)
anarquista, ou aquele(a) que se diz anarquista, deve defender a riqueza da humanidade,
que é o fator que define a igualdade na concepção bakuniniana. Mas como refletir isso
em sala de aula? Talvez o caminho seja justamente em qualquer sequência didática de
História que seja executada migrar tanto da individualidade quanto para coletividade

59
nas narrativas, independente do período histórico em discussão. Esse processo pode se
dar de várias formas: Pesquisa de fontes, aula expositiva, aula debate. Somente a
situação e o preparo do(a) docente é que dirá qual será a saída para esse dilema.

Um respaldo interessante para essa questão pode ser os Temas Transversais propostos
pelo Parâmetro Curricular Nacional da Secretaria de Educação Fundamentla do MEC, o
PCN de 1998. Pois nessa parte do parâmetro é proposta a articulação dos
conhecimentos de uma determinada disciplina com determinados temas. Veja a seguir
nessa citação:

“A educação para a cidadania requer, portanto, que questões sociais sejam


apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos. (...) O conjunto
de temas aqui proposto (Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde
e Orientação Sexual) recebeu o título geral de Temas Transversais,
indicando a metodologia proposta para sua inclusão no currículo e seu
tratamento didático.” (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998, p.25)

Thayane Lopes Oliveira, no artigo em que relaciona os temas transversais com a


questão de gênero, foi quem nos fez observar atentamente para essa questão. Esse pode
ser o primeiro passo para pensar a questão da individualidade e pluralidade. Mesmos
elementos buscados pela historiografia segundo um viés anarquista. Para concluir é
importante frisarmos que é importante pensarmos também, ao longo dos processos
históricos, o quanto o anarquismo contribuiu para cada um deles. Tanto nas greves
sindicais, quanto nos processos revolucionários como o da Rússia, nos processos
educacionais (Educação Libertária), e também, e não menos importante, na
historiografia.

Referências

BAKUNIN, Mikhail. Catecismo Revolucionário. Programa da Sociedade da


Revolução Internacional. Organização e Tradução Plínio Augusto Coelho. Editora
Imaginário. 2009.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


3º e 4º ciclos: Apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CORRÊA, Anderson Romário Pereira. A história na visão de anarquistas IN: História


Por Anarquistas. Alegrete - RS, 04 de dezembro de 2010.

Link: http://www.anarkismo.net/article/18254 <Visualizado em 22 de dez. 2016>.

HORN, Geraldo Balduíno, GERMINARI, Geyso Dongley. O Ensino de História e Seu


Currículo: teoria e método. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

OLIVEIRA, Thayane Lopes. Gênero: Temas Transversais e o Ensino de História.

60
O PROFESSOR DE HISTORIA E O ALUNO EM
CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
Carla Patrícia Ferreira Surcin

Introdução

Ocorrências de violência não são situações atípicas do cotidiano escolar. Seja entre
alunos, entre alunos e professores ou mesmo envolvendo a direção. Há casos ainda de
responsáveis de estudantes ameaçarem docentes por motivos banais.

Existe ainda uma forma de manifestação indireta da violência: a presença de um aluno,


em sala de aula, que cometeu algum ato infracional e que se encontra em processo de
ressocialização. Mas qual profissional da educação encontra-se preparado para lidar
com este tipo de situação? Qual a condição psicológica deste aluno? Qual o sentido do
retorno à escola para ele? Essas são apenas algumas questões que este tema suscita.

Pensar a convivência do professor com o aluno em cumprimento de medida


socioeducativa requer entendimento legislativo, capacitação teórica e capacidade de
enxergar o outro de forma sensível. Assim, o presente artigo pretende contribuir para o
debate acerca do tema em ambiente escolar, em especial focando a atuação do docente
de história.

Desenvolvimento

Quando um jovem, entre doze anos de idade incompletos e dezoito anos, comete algum
tipo de delito o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), determina que haja um
processo de responsabilização que parte de uma concepção educativa para promover a
reinserção dos jovens na sociedade. Assim, aplica-se as medidas socioeducativas, cujo
objetivo seria

(...) exercer uma influência sobre a vida do adolescente, contribuindo para a


construção de sua identidade, de modo a favorecer a elaboração de um
projeto de vida, o seu pertencimento social e o respeito as diversidades
(SINASE, p.60)

Porém, a aplicação das leis está muito aquém do prescrito. E desse distanciamento entre
a lei e a realidade, visões sobre os mesmos como “delinquentes” e “marginais” se
perpetuam e ajudam a disseminar a ideia de que “o único direito que o menor infrator
deve ter é não ter direito” (BOLSONARO). O que parece existir é uma tendência a se
homogeneizar os indivíduos. Celma Tavares esclarece que,

ao classificar e assimilar esta classificação, as ideias preconcebidas sobre os


indivíduos e grupos acabam abrindo espaço para que os estereótipos e os

61
preconceitos se consolidem e gerem condutas negativas. Por outro lado, é
relevante compreender que estas condutas não são automáticas nem lineares
e dependem tanto de fatores pessoais como de contextos sociais e legais
para se efetivarem. (...)

Para trabalhar a socialização na perspectiva de desenvolvimento de uma


nova cultura que tenha o ser humano e sua dignidade como foco e que prime
pela construção de uma sociedade inclusiva, é necessário abrir o campo
perceptivo do educador e reeducar essa percepção de forma a despertar o
interesse e a crítica diante dos acontecimentos. (TAVARES, p.493)

Existe um longo caminho a se percorrer até que se forme uma memória coletiva que não
coloque estes jovens na categoria “menor”, que desumaniza, inferioriza e naturaliza a
exclusão e que “torna-se simultaneamente radical e inexistente, uma vez que seres sub-
humanos não são considerados sequer candidatos à inclusão social”. (SANTOS, 2007,
p.9)

Retirar os jovens em conflito com a lei da margem da sociedade e possibilitar uma real
oportunidade de ressocialização, entendendo-os como produtos de uma sociedade
excludente e respeitando-os como cidadãos é urgente. E a escola possui um importante
papel para que ocorra a emancipação e o empoderamento desses jovens. Isso porque,
nos casos de liberdade assistida e semiliberdade, há determinação do retorno à sala de
aula e vislumbra-se a possibilidade de conscientização desses indivíduos. Entretanto,
dotar de significado a escola é crucial uma vez que,

os adolescentes marginalizados que hoje frequentam as escolas públicas do


país não veem sentido e motivos para a permanência nesse espaço que é,
além de tudo, um espaço de violência moral, verbal, discriminação,
preconceitos e opressão (ZANELLA, 2010, p.9)

O que requer não apenas a reflexão sobre a prática docente, como também em relação
ao ambiente escolar, que muitas vezes guardam semelhanças com presídios pelas grades
que cerceiam os espaços. Ou ainda quando os alunos não possuem liberdade para
caminhar por todos os recintos ou pela proibição de permanecerem em suas salas sem a
presença do professor com a intenção de evitar furtos ou atos de vandalismo.

A escola pode ser pensada como um lugar de memória, tanto material quanto simbólica,
na qual grupos se identificam e se reconhecem. Então, qual tipo de memória está se
fortalecendo neste ambiente e como ela afeta a tentativa de ressocialização dos jovens
em conflito com a lei? Assim surge a necessidade de se refletir sobre a cultura escolar,
bem como o papel da educação e do docente.

A educação “pode inculcar hábitos conservadores, cultivar tendências conservadoras,


acomodatícias, resignadas ou meramente pragmáticas, mas onde se pode também
fortalecer disposições críticas, estimular o inconformismo e a inquietação, incentivar o
desenvolvimento da capacidade questionadora” (JESUS, 2011, p.26). E que promova
um processo de humanização e de educação libertadora.

62
E como o professor de história poderá agir dentro dessa lógica? Não se trata apenas de
atuar junto aos alunos. Mas considerar que um aluno apresenta uma particularidade, que
envolve violência, ausência e retorno a escola. O docente poderá optar entre dois
caminhos basicamente: buscar uma estratégia para atuar junto ao mesmo ou silencia-lo.
Este silenciamento também poderá partir do próprio aluno. Silvia Salvatici esclarece
que, em situações traumáticas, um tipo de “amnésia” pode ser usado como estratégia
para superação da dor e convivência com outros indivíduos.

Apesar das dificuldades expostas, acredita-se que através da efetivação de um direito


humano (a educação) exista a possibilidade de conscientização. Em especial a Educação
em Direitos Humanos, cuja finalidade

é atuar na formação da pessoa em todas as suas dimensões a fim de


contribuir ao desenvolvimento de sua condição de cidadão e cidadã, ativos
na luta por seus direitos, no cumprimento de seus deveres e na fomentação
de sua humanidade. (...) reconhecendo-se como sujeito autônomo e,
ademais, reconhecendo o outro com iguais direitos, dentro dos preceitos de
diversidade e tolerância (TAVARES, p.2)

Assim, o professor de história possui relevante papel, devendo pensar sua prática
docente e qual o impacto social da profissão. Cabe ao professor auxiliar o aluno a agir
de forma crítica, consciente e responsável e utilizar a escola como um espaço de debate
para as questões que possibilitem a emancipação dos indivíduos, visto ser um local de
socialização.

Conclusão

Desconstruir o “menor” para encontrar uma “criança ou adolescente” não é tarefa fácil
pois exige um olhar crítico no presente sobre o passado para se vislumbrar um futuro na
ressocialização. A partir do momento em que o docente não crê nesta possibilidade, não
há como desenvolver um trabalho efetivo neste sentido.

Os jovens em conflito com a lei muito novos carregarem um pesado estigma que, sem
ajuda adequada, dificilmente conseguirão superar. Certamente, diversas instancias
devem se mobilizar para promover a emancipação desses sujeitos. Porém, o professor
de história não deve se esquivar de seu papel social. Neste sentido, deve ser capaz de
desenvolver estratégias que impactem em sua pratica docente para permitir a formação
de sujeitos críticos e autônomos, que consigam se desprender do estigma do “menor” e
se emancipar enquanto “cidadão”.

O que pode ser possível por meio de uma educação em direitos humanos. A partir de
conhecimentos sobre esta temática, desenvolve-se a capacidade de ver ao outro como
ser humano, detentor de direitos e capaz de desenvolver-se. O cometimento de algum
tipo de ato infracional não deve ser motivo para se decretar o fim do convívio social e a
marginalização eterna.

63
Referências bibliográficas

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)
https://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/sinase.pdf
http://www2.camara.leg.br/camarnoticias/DIREITOS-HUMANOS/489099-
DEPUTADO-JAIR-BOLSONARO-DIZ-QUE-REDUCAO-DA-MAIORIDADE-
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http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/04/4_3_adelaide.pdf
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http://pgsskroton.com.br/seer/index.php/adolescente/article/view/239/224

64
ENTRE A HISTÓRIA ENSINADA E O DIREITO A
OPINIÃO: DILEMAS E PERSPECTIVAS
Clebianne Vieira de Araújo
Gleison Carlos Souza de Morais
Cleberson Vieira de Araújo

Introdução

O ensino e aprendizagem são temas recorrentes na análise acadêmica e capaz de trazer à


tona os problemas diários enfrentados por professores das mais diversas áreas.

No Brasil, ataques a disciplinas que ensejam uma reflexão são comuns em sua história,
e hoje percebemos um novo ataque a caminho, seja mediante projetos ou reformas
educacionais.

Assim, com o objetivo geral de traçar um panorama geral sobre o ensino de história e
sua capacidade reflexiva, esse trabalho se faz importante por buscar fazer uma breve
reflexão sobre os caminhos percorridos pela educação brasileira, em especial no que se
trata da disciplina de História e seus muitos desafios cotidianos.

A metodologia utilizada é qualitativa ao apoiar-se na reflexão cotidiana das aulas de


História, bem como da análise da literatura disponível a exemplo de Karnal (2008) e
Ribeiro (2013).

O desafio de ensinar história na contemporaneidade

Estudar e ensinar História é um desafio que parte do currículo que aponta o passado a
ser estudado e que nem sempre se vincula ao presente, fazendo do cotidiano escolar do
professor um desafio diário que deve partir da reflexão para chegar a ação, devendo ir
além do livro didático e atingindo outros campos do saber histórico.

É preciso considerar o pensamento simbólico tão caro à antropologia, assim


como o significado das festas, dos rituais e de suas produções artísticas. É
preciso também refletir sobre os aspectos mais variados da vida cotidiana,
que nos permitem identificar semelhanças e diferenças, o que permanece e o
que se transforma. É importante ter em conta a produção literária e
filosófica, que nos permite mergulhar nas formas de pensamento de uma
época. (RIBEIRO, 2013, p.3).

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O desafio do professor de História reveste-se de duplo significado. De um lado, é
preciso selecionar os conteúdos a serem apresentados aos alunos o que, inevitavelmente,
implica escolhas temáticas e a adoção de determinada versão dos acontecimentos. De
outro, é necessário empenhar-se para que os alunos desenvolvam uma reflexão crítica
em relação aos conteúdos estudados e, com isso, construam seu próprio saber sempre
levando em conta que “[...] o papel desempenhado pelo professor é algo confuso até
mesmo para ele. As exigências impostas pela sociedade: pais, alunos e comunidade em
geral, estão fora do alcance da realidade vivenciada em sala de aula”. (SCHEIMERI,
2010, p. 10).

E, quanto à História, é importante o professor saber que “quanto mais o aluno sentir a
História como algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela, não como uma
coisa externa, distante, mas como uma prática que ele se sentirá qualificado e inclinado
a exercer” (KARNAL, 2008, p. 28).

É na ação educadora entre professores e alunos que surgem as questões, os problemas,


as formas mais adequadas de lidar com o material de estudo e as iniciativas de trabalho.
A preparação de uma aula e sua efetivação é tarefa complexa, comportando inúmeras
variáveis que somente são dominadas pelo educador em seu contato singular com os
educandos.

História e o direito de opinar

Ao cidadão atento e preocupado com a educação no Brasil, especialmente a básica,


poderá perceber um processo de crescente desmanche do que a define pela Constituição
Brasileira: um direto social e subjetivo. Para metade da juventude brasileira, em plena
segunda década do Século XXI, nega-se a etapa final da educação básica, o ensino
médio e os que o alcançam o fazem em condições precárias. Mutila-se, assim, a
perspectiva de futuro tanto da cidadania ativa quanto as possibilidades de integrarem-se
ao mundo do trabalho de forma qualificada, sendo penalizadas mais uma vez disciplinas
como sociologia, filosofia, geografia e história.

Tão preocupante ou mais, tem sido o processo de desqualificar a educação pública,


único espaço que pode atender ao direito universal da educação básica, pois o mundo
privado é o mundo do negócio. Esta desqualificação não foi inocente, pelo contrário,
abriu o caminho para a gestão privada ou com critérios privados da escola pública
mediante institutos privados, organizações sociais, etc. E, mais recentemente, para se
apropriar por dentro, com a anuência de grande parte dos governantes, da definição do
conteúdo, do método e da forma da escola pública.

Junto com esse processo os “denominados especialistas” pela mídia empresarial de TV


e revistas semanais, veem sistematicamente desclassificando a formação e o trabalho
docente justificando o sequestro de sua função. Sem meias palavras, os docentes são
concebidos como entregadores dos conhecimentos definidos por agentes “competentes”
sob a orientação de bancos, associações e institutos empresariais, ação tão combatida
por Paulo Freire que a denominava como “educação bancária”.

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Com isso, os idealizadores do projeto “Escola Sem Partido” avançam num território
que historicamente desembocou na insanidade da intolerância e eliminação de seres
humanos sob o nazismo, o fascismo, comunismo e similares. Uma proposta que é
absurda e letal pelo que manifesta e pelo que esconde, o fim da liberdade de ensino. O
que os projetos que circulam no Congresso Nacional, em Câmaras Estaduais
Municipais, em alguns casos como Alagoas já aprovados, cuja matriz é a “Escola Sem
Partido” liquidam a função docente no que é mais profundo – além do ato de ensinar, a
tarefa de educar. Na expressão de Paulo Freire, não por acaso execrado pelos autores e
seguidores da “Escola Sem partido” educar é ajudar aos jovens e aos adultos a “lerem o
mundo”. Um dos argumentos basilares da “Escola Sem Partido” é a tese da “Liberdade
de Ensinar”. Logo, se observa o interesse de classes que sempre dominaram o país e que
mais uma vez estão querendo manter-se pela força da ação de dominação da educação
popular.

Para o professor atuante, a história ensinada que realmente vale apena é aquela
transformadora, que ensina apensar historicamente mediante os conceitos aprendidos e
apreendidos reflexivamente, fazendo com que “[...] os alunos construam um vocabulário
histórico, que seja facilmente assimilável, mas que, principalmente, ele possa utilizar
em diferentes situações de sua vida”. (SCHMIDT, 1999, p. 148).

Portanto, a reflexão e a história devem caminhar juntas, mesmo enfrentando obstáculos,


sempre objetivando a formação integral de alunos e alunas fazendo cumprir a missão
formadora da escola básica.

Considerações finais

A História abre espaço para múltiplas interpretações e análises e fica incompleta sempre
que controlada, ainda mais por pessoas que não são especialistas nessa área de estudo.

São muitas as obrigações do historiador e se esse for professor terá que se esforçar ainda
mais na tentativa de construir consciência histórica.

Ir além do currículo construindo um pensamento social na formação do cidadão ativo,


toma contornos perigosos na atualidade, sinal de renovação desse profissional e abrindo
assim opção para uma nova postura de atitudes.

Portanto, ser professor não é tarefa simples e essa tarefa atrelada a dificuldades extras
fazem com que despertemos não a estagnação mas coloca-nos diante do importante
dilema que deve nortear nossos passos futuros sempre na direção da superação e da
defesa da educação e da história reflexiva como sendo direito de todos e todas.

Referências

KARNAL, Leandro. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São


Paulo: Contexto, 2008.

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RIBEIRO, Jonatas Roque. História e ensino de história. Perspectivas e abordagens.
Educação em Foco, Edição nº: 07, Mês / Ano: 09/ 2013.

SCHEIMERI, Maria Delfina Teixeira. Ensino de história e a prática educativa:


Projetos interdisciplinares. V CINFE. Caxias do Sul, 2010.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Construindo conceitos no ensino de história: “A


captura lógica” da realidade social. Hist. Ensino, Londrina, v. 5, p. 147-163, 1999.

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ENSINO DE HISTÓRIA E A TEMÁTICA DOS
DIREITOS HUMANOS
Cleverton Barros de Lima

Apresentação

A Declaração dos Direitos do Homem, no fim do século XVIII, foi um


marco decisivo na história. Significava que dorovante o Homem, e não o
comando de Deus nem os costumes da história, seria a fonte da Lei.
[Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo, p.395.]

Acredito que o interesse de historiadores em ensinar os fundamentos dos Direitos


Humanos vem desconstruí as falsificações e incompreensões a respeito desta temática,
tão imprescindível para formação de um ideal de cidadania. Inclusive por pensar de um
país que traz em sua bagagem, violações concretas dos direitos humanos relacionadas a
falta de escolas com condições de funcionamento ou da ausência de esgotamento
sanitário nas periferias das cidades brasileiras; também neste cenário, a ampliação
exponencial do número de detentos sem o devido processo legal amplia em demasia os
incontestes problemas da aplicação dos debates a respeito dos Direitos Humanos.
Enquanto professores de história, estamos imersos neste contexto e devemos levantar as
questões relativas aos períodos históricos em que houve deliberadamente rupturas
institucionais (Estado Novo; Ditadura civil e militar de 1964) e, assim, suas respectivas
violações contra os direitos humanos. E, ainda mais importante, fazer a inquirição do
que resta da ditadura para entendermos os limites dos problemas que precisamos
enfrentar enquanto embate político.

O objetivo deste texto é refletir numa agenda teórica e prática para ofício do historiador
no ensino básico ao tratar das questões relativas aos Direitos Humanos. Inclusive,
refletindo em primeiro plano, em perfazer historicamente o nascimento deste conceito,
numa perspectiva instruída por Reinhart Koselleck, pois os conceitos têm História. Essa
perspectiva tem o caráter de sairmos do problema apontado por François Hartog, o
presentismo, ou seja, a predominância na história da humanidade, em que, o presente se
sobrepõe ao passado ou o futuro. Então, não é pouco comum ouvir a máxima de que
direitos humanos no Brasil relacionam-se aos direitos dos bandidos; uma instrução de
um lado, dos amplos setores conservadores que dominam a imprensa; de outro, algumas
vozes que falam em nome dos direitos humanos que se restringem a difundir a ideia dos
direitos humanos num parâmetro estritamente punitivo.

Num segundo plano, chamo a atenção do atarefado leitor, para as questões vinculadas a
prática docente, ao qual, será possível pensar as ferramentas para promover debates ou
fomentar trabalhos de pesquisas que ampliam as ideias sobre os Direitos Humanos. Faça
nota ao uso de diversas linguagens e saberes com intuito de ampliar o olhar dos alunos
quantos as questões referentes aos direitos humanos.

69
Direitos Humanos: um debate necessário

Lynn Hunt argumentou em seu livro A invenção dos Direitos Humanos: uma história
(2009), sobre outros pontos de contatos da temática dos Direitos Humanos. Penso que
seja esse uma das perspectivas mais inovadoras, pois além de analisar os célebres
documentos da Revolução Americana e da Revolução Françesa, Hunt toma outros tipos
de documentos para diagnosticar quais elementos estaríam envoltos numa construção
de Direito do Homem. A historiadora anuncia logo na introdução da obra qual seria o
seu argumento central no uso de fontes e documentos vinculados a essa temática:

Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tortura ou romances


epistolares teve efeitos físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e
tornaram a sair do cérebro como novos conceitos sobre a organização da
vida social e política. Os novos tipos de leitura (e de visão e audição)
criaram novas experiências individuais (empatia), que por sua vez tornaram
possíveis novos conceitos sociais e políticos (os direitos humanos).
(HUNT, Lynn. 2009, p.32.)

Então, a proposta desta historiadora é compreender em que sentido os livros insuflaram


novos sentimentos e, por certo, novas ideias sobre os direitos. Todavia, ela adverte que
no ofício da História, o uso de argumentos psicológicos é relatado de forma desdenhosa;
seria, portanto, uma questão crítica a esta arbordagem, o denominado "reducionismo
psicológico". Lynn Hunt rebate as críticas à sua opçaão, ao sugerir que os historiadores
não admitem com a mesma veemência o "reducionismo sociológico ou cultural”.

Por isso, retornar ao que acontece nas mentes dos indivíduos, direciona a história para
os novos sentimentos emergidos da leitura e das interações sociais. Ao ler romances
epistolares como Júlia ou A nova Heloísa (1761) de Rousseau, os leitores reagiram
apaixonadamente a narrativa. Essa seria uma das estratégias que Lynn Hunt sugere ao
trabalhar a temática dos Direitos Humanos no período do século XVIII. Por isso, pensar
na chave da sensibilidade estética que as obras literárias e ficcionais podem gerar na
percepção dos alunos é um importante instrumento didático e de formação crítica.
Utilizar obras literárias com intuito metodologico para pensar as bases dos Direitos
Humanos, podem fundamentar uma prática de ensino de história interdisciplinar e
suscetível a relevância da leitura minuciosa de romances, contos, poesias, memórias e
crônicas.

Durante a década de 1930, período do romance social, o país obteve uma lavra de
ótimas obras literárias importantes para compreensão histórica da ideia de Direitos
Humanos. Amando Fontes, autor do premiado Os Corumbas em 1933, figurou as
implicações da vida na cidade fabril nas primeiras décadas do século XX (LIMA, 2010).
Fontes descortina imagens fortes e sensíveis da vida das populações pobres, fugidas das
secas e dos trabalhos extenuantes nas usinas, agora rumo à cidade dominada pelo capital
e de uma frenética modernização. Neste espaço, o conceito de direitos humanos é
tratado de forma emblemática, pois sugerem as condições sociais de pobreza reianante
no país na Primeira República; além disso, o romancista questiona as condições ideiais
para o trabalho nas fábricas, pois era amplamente divulgado os problemas de saúde das
mulheres que apresentavam doenças respiratórias resultante da falta de equipamento de
proteção e, por certo, de treinamento adequado. Narrativas como essa, são instrumentos

70
importantes para trabalhar a temática dos direitos humanos e de certo pensar as
implicações na política; também abre espaço para compreensão de como entender o uso
histórico de uma narrativa ficcional.

Daí a importância do ensino de história articular o uso da obra de arte como elemento de
estudo. Mesmo no ensino básico, as possilidades se abrem ao trabalhar temáticas como
a condição dos moradores de comunidades pobres, como o livro Cabeça de porco
(2005), dos autores Celso Athayde, MV Bill e Luiz Eduardo Soares. Ou mesmo,
abordar documentários sobre problemas sociais e que tragam questões relativas as
violações dos direitos humanos.

Considerações finais

O interesse no ensino de História pela temática dos direitos humanos parte da


necessidade de formação para cidadania. Compreendo que fazer a leitura de obras
literárias com o aporte metodológico da História e das demais disciplinas sejam um
instrumento imprescindível para maior compreensão dos Direitos Humanos.

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo,


totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

LIMA, Cleverton Barros de. Imagens do povo: Política e literatura na obra de Amando
Fontes. Dissertação de Mestrado em História. Campinas: Unicamp/FAPESP, 2010.

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo.


Tradução de Andréa S. de Menezes, Bruna Breffart, Camila R. Moraes, Maria Cristina
de A. Silva e Maria Helena Martins. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.

HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. Tradução de Rosaura
Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

71
OS ESPAÇOS MUSEOLÓGICOS E O ENSINO DA
HISTÓRIA: POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO
BÁSICA
Cyanna Missaglia de Fochesatto

O presente trabalho busca elucidar algumas questões referentes aos espaços


museológicos e suas possibilidades enquanto locais que guardam a memória, a história e
o patrimônio de uma sociedade. Sabendo-se que a educação patrimonial é fundamental
para valorização e aprofundamento do conhecimento cultural de uma sociedade,
procura-se entender a forma que o museu possibilita expandir as perspectivas e
contribuir com o ensino da história na educação básica. O museu pode ser pensando não
apenas como o local que guarda um patrimônio, mas também como um local que
possibilita entender os processos históricos, culturais e artísticos, entre outros. Esse
espaço contribui para enriquecer o diálogo sobre a prática de desenvolvimento da
cidadania; favorece o reconhecimento da forma de organização de gerações passadas; e
o entendimento das vivências culturais de determinado grupo social.

O conceito de patrimônio trabalhado neste texto decorre da ideia de que ele se refere a
um conjunto de bens significativos para uma determinada comunidade. Existem
diversos tipos de patrimônio, como o cultural, o arquitetônico, o histórico e o
arqueológico. Segundo Ana Lúcia Herberts (2008, p. 15): “O Patrimônio engloba todos
os bens culturais de importância para a sociedade: as expressões folclóricas, os
conjuntos arquitetônicos, as obras de artes ou saberes tradicionais e os sítios
arqueológicos”. A educação patrimonial, segundo Horta; Grunberg; Monteiro, (1999, p.
06) “trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado
no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento
individual e coletivo”. Assim, a educação patrimonial pretende legar à sociedade um
maior conhecimento e valorização da sua herança cultural por meio do contato com as
evidências culturais – materiais e imateriais –, aprofundando todos os signos e aspectos
possíveis dessa herança.

O patrimônio que está no museu, sendo considerado um instrumento de alfabetização


visual, fomenta algumas inquietações. Entre elas, indaga-se: os objetos memorialísticos
guardados no museu representam e são significativos para aqueles grupos de alunos que
fazer a visitação? Possivelmente esses artefatos, obras e objetos não são parte do
cotidiano dos alunos, mas foram em determinado momento importantes para as
gerações passadas. E, é esse entendimento e valorização que a relação museu-ensino da
história deve focar para desenvolver as habilidades e possibilidades interpretativas nos
alunos. Esses recortes feitos nas exposições museológicas são escolhidos e orientados
conscientemente, politicamente e socialmente. Os artefatos que são expostos no museu
contam uma história partindo de uma nova perspectiva e, se bem utilizados pelos
docentes, o espaço museológico pode contribuir bastante para enriquecer o ensino da
história. Os museus não podem ser vistos como os locais das “velharias”, um lugar

72
monótono e chato; não pode ser deslocado da realidade de seus visitantes, mas deve ser
vivenciado como uma experiência social e cultural nova e enriquecedora. Para isso,
dever ser trabalhado desde um prévio ensaio ainda em sala de aula sobre as questões
que o professor busca desenvolver com os alunos na visitação, além das atividades
durante a visita ao museu e também posterior a ela. Ainda assim, o que foi visto no
Museu deve agregar valor as aulas de história e deve ser trabalhado de outras formas,
utilizando-se de diversas fontes para abordar os elementos apreciados no museu. Como
o uso de filmes, literatura, imagens, teatro, criação de blogs e páginas na internet,
vídeos, painéis, jogos, enfim, uma gama de possibilidades metodológicas devem
orientar aqueles docentes que levam seus alunos para conhecer esse novo espaço, que se
configura quase como um mundo aparte da vivência e experiência escolar de grande
parte dos alunos da educação básica. Outrossim, atenta-se para a importância da
visitação que muitas vezes se não for com a escola os alunos acabam não conhecendo os
espaços museológicos, ou criando determinados estereótipos negativos e resistência em
frequentar esses locais.

A relação do museu com a escola pode ser pensada a partir da forma em que cada um
desses ambientes se estrutura. Assim, a escola é a ambiente da aquisição do saber, onde
se estabelece uma rotina de aprendizado que, porventura, forma a cultura escolar. Sendo
o museu um ambiente de cultura própria, onde a aquisição dos saberes ocorre de forma
diferenciada da escola. Por isso, muitas vezes, os professores, erroneamente, relacionam
a visita ao museu a uma prática de lazer, mas não a vinculam a nenhuma prática
pedagógica, servindo apenas para um passeio com a turma, sem nenhum estímulo e
orientação para aprendizagem direcionada nesses ambientes. Nos últimos anos nota-se
um aumento de atividades educativas oriundas desses espaços de memória – museus,
arquivos e outros, que vem crescendo consideravelmente, facilitando a vinculação do
museu com a escola. Embora, ainda seja deficiente o preparo dos docentes para interagir
com os alunos nesse espaço, sendo está uma questão que precisaria de outras pesquisas
sobre a formação e o currículo docente. As práticas ou atividades educativas oriundas
do museu podem ser entendidas da seguinte forma, conforme observa Andréa Falção
(2009 p.16):

Podem ser entendidas como práticas educativas atividades tais como: visitas
“orientadas”, “guiadas”, “monitoradas” ou mesmo “dramatizadas”,
programas de atendimento e preparo dos professores, oficinas, cursos e
conferências, mostras de filmes, vídeos, práticas de leitura, contação de
histórias, exposições itinerantes, além de projetos específicos desenvolvidos
para comemorar determinadas datas e servir de suporte para algumas
exposições.

Os materiais oriundos das práticas educativas são preciosos instrumentos de ensino,


variando de livros, CDs, jogos e etc., podemos perceber o quanto dinâmico e rico o
ensino não-formal pode ser considerado. Outro elemento que o museu favorece são as
relações interdisciplinares das diversas áreas que estão presentes em uma única
exposição. Muitas vezes encontramos museus de Ciências que dialogam diretamente
com a história, geografia e demais disciplinas. Um exemplo de museu dinâmico e
interdisciplinar que podemos citar é o Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, localizado em Porto Alegre. Esse museu

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possui uma proposta lúdica e interdisciplinar, sendo muito apreciado pelos estudantes
que, em sua maioria, gostam muito de frequentar este espaço.

As escolas que buscam e agendam visitas ao museu deveriam ter em princípio um plano
pedagógico voltado a vincular a atividade ou exposição que o museu oferece às
temáticas que estão sendo trabalhadas em sala de aula. O museu é um ambiente plural a
ser explorado e um convite interdisciplinar de aprendizagem. E, por isso, necessita de
projetos interdisciplinares para o melhor entendimento de tudo que esse espaço pode
propiciar. Luciana Conrado Martins (2006, p. 43) define o planejamento didático: “A
realização de um programa didático é para os autores dividida em três momentos: as
atividades de preparação dos alunos, as atividades realizadas no museu e as atividades
de prolongamentos realizadas na volta a sala de aula”. O ensino da história, partindo do
que o museu oferece deve estar sempre atento as questões de outras áreas que ele
possibilita explorar. Além disso, ele deve dialogar com os manuais ou livros didáticos,
sempre mantendo uma atividade desenvolvida, para que a visita ao museu não fique
legada ao plano do “passeio”, como muitas vezes ocorre. O museu favorece muito além
da educação patrimonial, mas ele possibilita ensinar história sobre uma outra ótica. A
valorização e preservação de artefatos e elementos serão cada vez mais recorrentes entre
os alunos que conseguem vivenciar o museu e entendê-lo como suporte para
compreender como viviam determinadas sociedade em tempos passados e,
consequentemente ensina a respeitar as diversidades e observar as formas culturais
distintas.

Essa educação que podemos considerar não-formal contribui para tornar os alunos
cidadãos do mundo, abrindo portas de conhecimento sobre formas de relações e
interação entre diferentes grupos. Devemos, portanto, entender o museu e a escola como
espaços sociais que possuem características próprias. Esses espaços se inter-relacionam
e complementam um ao outro, sendo indispensáveis para a formação de um cidadão
cientificamente alfabetizado. O aluno que visita uma instituição tão rica e que agrega
diversos saberes possivelmente terá um ensino da disciplina de história muito mais rico
e diversificado que o mesmo poderá obter na educação básica. E, por fim, é
fundamental reforçar a necessidade de atividades desenvolvidas vinculadas à visitação.
Como elaborar discussões, seminários, cartazes, jogos e todo tipo de atividades
possíveis com os alunos, para que eles tenham uma maior dimensão da importância da
sua visita aos museus e possam assim, tomar gosto por frequentar esse tipo de ambiente,
valorizando o patrimônio e, especialmente, compreendendo a disciplina de história de
forma mais dinâmica e motivadora.

Referências Bibliográficas

HERBERTS, Ana Lúcia. Oficinas de Educação Patrimonial na Usina Hidrelétrica


Barra Grande. Florianópolis: Ed. Scientia Consultoria Científica, 2008.

HORTA, Maria de Lourdes Parreira; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane


Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Museu Imperial
IPHAN/MinC,1999.

74
FALCÃO, Andréa. Museu como lugar de memória. Disponível em:
<http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012191.pdf> Acesso em 18
fev. 2017.

MARTINS, Luciana Conrado. A relação museu/escola: teoria e prática educacionais


nas visitas escolares ao Museu de Zoologia da USP. 2006, 247 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

75
MEMÓRIA E PATRIMÔNIO DIALOGANDO NAS
AULAS DE HISTÓRIA: A EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA
NA CONTEMPORANEIDADE
Daniel Luciano Gevehr
Darlã de Alves
Shirlei Alexandra Fetter

O artigo discute o papel desempenhado pelo ensino de história através da questão do


Patrimônio Cultural. Buscamos relacionar como as noções do passado, concebidas pelo
professor de história, se relacionam com os conceitos de patrimonialização,
representação social, lugar de memória, monumentalidade e produção da memória
social. Buscando compreender essas relações, nos propomos a discutir teoricamente
essa questão, na tentativa de embasar as ações pedagógicas da sala de aula, voltadas
para a educação patrimonial. Com isso, propomos levar para a sala de aula novos
elementos simbólicos, como os monumentos históricos e a problemática dos lugares de
memória, que assim se apresentam como objeto de investigação no âmbito da Educação
Patrimonial.

O vínculo que se estabelece entre as representações sobre o passado e o contexto em


que essas são produzidas é fator relevante na análise que pretendemos fazer. Isso se
deve, especialmente pelo fato dessas representações terem servido de instrumento para a
justificação de toda uma produção de saberes que, ao longo da evolução do saber, foram
alvo de diferentes interesses e ideologias. Essas, por sua vez, acabaram impondo
determinadas visões sobre o passado, que na maioria das vezes interfere diretamente na
forma como ensinamos a(s) história(s) na sala de aula.

Parte dessa análise – que discute a relação entre a produção do saber histórico e seu
ensino - baseia-se na investigação das novas configurações sociais que expressam-se,
materialmente, (entre outros elementos) através da urbanização presente em nossa
sociedade - e da construção e nomeação de lugares – onde a história é celebrada e
(re)lembrada através das gerações que se sucedem. Isso, em nossa sociedade é
perceptível na medida em que observamos a ereção de monumentos e nomeação de
inúmeros lugares e instituições, que tem significados os mais diversos em nosso meio.
Para Le Goff (2003), a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar
identidade, seja ela individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais das pessoas e da própria sociedade. Nesse sentido, a memória não é
apenas conquista, mas também um instrumento de poder. Existe uma luta pela
dominação da recordação e da tradição, estabelecendo aquilo que deve ser lembrado e

76
aquilo que deve ser esquecido. Na história do Brasil, foram vários os exemplos dessa
tentativa de construir uma nova denominação para as localidades que presenciaram
conflitos marcantes.

A análise das representações construídas sobre o cenário e também sobre os


personagens centrais da história nos faz refletir sobre o contexto em que cada autor se
insere, e principalmente, sobre os propósitos que levam o autor a “contar” a história
dessa ou daquela perspectiva. As representações produzidas sobre o passado e, de forma
especial em nosso caso, sobre o processo que envolve o ensino da história no contexto
escolar, vinculam-se a esse campo de poder (pedagógico), no qual determinadas ideias
podem ser ditas e outras precisam ser silenciadas. Daí a necessidade de articular a
discussão teórica em sala de aula com a leitura crítica dos lugares de memória,
relacionados com os temas selecionados.

Outra questão que nos parece não poder faltar no debate sobre a história e seu ensino é a
produção da imagem dos heróis (OLIVEIRA, 2003). Esse fato que, durante muito
tempo, habitou as páginas de livros didáticos e que, era antes de tudo, reflexo de
determinadas vertentes da historiografia de sua época. Essas, por sua vez, acreditavam
que a história era explicada fundamentalmente, através das ações de personagens
heroicos. Essa mesma visão pode ser percebida na produção dos lugares de memória da
cidade, que procura prestar homenagem aos “grandes vultos do passado”.

Constatamos que determinados lugares – que aqui iremos chamar de lugares de


memória (NORA, 1993), em razão de constituírem-se em lugares de lembrança sobre o
passado - são representados através de diferentes veículos de representação, tais como
os documentos, os textos historiográficos e literários, a imprensa e, ainda, o cinema, que
muito tem produzindo atualmente uma sensação de “verdade e autenticidade” a certos
acontecimentos do passado, algo sem dúvida sobre o qual precisamos observar
atentamente.

A partir das inquietações manifestadas até aqui é que refletimos sobre aquilo que
Halbwachs (2004, p.150) chama de memória coletiva. De maneira especial, Halbwachs
mostra-nos como os lugares desempenham um papel fundamental na construção da
memória coletiva. Para ele, os lugares que percorremos nos fazem lembrar de fatos
ocorridos no passado e, assim, contribuem para a construção da memória coletiva. A
construção de monumentos, a denominação de lugares e a preocupação com a
valorização de personagens do passado estão diretamente associadas a uma memória
coletiva.

Quando uma comunidade elege seus lugares de memória e também seus símbolos e
heróis - que passam a representá-la – pode-se perceber os condicionantes que estiveram
envolvidos nesse processo de construção das representações. Tendo essas questões
como problema, procuramos discutir como os diferentes temas ensinados na história
(como disciplina no currículo escolar) passaram – e continuam passando - por um
processo de (res)significação.

Fundamental para se pensar o ensino da história a partir da interpretação dos


significados que os lugares de memória exercem na compreensão dos conteúdos de
história é mostrar na sala de aula que esses espaços são, antes tudo, dotados de um

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significado simbólico. Ou seja, esses lugares nos remetem a pensar sobre os fatos que
ali ocorreram e pessoas que ali estiveram. É nesse sentido que destacamos a criação dos
diferentes lugares de memória (monumentos, praças, instituições, etc.) e os vinculamos
ao processo de (res)significação da história, uma vez que os tomamos como evidência
das visões e dos sentimentos coletivos que se faziam presentes na época de sua criação.

Dessa forma, evidencia-se a eficácia simbólica exercida pelos monumentos.


Localizados estrategicamente no espaço social das cidades, os monumentos representam
formas de pensar, sentir e expressar os valores coletivos. Tomados como “símbolos
espaciais” os diferentes monumentos históricos, assim como outros tantos símbolos que
passam a representar parte da história de um lugar devem ser entendidos como resultado
de diferentes interesses – até mesmo antagônicos às vezes - e anseios presentes nessa
comunidade.

Os lugares de memória constituem-se, dessa forma, em materializações dos sentimentos


e dos interesses predominantes em cada época. Sentimentos e interesses que acabaram
por determinar a condenação ou a celebração, a memória ou o esquecimento dos
episódios e de seus personagens. Finalmente, podemos afirmar que a discussão que nos
propomos a fazer nesse exercício sobre o “fazer da história” na sala de aula teve como
desafio maior articular diferentes questões que implicam no fazer pedagógico do
professor de história na atualidade. Articular questões de cunho metodológico com
concepções de educação patrimonial, observando nos lugares de memória da história
possibilidades de exploração dos sentidos produzidos sobre o passado e identificar
nesses lugares possibilidades de interpretação sobre personagens e fatos encobertos pela
historiografia “tradicional” foram algumas das provocações que procuramos trazer com
essa discussão.

Se por um lado eles correrão o risco de continuarem sendo “visões” sobre esse passado,
ao menos trarão à tona novas “possibilidades de se enxergar” esse passado, através de
novos “óculos”, com novas lentes sobre o passado humano, muitas vezes ofuscado por
diferentes condicionantes históricos que produzem o patrimônio das comunidades nas
quais os próprios alunos se tornam agentes da memória. A (re)produção de
determinadas visões sobre o patrimônio, ancoradas em seus lugares de memória, se
fazem, sem dúvida, através da escola, que pode (ou não) aguçar o olhar critico sobre o
passado e sobre esses lugares, ou simplesmente plasmar as visões de seus alunos.

Referências

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.

HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence. A invenção das tradições. 2. ed. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1997.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 5 ed. Campinas: UNICAMP, 2003.

78
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História.
São Paulo, n°10, dez. 1993.

OLIVEIRA, Lucia Lippi. A construção do herói no imaginário brasileiro de ontem e de


hoje. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy (org). História Cultural: Experiências de
Pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2003.

79
AS RELAÇÕES ENTRE O PODER E
COMPORTAMENTOS TRANSGRESSORES E OS
DESAFIOS DA PRÁTICA DE ENSINO
Dara Dzovoniarkiewicz

Durante a trajetória acadêmica aprendemos inúmeras teorias elencadas pela História do


Ensino a respeito do comportamento humano e de como podemos lidar com ele, dessa
forma nos colocamos – ao fim da graduação – como profissionais prontos para enfrentar
tais problemas. O problema surge quando nos deparamos com a sala de aula, muitas
vezes lotada, e com indivíduos com características comportamentais distintas. Vemos a
partir de então que boa parte da teoria aprendida na academia se torna ineficaz nesse
sentido. Esse texto pretende discutir algumas e pontuar os problemas corriqueiros
enfrentados pelos docentes no cotidiano escolar e as perspectivas de enfrentamento dos
problemas a partir do texto Poder, resistência e indisciplina escolar: a perspectiva
docente sobre os comportamentos transgressores dos alunos de Antonio Igo Barreto
Pereira e Vera Lúcia Blum (2014).

O foco principal dos autores no texto é refletir a partir de três intelectuais que discutem
a respeito do tema disciplina/indisciplina. Foucault que diante seus estudos sobre a
disciplina considera a escola uma instituição responsável por docilizar e dar utilidade
aos corpos. Também Maffesoli, que considera os conflitos e indisciplina como forma de
resistência as arbitrariedades e isso como parte de um desenvolvimento social. E Freud,
com seus estudos relacionados a subjetividade humana, afirmando ter um mal-estar
inerente a vida civilizada, que os sujeitos estão em conflito com a cultura, acreditando
também que está tem como função regular os desejos pessoais.

O texto trata também dos comportamentos indisciplinares dos alunos, tendo em vista
que esse é um dos principais obstáculos enfrentados tanto pelos professores, como pela
equipe pedagógica e a comunidade escolar. Entre esses comportamentos alguns
destacados por Aquino são os mais corriqueiros: “bagunça, tumulto, falta de limite,
maus comportamentos, desrespeito ás figuras de autoridade, etc.” (PEREIRA; BLUM;
2014 p. 740 apud AQUINO, 1996 p. 40). Dessa forma o texto nos faz refletir sobre os
sentidos de “autoridade” e “hierarquia” e de como esses aspectos predominam no
ambiente escolar, e também sobre quais os tipos de encaminhamentos e enfrentamentos
as equipes pedagógicas vêm tomando diante desses obstáculos, seus elementos
construtivos, articulações, enfrentamento, práticas docentes, e compreender suas
estruturações.

De acordo com Pereira e Blum (2014) quando Foucault revela sua preocupação com a
disciplina, ele traz em seus escritos os fatores internos e as consequências, fatores
importantes para compreender a sociedade e a escola. Na perspectiva de Foucault o ato
disciplinar não serve a princípios nobres, pois na grande maioria está ligado a

80
manipulação e esquadrinhamento dos sujeitos aos interesses de alguns ou grupo que
ocupa poder.

Ainda nessa perspectiva os autores destacam que Maffesoli diz que o conflito faz parte
do convívio humano, já que nossas formações e grupos sociais trazem consigo
diversidades, sejam de necessidades, desejos e interesses, assim entrando em choque
com os demais. Para Maffesoli, por mais que haja as tentativas de anular a existência
dessas diferenças, e dependendo do efeito imediato poderá vir a camuflar as
consequências ou apagar aspectos, o conflito jamais deixará de existir, sempre estando à
espreita, pronto a ressurgir. O próprio ato de conter, impor a ordem, gera em si, um
próprio conflito, pois, há um desejo das individualidades contra as imposições
totalitárias, que procuram em si, homogeneizar os comportamentos, desconsiderando as
diversidades humanas.

Nesse sentido os autores destacam Freud, em uma linha psicanalítica que diz que toda
ação humana se permeia pela necessidade de satisfação com seus desejos pessoais,
dentre eles se destaca um: o desejo de liberdade, que acompanha a espécie humana
desde a infância até a idade adulta onde o indivíduo tem um maior contato com a
sociedade, nesse sentido, pode-se notar um movimento de resistência ás imposições e
reivindicações de espaço e liberdade. Acredita-se que as pequenas desordens causadas
pela busca de liberdade, servem para orientar as relações sociais e impedir que se
imponham sistemas totalitários.

A partir desse breve panorama, vemos que cada vez mais a discussão sobre a
indisciplina escolar vem tomando proporções maiores na esfera educacional, e talvez
seja pelo seu próprio sentido e finalidade, como já vimos em Foucault, a dominação
social, molda e dociliza os corpos, e esse poder disciplinar busca privar a liberdade e
não execrar o corpo. Isso ocorre, pelo fato de acreditar que o “cercamento”, o
confinamento em instituições facilitam a modelação, o que proporciona mais economia
ao poder. Quando se abre o olhar para a disciplina no passado, entre os séculos XVII e
XVIII, destacam-se no texto: os internatos, asilos, hospitais, orfanatos, exércitos,
fábricas, hospícios, prisões e escolas, esses locais manipulavam e modelavam, de
acordo com interesses ideológicos, por meio de instrumentos disciplinatórios. Na
escola, o ato de civilizar é simbolizado pela disciplina e esse processo de
disciplinarização passou por algumas modificações ao longo do tempo, instrumentos de
punição foram substituídos, mas não deixaram de ser menos violentos ou de agir com a
mesma intensidade.

O cercamento, quadriculamento, fila, classificação serial e hierárquica das instituições,


fez das escolas máquinas de ensinar, vigiar, recompensar, hierarquizar e quando
necessário punir. Assim, podendo-se pensar que o ser humano não se deixa manipular
ou moldar com tanta facilidade, como é o desejo do disciplinamento, assim fazendo
surgir a existência dos conflitos, como uma maneira dos sujeitos demarcarem e
sinalizarem essa existência.

Após essa breve explanação o que surge é o como se dá o enfretamento da indisciplina


escolar. O que se percebe é um apelo muito forte ao reconhecimento como professor,
sua experiência, formação, conhecimento, diante as funções que se ocupam. Atribuem a
disciplina interligada ao respeito como deve de ser aprendidos antes de entrar na escola,

81
ou seja, o âmbito familiar é o maior responsável. Quando não se tem esse êxito, tanto
por parte da disciplina dos alunos ao executar seus planejamentos, sentem-se
desprestigiados ou ainda conciliam ao do dever não cumprido por parte do professor.
Outro ponto, bastante importante é a crença que professores, a própria escola associar o
dever como principal responsável sendo a família, e quando não há também esse êxito,
alegam que o principal problema se dá diante da atual estrutura familiar das crianças.

Não posso deixar de destacar, da qual maneira se dá esse enfretamento pelos


professores, a preocupação da hierarquia, posição, autoritarismo, uso de ameaças,
coação moral, idealização do aluno, culpabilização, reprovações por conta da
indisciplina, tratar de forma vexatória e excludente, prevalecer o sentimento de
superioridade, vitimizar, padronizar, enquadrar os alunos. Diante dessa reflexão procuro
concluir meu texto, com a crítica de que não existe modelos ideais de família ou aluno,
e enquanto educador devemos ter esse olhar e aprender de certo modo a como agir
diante desses problemas.

Portanto, percebemos que toda a discussão se volta a indisciplina dos alunos, e diante
disso qual é o dever, ou o que se pode fazer em relação à isso a escola e educadores?
Devemos levar em consideração que todos os indivíduos tem seus anseios e seus
interesses pessoais, independente de qual posição ocupa no cenário da educação: o
aluno, o professor, os funcionários, os pais. Todos eles tem um ideal de educação e de
comportamento humano perante os outros, ou seja, também são mutáveis e dissociáveis.
O que deve existir, sobretudo, é o respeito a pluralidade humana, para que os anseios
por educação de cada indivíduo se torne um ideal em comum. O que é saudável, nesse
sentido, para o processo de ensino e aprendizagem são os sistemas de permutas de bens
culturais e negociações no que diz respeito as relações humanas para que se diminuam
os “danos” de todo o processo.

Para além das “fórmulas mágicas” consagradas nos grandes manuais pedagógicos
escritos em gabinetes de sujeitos que rodeiam a cátedra dourada do ensino, quem deve
fazer um panorama cognitivo e social do ambiente para que sejam reconhecidos os
potenciais de cada sujeito é o professor, e é, não obstante, o professor que veicula o
conhecimento que mais se adequa a seu público, e nesse sentido, o professor é quem
indica a maneira como devem ser tratados os problemas inerentes ao cotidiano escolar.

Referências bibliográficas

PEREIRA, Antonio Igo Barreto; BLUM, Vera Lúcia; Poder, resistência e indisciplina
escolar: a perspectiva docente sobre os comportamentos transgressores dos alunos.
Revista Educação Pública. v.23, n, 54 Cuiabá 2014.

82
AS DISCIPLINAS ESCOLARES: UM ESTUDO A
PARTIR DO UNIVERSO DA CULTURA ESCOLAR
Daniele Cristina Frediani

História das disciplinas escolares

Nem sempre a terminologia disciplina foi apreendida como um conjunto de saberes


organizados em torno de uma denominação ou subscrição, ou como concebe Chervel
(1990) como “conteúdos de ensino”. Até o século XIX a terminologia disciplina
correspondia ao verbo disciplinar e portanto significava geralmente a repressão de
condutas, controle de atitudes e regulação. Segundo André Chervel (1990), as
terminologias mais usuais que equivaliam ao que entendemos hoje por disciplina
consistiam nas “expressões ‘objetos’, ‘parte’, ‘ramos’, ou ainda ‘matérias de ensino’ ”
(p.177).

Conforme Chervel (1990) as “disciplinas” em seu sentido atual, assumiram essa


terminologia no início do século XX, sobretudo após a I Guerra Mundial, quando
passaram a ser entendidas como uma “simples rubrica que classificam as matérias de
ensino”, entretanto ainda persistiram sobre esse termo seu ascendente atributo de
“regrar”, pois como afirma André Chervel (1990):

uma disciplina é igualmente para nós, em qualquer campo que se encontre,


um modo de disciplinar o espírito, quer dizer, lhe dar os métodos e regras
para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da
arte (p.180).

Para Ivor Goodson (1997), as disciplinas escolares condizem aos interesses que estão
vigentes em uma determinada época, principalmente pela classe dominante e estão
imbricados a interesses internos e externos ao currículo, segundo ele, as disciplinas
escolares são “construções sociais e políticas e os atores envolvidos empregam uma
gama de recursos ideológicos e materiais para levarem a cabo as suas missões
individuais e coletivas” (p.26).

Os saberes que se encontram presentes nas disciplinas escolares são frutos de uma
seleção e estruturação condicionadas a agentes e aos meios que encontram ao seu
entorno e por isso Vinão Frago (2008) as concebe como “organismos vivos” que se
transformam, se adaptam e se convergem conforme sua conjuntura, assim para seu
estudo o autor sugere

considerá-las como organismos vivos. As disciplinas não são, com efeito,


entidades abstratas com uma essência universal e estática. Nascem e se
desenvolvem, evoluem, se transformam, desaparecem, engolem umas às
outras, se atraem e se repelem, se desgarram e se unem, competem entre si,
se relacionam e intercambiam informações (ou as tomam emprestadas de
outras) etc. Possuem uma denominação ou nome que as identifica frente às

83
demais, ainda que em algumas ocasiões, como se tem advertido,
denominações diferentes mostram conteúdos bastante similares e, vice-
versa, denominações semelhantes oferecem conteúdos nem sempre
idênticos. Tais denominações constituem, além disso, sua carta de
apresentação social e acadêmica (p.204).

As disciplinas escolares estão associadas as finalidades do ensino escolar e portanto são


esculpidas conforme suas épocas, sujeitos, cultura e sociedade e são segundo André
Chervel (1990) construções do espaço escolar.

Nesse sentido as disciplinas escolares podem ser entendidas como organizações sociais
e culturais, não sendo “entidades monolíticas, mas amálgamas mutáveis de subgrupos e
tradições que, mediante controvérsias e compromisso, influenciam a direção de
mudança”. (GOODSON, 1995, p. 120). Elas são pois palco de disputas de poder, tanto
social quanto acadêmico em que se entrecruzam “interesses e atores, ações e
estratégias”.(VINAO, 2008, p.204).

Uma perspectiva elencada por Viñao Frago (2008), como sendo o elemento chave na
configuração, organização e ordenação de uma disciplina condiz-se ao ângulo do
código disciplinar. Por se tratar de um código, este pressuposto versa sobre normas e
regimentos a serem seguidos e partem da perspectiva de caráter impositivo. Para Frago
(2008), o código disciplinar

[...] trata-se de um código cujos componentes se transmitem de uma


geração a outra, dentro da comunidade de “proprietários” do espaço
acadêmico reservado, graças aos [...] mecanismos de controle de controle da
formação da seleção e do trabalho ou tarefa profissional. (VINAO, 2008, p.
206)

Ainda segundo Vinão Frago (2008), o código disciplinar parte essencialmente de três
aportes norteadores sendo: “um corpo de conteúdos”, um fundamento ou “argumento
sobre o valor formativo e a utilidade dos mesmos e a atualidades dos mesmos e umas
práticas profissionais” (p.206).

Voltando-se para esse ótica elencada por Viñao Frago, o autor Raimundo Cuesta
Fernandez, integrante do Projeto Nebraska, criado em 2001 por pesquisadores
espanhóis onde se discutem e produzem estudos acerca das temáticas: História das
disciplinas (e campos profissionais ) , genealogia da escola e critica didática, e um das
principais referências da atualidade nos estudos das disciplinas escolares e do currículo,
também parte da perspectiva do código disciplinar como sendo uma dimensão onde se
dispõe saberes estruturados, métodos, técnicas e finalidades. Para Cuesta Fernandes
(1998) a ótica do código disciplinar consiste em

Una tradición social que se configura historicamente y que se compone de


un conjunto de ideas, valores, suposiciones y rutinas, que legitiman la
funcion educativa atribuída a la Historia y que regulam el orden de la
práctica de su enseñanza. Alberga, pues, las especulaciones y retóricas
discursivas sobre su valor educativo, los contenidos de su enseñanza y los
arquetipos de práctica docente, que se suceden en el tiempo y que se

84
consideran, dentro de la cultura dominante, valiosos y legitimos. En suma,
el código disciplinar comprende lo que se dice acerca del valor educativo
de la Historia, lo que se regula expresamente como conocimiento historico
y lo que realmente se enseña en el marco escolar. Discursos, regulaciones,
prácticas y contextos escolares impregnan la acción institucionalizada (los
alumnos) que viven y reviven, en sua acción cotidiana, los usos de
educación histórica de cada época. (p.8-9).

Dominique Julia aponta que os principais tropeços ao se tratar das disciplinas escolares,
consistem em estabelecer “genealogias enganosas tratando a todo custo de encontrar as
origens de uma disciplina, tal qual segmento antecedente” (p.52), “pensar que uma
disciplina não é ensinada porque não aparece nos textos de programação ou porque não
existem cátedras oficialmente criadas sob esse nome” e “ imaginar um funcionamento
idêntico no tempo das disciplinas escolares, quando estas se designam sob o mesmo
rótulo” (JULIA apud VINAO, 2008, p.202).

Para evitar esses equívocos ao se estudar uma disciplina escolar, Viñao Frago (2008)
lança a mão uma espécie de roteiro para se inquirir sobre uma disciplina escolar,
conceituando alguns aspectos mínimos para os estudos que abarcam as disciplinas
escolares. Em síntese esses estudos deveriam prever:

a) Seu lugar, presença, denominações e peso nos planos de estudos. b) Seus


objetivos explícitos e implícitos e os discursos que a legitimam como
disciplina escolar.

c) Seus conteúdos prescritos: planos de estudo, livros de texto, programas,


programações.

d) Os professores das disciplinas: 1) Formação, titulações. 2) Seleção:


requisitos, concursos e oposições (memórias, critérios, avaliações). 3)
Carreira docente. 4) Associações: formação de comunidades disciplinares.
5) Publicações e outros méritos. 6) Presença social e institucional.

e) Uma aproximação, até onde for possível, às práticas escolares e à


realidade em classe através de memórias, informes, exames, diários e
cadernos de aula, documentos particulares etc. (VINAO, 2008, p.199)

Referências

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de


pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, v. p.177-229, 1990.

CUESTA FERNANDES, Raimundo. Clio en las aulas. Madrid: Akal, 1998

FORQUIN, J.-C. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. Teoria e


Educação. Porto Alegre, n. 5, p. 28-49, 1992.

GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

85
GOODSON, I. F. . A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997.

HÉBRARD, Jean. 1990. A Escolarização dos Saberes lementares na Época Moderna.


In: Teoria & Educação. no 2. Porto Alegre: Pannonica.

JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Trad. de Gizele de Souza. In:
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MAGALHÃES, J. P. Tecendo nexos: história das instituições educativas. Bragança


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NÓVOA, A. Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da profissão


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NÓVOA, Antônio. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1997.

SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do


problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação. 2009. V.14, n. 40. p.
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FARIA Fº, L. M. As lentes da história. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 41-72

VIDAL, Diana Gonçalves. Escola Nova e processo educativo. In: LOPES, Eliane
Marta, FIGUEIREDO, Luciano e GREIVAS, Cynthia (orgs.). 500 anos de educação
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FRAGO, A Vinao. Do espaço escolar e da escola como lugar: propostas e questões. In.
FRAGO, V.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como
programa. (p. 59-141)

VIÑAO FRAGO, A. A história das disciplinas escolares. Trad. Marina Fernandes


Braga. In: Revista Brasileira de história da educação. n.18, p.173-205, Set./dez.,
2008.

86
AS AMAZÔNIAS PRESENTES NOS LIVROS
DIDÁTICOS REGIONAIS: REFLEXÕES SOBRE
ABORDAGENS E PROBLEMAS DE IDENTIDADE
DISCIPLINAR
Davison Hugo Rocha Alves

Em 1989, o IDESP (Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do


Pará) publicou uma coletânea de textos que versavam diversos temas que são
pertinentes a História da Amazônia. Uma coletânea de textos que se apresentava como
“novidade” para compreender os caminhos de desenvolvimento pensados pelo Estado
após os governos militares, bem como apresentar aspectos de ordem cultural, social e
econômico.

A coletânea foi comprada pela Secretaria Estadual de Educação do Pará (SEDUC) que
foi distribuída em diversas escolas do Estado do Pará e lida por muito professores da
rede estadual de educação, especificadamente os professores de História e de Geografia.
Neste momento estava-se necessitando debater a Amazônia, e os demais pesquisadores
que publicaram nesta coletânea refletiram sobre esta região.

Os livros escolares lançados por estes professores apresentam abordagens diferenciadas


sobre a disciplina ‘Estudos Amazônicos’, isto ocorre porque ela é uma disciplina
interdisciplinar, e possui livros regionais escritos por historiadores, geógrafos e
sociólogos. Indagado sobre isto, esta dissertação dialoga com esta questão partindo do
pressuposto de que há uma historicidade a ser contada sobre esta disciplina criada no
Estado do Pará após a redemocratização, haja vista, que a região amazônica se tornou
um espaço de disputa de poder, de influências políticas e de debates em torno de suas
exuberâncias, fragilidades e riquezas naturais.

No contexto dos anos 1990 existe uma preocupação em evidenciar a Amazônia no


currículo escolar, para isso foi inventado um currículo escolar, e elaborado dois livros
didáticos. Percebemos que há um distanciamento de uma proposta curricular que tem na
História do Pará o centro de sua narrativa didática, quando se colocam em questão
alguns eventos chaves como a fundação da Belém, a chegada dos jesuítas, o período de
Marquês de Pombal, a Cabanagem, o período da Borracha, a era do intendente Antônio
Lemos, a revolução de 1930 no Pará e o governo de Magalhães Barata, os governos
militares e a guerrilha do Araguaia, para trazer como centro de discussão as
características geográficas, os aspectos positivos e negativos da Amazônia, os
problemas ambientais, as questões sociais e do impacto exercido sobre a floresta
amazônica com a ação do homem a partir dos anos 1960.

Este novo processo de ocupação começou durante os anos 60 quando ocorreu a


migração de várias pessoas para o estado do Pará fundando uma “civilização da estrada”

87
como lógica diferenciada da “civilização dos rios”, onde foram criadas novas cidades,
sendo construída a beira das estradas, principalmente estradas federais não impondo
necessariamente um rompimento com a linguagem social da cidade de origem dos
migrantes: implica novos arranjos, com adequações a dinâmicas locais, dinâmicas
próprias dos “novos espaços”, onde os indivíduos reorganizaram as suas condições
sociais, suas relações com o espaço amazônico.

Durante os anos 90 ficou consolidado no espaço escolar uma área de conhecimento


conhecida como ‘Estudos Amazônicos’, ela é fruto de um movimento de professores de
História/Geografia que estavam reivindicando o lugar da Amazônia dentro da sala de
aula. Dois movimentos foram decisivos para isto: a criação de uma disciplina regional e
a elaboração de duas propostas curriculares para uso por professores e alunos. Esta
comunicação pretende apresentar a experiência dos professores no momento da
elaboração de seus materiais didáticos para uso em sala de aula e fazer uma reflexão
sobre a leitura que estes fazem sobre o passado e a Amazônia voltados para escola.
Tentando destacar quais são as chaves de leitura que estes professores/autores elencam
importante conhecer sobre a região amazônica, percebemos que existe duas ordens de
narrativa, que são: a urgência do presente e a relação passado/presente.

As capas podem ser consideradas como portas de entradas para os livros didáticos, elas
nos apresentam indícios que nos ajudam a problematizar qual (quais) o (s) aspecto (s)
aquele determinado livro didático regional elege como central a ser debatido. São os
chamados objetos motivacionais (MORAES, 2010, p.49) que se expressam na capa, que
o leitor terá o seu primeiro contato por meio do design. Percebemos que uma coleção
desta disciplina destaca bem essas duas configurações sócio espaciais em sua capa
didática, ela destaca dois momentos distintos da História da Amazônia, a civilização dos
rios é apresentada com a célebre pintura de Alexandre Rodrigues Ferreira sobre a
entrada da cidade de Cametá, durante o século XVIII e a civilização da estrada é
destacada com a fotografia espacial da abertura durante o final do século XX da
Transamazônica, que nas palavras da professora Rosa Acevedo (2004) revelam o
quadro de modernização econômica pensada pelo Estado para esta região, aliando a isso
a criação de instituições públicas que tinha como função gerar seus recursos e trazer
investimentos para a Amazônia.

Queremos destacar que a Secretaria do Estado do Pará juntamente com o Conselho


Estadual de Educação pensou em uma disciplina no final dos anos 1990, que atendesse
as demandas dos professores de História e Geografia, mas que ficou em aberto o
currículo a ser implementado pela Secretaria as escolas públicas do estado.
Compreendemos que existe um dilema a ser resolvido quando se trata desta disciplina
regional, o que caracteriza os chamados “estudos amazônicos”? Qual o lugar da ciência
de referência História dentro deste campo de estudo? Como fazer uso da
interdisciplinaridade neste contexto sócio-político e educacional?

Compreender o campo disciplinar “estudos amazônicos” como um conjunto de temas


que são referenciados sobre a Amazônia, e que precisam estar presentes no espaço
escolar. Neste sentido, o livro do IDESP apresenta os caminhos de processos-
aprendizagens sobre a questão regional amazônica, que podem ser explorados pelo
professor desta disciplina. Existe uma necessidade de discutir a Amazônia e as suas
transformações em diversos aspectos seja em relação ao modo de vida do homem, a

88
cultura e suas fragilidades diante de outros espaços, os diversos espaços de colonização
e modelos de civilização pensados ao longo de sua história, a questão ambiental, etc.,
neste sentido, acredito que precisamos afinar as arestas de conhecimento produzido em
diversas instituições de pesquisa (MPEG, o NAEA, o NUMA, as pesquisas dos
professores de universidades públicas e particulares), para que todos os campos de
pesquisa sobre o denominado “estudos amazônicos” possam ser problematizados.
Como forma de apresentar uma nova leitura do passado para a região amazônica, esta
autora de livro didático regional apresenta a sua concepção de ‘Estudos Amazônicos’ na
introdução de seu livro, argumentando que os conteúdos escolares têm que ser um
significado social para a vida do aluno, pois, ela quer problematizar a Amazônia real,
aquela que está no cotidiano dos alunos. Violeta Loureiro quer deixar de lado a
invisibilidade de Amazônia no espaço escolar.

A professora Circe Bittencourt destaca a importância que os conteúdos significativos


tiveram para as propostas curriculares oficiais, que foram lançadas durante o período da
redemocratização, quando argumenta que o define como “o critério de seleção de
baseado, direta ou indiretamente nos problemas do aluno e de sua vida, em sua condição
social ou cultural” (BITTENCOURT, 2009, p.37). O professor desta disciplina regional
precisa estar atento para as especificidades da região amazônica, ele possui uma posição
de destaque quando está ministrando sobre a Amazônia.

Os discursos que são veiculados sobre a Amazônia nestas duas ordens de narrativas, que
são a urgência do presente e a relação passado/presente tornam-se fundamentais
perceber quais são os caminhos que os professores/autores de livros didáticos regionais
consideram importante serem debatidos no espaço escolar. As narrativas apresentam um
ponto de convergência sobre a História da região amazônica, que se configura na
abertura da Belém-Brasília e a construção de uma estrada denominada de
transamazônica.

Para além dos manuais didáticos (livros didáticos, livro-texto e paradidáticos) o


momento atual é de repensar o currículo, a formação de professores no Estado do Pará e
a prática docente do professor desta disciplina, pois, não adianta apenas criar uma
disciplina, é preciso ter formação para atuar na rede. A disciplina Estudos Amazônicos
entre o prescrito e o feito: precisamos fazer uma reflexão sobre isso, está posto o
desafio!

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4ª ed. São


Paulo: editora cortez,2011.
MORAES, Didier Dominique Cerqueira Dias de. Visualidade do livro didático no
Brasil: o design de capas e sua renovação nas décadas de 1970 e 1980. São Paulo:
USP, 2010. (Dissertação Mestrado)
MARIN, Rosa Elisabeth Acevedo. Civilização do rio, civilização da estrada:
transportes na ocupação da Amazônia no século XIX e XX. Belém, Paper NAEA nº
170, 2004. P.13

89
“PRA QUÊ ESTUDAR O QUE JÁ PASSOU? ”: A
PERCEPÇÃO DOS JOVENS SOBRE O ENSINO DE
HISTÓRIA
Diego Basto dos Santos

Durante a atuação docente no ensino de História, Sociologia e Filosofia, muitos


profissionais ouvem de seus alunos a seguinte exclamação: “Pra quê estudar o que já
passou? ”. Muitos alunos não compreendem a necessidade da leitura dos fatos passados
para melhor compreensão de ocorrências atuais.

Situar o indivíduo no processo de construção histórica dos fatos é tarefa primordial na


prática da filosofia e sociologia, que perpassa as principais veredas entrelaçadas pela
leitura de realidade historicamente construída. Processo que foi deixado de lado a partir
do renascimento, mas tomado para discussão novamente através do conceito de
materialismo histórico-dialético de Marx. (NOVELLI E PIRES apud PIRES, 1997, p.
84).

Mesmo que seu discurso se centralize no trabalho, Karl Marx muito contribuiu para se
pensar nossa realidade propondo a análise do que se há de concreto partindo de nossa
realidade e, quando necessário, relendo as relações historicamente e socialmente
construídas para se alcançar a estrutura que fomente nosso objeto de análise. (PIRES,
1997, p.86). Mas por que os jovens não conseguem compreender a disciplina de história
sob esta ótica?

A história se tornou disciplina escolar no século XIX, sendo um triunfo positivista que
se amparava sob a importância de se estudar sobre as lutas de minha nação para se
constituir tal como é e como modelo metodológico para análise e reconstrução da
historicidade de seu povo a partir de seus “tesouros arqueológicos”. Esta proposta
europeia foi seguida à risca, no Brasil, desde 1838. Inicialmente os estudos eram feitos
por obras francesas, que passavam por traduções quando aqui chegavam, até o ano de
1895 onde a história sofreu organização teórica e metodológica a fim de elucidar os
jovens acerca dos principais momentos da história humana. O ponto comum entre todo
o período é a proposta ideológica encontrada por detrás do ensino sobre as diversas
civilizações existentes. (NADAI, 1992, p.145-148).

Pansarelli e Pansarelli (2010, p.284) aponta que a História, desde seu início como
disciplina escolar, foi pensada pelos vitoriosos e dominadores. Isto nos faz compreender
que o estudo desta disciplina sempre pôde ter sido direcionado para se entender os fatos
sob a ótica de um ator social. Este pode ser considerado um dos pontos de relevância
para se entender a aversão dos jovens ao estudo de história. Além disso, a rigidez e
método com que os estudos são realizados retiram da disciplina sua potência
questionadora e reflexiva. Isso é percebido desde as primeiras classes ministradas em

90
nome da História Nacional, onde não se ensinava sobre a origem de nossa cultura, do
povo que aqui já vivia nem sobre os oprimidos do período de colonização.

No Brasil, esta prática se tornou muito mais marcante no período denominado Ditadura
Militar onde, no ano de 1969, Médici reformulou o ensino de história para que esta se
moldasse a proposta dogmática mais conveniente:

“Art. 3º

Fomente em cada uma das Repúblicas Americanas o ensino de história das


demais;

Procure que os programas de ensino e os textos de história não contenham


apreciações hostis para outros Países ou erros que tenham sido evidenciados
pela crítica;

Não julguem com ódio, ou se adulterem os feitos na narração de guerras ou


batalhas cujo resultado haja sido adverso e destaque tudo quanto possa
contribuir construtivamente à inteligência e cooperação dos países
americanos.” (BRASIL. Decreto n.65.814. 1969)

Na década de 70, quando ocorrera a primeira reforma do ensino médio, as


disciplinas passaram a serem pensadas como instrumentos para preparação do indivíduo
a sua realidade, ou seja, mercado de trabalho e vida em sociedade. Nesta época os
estudos sociais (história, sociologia, filosofia, geografia, economia e antropologia)
passaram a dividir espaço com Educação Moral e Cívica e OSPB (Organização Social e
Política do Brasil), que visavam a preservação de valores nacionais, culto a pátria,
preparo do cidadão e a importância da obediência as leis. (SÁ, 2006, p. 63-66).

Nos anos 80 a história foi criticada e citada para possível mudança em seu conteúdo,
porém, a mídia tratava este movimento como sendo de motivação “esquerdista”, cheia
de ideários revolucionistas. Até os presentes dias de 2017, a história é proposta como
disciplina para discussão crítica da realidade do aluno, levando em consideração as
contribuições dadas pelos professores. As propostas de aula podem fugir da rigidez e
formatação tradicional dos planos de aula. Porém, muitos problemas ainda abrangem o
modelo ideal de aula. (SÁ, 2006, p. 71-76).

Com o breve recorrido realizado e um pouco de experiência docente, possível em


período de estágio, futuros e já atuantes profissionais da educação podem perceber a
dificuldade em se adequar a exigência proveniente dos pais de aluno e deles próprios
que vivenciam a rotina escolar diariamente, os discentes. A sala de aula atual se tornou
espaço onde o professor compete atenção com o aluno que deseja as melhores
oportunidades de ensino superior, os que buscam suporte humanitário para as demandas
sociais não atendidas em sua própria casa e aqueles que se encontram em dilemas “sócio
existenciais” que não os permitem saber o que fazem em sala de aula.

A corriqueira frase “pra quê estudar o que já passou?” ou “isso não serve de nada na
minha vida!” apontam a necessidade de se repensar a educação por completo. Propor a
educação como fio condutor para o ato de se pensar a sociedade e nossas experiências

91
em meio a ela. As disciplinas merecem atenção especial por parte de seus principais
envolvidos, alunos e professores. A mera repetição de conteúdos para sua abstração e
uso em atividades avaliativas pontuais, torna o ensino mera proposta pensada para o ser
social na sociedade.

O ensino de história necessita ser passado não aos moldes de monomitos que elucidam
o herói dentro de cada um de nós, inseridos na realidade paralela ao de todos os outros.
Temos que conhecer a historicidade presente no momento atual que vivemos, levando
em conta seus aspectos negativos e positivos, para que possamos instigar nos jovens o
espirito participativo e motivado para as práticas de transformação social e compreensão
[real] de nosso papel no processo de mudança e de manutenção das propostas de estado.

Referências

NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista


Brasileira de História, São Paulo, v.13, n.25, p.143-162, set. 1992.

PANSARELLI, Daniel; PANSARELLI, Michelle Larissa Gandolfo. História,


Currículo e Ideologia: Considerações acerca do desenvolvimento do componente
curricular História na educação básica brasileira. Educação & Linguagem, v.13, n.22,
p.277-292, jul.-dez. 2010.

PIRES, Marília Freitas de Campos. O materialismo histórico-dialético e a Educação.


Interfaces: Comunicação, Saúde e Educação, v. 1, n.1, p. 83-92, ago. 1997.

SÁ, Patrícia Teixeira de. A socialização profissional de professores de história de


duas gerações: os anos de 1970 e de 2000. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de
Educação, 2006.

92
TEMPORALIDADES E ENSINO DE HISTÓRIA:
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO
TEMPO A PARTIR DE LIVROS DIDÁTICOS
PARA O ENSINO MÉDIO (PNLD 2012)
Elizete Gomes Coelho dos Santos

O debate contemporâneo acerca do projeto “Escola Sem Partido”, da “Base Nacional


Comum Curricular” e de reformas no ensino médio corroboram para ressaltar que a
discussão em torno do que e como ensinar em História precisa levar em conta a questão
das temporalidades (ANHORN, 2012). Em minha pesquisa de pós-graduação lato sensu
em Ensino de História (CESPEB/UFRJ), busquei identificar em narrativas de livros
didáticos para o ensino médio inseridos no PNLD 2012, de que modo o conceito tempo
é significado.

A categoria tempo relaciona-se a outros conceitos como sucessão, duração,


simultaneidade e contribui, por exemplo, para a compreensão da memória coletiva e
histórica (MIRANDA, 2005, p. 202). Flávia Eloisa Caimi (2015, p. 30) afirma que o
objetivo do ensino de História na educação básica é fornecer aos alunos condições para
que possam entender as particularidades do contexto em que estão inseridos e para tal, é
importante que aprendam a pensar historicamente: compreender os processos de
mudança ao longo do tempo e sua influência sobre o momento presente.

Políticas de currículo, como as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio


(2008), indicam a relevância do debate em torno das questões temporais para a
formação de indivíduos críticos, o que não garante que esta discussão esteja presente na
sala de aula. De acordo com José Gimeno Sacristán, os esforços necessários para
compreender currículo, além de considerar sua historicidade e os fatores não só
pedagógicos que o influenciam, requer investigá-lo na prática pois refletiria
pressupostos e valores muito distintos, à margem das intenções: o currículo “adquire
significado definitivo para os alunos e para os professores nas atividades que uns e
outros realizam e será na realidade aquilo que essa depuração permita que seja”
(SACRISTÁN, 2000, p. 201).

Em certos casos, único instrumento disponível de apoio pedagógico para o professor, o


livro didático, “lugar de produção, distribuição e consumo de saberes/enunciados
híbridos” (GABRIEL, Carmen, 2009, p. 249), é elaborado por complexos processos de
didatização que não resultam em um produto ideal, impossível de ser alcançado por
conta, por exemplo, de diferentes demandas que precisa atender: é primordial, portanto,
formar professores críticos, para que saibam lidar com as diferentes restrições deste
livro.

O PNLD, política curricular que orienta a produção e distribuição de livros didáticos no

93
Brasil, incitou debates, críticas e pesquisas que evidenciam não só a relevância
econômica para um amplo setor relacionado à produção de livros, que movimenta
capitais interno e externo, bem como a função que a literatura escolar exerce na vida
cultural e social (GASPARELLO, 2013, p. 22).

Nas narrativas do texto-base da unidade de abertura de “História Global: Brasil e Geral”


(2010) e “História: Das Cavernas ao Terceiro Milênio” (2010), obras cujos autores e
editoras de publicação possuem trajetória de sucesso em programas governamentais de
livro didático, o conceito tempo não é caracterizado como uma construção cultural, o
aspecto cronológico recebe destaque, há disparidades entre as orientações sugeridas aos
professores e o texto-base do livro do aluno e, a divisão tradicional da História, eixo
estruturador destas coleções didáticas, é insuficientemente problematizada, reforçando
as marcas da tradição existentes: História linear, eurocêntrica e progressiva.

Nas unidades inaugurais das obras de Cotrim, Braick e Mota, a discussão da questão
temporal se apresenta aquém de prerrogativas presentes em documentos curriculares
oficiais e também, do debate no interior do campo de pesquisa Ensino de História.
Reformas educacionais nem sempre se traduzem em mudanças no cotidiano escolar;
apesar de esforços terem sido feitos para superar a linha evolutiva e cronológica na
História aprendida/ensinada na escola, sua permanência é preocupantemente
evidenciada (ABUD, 2007, p. 113).

Os sinais de alternativa identificados nas narrativas selecionadas para estudo se


configuram muito mais como indicações do que exemplificações, seriam traços que
poderiam colaborar para a superação da razão indolente no ensino de História,
representada por resquícios do regime moderno de historicidade, como aponta Cinthia
Monteiro de Araújo (2012) ao interpretar Boaventura de Sousa Santos (2002, 2007).

A sociologia das ausências e a sociologia das emergências fazem parte do caminho


apresentado por Santos para implantar a ecologia das temporalidades em substituição da
monocultura do tempo linear, uma das características da razão indolente, que constrói
estereótipos que são transformados em verdades e estas últimas, em ações políticas de
exclusão pois os parâmetros formulados para parte da Europa são idealizados como
padrões para todos.

Acredito que considerar a existência de multiplicidade de tempos ao elaborar as aulas


auxilia o professor na atribuição de diferentes sentidos ao que será lecionado pois
contribui para a pluralidade, corroborando para a educação em direitos humanos,
essencial não só ao que diz respeito aos temas abordados em sala de aula mas também,
para a formação do aluno como sujeito de direitos (MONDAINI, 2010, p. 57).

Para que a problematização do conceito tempo esteja cada vez mais presente nas aulas
de História, mediante sua importância, defendo que diálogos entre a Academia e os
profissionais de educação básica necessitam ser fortalecidos, o que intensificaria a
circulação de diferentes saberes: a escola precisa ser concebida como espaço de
pesquisa e produção de conhecimento e os professores que nela atuam, devem ser
convidados a participar da elaboração de propostas curriculares e ter condições de
frequentar as devidas reuniões para tal.

94
Na jornada “O lugar da História no ensino escolar” (ANPUH, 13/05/2015, São Paulo),
Circe Bittencourt, ao defender a manutenção do componente curricular História na
educação básica, argumentou que o principal objetivo desta disciplina tem sido a
formação política; destacou em sua fala que esta disciplina escolar proporcionaria aos
alunos, muito provavelmente, a única oportunidade de suas vidas em que teriam contato
com outras perspectivas temporais sem ser o tempo em que eles vivem, presentista.

Conceito enigma, o que mais permite apreender o tempo são as palavras utilizadas para
referir-se a ele. Na sala de aula, negligenciá-lo implica na limitação do
aprendizado/ensinamento histórico, que requer não apenas as noções de passado,
presente e futuro, bem como a apreciação das ideias de sincronia, diacronia, ritmos,
rupturas e continuidades. É, indispensável, à vista disso, refletir a respeito da
permanência de uma concepção linear do tempo.

Referências Bibliográficas

ABUD, Katia Maria. “A História nossa de cada dia: saber escolar e saber acadêmico na
sala de aula”. In: MONTEIRO, Ana Maria. GASPARELLO, Arlette Medeiros.
MAGALHÃES, Marcelo de Souza (orgs.). Ensino de História: sujeitos, saberes e
práticas. Rio de Janeiro: Mauad X/Faperj, 2007.

ANHORN, Carmen Teresa Gabriel. “Teoria da História, Didática da História e


narrativa: diálogos com Paul Ricoeur”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.
32, nº 64, p. 187-210 – 2012

ARAUJO, Cinthia Monteiro de. 2012. Por outras histórias possíveis: em busca de
diálogos interculturais em livros didáticos de História. Rio de Janeiro: PUC-Rio (Tese
de Doutorado).

BITTENCOURT, Circe. O lugar da História no ensino escolar. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=XB628GqcWTY. Acesso em: 07 dez. 2015.
Publicado em: 23 jun. 2015 (Canal: ANPUH Brasil).

BRAICK, Patrícia Ramos. MOTA, Myriam Becho. História: Das Cavernas ao Terceiro
Milênio. Volume I – Das origens da humanidade à Reforma Religiosa na Europa. São
Paulo: Moderna, 2010.

CAIMI, Flávia Eloisa. “Investigando os caminhos recentes da história escolar:


tendências e perspectivas de ensino e pesquisa”. In: ROCHA, Helenice.
MAGALHÃES, Marcelo. GONTIJO, Rebeca. (org.). O ensino de história em questão:
Cultura histórica, usos do passado. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015.

COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. Volume I. São Paulo: Saraiva,
2010.

GABRIEL, Carmen Teresa. “Exercícios com documentos” nos livros didáticos de


história: negociando sentidos da história ensinada na educação básica”. In: ROCHA,
Helenice Aparecida Bastos. REZNIK, Luís. MAGALHÃES, Marcelo de Souza. (orgs.).

95
A História na escola: autores, livros e leituras. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

GASPARELLO, Arlette Medeiros. “Livro didático e história do ensino de história:


caminhos de pesquisa”. In: GALZERANI, Maria Carolina Bovério. BUENO, João
Batista Gonçalves JÚNIOR, Arnaldo Pinto (orgs.). Paisagens da Pesquisa
Contemporânea sobre o Livro Didático de História. Jundiaí: Paco Editorial; Campinas:
Centro de Memória/Unicamp, 2013.

MIRANDA, Sonia Regina. “Reflexões sobre a compreensão (e incompreensão) do


tempo na escola”. In: ROSSI, Vera Lúcia Sabongi de. ZAMBONI, Ernesta (orgs.).
Quanto tempo o tempo tem! Educação, Filosofia, Psicologia, Cinema, Astronomia,
Psicanálise, História… Campinas: Editora Alinea, 2005. 2 ed. p. 202.

MONDAINI, Marcos. “Direitos Humanos”. In: PINSKY, Carla Bessanezi (org.). Novos
temas nas aulas de história. São Paulo: Contexto, 2010.

Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Volume 3 – Ciências Humanas e suas


Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008.

SACRISTÁN, José Gimeno. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre:
Artmed, 2000. 3 ed.

SANTOS, Boaventura de Sousa. “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia
das emergências” In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, Outubro 2002: 237-280.

__________________. “Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma


ecologia de saberes”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 78, Outubro 2007. p. 71-
94.

96
ENSINO DE HISTÓRIA, ORALIDADE,
ALTERIDADE E SURDEZ
Ernesto Padovani Netto

No campo do ensino, uma discussão sempre presente é, como deixar as aulas mais
interessantes para os alunos? Como despertar o interesse dos alunos pelo conteúdo
ensinado? Elza Nadai inicia seu artigo: “O ensino de história no Brasil: trajetória e
perspectiva”, com uma epígrafe valiosa para nossa análise, vejamos:

Nossos adolescentes também detestam a História. Votam-lhe ódio


entranhado e dela se vingam sempre que podem, ou decorando o mínimo de
conhecimentos que o ‘ponto’ exige ou se valendo lestamente da ‘cola’ para
passar nos exames. Demos ampla absolvição à juventude. A História como
lhes é ensinada é, realmente, odiosa... (MURILO MENDES Apud NADAI,
92/93, p. 143)

A citação a cima traz um texto de Murilo Mendes publicado em 1935 e nos instiga a
pensar se ainda hoje persiste essa ideia sobre o ensino de história e quais práticas os
professores da disciplina tem buscado para a superação desse quadro.

Pela tradição sabemos que as aulas de história convencionalmente se consolidaram em


torno da oralidade, dentro da metodologia da chamada aula expositiva, onde o professor
promove a leitura de textos didáticos e em seguida explica os conteúdos lidos. Circe
Bittencourt aponta para essas características das aulas de história no Brasil, desde fins
do século XIX, afirmando ainda que os alunos deveriam ler o texto, dominar as palavras
escritas e repeti-las para o professor diante dos colegas. Desta forma a autora conclui
que a “lição” do livro se caracterizava por ser uma exposição oral da palavra escrita
(BITTENCOURT, 1996). Atualmente, em que pese todo um leque de novas
possibilidades de recursos e métodos para o ensino, tais como: cinema, televisão,
internet, games, etc. as formas mais tradicionais parecem ainda persistir, como aponta
Ana Maria Monteiro, a partir de pesquisas bem mais recentes sobre Ensino de História,
a autora afirma o seguinte:

Neste contexto, foi possível verificar que a aula ‘magistral’, a ‘exposição


oral’, tem sido a forma predominante, e mais comum, utilizada por
professores de História, que dificilmente dela conseguem escapar. Pode-se
perguntar, até, se faz parte do ‘habitus’ dos professores de História, de sua
cultura profissional. Por que isso ocorre?

Com raízes no método socrático e na tradição eclesiástica, através dos


sermões e preleções dos padres católicos e pastores protestantes, esse tipo de
aula tem sido alvo de intensas e variadas críticas que denunciam seu caráter
reprodutivista, opressivo e indutor da submissão, forma exemplar da
"educação bancária", do ensino tradicional, tão questionado pelas
pedagogias emancipatórias pautadas no construtivismo. Mesmo assim,

97
percebemos uma grande dificuldade por parte dos professores de História
em abandonar essa prática, apesar de toda a ênfase posta na necessidade de
se ensinar História ‘para desenvolver nos alunos uma cidadania crítica e
transformadora do mundo’. (MONTEIRO. 2007, p. 15)

A manutenção desse modelo de aula, seguramente coloca o ensino de história em uma


crise reflexiva de seus referenciais teórico-metodológicos em relação a formação dos
alunos, os quais, ainda são pensados em sua maioria, nos seus grupos majoritários, ou
seja, alunos ouvintes. Se estes têm dificuldades em se interessar por história dentro da
forma pela qual a disciplina tem sido ensinada, os alunos surdos, por sua própria
condição, tem sido alijados do direito à essas aulas, uma vez que a oralidade não os
contempla, a Língua Portuguesa na modalidade escrita ainda é um grande desafio para
os surdos, pois há grandes defasagens na alfabetização de surdos em relação ao
português, haja vista que ao não ouvir, as palavras tornam-se um emaranhados de
símbolos, aos quais o sujeito surdo tenta atribuir significado e ainda, esses estudantes
raramente vivenciam um ambiente escolar que reconheça e utilize sua língua natural: a
Língua de Sinais, no caso do Brasil, a LSB (Língua de Sinais Brasileira).

Desta forma, grupos da sociedade passam a não se reconhecer na escola e não se sentem
pertencentes à comunidade escolar. Nadai, partindo do ensino de história, mas
ampliando para a escola como um todo, chega a afirmar que o ensino de história vive
uma conjuntura de crise, uma “crise da história historicista”, que resulta do
descompasso existente entre as múltiplas e diferenciadas demandas sociais e a
incapacidade da instituição escolar em atendê-las ou responder afirmativamente, de
maneira coerente a elas (NADAI, 92/93. p. 144).

Entendemos que as aulas devem ser carregadas de significação que orientem a vida
prática dos alunos, para isso é necessário que os conteúdos e a forma de abordá-los
estejam conectados com as vivências dos estudantes, é o que defende Rocha, quando
declara que na leitura, o que está escrito interage com o que é vivido (ROCHA, 2012, p.
285), ou seja, não é a visão nem a audição que fazem o aluno compreender o que está
escrito, mas as relações que se estabelecem entre sua vivencia pessoal e o que ele lê, vê
e escuta. Dessa forma, a autora defende que o conhecimento não se realiza apenas pela
ação dos órgãos do sentido, mas das conexões que eles são capazes de fazer entre o que
é estudado e o que é vivido.

A mesma autora demarca a importância de aproximar os estudantes do conhecimento


ensinado, observemos suas ponderações:

Na dinâmica ensino-aprendizagem, o professor enfrenta dificuldades muitas


vezes traduzidas como dificuldade de compreensão, desinteresse e
indisciplina. Talvez a principal delas seja a percepção da distância dos
alunos com relação ao conhecimento especifico que ele deve ensinar e o
esforço necessário para propiciar tal aproximação. (ROCHA, 2012, p. 296)

Esse desafio de tornar a escola um ambiente em que o aluno se reconheça, e dentro da


disciplina história, ele possa se enxergar e relacionar o mundo em que vive com os

98
conteúdos estudados, só é possível a partir da construção de um saber histórico escolar
que proponha um exercício de acolhimento das diversidades por meio da prática da
alteridade, pois o modo como o tema é ensinado leva os alunos a se confrontarem
alteritariamente com eles mesmos e também com outros colegas, à medida que suas
histórias sejam reveladas. Essa situação pedagógica pode contribuir para o
fortalecimento dos alunos como membros de uma turma, de um grupo, considerando
suas aproximações, pelas semelhanças das histórias, e seus afastamentos, pelas
diferenças. (GOULART, 2012, p. 274).

O universo da surdez, por ser característico de uma minoria, gera desconhecimento


pelos grupos majoritários da sociedade, os quais historicamente o enquadrou em uma
perspectiva terapêutica, que visa a superação da surdez e a consequente “normalização”
da pessoa surda. Esse modelo embasou por muito tempo não apenas a educação dos
surdos, mas também vários outros aspectos da vida dessas pessoas, porém o que temos
visto atualmente é a troca desse patrão antigo por um encaminhamento que leve em
conta aspectos culturais, sociais e políticos. O pouco conhecimento que ainda temos dos
surdos, enquanto personagens constitutivos de vários grupos sociais minoritários,
pertencentes, pois, a comunidades tão legitimas quanto tantas outras, tem colaborado, e
em muito, para a exclusão de gerações e gerações de surdos pela assimilação da
diferença, pelo assujeitamento das alteridades à lógica da igualdade descabida de uns
poucos (SOUZA Apud SÁ 2010, p. 14 e 15).

Referências Bibliográficas

GOULART, Cecilia. Alteridade e ensino de história: valores, espaços-tempos e


discursos. In: Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: FGV, 2012.

MONTEIRO, Ana Maria. Professores de História: entre saberes e práticas. Rio de


Janeiro, Mauad, 2007.

NADAI, Elza. O ensino de História no Brasil: Trajetória e perspectivas. Revista


Brasileira de História, São Paulo, v. 13, nº 25/26, p. 163-174, set. 92/ago 93.

ROCHA, Helenice. A leitura na aula de história como experiência de alteridade. In:


Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: FGV, 2012.

SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. 2º ed. São Paulo:
Paulinas, 2010.

Sites consultados

BITTENCOURT, Circe. Práticas de leitura em livros didáticos. Revista da Faculdade


de Educação da USP, São Paulo, v. 22 nº 01, 1996. Disponível em
http://www.revistas.usp.br/rfe/article/view/33598/36336. Acesso em: 08 Fev. 2017. Não
há numeração das páginas no artigo disponibilizado no referido site.

99
QUEM QUER SER PROFESSOR?
APONTAMENTOS PARA REFLEXÃO
Fábio André Hahn

As reflexões aqui realizadas surgiram a partir das leituras e investigações vinculadas ao


projeto de pesquisa, intitulado: “A formação do professor de História no século XXI:
estudo dos graduandos, evadidos e egressos dos cursos de História” (Apoio
Unespar/Fundação Araucária). O objetivo, portanto, é tratar neste momento de aspectos
do cenário conjuntural da formação de professores desenhado no atual contexto, pois
ainda não é possível apresentar os resultados da pesquisa que se encontra em
andamento.

O debate acadêmico tem apontado, nos últimos anos, para a necessidade do repensar da
função e das ações das instituições universitárias. O crescimento do número de
universidades e de cursos de graduação é fato facilmente perceptível e criou uma ilusão
de ótica de que o crescimento estaria ancorado em qualidade formativa. Assim, mais
recentemente, o debate foi revelando essa ilusão e deixando claro que é necessário e
urgente implementar mudanças na universidade. O que se tem identificado é não apenas
um debate voltado à reestruturação dos currículos dos cursos de ensino superior, mas
também um redirecionamento para um novo modelo de universidade, fazendo com que
essas instituições de ensino superior se aproximem da sociedade, fugindo, em certa
medida, do mundo paralelo em que têm coexistido por muito tempo. Nesse cenário, os
cursos de licenciatura têm sofrido em maior medida, especialmente quando se torna
comum e popularmente frequente a pergunta: Quem quer ser professor?. Para estimular
a reflexão sobre essa questão, apontaremos alguns fatores que contribuem para o debate
em torno de um questionamento sobre o qual se esperaria uma resposta positiva tendo
em vista os discursos políticos que visam mudanças seguras em direção a uma
sociedade do futuro, mas que em nosso contexto tem revelado verdadeira insegurança.
Para essa reflexão, trataremos dois grupos: os professores da Educação Básica e os
acadêmicos dos cursos de licenciatura.

Os professores que atuam na Educação Básica

Os professores parecem ter sido eleitos como bodes expiatórios do Estado, semelhante
em alguns aspectos a “caça as bruxas” do final da Idade Média. Nos últimos anos as
notícias de greves de professores tem se alastrado por todo Brasil, resultado das
políticas de cortes que tem afetado profundamente o funcionalismo público, além do
baixo investimento em infraestrutura e condições adequadas para um trabalho exitoso
em sala de aula. No caso do Estado do Paraná, além de todas as questões salariais e
estruturais, temos visto claramente a baixa valorização do professor, representado entre
outros vários aspectos, por: a) penalização na distribuição de aulas por terem se afastado
em algum momento do trabalho, independente do motivo; b) redução da carga horária

100
de horas atividades, o que resultou no maior número de aulas em sala, menor tempo
para planejamento e correções das atividades dos alunos, ou seja, menos qualidade e
acompanhamento, fatores que forçam os professores a utilizarem seu tempo de descanso
nos finais de semana para realizarem tarefas de seu trabalho. Tudo isso impacta na
redução da qualidade do ensino. Mas quem está preocupado com isso? O Estado? Qual
é o momento em que foi manifestada a preocupação com a qualidade do ensino? As
poucas oportunidades de formação continuada já estão com os dias contados. Dois
exemplos: 1 - no Estado do Paraná temos o Programa de Desenvolvimento Educacional
- PDE, regulamentado desde 2010 e que visa melhoria na formação e na prática escolar
do professor, mas ao que tudo indica o programa não passa de 2017; 2 - o Pacto
Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio do governo federal regulamentado no
final de 2013, que visa elevar o padrão de qualidade do Ensino Médio brasileiro, já nem
se houve falar mais... Para além da redução na formação continuada, teremos o impacto
da reforma do sistema previdenciário que atingirá toda a sociedade, em que classe dos
professores terá perdas irreparáveis. Já contando com todas essas perdas, ainda vem
pela frente o impacto da medida provisória 746/16 de Reforma do Ensino Médio, em
que para a área de História prevê a não obrigatoriedade da disciplina no Ensino Médio,
o que resultará tanto no impacto do mercado de trabalho para a área, quanto na
formação crítica e cidadã dos nossos jovens estudantes. Uma ação relâmpago de
reforma do Ensino Médio, sem consulta aos setores da sociedade ligados à educação,
sem uma mínima perspectiva do papel formativo da escola na formação dos jovens.
Uma reforma que prevê o rebaixamento das exigências para o exercício da profissão
docente, permitindo a admissão de “profissionais com notório saber”. Se já existe
déficit na formação e qualificação dos profissionais ligados a educação, fato que tem
contribuído para os baixos índices de aprendizagem dos alunos, imagine então quando
as exigências forem menores. O que esses profissionais de “notório saber” conhecem de
escola? A escola não se resume a um conteúdo disciplinar. Lecionar não é simplesmente
o apertar de um parafuso, o processo é muito mais complexo e repleto de variáveis.

Os acadêmicos dos cursos de licenciatura

Se a expectativa para o professor da Educação Básica não é boa, o reflexo disso incide
automaticamente nos acadêmicos dos cursos de licenciatura. Vivemos, portanto, o que
alguns estudiosos da área definiram como “crise nas licenciaturas”.

No decorrer da vida universitária os acadêmicos possuem algumas alternativas de


formação complementar, como é o caso do Programa de Iniciação Científica - PIC e o
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID. O primeiro está
mais voltado aos acadêmicos que tem interesse em seguir carreira como pesquisadores,
no caso das licenciaturas em geral, acabam em algum momento lecionando no Ensino
Superior. O segundo, o Pibid, é um programa voltado especialmente a integração dos
acadêmicos das licenciaturas com a realidade do trabalho nas escolas. A proposta é
extremamente inovadora e abrangente, mas não atinge a todos os acadêmicos, o que
resulta em formação desigual. O Pibid, ao que tudo indica, é uma política de Estado que
já tem seus dias contados. O programa tem previsão de encerramento em fevereiro de
2018, caso o governo não assinale pela abertura de novo edital. Fato este que preocupa
estudantes e professores de licenciatura. Nas universidades do Estado do Paraná, além

101
dos programas mencionados, tínhamos a presença de um programa de extensão
conhecido como “Universidade Sem Fronteiras”, com vários subprogramas, entre eles o
“Apoio as licenciaturas”. Uma proposta interessantíssima que foi perdendo força ao
longo dos últimos 5 anos, especialmente com redução de investimentos e de projetos
selecionados. O programa ainda existe, reduzido e com nova formatação, tanto que no
último edital de seleção realizada em 2016, o subprograma “Apoio as licenciaturas” foi
substituído por “Educação”, que é muito mais abrangente e que pode não
necessariamente estar voltado as licenciaturas, como foi observado no resultado dos
projetos selecionados.

Portanto, assim como já pontuamos no caso dos professores da Educação Básica, no


caso dos acadêmicos a preocupação com a qualidade formativa também começa a se
afastar no horizonte, como pode ser observado nos exemplos dos programas acima,
passando para uma universidade ainda tradicional e de restritos mecanismos de
flexibilidade, a total responsabilidade de formar um professor que pouco contato tem
com a escola ao longo de seus estudos.

Qual é o problema disso? O problema que constatamos é que cada vez mais os cursos
de licenciatura formam menos professores, em geral dos 40 estudantes que ingressam na
graduação todos os anos, apenas 1/3 em média conseguem concluir o curso. Certamente
o leitor deve estar se perguntando por que isso acontece? As são inúmeras variáveis,
mas certamente elas não estão associadas apenas a dificuldade que os acadêmicos tem
com as matérias lecionadas, mas outros fatores estão atrelados as desistências, como:
acadêmicos desestimulados com os reflexos do mercado de trabalho na área de
formação; com as dificuldades financeiras, tendo em vista que a renda familiar média
dos acadêmicos das licenciaturas é baixa; com as deficiências de formação ao longo da
trajetória estudantil; entre outros fatores. Esses fatores certamente contribuem para a
desistência do curso e de alguma forma já são observados, em alguns casos, no próprio
processo seletivo de ingresso nos cursos de licenciaturas. A baixa concorrência é reflexo
de um contexto em que a área sofre ataque rotineiramente, gerando desgaste da imagem
e reduzindo expectativas de futuros candidatos, pois a escolha de um curso de
graduação não se dá apenas pela possibilidade da inserção no mercado de trabalho com
representativa rentabilidade, mas por outros fatores, como: perfil, reconhecimento,
status, entre outros tantos. Com isso é possível observar uma defasagem da imagem das
licenciaturas, ficando cada vez mais óbvia a resposta a pergunta: Quem quer ser
professor? O baixo incentivo das últimas décadas para a formação de professores tem
tido reflexos negativos nos números atuais.

Por fim, como considerações finais poderíamos apontar para a seguinte questão: Como
ficará a qualidade do ensino? Como vimos, os governos não querem incentivar
professores a se aperfeiçoarem; extinguem programas de formação docente inicial e
continuada; desestimulam profissionais da Educação Básica com baixos salários, com
infraestrutura de trabalho precária, com jornadas de trabalho em sala de aula cada vez
maiores, obrigando os professores a utilizarem seu tempo de descanso para correções de
tarefas e planejamento das aulas e, além de tudo isso, punindo professores que adoecem.
Ao olharmos para o futuro, mesmo com um passado repleto de experiências, no
horizonte sobram poucas expectativas... O cenário da formação de professores é
nebuloso, e não podemos negar, a ferida está ai, aberta e a cicatrização, ao que tudo
indica, será lenta. Mas ainda continuamos ouvindo dos nossos políticos que a educação

102
é solução para o país! Por fim, nos resta perguntar: o que será do professor no século
XXI?

103
ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO
Fabian Filatow

A realidade vivenciada entre o desenvolvimento das pesquisas históricas efetivadas na


academia e a prática do ensino de história na Educação Básica ainda está marcada por
um abismo que distancia estas duas partes de uma mesma equação. Uma das
possibilidades que percebo que podem contribuir para resolver esta realidade, que por
muito tempo assombra a educação, está no estudo da memória e do patrimônio,
questões que podem ser utilizadas para fomentar uma melhor conscientização das
possibilidades do conhecimento histórico.

Acreditamos que a introdução de questões atreladas tanto a memória quanto ao


patrimônio histórico oferecem uma riqueza de trabalho para os diversos fins do estudo
da História também na Educação Básica. Este foi o caso da proposta pedagógica
desenvolvida ao longo desde ano com estudantes dos sexto ano do ensino fundamental
do Centro Municipal de Educacional Básica Oswaldo Aranha de Esteio – RS.

Almejando promover um conhecimento mais amplo que oportunizasse aos estudantes


um maior contato com as artes de como se produz História, elaborei um trabalho que
envolvesse a tanto a memória local quando o patrimônio histórico de Esteio. Neste
sentido, fiz uso do recém criado Museu Histórico de Esteio (MHE), localizado nas
dependências da Casa de Cultura de Esteio (RS).

Partindo da concepção de que Patrimônio Educacional

Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional


centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e
enriquecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato
direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus
múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação
Patrimonial busca levar as crianças e os adultos a um processo ativo de
conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural,
capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a
geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de
criação cultural. (Horta, 1999, p. 6)

Primeiramente elaboramos um museu itinerante, ou seja, coletamos diferentes objetos


que ofereciam um significativo potencial histórico. O objetivo foi sensibilizar o grupo
para as potencialidades oriundas dos mais diferentes objetos para refletirmos sobre a
História.

Os objetos foram expostos aos estudantes. Na sequência, discutimos algumas questões


sobre como procedemos para separar objetos para um museu, como é realizada a
seleção dos objetos que devem contar a história do município e estar em exposição no
MHE. As questões eram: Quem define os critérios que elegem um objeto como
patrimônio? Quais pessoas devem participar dessas escolhas? Quais grupos sociais ou

104
étnicos devem estar presentes no museu? Quais os tipos de objetos devem ser
privilegiados para contar a História de Esteio? O objetivo era demonstrar a dificuldade
em realizar esta seleção. Demonstrar que objetos estão relacionados com a memória de
pessoas, de grupos sociais. Ensinar aos estudantes que o patrimônio, seja ele material ou
imaterial, é apropriado e reapropriado pelas comunidades para reivindicarem as suas
identidades culturais particulares, mas sempre em contextos de deslocação quer no
espaço, quer no tempo.

A ação do professor de história torna-se fundamental para construir em suas aulas um


espaço propício para a discussão sobre questões tão pertinentes como patrimônio e
memória, bem como suas reapropriações. E, neste sentido, “(...) a Educação Patrimonial
é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura
do mundo que o rodeia, lavando-o à compreensão do universo sociocultural e da
trajetória histórico-temporal em que está inserido. (Horta; Grunberg; Monteiro, 1999, p.
6)

Após estas reflexões, o projeto passou para uma segunda etapa, uma visita ao MHE. A
atividade no museu esteve orientada pela prática, ou seja, em duplas os estudantes
deveriam responder perguntas previamente estabelecidas em fichas. Perguntas que
conduziam os visitantes a serem participativos do espaço de memória, ou seja, deveriam
descobrir a data de fundação, o objetivo da criação do museu, o tipo de museu que
estavam visitando e relacionar os diferentes tipos de fontes históricas que poderiam ser
identificadas no museu.

Como destacou Jacques Le Goff “o documento não é qualquer coisa que fica por conta
do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que
aí detinham o poder”. (1990, p. 545). Assim sendo, cada fonte histórica pesquisada era
associada a uma história particular e também ao município. Neste sentido, as coisas
“velhas” passaram a ter sentidos para estes estudantes, muitos reconheceram objetos de
seus antepassados. Como bem disse Marc Bloc “os documentos são vestígios.” (2001,
p. 7-8). A relação entre estes objetos, estes patrimônios e a memória são muito
próximos, pois mais do que preservar, a memória constrói o passado, o inventa,
conferindo-lhe sentido, que ela monta e remonta, lembra, esquece e seleciona os
vestígios do passado.

A atividade envolvendo o museu contribui para exercitarmos em sala de aula e de


maneira prática uma proposta presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais de
História e Geografia, que sinaliza como necessidade:

Conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais, em


diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas,
políticas e sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles;
Reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas, presentes na
sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e
no espaço; Valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade,
reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e como um
elemento de fortalecimento da democracia. (PCN. História e Geografia.
Brasília: MEC/SEF, 1997, vol. 5, p. 41).

105
Em 1983 a Educação Patrimonial foi introduzida no Brasil em termos conceituais e
práticos. Esta metodologia estabelece etapas, tais como: observar, registrar, explorar e
apropriar. Destacamos aqui que algumas destas etapas foram adaptadas para a realidade
escolar na qual nos encontrávamos como o recurso do LABIN – Laboratório de
Informática – para fins de ampliarmos os conhecimentos sobre os objetos e suas
utilidades no passado.

Outra etapa do projeto ocorreu na exposição na Feira de Ciências e Ideias que ocorreu
nas dependências da escola no mês de julho. Neste momento foi apresentado para a
comunidade em geral a visita realizada pelos estudantes ao MHE, bem como a
reconstrução do museu itinerante e a explicação sobre as diferentes fontes históricas
disponíveis para a pesquisa histórica. Foi a apropriação, pois buscou-se sensibilizar a
comunidade para a importância de se ter e de se manter o museu histórico municipal.

Apontamentos finais

Enfim, o patrimônio, assim como a memória nasce, vive e morre, na era de um


momento onde a questão patrimonial está na moda, onde tudo poder ser tombado,
registrado e preservado há a necessidade de uma educação patrimonial transformadora,
com o firme propósito de respeitar e preservar as diversidades, visando que o
patrimônio tenha sentido para a população.

Enfim, utilizando-se do museu acreditamos ter contribuído para um processo de


consciência histórica, sobre a história local municipal, para o estabelecimento de relação
entre os estudantes e os fatos ocorridos no passado no município no qual habitam.

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106
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professores do ensino fundamental e médio. Caxias do Sul: Maneco Livraria &
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SOARES, André Luis Ramos; KLAMT, Sérgio Célio (orgs.). Educação Patrimonial:
teoria e prática. Santa Maria: Ed. UFSM, 2008.

107
SENTIDOS DO ENSINO E APRENDIZAGEM DE
HISTÓRIA PARA ESTUDANTES DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Flávio Batista dos Santos

Compreendemos a História como resultado da experiência humana ao longo do tempo e


suas relações com o presente através do entendimento das múltiplas formas em que os
seres humanos viveram e pensaram suas vidas em sociedade nos mais diferentes
espaços e tempos. Ao ensino de História comumente é destinado a formação de
cidadãos onde uma das premissas está a possibilidade da compreensão da história do
mundo, do seu país e do local onde se relaciona. Numa nova perspectiva do ensino de
História, compreende-se que o processo de aprendizagem é resultante de diferentes
memórias, as quais são provenientes das múltiplas experiências humanas, por esse
procedimento, a memória deixa de ser única e passa a ter várias vozes.

O estabelecimento de uma relação entre a memória e as experiências ao longo do tempo


reforça a necessidade do conhecimento histórico incorporado pelos estudantes ao longo
de sua vivência.

Buscando identificar o pensamento que os estudantes têm sobre a História e o seu


ensino na escola, questionamos os sujeitos desta investigação a responder sobre a
história ensinada em sala de aula.

Nos questionamentos realizados com os estudantes, propusemos uma reflexão sobre a


relação entre a História ensinada em sala de aula e a História vivida. Compreendemos a
História ensinada como os saberes produzidos pelos sujeitos ao longo da História,
representados por aquilo que a escola oferece de maneira formal aos seus estudantes.
Por outro lado, a História vivida diz respeito às experiências que professores e alunos
vivenciam na sua trajetória, apropriando-se dela e formando uma identidade desses
sujeitos. Entendemos que este é um tema relevante no sentido de observar que papel a
História representa para os estudantes. Cainelli (2010) ao tratar do sentido dos
conteúdos para os estudantes faz as seguintes colocações:

A pergunta que podemos fazer é como tendo ideia do sentido de história


podemos ensinar história para crianças? Pensando que antes de qualquer
coisa esta história precisa levar em consideração que a criança é capaz de
aprender história e pensar historicamente. Ensinar a pensar historicamente
significa desenvolver a capacidade de transitar de um modo de argumentar
para outro, de relacionar a experiência humana com a vida prática de cada
um. Este pensar se concretiza a partir da constituição da narrativa quando o
individuo interpreta o passando seguindo os princípios e regras da ciência da
história (CAINELLI, 2010, p. 19).

108
Seguindo a linha de pensamento da autora, entendemos que os conteúdos de história
fazem sentido para os estudantes à medida que conseguem estabelecer uma relação com
sua vida prática. Para isso, precisam desenvolver a capacidade de observar a forma
como a história se desenvolve no continum do tempo. A tabela abaixo demonstra que
essa relação entre a História ensinada na escola, ou seja, aquela presente nos livros tem
pouca relação com as suas experiências.

Relação entre a História ensinada e a vivida.

Escola Pública Escola Particular Total


6º ano 9º ano 6º ano 9º ano
Há relação 14% 25% 60% 73% 39%
Não há relação 83% 75% 40% 27% 60%
Não respondeu 3% 1%
Total 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte – autor, 2013

Dos questionários respondidos pelos estudantes 60% apontaram que não há relação
entre as duas situações. Índice que é maior entre os estudantes da escola pública, ao
passo que na escola particular inverteram-se as respostas.

Ressalta-se que mesmo os estudantes apontando para um distanciamento entre a


História ensinada e a História vivida, alguns justificam tal situação mostrando aspectos
de mudança, o que seguindo a ideia de que a História se faz com a observação das
mudanças e permanências, estes alunos conseguem fazer essa distinção, apesar de não
considerar isso como uma relação entre o ensinado e o vivido.

No passado a história é bem diferente do que nos dias atuais, pois não tinha tecnologia
como tem agora, o povo era governado de outra forma, poucos tinham acesso a estudo
e nos dias de hoje temos mais oportunidades de aprendizado.

Entre os estudantes que apontaram que há uma relação entre a História ensinada e
História vivida, percebemos que as considerações feitas vão em direção ao comparativo
entre o tempo presente e o tempo passado.

Vejo, pois se a gente não soubesse sobre a história de décadas atrás, a gente não
estaria vivendo como hoje. Imagina se existisse até hoje aquela escravatura. Antes as
pessoas não tinham o direito de falar como nós temos hoje.

Em relação aos estudantes do 6º ano suas respostas foram muito objetivas no sentido do
“não” ou “sim” para a questão proposta. Nestas respostas, especificamente, verificou-se
uma busca pela justificativa do sentido ou não da História para os estudantes do 9º ano,
ao passo que para os estudantes do 6º ano isso não foi uma preocupação.

Ao selecionar como sujeitos da pesquisa estudantes de dois estabelecimentos de ensino


e de turmas com anos de estudos diferentes (turmas de 6º ano e 9º do Ensino

109
Fundamental), nosso objetivo foi observar as possíveis diferenças ou não no que diz
respeito ao pensamento desenvolvido pelos estudantes.

Associamos ao pensamento de Peter Lee (2006) quando trata da possibilidade da


progressão da compreensão em história pelos estudantes. Segundo esse autor:

A progressão é distinta de uma noção de agregação de informação


substantiva e pode ser facilmente seguida em termos de conceitos de
segunda ordem. As crianças revelam ideias tácitas acerca desses conceitos
históricos, mesmo se nada de explícito lhes é ensinado acerca deles. Estes
conceitos tácitos de segunda ordem afetam profundamente o seu raciocínio
substantivo e é possível identificar níveis de progressão: os níveis de
progressão são constituídos por ideias interligadas, aumentando
progressivamente de poder de nível para nível. (LEE, 2006 p. 30).

Nos grupos pesquisados as diferenças existentes entre eles não foram tão significativas
quando analisamos no conjunto das respostas os estudantes com o mesmo ano de
escolaridade, ou seja, os apontamentos feitos pelos estudantes do 6º ano da Escola
Pública foram relativamente próximos dos estudantes do 6º ano da Escola Particular.
Entre os estudantes do 9º ano também não foram tão significativas as diferenças entre as
respostas dadas pelos estudantes. Percebemos diferenças quando comparamos os
estudantes do 6º ano com os estudantes do 9º ano. Nos últimos notam-se algumas
explicações mais bem elaboradas, com um poder de análise sobre as questões abordadas
maiores do que nos primeiros.

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________ Reconstrução do passado: teoria da história: os princípios da pesquisa


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SCHMIDT, M. A. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência


histórica. In: MONTEIRO, Ana Mª F. C. et alii. Ensino de História: Sujeitos, saberes e
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http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2778012. Acesso em 20/01/2013

111
ENSINO DE HISTÓRIA E A NOÇÃO DE
PATRIMÔNIO CULTURAL CONTEMPORÂNEA
Francisca Márcia Costa de Souza

A força do patrimônio cultural reside justamente no diálogo permanente que mantém


com os sujeitos que se identificam com ele. O patrimônio também pressupõe uma ação
territorializada, portanto, recortada pela vida, pelas experiências caminhantes de seus
praticantes. Pensar dessa forma é contemplar o patrimônio por meio de usos mais
qualificados, que por esta razão lhe conferem sentidos e significados diferenciados.
Ainda, é uma forma de enraizamento que engendra solidariedade entre os indivíduos ou
grupos que compartilham o bem patrimonial e as práticas que os identificam.

No campo do patrimônio cultural é necessário manter a discussão sempre aberta e


continua sobre as premissas que orientam a atividade patrimonial, caso contrário elas
podem ser banalizadas, desgastadas. Nesse sentido, operamos com a perspectiva que
contempla as transformações históricas como pressupostos inerentes a noção de
patrimônio cultural contemporâneo. É preciso considerar ainda que a noção de
patrimônio cultural contemporânea tem neste trabalho como marco temporal inaugural a
década de 1980, especificamente tem como evento inicial a Constituição de 1988 do
Brasil, conhecida como Constituição Cidadã.

Para Paulo Marins, a década de redemocratização do Brasil coincidiu com o esforço dos
órgãos de preservação federal de ampliar os alvos dos processos de tombamento de bens
até então ignorados por elas, “num alargamento perceptivo daquilo que começara a se
definir como a diversidade cultural” (2016, p. 12). Em 1986, o houve o tombamento do
primeiro terreiro de tradições religiosas afro-brasileiras – o Terreiro da Casa Branca, Ilê
Axé Iyá Nassó Oká. Dessa maneira, ainda segundo Paulo Marins, a década de 1980 é
marcante porque se amplia o conceito de patrimônio cultural, incorporando o olhar
antropológico, bem como houve o ajuste ao que estabelecia a Constituição de 1988.

Nela, podemos refletir sobre algumas mudanças referentes ao patrimônio cultural


contemporâneo. É incluído, por exemplo, o patrimônio imaterial. O que pressupõe a
valorização dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, dos quilombolas e das
populações tradicionais. Outro aspecto que deve ser considerado é que o patrimônio
cultural não é mais exclusivamente definido pela sua monumentalidade ou
excepcionalidade, concepção, aliás, presente no Decreto – Lei n. 25/37 (Organiza a
proteção do patrimônio histórico e artístico nacional), mas pela referência à identidade e
à memória dos diferentes grupos. Neste aspecto, o caráter elitista é rechaçado, pois
valoriza a pluralidade cultural do povo brasileiro.

Por acharmos oportuna essa discussão, vamos construir entendimento sobre a noção de
patrimônio cultural contemporânea a partir do texto do Ulpiano Meneses (s/a),
denominado “O Campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas”. A sua
reflexão é útil porque toma o patrimônio cultural contemporâneo a partir do

112
deslocamento do campo do Estado para a sociedade. Para tanto, ele parte da análise de
um cartum (desenho humorístico ou caricatural, que satiriza comportamentos, valores e
atitudes humanos) publicado em uma revista francesa.

O cartum analisado por Ulpiano Meneses possibilita alargar o entendimento sobre a


noção de patrimônio cultural contemporânea. Nesse sentido, era o “estado que instituía
o patrimônio, composto apenas de bens tombados. Nesse caso, o tombamento tinha o
poder de instituinte do valor cultural” (MENESES, s/a, p. 33), Contudo, não podemos
encarar o patrimônio como uma ideia de unidade.

Segundo Ulpiano Meneses, a compreensão do cartum é vigorosa porque lhe possibilitou


várias leituras, suscitou muitos problemas, existindo nela uma “extraordinária força”
capaz de vencer o tempo, acompanhá-lo e provocas até hoje suas reflexões sobre
patrimônio cultural. Procuramos pesquisar a imagem na internet por meio de vários
buscadores, mas não foi possível encontra-la até o momento. Embora, o cartum não
esteja impresso no texto, ele consegue vencer esse aparente obstáculo com uma análise
vigorosa.

Assim, o cartum trata de uma velhinha, que ele descreve como “encarquilhada”, que se
encontra de joelhos diante do altar de uma catedral francesa, seriamente concentrada em
sua oração. A sua compenetração de monge contrasta seriamente com a euforia dos
turistas orientais e seu guia, que a interrogam com um olhar pontiagudo. Para o guia da
expedição, a velhinha perturba a visitação. Resta uma questão: quem “atrapalha” quem?
Por que a velhinha em oração atrapalha os turistas? Assim, o texto de Ulpiano Meneses
trata de três personagens: a velhinha, os turistas orientais e o guia, enfatizando as
relações que eles tecem com o bem cultural.

As diferenças que permeiam esses três personagens são cheias de reflexões que
enriquecem a noção de patrimônio cultural contemporânea. Primeiro, a velhinha deve
ser moradora do lugar em que está a catedral, pois sua atitude revela uma relação
próxima e íntima, o que podemos chamar de “territorializada”. Por este termo
entendemos que a catedral faz parte do circuito caminheiro desta senhora, ou seja, é
indissociável da vida cotidiana que se desenrola. Esse posicionamento revela-se mais
contundente a julgar pelas roupas do dia a dia da “velhinha” e também por não está
acompanhada de outra pessoa. Este aspecto revela que é uma prática segura, rotineira e
próxima. O conceito de territorialidade é animado pela ideia de “habitar”, cujo
entendimento nos remete a condição de manter uma experiência sensível, permanente,
duradoura e cotidiana. Além disso, a catedral parecer ser um bom lugar para rezar.
Nesse sentido, o bom, o prazeroso, o belo, a beleza também constitui a noção de
patrimônio cultural.

Trata-se, portanto, de uma relação de pertencimento – mecanismo nos


processos de identidade que nos situa no espaço, assim como a memória nos
situa no tempo: são as duas coordenadas que balizam nossa existência.
Consequentemente, a relação da velhinha com a catedral não deve ser
pontual, de exceção ou que se consuma numa momento privilegiado e
depois não mais se repita, ou se repita de forma atenuada ou descontínua. A
relação da velhinha é existencial, pressupondo tempos dilatados (morar,

113
moradia são palavras que também explicitam esse conteúdo de extensão
temporal do habitar). (MENESES, s/a, p. 27).

Assim, a partir desta primeira personagem, podemos apontar algumas considerações


sobre o patrimônio cultural. A compenetração profunda da velhinha em oração mostra
que a catedral é um espaço íntimo e cotidiano. Por esta razão, não se trata de uma
relação pontual, mas faz parte da própria existência dessa senhora. A vitalidade dele
vem destas práticas cotidianas e duradouras. Essa relação mútua de pertencimento
atravessa o entendimento acerca da noção de patrimônio cultural. A catedral possui
estímulos pela sua antiguidade, pelas imagens e estilo arquitetônicos que aprofunda o
sentimento de pertencimento. Em síntese, é a noção de enraizamento, de referência
cognitiva, de continuidade, de constância e de pertencimento que atravessa o patrimônio
cultural.

De lugar de culto, a catedral tornou-se experiência de fruição dos turistas, em “lugar de


representação do lugar de culto”. Essa mudança qualitativa esvazia as práticas antigas,
tornando-as obsoletas. Para o autor que estamos trabalhando, as práticas deles são
“desterritorializadas”. Isso pode ser expresso pela maneira como os turistas
comportam-se na catedral, de não entrega, de não enfrentamento, falta intimidade. Eles
não estão interessados em viver o bem cultural. É uma experiência externa e mediada
por informações prontas. Essa vivência ocorre pela mediação de um especialista, cuja
informação pronta marca percursos e desejos. É uma experiência distraída e mediada
pelas informações do guia.

Portanto, a relação cotidiana tecida entre a catedral e a velhinha, que, por assim dizer, é
uma experiência patrimonial qualificada e atravessada por inúmeros sentidos e afetos.
Por essa via, é preciso pensar o patrimônio cultural como uma relação orgânica que
possibilita as condições de produção da vida concreta, ou seja, as vivências, os afetos,
os desejos, as sensibilidades e sentimento de pertencimento, e não uma vivência
distraída, pontual e pronta.

Diante do exposto, o patrimônio cultural não existe fora da história. É preciso evitar a
ideia de patrimônio cultural como “essência” de uma época, como aquele que
sobreviveu à história. O patrimônio cultural não é um objeto congelado do passado.
Nesse sentido, o que vigora atualmente é acepção da mutabilidade do bem preservado,
de que ele está inserido na história, ao qual ele se caracteriza pela vida. É inerente ao
patrimônio as transformações, ou melhor, o que está em jogo não é materialidade em si
do patrimônio, mas diz respeito a preservação da “identidade em transformação”, pois a
preservação do bem cultural não está na capacidade dele permanecer como era desde a
sua concepção, é na sua capacidade de mudar que está a sua força vital. O patrimônio
cultural não é um objeto a-histórico, pelo contrário, ele precisa das transformações
históricas, ou seja, é pela interação com os sujeitos, seja por meio da consciência
histórica, seja como estímulo a compreensão da vida pessoal desses indivíduos.
Preservar é a capacidade do bem patrimonial fazer sentido através do tempo, o
patrimônio esta dentro da vida.

Após essas colocações, é preciso reconhecer que a interface entre ensino de história e o
patrimônio cultural ocorre a partir do entendimento que a história é vida, é produção de
subjetividade, é engajamento político. Neste aspecto, é preciso reconhecer a força do

114
patrimônio cultural, enquanto categoria de pensamento, como instrumento de luta pelo
reconhecimento público de grupos e indivíduos. É uma política que organiza o lugar de
fala, os interesses e as subjetividades de um grupo por meio da preservação e
valorização do bem cultural. Para tanto, é imprescindível a ligação íntima entre o bem
patrimonial e os sujeitos. A existência social e cultural do patrimônio depende dessa
conexão.

O reconhecimento da diversidade cultural como inerente a tudo que é humano também


constitui a interação entre ensino de história e o patrimônio cultural. Face ao mundo de
incertezas que nos debruçamos, vimos que nele persiste a negação da humanidade do
homem, provocando seu esvaziamento. Nesse caso, o patrimônio cultura atua como
consciência do lugar que ocupa o sujeito em uma sociedade, sistema de ancoragem que
permite que o sujeito sinta-se parte de algo. Desse modo, a interface não ocorre sem o
exercício da tolerância, o que antes pressupõe conectar o homem a sua humanidade.
Não acontece sem inclusão e ampliação dos direitos sociais, não se concretiza sem a
intensificação da qualidade da democracia.

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 11. Ed. São Paulo:
Contexto, 2010.

CARSALADE, Flávio de Lemos. A preservação do patrimônio como construção


cultural. Arquitextos. São Paulo, ano 12, n. 139, dez., p. 1-9, 2011.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Os limites do patrimônio. Disponível em <


http://portal.iphan.gov.br/editais/detalhes/126/selecao-mestrado-profissional-em-
preservacao-do-patrimonio-cultural-2017>Acesso em 24-01-17.

MARINS, Paulo César Garcez. Novos territórios, um novo Brasil? Um balanço das
políticas patrimoniais federais após a década de 1980. Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, v. 29, n. 57, p. 9-28, jan./abril, 2016.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra. O campo do Patrimônio Cultural: uma revisão


de premissa. Disponível em < http://portal.iphan.gov.br/editais/detalhes/126/selecao-
mestrado-profissional-em-preservacao-do-patrimonio-cultural-2017>Acesso em 24-01-
17.

115
ENSINO DE HISTÓRIA E MUDANÇA
CLIMÁTICA: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA
Gerson Luiz Buczenko

Introdução

O presente artigo é resultando de uma atividade realizada em sala de aula, durante as


aulas de História, com alunos do 8º ano do Ensino fundamental, de uma escola
particular localizada no município de Campo Largo, Paraná. O objetivo geral
inicialmente estabelecido foi de conhecer o conceito de mudança climática e sua relação
com o ensino de História na atualidade. Como objetivos específicos foram elencados:
conceituar mudança climática; relacionar o conceito de mudança climática com o ensino
de História; analisar os posicionamentos dos alunos em relação a temática por meio de
produções de texto, realizadas em sala de aula. É importante salientar de início que o
planeta Terra sofreu várias mudanças climáticas naturais, ou seja, sem a interferência
humana, como ocorrem na atualidade.

Mudança Climática

Segundo a Associação em Defesa do rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar (APOENA,


2017), mudança climática é o nome que se dá ao conjunto de alterações nas condições
do clima do planeta pelo acúmulo de alguns tipos de gases, como o dióxido de carbono
(CO2) e o metano (CH4) na atmosfera. Esses gases emitidos em quantidade excessiva
há pelo menos 150 anos, aproximadamente, desde a segunda fase da Revolução
Industrial, ocorrida no período entre 1860 e 1900, marcada pela industrialização da
Alemanha, França, Rússia e Itália, bem como, pelo emprego do aço, energia elétrica,
combustíveis derivados do petróleo, invenção do motor a explosão, da locomotiva a
vapor e o desenvolvimento de produtos de alta complexidade química, marcaram de
forma indelével a presença humana no planeta com sérias consequências para a
natureza, por meio da queima de combustíveis fósseis, a exemplo do petróleo e carvão,
do uso inapropriado da terra com a conversão de florestas e da vegetação natural em
pastagens e plantações, em nome da riqueza do agronegócio e de intensa urbanização
em nome do progresso das cidades. O ser humano transformou a natureza e a si mesmo,
carreando assim, inevitáveis consequências para o planeta.

Os gases acima mencionados, também chamados gases de efeito estufa, constituem uma
uma espécie de cobertura na atmosfera, que impede que os raios solares que incidem
sobre o planeta Terra, sejam emitidos de volta ao espaço, acumulando, assim, calor e
provocando o aumento da temperatura na superfície do planeta, assim como ocorre, por
exemplo, numa estufa de plantas. Estes gases que sempre estiveram presentes na
composição da atmosfera, em razão das próprias manifestações climáticas de ordem
natural, mas em razão da ação do ser humano, estima-se que há atualmente acúmulo de
cerca de 30% a mais do que havia antes da Revolução Industrial, e a sua emissão

116
continua sendo acrescida, apesar dos acordos mundiais do clima, o que tem alterado
sobremaneira as condições climáticas.

Significância Histórica - uma breve abordagem

Significância histórica segundo Barton e Levstik (2001), é uma construção social e


também uma construção política, fato que explica a seleção de determinados conteúdos
em currículos. O fato de selecionar-se um conteúdo do passado, ou seja, atribuir-lhe um
significado diferenciado, colocando-o em destaque, explicita a relação que pode existir
entre o conteúdo abordado e a relação com outros fatos. Assim, para o Historiador, a
significância de determinado conteúdo histórico, ganha um sentido maior uma vez que
se tem como objetivo principal o aprendizado histórico, que acrescido da significância,
estimula a formação de uma consciência histórica.

Para Santos (2012, p. 764), a significância histórica pode ser relacionada, no senso
comum, com a ideia de importância ou relevância, ao significado que se atribui a um
evento, personagem ou processo histórico. Desse modo, a significância atribuída à
História permeia toda a interpretação, compreensão, seleção e avaliação das situações.
Os alunos em sala de aula estão sempre sujeitos à significância histórica nas suas
diversas fases de escolaridade. No entanto, quando desconstituída de significado, a
História se torna algo desconectado da realidade para o aluno. Assim, a significância
histórica, tem um papel preponderante no sentido de despertar o interesse, a curiosidade,
a conexão e o entendimento dos fatos históricos, que a partir desse momento fazem a
História ter um sentido, possibilitando também a orientação entre passado e o presente e
novas perspectivas de futuro. Nesse sentido, em razão da emergência do conteúdo
mudança climática, que está diretamente conectado à ação do homem sobre o meio
ambiente, deve adquirir significância histórica para as futuras gerações, uma vez que os
reflexos de descaso com a natureza em nome de um progresso desenfreado será
fortemente sentido no futuro, que já se avizinha.

Mudança Climática em sala de aula

A abordagem da temática em sala de aula, com alunos do 8º ano, deu-se de forma


indireta, primeiramente com a exposição de filme – documentário que trata da questão
intitulado “Lixo Extraordinário”, narrado por Vik Muniz, no qual retrata-se a vida de
pessoas que trabalham com o lixo no estado do Rio de Janeiro. A abordagem foi
finalizada com várias reflexões por parte dos alunos como: a produção do lixo em razão
da sociedade do consumo; a valorização do ser humano na sociedade do imediatismo,
entre outras. Em seguida, foi exibido o filme intitulado “Uma verdade inconveniente”,
narrado por Al Gore, que concorreu a eleição para presidente dos EUA e foi derrotado
por George W. Bush, no ano de 2000. O filme trata diretamente sobre as mudanças
climáticas de forma muito didática e sobre seus efeitos em relação ao planeta terra, bem
como, aos seres humanos. O filme foi muito impactante para os alunos, em razão,
principalmente, da pouca divulgação da temática, vista por muitos ainda como algo sem
importância.

117
Após a exibição do filme, da mesma forma que no filme anterior estimulou-se o debate
em sala com os alunos, sobre a temática mudança climática e seus efeitos para a vida
humana no planeta, e ao final, solicitou-se uma produção de texto sobre o tema
trabalhado, cujos resultados foram avaliados buscando-se a significância histórica dessa
temática para os alunos, expressa em suas reflexões. Foram avaliados ao todo vinte
textos produzidos pelos alunos em sala de aula, com um resultado muito satisfatório em
relação ao aprofundamento da temática por parte dos alunos e sua correlação com a
história da humanidade. Optou-se assim pela transcrição de parte de uma das produções
de texto, que materializa o pensamento dos adolescentes em relação à mudança
climática.

“Quem são os culpados pelo tão falado aquecimento global, pelo aumento
da temperatura, do nível do mar, das taxas de emissões de carbono? Sim,
somo nós, e esse é o mundo em que queremos viver? Nós mesmos somos
responsáveis por tudo isso, com nossas atitudes, que mesmo parecendo
bobas influenciam nas alterações climáticas. A. F. 13 anos”.

Considerações Finais

Assim, verifica-se que foi possível atingir o objetivo geral inicialmente estabelecido, de
conhecer o conceito de mudança climática e sua relação com o ensino de História na
atualidade, e ainda proporcionar significância histórica à temática, em razão da
emergência de sua abordagem na atualidade, para os alunos do 8º ano do ensino
fundamental. E, em relação à pergunta de pesquisa proposta, de posse das produções de
texto dos alunos e alunas, foi possível verificar a relação entre passado e presente
realizada pelos estudantes, e nessa relação também os questionamentos em razão da
atuação humana sobre a natureza, de forma danosa, que acabou por modificar também o
próprio ser humano.

Referências Bibliográficas

ASSOCIAÇÃO EM DEFESA DO RIO PARANÁ, AFLUENTES E MATA CILIAR


(APOENA). Mudança climática. Disponível em: <http://www.apoena.org.br/especiais-
detalhe.php?cod=172>. Acesso em: 26 fev. 2017.

BARTON, Keith; LEVSTIK, Linda. Explicações da significância histórica em


alunos do ensino básico. O Estudo da História, n. 4, p. 207-236, 2001.

SANTOS, Rita de Cássia Gonçalves Pacheco dos. O conceito de passado e sua


significância histórica para professores de história e os livros didáticos recebidos
no PNLEM. Antíteses.v.5.n10, p. 761-782, jul./dez. 2012.

UMA VERDADE INCONVENIENTE. Direção: Paramount Classics. Produção:


Lawrence Bender; Laurie David. Paramount Pictures, 2006. 1 Documentário (96min),
color., 35mm.

118
LIXO EXTRAORDINÁRIO. Direção: Lucy Walker. Produção: Angus Aynsley, Hank
Levine. 2009. 1 Documentário (99min), color., 35mm.

119
O RANKING NOS PRÉ-VESTIBULARES E O
MODELO TERCEIRÃO DE ENSINO
Giovanna Santana
Elison Antonio Paim

Introdução

Este trabalho se ocupa das relações de publicidade na área da educação analisando um


curso pré-vestibular privado, o modelo Terceirão de ensino (último ano do ensino médio
atrelado à dinâmica pré-vestibular). O objetivo da pesquisa é compreender quais
interferências as estratégias de publicidade dos cursos pré-vestibulares podem ter sobre
o conhecimento e o sujeito em idade escolar. O recorte da pesquisa centra-se em
argumentos publicitários, nos quais identificamos a preferência por determinados cursos
na sistematização de rankings de aprovação no ensino superior. Como aporte empírico
da pesquisa, deu-se destaque a uma empresa catarinense com base nas estatísticas do
vestibular 2014 da Universidade Federal de Santa Catarina, tornadas públicas pela
Comissão Permanente de Vestibular (COPERVE) em 2015. Dentre as instituições
privadas de cursos e colégios que se destacaram em números de inscrições para a prova
federal de 2014 está o Colégio Energia com 1.189 inscritos (matriz) somados a 4
vestibulandos do bairro Córrego Grande (franquia). Pesquisando através das redes
sociais e websites do curso Terceirão, priorizamos uma metodologia interdisciplinar de
trabalho, na qual se estabeleceu diálogo com os estudos a respeito da desigualdade
escolar junto as pesquisas provenientes das áreas de administração, comunicação e
marketing. Dessa forma, a leitura dos materiais publicitários, textos e imagens, procurou
identificar as estratégias de posicionamento utilizadas em propagandas do curso
Terceirão, que de acordo com Barbosa (2013) revelam a identidade e os valores
característicos do sistema de ensino e da empresa escolar.

Os resultados da análise indicaram que a intromissão do marketing na escola opera no


sentido de racionalizar as metas educacionais, encorajando uma relação instrumental
com o conhecimento escolar. Ainda, por selecionar históricos convenientes para a
promoção do curso Terceirão atua na projeção de uma perspectiva meritocrática de
educação, ao passo que individualiza e omite os fracassos escolares. Por meritocracia
entende-se que há uma ilusão “(...) muito bem fundamentada na propaganda e na
indústria cultural de que os privilégios sociais modernos são justos” (SOUZA, 2009,
p.43), conjecturando que é de interesse comum que existam premiações e
reconhecimento dos esforços e méritos individuais. Em contrapartida, entende-se que o
esquecimento do contexto social, e aqui das condições assimétricas na disputa pelas
vagas universitárias, são fatores fundamentais para a consumação da meritocracia. O
sociólogo brasileiro Jessé Souza, inspirado nas pesquisas de Pierre Bourdieu, advoga
que a meritocracia é a ideologia fundamental para a desigualdade justificada na
sociedade contemporânea. Ambos os pesquisadores defendem que as instituições

120
modernas atuam para consumar as formas de dominação vigentes, quando encaram os
sucessos e fracassos sociais à nível de capacitação individual.

Desenvolvimento

O mercado das explicações no caso brasileiro, de acordo com Costa (2007),


historicamente assumiu o formato de pré-vestibular e se organiza em torno da oferta de
vantagem competitiva para a aprovação no ensino superior. Nesta conjuntura é que o
modelo Terceirão assume um cronograma voltado para os processos seletivos,
constituindo-se uma mercadoria cara no mercado educacional. Numa pesquisa em
educação desenvolvida na Universidade Federal Santa Catarina, com dados de 167
calouros referentes à 2007, 41% dos estudantes alegou não ter ampliado o seu
conhecimento nos anos pré-vestibulares (SATO, 2012). Por outro lado, identificou o
fato de que os pré-vestibulares estão entre os critérios de grande reconhecimento entre
os estudantes, visto que eles creditam aos cursinhos suas aprovações, logo após
características individuais tais como dedicação e organização, preparação e mérito.
Entretanto, as pesquisas em educação de modo geral têm estimado que o sucesso escolar
depende de um estilo de vida favorável ao estudo, respectivo à classe social, e
igualmente consideram que os cursos preparatórios são pouco efetivos para a aprovação
no ensino superior; ainda que o marketing, os vestibulandos e clientes atribuam boa
parte do sucesso ao consumo do método de ensino. Em virtude da condição anterior,
entende-se que as estratégias de marketing apresentam incidência no processo educativo
e intervêm nas formas como os estudantes percebem seu pertencimento social e
respectiva condição escolar.

Com dada frequência a publicidade dos cursos pré-vestibulares exibe a disposição de


um bom corpo de funcionários e das melhores apostilas, apresenta históricos de
sucessos escolares, como também recorre à contabilidade de aprovações em cursos
cotados do ensino superior. De modo geral, trata-se do anúncio de um serviço educativo
com promessa de vantagem competitiva para a entrada no ensino superior, ou então de
um mercado de explicações facilitador do acesso à universidade (COSTA, 2007). A
propagação de vantagens semelhantes entre as diversos sistemas de ensino e cursos no
mercado ocorre em razão de suas imagens estarem submetidas às estratégias de
posicionamento de marketing, com o intuito de dar forma àquilo que Barbosa (2013)
caracterizou como “competir no mercado como um colégio completo”.

O que aqui pretende-se mostrar é que, em última análise, são as aprovações de


vestibulandos que garantem a reprodução dos cursos no mercado das explicações. No
entanto, o marketing e a propaganda pressupõem reverter a equação e tornar o sistema
de ensino a garantia da aprovação no vestibular. Para elucidar tal efeito, vale mencionar
a campanha intitulada “Isso não é pra qualquer um” de 2015, construída pelo grupo
NEOVOX, em que o curso Energia se posiciona como “líder absoluto do Exame
Nacional do Ensino Médio”, bem como liderança em aprovação no Estado de Santa
Catarina (S/a, 2015). Todavia, a estimativa do número de estudantes que representam o
Terceirão Energia nos exames é bastante alta, assim não é arriscado inferir que o
número de reprovados também o fosse. Mas quando as reprovações ocorrem dentro de
um sistema que “exclusivamente aprova”, a ineficiência é relegada ao fracasso

121
individual e o mérito escolar ganha destaque enquanto critério de justiça; tanto para
aprovação quanto para reprovação (SATO, 2011).

Uma prática possível entre os cursos preparatórios se dá por meio da separação dos
estudantes em turmas por critério de desempenho ou aspiração. A partir desse método
seletivo, as empresas podem concentrar em uma só classe os sucessos escolares,
acompanhando devidamente o paulatino progresso de tais indivíduos que hão de se
tornar propagandas e estatísticas. O mérito nesse sistema escolar é bastante notável, pois
se é hábito do professor emitir um perfil para a turma, ficará ainda mais evidente a
caracterização do grupo por aspectos qualitativos e idôneos. Acima de tudo, a prática de
promoção e seleção de certos estudantes segundo mérito pode condicionar reflexos
ideológicos na formação de identidade; tanto para os sucessos como para os fracassos
escolares. O professor Walter Maldonado do respectivo Sistema Energia, em entrevista
para o ClicRBS no mês de agosto de 2015, declarou desconhecer a prática em uso nas
escolas do Sul, ainda que a identificasse como uma prática dos pré-vestibulares na
região Sudeste. Não elencando os motivos para desuso, o professor explica que ao
reunir os alunos “promissores” as empresas automaticamente “forjam” os resultados,
visto que concentram em uma turma os melhores e assim alcançam o topo do ranking
nacional (ROSA, 2015).

Desconheço um pré-vestibular consumidor de marketing que reserve ranking para as


aprovações nos cursos de letras, sociologia, filosofia e tampouco história. Os ingressos
em tais cursos são contabilizados enquanto dados estatísticos, mas deslegitimados
enquanto dignos de destaque. São recorrentes como argumento publicitário as áreas de
Medicina e Direito, o que em partes se deve ao elevado índice de concorrência de
ambos os cursos. Como agravante da extrema competitividade, os alunos que se
dedicam a rotina exacerbada de treinamentos e simulados reconhecem a aprovação
apenas enquanto resultado da combinação entre esforço individual e o sistema de
ensino, desconsiderando o contexto social.

O consumo de conteúdos escolares instrumentalizados pelos cursos preparatórios que já


contam com prazos de validade no caso de aprovação em exames tem sido caracterizado
sob outras denominações, como por exemplo a mcdonaldização escolar (ANDRADE,
2008) ou como mercado das explicações para os novos herdeiros (COSTA, 2007). No
presente estudo analisamos sob a ótica do gerenciamento de marketing, que visando um
maior número de vendas, racionaliza as metas educacionais e individualiza os fracassos
escolares no interior do sistema, por conseguinte, incentivando a conduta meritocrática.

Considerações Finais

A publicidade do modelo Terceirão de ensino promete um serviço educativo com


vantagem competitiva para a entrada no ensino superior concomitante a distração dos
elementos de desigualdade social, apresentando-se como instrumento facilitador para o
ingresso na universidade. Por intermédio da análise de materiais publicitários, foram
identificadas manifestações que incidem do processo de reprodução da empresa escolar
no mercado e implicam na relação instrumental com o conhecimento, bem como no
incentivo à meritocracia. O marketing do modelo Terceirão com metas no ensino

122
superior subordina o conhecimento escolar à instrumento de conquista pessoal, na
medida em que valoriza os méritos individuais e omite os fracassos escolares. Ao
creditarem aos cursinhos suas vitórias, logo após o critério de capacitação individual, os
estudantes demonstram dificuldade em analisar a sua condição privilegiada no contexto
social. Problema que nesta pesquisa compreendeu-se como interferência do
gerenciamento de marketing na educação, identificado no modelo Terceirão de ensino.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Fernanda Borges de. Os “pacotes didáticos” e a autonomia do


professor. Dissertação (mestrado em Educação) Orientadora: Profa. Dra. Célia Maria
de Castro Almeida - Universidade de Uberaba, 2008.

BARBOSA, Maria Naftally Dantas. Marketing Educacional: estudo de caso das


estratégias utilizadas pelo Convesti para competir no mercado como um colégio
completo. Trabalho de Conclusão de Curso. Orientadora: Prof. Maria Paula Apolinário
Zagui. UERN. Rio Grande do Norte: Mossoró, 2013.

COPERVE, Comissão Permanente de Vestibular. Estatística de candidatos inscritos e


classificados por escola de ensino médio (vestibular UFSC 2015). Universidade Federal
de Santa Catarina. Disponível em:
<http://antiga.coperve.ufsc.br/vestibular2015/resultado/estatistica_escolaEnsinoMedio.p
df>. Acesso em 02 nov. 2015.

COSTA, Jorge A. As Explicações (aulas particulares) enquanto vantagem competitiva


no mercado educativo: os 'novos herdeiros' e as estratégias privadas de sucesso público.
In: Simpósio Brasileiro, 23., Congresso Luso-Brasileiro, 5., Colóquio Ibero
Americano de Política e Administração da Educação, 1, Porto Alegre, Brasil,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 11 a 14 de Novembro de 2007.

ROSA, Gabriel. Escolas e cursinhos de Santa Catarina não priorizam os estudantes para
Enem. Revista Clic RBS. Santa Catarina: Grupo RBS, 07 de agosto de 2015. Disponível
em: <http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2015/08/escolas-e-cursinhos-de-santa-
catarina-nao-priorizam-os-estudantes-para-o-enem-4818024.html>. Acesso em 02 nov.
2015.

SATO, Silvana Rodrigues de Souza. Concurso vestibular: um dispositivo meritocrático


de seleção para ingressar na Universidade Federal de Santa Catarina. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora: Ione
Ribeiro Valle. Florianópolis, 2011.

SATO, Silvana Rodrigues de Souza. Trajetórias escolares favorecidas e bem-sucedidas


no percurso até a Universidade Federal de Santa Catarina. VII Colóquio Ensino Médio,
História e Cidadania. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, SC:
Maio/Junho de 2012.

123
S/a. Neovox Assina Campanha do Energia com youtubers do Canal Depois das Onze.
Portal Acontecendo Aqui. Santa Catarina: PontoBR Digital, 14 out. 2015. Disponível
em: <http://acontecendoaqui.com.br/propaganda/neovox-assina-campanha-do-energia-
com-youtubers-do-canal-depois-das-onze>. Acesso em 21 out. 2015.

SOUZA, Jessé. Ralé Brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2009. Disponível em:
<http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/arq_interface/1a_aula/A_rale_brasileira.pdf>
Acesso em 04 out. 2015.

124
OS LUGARES DA JUVENTUDE NO ENSINO
SUPERIOR
Glauber Paiva da Silva

O meio acadêmico está envolto a um leque de discussões que envolvem uma gama de
assuntos, e nesse meio diversificado o jovem universitário esta inserido em vários
grupos que abordam aspectos culturais, políticos e de gênero. Esses grupos dentro da
universidade dão ideia de identidade e diversidade, já que os jovens envolvidos neles se
identificam mais com tais grupos e modelam ou são modelados por eles.

Nessa perspectiva o artigo Os Lugares da Juventude no Ensino Superior tenta refletir a


juventude e sua diversidade em meio aos desafios da universidade, pensando o lugar da
educação na formação do jovem e quem sabe futuros docentes. Tentamos pensar os
desafios da educação no ensino superior em lidar com esses lugares de juventude, onde
se encontra uma pluralidade de identidades, histórias e vidas. Trata-se de um artigo que
provem de um projeto de extensão da Universidade Estadual da Paraíba que teve grande
êxito e sucesso por nome “Os Lugares da Juventude no Ensino Superior: Formação
Docente, Política, Direitos Humanos e Diversidade” e que focou em palestras, mini-
cursos, oficinas, mesas redondas, entre outros, que trabalhariam com temáticas
interdisciplinares como história, mídias, diversidade cultural, políticas sociais e direitos
humanos para abordar questões da juventude que estão sempre presentes nas vidas dos
universitários.

A maioria das pessoas que adentram as portas da universidade são compostas por jovens
que acabaram de sair do ensino médio da educação básica. A juventude em si está
envolta a um turbilhão de sentimentos, pois essa fase da vida encontra diversas
mudanças, entre elas, o amadurecimento repentino, o conhecimento sexual, e a
convivência em uma sociedade diversificada, e com diferentes formas de pensamentos.
É tendo que conviver com essa nova realidade, que esses jovens começam a se situar
dentro da universidade.

Baseado nos estudos de Juarez Dayrell (2007), onde o autor visa pensar a relação entre
juventude e escola, galgando analisar o lugar da educação como meio de socialização
por parte dos jovens que iniciaremos nossa discussão. Em seu texto o autor
problematiza a questão da educação, no que se refere a analisar como a educação vê o
jovem. Nessa prerrogativa surge o sujeito “aluno” e o “jovem”, que coexistem, mas só o
primeiro é reconhecido pela escola, de forma falha, pois o trata de forma homogênea.
Como mostra Dayrell: “a escola tende a não reconhecer o “jovem” existente no “aluno”,
muito menos compreende a diversidade, seja étnica, de gênero ou de orientação sexual,
entre outras expressões, com a qual a condição juvenil se apresenta”. (DAYREEL,2007,
p. 1117).

A juventude, como sabemos, tem sua própria dinâmica e o ser jovem, não é estático, é
fluído, e caracterizado por um “vaivém” referente à inconstância e não fixidez do

125
jovem; cria seus símbolos, se atrela a grupos, cria identidades, isto é, a vida do jovem
está centrada na dinâmica do movimento. Como afirma Dayrell (2007):

Nessas diferentes expressões da condição juvenil, podemos constatar a


presença de uma lógica baseada na reversibilidade, expressa no constante
“vaivém” presente em todas as dimensões da vida desses jovens. Vão e
voltam em diferentes formas de lazer, com diferentes turmas de amigos
(DAYRELL, 2007, p. 1113).

A universidade contém uma diversidade de grupos que estão prontos a acolher todos os
jovens, mas como a educação lida com essa inconstância? Será que consegue seduzir os
jovens em meio à fluidez que vivem?

A partir da leitura do artigo Juventude, juventudes: pelos outros e por ela mesma de
Esteves e Abramovay (2010) que trata de uma pesquisa desenvolvida juntamente com
os jovens em diálogo com as proposições teóricas a cerca do tema, observamos que o
mundo atual está passando por profundas transformações, marcada principalmente por
um forte sentimento de “descrença no presente, desesperança no futuro” e um profundo
sentimento de “revalorização do passado”, que segundo os autores demonstra uma visão
pessimista de mundo. No entanto, com base nos dados coletados em sua pesquisa os
autores apontam para uma predominância de um sentimento positivo em relação ao
mundo com base nos jovens entrevistados na pesquisa (ESTEVES e ABRAMOVAY,
2010).

De acordo com os autores existem duas visões sobre a juventude, uma homogênea e
outra heterogênea, a primeira considera a juventude como um grupo social que
pertencem a um grupo etário e que transitam numa certa “fase da vida”, enquanto a
segunda aborda as juventudes, no plural, haja vista a diversidade da qual esse grupo é
formado, desde que a partir de uma visão socioeconômica, cultural, étnica, etc. Apesar
de visões opostas, entendemos que podem coexistir, pois de acordo com o enfoque a
juventude pode ser vista como um objeto homogêneo e heterogêneo em que “No
primeiro caso, por exemplo, quando a comparamos com outras gerações; na segunda
hipótese, quando e analisada como um conjunto social detentor de atributos sociais que
diferenciam os jovens uns dos outros.” (ESTEVES e ABRAMOVAY, 2010, p. 22).

Existem culturas juvenis, com pontos convergentes e divergentes, com pensamentos e


ações comuns e algumas características são comuns a estas juventudes e que os autores
puderam observar em sua pesquisa como a busca pelo novo e desconhecido, a busca
pelos sonhos e a constante esperança (ESTEVES e ABRAMOVAY, 2010).

Através da leitura dos autores percebemos que a juventude é vista pela sociedade
através de um olhar constantemente dualista, ora ela é o futuro da nação, atores de um
devir, ora são vistas com irresponsabilidade e com isso infantilizadas. A juventude
também é constantemente associada à delinquência e a criminalidade, além de serem
vitimados pelo discurso conservador dos adultos, tornando-a assim um campo sobre o
qual circulam inúmeros discursos.

Os jovens têm pertencimentos múltiplos de acordo com sua vivência. Tendo em mente
que o jovem participante das práticas educativas vive as diferenciações relativas ao

126
gênero, cor, ao ser jovem, entendemos como diversas dimensões diferentes de um
mesmo ser social se comporta. Com a globalização, foi se criando um estereótipo de
como deve ser esse jovem, com relação ao modo de agir, e suas ações culturais, logo, os
jovens ainda que embarcados em tais limites, constituem de fato um fator social, onde
em seu cotidiano não apenas repensam os saberes adquiridos em sua vivência escolar e
social, mas também é coadjuvante na construção da sociedade, tendo em vista que o
jovem procura uma coação expressa através de sua crítica seja em vias públicas ou em
recluso, da contestação, da negação aos valores impostos padronizados, mas também da
criação, através da manifestação de sua cultura, de reelaboração de saberes
(DAMASCENO, 2008).

No perpassar dos anos a globalização tem sido cada vez mais presente, com isso têm se
a necessidade de uma educação visando à diversidade cultural, tal educação está sendo
atribuída em três argumentos distintos.

Para muitos, a globalização desencadeou um processo de homogeneização cultural que


sobrepõe à identidade ocidental a todas as outras identidades nacionais e locais. Na qual
insere o segundo argumento, a constatação de que uma filtragem de valores dominantes
de uma cultura “consumista” tem sobreposto culturas locais. Neste caso, a educação
multicultural é atribuída como uma via pela qual se promova o resgate dos valores
culturais, de forma que tal cultura não seja perdida ou esquecida. Numa terceira
perspectiva, muito impactante, tal globalização gera uma exclusão social, reforçados por
um processo onde não se beneficia igualitariamente as pluralidades sócio-culturais,
gerando assim processos discriminatórios, racismo, e xenofobia que atinge
particularmente grupos sócio-culturais excluídos. (DAMASCENO, 2008)

Mas e esse turbilhão no ensino superior? Segundo dados em 1998 cerca de 7% dos
jovens estavam matriculados nas universidades no Brasil, mas a partir de 2008 temos
um salto exorbitante para 13,9% com a expansão das instituições de ensino superior
privadas e o Programa Universidade para Todos (PROUNI) do governo federal. Além
disso, a quantidade de instituições cresce a cada ano, e os jovens que trabalham tendem
a financiar seus próprios estudos. (MESQUITA, MARQUES JUNIOR e SIMÕES,
2012)

Mas estas instituições estão preparadas para lidar com a vivência desses jovens que
adentram as suas portas? Acreditamos que a resposta para esses questionamentos está na
própria universidade. O oferecimento de ciclos de palestras e debates de cunho
interdisciplinar com uma visão mais voltada a juventude que está ingressando na
universidade, pode ser bastante efetivo para conscientização desses jovens, além de
abrir um espaço de diálogo que permita trazer este jovem para a reflexão sobre o lugar
da juventude e o que lhe perpassa, bem como a formação de uma consciência crítica a
cerca de temas importantes. Discussões relevantes envolvendo história, psicologia, entre
outras temáticas também seriam favoráveis para a fixação desses jovens nas
universidades, já que seria uma amostra a mais do seu futuro profissional.

Assim tanto no seu lugar de juventude com seus anseios, tribos e preocupações, como
na sua área profissional, a juventude na universidade só teria crescimento e mais que
isso, teria um local para fazer um diálogo sadio e profícuo. Os lugares da juventude no
ensino superior encontram-se em um ambiente acadêmico que propicie para o jovem um

127
lugar que lhe apoie tanto pessoalmente quanto profissionalmente, e é isto que queremos
encontrar em nossas universidades.

Referências bibliográficas:

DAMASCENO, Maria Nobre. Juventude: educação e cidadania no contexto da


diversidade cultural. VI Congresso Português de Sociologia. 2008.

DAYRELL, Juarez. A escola ”faz” as juventudes? reflexões em torno da


socialização juvenil. UNICAMP. Campinas, 2007.

ESTEVES, Luiz Carlos Gil. Juventude, Juventudes: pelos outros e por elas mesmas.
VI Congresso Português de Sociologia. 2008.

MESQUITA, Marcos Roberto. MARQUES JUNIOR, Gessé. SIMÕES, Anderson


Azevedo. A Juventude brasileira e a educação. JUVENTUDE. BR. 2012

128
ENSINAR HISTÓRIA: UM DILEMA ENTRE
PENSAR HISTORICAMENTE OU PREOCUPAR-
SE COM A CALIGRAFIA?
Helayne Cândido

Em meados da década de 90, fui solicitada por um professor de Geografia a realizar


uma tarefa que consista em desenhar mapas. Lembro-me que realizei com o maior
capricho, utilizando as ferramentas que eu tinha ao meu alcance: lápis de cor, canetinhas
e folhas de carbono. Ao entregar a tarefa, o olhar de desprezo e dúvida do meu professor
talvez justifique minha pouca simpatia pela sua disciplina.

Não me lembro exatamente sobre o que se tratava o tal mapa e não entendia o por quê
que eu tinha de fazê-lo. Lembro-me do prazer que senti ao realizá-lo com tanto
capricho, como uma atividade de desenho entre tantas outras. Ao mesmo tempo em que
me perguntava qual a real necessidade daquilo, sendo q havia tantos mapas em livros,
apostilas ou aqueles painéis que se coloca na parede da sala para uma boa visualização
do grupo.

Com o passar dos anos, pensei que nunca mais sentiria essa dúvida... Ledo engano...
2017 e me pergunto por que eu tenho que fazer meus alunos fazerem mapas.

A intenção desta escrita é uma profunda reflexão sobre o real papel dos professores em
sala de aula, principalmente a minha participação na contribuição na formação de um
pensamento histórico de meus alunos e minhas alunas.

Sou pedagoga, professora das séries inicias e uma eterna apaixonada pela disciplina de
História. Formada também nessa área, muitas são as vezes que me deparo com conflitos
de como ensinar história, de que maneira atingir meus estudantes, que ferramentas
utilizar para alcançá-los, como despertar o pensamento crítico e de análise, no caso, em
crianças do ensino fundamental.

Seria mais fácil entender as crianças como recipientes prontos para terem conteúdos
despejados em suas cabeças e não entendê-las como seres historicamente em formação,
construídos em seus meios de relação, com opiniões a serem consolidadas e/ou
desconstruídas. Ou pedir para que desenhem mapas quando posso na verdade interpretar
um mapa com meus alunos e alunas.

Interpretar: eis o ponto chave do ensino de História. Ensinar História é o eterno e


contínuo exercício de conscientização pelo ser que você é, pelo meio em que você vive,
pelo reconhecimento do outro/outra e das relações que permeiam nossas vidas.

A construção e aprendizagem dos conhecimentos históricos devem, então,


considerar, nas suas abordagens ao longo do Ensino Fundamental e Médio,
distintos graus de complexidade, dialogando com as primeiras formas de

129
expressão e comunicação, em textos de linguagem simples e objetiva, com a
produção de textos literários e científicos e com as diversas manifestações
artísticas. Destaca-se, nesses termos, a necessidade da sensibilização para a
pesquisa. Busca-se a valorização do exercício da crítica documental como
princípio da investigação e da construção do conhecimento histórico. Os
estudantes, no cotidiano, produzem variados registros e impressões sobre
suas vivências e saberes. Tais registros podem e devem ser mobilizados para
o exercício da crítica documental e para a elaboração de narrativas
históricas, orais, textuais e imagéticas. O conceito de documento histórico
torna-se central na articulação das práticas de investigação dos saberes e
fazeres dos diversos estudantes, interferindo diretamente na compreensão da
relação entre memórias individuais e coletivas, entre indivíduo e sociedade,
bem como na questão dos patrimônios culturais. Informa, igualmente, a
elaboração de narrativas, das mais impregnadas pelas vivências imediatas,
de caráter mais autobiográfico e testemunhal, a outras preocupadas com
metodologias de análise e procedimento. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2014, p.120.)

Quero deixar claro que entendo a importância do ensino de Geografia e reservo aos
especialistas desta área, a explicação de seus métodos de ensino. Mas, como professora
de História, prefiro debater ideias com meus alunos e alunas, interpretar fatos, ouvi-los,
desconstruir e construir saberes.

Isto significa que não posso me ater apenas a desenhos e cópias de mapas, dos mais
variados tipos, e não fazer com que meus alunos e alunas vejam, interpretem,
compreendam o tempo e os acontecimentos que ocorreram para que esse mapa seja
representado de tal forma. Para isso, posso utilizar os mapas dos livros,( desta maneira a
visualização é até melhor, pois está em sua mesa) ou mapas em data show ou em
cartazes para toda a turma. Fazê-los desenhar milhares de mapas ou copiá-los, é negar-
lhes a oportunidade de verem o mundo para além da simples repetição de conceitos.

Com o pé na sala de aula, trabalho numa cidade do interior do estado do Paraná, e as


disciplinas de História, Geografia, Ciências e Ensino Religioso são entendidas como
Ciências Humanas, com o intuito de se trabalhar interdisciplinarmente. Porém, a
quantidade de conteúdos de cada disciplina a serem ministradas, com o pouco tempo de
aula para serem realizadas torna a seguinte proposta, muitas vezes, impossível:

A prática da pesquisa (7) é fundante para a construção e revisão de saberes a


serem mobilizados na área de Ciências Humanas, nas experiências
curriculares da Educação Básica. A pesquisa, como método de ensino,
aproxima os estudantes da atitude investigativa diante da realidade e permite
o domínio cognitivo e reflexivo dos saberes sobre os quais se organiza a
vida em sociedade (9) (11). Desta forma, possibilita-se ao estudante a
apropriação prática dos saberes que, em seus aspectos interpretativos e
normativos, revelam a complexidade e diversidade dos elementos
simbólicos com os quais a sociedade é representada e significada por seus
diversos agentes. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2014, p.118.)

130
Ensinar História com o objetivo de desenvolver a criticidade histórica em nossos alunos
e nossas alunas significa envolvê-los na aprendizagem, com atividades que envolvam
desde a interpretação de textos, cartas, fotos, vídeos, mapas, construírem maquetes,
apresentar para outros estudantes, agregar os pais com tarefas de casa, pesquisas... Tudo
isto faz com que tenhamos uma postura frente ao ensino de História, diferente do
tradicional, que não há muito tempo atrás, tinha como importante a decoreba de datas,
nomes e siglas.

O tempo em que estamos vivendo, os conflitos que nos deparamos envolvendo crises
econômicas, greves em todas as áreas e a sociedade num todo tomando como verdade o
que vê no mundo da internet, informações sem embasamento, nos faz pensar e refletir
que tipo de educação eu quero realizar? Qual o meu e/ou o seu objetivo ao entrar em
uma sala de aula? Como foi a educação no passado e qual a herança que ela nos deixou?

Visto a quantidade de conteúdos a serem trabalhados e tendo ciência de que o estudo


nessa área abrange além dos livros didáticos, de que é preciso aulas práticas, com
experiências e vivências, muitas vezes parece uma missão impossível. E aqui aparece o
perfil do professor. Este que deve ter consciência de seu papel na sociedade e na
formação de seus alunos e de suas alunas. E tendo consciência, assume uma postura. É
dele o papel de planejar e verificar a aprendizagem de acordo com os moldes de
apreciação de nossos alunos e alunas nos dias de hoje. Adotando uma postura, o
professor ou a professora saberão exatamente o que desejam de seus alunos e alunas: se
uma letra redondinha ou a riqueza de ideias!

Sim! Parece uma situação ultrapassada... mas aconteceu comigo. Trabalhando o tema
“Violência contra as Mulheres”, fiquei eufórica e feliz ao me deparar com a escrita,
principalmente das minhas alunas, sobre o tema abordado. Sua clareza no entendimento
e determinação de pensamento me mostrando a consciência dessas garotas de 10 ou 11
anos, a respeito de amor-próprio e cuidado com seus corpos, me fez sentir que eu havia
atingido meu objetivo. Mas, o que ouvi da equipe pedagógica era de que eu precisava
cuidar da caligrafia delas.

Aqui, então, compreendi o quanto “o sistema” quer nos podar. O quanto colocar nossos
ideais de uma educação libertadora (aqui honro os ideais de Paulo Freire) precisa lutar
com pessoas que ainda vivem numa escola com olhar ditatorial e jesuíta.

Ao contrário das posturas pedagógicas e práticas de avaliação que


privilegiam critérios de seleção, hierarquização e exclusão, sob a
justificativa da busca da “excelência”, defendo a avaliação do ensino e da
aprendizagem em História como um ato de inclusão, uma ação formativa e
cidadã. Isto tem várias implicações. Como você bem sabe, nem todos os
agentes educativos pensam da mesma maneira. Não é fácil avaliar. Muito
menos o ensino e aprendizagem. Há vários preconceitos, medos,
sentimentos negativos e positivos, além de aspectos políticos, econômicos,
culturais, institucionais, epistemológicos, pedagógicos e técnicos que
envolvem a questão. (FONSECA, 2009, p. 215)

Este texto ocorreu muito mais como um desabafo. Como professora, constantemente
refletir sobre minhas ações dentro da educação, de maneira a modificar paradigmas de

131
uma escola que ainda se mantém viva nas paredes e nos discursos de pessoas que ainda
não entenderam o real objetivo de uma educação libertadora e democrática. Mas, meu
desabafo sempre buscará embasamento científico e reflexivo, porque para além de uma
cópia de mapa ou da letra dita perfeita do meu aluno, eu quero vê-lo com entusiasmo
por escrever suas ideias de um mundo melhor e possível.

Referências:

FONSECA, Selva Guimarães. Fazer e Ensinar História. Belo Horizonte: Dimensão,


2009.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Por uma política curricular para a educação


básica: contribuição ao debate da base nacional comum a partir do direito à
aprendizagem e ao desenvolvimento. 2014.

http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/biblioteca/GT_Direitos%20a%20Ap
rendizagem_03jul2014.pdf

132
REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA
ERA DA INFORMAÇÃO
Hélia Costa Morais
Jessica Gleyce dos Reis Felix

A partir do século XX temos passado por inúmeras transformações sociais, culturais e


econômicas que repercutiram diretamente na maneira como lidamos e enxergamos a
nossa realidade. As transformações trazidas pela era da “revolução da informação”
foram tantas que se faz difícil perceber as continuidades no decorrer deste processo,
uma vez que as descontinuidades são bem mais visíveis. No entanto, é válido salientar
que as mudanças ocorridas nas instituições, nas mentalidades, nas tecnologias e nas
práticas não ocorreram de maneira uniforme, isso porque no campo das ideias leva-se
mais tempo para se modificar e delinear tais mudanças.

Não existe uma sociedade que permaneça estática, em todas há transformações que
procuram romper de alguma maneira com a cultura herdada, a fim de recriá-la. A
educação surge como fundamental para o processo de socialização cultural, num
exercício que permite ao ser humano tornar-se agente na construção histórica e cultural.
Assim sendo, a educação não se configura como simples difusão do legado dos
antepassados às novas gerações, mas enquanto processo de desenvolvimento da
capacidade intelectual e moral do ser humano, que visa sua integração individual e
social. No entanto, a educação não pode ser compreendida à margem da história, mas
sempre vinculada a um contexto histórico, abrindo espaço para uma reflexão acerca da
atuação do indivíduo na construção do seu próprio saber.

Le Goff (1992) aponta que a cultura histórica consiste na possibilidade de um diálogo


entre a história, o saber e a sociedade, uma vez que consiste na relação entre as mais
diversas áreas do conhecimento na construção das práticas e discursos. Neves (2001),
por sua vez, atenta para o papel do historiador no processo de mediação do
conhecimento histórico, ao afirmar que:

[...] mais do que nunca os historiadores têm a responsabilidade de definir o


seu próprio, específico e intransferível papel, bem como equacionar a
relação entre o conhecimento acadêmico ou cientificamente produzido e as
outras formas de produção do saber, na construção da cultura histórica
(NEVES, 2001, p. 46).

A ciência ocidental moderna deu início a um conhecimento multifacetado, dinâmico,


para muitos até democrático, que instiga inúmeras problematizações, discussões e
pesquisas no que se refere à elaboração do conhecimento que se tem produzido.
Contudo, essas mudanças não se deram de uma hora para outra e, como afirma Peter
Burke (2012), o acesso não foi sentido por todos os indivíduos e sociedades da mesma
maneira, mas gradativamente.

133
Neste processo transitório acerca do entendimento da própria concepção do
conhecimento histórico e sua aplicação na realidade prática, o ensino de história passou
a se adequar à realidade do mundo contemporâneo ao buscar desempenhar um papel
efetivo e decisivo na formação social dos sujeitos. Para tanto, passou-se a refletir acerca
de uma transformação na didática do ensino de história, que deveria se centrar no
aprendizado dos alunos e por isso, pensar num espaço de ensino que possibilitasse a
participação destes no processo de ensino-aprendizagem.

Sendo assim, acreditamos que pensar o ensino de história na contemporaneidade é uma


tarefa que envolve múltiplas questões, que perpassam inclusive a disparidade entre a
formação docente nas universidades e a prática efetiva em sala de aula. Em
consonância, a utilização de novas tecnologias figura entre os principais temas de
interesse entre historiadores e pesquisadores em exercício na educação básica em todo o
país, que além das dificuldades inerentes ao cotidiano das escolas, vêem-se cada vez
mais desafiados a encontrar formas de estimular o interesse pela disciplina,
desconstruindo os estereótipos que a circundam e reiterando sua importância na busca
pela autonomia e capacidade de questionamento dos indivíduos.

Para tanto, fez-se preciso verificar empiricamente como os suportes tecnológicos


modernos podem e têm contribuído para os objetivos do ensino-aprendizagem. Uma vez
que estes devem oferecer a possibilidade de os alunos se pensarem historicamente, a
ponto de esboçar problematizações quanto às suas condições de ser social e da realidade
na qual estão inseridos, devendo considerar o que Bezerra (2005) reflete no trecho a
seguir, sugerindo que o ensino de história instigue nesses alunos o:

[...] respeito às diferenças culturais, étnicas, religiosas, políticas, evitando


qualquer tipo de descriminação; busca de soluções possíveis para problemas
detectados em sua comunidade de forma individual e coletiva, atuação firme
e consciente contra qualquer tipo de injustiça e mentiras sociais; valorização
do patrimônio sociocultural, próprio e de outros, incentivando o respeito à
diversidade; valorização dos direitos conquistados pela cidadania plena, aí
incluídos os correspondentes deveres, sejam dos indivíduos, dos grupos e
dos poucos, na busca da consolidação da democracia (BEZERRA, 2005, p.
47-48).

O historiador Nicolau Sevcenko (2001), levanta para além da discussão das


novas formas de informatização e tecnologização, a importância de uma crítica social
acerca dos rumos que a evolução tecnológica tem conduzindo a nossa sociedade,
argumentando que a sociedade não deve permanecer-se alheia em meio a esse constante
e crescente desenvolvimento, ao contrário, deve desenvolver o poder da crítica ou será
obliterada por essa realidade de acontecimentos efêmeros que burlam a compreensão
dos fenômenos culturais e sociais em processo. É uma reflexão que certamente cabe e
precisa ser pensada no âmbito do ensino de história.

Burke (2012) defende que para que haja uma transformação do conhecimento não é
suficiente a obtenção de informações, mas sua discussão e problematização. Pois, a
discussão causa dúvidas e a constante busca por novas informações, sendo este um dos
princípios basilares do ensino de história: o incentivo ao pensamento crítico da
realidade. Como alerta Burke, a excessiva carga de informação tem sobrecarregado a

134
sociedade e as pessoas que se alimentam dessa rede desenfreada de conhecimento que
pode não representar algo benéfico.

Portanto, é primordial incentivar o caráter democrático-participativo, a fim de promover


um diálogo entre os diversos sujeitos envolvidos no processo educacional. A escola
deve estar sempre em diálogo com os sujeitos que a compõe, buscando com isso, a
construção de uma educação calcada em uma visão reflexiva de si mesma. Isabel
Alarcão chama atenção para a escola que pensa a si própria, suas ações e metas, como
sendo:

Uma escola que se assume como instituição educativa que sabe o que quer
e para onde vai. Na observação cuidadosa de sua realidade social, descobre
os melhores caminhos para desempenhar a função que lhe cabe na
sociedade. Aberta a comunidade exterior dialoga com ela. (2001, p. 25).

Assim, é importante ter em mente que o foco da ação escolar precisa ser alterado diante
dos desafios impostos por esta nova realidade. Portanto, é primordial que a ação
pedagógica embora deva dialogar amplamente com a qualificação técnica e cientifica,
não esteja voltada exclusivamente a este aspecto, para que haja uma consciência crítica
e reflexiva acerca da prática educativa. Por isso, é fundamental que os
professores/pesquisadores conduzam a sociedade no exercício de reflexão que vise a
tomada de consciência, fazendo com que os sujeitos aprendam a questionar, a
problematizar a si próprios, a sociedade, suas produções e os possíveis efeitos de suas
escolhas.

Referências

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In:


Karnal, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São
Paulo: Contexto, 2005. P. 43-4.

BURKE, Peter. Cronologia do Conhecimento. In:________. Uma história social do


conhecimento II: da Enciclopédia à Wikipedia. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 309 –
344.

SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no Loop d Montanha Russa.


São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP,


1992.

NEVES, Joana. Participação da comunidade, ensino de História e cultura histórica.


Sæculum - Revista de História, João Pessoa, DH/UFPB, n. 6/7, dez. 2001, p. 35-47.

135
CONSIDERAÇÕES SOBRE A MONITORIA
ACADÊMICA DO CURSO DE HISTÓRIA DA
UNIFESSPA: UM OLHAR DISCENTE
Heraldo Márcio Galvão Júnior
Fabrícia Cristina da Silva Freire

Introdução

Tendo em vista que todo curso de licenciatura trabalha tanto a questão prática quanto a
teórica do sujeito que pretende adentrar a sala de aula como docente, a bolsa de
monitoria é de grande contribuição no sentido de obter um primeiro contato com a sala
de aula. Com a oportunidade de ser assistido por um docente qualificado e disposto a
dividir seus conhecimentos teóricos e práticos, o discente vai trabalhar suas aptidões
juntamente com seu orientador para desenvolver suas habilidades em questões
cotidianas que acontecem dentro do ambiente educacional. Assim, a monitoria é muito
importante para ter uma dimensão dos desafios que iremos enfrentar ao longo de nossa
trajetória como docentes, viabilizando um primeiro contato com as atividades que
envolvem a relação ensino-aprendizagem do discente para uma melhor formação
profissional.

Métodos

Ao iniciar a prática docente e de monitoria ha necessidade de diagnosticar tanto o


espaço escolar quanto os conhecimentos prévios dos alunos que terão contato com os
conteúdos a fim de desenvolver um trabalho eficaz de ensino-aprendizagem. Uma boa
conversa com trocas de experiências talvez tenha sido o diferencial do trabalho do
docente com os discentes. Os métodos utilizados pelo docente para a aplicação de uma
metodologia eficaz compreendem aulas expositivas dialogadas, debates, elaboração de
seminários em que a participação do monitor se fazia necessária para a garantia de uma
boa apresentação em sala de aula, sempre sob o olhar atento do docente para as questões
estruturais, como: a escolha das imagens disponibilizadas pelos alunos em seus slides, o
domínio do conteúdo exposto, fala coerente e postura, entre outras questões. Todos
esses itens se fizeram necessários para a avaliação dos alunos pelo professor, que ao
final de cada seminário e debate pontuava falhas e dava dicas para melhorar as
apresentações. Outra questão que também fez com que essa metodologia tenha dado tão
certo foi que, ao final de todas as apresentações, o professor fazia uma explanação do
conteúdo de forma que fechava as falas dos alunos. Isso, para a experiência de
monitoria, foi excelente, pois ficou claro que o ensino-aprendizagem perpassa barreiras,
que antes era inatingível, entre professor/aluno, desmistificando a questão de que

136
somente o docente é o detentor de todo o conhecimento prático e teórico, sendo assim, o
estreitamento de laços entre ambos é necessário para a construção do conhecimento.

Foi dada publicidade aos estudantes sobre os espaços, local e horário de atendimento
em relação à coordenação de grupos de estudos, conforme definido no Plano de
Atividades de Monitoria. Toda quinta-feira, sem exceção, das 16:00 às 20:00, a
monitora esteve disponível para discutir os textos abordados e a serem abordados em
sala de aula, assim como auxiliar na preparação de seminários, montagem dos planos de
aula e aprofundamento dos temas definidos no Plano de Ensino do professor.

As reuniões semanais entre orientador e monitora ocorreram em três momentos: antes


de cada aula; após cada aula; e um dia por semana para avaliar a turma em relação ao
desenvolvimento, problemas e dificuldades. Além das reuniões semanais, houve
reuniões mensais para entrega de relatório, para relatos acerca do desenvolvimento da
turma e da própria monitora.

Resultados e discussão

Os resultados da monitoria foram satisfatórios por dois motivos principais: melhora no


desempenho da turma em relação à disciplina e proximidade com a atuação docente.
Assim, esta experiência serviu também para reafirmar minha vontade em relação a
minha graduação em uma licenciatura, pois através dela, cresceu ainda mais a satisfação
em contribuir na formação de futuros profissionais da educação.

Falando como discente da disciplina de sociedades autóctones das Américas, cursei na


turma que iniciou no ano de 2014, primeira turma de história da UNIFESSPA /
Xinguara-PA, e pude constatar a nítida melhora da disciplina em comparação com a
turma que ingressou em 2015, a qual tive o privilégio de ser monitora. O aporte teórico
e bibliográfico que foi apresentado na ementa foi mais completo, as discussões foram
muito mais amplas e os alunos tiveram um maior apoio por poder contar com uma
monitora.

Levando em consideração alguns teóricos que foram necessários para trabalhar as


Sociedades Autóctones das Américas, elenquei dois dos que achei importantes para
trabalhar essa disciplina, um deles é Jorge Luiz Ferreira e Michel de Montaigne, o
primeiro trabalha de uma forma bem descritiva e o segundo faz uma discursão
baseando-se no principio de alteridade, importante esse paralelo entre as duas visões do
conhecimento, um refere-se de maneira bem teórico e o outro prático, observando as
diferentes visões para desconstrução de parâmetros de uma visão eurocêntrica, já que
dentro da disciplina de sociedades autóctones se fazem necessárias, para que os dois
sujeitos históricos estudados dentro da disciplina, assumam seu papel de protagonistas.

Houve diminuição do índice de reprovação da turma em comparação com a turma que


cursou a mesma disciplina. Do total de reprovados na turma que cursou a disciplina
anteriormente, apenas um continuou no curso. Não houve reprovação nesta turma.
Houve um aumento considerável na média da turma em relação à atual.

137
Melhora no desenvolvimento individual e coletivo dos alunos em relação à:
bibliografia, apresentações de seminários, trabalhos entregues, discussões focadas e
fundamentadas. Notou-se uma melhora na análise dos conceitos fundamentais da
disciplina por um viés histórico e historiográfico.

Talvez por ser o primeiro ano da monitoria em Xinguara, os alunos não souberam
aproveitar cem por cento as oportunidades que a monitoria oferecia, ficando mais
passivos do que ativos neste processo. Eles aguardavam que fossemos até eles e
oferecêssemos auxílio. Isso nos levou a refletir acerca da formação de uma cultura
acadêmica e da importância da monitoria tanto para os alunos quanto para o monitor.

Outra questão foi a adversidade encontrada no início do período da monitoria para os


Campus fora de sede, desmotivando os alunos quanto a concorrerem a vagas de
monitoria futuramente.

Considerações finais

Diante de todos os aspectos mencionados anteriormente, percebeu-se que as bolsas de


monitoria são fundamentais para uma auto-reflexão do que se deseja alcançar com a
graduação em licenciatura, permitindo que a Instituição formadora de profissionais que
serão direcionados as salas de aula, ou a qualquer outra atividade relacionadas a sua
escolha pessoal, seja responsável por uma formação clara dos objetivos esperados pelos
graduandos, assim sendo a Universidade cumpre seu papel com a devolução de
profissionais preparados para contribuir na educação e nas áreas se destinarem a
exercerem.

Referências

BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: América Latina Colonial, volume
1. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão, 2008.
FERREIRA, Jorge Luiz. Incas e Astecas: culturas pré-colombianas. Edição. São Paulo:
Editora Ática, 1988.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
IOKOI, Z. e BITTENCOURT, C. (orgs.) Educação na América Latina. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura; São Paulo: EDUSP, 1996.
KARNAL, L. (org.)- História na sala de aula. Conceitos, práticas e propostas. São
Paulo: Contexto, 2003.
MONTAIGNE, Michel de. Dos Cannibais. In:______. Ensaios. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
SANTOS, Eduardo Natalino dos. Deuses do México indígena: estudo comparativo entre
narrativas espanholas e nativas. São Paulo: Pala Athena, 2002.

138
ENSINO DE HISTÓRIA & HISTÓRIA PÚBLICA:
REFLEXÕES ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE
Igor Lemos Moreira

Esta breve comunicação objetiva apresentar um reflexões sobre o Ensino de História


partindo do estágio docente desenvolvido nas disciplinas de Estágio Curricular
Supervisionado II e III do curso de História (Licenciatura) da Universidade do Estado
de Santa Catarina. Na ocasião em questão, desenvolvi, em parceria com outros dois
colegas, o acompanhamento da turma durante três meses (de abril a junho), envolvendo
a aplicação de duas oficinas, e no semestre seguinte a regência da turma por oito
semanas (dividas entre Agosto, Setembro e Outubro). Neste período de
aproximadamente dois meses de aula deveríamos debater com os alunos o tema do
Imperialismo e Neocolonialismo no continente africano durante o Século XX.

Partindo do pressuposto de que o docente deve/pode se observar enquanto também um


pesquisador (BARCA, 2004), cada integrante do trio, deveria possuir um tema de
pesquisa e de trabalho individual a ser desenvolvido durante o período de regência e que
reverberaria em nossas maneiras de condução das aulas. Por conta de meus interesses de
pesquisa, voltados a História do Tempo Presente, propus guiar minhas reflexões entorno
das discussões recentes sobre a História Pública, focalizando especialmente nas
possíveis intersecções com o Ensino de História. Com este objetivo, visei nas atividades
desenvolvidas e no momento de produção do relatório final exigido pelas disciplinas,
relacionar os conceitos de Consciência Histórica, Didática da História e História
Pública.

Segundo os estudos de Klaus Bergmann, a “Didática da História” pode ser


compreendida enquanto o campo de estudos centrado na pesquisa acerca da “elaboração
da história e sua recepção, que é formação de uma consciência histórica”
(BERGMANN,1990. p. 30) formada/constituída, a partir de um contexto sócio-
histórico. O autor ainda alerta para uma diferenciação dos estudos relativos a este
campo anteriores as décadas de 1960 e 1970, pois a partir deste momento, a “Didática
da História” passa a não ser mais entendida enquanto os modos e métodos de ensino da
disciplina, mas a ser compreendida em relação à necessidade, os objetivos e funções do
ensino de história. Essa observação, coloca aos professores/historiadores a necessidade
de reflexão dos elementos que existentes cotidianamente em nossa sociedade
(FONSECA, 2016), trazendo-os para a sala e aula, estimulando e desenvolvendo o
senso critico e o posicionamento dos estudantes, compreendidos conforme Barca
(2004), enquanto sujeitos ativos em seu processo formativo.

Durante as oito semanas de estágio foram realizadas atividades voltadas a realizar trais
aproximações e estimulando que os alunos não apenas refletissem mas relacionassem o
conteúdo do início do século XX com a atualidade, partindo de um interesse tanto dos
discentes quanto dos docentes relativos a “um presente que é o seu, em um contexto em
que o passado não está acabado, nem encerrado, em que o sujeito de sua narração é um

139
‘ainda-aí’” (ROUSSO, 2016. p. 18). Alguns dos exercícios desenvolvidos foram:
Análise e discussão acerca da apresentação da cantora Beyoncé no Superbowl de 2016,
em função das mensagens de lutas anti-racistas e da expressão de uma serie de estratos
de tempos na letra e performance; debate acerca da letra do video clipe da música Work,
da cantora Rihanna, relacionando a questão de negritude com a América Latina, em
conjunto com a paródia da música feita pela youtuber Kéfera; Projeção e discussão dos
filmes Haispray, Invictus e Mandela.

Nestas ocasiões, pautados nos conceitos anteriormente destacados, busquei trabalhar as


relações entre historiadores e a dimensão do público. De acordo com Ricardo Santhiago
(2016), é preciso observarmos que a emergência das mídias, sua expansão, e o
desenvolvimentos dos modos de comunicação, abriram possibilidades sem precedentes
para a ampliação do campo de atuação para jornalistas, cineastas, artistas, cantores,
biógrafos… e de formação de novos sujeitos ligados a tais meios. De encontro a isso, “a
disseminação de recursos tecnológicos e, por fim, a popularização da internet, as formas
adquiridas pelo chamado ‘espírito público da história’ se multiplicaram, pouco ou nada
dependendo da instituição de um campo formalizado de debates.” (SANTHIAGO,
2016. p. 24).

No decorrer do período de estágio, e das atividades desenvolvidas, observei que os


diálogos entre Didática da Histórica, Consciência Histórica e História Pública são
profícuos para os historiadores e e representam um espaço de reflexão fundamental para
o professor. Ao considerar o aluno enquanto atuante em seu processo formativo e
trabalharmos com casos próximos de sua realidade vivida, especialmente através da
dimensão da associações com suas consciências acerca do passado, suas memórias,
lembranças e visões sobre o passado, o docente poderia relacionar com a proposição de
Santhiago (2016) de considerarmos, pelo caminho da História Pública, a atuação dos
públicos na formulação de narrativas históricas expressas diretamente ou indiretamente.
Em consonância com Albieri (2011), ao refletir e considerar que todos os sujeitos,
inseridos ou não nos meios acadêmicos ou escolares, formam e atuam nas “consciências
históricas” sobre as temporalidades nas quais vivem, os lugares e os passados vividos,
propus naquelas ocasiões trabalhar com materiais não apenas mais próximos das
realidades estudantis, como temas e figuras que, acreditei, despertassem mais o interesse
deles do que pinturas ou gravuras do período, não que estas não tenham sido utilizadas,
de fato foram, mas em outros momentos.

Referências

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do projecto à avaliação. (Org.) Para uma educação
histórica de qualidade. Actas das IV Jornadas Internacionais de Educação Histórica.
Braga:Universidade do Minho, 2004, p.131-144.

BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História,


São Paulo, v. 9, n.19, set.89/fev.90, p. 29-42, 1990.

FONCESA, Thais Nívia de Lima e. Ensino de história, mania e história


pública.MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Janiele Rabêlo de; SANTIAGO, Ricado

140
(Org). História Pública no Brasil: Sentidos e Intinerários. São Paulo: Letra e Voz,
2016. p. 185-194.

ROUSSO, Henry, A última catástrofe: a história, o presente e o contemporâneo. Rio


de Janeiro: FGV, 2016.

RÜSEN, Jörn. História Viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento
histórico. Brasília: UNB, 2007.

SANTHIAGO, Ricardo. Duas Palavras, Muitos Significados: Alguns comentários sobre


a história pública no Brasil. MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Janiele Rabêlo de;
SANTIAGO, Ricado (Org). História Pública no Brasil: Sentidos e Intinerários. São
Paulo: Letra e Voz, 2016. p. 23-36.

141
HISTÓRIA, RELIGIÃO E ENSINO: BREVES
REFLEXÕES PARA A EDUCAÇÃO
Ingrid Luane Campêlo de Oliveira

O espaço escolar em sua diversidade de relações abrange várias questões que devem por
sua vez, serem tocadas e refletidas, pois é neste mesmo espaço que os saberes em
consonância com o cotidiano para além dos muros, são construídos em parcerias com
todas e todos aqueles que são agentes da educação. Dentre outras questões, a questão
religiosa é uma constante dentro das temáticas que cercam o dia a dia das salas de aula,
pois trata-se de um elemento que minimamente compõe o indivíduo seja através da sua
negação ou da sua afirmação.

Os discursos religiosos perpassam e passeiam entre corpo docente, discente e


funcionários (as), seja através dos símbolos, de frases, costumes, ditados, ritos
particulares, utensílios pessoais utilizados, imagens expostas, ou em falas
compreendidas como orientações padrões morais de civilidade. Ou seja, o/a religioso
(a), não encontra-se à margem, mas no centro de questões do cotidiano e que precisam
serem vistas como pontos centrais de sociabilidades e debates.

Desta forma, seja em menor ou maior grau, os saberes construídos nesses espaços
educacionais também confluem com tais práticas individuais que dinamicamente
transbordam para o coletivo. É um movimento elástico propiciado pelo o que a própria
educação possibilita partindo do seu caráter pluridimensional e sugestivo no que diz
respeito à diversidade do “saber ser”. Evidencia-se cotidianamente que nenhum
conhecimento é construído de maneira isolada na ação pedagógica, pois com base em
Tardiff (2002), o saber é plural, é amálgamo, e é na sala de aula que esses
conhecimentos podem ser retraduzidos no processo de ensino-aprendizagem.

E é nesse contexto em que o âmbito escolar aparece como imprescindível como um


espaço de reflexão sobre a disciplina de Ensino Religioso (ER), que destacamos a
presença da como parte também da construção de saberes de uma sociedade
heterogênea em suas várias dimensões identitárias. Em consonância com Joanildo
Burity (2015),

não é possível ignorar que a constatação da presença pública das religiões se


revista de tantas possibilidades de contestação. Porque ela não simplesmente
se dá, para qualquer um ver. Ela instaura uma nova cena, que perturba um
imaginário político solidamente constituído, revelando não somente suas
fraturas, mas também a multiplicidade (e portanto, a contingência) de
caminhos por meio dos quais tal imaginário (o moderno ocidental) se
constituiu.

Nesse sentido, sob mesma medida não podemos dar ao cenário escolar uma caráter
descolado de toda essa “nova cena” apontada pelo autor com uma religião que não se
faz nos muros do particular, mas se estabelece publicamente, trazendo a tona fraturas

142
sociais e divergências de interesses, ou seja, indica movimentos complexos de (re)
estruturações sociais.

Nesse emaranhado de conflitos postos publicamente, que por sua vez, devem ser
encarados como dinâmicos, haja vista a confluência entre o particular e o coletivo,
encontramos na educação uma via para darmos visibilidade a uma questão pública que
permeou construções de sociedades compostas por sujeitos em seus chãos históricos.

E hoje sendo o ensino da religião amparado por medidas jurídicas legais nacionais e
legitimadas nos espaços públicos, na mesma medida em que também a laicidade é
apregoada, consideramos a pertinência de darmos a temática o seu caráter específico de
análise. Para tanto, acreditamos que a formação docente deve ser incentivada em seu
sentido diverso e de totalidade, reconhecendo em cada aluno e aluna, um potencial
agente construtor de alteridades, alterando cenas de intolerâncias a grupos
majoritariamente marginalizados ou silenciados em decorrência de suas práticas
religiosas.

Partindo desta questão-problema que cabe ao/a historiador(a) solucionar. Sugerimos a


proposta de pensarmos o ensino da religião como também uso e propriedade intelectual
do/da profissional da História em sala de aula, dando a esta uma configuração
historicizada.

Para tanto, a inserção desta temática nos espaços educacionais não poderia ser
simplesmente lançada, reproduzindo assim, por ato contínuo, o que muito já se discute a
respeito da temática nestes espaços a partir de um discurso que, em tese, deveria ser
despido de qualquer proselitismo, mas que em sua externalização e prática cotidiana
escolar, mantém a análise do religioso fora de qualquer perspectiva histórica, isto por
falta fundamentalmente de um suporte teórico-metodológico que este educador possa ter
acesso e, assim, conduzir tal debate.

Neste sentido, acreditamos que academia e os espaços educacionais devem, por sua vez,
encontrar parcerias na perspectiva de preencher lacunas entre estes dois lugares de
elaboração de saberes, promover diálogos entre esses locus de construção de ideias, pois
ambos fazem parte de um movimento que nunca foi unilateral quando tratamos acerca
da construção do conhecimento.

Consideramos que como base do processo de ensino-aprendizagem, ensino e pesquisa


precisam ser eixos privilegiados na condução do trabalho de docentes em sua prática
para que tanto alunado quanto o/a professor(a) – atores principais desse processo- sejam
construtores de uma sociedade em que a educação seja uma via de mudança e
transformação.

143
Bibliografia:

Documentação:

BRASIL. Constituição (1891) Constituição da República dos Estados Unidos do


Brasil. Rio de Janeiro, 1891. Disponível em:
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Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

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fundamental - História e Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1998.

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146
PROJETO DE EXTENSÃO DE HISTÓRIA COMO
UM ELEMENTO DE FORMAÇÃO DO DISCENTE
BOLSISTA
Ivaneide Barbosa Ulisses

Para o evento trazemos as primeiras reflexões em torno do projeto de extensão História


do Brasil pelas vias do Cinema (curso de História da FAFIDAM). Iniciamos 2017 com
a continuidade desse projeto que em 2016 tivera inicialmente como foco do trabalho
associar conteúdos da História do Brasil às narrativas de filmes de produção nacional.
Explanaremos um pouco sobre a realização do mesmo no ano passado e os ganhos
observados no aspecto da atuação/aprendizagem dos alunos bolsista que pretendemos
ampliar no ano corrente. O projeto tem como público alvo, alunos do ensino
fundamental da cidade de Limoeiro do Norte- Ceará (cidade sede da Fafidam).

O grupo da universidade teve, ao longo de 2016, uma experiência riquíssima, com a


realização de atividades tanto na escola como no espaço da faculdade. Os alunos
puderam além das atividades propriamente ditas do projeto, participar de eventos com
comunicação de artigos escritos coletivamente sobre o que estávamos realizando
durante o período vigente do projeto de extensão. Percebemos o espaço de extensão
como fundamental na formação do discente universitário.

Foi-nos exemplar a dificuldade que tivemos de relacionar diretamente o conteúdo do


ensino da disciplina com os filmes, pois faltou o envolvimento direto das professoras
nas atividades, devido a dificuldades das mesmas com a carga de trabalho. Optamos
naquele momento, então, por trabalharmos conceitos importantes para área de história
como “memória” e “narrativa”.

O cerne do projeto passou a ser o debate de questões postas no tempo presente, mas que
também é parte de uma história do Brasil crítica e argumentativa. Os filmes (tanto
curtas como longas, assim como ficção ou não) reforçaram as possibilidades de diálogo
sobre questões consideradas pelo público alvo como polêmicas.

Temos em nossa trajetória de docente na FAFIDAM realizado em escolas do município


de Limoeiro do Norte – Ceará minicursos, atividades essas, aplicadas pelos alunos de
História em disciplina como de História do Brasil, com excelentes resultados, tanto para
os discentes universitários como para os do ensino fundamental e médio.

Com o Projeto se pode executar um específico programa de ensino teórico e


metodológico com o aluno- bolsista em uma linguagem a qual temos pouco tempo
durante o curso regular para aprofundarmos com as turmas (o trabalho com os filmes).
O bolsista, ainda somou, a esse aprofundamento do assunto, a oportunidade de
aplicação do conhecimento apreendido com os alunos do ensino básico. Foi ainda para
o monitor mais um momento de conviver com o contexto da escola antes do término do
curso e início da sua trajetória de professor.

147
Para o aluno da escola nos pareceu importante o contato com projetos oriundos do meio
acadêmico, pois os levou a perceber a universidade mais próxima ao seu cotidiano, de si
e de suas possibilidades de futuro. No caso, o projeto “História pelas vias do Cinema”.

Acreditamos, que a exploração dos conteúdos dos filmes traz potencializa suas
narrativas gerando conhecimento de maneira criativa e articulada com outros textos
narrativos para além do livro didático (revistas, romances, poesias, quadrinhos, cordel,
canções, entre outros) incentivando as turmas a apreciação estética e criativa por meio
do campo da arte. Pois, o filme é um arrebatador meio não apenas para
completar/questionar/elaborar os conteúdos da matéria, como é fantástico para
sensibilização estética.

Sabemos que de maneira geral, o público brasileiro se envolve com maior intensidade, e
os alunos (universitários e da escola igualmente) devido aos meios de comunicação,
mídias, com a produção cinematográfica norte-americana. Assim, oportunizamos
informações e curiosidade a respeito da produção nacional, ajudando a criar uma
sensibilidade para um tipo de narrativa fílmica mais ampla.

A leitura das imagens, das narrativas de filme, do conteúdo da disciplina sob orientação
e o debate aberto das opiniões, oferece a todos os participantes um caminho para ensinar
e aprender a lidar com o mundo das narrativas-imagens que nos rodeiam.

Devemos observar que o Projeto de Extensão ainda é recente e a nossa reflexão carece
de mais observações e experiência, porém de antemão a oportunidade nos surge como
espaço de pesquisa no campo de ensino e aprendizagem que daremos desenvolvimento
durante o ano de 2017, tanto no que concerne o canal em si que é a “extensão”, como os
meios é a linguagem dos filmes. No caso, são dois processos que se encontram na
preocupação com a melhor formação do discente de história.

Referências bibliográficas

ARAUJO, Bruno Yuri; ULISSES, Ivaneide Barbosa; SANTIAGO, Francisca Flávia


Vieira & LIMA, Nayane de Oliveira. Cinema, educação e História: das teorias
acadêmicas as práticas educacionais públicas através da extensão. In: XXI Semana
Universitária da UECE. Fortaleza, novembro/2016.

COSTA, Aryana Lima. A extensão na formação de profissionais de História. São


Paulo: Revista Brasileira de História, v. 30, n° 60, p. 35-53 - 2010.

LIMA, Nayane de Olivera; ULISSES, Ivaneide Barbosa; ARAUJO, Bruno Yuri &
SANTIAGO, Francisca Flávia Vieira. Memória e história local: a elaboração de
roteiro de entrevistas em sala de aula do ensino fundamental. In: XXI Semana
Universitária da UECE. Fortaleza, novembro/2016.

LIMA, Nayane de Oliveira & ULISSES, Ivaneide Barbosa. História do Brasil pelas
vias do cinema: o uso de filmes como metodologia facilitadora de aprendizagem.
In: XXI Semana Universitária da UECE. Fortaleza, novembro/2016.

148
ULISSES, Ivaneide Barbosa; ARAUJO, Bruno Yuri & LIMA, Nayane de Oliveira.
Filmes: uso didático e de História Pública na escola de ensino fundamental. In: 3°
Simpósio Internacional de História Pública. Crato, novembro/2016.

ULISSES, Ivaneide Barbosa & ARAUJO, Bruno Yuri. História do Brasil pelas vias
do cinema. In: Anais do IV Seminário Nacional do Ensino Médio (SENACEM).
Mossoró, maio/2016.

149
DO VESTIBULAR À SALA DE AULA: O PAPEL
SOCIAL DA HISTÓRIA E DO PROFESSOR DE
HISTÓRIA
Jackson Alexsandro Peres

Uma escolha nada fácil

Corajosos. Talvez este seja o adjetivo mais apropriado para designar os jovens que ao
final do ensino médio optam por carreiras na área/disciplina da educação, como Física,
Matemática, Filosofia, Artes, Química, Biologia, Educação Física, Geografia, Letras e
História. Apesar de todas abrirem possibilidades para o exercício da profissão fora da
sala de aula, ou melhor, trabalhos de pesquisa, desenvolvimento científico, ou apenas
exercendo a profissão em outros setores, a verdade é que uma minoria dos formados
nessas áreas segue por esses caminhos. A maioria sabe que terá como campo de atuação
a sala de aula, exercendo a profissão de professor. Por este motivo chamamos esses
ingressantes de corajosos, pois acreditamos que muitos possuem conhecimento da
realidade da profissão professor.

Para a escolha do curso, o indivíduo leva em conta muitos fatores. Dentre os fatores
tem-se primeiro a influência de terceiros. Pais, família e amigos, por bem ou não
acabam por dar sugestões e influenciam na decisão. Em segundo o mercado de trabalho,
já que o mundo exige com que você pese cada vez mais esse fator na hora da escolha de
uma profissão, sendo muitas vezes decisivo. Em terceiro lugar vem a afinidade. Esse é o
fator que consideramos mais importante na hora da escolha de uma profissão, pois ele
busca a satisfação profissional. É saber onde e como você irá atuar e saber as condições
que irá encontrar e mesmo assim ter motivação para seguir em frente.

O mercado de trabalho para um professor, levando-se em conta o fator econômico, não


é muito animador. Existe quantidade de trabalho, mas a questão é: quais são as
condições de mercado de trabalho que um estudante de História vai encontrar na sala de
aula, se ele realmente atuar como Professor? Nas palavras de Cabrini, podemos ter uma
idéia:

Certamente você, melhor do que nós (ou, assim como nós), sabe das
péssimas condições estruturais do ensino, por senti-las na própria pele
em sua experiência diária. As grandes dificuldades de suas condições de
trabalho (baixos salários, instabilidade do serviço, enorme carga horária,
choques constantes com a estrutura hierárquica e burocrática etc.) pesam
muito sobre você e não serão modificadas sem uma longa luta, a qual
evidentemente requer muito de seu já sacrificado tempo (CABRINI,
1994, p. 13-14)

Colocaremos em pauta algumas questões sobre o curso de História e o papel do


Professor de História na sociedade. O texto será baseado em uma bibliografia que

150
atende as questões sobre História/Ensino e à partir das impressões pessoais sobre o
curso de Graduação em História e a experiência profissional na área.

A História na academia

Segundo Conceição Cabrini (1994, p. 33) “a história estuda as ações dos homens,
procurando explicar as relações entre seus diferentes grupos. Essas relações estão em
permanente movimento, são essencialmente dinâmicas e contraditórias.” Para dar conta
dessa concepção, na graduação tem-se contato com disciplinas de teoria e metodologia
da história, para compreendermos como se escreveu e quem escreveu a História através
do tempo.

Obviamente que, se o curso nos habilita a sermos Professores, teremos de ter no mínimo
noção do funcionamento do sistema de ensino brasileiro e as leis que regem esse
sistema. Também é necessário que tenhamos contato com situações práticas de ensino
através do estágio obrigatório supervisionado. Esses dois segmentos devem caminhar
juntos na formação do professor já que:

É preciso garantir que o professor de história seja alguém que domine o


processo de produção do conhecimento histórico, que seja alguém que
saiba se relacionar com o saber histórico já produzido e que, finalmente,
seja alguém capaz de encaminhar seus alunos (sejam eles de 1º, 2º ou 3º
graus) nesses mesmos caminhos da produção e da relação crítica do
saber.(CABRINI, 1994, p.23)

Não acreditamos que os conteúdos e teorias trabalhados em sala de aula possam dar
conta do saber necessário para um indivíduo ser ou não um bom professor. Sabemos
que cada situação profissional vivida é diferente de outra. Não há regras nem receitas
para sermos bons professores. Cada realidade que se apresenta na sala de aula servirá de
aprendizado. Este aprendizado será constante, e estará sempre em reformulação. A
competência será conseguida por meio da prática. Ranzi coloca que “ensinar história é
um métier que se aprende e como todo métier, particularmente aqueles qualificados de
intelectuais, o ato de aprender não tem fim, aprende-se pela experiência, aprende-se pela
reflexão teórico-prática” (RANZI, 1999, p.20).

É importante não desmerecermos as questões e os conteúdos das disciplinas


pedagógicas. Elas nos fornecem um contato prévio com a prática de ensino. Através
delas obtemos trocas de experiências e relatos apresentados pelos professores e colegas
que contribuirão para nossa formação. É através dessas disciplinas que podemos ter um
contato com o mundo e com os desafios que ainda não enfrentamos, mas que nos
esperam quando nos formarmos. Um desses desafios é apresentado por Schmidt (2002,
p, 58):

No que se refere ao fazer histórico e ao fazer pedagógico, um desafio se


destaca dos enfrentados pelos educadores na sala de aula, e pode ser
lembrado como necessário à formação do professor de História: realizar a

151
transposição didática dos conteúdos e do procedimento histórico e também
da relação entre inovações tecnológicas e o ensino de História.

O papel da História e do professor de História

O professor possui, seja ele de qualquer disciplina, um papel fundamental dentro da


sociedade. Talvez mais do que outra disciplina, a História vem a aumentar a
responsabilidade de quem à ministra na sala de aula. Isso por que: “A História enquanto
disciplina dos currículos dos ensinos básico e secundário, apesar de ser ciclicamente
contestada e posta em causa, tem um papel reconhecido em termos internacionais,
sociais e individuais” (ALVES, 2001, p. 23).

Dentro das competências do ensino de História, a criação de uma identidade se mostra


como sendo uma das principais.

(...) Sem consciência histórica sobre o passado (e antepassados...) não


perceberíamos quem somos. Esta dimensão identitária – quem somos? –
emerge no terreno de memórias históricas partilhadas. (...) a consciência
histórica contribui, deste modo, para a afirmação da identidade – individual
e coletiva (...). (ALVES, 2001, p. 25).

Dentro desse contexto, procuramos identificar a utilidade da História compartilhando as


ideias de Luís Alves. O autor coloca que:

a) É através da História e do conhecimento do passado que obtemos


experiências que diminuem o atrito entre as gerações tornando melhor a
convivência entre as diferentes épocas da família;

b) A História permite que encontremos pontos de referência no passado que


fazem diminuir as angústias do presente, contribuindo para a paz de espírito,
já que transforma o presente em um espaço de experiências e o futuro em um
horizonte de expectativas;

c) A História fornece as origens, genealogias, ligações e persistências, que em


último caso denunciam as más experiências e legitimam as boas. A
compreensão de nossa identidade é garantida pelo papel da História na nossa
formação;

d) Por último, a História remete-nos ao passado como refúgio para a fugacidade


do presente. Através dela, as transformações políticas poderão ou não ter
nossa simpatia, a vida social poderá nos levar até a nostalgia e a cultura e
arte serão o nosso trampolim para o sonho. (ALVES, 2001, p.25)

Se entendermos o papel da História através desse enfoque, podemos simplificar o


sentido do ensino de História. Assim, se nos perguntarem “por que se estuda História?”,
podemos tomar como resposta as palavras de Black:

152
Ensina-se História por 3 razões diferentes: razões de índole humanística (a
História contribui para a educação); razões de índole instrumentalista (a
História tem uma função: como meio para atingir determinado fim); razões
de índole científica, porque a História tem um valor intrínseco como ciência
(...). (ALVES, 2001, p. 26)

Dentro dessa competência, a História deve estar pautada nos quatro pilares da educação.
Que são: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e
aprender a ser. Aprender a conhecer está ligado ao domínio dos instrumentos do
conhecimento e é na História que os conteúdos e as finalidades são capazes de
fornecerem meios para que o conhecimento se transforme num processo de
aprendizagem contínua. Aprender a fazer substitui a qualificação pela competência.
Englobando além da qualificação, o comportamento social, a aptidão para um trabalho
em equipe, a capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco e a adesão à mudança.
Aprender a viver com os outros significa contemplar a diversidade histórica, as
heterogeneidades étnicas ou religiosas, para evitar a incompreensão que gera ódio e
violência. Aprender a ser, então, resume tudo isso, ou seja, a educação deve contribuir
para o desenvolvimento total da pessoa humana. (ALVES, 2001, p. 29-30).

Desse modo, esperamos que os cursos de licenciatura em História continuem a atrair


corajosos, que em suas práticas tornem-se heróis, pois,

Da nossa postura de educadores ou professores e da forma como soubermos


utilizar a História dependerá o exercício da cidadania dos nossos alunos no
mundo de amanhã. A preparação desse futuro (re) começa na próxima aula
ou no próximo “Lugar da História”. Não desperdicemos a oportunidade de
dar o nosso contributo e de deixar a nossa marca na sociedade que os
nossos jovens e alunos vão ter de construir. (ALVES, 2001, p. 31)

Bibliografia

ALVES, Luís Alberto Marques. O Estado da História – o Ensino. In: Revista da


Faculdade de Letras – História. Porto, III Série, vol. 2, 2001.

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SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de História e o cotidiano da


sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe (org). O saber histórico na sala de aula. 8
edição. São Paulo: Contexto, 2002.

153
ENSINO DE HISTÓRIA E PATRIMÔNIO
CULTURAL: UM ROTEIRO
Janaina Cardoso de Mello

O início do aprendizado da história ocorre bem mais cedo do que imaginam os alunos
que chegam ao curso de Licenciatura em História. Se dá através das ruas por onde
passam indo e voltando da escola, nas memórias dos avós que contam sobre “seu
tempo”, nos museus que fazem parte das visitas escolares, tudo isso configurando
elementos de um patrimônio ainda disperso em suas mentes, mas cheio de
potencialidades. Quando adentram as primeiras cadeiras da graduação em História e por
sorte têm a disciplina de “História e Patrimônio Cultural” ou “História e Educação
Patrimônial” começam a costurar a teia de significados culturais e a olhar o mundo de
outra forma, prestando atenção em detalhes antes ignorados pela pressa ou ausência de
um direcionamento de sentido.

Qualquer disciplina que se proponha a ensinar a história de um grupo social ou de uma


nação a partir de seu patrimônio cultural deverá fazer uso primeiro das Cartas
Patrimoniais – cartas, resoluções, normas, documentos oriundos de reuniões com a
chancela de organismos nacionais (IPHAN) e internacionais (ICOM, ICOMOS,
UNESCO, etc.) – sobre a salvaguarda de bens culturais, produto de debates e resultando
em vários conceitos nos quais, em grande parte, a história obtêm status de norteadora.
As cartas patrimoniais podem ser acessadas em sua integridade no site do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), da primeira em 1931 à última em
2010.

A pesquisadora Isabelle Cury (2000), em publicação do IPHAN, organizou as cartas


patrimoniais em um livro que torna-se um preciosidade na biblioteca de qualquer
historiador interessado na linha da História Cultural. As cartas patrimoniais possibilitam
ao graduando em História, o contato com a formulação de conceitos, saindo das
definições do senso comum e ainda permitem que ele observe as permanências e
transformações dos conceitos ao longo do tempo, contextualizando as mudanças com os
processos sociais das demandas de grupos de interesse, formulações de políticas
públicas, tendências em vigor, incentivos econômicos e/ou ambientais, dentre outros. É
importante perceber a historicidade em cada momento, perpassando a quebra da bolsa
de New York em 1929, as duas grandes guerras mundiais, as ditaduras latinoamericanas
entre 1960 e 1980, o processo de reabertura democrática a partir das décadas de 1980 e
1990, as preocupações ecológicas no limiar dos anos 2000, pois cada momento
influencia diretamente no diálogo, nas decisões, nos avanços e recuos das políticas
patrimoniais. O aluno aprende assim a lidar com o tempo – objeto primordial de
trabalho do historiador/professor de história – e com a relação entre palavras e ações.

Dentre os conceitos à serem estudados, cabe ressaltar a Recomendação de paris (1964)


no que diz respeito ao conceito de “bens culturais”; as Normas de Quito (1967), a
Resolução de São Domingos (1974) e a Carta de Turismo Cultural (1976) que tratam do

154
“Turismo Cultural” e sua valorização da cultura, bem como perigos de degradação do
patrimônio histórico; a Recomendação de Nairóbi (1976) que traz as definições de
“conjuntos históricos ou tradicionais” e de ações de “salvaguarda”. Já a Declaração do
México (1985) define “cultura” e “identidade cultural” conferindo importância à
diversidade. A Carta de Petrópolis ao abordar o “sítio histórico urbano” afirma a cidade
como um “organismo histórico”, enquanto expressão cultural com seu espaço edificado
socialmente produzido. Mas é a Recomendação de Paris de 1989, com seu conceito de
“cultura tradicional e popular” que abre caminho para que em 2003, também na cidade
luz francesa, se defina “patrimônio imaterial”.

Após apropriar-se dessas premissas deve o aluno ser apresentado aos estudiosos do
patrimônio cultural e eles são muitos, por isso a seleção será sempre um processo difícil
e caberá um rodízio de turma para turma, de semestre para semestre, mas sem perder de
vista o trabalho em seminário ou citação de referência durante as aulas de alguns
clássicos indispensáveis à compreensão do patrimônio cultural.

Dentre os diversos autores chama-se atenção, no plano internacional para a obra


“Alegoria do patrimônio” de Françoise Choay (2008) e o livro “Uma história do
patrimônio no Ocidente” de Dominique Poulot(2009). No âmbito nacional não se
devem esquecer os livros “Patrimônio Histórico e Cultural” (2009) e “O que é
patrimônio cultural imaterial”(2008), ambos dos historiadores Pedro Paulo Funari e
Sandra de Cássia Araújo Pelegrini. Porém, chama-se a atenção ainda para a obra
“Patrimônio cultural: consciência e preservação” (2009) de Sandra Pelegrini, pois a
autora escreve para o professor que irá trabalhar com o patrimônio cultural em sala de
aula, com exemplos de preparação de material de apoio, textos geradores, confecção de
planos de aula, celebração na escola e sensibilização da comunidade dentre outros
aspectos. Em 2010, Sandra Pelegrini e Áurea Paz Pinheiro (2010) organizaram uma
coletânea intitulada “Tempo, Memória e Patrimônio Cultural” com abordagens
multidisciplinares, contendo ainda textos de juristas sobre a legislação em torno do
patrimônio que elucidam muitos questionamentos para graduandos em História.
Também são essenciais nessa base historiográfica sobre o patrimônio mais quatro
coletâneas: a primeira “E o patrimônio?” organizada por Vera Dodebei e Regina Abreu
(2008) trazendo um texto de referência sobre patrimônio digital, a segunda obra
“Memória e Patrimônio” organizada pela antropóloga Regina Abreu e o museólogo
Mário Chagas (2009) enfatizando o papel dos museus, a terceira “História, Memória e
Patrimônio” organizada pelo historiador Angelo Priori com textos do patrimônio
latinoamericano e a última “Patrimônio cultural. Políticas e perspectivas de
representação no Brasil” organizada por Márcia Chuva e Antonio Nogueira, em 2012,
trazendo à tona a visita de Michel Parrent ao Brasil para inventariar as conexões entre
turismo e patrimônio cultural nas cidades. Para complementar essa bibliografia rica, o
clássico “Cultura é patrimônio” de autoria de Lúcia Lippi Oliveira (2008) e uma
dissertação “Políticas Públicas do patrimônio cultural edificado na cidade de Pelotas,
RS: histórico, trajetória e transformação”, publicada recentemente pela administradora,
mestre e doutoranda em Memória e Patrimônio pela UFPel, Francine Ribeiro (2016).
Muitos outros livros, artigos, monografias, dissertações e teses poderiam compôr essa
lista já longa, mas estes, selecionados com muito zelo, já fornecem muito material para
estudiosos do patrimônio cultural.

155
Obviamente, para além da teoria em sala de aula, trabalhar com o ensino de História e
Patrimônio Cultural requer visitas técnicas à centros históricos (caso seja
geograficamente viável), bem como entrevistas com moradores do bairro e estudantes
de outros cursos de graduação sobre suas visões de patrimônio cultural, isto porque
parte-se da percepção de que patrimônio cultural é tudo aquilo que tem “valor simbólico
agregado”, ou seja, que é tomado como uma referência de pertencimento a um lugar ou
povo. Pensar em metodologias sedutoras como aulas com degustação de quitutes
gastronômicos para falar do patrimônio imaterial contido no saber fazer das baianas do
acarajé ou das doceiras de Pelotas além de encher a barriga e os olhos, certamente
dinamiza as aulas e a aprendizagem, contando para isso com a ajuda de Raul Lody
(2011) em seu livro “Caminhos do Açúcar” que é de grande valor. Mil formas podem
assumir o ensino de História e Patrimônio Cultural uma vez que o tema faz parte de um
universo de tradições mas também de contínuas ressignificações.

Ensinar História na universidade vai muito além de tratados políticos, exercícios de


paleografia ou compêndios econômicos quando a cultura permeia todos os espaços e a
aprendizagem do patrimônio cultural deve ser inserida em conteúdos cotidianos, afinal,
se vai falar de Revolução Francesa, porque não instigar os alunos sobre os deliciosos
macaroons enquanto símbolos culturais da gastronomia francesa? Ou do Louvre como
um museu de muitos patrimônios? A salvaguarda cultural não se consolida apenas em
leis e conceitos, mas sobretudo no conhecimento que se tem deles e no
autoreconhecimento que se faz do patrimônio cultural mais próximo: o casario
oitocentista em ruínas no centro urbano de São Paulo, o reisado do povoado vizinho
(AL), a queijada sancristovense (SE) de dona Marieta ou o Museu do Amanhã
(RJ)...pois patrimônio é também experiência!

Referências Bibliográficas

ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Orgs.) Memória e Patrimônio. Ensaios


contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.

CHOAY, Françoise. Alegoria do Património. Lisboa: Ed.70, 2008.

CHUVA, Márcia; NOGUEIRA, Antonio Gilberto (Orgs.) Patrimônio Cultural.


Políticas e perspectivas de representação no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X/ FAPERJ,
2012.

CURY, Isabelle (Orgs.) Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.

DODEBEI, Vera; ABREU, Regina (Org.) E o patrimônio? Rio de Janeiro: Contra


Capa/ PPGMS-UNRIO, 2008.

FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio Histórico e Cultural.


Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra C. A. O que é patrimônio cultural


imaterial. São Paulo: Brasiliense, 2008.

156
LODY, Raul. Caminhos do Açúcar. Rio de Janeiro: Topbooks, 2011.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cultura é patrimônio. Um guia. Rio de Janeiro: FGV, 2008.

PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio cultural: consciência e preservação. São Paulo:


Brasiliense, 2009.

PINHEIRO, Áurea Paz; PELEGRINI, Sandra C. A. (Orgs). Tempo, Memória e


Patrimônio Cultural. Teresina: EDUFPI, 2010.

POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente, séculos XVIII-XXI.


São Paulo: Estação Liberdade, 2009.

PRIORI, Angelo (Org.) História, memória e patrimônio. Maringá: Ed. UEM, 2009.

RIBEIRO, Francine Morales Tavares. Políticas Públicas do patrimônio cultural


edificado na cidade de Pelotas, RS: histórico, trajetória e transformação. Pelotas: Ed.
UFPel, 2016.

157
ENSINO DE HISTÓRIA NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Jeesiel de Souza Temóteo

Introdução

No dia 16 de Novembro observei duas aulas de História. A aula que assisti foi na turma
do 8º Ano “A’, como em todas as turmas da escola a classe não é cheia, a sala tem 22
alunos diferente da realidade escolar de nosso estado, onde em muitas escolas o número
de alunos por turma passa de 40, com isso, é facilitado o trabalho do professor que
consegue ter uma relação mais direta e especifica com cada aluno da turma, relação essa
que vejo como essencial para a aprendizagem dos discentes, sobre isso GADOTTI
(1999, p. 2) afirma:

“Para por em prática o diálogo, o educador não pode colocar-se na posição


ingênua de quem se pretende detentor de todo o saber; deve, antes, colocar-
se na posição humilde de quem sabe que não sabe tudo, reconhecendo que o
analfabeto não é um homem “perdido”, fora da realidade, mas alguém que
tem toda a experiência de vida e por isso também é portador de um saber.”.

A aula que assisti foi a ultima do ano letivo da escola que será encerrado no dia 30/11,
depois dessa data apenas os alunos em recuperação permaneceram na escola. O assunto
trabalhado foi A Sociedade Mineradora, o professor no inicio escreveu no quadro um
texto sobre o tema e foi explicando cada trecho que escrevia, um fator negativo é a
pouca participação dos alunos, o professor Teodoro estimula, mas, os discentes apenas
balançam a cabeça, poucos fazer perguntas e tiram suas dúvidas o que é essencial
durante uma aula, como diz LIBÂNEO (1994, P. 250):

“O professor não apenas transmite uma informação ou faz perguntas, mas


também ouve os alunos. Deve dar-lhes atenção e cuidar para que aprendam
a expressar-se, a expor opiniões e dar respostas. O trabalho docente nunca é
unidirecional. As respostas e as opiniões dos alunos mostram como eles
estão reagindo à atuação do professor, às dificuldades que encontram na
assimilação dos conhecimentos. Servem também para diagnosticar as causas
que dão origem a essas dificuldades”.

Com isso, vemos o quanto é importante a interação dos alunos com o professor, até para
que o docente direcione melhor sua explicação para facilitar o entendimento dos
estudantes. Na segunda aula na mesma turma o professor disse a nota de parte dos
alunos da classe, alguns deles vindo de transferência de outras instituições, por conta de
mudanças de moradia, mau comportamento e outras questões, estão em recuperação,
pois, ou vieram com notas muito baixas ou acabaram perdendo algum bimestre. No fim,
o educador passou uma atividade valendo 5 pontos para ajudar os discentes que estão
precisando melhorar a pontuação, o trabalho continha 3 questões sobre o assunto
trabalhado na aula, a maioria dos alunos da turma fizeram e ganharam os 5 pontos.

158
Desenvolvimento

A grande maioria dos alunos da escola são de comunidades carentes, a escola fica
próximo ao local chamado “favela” do município, os alunos tem contato como todo os
caos da sociedade, desde violência, drogas, desigualdades sociais e o desrespeito aos
direitos humanos, com isso, é essencial que as aulas de História, Geografia, e as demais
disciplinas procurem praticar uma metodologia de ensino libertaria, crítica, que façam
com que os alunos não aceitem passivamente suas condições, busquem melhorias,
acerca disso Paulo Freire (1996, p. 38) Destaca:

Outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática
educativo-crítica é o de que, como experiência especificamente humana, a
educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do
conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica
tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu
desmascaramento.

Contudo, percebemos o quando é importante o papel do professor e demais


componentes da escola, para que se busque, não apenas com conteúdos mais com
práticas ensinamentos de vida fazer com o que o aluno tenha um lado crítico e veja sua
realidade com outros olhos. Ao mesmo tempo, deve-se ter cuidado para que a educação
não funcione como um aparato do estado, reproduzindo a ideologia dominante,
tornando os alunos passivos e omissos.

A participação dos pais é algo muito comentado pelos professores e a direção da escola,
todos reclamam que os familiares não participam, só aparecem na escola em ultimo
caso, quando são chamados por indisciplina dos alunos que correm risco de serem
transferidos ou expulsos da escola.

Os professores também destacam que falta estimulo por parte dos pais para com os
alunos, muitos apenas aparecem na escola no momento de fazer a matricula e depois
abandonam a comunidade escolar que deveria ser um local de integração entre todos os
envolvidos com o crescimento do jovem ou criança estudante.

Todavia percebemos o quanto é importante a parceria entre escola e família para se


conseguir desenvolver a vida educacional do aluno, e assim fazendo com que o discente
domine os requisitos básicos que se precisa para conseguir progresso acompanhando os
níveis educacionais, sobre isso Libâneo destaca que:

Educação é o conjunto de ações, processos, Influências, estruturas que


intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e grupo na relação
ativa com o ambiente natural e social, num determinado contexto de
relações entre grupos e classes sociais (LIBÂNEO, 2000:. 22)

Contudo, é necessário que a escola procure criar formas de interação com a família,
tentando incluir a educação no ambiente social do aluno como ressaltou Libâneo,
resultando no desenvolvimento desses indivíduos mesmo estando fora do ambiente

159
escolar; revendo com os pais sua mentalidade em relação à importância no processo
didático-escolar de seus filhos, esclarecendo dúvidas e, procurando soluções para as
dificuldades que são muitas enfrentadas pelos pais para acompanhar a aprendizagem do
filho.

Conclusão

Por fim, essa pesquisa foi muito importante, através dela pude refletir sobre algumas
práticas que acontecem na escola, percebendo que todas elas, desde as atividades dos
vigilantes até as das cozinheiras podem interferir no desenvolvimento dos discentes.

Durante o estudo percebi que muitas vezes os diretores de escola pequena como é o
caso, fazem atividades que não são de seu cargo, como por exemplo, fazendo a
manutenção de aparelhos eletrônicos ajudando na cozinha, etc, isso ocorre não só com o
diretor, a coordenadora pedagógica muitas vezes tem que agir como assistente social,
psicóloga conversando com os alunos e com os pais dos mesmos quando aparecem,
tudo isso mostra que a escola é cheia de desafios e obstáculos, e todos envolvidos nela
devem procurar superar em prol do desenvolvimento educacional dos estudantes.

Por fim, constato que a educação é o principal meio para se criar nos alunos uma
ideologia de criticidade, de libertação e superação da alienação causada pelo Estado,
contudo, é essencial que o professor estimule o lado crítico dos alunos, mostre a
realidade de seu cotidiano identificando o que está errado, e o que poderia ser feito para
buscar melhorias, para isso, no entanto, é necessário que a escola se transforme em uma
comunidade de trocas de experiência entre professores, alunos, coordenadores,
familiares dos discentes, e assim sendo, essa união fará com que a escola tenha uma
força inovadora e modificadora.

Referências

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 1996.

GADOTTI, M.. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 1999.

LIBÂNEO, J. C.. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, Para quê?. 3 ed. Nações São Paulo:
Cortez, 2000.

160
O ENSINO DE HISTÓRIA NO ENSINO
FUNDAMENTAL: DIFICULDADES E
PERSPECTIVAS
João Paulo de Oliveira Farias

Muitos estudos referentes ao ensino de história nascem das indagações do porque


estudar história, qual razão efetiva existe para o mesmo, principalmente qual a razão
para a preocupação na maneira como este ensino tem sido construído. Nas séries
iniciais, a história ainda tem permanecido distante do interesse, presa às fórmulas
prontas do discurso dos livros didáticos ou regulada as práticas determinada pelo
calendário cívico, muitas vezes não fortalecendo o senso crítico nos alunos, os quais
recebem as informações sem nenhum tipo de questionamento. Para Conceição Cabrine:

O aluno deve exercer seu senso crítico, perder o medo e a preguiça de fazê-
lo, atitudes estas tão próprias de uma sociedade que nos leva cada vez mais
a consumir como mercadoria o conhecimento pronto e acabado. Muitas
vezes, é o próprio aluno (até mesmo na universidade) que oferece forte
resistência em mudar essa situação, pressionando o professor a dar somente
aulas expositivas, recusando-se, portanto, ele mesmo, à leitura e à reflexão.
(CABRINE, 2000, p.67)

É necessário que se afirme a importância da História no currículo escolar, acima de


tudo, se entenda que esta disciplina pode desenvolver os alunos como sujeitos
conscientes na prática da cidadania. Pois, como sabemos, o ensino da disciplina
contribuí para a formação afetiva, intelectual, cultural e política, estimulando e
desenvolvendo aptidões, reflexões e o senso crítico, que devem ser despertadas ainda no
Ensino Fundamental para que o educando “cresça” com toda uma equipagem de
conhecimento histórico necessária para seu cotidiano escolar e social.

É no ensino fundamental que se iniciam as primeiras opiniões, as primeiras formações e


informações a respeito de uma disciplina ou sobre determinados assuntos. Ao
entrarmos em contato com o ensino de história na Educação Básica, percebemos que
muitas vezes ela ainda é transmitida com metodologias e currículos não adequados à
realidade em que se encontram os alunos, o que causa entre estes estudantes descasos,
apatias, desinteresse e até abandono pelo estudo da mesma.

Por que os alunos encontram tantas barreiras no estudo de história? Os professores estão
preparados para algumas situações encontradas em sala de aula? Essas barreiras são
criadas pelos alunos ou pelos professores que na maioria das vezes transmite a
disciplina de má vontade, apenas reproduzindo o que o livro apresenta, já que alguns
nem mesmo são formados na área, deixando o interesse pela pesquisa longe do
verdadeiro sentindo da disciplina?

161
Produzir conhecimento não é uma tarefa muito simples, principalmente no campo da
história, pois nem todos os professores estão preparados ou tem condição para tanto e,
ainda, pelo fato da disciplina encontrar resistência entre os alunos no ensino
fundamental.

O estudo de história é uma matéria de grande importância na grade curricular e deve ser
despertada de forma que a mesma auxilie esse cidadão crítico que se pretende “criar”.

[...]suas múltiplas relações com as várias dimensões da sociedade, sua


posição como instrumento científico, político, cultural, para diferentes
grupos, indica a riqueza de possibilidades para o seu estudo e o quanto
ainda há para investigar. (FONSECA, 2003, p.28)

Portanto, a análise dessas tentativas de fazer os alunos compreenderem o sentindo das


aulas de história, proporcionando-lhes instrumentos necessários para que possam
vislumbrar todos os lados de uma mesma questão, refletindo a partir de diferentes
interpretações, os quais seriam levados à construção do conhecimento histórico em sala
de aula.

Um ponto interessante ainda é considerar a maneira de como alguns professores se


utilizam através de metodologias e conteúdos que afetam dentre outros à própria
concepção de fato histórico, pois são muitos os que ainda usam das mesmas
metodologias e praticas pedagógicas, colocando em evidencia a tradicional maneira de
ensinar história na qual concentram-se à anos nessa estrutura de ensino, “educando” os
alunos de modo que essas praticas desprezam a reflexão histórica.

O trabalho de Marília Beatriz Azevedo Cruz nos indica os problemas e os


questionamentos sobre esse modelo tradicional de ensino em que alguns educadores
ainda estão inseridos, os quais.

Promove uma visão limitada do conhecimento, favorecendo a formação de


mentes acríticas e passivas, meros propósitos de fatos e informações
fragmentadas, contribuindo para uma concepção também acrítica da
sociedade que passa a ser aceita, também, como pronta e acabada,
portanto, não passível de ser transformada. (CRUZ, 2004, pp.67-76)

Cada época faz uma trajetória e a busca por respostas às duvidas que vão surgindo aos
problemas políticos e pedagógicos que estamos vivenciando só poderão ser esclarecidos
através de estudo e análise da disciplina em questão. E é nesse ponto para o que a
educação escolar é alvo e a resposta para nossas inquietações. Pois sendo a escola um
lugar social, espaço de conflitos, diferentes culturas, ela exerce um papel fundamental
na formação da consciência histórica dos cidadãos.

Vejamos como Circe Bittencourt esclarece a importância da disciplina para o processo


de formação de sujeitos que se interessam por discutir as questões relacionadas aos seus
direitos e deveres políticos, como cidadãos dentro da sociedade, como se faz necessário
e com que finalidade serve o ensino de história e sua relação com a escola em geral:

162
Consideramos que a escola e em particular o ensino de história tem um
papel fundamental nesse processo. É ela, em ultima instância o lócus
privilegiado para o exercício e formação da cidadania, que se traduz,
também, no conhecimento e valorização dos elementos que compõem o
nosso patrimônio cultural. Ao socializar o conhecimento historicamente
produzido e preparar as atuais e futuras gerações para a construção de novos
conhecimentos, a escola está cumprindo seu papel social. (BITTENCOUT,
2008. P.7)

Das transformações ocorridas no ensino, principalmente a partir da criação de um


referencial curricular vinculados em todos os Estados brasileiros, no caso a de maior
destaque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) Lei no 9.394, de 20
de dezembro de 1996, na qual há toda uma legislação que serve como um importante
avanço na luta pela cidadania. Tais políticas públicas propostas na LDB enfatizam uma
colaboração entre governo federal, estadual e municipal, necessária à educação.
Portanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional busca uma educação com
objetivos em contribuir, nos diversos âmbitos do desenvolvimento do educando,
procurando estabelecer as condições básicas para suas necessidades, ampliando com
isso suas aptidões de aprendizagem.

Sobre o ensino de história no ensino fundamental, em um contexto geral, vemos que


vem sendo discutidos e questionados alguns dos principais aspectos, colocados pela
LDB. No entanto, há ainda muito por se fazer, sendo a adoção de metodologias
inovadoras utilizadas pelos profissionais da educação, sobretudo, pelo professor de
história, cada vez mais necessário, pois, a ousadia e a determinação na hora de escolher
as atividades a serem abordadas, possam atingir tais objetivos e metas.

Atualmente diversos professores se deparam, diariamente, com dúvidas sobre o que


ensinar e como ensinar. Tais problemas afetam de maneira direta e/ou indireta a forma
como são repassados os conteúdos em sala de aula e, diante de tantas adversidades
vivenciadas na educação, principalmente no ensino público, encontramos: aluno
disperso falta de atenção, mau comportamento, baixa frequência e problemas dos mais
variados tipos não só relacionados às aulas de História, mas nas demais disciplinas.

Como se sabe o papel do professor, não apenas aqueles que ministram as aulas de
história, mas todos os demais, já nos remetem a um trabalho diferenciado e que está em
constantes discussões ao seu respeito, pois através de suas atividades detém na
formação de muitos outros profissionais, nas mais diferentes áreas possíveis, já que é
um dos responsáveis, talvez o mais importante, fonte de referencia aos alunos. Se
tratando do professor de história, tal tarefa é ainda maior, pois ao atuar e exercer seu
fazer histórico, auxilia na construção da história pessoal daqueles que estão sendo
preparados pelo mesmo, ou seja, os alunos.

Uma formação de qualidade supõe que os professores sejam postos em contato com
diversos momentos de uma sala de aula, pois propicia atividades que fazem com que
educadores participem indireta e diretamente da rotina de sala de aula. Deve ser ainda
capaz de mostrar uma concepção pedagógica que transcende o objetivo e estimule a
capacidade de questionar, interagir e analisar diferentes hipóteses.

163
Uma das principais finalidades da formação de professores quer contínua ou inicial, é
desenvolver nos alunos o espírito crítico, intelectual, de forma que sejam capazes de se
tornarem cidadãos ativos na sociedade em que vivem como nos remete os PCN’s:

Em um estudo de meio, o ensino de História alcança a vida, e o aluno


transporta o conhecimento adquirido para fora da situação escolar,
construindo propostas e soluções para problemas de diferentes naturezas
com as quais defronta na realidade. (BRASIL, 1997, p.62)

Sobre estes e outros aspectos o ensino de História nas escolas da rede pública, como nas
escolas particulares deve ser despertado e repensado, a fim de atender os anseios e uma
clientela cada vez mais exigente. Sendo necessária e urgente uma discussão ampla e
referente ao processo de transmissão desses conhecimentos, pois cada escola deve partir
da(s) realidade(s) de seus estudantes.

Referências bibliográficas

BITTENCOUT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. 11ª Ed. – São Paulo:
Contexto, 2008.

BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)].LDB : Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional : lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. – 5aed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação
Edições Câmara, 2010.

CABRINI, Conceição (org.). Ensino de história: revisão urgente. Ed. rev. e ampl. São
Paulo: EDUC, 2000.

CRUZ, Marília Beatriz Azevedo. O ensino de história no contexto das transformações


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FONSECA, Thaís Nivia de Lima e. História & Ensino de História. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003.

RIBEIRO, Renilson Rosa. O Saber (Histórico) em Parâmetros: O Ensino de História


e as reformas curriculares das ultimas décadas do século XX. Revista Virtual de
Humanidade, n 10, v. 5, abr/jun.2004. Disponível no site:
http://www.seol.com.br/mneme.

164
PROFESSOR EM TERRA ESTRANHA: UMA
POSSIBILIDADE DE ESTUDO DA HISTÓRIA DA
CIDADE
José Antonio Gonçalves Caetano

Por quantas vezes cruzamos a mesma praça, corremos e andamos pelas mesmas ruas e
não damos atenção aos prédios e pessoas que ali existem e que fazem parte, não só da
paisagem, mas da História da cidade.

Esse foi o mote para o projeto “Professor em terra estranha”, produzido nos anos de
2015 e 2016 com alunos de dois diferentes períodos de escolarização: sétimo ano do
Ensino Fundamental e primeiro ano do curso de Formação de Docentes, ambos no
mesmo colégio da cidade de Campo Mourão – PR, colocar os estudantes em outra
relação com a sua cidade.

Enxergamos a cidade como potencializador pedagógico e espaço contínuo de


aprendizagem, em especial para a História. Bonafé afirma:

estudar a cidade como currículo, ou seja, como “texto” que penetra a


experiência de subjetivação nos diferentes programas educacionais dos
quais o sujeito participa ao longo da vida. A cidade é currículo, território
semeado por velhos e novos e velhos alfabetismos. O sujeito habita a cidade
e é habitado por ela. O currículo habita o sujeito e é habilitado por ele.
(BONAFÉ, 2010, 442)

Compartilhamos desse pensamento do autor compreendendo a cidade como dispositivo


pedagógico, uma ampliação da sala de aula, uma extensão do currículo.

O projeto aqui descrito foi realizado em dois diferentes momentos, um primeiro no ano
de 2015 com alunos do sétimo ano do Ensino Fundamental do período vespertino do
“Colégio Estadual de Campo Mourão”, nessa fase participaram cerca de 30 alunos. O
conteúdo específico que serviu de base para a turma foi o do Renascimento Comercial e
Urbano.

O segundo momento foi realizado no ano de 2016 no primeiro ano do Ensino Médio do
curso de formação docente do mesmo colégio, participaram desse momento cerca 45
alunos tendo como conteúdo o uso de Fontes Históricas e o Surgimento das Cidades.

O fato de terem sido trabalhados com dois diferentes grupos de alunos, em etapas
distintas da escolarização e em idades diversas, nos revela facetas importantes do
sentimento de pertencimento à cidade que os jovens carregam consigo, e diferentes
grupos aos quais pertencem. Por exemplo, entre os alunos do Sétimo Ano apareceram
lugares relacionados ao lazer consumo próprios de suas idades: adolescentes que
começam a possuir uma vida social distante dos pais e a frequentar lugares próprios dos

165
seus grupos de convívio. Dessa forma, apareceram aqui lugares como postos de
gasolina com lojas de conveniência, lanchonetes, praças de alimentação, ruas e o
Bosque Municipal.

Para o segundo grupo, por entenderem a ligação do projeto com a disciplina de História,
os lugares escolhidos foram mais “canônicos” do imaginário histórico da cidade,
surgiram, por exemplo, o Museu, o Terminal Rodoviário, a Universidade, a Catedral
Metropolitana. A compreensão de que o projeto fazia parte de uma disciplina específica
guiou de certa forma a escolha dos lugares pelos grupos, o que não diminui a visão que
eles possuem da cidade, a diferença é que tais lugares possuem uma aura mais histórica
e fazem parte de memórias coletivas.

A importância em dar o protagonismo dos alunos em elencar os seus Lugares de


Memória decorre da importância de reconhecer que cada um possui um mapa mental da
cidade, tal como aponta Bauman (2000, 133):

A cidade, como outras cidades, tem muitos habitantes, cada um com um


mapa da cidade em sua cabeça. Cada mapa tem seus espaços vazios, ainda
que em mapas diferentes eles se localizem em lugares diferentes. Os mapas
que orientam os movimentos das várias categorias de habitantes não se
sobrepõem, mas, para que qualquer mapa “faça sentido”, algumas áreas
cidade devem permanecer sem sentido. Excluir tais lugares permite que o
resto brilhe e se encha de significado.

Há algo mais heterogêneo e cheio de “categorias de habitantes” de uma cidade que uma
sala de aula? Vale aqui ressaltar uma característica importante do colégio onde o projeto
foi desenvolvido. Este se encontra na área central da cidade, é o maior e o segundo mais
antigo do município, no entanto, sua localização, História e grandiosidade, não o fazem
uma escola elitizada ou destinada a um público seleto de alunos que vivem na parte
nobre da cidade, ao contrário, o colégio recebe alunos de basicamente todos os bairros,
inclusive dos considerado mais periféricos. Dessa forma, o rol de locais é tão
heterogêneo quanto os alunos, pois pertence aquilo que cada estudante conhece e
concebe como sua cidade.

Dessa forma na fase final da descoberta da cidade realizada pelo projeto procurou-se
visitar, como num passeio cotidiano, os prédios pré-identificados como pertencentes à
História de Campo Mourão e que guardam importantes traços da mudança urbana e da
memória coletiva.

O passeio iniciou-se pelo terminal rodoviário interestadual de Campo Mourão como


num pontapé para a História que gostaríamos viajar. A rodoviária guarda quatro grandes
painéis que contam diferentes momentos do desenvolvimento econômico da cidade.

Os demais lugares visitados foram o Estádio Municipal, o colégio onde eles estudam, o
teatro municipal, a Igreja do Rito Ucraniano, o Museu, a Biblioteca Estação da Luz, a
Catedral Metropolitana, a Boca Maldita e as Praças São José e Getúlio Vargas.

166
No ano de 2015 o Colégio Estadual de Campo Mourão estava completando 60 anos, por
esse motivo foi muito importante incluí-lo, não apenas por ser a escola dos alunos, mas
também por fazer parte da História da cidade, como uma das mais antigas e importantes.

O Estado do Paraná, e a região sul em geral, receberam diversos grupos imigrantes de


várias partes do mundo, mas em especial a imigração europeia deixou marcas visíveis
em muitos municípios paranaenses, com Campo Mourão não foi diferente, a ocupação
ucraniana é muito presente por esse motivo colocamos em nosso passeio uma parada na
Igreja da Paróquia Santíssima Trindade do Rito Ucraniano e, a partir do prédio
discutimos a imigração e, além disso, como os lugares são, muitas vezes, pensados para
um determinado grupo.

Maurice Halbwachs ao discutir sobre a memória coletiva e o espaço nos chama a


atenção aos lugares que pretendem representar um grupo segundo ele:

Quando um grupo está inserido numa parte do espaço ele a transforma à sua
imagem, ao mesmo tempo em que se sujeita e se adapta às coisas materiais
que a ele resistem.(...) Não é o indivíduo isolado, é o indivíduo como
membro de um grupo , é o próprio grupo que, dessa maneira, permanece
submetido à influência da natureza material e participa de seu equilíbrio.
(135)

Os imigrantes, por exemplo, quando estabelecidos, criam espaços de socialização que


são necessários para manter viva a memória coletiva de seu grupo, nesse caso, a Igreja
do Rito Ucraniano funciona como espaço para conservar a cultura, nas palavras de
Halbwachs, mantém-se unidos por que “pensam nessas casas e nesses quartos” que
deixaram para trás.

A cidade, como afirma Sandra Jatahy Pesavento, é um palimpsesto de temporalidades


sobrepostas esperando para serem decifradas, cabe ao historiador fazer o trabalho de
investigador desse espaço social e encontrar as variadas histórias escondidas entre as
camadas de construções. Ora, qual cidade, por mais jovem que seja não divide espaço
com o antigo e o novo? Que não divide a paisagem com o antigo prédio da igreja, do
museu, da biblioteca com os novos da prefeitura, das lojas, da escola recém construída?

Isso é bastante peculiar no momento de se preocupar em preservar o patrimônio


histórico de uma localidade, procura-se, geralmente, musealizar ou tornar prédios
públicos edificações antigas para assim dar-lhes novos usos, dessa forma, o antigo
hospital se torna um museu, ou o terminal rodoviário uma biblioteca, por exemplo.
Essas são marcas dessa sobreposição de temporalidades que a cidade esconde sob
cimento e pedra.

Portanto, buscar com que o aluno entenda essa multitemporalidade implícita no


patrimônio arquitetônico foi muito importante. Ainda na parte preliminar do projeto os
alunos fizeram pesquisas acerca dos locais, justamente para identificar os antigos usos
dos prédios e pensar historicamente a sua mudança.

167
Conclusões

O Projeto “Professor em Terra Estranha” foi desenvolvido para que os alunos, de posse
de seu próprio conhecimento sobre sua cidade, apresentassem os locais que entendiam
como primordiais para que alguém de fora conhecesse melhor seu município. Por contar
com dois grupos de idades distintas, os locais se diferenciaram no que diz respeito aos
seus usos e atribuições, de acordo com a idade e apropriação que cada um faz dele. Foi
possível perceber nos alunos uma apropriação do conteúdo proposto, e uma maior
aceitação à disciplina de História por parte dos estudantes.

Referências bibliográficas

BONAFÉ, Jaume Martínez. A cidade no currículo e o currículo na cidade. In:


SACRISTÁN, José Gimeno. Saberes e incerterzas sobre o curriculo. São Paulo:
Penso, 2013. p. 442-458.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de


Janeiro: Zahar, 2003

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São


Paulo: Ed. Centauro, 2013.

168
REFLEXÕES A RESPEITO DOS LIMITES E
POSSIBILIDADES DO ENSINO DE HISTÓRIA DO
PARANÁ NA GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
José Augusto Alves Netto

A disciplina de "História do Paraná" faz parte da grade curricular da licenciatura do


curso de graduação em História da Unespar - Campus de Paranavaí desde a criação do
curso em 1996, contemplando uma carga horária anual de 136 h/a. Ao assumirmos a
docência da disciplina no ano de 2014, deparamo-nos com uma série de desafios, dentre
os quais destacamos alguns que entendemos importantes para problematizar os
conteúdos e métodos relativos ao trabalho com a disciplina.

Dentre estes desafios podemos citar o desconhecimento dos alunos quando chegam ao
ensino superior sobre a história local e regional das comunidades de onde são oriundos;
a necessidade de se fragmentar os conteúdos e textos de forma a estabelecer uma
articulação entre as análises; e a impossibilidade de se atingir todos os aspectos dos
conteúdos trabalhados em sala; por fim como adaptar os conteúdos e discussões
abordados para a realidade escolar que os futuros egressos encontrarão ao finalizarem a
graduação e partirem para o magistério do ensino fundamental e médio.

Tradicionalmente, na graduação em História, trabalha-se com os conteúdos relativos à


História do Brasil de forma tripartite: Colônia, Império e República. Em História da
América não é diferente: América pré-colonial, América Colonial e América
Republicana. Podendo ocorrer algumas variações quanto à ênfase em conteúdos e/ou
temáticas.

Entendemos que a História do Paraná, enquanto saber específico, regional, não está
desvinculada do restante da História do Brasil e da América Latina. Desde a sua
formação enquanto território, o Paraná guarda uma série de especificidades culturais e
sociais, mas também responde a uma série de demandas sejam elas vinculadas a
inserção das populações humanas em sua dispersão pelas Américas, ou também
vinculadas aos diferentes regimes de governo, tanto os relativos à conquista e
manutenção dos territórios do Guairá, sob domínio espanhol, tanto quanto os
instaurados no Brasil, como a Colônia, o Império e a República.

Consequentemente as pesquisas e trabalhos sobre História Regional e Local ganharam


volume e qualidade teórica, o que permite aos pesquisadores preencherem lacunas
interpretativas e desfazerem equívocos históricos anteriormente produzidos. Dessa
maneira, existem vários trabalhos interessantes que abordam o processo de
desenvolvimento histórico do Paraná, criando a necessidade de se efetuar uma seleção
temática para poder abordar com mais profundidade determinado aspecto que se quer
debater.

169
Um dos desafios reside em articular de forma eficiente e consistente estes diferentes
componentes. Destacamos que a História do Paraná é por demais rica e complexa e não
deve ficar restrita apenas ao aspecto político e/ou ideológico das sociedades que
ocuparam este território. Este fator não facilita em nada nosso trabalho, pois exige um
conhecimento mais alargado e consistente sobre estas diferentes temáticas e suas
possíveis articulações.

Dividimos os conteúdos que entendemos importantes no trabalho com a disciplina de


História do Paraná em quatro momentos, que correspondem aos bimestres distribuídos
ao longo do ano letivo. Convém destacar que não nos prendemos a uma rigidez
temática, apenas para fins de desenvolvimento dos conteúdos é que dividimos o
trabalho com os diferentes textos nestes quatro momentos. Igualmente, destacamos que
a maioria dos livros didáticos e/ou paradidáticos (STECA, 2002) que abordam a
História do Paraná, apresenta um desenvolvimento histórico e sociocultural linear e
progressivo.

Pensando em como enfrentar estas dificuldades, em um primeiro momento trabalhamos


com textos relativos à inserção das populações humanas no território paranaense.
Atualmente existem produções científicas que criticam fortemente a questão do "vazio
demográfico" (MOTA, 1994), destacando a importância do estudo das populações
indígenas em sua ancestralidade na ocupação do território. Os estudos realizados pelo
professor Lúcio Tadeu Motta (MOTA, 2005) abordando a ocupação humana e suas
relações interculturais, bem como os conflitos de resistência indígena, em particular os
promovidos pelos kaingangs, combatem o equívoco desta concepção de vazio
demográfico que durante muito tempo esteve presente nos livros didáticos
(WACHOWICZ, 1967) e nos textos acadêmicos que abordavam o processo de
formação histórica do Paraná.

Dando continuidade aos debates e análises a respeito da História do Paraná, neste


segundo momento apresentamos a constituição do Paraná Colonial, destacando a
inserção dos portugueses através do litoral e primeiro planalto, inseridos que estavam na
lógica da exploração da colônia de acordo com as determinações metropolitanas. Um
destaque é o da abordagem do curto período minerador (PICANÇO e MESQUITA,
2012), que ocasionou um sopro de desenvolvimento no território litorâneo, vindo a
perecer quando da descoberta de lavras de ouro mais consistentes em outras localidades,
como por exemplo, Minas Gerais. Outro destaque é o do confronto entre portugueses e
espanhóis nas terras compreendidas pelo terceiro planalto paranaense, tendo também
como protagonistas os índios e os jesuítas (BOGONI, 2008). Estes conflitos étnicos,
bélicos e culturais também serviram como elemento definidor dos limites territoriais do
estado. Também fazem parte das nossas aulas a discussão e apresentação de alguns dos
textos produzidos por viajantes (AVÉ-LALLEMANT, 1995) ou cronistas que
percorreram (SAINT-HILAIRE, 1995) o Paraná entre os séculos XVI ao XIX. Nosso
intuito é o de apresentar a visão das pessoas que se preocuparam em registrar o que
estavam vivenciando quando de sua passagem pelo Paraná.

No terceiro momento, abordamos outro aspecto da ocupação do território paranaense


que tem a ver diretamente com o processo de escravidão ocorrido no Brasil durante os
séculos XVI a XIX. Apesar da historiografia clássica paranaense não abordar
diretamente a questão da escravidão, pesquisas mais recentes trazem uma série de

170
estudos, baseados em farta e consistente documentação (HARTUNG, 2005),
apresentando como se deu este processo em terras paranaenses, desmistificando a ideia
pré-concebida de que não houve, ou se houve, ocorreu em muito menor incidência a
escravidão no Paraná, do que no restante do país. Buscamos apresentar como estas
visões resultam num entrecruzamento de diferentes questões em conjunto com
diferentes atores sociais em um contexto mais amplo, regional e nacional.

A seguir tratamos das questões do processo de emancipação do estado do Paraná,


ocorrido em 1853, questões que tiveram como pano de fundo a consolidação das elites
madeireiras e latifundiárias estabelecidas no estado, e os desdobramentos na
materialização das "dinastias" políticas (OLIVEIRA, 2000) que dominaram o aparato
burocrático do estado. Em relação ao quarto momento, tratamos de apresentar o Paraná
também como protagonista de alguns dos diversos conflitos internos ocorridos na
consolidação da República brasileira. Um dos destaques é o da Guerra do Contestado
(TONON, 2008), ocorrida no primeiro quartel do século XX (1912-1916), e que
contempla muitos dos problemas que a nascente república enfrentou ao longo do século
XX. Por fim, apresentamos os conflitos políticos que antecederam o regime militar
(PRIORI e POMARI, 2012), e o cenário político que se desenrolou em terras
paranaenses, novamente nos valendo de recente historiografia que aborda aspectos que a
historiografia tradicional ou omitiu, ou não abordou de maneira consistente. A história
do processo de ocupação da região noroeste do Paraná também é abordada (TOMAZ,
2009). Como muitos dos nossos alunos são oriundos das cidades no entorno da cidade
de Paranavaí, onde se localiza o curso de graduação em História, muitos têm uma
curiosidade natural sobre como se deu o processo de ocupação e a criação das diferentes
cidades ao longo do tempo.

Um outro dificultador para as análises das questões apresentadas tem a ver diretamente
com a situação da disciplina de História do Paraná no Ensino Fundamental e Médio.
Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Básica (HISTÓRIA, 2008), os
conteúdos a serem trabalhados devem priorizar as histórias locais e do Brasil,
comparando-as com a história mundial. Para o Ensino Médio, a proposta abrange os
temas de cunho histórico. Ou seja, o desafio de se ensinar História do Paraná para os
alunos do fundamental e médio está em articular o saber histórico debatido nas aulas da
graduação para além do que propõe os livros didáticos e apostilas que dão subsídios
para o entendimento do processo histórico de formação do estado do Paraná.

Considerações finais

Ao longo de nosso trabalho com a disciplina de História do Paraná enfrentamos


diferentes questões, quais sejam: a problemática da formação do professor de História e
seu preparo para a docência nas escolas; a necessidade de se adaptar os conteúdos
teóricos para uma realidade menos conceitual e mais prática do cotidiano escolar; o
constante processo de seleção temática e textual inerente ao fazer pedagógico. Com esta
explanação, quisemos deixar claro que a História do Paraná não se desvincula da
História do Brasil. Entendemos que as mesmas dialogam a todo o momento. Para nós é
muito claro que não podemos "esgotar" os conteúdos abordados, apenas apontar
caminhos que podem ser trilhados por nossos alunos de graduação.

171
Referências bibliográficas

AVÉ-LALLEMANT, R. 1858, Viagem pelo Paraná. Curitiba: FCC, 1995.

BOGONI, S. O discurso de resistência e revide em Conquista Espiritual (1639), de


Antonio Ruiz de Montoya: Ação e reação jesuítica e indígena na colonização ibérica
da região do Guairá. Maringá: Dissertação, 2008.

HARTUNG, M. Muito além do céu: esravidão e estratégias de liberdade no Paraná do


século XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 6, n. 10, p. 143-191, jan. - jun. 2005. ISSN 2237-
101X.

HISTÓRIA. DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA.


Curitiba: SEED, 2008.

MOTA, L. T. A construção do "vazio demográfico" e a retirada da presença indígena da


história social do Paraná. PÓS-HISTÓRIA: Revista de Pós-Graduação em História,
Assis - SP, p. 123-137, 1994. ISSN 0104-1452.

MOTA, L. T. História do Paraná: ocupação humana e relações interculturais.


Maringá: Eduem, 2005.

OLIVEIRA, R. C. O silêncio das genealogias: classe dominante e estado no Paraná


(1853-1930). Campinas: Tese, 2000.

PICANÇO, J.; MESQUITA, M. J. A mineração aurífera na ocupação do planalto


curitibano e litoral paranaense (séculos XVI-XVIII). Geosul, Florianópolis, v. 27, n. 54,
p. 117-137, jul./dez. 2012. ISSN 2177-5230.

PRIORI, A.; POMARI, L. R. O DOPS e a repressão política contra militantes


comunistas no Estado do Paraná (décadas de 1940 e 1950). Antíteses, Londrina, v. 5, n.
10, p. 783-805, jul./dez. 2012. ISSN 1984-3356.

SAINT-HILAIRE, A. D. Viagem pela comarca de Curitiba. Curitiba: FCC, 1995.

STECA, L. C. História do Paraná: do século XVI à década de 1950. Londrina: Eduel,


2002.

TOMAZ, P. C. A Região Norte do Paraná e a formação da cidade de Maringá. Semina,


Passo Fundo - RS, 2º sem. 2009.

TONON, E. Os monges do Contestado: permanências históricas de longa duração das


predições e rituais no imaginário coletivo. Niterói: Tese, 2008.

WACHOWICZ, R. C. História do Paraná. Curitiba: Gráfica Vicentina, 1967.

172
A PRODUÇÃO COMUNITÁRIA COMO
INTERMEDIADORA DE CONHECIMENTO E
PRODUÇÃO DE SABERES EM DIÁLOGOS COM A
ESCOLA
José Humberto Rodrigues

A proposta dessa comunicação é o estudo dos saberes das comunidades que ficam em
torno da Escola ao qual leciono a disciplina História na cidade de Belo Horizonte.
Trata-se de um projeto piloto que visa refletir e levantar as produções culturais da
comunidade com uma proposta que objetiva conhecer a identidades culturais das
comunidades que estão no entorno da escola envolvida, por meio de estudos teóricos e
pesquisas de campo baseadas na aplicação de métodos e técnicas da Antropologia
Cultural e da Etnografia Escolar.

Este projeto surgiu da extensão de um projeto de oficina em que debatíamos o Grafite e


as Pichações como possíveis leituras de cultura de rua, isto é, as possibilidades das artes
urbanas como patrimônio cultural.

Através dos primeiros contatos com artesãos da cultura de rua, observamos o papel das
comunidades e seus agentes nessa jornada de se apresentar dentro e fora das
comunidades seus desenhos, figuras e traços que impõe um novo olhar e novos
paradigmas de ser e estar na conjuntura das grandes metrópoles.

A pesquisa será feita em comunidades que estão no entorno e tendo como parâmetro a
Escola que abrigarão todos aportes para a realização do Projeto. Todo o material
bibliográfico e suportes técnicos serão repassados pela instituição de ensino.

Esse olhar nos levou a refletir e repensar os conceitos de cultura, patrimônio, arte,
saberes, fazeres e conhecimento, numa fusão perceptiva de ampliação do pensar a
educação no campo forma e não formal.

Para tal entendimento da proposta, dialogamos com a cultura hip-hop e seus cinco
elementos constitutivos; Break, MC, Rap, Grafite e o Conhecimento; aporte hoje
incorporado e salientado como pressuposto de bandeira de resistência e luta por
igualdades sociais.

Nesse aspecto o movimento hip-hop nos aproximou com uma das culturas de rua, os
jovens estudantes, suas histórias, vivências e experiências, a escola e seus aparatos de
conhecimento e regimentos e as comunidades onde moram. Assim, começamos a
refletir as possibilidades de extensão das oficinas para a produção de saberes dos
próprios moradores das comunidades, em diálogo direto com os alunos, interlocutores e
moradores.

173
Ao adentrarmos nos âmbitos dos saberes das comunidades mediamos com as
abrangências e ampliação do conceito de educação, pois a partir dessa perspectiva
sociocultural que cada comunidade vive em sua realidade, entendemos que os bens
culturais produzidos dialogam com o conhecimento formal e não-formal, com bens
culturais de bases materiais e imateriais.

Assim sendo, as novas concepções de perceber e construir identidades culturais passa


pelo aval dos bens culturais de cada comunidade, isto é, o patrimônio cultural de cada
indivíduo e grupo dão-lhes um escopo de lembranças, bens culturais, identidades,
sociabilidades e integração numa relação direta com suas vivências.

Uma das principais dificuldades para a realização deste trabalho é a pouca


disponibilidade de fontes documentais oficiais, porém temos a consciência que a
produção oral e as memórias sociais não são obsoletas frente ao repertório de cada
lembrança, de cada objeto guardado pelo seu dono, cada item que tem uma história e
uma trajetória na vida de cada morador. Assim, falar da história que ainda está se
fazendo requer alguns cuidados. Por outro lado, tem-se a vantagem de um olhar único,
da percepção do tempo em que os fatos ocorrem e ocorreram.

Educação, conhecimento e saberes estão nas narrativas dos indivíduos e nos vários
discursos na modernidade, sendo assim é necessário balizarmos nosso debate na
historiografia em que discute aspectos da construção da memória e dos relatos
históricos que são aporte dos saberes instituídos e instituintes.

A partir dos pressupostos que se deve conhecer o presente para poder compreender
melhor o passado, inferimos que as comunidades estão distantes dos espaços de poder,
mas configuram hoje limites que detém grupos sociais que articulam em volta de seus
direitos, suas conquistas e algumas decepções. Assim, é com o olhar de hoje que vamos
analisar esse espaço, sem perder de vista essas relações passado/presente, e as
intrínsecas relações que se desenrola no cotidiano dos indivíduos.

Assim, "a história não é somente o estudo do passado, ela também pode ser, com um
menor recuo e métodos particulares, o estudo do presente" (CHAUVEAU, TÉTARD, p.
15). Evidentemente, não é um processo fácil, pois "no que concerne diretamente à
história do imediato, só nos resta contemplar o deserto que a nós se oferece. Não há
instrumento de referencia, tudo está por fazer" (idem, p. 19). Em suma, tateamos no
escuro quando optamos por escrever sobre o presente, ou mais especificamente ainda,
sobre o imediato e as construções humanas que estão no embate de suas experiências.

Poderia haver maior elogio para o historiador que ser chamado de testemunha da
história de seu tempo? De ser ele mesmo, com suas ideias e questionamentos, o
historiador que se coloca no texto porque então, o faz como sujeito da história que
relata, em suma, são suas percepções, suas vivências, aquilo que apreendeu do momento
que se tornaram referências para seu trabalho?

É nesse campo de atuação e perspectiva que pensamos nas intermediações entre as


comunidades e a Escola. Através dos seus alunos, professores, funcionários e a direção
escolar que estão imbricados dentro de um escopo de relações afetivas, culturais,

174
sociais, econômicas, políticas e de ensino e aprendizagem onde todos se articulam em
prol do conhecimento.

Ao caminharmos pela cidade que acolhe essas comunidades e sua população


começamos a refletir sobre os bens culturais produzidos através dos tempos, memórias e
lembranças que são preservadas ou massacradas, bens que são restaurados e glorificados
pela chancela de seu valor político cultural e bens que foram destruídos e apagados pela
trajetória de lutas e conflitos urbanos.

Assim o que é patrimônio histórico, cultural, arquitetônico, etc.? Que critérios os


definem? O conceito patrimônio é amplo, e assume variados significados no tempo, nas
instituições e na escrita da história. Para Castriota, "originalmente herança do pai no
direito romano antigo, entendia-se como patrimônio de um particular o complexo de
bens que tinham algum valor econômico, que podiam ser objeto de apropriação privada"
(CASTRIOTA, 2009, p. 83). Com o passar do tempo, o termo ganhou outros
significados, que ampliaram em muito a abrangência do conceito.

A partir desse aporte de pensar as construções de memórias sociais, levantamos as


seguintes questões que buscaram responder. Como se construiu os saberes dos
indivíduos moradores das comunidades? Quais são suas memórias e lembranças? Quais
os interlocutores que eles demandam em suas produções culturais e sociais dentro das
comunidades e em diálogo direto com o poder instituído? Qual é o papel da Escola
nessa interlocução? Como os alunos vêem suas comunidades e as relações com a
preservação dos bens culturais, as memórias e as produções de saberes. Como se situa a
disciplina História nessa construção e apropriação de saberes, memórias e fazeres?

Dessa forma percebemos que a relevância de conhecer e analisar os saberes das


comunidades e sua interlocução com a Escola é um passo para uma melhor
aproximação entre os vários campos do conhecimento e saberes.

Sendo assim, devemos refletir que esse projeto surgiu dos debates entre pensar a cultura
de rua e o papel da Escola enquanto mediador de conhecimento e saberes.

Ao entendermos que esse tema constituiu dentro da sociedade moderna, voltamos nosso
“olhar” para as produções artísticas e as memórias que são preservadas e construídas
dentro das comunidades, uma vez que para além das violências existe um arcabouço de
negociações de saberes e cultura que retratam e refazem o cotidiano de cada morador
em sua jornada.

Percebemos que a Escola tem o aporte teórico para demandar e refletir sobre esses
campos de saberes e que os alunos são produtores de conhecimento formal e não formal
e que as apresentações de suas histórias deveriam corroborar novos “olhares” e
reflexões sobre as produções de saberes das comunidades.

Assim a relevância dessa pesquisa é mostrar como todos fazem parte da história,
estando inseridos nela, atuando como protagonistas de nossa própria história.

175
Na nova historiografia, a história que havia sido contada pode ser questionada e,
podendo ter alterações de acordo com o aprofundamento do pesquisador e alterações de
sua visão perante seu objeto de pesquisa.

A história já não é mais uma ciência do passado e sim, assimila passado e presente. O
ser humano faz parte da história, devido a isso ela estará sempre em construção. O
homem no tempo é o principal objeto da história, suas atitudes fabricam os fenômenos
quais marcam o ser humano na ciência.

Dessa forma a preservação da memória e a construção de saberes das comunidades são


espaços e grânulos de lembranças depositadas em cada morador, em cada objeto
guardado, edificado e preservado.

Pesquisar a história dos saberes culturais locais é importante na medida em que


podemos localizar no tempo a historicidade dos bens culturais e sua correlação com a
história da comunidade

Referências

CASTRIOTRA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural: conceitos, políticas,


instrumentos. São Paulo: Anablume, 2009.

CHAUVEAU, Agnès, TÉTART, Philippe. Questões para a História do presente.


Bauru, SP: EDUSC, 1999.

176
A HISTÓRIA ENSINADA NO ENSINO
FUNDAMENTAL SÉRIES INICIAIS
José Lúcio Nascimento Júnior

Quando se pensa o ensino de História no Brasil recorda-se que ele também tem sua
História. A criação do Colégio Pedro II (CPII) e do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) em 1838 estão ligados a consolidação do Estado Nacional Brasileiro
recém-criado em 1822 pela Proclamação da Independência e que também foram
responsáveis por criar, respectivamente, os paradigmas do ensino e da ciência histórica
ao longo do século XIX. Estas duas instituições auxiliaram a desenvolver a forma de se
pensar a História e seu ensino no Brasil até o surgimento das Universidades e dos cursos
de História na década de 1930.

O modelo de ensino de História criado pelo CPII em 1931 ainda influencia a forma
como se ensina nos dias atuais (ABUD: 2007). O que não significa que o mesmo não
tenha passado por modificações, em especial, desde a década de 1980 (FONSECA:
2007). Como não podemos dizer que a forma de se ensinar no Brasil foi sempre a
mesma. Neste sentido, o presente texto apresenta alguns apontamentos sobre o ensino
de História nas primeiras séries do ensino fundamental demonstrando algumas de suas
especificidades.

O ensino fundamental e o ensino de história no século xx

Ao longo da história da educação brasileira, a organização e divisão de tarefas dos


professores guardam algumas características. Enquanto no Ensino Médio e Ensino
Fundamental Séries Finais (EFII), ou seja, do 6º ao 9º ano, se tem professores
especialistas para cada disciplina; no Ensino Fundamental Séries Iniciais (EFI), isto é,
do 1º ao 5º ano, se conta com a presença de um professor generalista, formado nos
Cursos Normal ou tendo Nível Superior em Pedagogia (BRITES: 1985; BRASIL:
1996). Essa divisão leva a questionar-se quais são as diferenças nas práticas
pedagógicas entre estes dois seguimentos.

Para Brites (1985), ensinar história no EFI possui características próprias, uma delas o
fato desse ensino ser conduzido por professores generalistas. Ao analisar as
características do ensino de história em São Paulo na década de 1980, Brites (1985) nos
diz o currículo de História se baseava em atividades cívicas, apresentando a História
como algo fragmentado e já dado. O programa de História visava valorizar os grandes
homens e minimizar os conflitos sociais, tal como, propunha Max Fleiuss em 1940, em
um artigo intitulado Ensino de História da Civilização do Brasil.

Quando se analisa as propostas de História dos membros do IHGB entre as décadas de


1920/40. O próprio Max Fleiuss, no artigo citado, indicava que o fim da disciplina de
História do Brasil nos 4º e 5º sérias do curso secundário, que seria ensinada junto aos

177
conteúdos de História da Civilização, realizada pela Reforma de Francisco Campos em
1931 não contribuiria para a formação do nacionalismo e o desenvolvimento do
patriotismo. A supressão da disciplina foi revogada por Gustavo Capanema, na década
de 1940, fazendo com que os estudantes voltassem a estudar separadamente História do
Brasil e História da Civilização.

Ao examinar o ensino de História no Ensino Fundamental, na França no início do


século XX, Antoine Prost destaca que ele se baseava na história dos Grandes Heróis da
história francesa e na memorização de fatos, datas e nomes. Na França a reforma na
educação realizada em 1969, suprimiu a História como disciplina ensinada EFI, o que
levou a uma série de protestos e discussões sobre o valor que ela possuía como
disciplina escolar, mesmo que não houvesse um conjunto de pesquisas que
demonstrassem seu valor real, e que culminou no seu retorno na década de 1980. A
tradição de uma história factual e que objetivava formar patriotas como parte de sua
função no EFI não era uma realidade apenas brasileira ao longo do século XX.

Na década de 1980 alguns pesquisadores destacam que ocorreram mudanças na forma


de ensinar História nos diferentes seguimentos de ensino (BRITES: 1985; ABUD: 2007;
FONSECA: 2007). Lembremos que neste período sociedade brasileira viveu a
passagem da Ditadura Civil-Militar para o Governo Democrático, o ensino de História
até então, ligava-se ao desenvolvimento do patriotismo e do nacionalismo. A realização
de uma série de eventos nas Escolas de EFI fazia com que alguns professores
ignorassem as mudanças curriculares e continuassem com a prática de tratar a História
como base para a comemoração dos feitos das grandes personalidades (BRITES: 1985).

Na década de 1990, cabe considerar as transformações propostas pelos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN’s) para o ensino de História. Esse documento apresentava
uma proposta de História que tentava romper com a visão da história como realização
dos feitos de grandes personalidades, assim como de uma perspectiva eurocêntrica;
contudo, a proposta de organização por eixo temático não foi bem acolhida pelos
professores que, muitas vezes, viram essa forma de organização como uma forma de
não se fazer/ensinar História.

Os livros didáticos, também, são importantes ferramentas para se pensar a prática


docente (ABUD: 2007). Na década de 1980/90, mesmo trazendo inovações nos métodos
de escrita da História (a História como processo ao invés de uma História dos
acontecimentos), ainda trazem uma visão eurocêntrica de história, tendo apenas um
quarto de seu conteúdo voltado para a História do Brasil. Outro ponto presente nos
livros à visão da História como algo dado, acabado e não como fruto da ação e de
escolhas dos diferentes atores sociais envolvidos nos processos históricos (ABUD:
2007).

O Ensino Fundamental I e o ensino de História no século XXI

Cabe destacar que existem transformações ocorrendo no Ensino de História nas


primeiras décadas do século XXI. Duas experiências ocorridas na UERJ servem como
exemplo desta mudança, que não necessariamente pode ser generalizada para todo o

178
Brasil, mas que mostra indícios de transformações que vem ocorrendo (MENEZES;
SILVA: 2007; GONÇALVES: 2007). Da Faculdade de Formações de Professores da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FFP-UERJ), em São Gonçalo, existem
pesquisas que incentivam o uso de História Local como forma mudar o olhar sobre a
História. Tal modificação na perspectiva historiografia se liga a influência da Micro-
história italiana e o crescimento e valorização do local como objeto de pesquisa/ensino.
Buscam-se as relações de complementariedade e rupturas entre o local, o regional e
nacional (GONÇALVES: 2007).

No Laboratório de Ensino e Prática do Colégio de Aplicação da mesma Universidade


(FFP-UERJ) se debate novas propostas para ensino história no EFI (MENEZES;
SILVA: 2007). Partindo da relação da temática da Identidade buscando compreender as
relações de tempo-espaço e Identidade Local versus Identidade Global, propõe-se a
atividade de campo como forma de se conhecer a História Local, no bairro e na cidade,
levando os alunos a questionar a realidade na qual estão inseridos. Os conceitos de
Memória e Patrimônio são importantes, nesse sentido, por se constituírem como
ferramentas para se pensar o conhecimento histórico como algo próximo a realidade
vivida (MENEZES; SILVA: 2007). Estas duas experiências demonstram que a Ensino
de história tem se mostrado como uma área de pesquisa frutífera, tanto para o
historiador e professor de EFII e Médio, como para o Pedagogo no EFI.

Considerações finais

O ensino de História no EFI tem passado por modificações nos últimos anos. Isso se
deve pela busca de diminuição das barreiras entre a História e a Educação, e da
Universidade e a Educação Básica. Além disso, o crescimento no número de programas
de Pós-graduação, seja em História, seja em Educação, tem proporcionado que um
número maior de professores da Educação Básica tem acesso a esses cursos e possam
pensar sobre sua experiência a partir do instrumental teórico-metodológico
desenvolvido na universidade. Isso não significa que não se tenha muito a se fazer para
unir esses mundos que são próximos, mas muitas vezes, se colocam como tão distantes.

Assim como a história ensina no EFI, atualmente, pode muito mais do que ter uma
perspectiva tradicional e calcada na trajetória dos grandes homens da nação. Ela pode
valor os novos atores que as novas abordagens teórico-metodológicas trouxeram a cena.
Os monumentos e patrimônios, os sujeitos e práticas locais podem (e contribuem muito)
para o desenvolvimento da compreensão de que a história é uma ciência que possibilita
a compreensão do meu lugar no mundo.

Referências bibliográficas

ABUD, K. A história nossa de cada dia: saber escolar e acadêmico na sala de aula. in.:
MONTEIRO, A. et. al. (org.) Ensino da História. Rio de Janeiro: Faperj / Mauad X,
2007, p. 107 – 117.

179
BRITES, O. A criança e a história que lhe é ensinada. Revista Brasileira de História.
São Paulo: vol. 5, nº 10, p. 247-250, mar./ago de 1985.

FLEIUSS, Max (1940) Ensino de História da Civilização do Brasil [artigo


manuscrito]. Arquivo Pessoal do autor no IHGB, DL 801, Pasta 65.

FONSECA, S. A constituição de saberes pedagógicos para o ensino de história na


Educação Básica. in.: MONTEIRO, A. et. al. (org.) Ensino da História. Rio de Janeiro:
Faperj / Mauad, 2007, p. 149-156.

GONÇALVES, M. História Local: o reconhecimento da identidade pelo caminho da


insignificância. in.: MONTEIRO, A. et. al. (org.) Ensino da História. Rio de Janeiro:
Faperj / Mauad, 2007, p. 175 – 185.

MENEZES, L.; SILVA, Mª. Ensinando história nas séries iniciais: alfabetizando o
olhar. in.: MONTEIRO, A. et. al. (org.) Ensino da História. Rio de Janeiro: Faperj /
Mauad, 2007, p. 215 – 228.

PROST, A. A história na Sociedade Francesa (Século XIX e XX). in. Doze lições sobre
História. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autentica, 2014, p. 13 – 32.

180
REFLEXÕES EM TORNO DA HISTÓRIA
ENSINADA: QUESTÕES URGENTES
José Petrúcio de Farias Júnior

Para Fonseca (2004, p.43), um dos caminhos para repensar o ensino de História no
Brasil consiste em buscar renovar, cotidianamente, nossas práticas dentro e fora das
instituições de ensino. Torna-se indispensável, nesse sentido, admitir que não cabe mais
um ensino de História ancorado na leitura e memorização de narrativas históricas
atreladas a uma determinada vertente historiográfica ou a um determinado
posicionamento político-ideológico.

É preciso nos conscientizarmos de que temos acesso ao passado por meio de uma série
de mediações (sujeitos, fontes e temporalidades) que paradoxalmente nos aproxima e
nos afasta de nosso objeto de investigação. Nesse sentido, é preciso sempre lembrar (o
que cotidianamente tem se esquecido nas salas de aula) que a construção do
conhecimento histórico ocorre por meio de fontes; estas, por sua vez, filtram o cotidiano
a que se reportam de maneira bastante particular, porquanto elas são construídas a partir
de objetivos e intencionalidades de quem a produziu.

Isso nos permite compreender que as fontes históricas não se confundem com o
passado; são apenas partes, versões ou representações dele. As marcas de autoria e
destinatário de que são constituídas as fontes históricas possibilitam que se reportem ao
mundo vivido sob a ótica e os anseios do sujeito que a produziu, tendo em vista as
circunstâncias históricas e condições de produção do discurso, o que implica considerar
não só as influências culturais que fazem os sujeitos históricos ‘ver’ o mundo de uma
maneira peculiar, mas também a prática discursiva que os envolve e no interior da qual
o sujeito histórico se posiciona. Podemos dizer que esta é a primeira ‘mediação’ ou
‘filtro’ do passado.

A segunda se estabelece no momento em que o historiador, tendo em vista suas


indagações, predileções e questões que o incomodam, apresenta uma proposta de
análise documental eivada por indagações que dizem respeito a suas preocupações
cotidianas e provavelmente nem sequer foram pensadas pelo sujeito investigado.
Queremos dizer com isso que as motivações do historiador e do sujeito investigado em
torno do registro do passado podem divergir muito. As indagações que formulamos e
projetamos às fontes nos instigam a olhar para o passado sob ângulos particulares, já
que resultam dos interesses do historiador. Isso quer dizer que, damos sentido ao
passado, na medida em que nos esforçamos para entender as formas de agir e pensar do
presente (RÜSEN, 2009).

Os esforços dos historiadores, em última escala, contribuem para compreender como a


sociedade contemporânea foi forjada. Em outras palavras, atribuímos sentido ao passado
a fim de que possamos nos orientar na contemporaneidade, uma vez que é a alteridade

181
das experiências humanas do passado que nos permite compreender a historicidade do
presente (RÜSEN, 2007b).

A terceira mediação está centrada na própria fonte histórica que, em certa medida,
afasta-nos do campo de experiências do autor, já que, ao se referir a seu cotidiano por
meio da escrita, inevitavelmente se faz uma série de ajustes ou acomodações cognitivas
para que as experiências vividas adquiram inteligibilidade. Isso quer dizer que, ao
escrever, o autor reelabora o vivido para atender às exigências da produção textual, o
que implica seguir normas inerentes ao gênero discursivo eleito. Em outras palavras,
parte dos sentimentos e sensações vivenciados se perdem quando se traduz em palavras
cenas do cotidiano.

Fica claro que a construção do conhecimento histórico é uma atividade linguística e


intertextual elaborada a partir de mediações de diferentes sujeitos históricos sobre o
passado, os quais filtram os acontecimentos históricos vivenciados ou pesquisados sob
perspectivas particulares. Logo, não acessamos o passado por meio das fontes
históricas, mas sim o construímos sob perspectivas e temas que nos incomodam, isso
quer dizer que a escrita da histórica resulta de preocupações ou indagações atinentes ao
momento da escrita, o que é válido tanto para o sujeito histórico investigado quanto para
o historiador que pretende investigá-lo.

Estas considerações ajudam-nos a entender que o estudante, nas aulas de História, não
se torna um cidadão crítico, autônomo e criativo, como almejam as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação Básica, apenas reproduzindo versões sobre o
passado elaboradas por determinadas correntes historiográficas, por isso é importante
conduzir este componente curricular a partir de diálogos intertextuais em que os
discentes tenham a liberdade de se posicionar, tendo em vista o caráter flexível e
criativo do processo de construção do conhecimento histórico.

Sob essa perspectiva, é mister que o docente desenvolva situações de aprendizagem que
tornem os estudantes protagonistas de seu próprio processo de aprendizagem. Esse é o
grande desafio, a nosso ver, da Educação Básica. Os sistemas educacionais brasileiros,
em geral, sobretudo das escolas públicas, ainda tem caráter marcadamente instrucional.
Os docentes preocupam-se muitas vezes em manter a ordem, isto é, disciplinar os
corpos tanto no âmbito físico quanto intelectual do que em fomentar a liberdade de criar
e pensar.

Para nos desvencilharmos da concepção de ‘ensino instrucionista’ em História, não há


uma receita infalível, mas recomendações. O primeiro passado seria mostrar aos alunos
os limites e possibilidades quanto à construção do acontecimento histórico, ao refletir
sobre as várias mediações que (in)viabilizam nossa relação com experiências humanas
de outras temporalidades. Se entendemos que o conhecimento histórico, como todo
conhecimento, é provisório, é constantemente refeito, por que esse entendimento
demora a chegar à sala de aula?

Uma hipótese talvez esteja relacionada ao ensino de História em muitas universidades


brasileiras que infelizmente não perdeu o caráter instrucionista ou conteudista e
meramente descritivo em que o docente transfere informações a serem internalizadas
pelos alunos.

182
Outra hipótese, que pode estar associada à primeira, relaciona-se ao uso do livro
didático como ferramenta única de consulta pelo professor. Isso faz com que o professor
apenas reproduza uma versão da história, que é imposta aos alunos, em geral,
acriticamente. Essa prática de ensino possivelmente se perpetua em razão das próprias
condições de trabalho dos docentes na educação básica: excessiva carga horária de
trabalho, insuficiente número de aulas de história por semana, ausência de
investimentos públicos na formação continuada de professores, entre outros motivos.

Há também outro fator, a nosso ver, preocupante: estamos acostumados a políticas


públicas centralizadas e verticais, de tal forma que os conteúdos e os currículos já
desabam prontos, acabados aos professores de educação básica.

Esses ‘pacotes educacionais’, ainda que sustentem princípios como flexibilização,


cidadania e autonomia, ao contrário do pregam, levam o professor a seguir os conteúdos
previamente estabelecidos sob o pretexto de preparar o aluno para o mercado de
trabalho e para a cidadania. Reflitamos, ainda que brevemente, sobre o que significa
“preparar o aluno para o mercado de trabalho e para a cidadania”. Em primeiro lugar,
não há consenso quanto a isso, nem um sentido unívoco. Há muitos significados, pois
há diferentes concepções de cidadania e suas relações ou não com o mercado de
trabalho.

Podemos, nesse sentido, perguntar-nos se isso significaria o adestramento de mão-de-


obra para o mercado de trabalho em que o termo cidadania apenas perpetua
desigualdades sociais na medida em que solicita a aceitação da ordem social vigente, no
interior da qual os ‘direitos’ geralmente são entendidos como dádivas ou presentes dos
governos municipais, estaduais ou federais? Enfim, o que se entende por formação para
o mercado de trabalho e para o exercício da cidadania?

Pelo menos sabemos que o exercício da cidadania não ocorre por meio de práticas de
ensino assentadas na memorização e na repetição, reminiscências do ensino jesuítico na
educação brasileira, que teve sua importância em determinado momento histórico.

Por isso, advertimos para a importância do contato dos alunos com diferentes tipos de
fontes históricas (imagens, mapas, documentos escritos, artefatos arqueológicos,
documentários) e as diferentes leituras que foram produzidas sobre elas bem como uma
reflexão de como tais leituras foram produzidas, ou seja, a partir de quais circunstâncias
históricas e quais condições de produção.

Defendemos que essa prática de ensino contribui para que o estudante, diante de um
discurso político, por exemplo, considere a intencionalidade da narrativa, as estratégias
argumentativas, o direcionamento da seleção das ideias, tendo em vista quem o
produziu, o público para quem se dirige e a própria arquitetura do texto.

Além disso, é preciso lembrar que o conhecimento representa a expressão do mundo em


que se vive ou se deseja viver, ou seja, sua razão de existir está impregnada de valor e
de importância para aquele que o construiu.

Neste ponto, concordamos com Pedro Demo (1990) para quem o conhecimento dado,
pronto e acabado é autoritário, catequético, doutrinário; o conhecimento construído é

183
democrático, cético, crítico. A questão já denunciada por diversas gerações de
pedagogos consiste na importância de aproximar os conteúdos escolares das
experiências cotidianas de nossos alunos a fim de que o ensino superior e, por extensão,
a educação básica promova uma reflexão não só sobre a vida em sociedade, mas
também sobre o papel que desempenhamos dentro dela.

Referências bibliográficas

DEMO, Pedro. Educação e Alfabetização Científica. 1. ed. Campinas, SP: Papirus,


2010.

FONSECA, Thaís Nívia de Lima. História e Ensino de História. 2ª ed. Belo


Horizonte: Autêntica, 2004.

RÜSEN, Jörn. A reconstrução do passado: teoria da História e os princípios da


pesquisa histórica. Brasília: UnB, 2007a.

______. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. Revista


História da Historiografia, UFOP, n. 2, 163-209, 2009.

184
A RELAÇÃO ENTRE O PASSADO E O PRESENTE
NAS AULAS DE HISTÓRIA
Joséti Viana Alves
Kaíque Lessa de Souza
Siméia Teixeira Gomes Silva

Ensinar e aprender História não são tarefas fáceis. Embora História seja vida - expressão
da ação dos seres humanos no mundo -, o conhecimento produzido a esse respeito
oferece inúmeros desafios. Não se pode ter acesso direto ao passado, mas, por outro
lado, não pode existir um presente sem conexão com o passado. Por meio do estudo
deste, é possível perceber as continuidades e as rupturas necessárias à compreensão da
historicidade de cada indivíduo e da historicidade da sociedade da qual, todos fazem
parte.

Concebe-se o papel da História como um eficaz instrumento para a formação de uma


geração mais consciente. Nessa perspectiva, realizamos uma aula-palestra sobre
Intolerância Religiosa dentro do conteúdo Reforma e Contrarreforma para alunos do 7º
Ano turmas “A” e “B” do Grupo Escolar Manoel Lopes Teixeira, turno matutino, com
os objetivos de que os alunos tenham condições de se perceberem como sujeitos
históricos, capazes de agir, e no limite, contribuir para a transformação da realidade
social na qual estão historicamente inseridos. Além disso, a compreensão por parte dos
alunos de múltiplas realidades, de situações concretas de sua vida cotidiana e do seu
tempo, condições essenciais para a formação e o desenvolvimento da cidadania.

Ademais, com base em uma perspectiva crítica, relevante na formação de uma geração
mais sensível ao compromisso de se construir uma sociedade pluralista, na qual o
respeito às diversidades étnica, cultural e religiosa seja um ponto fundamental,
possamos desenvolver uma sociedade com um profundo viés humanista e marcada pela
tolerância e solidariedade.

É na tentativa de se entender melhor o presente e compreender de que forma tudo


aconteceu que o passado ganha significado. Ao transitar entre o presente e o passado, os
alunos encontrarão respostas para diversas questões, é importante para que conheçam a
si mesmos, assim como suas afinidades e diferenças em relação aos outros.

O ponto de partida para o estudo do tema trabalhado na palestra foi o tempo presente,
sendo que algumas das inquietações do mundo contemporâneo nortearam a busca dos
conhecimentos prévios dos alunos por parte dos palestrantes (uma candomblecista e um
pastor protestante), que se preocuparam em estabelecer vínculos entre o presente e o
passado, contextualizando o tema estudado, ou seja, aproximando-o à vida dos alunos, a

185
situações do presente. Assim, criam situações de aprendizagem em que os saberes
científicos são articulados aos saberes dos alunos.

Ao trabalhar com essa relação de passado e presente, estivemos preocupados em


transmitir o conteúdo relacionando as mudanças e permanências proporcionando vários
recursos didáticos como slides, filmes, músicas e poema. Ao longo do trabalho
estivemos preocupados em fazer com que os alunos pensassem historicamente através
da análise desses recursos citados para que assim pudessem desenvolver uma
consciência histórica segundo a proposta de Jörn Rüsen, ou seja, permitir que o
indivíduo possua mecanismos para compreender o seu presente através de seu passado e
perspectivar o seu futuro.

“Primeiro, a consciência histórica não pode ser meramente equacionada


como simples conhecimento do passado. A consciência história dá estrutura
ao conhecimento histórico como um meio de entender o tempo presente e
antecipar o futuro. Ela é uma combinação complexa que contém a apreensão
do passado regulada pela necessidade de entender o presente e de presumir o
futuro.” (RÜSEN, 2006, p. 14)

Além de perceberem “[...] o tipo de relações que as sociedades históricas mantiveram


com o seu passado e o lugar que a história ocupa no seu presente.” (LE GOFF, 1990, p.
18).

No caso da Reforma e Contrarreforma, primeiramente explicamos o conteúdo utilizando


slides e o próprio livro didático, no qual sempre pedíamos aos alunos que analisassem
as imagens do livro e dos slides como a de Martinho Lutero, de Henrique VIII, da
sociedade; e relatassem o que compreendiam sobre aquelas imagens, também pedíamos
que interpretassem os trechos do filme Lutero. Em seguida organizamos uma palestra
entre uma candomblecista, um pastor e um representante da Igreja Católica. Este último
não compareceu e os dois primeiros abordaram seus pontos de vista a respeito da
intolerância religiosa, além de citarem exemplos tanto do passado quanto da atualidade.

A proposta dessa palestra foi relacionar o conteúdo do século XVI com acontecimentos
de intolerância do século XXI no Brasil e no mundo. Inicialmente buscamos
referenciais em jornais, revistas sobre casos de crimes religiosos como os massacres
provocados pelo Estado Islâmico às minorias étnicas e religiosas da Síria e do Iraque.
Verificamos as causas desse extremismo pautado na Sharia - conjunto de leis islâmicas
radicais -, ao mesmo tempo em que conferimos os ataques sofridos pelos adeptos do
Candomblé, incluindo terreiros destruídos e ofensas pessoais e físicas.

O livro didático assim como as pesquisas realizadas por nós serviu como base para a
aula e para a palestra, pois os alunos já possuíam algum conhecimento acerca da
intolerância religiosa e os palestrantes puderam abordar sem precisar entrar em detalhes
sobre o passado, já que isso havia sido explanado nas aulas anteriores.

Após a palestra, pedimos aos alunos que elaborassem um relatório sobre o que haviam
compreendido a respeito da intolerância para que assim pudessem desenvolver seu
senso crítico. A fim de preservar o anonimato dos alunos participantes, usamos
pseudônimos na identificação dos relatórios.

186
Obtivemos informação sobre o processo de aprendizagem e a aquisição de
conhecimentos por parte dos alunos a partir da solicitação de uma produção escrita
individual - um relatório - sobre a aula palestra ofertada aos educandos. O relatório
serviu de instrumento para avaliarmos a aprendizagem dos alunos bem como nossa
própria prática docente.

Perante a colocação dos alunos podemos perceber o quanto o nosso trabalho foi
importante, pois através dessa palestra pudemos despertar nos alunos, uma consciência
histórica fazendo-os perceber quanto o preconceito “emporcalha” nossa sociedade,
impedindo o outro de ser quem ele é. E isso despertou em nós futuros docentes
formadores de cidadãos críticos, o desejo de buscar métodos pedagógicos, para acabar
ou no mínimo conscientizar os educandos do horror e absurdo que é o preconceito,
intolerância ou qualquer outra forma de desrespeito com o próximo. Como afirma a
doutora em Didática História Lana Siman:

“Pensar historicamente supõe a capacidade de identificar e explicar


permanências e rupturas entre o presente/passado e futuro, a capacidade de
relacionar os acontecimentos e seus estruturantes de longa e média duração
em seus ritmos diferenciados de mudança; [...] Supõe identificar, no próprio
cotidiano, nas relações sociais, nas ações políticas da atualidade, a
continuidade de elementos do passado, reforçando o diálogo
passado/presente.” (SIMAN, 2003, p. 119)

Destarte, percebemos que é de grande relevância o professor trabalhar os conteúdos do


livro didático, fazendo um contraponto do assunto estudado com a atualidade desses
discentes, pois quando estes se sentem mais próximo da história eles se enxergam parte
da mesma e passa a ter um significativo na vida dos estudantes.

Referências

BARREIRO, Iraíde Marques de Freitas; GEBRAN, Raimunda Abou. Prática de ensino:


elemento articulador da formação do professor. IN: BARREIRO, Iraíde Marques de
Freitas; GEBRAN, Raimunda Abou. Prática de ensino e estágio supervisionado na
formação de professores. São Paulo: Avercamp, 2006.

BARREIRO, Iraíde Marques de Freitas; GEBRAN, Raimunda Abou. Prática de ensino:


elemento articulador da formação do professor. IN: BARREIRO, Iraíde Marques de
Freitas; GEBRAN, Raimunda Abou. Prática de ensino e estágio supervisionado na
formação de professores. São Paulo: Avercamp, 2006.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de Bernardo Leitão. [et al.] --


Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990.

RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do


caso alemão. Práxis Educativa, Ponta Grossa, vol. 1, nº 2, jul.-dez. 2006, pp. 07-16.

187
SIMAN, Lana Mara de Castro. O papel dos mediadores culturais e da ação mediadora
do professor no processo de construção do conhecimento histórico pelos alunos. In:
ZARTH, Paulo e outros. (Orgs) Ensino de História e Educação. Ijuí: Ed. Unijui, 2004.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 8a edição Petrópolis,


RJ: Vozes, 2007.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos


psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1988. (Coleção Psicologia e
Pedagogia).

188
PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES EM SALA DE
AULA: A MELHORIA NO ENSINO DE HISTÓRIA
Jumara Carla Azezedo Ramos Carvalho

O presente trabalho discute o uso de documentos históricos, no caso mais específico as


correspondências pessoais, em sala de aula como possibilidade para um trabalho
interdisciplinar entre a História e demais disciplinas do currículo escolar pois:

‘Interdisciplinaridade’ refere-se à prática de, no interior de um certo campo


de saber – no caso a História – lançar-se mão de metodologias ou aportes
teóricos apropriados de outras disciplinas, estabelecer diálogos com outros
campos de saber, enriquecer uma disciplina com pontos de vista oriundos de
outras, e, o que é particularmente importante para o tipo de
Interdisciplinaridade que seria construída pelos Annales, abordar um certo
objeto de análise comum a outros campos de saber. (BARROS, 2010, p. 95).

Esta proposta toma como base a análise das correspondências produzidos nos anos de
1889 – 1930, que compreendem, em linhas gerais, os anos da Primeira República
Brasileira. A partir desta reflexão pretende-se analisar as possibilidades do uso de
documentos históricos como recurso didático na construção da prática interdisciplinar
em sala de aula.

A princípio, vale pontuar que os materiais mais acessíveis aos professores e alunos, em
especial os livros didáticos, apresentam uma visão da história brasileira ainda a partir de
uma divisão tradicional do que se entende por história. Os conteúdos, sempre muito
amplos, seguem uma cronologia linear dos períodos políticos brasileiros, a exemplo da
Primeira República, também chamada de República da Espada, República Oligárquica e
República Velha.

A respeito desse momento, Lielva Aguiar (2011, p. 22-3) discute o quanto essas
denominações ofuscam a real complexidade de períodos históricos que devem ser
entendidos não de forma generalizada, mas considerando as peculiaridades de cada
região e suas interconexões com outros contextos:

[...] as interpretações construídas pelos intelectuais do pós-trinta, que


pretendiam dicotomizar o “velho” e o “novo” período republicano
brasileiro, legaram àqueles anos iniciais títulos como “República Velha”,
“Oligárquica”, “dos Coronéis”, etc., que ainda são constantemente utilizados
sem maiores reflexões. Em virtude deles, tende-se a enxergar os primeiros
anos republicanos como uma fotografia: os coronéis no poder, as oligarquias
dominando e a grande população à mercê de mandos e desmandos, visões
que deságuam na ideia de um período cujas relações eram sem
complexidade.

189
Assim, da forma como os conteúdos chegam à escola por meio das literaturas adotadas,
causam a impressão de que a história ainda se resume ao modelo historicista tão
criticado pela Escola dos Annales no início do século XX e por outros historiadores que
sucederam esse movimento:

Contra o historicismo de cunho mais retrógrado, a História-Problema dos


Annales vai se colocar em confronto com um antigo modo de escrever a
História [...] Esta narrativa linear – que tem como modelo a biografia
unilinear e falsamente coerente, com início e fim – corresponde a um dos
principais pontos de ataque dos primeiros annalistas, e de Lucien Febvre em
particular. A este tipo de história narrativa, Febvre irá chamar de “história
factual”, no sentido de uma história que se compraz em extrair dos
documentos os fatos (geralmente políticos) e em ordená-los
cronologicamente em uma linha compreensível, frequentemente ancorada
em cadeias causais, outras vezes acumulativa de informações nem sempre
necessárias. (BARROS, 2010, p. 92)

Dessa forma, uma proposta interdisciplinar que tenha como ponto de partida o uso de
documentos históricos não se faz sem antes repensar as concepções históricas
construídas e/ou difundidas na escola básica. Como falar das complexidades que
envolveram as relações sociais dos sujeitos históricos apenas a partir dos subsídios
oferecidos nos livros didáticos, apenas considerando os conteúdos programados na
esfera nacional, apenas conhecendo os “grandes homens” da política mineira e/ou
paulista?

Há tempos a história vem passando por uma revisão e mudança de perspectiva. São
novos objetos, novas fontes e novas abordagens, como discute Le Goff (1900). Sendo
assim, é preciso, primeiramente, exercer uma crítica à visão histórica impressa na sala
de aula, para então romper com a ideia de que a história é um saber restrito ao passado,
sem significado e incapaz de dialogar com outras áreas do conhecimento. Essa crítica
deve perpassar, a todo instante, a prática do historiador em sala de aula sendo que:

Ensinar e aprender é uma relação de mão dupla, pois quem aprende não é só
o aluno que houve a preleção do professor, mas este também enriquece com
a experiência, com a cultura do aluno, em geral, bem diferente da sua.
Ensinar é uma forma de comunicação com o outro. E esta relação está
permeada pelo imaginário, pela sensibilidade tanto do professor, quanto do
aluno. (COSTA, 2013, p.05)

Para além dos impulsos provocados pelas mudanças sociais como um todo, essas novas
reflexões sobre a educação também incidem e estimulam a utilização, por parte do
educador, de novas abordagens temáticas, de “conteúdos” mais abrangentes, de
discussões que não se limitam aos formatos e imposições dos livros-didáticos, mas que
são pautados em situações cotidianas, extraídas de suas próprias experiências, do
convívio com os alunos. Vale ainda ressaltar, que o livro didático não é o grande e
único problema, as aulas não atrativas, a escola desprovida de calor humano também
acaba dificultando o interesse dos alunos levando alguns casos a evasão escolar.

190
No entanto, como apontado anteriormente, é possível afirmar que a adoção dessas
práticas ainda contraria o modelo padrão da estrutura curricular adotada pelas escolas.
Apesar de tantos debates, ainda se segue um modelo que separa e isola as disciplinas
curriculares, o que também reflete na construção de uma rotina fragmentada de
organização escolar, dificultando, para o educando, a compreensão do sentido real
daquilo que se aprende em sala de aula.

Nessa perspectiva, Érica Garrutti (et. all, 2004, p. 5) aponta que:

A escola possui a função de integrar o educando à sociedade, auxiliando-o


na construção da identidade pessoal, em detrimento de ser mecanismo de
alienação. O relacionamento flexível com a comunidade favorece a
compreensão de fatores sociais e culturais que se expressam na escola.

Nesse sentido, a escola deve abordar, fundamentalmente, questões que


interferem na vida dos alunos e com as quais se confrontam cotidianamente.
As problemáticas sociais como: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade
cultural e sexualidade, são conteúdos essenciais nas diversas disciplinas,
independentes da área da disciplina.

Um caminho para superar as dificuldades apontadas acima, provenientes de uma


compreensão fragmentada do currículo escolar, tem sido a construção de práticas
interdisciplinares. Através delas, as escolas vêm buscando romper as barreiras
construídas ao redor das disciplinas, no intuído de agregar maior consistência e
relevância ao conteúdo mediado pelo docente.

Propor uma abordagem interdisciplinar na escola/sala de aula é uma maneira de ampliar


o conhecimento acerca dos conteúdos programados, trabalhando com situações do
cotidiano para que os assuntos estudados ganhem novos significados. Na maioria das
vezes, utiliza-se dessa proposta para intervenções fora da sala de aula, mas, a educação
formal tem buscado o entendimento de que é em todo espaço escolar, e, mais
precisamente na sala de aula, que os educadores e educandos devem conceber a ideia de
ambiente democrático, participativo, potencializador e politizador.

A partir desses pressupostos, surgem alguns questionamentos: Como fazer os alunos se


interessarem pela história? Como ensinar sobre aquilo que já aconteceu, que parece
longe, distante e sem importância? Como falar de história tendo em vista os apelos do
presente? Além disso, como dialogar com outras disciplinas? Como pensar a
interdisciplinaridade a partir do ensino de história?

Essas questões inquietantes trazem respostas a partir de elementos da história local que
aproxima o educando a sua realidade e ao trabalhar as correspondências pessoais que
abordam assuntos de caráter social, econômico, político, religioso e cultural é possível
realizar a interdisciplinaridade em sala de aula e aproximar os conteúdos da realidade
dos alunos, assim eles perceberam que a República marco histórico escolhido também
esteve presente em sua cidade e que sua implantação e consolidação não seguiu os
mesmos moldes dos grandes centros administrativos do Brasil.

191
Levar para a sala de aula essas correspondências possibilita um ensino diferenciado da
História que aproxima o conteúdo da realidade dos educandos instigando a conhecer
mais um pouco do local em que vive e experimentando situações trazidas por outros
professores em outras disciplinas com olhares múltiplos.

Referência bibliografia:

AGUIAR, Lielva Azevedo. “Agora um pouco da política sertaneja”: a trajetória da


família Teixeira no alto sertão da Bahia (Caetité, 1885 – 1924). 2011. 163 f. Dissertação
(Mestrado em História Regional e Local) – Universidade do Estado da Bahia. Santo
Antônio de Jesus, 2011

BARROS, José D’Assunção. A escola dos Annales e a crítica ao positivismo e ao


historicismo. In: Revista Territórios e Fronteiras V.3 N.1 – Jan/Jun 2010.

BASTOS, Maria Helena Camara (et all). Destinos das letras: história, educação e
escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002.

COSTA, Cléria Botêlho. O ensino da História e as Sensibilidades. Módulo 3-


Atualização em Práticas Pedagógicas. 2013.

LE GOFF, Jacques (org). La Nouvelle Histoire. Paris: Retz, 1978 (segunda edição, com
Prefácio atualizado: Bruxelas: Complexe, 1988) [A Nova História. São Paulo: Martins
Fontes, 1990].

192
A CHINA NOS LIVROS DIDÁTICOS: O ESTADO
DE UMA QUESTÃO
Kamila Czepula

Os estereótipos existentes sobre a China em nossa sociedade ainda são vastos. Logo, se
Marc Ferro estava correto quando afirmou: “Não nos enganemos: a imagem que
fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram
quando éramos crianças” (1983, p. 11), a indagação: como a China está sendo abordada
em sala de aula nos anos finais do Ensino Fundamental? Faz-se pertinente.

Muitos são os caminhos que poderiam ser percorridos na busca de respostas a tal
questionamento, mas, por ser o livro didático um material utilizado por 98% dos
professores de escolas públicas do Brasil, sendo, que 1% não o usa porque a escola não
tem (http://www.qedu.org.br/brasil/pessoas/professor); e por muitas vezes, ser esse, o
único recurso teórico-metodológico e de conteúdo empregado pelos profissionais do
saber em sala de aula, devido, a uma associação de fatores como: baixos salários,
muitos alunos e aulas para ministrar (GONÇALVES, 2001, p.9), detectou-se que
analisar como a China aparece nos livros didáticos poderia ser um ótimo ponto de
partida.

Frente à amplitude de fontes foi necessário estabelecer um recorte de análise, assim, as


considerações apresentadas nesse breve texto foram obtidas com base nas referências
apresentadas no Guia do livro didático para o ano letivo de 2017, disponível no site do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Não nos dedicaremos, aqui, a uma
discussão minuciosa sobre os processos evolutivos do PNLD, nem dos critérios de
avaliação para determinar a aprovação ou não das obras a serem adquiridas pelo
programa, uma vez que isso nos conduziria a um movimento que fugiria ao objetivo
dessa apresentação. O que podemos apontar, em termos gerais, é que o Guia nada mais
é do que um texto, que contém informações e resenhas detalhadas de todas as coleções
aprovadas pelos pareceristas da área, e é por meio dessa descrição que os professores da
rede pública realizam a escolha dos livros didáticos com os quais trabalharão.

A avaliação, como a descrição das obras do Guia do livro didático de história


pesquisado foram liderados pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); no total, 14
coleções adentraram no Guia, são elas: Historiar; Projeto Mosaico - História; Vontade
de Saber – História; Projeto Araribá - História; História para nosso tempo; Estudar
História: das origens do homem à era digital; História nos dias de hoje; Projeto Teláris -
História; Projeto Apoema – História; História.Doc; Piatã - História; História, Sociedade
& Cidadania; Jornadas.Hist – História; Integralis - História. As resenhas elaboradas no
Guia sobre as coleções anteriormente citadas contam com os seguintes subtítulos: visão
geral, sumário sintético, descrição, análise da obra, e em sala de aula; essa subdivisão
apresenta de maneira clara e coerente todos os conteúdos, proposta-pedagógica, o
tratamento escolar das fontes históricas, a relação entre texto-base e atividades, as

193
questões da temporalidade histórica, a temática afro-brasileira e indígena, existentes nos
quatro exemplares de cada coleção.

Diante desse cenário estrutural, observamos os seguintes dados:

Das 14 coleções aprovadas, 11 delas têm um capítulo dedicado a China


Antiga no exemplar elaborado para o 6º ano.

Das três coleções que não abordaram o tema China Antiga ou Antiguidade
oriental no 6º ano, duas delas (História nos dias de Hoje, da editora LEYA e
Integralis – História, da editora IBEP) não apresentaram nenhum conteúdo
consistente sobre a China nos demais livros que compõem sua coleção, só
fazem referência à mesma rapidamente ao tratar do Imperialismo. A outra
coleção (História para o nosso tempo, da editora positivo) faz uma
abordagem sobre China apenas no livro do 9º ano ao trabalhar a Revolução
chinesa.

De 11 coleções que apresentaram China Antiga em seus conteúdos, apenas


duas (História, sociedade & história da editora FTD e Projeto Apoema da
editora do Brasil), desenvolveram nos demais exemplares das suas
coleções, mas especificamente no exemplar referente ao 7º ano, conteúdos
sobre a China que foram além das breves citações encontradas dentro dos
temas Imperialismos e Socialismo.

Cada coleção tem quatro exemplares, por sua vez, cada exemplar possui entre 200 a 350
páginas. Que cada coleção possua de um total de 800 páginas, dessas, o conteúdo
referente à China de qualquer uma das coleções apresentadas não ultrapassa 50 - e tal
constatação, é no mínimo preocupante. Mas esse fato pode ficar assustador, se
pensarmos que esse conteúdo encontrado nos livros didáticos é, muitas vezes, bem
maior do que aquele que o professor regente de uma escola possa ter tido ao longo da
sua formação, posto que muitas Universidades ainda não possuem nas suas grades
curriculares disciplinas como, por exemplo, Antiguidade Oriental, e História Asiática.
Por isso, não raro, a presença desses conteúdos nos livros didáticos para muitos
professores é algo mirabolante, desprovido de sentido.

Como uma consequência desse desprovimento de sentido, muitas vezes esse conteúdo
passa a ser abordado como uma maneira de conhecer o ‘outro’. Tal método é válido,
contudo, se o professor não detiver de um conhecimento pra além do que consta no
livro didático, corre-se o risco do conteúdo presente nessas obras virarem uma mera
‘apresentação do outro’, por conseguinte, muitos aspectos presentes dessa civilização
em nossa sociedade que poderiam ser utilizados para instigar um conhecimento a partir
de algo que está presente no dia-a-dia do aluno são inseridos quase que
automaticamente no perigoso quadro das ‘curiosidades’, em que muitos estereótipos em
vez de serem desconstruídos, acabam sendo fortalecidos.

É importante ressaltar como a China é apresentada nos livros didáticos; com exceção de
duas coleções, nas demais a presença chinesa aparece na Antiguidade e só retorna
quando o assunto estudado é o imperialismo, ou seja, durante esse longo tempo que
separa um evento do outro, para as nossas crianças a China simplesmente não existe!

194
Esse silêncio, como dissemos, deriva não apenas da inconsciência sobre a necessidade
de ensinar a China, mas mesmo, do desconhecimento sobre o que se deveria ensinar. A
China é tratada de forma estereotipada, monolítica e imóvel – algo absolutamente
distante de sua realidade.

Só o fato de boa parte da população mundial se concentrar na Ásia, já se faz um bom


motivo para estudar essas civilizações, notadamente aqui, a Chinesa. Além do que,
experimente pegar qualquer objeto que esteja próximo a sua mão, em seguida verifique
a sua procedência; nunca se questionou quando a presença chinesa se iniciou? E como?
Desde o papel a bússola ou a pólvora, até nossos tênis, celulares e roupas, estamos
imersos em elementos da civilização chinesa. Que tipo de historiadores pretendemos ser
se deixamos de lado essa contribuição fundamental para a história?

Mas se ainda assim, estudar China nas nossas universidades e escolas faz-se algo sem
sentido, ficam as indagações: Estamos aprendendo e ensinando uma história com
múltiplos olhares que de fato instiga uma consciência histórica? Ou, estamos apenas
repetindo a mesma história utilizando de ‘novas’ abordagens?

Breves conclusões

Essa breve pesquisa sobre os livros didáticos de história demonstrou que apesar do olhar
eurocêntrico ainda dominar a maior parte dos personagens e abordagens presentes nos
conteúdos históricos do Ensino Fundamental, tivemos alguns avanços, a prova disso, é a
existência de um capítulo sobre China Antiga em boa parte das coleções presentes no
Guia, como os dados nos revelaram. Isso pode parecer muito pouco, mas para livros que
até pouco tempo atrás detinham apenas cinco parágrafos sobre a temática, essa é uma
conquista e tanto.

Contudo, nos demais conteúdos detido nos livros didáticos, com raras exceções, a China
aparece na forma de um figurante, e dificilmente iremos encontrar uma abordagem para
além das que constam hoje nos conteúdos dessas coleções, posto que o livro didático,
tanto como um instrumento de ensino, é também uma mercadoria. Se a academia como
um todo, assim como os professores, não vem sentido em ensinar China, por que as
editoras e escritores ampliariam o debate sobre China e outras civilizações orientais?

O problema, que ao negar o Oriente, a China, além de deixar os estereótipos perante


essas civilizações ganharem proporções imagináveis, concomitantemente, acabamos por
negar o nosso multiculturalismo, a nossa história, já que desde o tempo colonial
podemos encontrar vestígios dessas civilizações orientais em nossa sociedade. Logo, ter
um ensino universitário, e consequentemente um ensino básico que dê conta de abordar
essa diversidade, é algo necessário. Infelizmente, para muitos essa necessidade não
existe, outros ainda veem como uma pretensão audaciosa, um sonho impossível de se
concretizar devido às fortes amarras eurocêntricas que nosso ensino de História se
prende – e será?

Para mudar, esse cenário, mais uma vez precisamos apostar numa educação guiada
pelos ideais mais nobres de união, diversidade e humanidade. Dizia o poeta: “Sonho que

195
se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”
(Raul Seixa, Prelúdio).

Referências Bibliográficas

ABRANTES, Dalva de Oliveira. Chinoiserie no barroco mineiro. São Paulo: Escola de


Comunicação e Artes da Usp, 1982. Dissertação.

FERRO, Marc. A Manipulação da História no Ensino e nos Meios de Comunicação.


Tradução de Wladimir Araujo. São Paulo: IBRASA. 1983.

FREYRE, Gilberto. China Tropical. Brasília: UNB, 2003.

FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.

GONÇALVES, A.T.M. Os Conteúdos de História Antiga nos Livros Didáticos


Brasileiros. Revista Hélade. Rio de Janeiro, Número Especial, 2001.

LIMA, S. C. F. de. O Livro Didático de História: Instrumento de Trabalho ou


Autoridade “Científica”?. História e Perspectivas. Uberlândia, 18/19, 1998.

196
FUNDAMENTOS DO ENSINO DE HISTÓRIA EM
ESCOLAS PÚBLICAS DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
Leandro Mayer

O objetivo deste trabalho é discorrer sobre as diretrizes que norteiam o currículo na


Educação Básica no Estado de Santa Catarina. São elas: Proposta Curricular de Santa
Catarina (1998); Diretrizes 3: organização da prática escolar na educação básica:
conceitos científicos essenciais, competências e habilidades (2001); Documento base de
orientação pedagógica/administrativa da educação básica e profissional (2005) e a
Atualização da Proposta Curricular de Santa Catarina (2014). Para facilitar a
compreensão, estas abordagens ocorrerão em ordem cronológica.

A Proposta Curricular de Santa Catarina (1998), nos fundamentos teórico-


metodológicos do ensino de História, traz considerações sobre a concepção norteadora
da prática do ensino de História na educação básica, evidenciando a necessidade de

superar o ensino de História enquanto simples repasse de informações,


entendemos que o conhecimento histórico é uma construção de vários
sujeitos. Há que se buscar, através de projetos de pesquisa, uma melhor
compreensão do cotidiano das pessoas, possibilitando-lhes a capacidade de
se compreenderem enquanto sujeitos da sua história (SANTA CATARINA,
1998, p. 140).

Neste sentido, conclama ao professor historiador quanto à necessidade da elaboração e


aplicação de projetos de pesquisa e para a abertura de novas abordagens que
possibilitem ao aluno uma melhor compreensão do cotidiano das pessoas enquanto
sujeitos e protagonistas da sua história, viabilizando a “a interpenetração de
conteúdo/forma entre as relações estabelecidas no cotidiano da Escola e o conhecimento
produzido universalmente” (SANTA CATARINA, 1998, p. 140).

As relações sociais, são consideradas pela Proposta Curricular como centrais para o
estudo da História. Lê-se que “deve-se trabalhar a maneira como o homem se organiza e
se relaciona nas diferentes épocas e espaços, de modo a introduzir nesta noção as
dimensões de classes sociais, papéis sociais e os conflitos decorrentes de interesses
antagônicos na sociedade” (SANTA CATARINA, 1998, p. 141).

Seus fundamentos teórico-metodológicos evidenciam também considerações relevantes


quanto à memória e identidade, enfatizando que

a memória é um atributo pessoal e absoluto. Ela indica como o homem se


relaciona com o passado e quais os elementos significativos deste passado.
Ela indica níveis de comparação, seleção de valores, hierarquia de
acontecimentos da vida humana. A história relaciona-se com as memórias

197
produzidas coletivamente, ou seja, o que determinadas sociedades
guardaram como referências do passado (SANTA CATARINA, 1998, p.
142).

Neste sentido, “a memória é um elemento na recuperação histórica. Esta dimensão


permite encontrar a subjetividade do indivíduo que fala do presente sobre o passado”
(SANTA CATARINA, 1998, p. 142). As pessoas se identificam em uma história mais
próxima; se sentem parte do processo histórico como sujeitos históricos e protagonistas.

A Proposta Curricular ainda atenta para a necessidade de diálogo entre as diferentes


fontes históricas, fazendo do ensino de História um processo de produção de novos
saberes. Sobre o ensino de história,

não se pode entender o ensino como mera transmissão de conhecimento.


Faz-se necessário o diálogo com a historiografia especializada, com os
documentos históricos orais ou referentes à cultura material, fazendo do
ensino de História um processo ativo de produção de novos "saberes" e não
apenas a vulgarização ou difusão de saberes já consagrados. Para que os
alunos se apropriem do conhecimento a produção deve ser estimulada,
através da formulação de hipóteses que deverão ser tratadas pela pesquisa e
análise do material coletado (SANTA CATARINA, 1998, p. 143).

Já em relação aos conteúdos programáticos para o ensino de história, a Proposta


Curricular de Santa Catarina (1998) enaltece quanto à necessidade do professor
historiador propiciar experiências na elaboração de histórias de vida dos estudantes,
tendo por base a sua relação com os espaços vividos no cotidiano, como a escola, rua,
casa, bairro, cidade, Estado. Além disso, considera “estimular a criança a recuperar o
passado familiar para o entendimento das diferenças e semelhanças entre o presente e o
passado [...] espera-se do profissional do Magistério que ele desenvolva conhecimentos
sobre o lugar, a cidade e o Estado” (SANTA CATARINA, 1998, p. 144).

Nas Competências e Habilidades das diretrizes da organização da prática escolar na


Educação Básica de Santa Catarina de 2001, lemos que

enquanto prática pedagógica, o Ensino de História permite ampliar estudos


sobre as questões contemporâneas, situando-as nas diversas temporalidades
vinculadas às questões sociais, possibilitando mudanças ou continuidades;
numa dimensão presente-passado-presente (SANTA CATARINA, 2001, p.
73).

Neste sentido,

a História entende o homem como ser social, singular, em constante


formação e transformação construindo-se no respeito às diversidades
histórico-culturais. Necessitando, para ampliar seu espaço, desenvolver e
dominar competências por meio de aprendizagens significativas, permitindo
apropriar-se de conceitos constantemente reelaborados, possibilitando
situar-se no mundo, sendo sujeito da sua própria história (SANTA
CATARINA, 2001, p. 73).

198
Entende-se o conhecimento histórico como uma construção que engloba vários sujeitos,
“permitindo uma prática educativa que vincule o conhecimento teórico e as questões da
vida real, do cotidiano, ampliando a compreensão de sujeito histórico” (Santa Catarina,
2001, p. 73). Ainda, de acordo com o documento, a história como ciência social,

é um referencial crítico para o reencontro da integridade do humano, no


vivido. Esta integridade necessita romper com os sentidos instrumental e
funcional da educação para constituir-se na formulação de preposições na
direção da liberdade de pensar, agir, criar, escolher, para que o aluno
consiga compreender seu cotidiano e intervir consistentemente nele. A
historicidade do ser humano, além da integração cultural, abrange a
construção de competências e habilidades cognitivas e atitudinais, para que
possam ser sujeitos da construção histórica (Santa Catarina, 2001, p. 73).

Neste contexto, o ser humano sujeito da história deve “situar-se como agente construtor
da história, numa sociedade em constante transformação, relacionando presente –
passado – presente, numa perspectiva local – global – local” (Santa Catarina, 2001, p.
76). Incorporar e aplicar práticas de investigação no cotidiano do aluno, fazendo com
que se identifique com a história, o faz se sentir mais próximo dela.

A Atualização da Proposta Curricular de Santa Catarina de 2014, caracteriza a área das


ciências humanas como aquela contemplada por “componentes curriculares como:
História, Geografia, Sociologia, Filosofia, Ensino Religioso, interligados com as demais
áreas de conhecimento e, considerando as questões da diversidade, contribuem para a
formação integral da pessoa” (SANTA CATARINA, 2014, p. 139). Neste sentido, o
documento afirma que as “Ciências Humanas agregam e sintetizam uma série de
saberes e fazeres elaborados de forma coletiva por seus componentes curriculares e as
demais áreas do conhecimento, a fim de potencializar as possibilidades de ação do
sujeito no mundo” (SANTA CATARINA, 2014, p. 140).

O documento atenta quanto ao planejamento das atividades de aprendizagem pelos


docentes, de modo que

no planejamento e na elaboração das atividades de aprendizagem, é


significativo que o docente consiga estabelecer, pela problematização, a
conexão dos conteúdos curriculares a serem apropriados com a vida real dos
estudantes de forma desafiadora, de modo a motivá-los para a aprendizagem
(LEONTIEV, apud SANTA CATARINA, 2014, p. 140).

Neste sentido, o que se defende é que “[...] a partir das experiências e das vivências dos
sujeitos da aprendizagem que se organizam as atividades que desenvolvem a
conscientização histórica” (SANTA CATARINA, 2014, p. 146). Para tanto,

é importante que a ação educativa da História seja colocada à disposição dos


estudantes para auxiliar a compreender suas próprias vivências. É
significativo que atividades ofereçam condições de aprendizagem dos
sujeitos e instrumentos que desenvolvam os conceitos a partir das suas
próprias percepções com a complexificação dos recursos de textos e

199
documentos históricos que possam auxiliar nos trabalhos de compreensão
(Santa Catarina, 2014, p. 146).

Ocorre assim, de acordo com o documento, o desenvolvimento e problematização de


um trabalho de pesquisa historiográfico, onde:

O desenvolvimento de um trabalho de pesquisa, problematizado a partir da


experiência cotidiana do sujeito inserido em seu contexto histórico,
utilizando-se das metodologias da História Oral, por exemplo, aproxima de
forma significativa o sujeito da aprendizagem e seu objeto de pesquisa – a
vida humana e suas relações. Assim, evidentemente, as narrativas não serão
tratadas como verdade absoluta, mas o discurso será contextualizado e
ressignificado à luz da historiografia pertinente ao tema proposto (Santa
Catarina, 2014, p. 146).

Neste contexto, a proposta deste estudo pretende colaborar com a discussão em torno da
prática docente as aulas de História, partindo do pressuposto de que são bem vindos os
projetos desenvolvidos com os estudantes que tenham por base o local onde vivem,
envolvendo-os como sujeitos históricos e protagonistas de um trabalho que preserve a
memória do lugar onde se inserem. Para os estudantes, neste caso entendidos como
sujeitos protagonistas de um projeto de pesquisa, é importante demonstrar que esse
conhecimento é fruto de um trabalho coletivo, do qual todos participam e são peças
importantes. Por fim, resta dizer que é necessário que o professor conheça as diretrizes e
instruções normativas que norteiam o currículo do educandário e da rede de ensino no
qual está inserido.

Referências bibliográficas

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta


Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio:
Formação docente para educação infantil e séries iniciais. Florianópolis: COGEN, 1998.

________. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Diretrizes 3: organização


da prática escolar na educação básica: conceitos científicos essenciais, competências
e habilidades. Florianópolis: Diretoria de Ensino Fundamental/Diretoria de Ensino
Médio. Florianópolis, 2001.

________. Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia. Documento base


de orientação pedagógica/administrativa: educação básica e profissional.
Florianópolis, 2005.

________. Secretaria de Estado da Educação. Proposta curricular de Santa Catarina:


formação integral na educação básica. Florianópolis, 2014.

200
EDUCADORES E EDUCANDOS ENTRE
DISCURSOS, POLÍTICAS E PRÁTICAS:
REFLEXÕES ACERCA DOS DESAFIOS DO
ENSINO DE HISTÓRIA NO SÉCULO XXI
Leonildo José Figueira

A educação escolar, além de ensinar o conhecimento científico, assume a tarefa de


preparar os indivíduos para o exercício da cidadania; esta que pode ser entendida como
a produção e a apropriação de culturas materiais, imateriais e também o exercício pleno
dos direitos e deveres previstos pela moralidade. Partiremos de uma reflexão da própria
história como ciência humana e o ofício do historiador; em seguida faremos um breve
panorama da educação no Brasil no século XXI, bem como seus avanços e desafios.

A autora Circe Fernandes Bittencourt (2011) aponta para a necessidade da discussão


sobre o ensino de História, bem como a relevância do tema para os estudos, congressos,
encontros, etc.

A história do ensino de História tem sido objeto de pesquisas conforme


levantamento das produções sobre o ensino de história a partir da década
de1980. Os Anais dos encontros sobre o Ensino de História – Perspectivas
do Ensino de História e Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de
História – e dos Simpósios da Associação Nacional de Professores
Universitários de História (ANPUH), tanto nacionais como regionais,
indicam uma permanência do tema dentre as investigações da área.
(BITTENCOURT, 2011)

O professor enfrenta um grande desafio ao ensinar História aos jovens, nas mais
diversas salas de aula, seja pelo ritmo acelerado das tecnologias ou pelas contradições
apresentadas pela sociedade brasileira. Para Circe Bittencourt (2009) “uma tarefa
complexa envolve o cotidiano dos professores de História ao enfrentarem, ainda, as
desigualdades de uma sociedade moderna e arcaica, de contradições não dissimuladas”.
Esse fator fica ainda mais agravante se considerarmos que, mesmo com veladas
contradições sociais o país “possui em comum um público estudantil com dificuldades
para estabelecer relações com os tempos históricos” (BITTENCOURT, 2009). A autora
ainda acrescenta que trata-se de um presente contraditório, um futuro duvidoso em um
passado confuso, muitas vezes aprendido de uma forma e sentido de outra,
considerando a realidade socioeconômica e histórica do aluno.

Não pretendemos aqui dar conta de responder a todos os questionamentos caros ao


ensino de história, tampouco esgotá-los no que tange os desafios da educação básica no
presente século, mas sim fazer apontamentos que possam contribuir para tais
discussões, as quais se mostram necessárias. Segundo o professor Marcos Antônio da

201
Silva (2010) as respostas a essas questões não são simples e, certamente elas
“dependem de nossas (professores, pesquisadores) posições políticas e escolhas teóricas
e metodológicas”. O referido professor e pesquisador da Universidade de São Paulo
ainda ressalta que,

No caso específico da área de História, as buscas por respostas a essas


perguntas [os desafios da educação e do ensino de história ,
especificamente] sugerem outras questões: “o que fazem os professores de
História quando ensinam História? ”; “quais os temas, as fontes, os
materiais, os problemas que escolhemos para fazermos as mediações entre o
passado e o presente vivido por nós? ”; “como nos relacionamos com o
passado, quando ensinamos, hoje, História às crianças e aos jovens
brasileiros? ”. (SILVA, 2010)

Em se tratando da relação entre educadores e educandos, é preciso considerar que o


aluno já traz um repertório de conhecimentos que são oferecidos pelo meio em que vive,
adquire maneiras próprias de lidar com diferentes situações do dia a dia; e isso deve ser
lavado em conta no processo educativo. Sendo assim concordamos com Schmidt (2009)
ao enfatizar que a sala de aula não é apenas um espaço no qual se transmite
informações, mas sim uma relação em que interlocutores produzem sentidos.

(...) o aluno já tem um vocabulário histórico de uso cotidiano, adequado


para descrever situações da realidade em que ele vive. Isto significa que os
alunos trazem, ao cotidiano da sala de aula, ideais próprias sobre o mundo
social, por exemplo, sobre economia, poder, família. No entanto, muitas
vezes, estas ideias são insuficientes para apreender a essência dos
fenômenos sociais. (SCHMIDT, 1999)

Se a escola tende a uniformizá-los, ou homogeneizá-los com regras, padrões de conduta,


modos de vestir, de sentar, de falar, de agir, etc., a pedagogia de Vygotsky, por
exemplo, nos permite pensar a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito
com o meio. Pois para esse teórico, o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a
partir de relações interpessoais em constante troca com o meio, a partir de um processo
que ele chama de “mediação”. Sua abordagem, dita sócio interacionista, busca
caracterizar os aspectos do comportamento humano e elaborar hipóteses de como tais
características (do comportamento) se formam ao longo da vida do indivíduo.
(VYGOTSKY, 1996).

Segundo as autoras Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt e Tânia Maria F.
Braga Garcia “as discussões sobre o ensino desenvolvidas nas últimas décadas,
apoiadas em conceitos como cultura escolar e cultura da escola (Forquim, 1993),
transposição didática (Chevallard, 1991) e mediação didática (Lopes, 1999) ” parecem
ter recolocado em questão os próprios conceitos de aula e de ensino.

As teorias do alemão Jörn Rüsen têm contribuído muito para o ensino de História,
propriamente dito. O professor Luís Fernando Cerri, ao propor um estudo da ampliação
do campo de pesquisa a partir da didática de Rüsen, aponta que

202
(...) o escopo da Didática da História, portanto, passa a incluir o estudo do
papel da História na opinião pública, as possibilidades e limites das
apresentações históricas visuais e museus e outros campos que possam ser
trabalhados por historiadores e educadores de visão não - restrita. Assim,
parte-se desde o campo da História na sala de aula, dentro da concepção e
referenciais metodológicos expandidos, passando pela análise da função do
conhecimento e explanação históricos na vida pública, o estudo das metas
da educação histórica e a avaliação da sua consecução, chegando até a
abordagem mais ampla da análise da consciência histórica em sua
constituição, funcionamento e consequências. (CERRI, 2005)

As discussões e os apontamentos do teórico alemão Jörn Rüsen sobre a historiografia e


sobre o ensino da história são de notável contribuição para o campo de pesquisa que, no
Brasil, segundo Cerri (2005) “situa-se na intersecção entre a História e a Educação,
materializando-se mais especificamente nos espaços institucionais e entre as pessoas
relacionadas à Licenciatura em História, seus profissionais e atividades de ensino e
pesquisa”.

Para Schmidt (1999), quando o professor tem como objetivo um ensino de História
renovado, procurando utilizar documentos e diferentes linguagens, ele deve fazer uso de
conceitos históricos, fazendo com que este sejam utilizados pelos alunos,
compreendidos e, que façam sentido à sua realidade. Dessa maneira “uma das
preocupações daqueles que lidam com o ensino de História, hoje em dia, é fazer com
que os alunos construam um vocabulário histórico, que seja facilmente assimilável, mas
que, principalmente, ele possa utilizar em diferentes situações de sua vida”.
(SCHMIDT, 1999)

A crescente revolução tecnológica observada no mundo atual possibilita quando não


estabelece novas formas de socialização e também “novos processos de produção e até
mesmo novas definições de identidade individual e coletiva”. (CIAMPI, 2000) O
importante é que os alunos se apropriem de competências básicas a partir das quais seja
possível desenvolver a “capacidade de aprender”. Para Ciampi (2000) “a escola, por si
mesma, não muda a sociedade, mas pode constituir-se num espaço de reflexão e
discussão empenhada na formação de cidadãos críticos”.

Contudo, concluímos que são inúmeros os apontamentos que surgem vindos de diversos
contextos, sejam a partir dos teóricos que discutem os métodos e os currículos escolares,
ou dos próprios docentes que vivenciam os desafios da educação nas escolas
cotidianamente. Faz-se necessário considerar que os professores não são os únicos
atores no cenário educacional e, considerar que ele está inserido dentro de um sistema
complexo que envolve uma comunidade e suas particularidades, a realidade dos alunos,
bem como seus interesses, as tendências que o cercam, o próprio sistema de ensino, as
teorias educacionais vigentes, a valorização ou não do próprio profissional da educação,
entre múltiplos fatores.

203
Referências Bibliográficas

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1996.

205
UM MANIFESTO SOBRE A PERTINÊNCIA E
PERMANÊNCIA DA HISTÓRIA ESCOLAR
Letícia Mistura
Pedro Alcides Trindade de Mello

O ensino de História que conhecemos, no Brasil, possui uma trajetória de existência


complexa. A história escolar, de todas as disciplinas que historicamente compuseram o
currículo dedicado à escolarização de crianças e jovens, sempre esteve associada a uma
especificidade de tom, que acompanhava a narrativa – diferente da disciplina histórica
de pretensões científicas – destinada ao ensino. Este tom legava intencionalidade moral
ao ensino, que era perseguida por meio tanto da narrativa histórica formulada como
objeto de estudo quanto dos métodos utilizados para ensiná-la. Esta narrativa,
construída de modo exemplar, auferia a construção, no contexto de legitimação dos
Estados Nacionais, de uma identificação afetiva e restrita e de identidades largamente
coletivas, sobre o que pertencia ou não ao nosso.

Este modelo, que consagrou cisões identitárias – em níveis locais, regionais, nacionais,
inter e transnacionais -, diferenças irreconciliáveis, opressões e negações ao direito de
grupos sociais de narrar e incluir-se na narrativa oficial, além de inúmeras outras
mazelas, opera até hoje em reminiscências: a discussão sobre história escolar está
enlaçada inegável e intimamente às esferas políticas. Esta permanência, é possível
avaliar, relaciona-se a dois fenômenos: a tensão entre as especificidades da história
escolar e da disciplina histórica científica e dos incinerados debates, que se alastram em
todos as esferas sociais, pautados pela problematização e decomposição daquele modelo
histórico-didático-pedagógico. Visualizamos, no cenário atual, uma interessante disputa
de poder dos mais variados grupos em torno de ambas as discussões (LAVILLE, 1999)
– o que almejamos neste pequeno texto é afirmarmos, embora rodeados de vozes
discursantes – em sua maioria, que nos – como profissionais do ensino de história -
interpelam, nos acusam e compõem conosco uma complicada cacofonia – e em minoria,
que nos desafiam e que se juntam em coro, a pertinência e a permanência do ensino de
história e da história escolar nas escolares brasileiras.

A história escolar, dedicada ao ensino de crianças e jovens, conviveu e convive em


tensões com a história disciplinar, científica. Suas diferenças residem além de seus
diferentes metiês: é preciso que o interesse que as mantém em convergência – o
conhecimento produzido a partir da experiência do passado humano também seja base
para sua convivência, inclusão e diferenciação. A história escolar precisa entender e
conferir legitimidade aos procedimentos metodológicos da escrita da história
científica/acadêmica, embora estes não façam parte orgânica da moldura da história
escolar. A história escolar inclui a acadêmica, já que é desta que provém os conceitos,
os consensos e congregações de significados da narrativa que persegue, ainda que não
faça uso destes de forma integral. A história escolar não possui a mesma fundação da
história acadêmica; ela convive com sua tradição pedagógica e com a cultura histórica

206
(RÜSEN, 1994) de toda a comunidade escolar, precisando mobilizar diversos “saberes”,
que a compõem e derivam de si – é nestes termos que reside a sua especificidade.

Se divergíamos da função exemplar da história escolar – a produção identitária e de


representações coletivas -, para que serviria estudar história? É possível a construção de
uma narrativa, de igual adesão, sem que sejam feitas diferenças venenosas entre o que é
“nosso” e o que é “dos outros”? O que a história escolar deve ensinar, senão a narrativa
do passado, e quem a deve compor? Como conciliar a discussão sobre um ensino que
promove reações dos mais diversos segmentos sociais – afinal, a história não é de todos
e sobre todos e cria legítimas disputas de poder? Que história deve ser contada?

É claro que acreditamos ser possível a defesa da história escolar – e de uma história
escolar que não negue ou dissolva a forma mais tradicional de representação do passado
e de exposição de seu estudo, a narrativa. Entretanto, também acreditamos que a
resposta para a permanência da história escolar no currículo da educação básica
brasileira não resida no tipo, na forma ou na veiculação de narrativas sobre o passado.
Reside, sim, em uma arquitetura didático-pedagógica que se utilize de princípios que
excedam a construção de uma narrativa (afinal, a história não é narrativa), por meio da
aprendizagem, pelos estudantes, de formas pelas quais ler, analisar e construir
interpretações sobre narrativas – divergentes, contrastantes, paradoxais. Defendemos a
aprendizagem história como terreno de desenvolvimento do pensamento histórico – que,
é claro, não se desenvolve em vácuos de conteúdo -, a partir do desenvolvimento de
habilidades de significação, do trabalho com noções de epistemologia e evidência,
transição, continuidade e mudança, progresso e declínio, agência histórica e a partir da
tomada de consciência de perspectiva histórica (ou empatia histórica) e de julgamentos
morais.

Não negamos o desafio patente de orientação temporal e espacial, já que os julgamos


essenciais. No entanto, acreditamos que a história escolar, justamente por sua
característica de saber composto, deve ser a que ensina a lidar com esse saber, um saber
que está encerrado em cada estudante e em cada professor. Acreditamos na tarefa
hercúlea do professor de história, que necessita debater-se, para além de todas as
tensões de suas condições reais de trabalho, com a identidade de sua própria disciplina
de ensino, que tem sido tão maleável nas mãos dos discursos sociais, em todos os seus
patamares de existência.

Acreditamos que o ensino de história e a história escolar podem ajudar a construir a


nação, não sob pena de padecerem sob fortes amarras morais, mas por meio da
colaboração na formação de cidadãos capazes de “enxergar” a história, em si mesmos e
nas narrativas que fazem parte da constituição da história da humanidade e tomar destas
narrativas não apenas as representações que necessita para que se sinta alguém - e que o
faça em um terreno positivamente conflituoso, em que a diferença seja chave de
compreensão – mas também os elementos essenciais pelos quais a humanidade têm
buscado sua própria permanência, a democracia, a igualdade, a paz, e formas pelas
quais os seres humanos construíram as respostas aos seus problemas, em seus
determinados e respectivos tempos. Acreditamos num ensino de história em que o
professor reconheça em sua ação a posição de sensibilidade aos contextos e assuma
combatividade frente à identidade de sua disciplina escolar, afirmando-se como uma
referência de interpretação das posições, representações e interações sociais.

207
Acreditamos que estudantes podem engajar-se em seu meio social e reconhecer, em si,
agentes de comunicação, interação e transformação – e não agentes de agressão – frente
a outras e diferenças experiências de passado e presente. Por que ensinar história hoje?
Porque acreditamos em um ensino de história que favoreça a experiência do passado
como amarra de sobrevivência ao presente, e que pincele um futuro esperançoso.

Referências

LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de


História. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 19, n. 38, p. 125-138, 1999.

RÜSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica ?: Reflexiones sobre una nueva manera de
abordar la historia. In K. Füssmann, H. T. Grütter, & J. Rüsen (Eds.), Historische
Faszination. Geschichtskultur heute. Weimar, Böhlau, 1994, p. 3-26 (versão traduzida
para o espanhol por F. Sánchez Costa e Ib Schumacher).

208
O USO DO TEATRO NAS AULAS DE HISTÓRIA:
UMA PRÁXIS A SER DISCUTIDA
Leyde Dayana Athayde Silva de Lyra

O presente trabalho versará sobre o uso do teatro nas aulas de História, para isso
usaremos como arcabouço teórico as ideias de Japiassu, Magalhães, Amaral e Silva que
usam suas teorias com o intuito de modificar as construções metodológicas vigentes a
fim de que o aluno consiga uma melhor interação entre a disciplina, a ação pedagógica e
a escola, pois o rompimento do “classicismo” das aulas, estimulará o aluno a vivenciar
de forma mais ampla o processo de ensino aprendizagem, o que fará com que se
aumente os índices de interesse e melhoria no desempenho, visto que atualmente temos
um ensino de história metódico no qual grande parte dos professores ainda encontram
dificuldades em ampliar sua práxis dentro da construção da história.

Dessa forma o uso do teatro trará consigo uma multiplicidade discursiva que não estará
voltadas somente para a disciplina, mas sim para o seu cotidiano trazendo consigo a
ludicidade como forma de aprendizagem, que automaticamente articulará toda a classe
e trazendo consigo uma quebra no regimento da aula, pois em cada aluno existe um ator
pronto para quebrar o clássico e para trazer a tona, o uso do imaginário, a sensibilização
da plateia, o drama, a construção entre a teoria e prática, tudo isso faz com o professor
tente resgatar o eu interior de cada um quebrando um modelo estereotipado e inserindo
assim uma nova práxis, na qual ele intercalará não só a História, mas a maioria das
ciências humanas,fazendo assim que haja uma quebra do discurso “batido” de que a
história “é a ciência do passado”, passando assim a fomentar o discurso das
continuidades e permanências históricas.

Explorar o conhecimento do corpo através de movimentos variados estimula


a imaginação transportando para outros mundos e possibilitando vivenciar
outras experiências e realidades. Além disso, abordam outros conhecimentos
que são relevantes para a vida pessoal e construção de cidadania, na
encenação de uma peça de teatro o professor pode estar trabalhando
assuntos como: higiene, alimentação, violência, sexualidade, valores morais
e éticos. (SILVA, 2011, p.20)

Sendo assim o Teatro na sala valorizará não somente a relação aluno –professor, mas
sim estimulará toda uma construção social por parte do aluno no seu ambiente fora da
escola, desta forma a fala de Silva supracitada destaca a importância de se construir um
cidadão, pois a cidadania é a base de construção do processo educacional, assim ao
integrar vários elementos o professor poderá intertextualizar o processo de ensino
aprendizagem e amplificar o mesmo ao quebrar as barreiras da sala de aula e trazer para
dentro dela, elementos modificadores além do conteúdo, pois ao desenvolver as
competências e habilidades de cada aluno, o professor automaticamente o estará
estimulando para uma construção de uma identidade social.

209
O teatro em si é uma expressão que existe desde os primórdios, mas que nunca foi
levada em consideração como metodologia pela rigidez e pelo padrão existente de como
se via o processo de educação, à partir dos anos 90, percebemos uma abertura no
horizonte dos processos metodológicos, influenciado pelas ideias colocadas pela Escola
dos Annales no qual tudo é história e que a mesma pode se desintegrar para ser
construída, ou seja, a micro história, a inserção do pensamento da micro história trouxe
consigo a ideia de ampliar as fontes históricas, dessa forma tanto o teatro, como música,
o cinema, os cordéis, passaram a ser visto como fontes, mas não como metodologia,
algo que está sendo modificado com o passar dos anos.

“É uma arte ambígua, está entre o ser o não-ser: entre o céu e a terra; entre
homens mortais e as almas do seus antepassados; é fenomênico e ao mesmo
tempo é energia divina; está entre a realidade e a fantasia. Essas
contradições permeiam-se ao longo de sua história. No oriente ligado ao
teatro sacro, é uma arte tradicional muito conceituada. No ocidente, mais
ligado ao povo e à crença, é, talvez, por isso mesmo, considerado uma arte
medíocre. (AMARAL, 1996, p.76)

Talvez pela suposta mediocridade é que o teatro demorou a ser visto como instrumento
educacional, pois o mesmo ficou legado ao entretenimento, mas o teatro enquanto fonte
de aprendizagem traz inúmeras possibilidades de se integrar, nesse sentido o professor
deverá fazer um planejamento capaz de estimular o aluno a dar voz a sua vertente
cênica e ao mesmo tempo integra-lo o conteúdo estudado, valorizando assim a escola.

As novas formas de ver o teatro na escola analisam a possibilidade de considerar as


riquezas culturais, onde os envolvidos possam colocar seus conhecimentos prévios e
também possam dar vazão aos sentimentos, emoções, reflexões e a imaginação pois
através do teatro todas as possibilidades são possíveis, todos os será que poderia ter sido
diferente podem ser feitos, porque através do teatro temos uma mudança discursiva, que
implica em conceitos bem historiográficos como : tempo, lugar e fatos, nesse sentido
por ser uma arte de linguagem universal, o mesmo pode ser compreendida em qualquer
lugar do mundo. linguagem universal, pode ser entendida em todos os lugares, de
maneiras distintas e particulares, um momento de aprendizado físico, intelectual e
psicológico, de forma que permita que o aluno compreenda e exerça dramatização como
uma ponte que permite uma ligação significativa entre dentro e fora, fantasia e
realidade, objetividade e subjetividade.

“desenvolve as condições básicas para que o aluno relacione a sua ação com
a reflexão, seu sentimento com seu pensamento, a teoria com a prática, a
escola com a vida, por meio da experiência, da reflexão e da consequente
transformação na busca do aprender a aprender num processo sem fim.”
(DUARTE,2003,p.270)

Nesse contexto é essencial a figura do professor, pois o mesmo irá guiar, dosar, instruir,
instigar, desafiar e dirigir o aluno de forma a inserir o máximo o aluno o universo a ser
trabalhado, sendo assim é essencial que o aluno compreenda que naquele momento o
mesmo está sendo aprendiz e professor, pois está diretamente influenciando, os
discursos e os conhecimentos de todos a sua volta, por isso naquele momento seu
professor irá se tornar ser diretor, aquele que irá perceber o momento correto de intervir

210
na situação, pois as vezes a verve dramática, não deixa quem está no palco perceber
esse detalhe.

[...] no plano individual, o desenvolvimento de suas capacidades expressivas


e artísticas, e no plano coletivo...o exercício das relações de cooperação,
diálogo, respeito mútuo, reflexão sobre como agir com os colegas,
flexibilidade de aceitação das diferenças e aquisição de sua autonomia como
resultado do poder agir e pensar sem coerção. (PCN, 2000, p.84).

É no teatro que todas as artes se reúnem para compor outra arte. Artes como a cultura
corporal, o ritmo, o equilíbrio, as palavras, assim podemos dizer que o teatro é a arte da
coletividade, pois integra todos os fatores, ele traz dentro de si todas as essências,
consigo colocar dentro de si todas as ideais, as opiniões, justamente por isso deve ser
tomado cuidado para que o mesmo não seja direcionado como um discurso meramente
político, mas sim para que o mesmo seja visto como uma discurso reflexivo sobre as
nuances da sociedade.

É de suma importância compreender o teatro não como forma legada ao entretenimento,


mas sim a uma fonte educacional, que deve ser usada para a construção de uma
sociedade voltada para a reflexão, assim é essencial que o professor saiba usar essa
ferramenta de forma a integrar a sala de aula, a escola, a sociedade e o conteúdo por ele
trabalhado, pois assim o mesmo terá uma consonância em fomentar construções de
identidade que englobem vários fatores e não somente um deles.

Assim segundo Magalhães, 2004 ,p.60 [...] transformar a cultura da escola pressupõe
repensar questões de identidade profissional, de papéis de professores e de alunos e de
conceitos de ensino-aprendizagem e de linguagem em sua relação com o contexto
sociocultural mais amplo, de forma a que a escola em si saia de sua zona de conforto e
ouse usar outras metodologias de integração, para isso não basta só dizer que modificou
“a cara da escola”, não é só o discursos que tem que mudar e sim as mentalidades, é isso
só acontecerá quando tivermos uma escola que trabalhe a base do ser que é o
argumentar, o representar o refletir e direcionar todos esses focos para uma só coisa o
ato de educar, enquanto não tivermos a integração do teatro nas escolas, teremos a
mesmice que afasta os alunos da mesma, assim os autores supracitados, são importantes
no sentido que analisam justamente a escola como ela é e como a mesma pode ser
mediante a inserção do teatro.

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Universidade de Brasília, Acre, 2011.

212
APRENDIZAGEM HISTÓRICA NO ENSINO DE
HISTÓRIA: PONTUANDO ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Lídia Baumgarten

O presente artigo apresenta algumas reflexões acerca da compreensão sobre o ensino de


História, suas relações entre o passado e o presente e a relação com a vida cotidiana de
alunos de uma turma da educação básica do município de Assis, Estado de São Paulo. A
atividade consistiu em aplicação de questionários, com alternativas de respostas, sim ou
não e a necessidade de justificar a resposta em algumas delas. A turma selecionada foi
um 7º Ano do Ensino Fundamental, com a participação de 35 alunos. Foram seis
questões elencadas no questionário: 1. Você gosta da matéria de História? O que te faz
gostar ou não dessa matéria? 2. Quais matérias você gosta mais e por quê? 3. Para você,
a matéria de História traz alguma relação entre presente e passado? 4. Você acha que a
matéria de História serve para a sua vida fora da escola? Ou seja, ela serve como
instrumento de orientação para tomar decisões da vida prática? 5. Como é a sua relação
com a professora? O que você acha da forma como ela ensina? E os temas são
interessantes? 6. Como você gostaria que fosse a aula de História? Foram utilizados
como base teórica, Schmidt (2004), Cainelli (2006), Rüsen (1992), Guimarães (2003),
Monteiro (2001) e Bittencourt (2005).

Nossas reflexões foram fundamentadas com base nas respostas dos alunos das questões
3 a 6, e no referencial teórico mencionado.

Na terceira questão, dos 35 alunos, vinte e nove (29) responderam SIM e seis (6)
responderam NÃO. Dos vinte e nove (29) alunos que responderam sim, destacamos as
justificativas que se referem à possibilidade de compreender as transformações que
ocorreram ao longo da história, relacionando passado e presente, levando à reflexão das
diferenças. Temas, tais como escravos, gregos, guerras, religião, cidade e tecnologia
foram mencionados nas justificativas dos alunos. Outro aspecto a ser ressaltado foi a
justificativa de que a História não é usada somente na escola. Portanto, essa resposta se
aproxima de uma consciência histórica crítico-genética. Dos alunos que responderam
não, a maioria não vê nenhuma relação entre passado e presente, pois consideram o
passado diferente do presente e sem nenhuma relação com a sua vida cotidiana.

Dos 35 alunos, dezesseis (16) responderam SIM, e dezenove (19) responderam NÃO,
na quarta questão. As justificativas dos alunos que responderam sim se aproximam de
consciência histórica crítico-genética. Uns destacaram a possibilidade de conhecer e
identificar eventos, construções, costumes, valores, objetos antigos, entre outros. Outros
pensam na História como uma forma de conhecer o passado, dar significado à existência
no passado e, assim, refletir sobre as transformações que ocorreram ao longo da história
e suas consequências no presente. Outro grupo de alunos já vê na História uma forma de
compreender e refletir sobre os conflitos, seja nas questões religiosas ou em relação às

213
disputas de territórios, para não cometerem os mesmos erros do passado, auxiliando nas
tomadas de decisões que envolvem a sociedade em geral e a vida cotidiana de cada um.
O passado servindo de espelho e orientação da vida prática, constituindo-se em
possibilidades concretas de mudanças de atitudes. O grupo de alunos que respondeu não
se baseou em dois aspectos. De um lado os alunos tem pouca afinidade com os
conteúdos trabalhados na aula de história. Os motivos são aqueles destacados nas
questões anteriores e tem como característica marcante o fato de as aulas serem
entediantes, cansativas e pouco dinâmicas. Por outro lado, os alunos não fazem
nenhuma relação da sua vida cotidiana com o passado e, por isso, não veem nenhuma
utilidade da História na sua vida prática e, portanto, ela não serve de orientação em nem
para tomada de decisões.

Na quinta questão, vinte e seis (26) alunos responderam que a relação com o professor é
boa e que ele explica bem. Os alunos ressaltaram aspectos positivos, tais como tirar as
dúvidas, procurar diversificar as aulas e motivar os alunos a participarem da aula. Sobre
o item que se refere aos temas, a maioria dos alunos acha que são interessantes. Outros
já acham que são desinteressantes e, por isso, a aula acaba sendo cansativa. Nove (9)
alunos questionaram de forma negativa os itens perguntados. Sete (7) alunos destacaram
que a relação com o professor nem sempre é boa e os temas também não são sempre
interessantes, mas que ele explica bem a matéria. Apenas dois (2) alunos disseram que,
além da relação com o professor não ser boa, ele também não explica bem e não gostam
de história. Podemos concluir, a partir dessas informações, que o bom relacionamento
com o professor influencia no interesse pela matéria e pelos temas de História e vice e
versa. Exceto os dois alunos que disseram que não tem boa relação com o professor e
que ele não ensina bem, todos os demais alunos (dos nove que destacaram aspectos
negativos) ressaltaram a forma de o professor ensinar. Ou seja, embora eles não tenham
uma boa relação com o professor e não acharem os temas interessantes, os alunos
destacaram que o professor explica bem.

Os alunos se dividiram nas justificativas da sexta e última questão. As respostas dos


alunos se fundamentaram basicamente no fato de que gostariam de aulas mais práticas e
mais dinâmicas. Dentre as sugestões podemos destacar a visita a museus, assistir filmes,
trabalhos em grupos e ao ar livre, temas mais interessantes e atividades que
relacionassem a vida dos seus antepassados com as suas próprias histórias de vida.
Embora nas perguntas anteriores a maioria dos alunos tenham respondido que o
professor explica bem e que os temas são interessantes, nesse momento eles destacaram
que as aulas acabam sendo cansativas, pois o professor não foge muito do livro didático.
Ou seja, a aula se baseia na leitura do texto do livro didático, o professor explica e, em
seguida respondem as questões do livro didático que estão intimamente relacionadas
com a prova que será dada para avaliar os alunos. Alguns alunos (5) responderam que
gostariam que as aulas ficassem como está. Um (1) aluno questionou a obrigatoriedade
de leitura dos textos (creio que seja a leitura coletiva dos textos, na qual cada aluno lê
um trecho). Três (3) alunos aproveitaram a oportunidade para se referir a algumas regras
impostas pelo professor e que gostariam que fosse permitido em sala de aula, tais como
chupar balar, mascar chiclete e beber água. Um aluno questionou sobre os pontos
negativos dados pelo professor.

214
Pontuando algumas considerações

Embora seja consenso entre a maioria dos professores que uma aula de História deve
necessariamente relacionar passado e presente, propiciando ao aluno reconhecer as
transformações históricas ocorridas, a aula tradicional/expositiva, compreendendo
atividades de leitura do texto e explicação, perguntas e respostas ainda têm sido
desenvolvidas na sala de aula.

Sendo assim, acreditamos que o ensino de História deve ter como objetivo central
instrumentalizar o aluno a produzir o seu próprio conhecimento. A função social da
História deve ser a de aproximar os seus conteúdos com o cotidiano do aluno,
propiciando assim, a formação da Consciência Histórica Crítico-Genética (Rüsen,
1992).

É primordial evitar apresentar as respostas prontas aos alunos, mesmo que os


professores percebam as dificuldades de aprendizagem dos alunos nas diferentes
atividades e tenham a preocupação de que eles aprendam.

É necessário partir da realidade do aluno, o que ele sabe sobre o tema a ser abordado,
procurando fazer um diagnóstico e trabalhar com as representações sociais dos alunos.
Do mesmo modo, se faz necessário articular os temas ao cotidiano do aluno, o que mais
se aproxima, mesmo que seja um conteúdo de um passado distante. É fundamental
apresentar os objetivos de cada aula.

Ressaltamos aqui a necessidade de utilizar diferentes metodologias, para além do livro


didático. A possibilidade de trabalhar com eixos temáticos que abarcam os conteúdos a
serem trabalhados, elaborando atividades com diferentes metodologias/linguagens e
documentos ao longo de um bimestre/semestre propicia um aprendizado reflexivo e
questionador.

Projetos com temas interessantes e linguagens diferenciadas nem sempre propiciam um


aprendizado significativo. É preciso que os professores repensem o seu conceito de
História, de aluno e de sociedade/cidadania, com intuito de propiciar aos alunos que eles
se vejam como parte do processo e participação ativa na sociedade. Que eles se
interessem pelas questões políticas e sociais do país e tenham a possibilidade de
transformar a sua realidade. Ou seja, aprender História para servir de orientação da vida
prática.

Acreditamos que o papel da História é o de ser uma ferramenta de atuação do aluno na


sociedade e não como mera disciplina de assimilação de conteúdos, que privilegia a
memorização. O professor não deve se preocupar tanto em esgotar o conteúdo, evitando
a fragmentação dos mesmos. O professor deve dominar o conteúdo/teoria, com o
objetivo de “filtrar” o conhecimento para a compreensão do aluno. Não se deve
apresentar a História como verdade absoluta, pronta e acabada. O ensino de História se
torna significativo a partir do momento que propiciamos aos alunos confrontar
diferentes ideias e concepções, o que resultará numa aprendizagem histórica que os
oriente na vida cotidiana.

215
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SCHMIDT, M. A. ; BARCA, I.; MARTINS, E. R. (Orgs.) Jörn Rüsen e o ensino de


História. Editora UFPR, 2010.

SCHMIDT, M. A. M. S.; GARCIA, T. M. F. B. A formação da consciência histórica de


alunos e professores e o cotidiano em aulas de História. Cadernos Cedes, Campinas,
vol. 25, n. 67, p. 297-308, set./dez. 2005.

216
HISTÓRIA LOCAL E ENSINO DE HISTÓRIA:
NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ESTUDO DO
LUGAR
Lucilvana Ferreira Barros
Roberg Januário dos Santos

“O local e o cotidiano do aluno constituem e são constitutivos de


importantes dimensões do viver – logo, podem ser problematizados,
tematizados e explorados no dia da sala de aula, com criatividade, a partir
de diferentes situações, fontes e linguagens” (FONSECA 2012, p. 241).

A presente comunicação tem por objetivo refletir acerca da importância da história local
para o ensino de História como um tipo de abordagem histórica capaz de contribuir no
processo de ensino aprendizagem. Este texto parte do pressuposto que o processo de
ensino-aprendizagem do saber histórico é encaminhado, grande parte, por meio de uma
cadeia normatizadora do conhecimento, sustentada pelo empirismo de regras escolares e
objetividade dos materiais didáticos, principalmente dos livros didáticos, estes que
geralmente totalizam conteúdos e, no caso da história, se pautam na história geral ou do
Brasil, em sua grande parte.

Assim, é importante repensar este modelo de ensino-aprendizagem quando o mesmo é


pautado na objetividade, racionalidade e na passividade de alunos e professores à
medida que ambos trabalham na zona de fixação de conteúdos. Embora com todas as
renovações no campo do ensino de história, desde as décadas de 1980 e 1990, derivadas
das críticas ao modelo de memorização e reprodução, ocasião em que houve à
introdução de novos recursos didáticos, como cultura material, audiovisuais, entre
outros; abordagens centradas em tempos históricos integrados (história integrada) e/ou
por temas (história temática); reflexões teóricas considerando as recentes composições
historiográficas à época, como a História cultural e a atenção dispensada à história local
e regional. Não se perde de vista que tais mudanças ainda estão em processo, e o
modelo de ensino ainda por vários motivos encontra-se, em boa parte dos casos,
coordenado pelo modelo normatizador do conhecimento que se centra na reprodução de
conteúdos, amparados no currículo formal, ou seja, nas regras escolares, como podemos
observar nas palavras de Knauss (2012, p. 30):

A escola tem sido o lugar de exercício do papel social do professor,


identificado com uma concepção de saber pronto, acabado e localizador,
cujo desdobramento é a aversão à reflexão e o acriticismo, sem falar na falta
de comunicação. A escola e a sala de aula surgem, assim, como lugar social
de interiorização de normas, em que o livro didático é o ponto comum entre
o professor e aluno, sendo todos elos de uma cadeia de transferência
disciplinadora do cotidiano e ratificadora das estruturas sociais vigentes.

217
Recomenda-se o repensar desta perspectiva de ensino atentando para a riqueza do
trabalho docente articulado com a pesquisa no âmbito local, uma vez que imbuídos de
uma condição investigativa do mundo e elaboradores de conceitos no que diz respeito
aos objetos de conhecimento histórico, professores e alunos possam alavancar o diálogo
entre o presente e o passado, de modo a propiciar um processo de ensino-aprendizagem
ancorado em problemáticas que façam sentido não só para o saber escolar transposto
das universidades, tido como saber competente, mas que faça sentido para o contexto
em que se inserem os agentes envolvidos no dia a dia da sala de aula, já que o
conhecimento escolar é algo também produzido conforme cada contexto e considerando
as especificidades do lugar, como apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1998, p. 15):

Os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem a realidade brasileira


como diversa, e as problemáticas educacionais das escolas, das localidades e
das regiões como múltiplas. É no dia-a-dia das escolas e das salas de aula, a
partir das condições, contradições e recursos inerentes à realidade local e
educacional, que são construídos os currículos reais. São grupos de
professores e alunos, de pais e educadores, em contextos sociais e
educacionais concretos e peculiares, que formulam e colocam em prática as
propostas de ensino.

A inserção do local ainda encontra-se em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional. Com base na LDB, os currículos escolares devem levar em
conta os conhecimentos em âmbito nacional, mas também devem considerar as
especificidades locais e regionais, pois são conhecimentos advindos da vivência de
professores e estudantes, como pode-se observar o que prevê o texto da referida lei:

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do


ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade,
da cultura, da economia e dos educandos (LEI DE DIRETRIZES E BASES
DA EDUCAÇÃO NACIONAL (2014, p.19).

Pressupõe-se que o trabalho com a história local contribui para que se conheça a
profícua ação histórica desencadeada com os estudos sobre o cotidiano e a trajetória de
grupos mais próximos de estudantes e professores, pois historicamente o perfil da
história local foi produzido nas seguintes condições:

Retomando a História local: nesse processo historiográfico, acaba ela sendo


subsumida por essa História dita nacional, mesmo pelas histórias
regionais/estaduais. Foi construída como história dos municípios, foi
elaborada usualmente, por notáveis figuras das localidades, não
profissionais de história, costumeiramente vinculados ao poder local
(SILVEIRA, 2013).

Neste caso, conforme Silveira, a historiografia nacional, estadual e regional acaba


sobrepujando a história local, de modo que se deve também considerar o perfil da
historiografia que geralmente fabrica a história local, pois este tipo de abordagem

218
histórica acaba sendo produzido por pessoas que não são profissionais com formação
em História, daí não é de se estranhar as vinculações com as redes de saber e poderes
locais. Neste caso, a história local produzida a partir do metier do historiador também é
eclipsada por esta “história local elitizada ou localista”. As pretensões de uma nova
história local, ancorada na pesquisa histórica e apresentada mediante narrativas que
articulam texto, contexto e fontes, se voltam para o cotidiano dos diversos grupos e
seguimentos, especialmente com as dinâmicas e culturas locais e para a problemática
das narrativas culturais ligadas à produção das identidades e das espacialidades. Nesse
sentido, Fagundes aponta na direção de uma nova história local como:

[...] um novo método de abordagem histórica que consiste em mostrar as


singularidades do lugar, bem como os pontos de conexão com a realidade de
outros lugares. Essa forma de conceber e fazer história permite, no ambiente
escolar, uma relação contínua entre sujeitos e o objeto de estudo, uma vez
que esses sujeitos – o aluno e o professor - fazem parte da comunidade e das
múltiplas relações aí contraídas, o que facilita na identificação das
características do processo histórico local e possibilita a percepção da
heterogeneidade cultural existente ( FAGUNDES, 2006. p. 93).

Para a pesquisadora Selva Guimarães Fonseca (2012), os estudos do local são relevantes
no processo de construção das identidades e das memórias que se inscrevem no tempo,
seja ele longo, médio ou curto. Segundo esta pesquisadora, o local pode ser
problematizado, tematizado e explorado no cotidiano da sala de aula, a partir de várias
fontes. Guimarães ainda adianta que o estudo do local pode ser realizado em articulação
com outras dimensões do ensino, como o regional, nacional e até o universal, a partir de
temas que atravessam estas dimensões. De acordo com Bittencourt (2005, p. 168 ):

“a História local tem sido indicada como importante para o ensino por
possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado
sempre presente nos vários espaços de convivência deste – escola, casa,
comunidade, trabalho e lazer -, e igualmente por situar os problemas
significativos da história presente[...]”.

Deve-se considerar que o trabalho com história local/regional não exclui a possibilidade
de trabalho com a história geral, pois “os problemas culturais, políticos, econômicos e
sociais de uma localidade explicam se, também, pela relação com outras localidades,
outros países e, até mesmo por processos históricos mais amplos” (SCHIMIMIDT &
CAINELLI, 2004, p.112). A história local também não é uma história em migalhas, não
é um tipo de abordagem em recantos, mas configura-se em interação com outros
processos históricos, sendo possível ser estudada em perspectiva comparada, integrada e
até temática. Portanto, o ensino de História local é um desafio contemporâneo para o
processo de formação de professores, pois é considerado importante para a
aprendizagem de uma educação histórica dos alunos.

219
Referências

BARROS, José D’Assunção. O lugar da História local. In. A Expansão da História.


Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2013.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e


Métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2005.

FAGUNDES, José Evangelista. A História Local e seu Lugar na História: histórias


ensinadas em Ceará-Mirim. 2006. 194 f. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN, 2006.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. Um Lugar na Escola para a História Local.


Recife: ANPUH (texto mimeografado), 1995.

FONSECA, Selva G. Didática e prática de ensino de História: Experiências,


reflexões e aprendizados- 13 ed. Campinas, São Paulo, Papirus, 2012.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE HISTÓRIA. Secretaria da


Educação. MEC. Brasília. 1998.

SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral in: Revista Brasileira de História.
História em Quadro-Negro: escola, ensino e aprendizagem. São Paulo:
ANPUH/MARCO ZERO, 1990, p.219-243.

SCHIMIMIDT, Maria, CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione,


2004.

220
NOVO ENSINO MÉDIO: PRIMEIROS DEBATES
Maicon Roberto Poli de Aguiar

No decorrer do processo de ensino-aprendizagem, partindo desde seu planejamento,


passando pela sua execução e concluindo com sua autoavaliação, o (a) professor (a)
precisa sempre levar em consideração as experiências vivenciadas pelo corpo discente,
o qual traz consigo uma gama variada de conhecimentos, que deverão permear todo esse
processo, seja apontando caminhos de pesquisa e/ou questões a serem
analisadas/debatidas por todo o grupo. Também é princípio básico da prática docente
debater as questões cruciais, que surgem ao longo desse processo, as quais afetam o
cotidiano de instituição escolar e não podem ser negligenciadas, principalmente aquelas
trazidas pelos (as) estudantes, uma vez que essa relação professor-estudante “dinamiza e
dá sentido ao processo educativo. [E que] apesar de estar sujeita a um programa, normas
da instituição de ensino, a interação do professor e do aluno forma o centro do processo
educativo” (MÜLLER, 2002, p.276). Nesse sentido, no último bimestre do ano passado,
desenvolvemos um primeiro debate com os (as) estudantes da E.E.M. Profª Elza H. T.
Pacheco, dentro da disciplina de história, acerca da medida provisória 746, promulgada
pelo Governo Federal, a qual estabeleceria profundas mudanças na estrutura do Ensino
Médio e, da resolução do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina, que
instituiria a progressão parcial para os (as) estudantes das escolas públicas e privadas do
estado. [Utilizo-me dos verbos no futuro do pretérito, uma vez que a medida sofreu
alterações antes de sancionada e a resolução ainda não foi oficializada].

A medida provisória 746 trouxe como principais mudanças: a ampliação gradativa da


carga horária mínima do Ensino Médio de oitocentas para mil e quatrocentas horas;
flexibilização das disciplinas cursadas, na qual parte da grade curricular é comum e após
o (a) estudante deverá optar por uma entre cinco áreas de conhecimento [Linguagens,
Matemática, Ciências Humanas, Ciências Naturais e Ensino Técnico]; a autorização
para a contratação de profissionais que possuem notório saber para o quadro docente; e,
a exclusão de artes e educação física como disciplinas obrigatórias da grade curricular.
(DIAS; SALDAÑA, 2016). Já a resolução estadual instituiu a progressão parcial, na
qual estudantes que reprovarem em uma ou mais matérias [o limite não foi ainda
determinado] serão aprovados (as), devendo passar no ano seguinte, nas disciplinas que
reprovou, por uma nova avaliação, nos conteúdos que o (a) professor (a) compreender
que o (a) estudante necessita ou teve maiores dificuldades. (WENZEL, 2016).

Com essas ações governamentais amplamente divulgadas através das mídias e a


consequente curiosidade por parte de alguns (mas) estudantes acerca das opiniões do
corpo docente acerca das mesmas, elaboramos dentro da Escola de Ensino Médio
Professora Elza H.T. Pacheco, localizada na cidade de Blumenau/SC, um pequeno
conjunto de atividades a fim de debater os pontos mais polêmicos dessas medidas,
selecionados conjuntamente pelos corpos docente e discente. Um dos objetivos dessas
atividades, considerando as limitações de tempo e dos compromissos já previamente
assumidos, dentro do contexto de um quarto bimestre já bastante curto, foi iniciar o

221
debate problematizando os possíveis motivos, objetivos e consequências dessas ações
empreendidas tanto no âmbito federal como no estadual.

Partindo desse princípio, sem aviso preliminar, iniciamos o conjunto de atividades com
a solicitação, em sala de aula, de um parecer pessoal por parte de cada estudante, acerca
das referidas medida e resolução anunciadas, elaborado através de um texto dissertativo.
A primeira intenção aqui foi diagnosticar os (as) estudantes que buscaram ou não se
inteirarem das mesmas, pesquisando a respeito para além do que foi anunciado na
televisão ou comentado nas salas e corredores da escola. Desta forma, observou-se que
cerca de setenta e nove por cento dos trezentos e seis estudantes entrevistados (as) não
desenvolveram nenhuma pesquisa complementar para a ampliação dos seus
conhecimentos. Esse é um dado que aponta para a importância do (a) professor (a) em
conectar suas aulas com aquilo que é veiculado através das mídias, em especial, a
televisão e as redes sociais.

Utilizada como instrumento de manipulação a serviço de interesses


particulares, [a mídia] reordena percepções, faz brotar novos modos de
subjetividade, o que traz vantagens e/ou desvantagens, tanto no aspecto
individual como no aspecto social. A mídia, com todas as suas ferramentas,
hoje detém o poder de fazer crer e ver, gerando mudanças de atitudes e
comportamentos, substituindo valores, modificando e influenciando
contextos sociais, grupos, constituindo os arquétipos do imaginário, criando
novos sentidos simbólicos como árbitros de valores e verdades. (SILVA,
2010, p.2).

Também sabemos que a percepção dos (as) estudantes, acerca de possíveis necessidades
de mudanças para o ensino médio, não se restringe aos anúncios realizados através das
mídias, existindo também todo um conjunto de saberes construídos em outros espaços
de experiência e interlocução com diferentes grupos e concepções. Nesse sentido, um
outro diagnóstico apontado pela atividade foi que cerca de sessenta e seis por cento dos
estudantes entrevistados concordam com a resolução estadual que promove o progresso
parcial, tendo como principais argumentos a não concordância pela reprovação por
poucos pontos ou em matérias em que os (as) estudantes não consideram possuir
afinidade, mas principalmente, a desmotivação causada pela reprovação, o que segundo
os (as) mesmos (as) motivaria o abandono escolar. Um dado fundamental a ser
acrescido nesse contexto é de que cerca de oitenta e um por cento destes que defendem
a resolução, já precisaram repetir de ano uma ou mais vezes. Entre aqueles que são
contrários à resolução, a principal argumentação é de que seria injusto estudantes que
não se dedicaram aos estudos, serem aprovados tanto quanto aqueles que se dedicaram
ao longo de todo o processo.

Ainda com base no texto dissertativo produzido, diagnosticamos que cerca de cinquenta
e dois por cento dos entrevistados concorda com a especialização do ensino médio por
áreas de conhecimento, justificando que a escolha ampliaria a dedicação do corpo
discente, uma vez que não precisariam estudar temáticas que não consideram
interessante para seu cotidiano ou úteis para a carreira profissional que almejam seguir.
Contrários a esse quesito da medida provisória defendem, principalmente, que
deixariam de aprender assuntos, que mesmo não diretamente ligados à profissão que
pretendem seguir, podem trazer informações pertinentes a outros aspectos da sua vida,

222
como o convívio com familiares e amigos, além de uma melhor compreensão sobre
tudo aquilo que os cercam.

Quanto à ampliação da carga horária do ensino médio, trinta e dois dos quarenta e um
estudantes que mencionaram esse item em seu texto dissertativo, são contrários à essa
medida, pois consideram maçante ficar em período integral dentro da escola, preferindo,
na opinião de alguns destes, a realização de cursos ou entrada no mercado de trabalho
como estagiários ou menores aprendizes no contraturno.

Acerca da não obrigatoriedade das disciplinas de artes e educação física, cerca de


noventa e oito por cento dos estudantes se posicionaram contrários, argumentando
principalmente que a segunda é uma das disciplinas mais adoradas pelos (as) mesmos
(as) e, que a sua exclusão desmotivaria ainda mais a frequência escolar. Outros
argumentos levantados foi de que são disciplinas tão importantes quanto às demais
existentes na grade curricular, desenvolvendo outras formas de habilidades junto ao
corpo discente.

Por fim, o texto dissertativo trouxe também como diagnóstico, que dos dezesseis
estudantes que citaram o dispositivo do notório saber em suas argumentações, todos
foram contrários ao mesmo, pois consideram que apenas profissionais habilitados
podem lecionar nas escolas, com exceção das áreas do ensino técnico.

A partir desse primeiro diagnóstico realizado, lançamos nas redes sociais – dentro do
grupo do facebook que mantemos para compartilhamento de materiais utilizados pela
disciplina – uma série de debates problematizados através de fontes textuais (artigos e
reportagens) e audiovisuais (charges e vídeos), diretamente ligados aos principais
pontos de divergência existentes entre os (as) estudantes. Dentro das publicações online
e dentro da sala de aula, criamos pequenos espaços temporais de debate das ideias
levantadas, alcançando aquilo que foi o objetivo principal – considerando o pequeno
espaço de tempo que possuímos – desse projeto inicial: incentivar os (as) estudantes ao
constante diálogo acerca de tudo aquilo que o cerca, principalmente, naquilo que
diretamente relaciona-se ao seu papel dentro do espaço escolar, buscando uma
fundamentação concreta de seus argumentos e, consequentemente, uma ação menos
passiva frente aos desafios do cotidiano.

A continuidade de projeto encontra-se atualmente em fase de replanejamento frente às


incertezas ainda persistentes, visto que pontos divergentes fundamentais a serem
implantados não foram levados ao amplo diálogo com os profissionais da educação,
levantando um enorme questionamento quanto ao uso da medida provisória como
instrumento na melhoria da educação. Há muito por debater na busca pela melhoria e
fortalecimento de toda a infraestrutura do processo educacional e, isso apenas ocorrerá
de forma satisfatória se os argumentos de todos os personagens inseridos no contexto
escolar forem devidamente ouvidos.

223
Referências

DIAS, Natália C. M.; SALDAÑA, Paulo. Plano do ensino médio abre mão de artes e
educação física e repete meta. Folha de São Paulo. 22.09.2016. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/09/1815828-novo-ensino-medio-usa-
meta-antiga-e-exclui-artes-e-educacao-fisica.shtml>. Acesso em: 25.09.2016.

MÜLLER, Luiza de Souza. A interação professor-aluno no processo educativo.


Revista Integração, ano VIII, nº 31, novembro 2002. Disponível em:
<https://www.usjt.br/proex/arquivos/produtos_academicos/276_31.pdf>. Acesso em:
28.02.2017.

SILVA, Ellen Fernanda Gomes da. O impacto e a influência da mídia sobre a


produção da subjetividade. Disponível em:
<http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_XVENABRAPSO/447.%20o%
20impacto%20e%20a%20influ%CAncia%20da%20m%CDdia.pdf>. Acesso em:
11.09.2016.

WENZEL, Karine. SC muda regra para aprovação escolar, e aluno poderá passar
de ano mesmo reprovado em disciplina. Diário Catarinense. 20.09.2016. Disponível
em: <http://dc.clicrbs.com.br/sc/estilo-de-vida/noticia/2016/09/sc-muda-regra-para-
aprovacao-escolar-e-aluno-podera-passar-de-ano-mesmo-reprovado-em-disciplina-
7516613.html>. Acesso em: 25.09.2016.

224
HISTÓRIA REGIONAL: ESTUDO DE MÚLTIPLAS
DEFINIÇÕES
Maikel Gustavo Schneider

Desde a obra de Braudel, em 1949, intitulada “El Mediterráneo y el mundo del


Mediterráneo en la época de Felipe II”, que se transformou como parâmetro para os
estudos regionais da segunda geração da Escola de Annalles, inúmeros pesquisadores
apresentaram-se trazendo características acerca dos estudos que carregam cunho
regional.

Diante do texto de Van Young (1987), onde o autor afirma que geralmente aqueles que
trabalham com história regional não especificam o que entendem por região,
buscaremos tecer alguns breves comentários acerca dessa temática, apresentando
conceitos de autores que foram aleatoriamente escolhidos. Nosso objetivo na presente
escrita não é impor uma concepção em detrimento de outras. Mas, sim, demonstrarmos
sucintamente aspectos relevantes da história regional e a importância do seu ensino,
estudo e pesquisa.

Em prelúdio, a propagação da história regional coincidiu com o advento da Escola de


Annales, uma vez ela estabeleceu fronteiras interdisciplinares com a Demografia e
Geografia. No que concerne ao Brasil, após 1970, as abordagens e enfoques na pesquisa
regional ampliaram-se e foram conquistando novos adeptos aos estudos que
estabelecem um recorte espacial como objeto.

Para os pesquisadores que optavam pela abordagem da história regional, ela “[...]
oferecia a possibilidade de comparação entre diferentes situações históricas,
contribuindo para a produção de uma síntese, a nível macro-espacial, uma vez que cada
região não poderia ser vista deslocada do todo em que se encontrava inserida”
(VISCARDI, 1997, p. 85).

A sua origem encontra-se na oposição dos modelos que buscavam mostrar a


homogeneidade de estruturas locais a partir de estudos gerais. Os estudos históricos no
âmbito regional são “manifestações de um tempo que recusa as ditas concepções
hegemônicas, tentando resguardar particularidades e especificidades locais como
maneira de confirmar ou refutar as grandes sínteses até agora impostas como válidas
para todas as realidades históricas” (RECKZIEGEL, 1999, p. 21).

Entretanto, a maior dificuldade dos estudiosos que encaravam esse novo modelo de
pesquisa era a definição de região, uma vez que “[...] no existe una región verdadera,
sino tantas regiones como objetivos de estudio se tengan” (CHIARAMONTE, 2008, p.
07).

Com o decorrer dos anos, vários pesquisadores debruçaram-se em oferecer uma


definição segura sobre região. Nesse sentido, encontramos o trabalho de Maria Rosa
Carbonari onde a autora assevera que:

225
cada región será entendida en su totalidad a través de los procesos de base
material que resultan de la interaccíon entre el hombre y el medio que
transforma lo natural construyendo uma “segunda naturaleza”. El estudio de
la región será, entonces, el de las relaciones constituidas históriacamente
entre ese sub-espacio y el contexto mayor que lo posibilita y da sentido. El
espacio regional, no es, por tanto, un espacio fijo, sino un espacio social con
conjuntos heterogéneos en continua interacción. Es testimonio del passado
que actúa sobre el presente y condiciona el futuro. (CARBORNARI, 2009,
p. 28)

Nesse sentido, explica a autora que a região é concebida como resultado de múltiplas
determinações, caracterizando-se através de uma natureza transformada por meio de
diversas heranças culturais e materiais, além de uma estrutura social ali inserida.
Ademais, a região pode ser vista como a realização de um processo histórico
generalizado em um quadro territorial menor, onde o geral e o particular se combinam
(CARBORNARI, 2009, p. 28).

Na mesma linha, Santos também observa essa influência entre o geral e o particular
quando argumenta que “estudiar una región significa penetrar en un mar de relaciones,
formas, funciones, organizaciones y estructuras, con sus más diversos niveles de
interacción y contradicción” (SANTOS, 1996, p. 46).

Além disso, no entendimento de Amado (1990), podemos afirmar que a história


regional proporciona novos olhares sobre os estudos de cunho nacional, apresentando
questões fundamentais a partir de um ângulo que evidencia o particular e o específico.

Já na concepção de Alfredo Bolsi,

[...] ningún sistema es correcto, ninguno es errado. La región es uma


generalización geográfica y esa generalizacíon se realiza em términos de
criterios que se seleccionan y tales criterios están en función de un problema
estabelecido y objetivo. Existen entonces tantos sistemas regionales como
problemas dignos de ser estudiados. (BOLSI, 1992, p. 08 apud
CHIARAMONTE, 2008, p. 08).

Assim, a cada novo problema desvendado pelos historiadores, podemos nos deparar
com um novo recorte espacial, ou seja, com uma nova região delimitada a fim de
facilitar a pesquisa e melhor entender aquela área, seus habitantes e os processos
sociais, culturais e históricos da nova região. Outrossim, os estudos regionais guardam
sua importância ao analisarem espaços do território nacional que foram pouco
pesquisados e estudados.

Por oportuno, imperioso analisarmos ainda o conceito de região nas palavras de Luigi
Sturzo:

El concepto de Región puede ser definido, en consecuencia, como un área


homogénea que posee características físicas y culturales distintas de las
áreas que la rodean. La Región forma parte del dominio nacional, pero
mantiene un grado de conciencia que define a sus miembros como un grupo

226
humano unitario, con un distintivo sentimiento de identidad cultural.
(STURZO, 1947, p. 16 apud CHIARAMONTE, 2008, p. 10)

Essa definição deixa claro que a região possui uma personalidade própria, em que pese
esteja ela inserida dentro de uma soberania nacional. Nessa toada, seus membros estão
introduzidos em um grupo unitário que carrega um sentimento de identidade cultural,
além de diferenciar-se das áreas vizinhas.

Diante de todo o exposto, percebe-se que a definição de região não envolve um termo
imóvel, existindo sobre ela múltiplas definições. Outrossim, a história regional não deve
atuar como uma comprovação do geral, tampouco ser uma hipótese para explicar o
funcionamento global da sociedade. Contudo, “no podemos proponermos un estudio
regional sin que se nos imponga al mismo tempo la interrogación sobre la naturaleza del
conjunto en el que se integra (CHIARAMONTE, 2008, p. 20), ou seja, a região não
pode ser analisada sem o conjunto onde ela encontra-se inserida.

Por tais razões, a história regional pode construir, portanto, uma alternativa válida para
superar as visões fortemente centralizadas das historiografias nacionais, derrubando,
desta forma, as ditas concepções impostas pela história geral. Além disso, ela pode ser
vista como uma forma alternativa de estudo ante o possível esgotamento dos grandes
temas, devendo seu método e forma de pesquisa estarem presentes no ensino da história.

Referências

AMADO, Janaína. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In: SILVA,


Marcos A. (coord.). República em migalhas: história regional e local. São Paulo:
Marco Zero, 1990.

BOLSI, Alfredo S. C. Geografia e historia regional. 1992. In: CHIARAMONTE, José


Carlos. Sobre el uso historiografico del concepto de región. Estudios Sociales, ano
XVIII, n. 35. Santa Fé, Universidad Nacional del Litoral, segundo semestre de 2008, p.
7−21

CARBONARI, Maria Rosa. Como explicar la región sin perderse en el intento.


Repasando y repensando la História Regional. História Unisinos. São Leopoldo, v. 13,
nº 1, jan./abr. 2009, p. 19-34.

CHIARAMONTE, José Carlos. Sobre el uso historiografico del concepto de región.


Estudios Sociales, ano XVIII, n. 35. Santa Fé, Universidad Nacional del Litoral,
segundo semestre de 2008, p. 7−21.

RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. História regional: dimensões teórico-conceituais. In:


História: debates e tendências. Passo Fundo: Ediupf, v. 1, 1999, p. 15-23.

SANTOS, MILTON. Metamorfosis del espacio habitado. Barcelona: Oikos, 1996.

227
STURZO, L. La regione nella nazione. Roma. 1947. In: CHIARAMONTE, José Carlos.
Sobre el uso historiografico del concepto de región. Estudios Sociales, ano XVIII, n.
35. Santa Fé, Universidad Nacional del Litoral, segundo semestre de 2008, p. 7−21.

VAN YOUNG, E. Haciendo historia regional: consideraciones metodológicas y


teóricas. Anuarios IEHS, 1987, p. 255-300.

VISCARDI, Claudia. História, região e poder: a busca de interfaces metodológicas.


Locus: revista de História. Juiz de Fora, v. 3, nº 1, 1997, p. 84-97.

228
HISTÓRIA PRA QUÊ?
Márcia Cleide Lustosa de Aguiar

Este texto foi baseado nas observações feitas por uma estudante do oitavo período do
curso de Licenciatura em História da UFPI, e as observações que sustentam as ideias e
críticas levantadas aqui foram realizadas durante a disciplina de Estágio Supervisionado
Obrigatório no ensino fundamental, o qual realizei entre os meses de setembro e
dezembro de 2016 em uma escola pública municipal de Teresina.

Durante este período inicialmente procedi observando algumas aulas do professor titular
da turma de 8º do fundamental e só depois iniciei a ministrar as aulas. E foi através
desses contatos com a turma e com o professor que fiz observações dentre as quais
venho aqui apresentar algumas.

Devo dizer que este texto se faz bastante resumido, inclusive por conta das próprias
normas do evento, e que por tanto muitas colocações e discussões importantes não
foram feitas da maneira como deveriam. Também optei por não citar os nomes dos
alunos, do professor e da escola devido essas observações terem sido feitas de maneira
informal durante uma experiência de estágio de uma disciplina obrigatória da
universidade, a qual me exigia uma postura completamente formal.

Por tanto, este texto possui aqui o intuito maior de mostrar algumas das situações reais
que perpassam o ensino da disciplina de história nas escolas públicas de educação
básica e também buscou levantar algumas ideias e críticas a respeito da forma de
introduzir a matéria e abordar os seus assuntos de maneira a argumenta-se que devem
ser incorporadas novas e diferentes práticas de explorar os conteúdos de história para
que os estudantes compreendam melhor a sua importância, se situem dentro dela e
assim tenham vontade de aprender.

História pra quê? Esta pergunta me foi feita certo dia pelos estudantes do 8º do ensino
fundamental da escola pública municipal onde realizei meu estágio docente obrigatório
na cidade de Teresina.

No decorrer do período do estágio durante as aulas os estudantes estavam sempre


inquietos e dispersos e desde o início demonstravam desinteresse pela matéria e pelas
aulas. Até que um dia já na metade das nossas aulas um dos estudantes mais inquietos
olhou para mim e perguntou em um tom descontente e de desdenho: professora, pra quê
estudar história? Não serve pra nada! Fui impactada pela pergunta seguida de uma
afirmação tão forte e descabida. Porém ao mesmo tempo isto não me era uma surpresa,
pois como afirmei eu já havia percebido o desinteresse da turma pelas aulas de história.

Neste ponto, se observarmos a percepção e a concepção que os estudantes têm sobre a


disciplina de história em relação ao que propõe os dispositivos legais que visam orientar
as práticas, os conteúdos e os objetivos do ensino na educação básica percebemos que
existe uma grande disparidade entre o entendimento e os objetivos sociais propostos e a
realidade que encontramos nas escolas.

229
Nos PCNS, por exemplo, afirma-se que no terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental “o ensino de história possibilita o aluno refletir sobre seus valores e suas
práticas cotidianas e relacioná-las com os problemas históricos inerentes ao seu grupo
de convívio, a sua localidade, à sua região e à sociedade nacional e mundial” (PCNS,
1988, p.34).

Isto demonstra a concepção de história contida nos documentos oficiais que buscam
afirmar a sua relevância no processo educativo o qual visa construir sujeitos críticos e
ativos na sociedade.

Nesta perspectiva de entendimento sobre a história observa-se que ela exige que os
estudantes consigam se reconhecer enquanto agentes da mesma, e que compreendam a
sua dinâmica através de noções cognitivas construídas pelo estudante durante o
processo de ensino aprendizagem, noções básicas de diferença e semelhança,
transformação e permanência, etc. De acordo com os PCNS noções básicas como essas
ajudam na identificação, distinção e reflexão sobre as práticas e valores dos indivíduos
em diferentes épocas.

A segunda versão revista da proposta da Base Nacional Curricular Comum lançada em


2016 também afirma a necessidade dos estudantes compreenderem os processos
históricos percebendo os elos existentes com as outras áreas como a Geografia e
Linguagens por exemplo. A Base propõe ainda para os anos finais do ensino
fundamental que sejam incorporados “novos recursos de pesquisa a consulta de fontes e
documentos que circulam em esferas mais ampliadas, inclusive em ambientes virtuais, o
trabalho com diferentes linguagens [...]” (BNCC, 2016, p. 461).

Dessa forma, de maneira geral no 8º ano do ensino fundamental especificamente os


objetivos da aprendizagem na área de história visam de acordo com a BNCC que os
estudantes conheçam processos históricos de formação, compreendam especificidades,
analisem consequências e relações sociais e políticas e etc.

Assim, observando as disparidades existentes entre a percepção real os estudantes sobre


a história a qual muitas vezes constrói uma concepção errônea e negativa da mesma
enquanto área de saber e a concepção contida nos dispositivos oficiais. Percebe-se que
as noções cognitivas que esses sujeitos necessitam construir para compreender a
dinâmica dos processos históricos e assim o significado e a importância da história
precisam ser proporcionadas durante a prática pedagógica por meio de uma metodologia
que aproxime os conteúdos da disciplina da dinâmica real vivida, através de analogias,
levantamento de questões que interessem aos alunos e que possam se relacionar com os
conteúdos. Discutir situações e atos do passado e do presente relacionando-os dentro da
dinâmica histórica, além disso, também o próprio estudo dos dispositivos legais que
orientam os projetos educacionais ajudaria na explicação da função e da importância do
estudo da história nas escolas.

Nesse sentido entendemos que a incorporação de algumas maneiras de iniciar as aulas


de história com a devida explicação de que para que ela serve e abordar os assuntos de
forma dinâmica durante as aulas além de buscar inserir diferentes recursos de pesquisa
como adverte a BNCC, durante as aulas possibilita os estudantes a compreender qual o
sentido dessa área de conhecimento para que estes possam respeitá-la e dar-lhe a devida

230
importância, pois o que pudemos perceber a partir da simples observação das atitudes de
desinteresse dos alunos frente à disciplina durante o período de estágio docente
obrigatório é que o desinteresse desses alunos está ligado ao desconhecimento, um
desconhecimento gerado pela própria forma de ministrar os assuntos.

Logo, através das duas observações das aulas de história ministradas pelo professor
titular antes de assumir, eu pude notar que a metodologia clássica de “ensinar” história
apenas repassando conteúdos apenas repassando fatos e acontecimentos impossibilita
que os estudantes compreendam e aprendam história. Assim, às vezes nos deparamos
com situações como esta, os estudantes não entendem, e querem saber, pra quê estudar
história?

Referências

Parâmetros Curriculares Nacionais: história/Secretaria de Educação Fundamental-


Brasília: MEC/SEF,1988.

BASE CURRICULAR NACIONAL COMUM. 2ª versão revista. MEC, CONSED,


UNDIME. Abril/2016.

231
AINDA PRECISAMOS DEFENDER A HISTÓRIA
COMO DISCIPLINA ESCOLAR?
Márcia Elisa Teté Ramos

Respondendo ao título deste breve texto: sim. E para esta resposta, podemos pensar em
três polêmicos itens interdependentes: Reforma do Ensino Médio; programa Escola Sem
Partido e a Base Nacional Comum Curricular de História. Tais itens nos remetem à
desqualificação da história como disciplina escolar vem acontecendo durante os últimos
anos de várias formas. Por vezes, políticas públicas para a educação e para a
reformulação curricular parecem um “retorno” ao velho com roupagem nova.

1) A Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, altera a Lei de Diretrizes e Bases da


Educação e outras leis da área. Excetuando Língua Portuguesa e Matemática, nenhuma
outra disciplina é obrigatória, isso significa que todas as demais poderão ser (ou não)
ofertadas, conforme os interesses de cada Estado. A lei também informa que a Base
Nacional incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte,
sociologia e filosofia. Nota-se que esses campos não são chamados de disciplinas e na
verdade não serão obrigatórias, pois poderão ser diluídas em outras disciplinas, assim
como geografia, história e química, que também ficarão diluídas nos itinerários
formativos.

2) Outro ponto importante é o conservadorismo presente nas discussões circulantes na


sociedade que tomam disciplinas como sociologia, filosofia e história (também artes e
português) como passíveis de “doutrinação ideológica”. O programa Escola Sem
Partido tomou forma e se intensificou rapidamente, e no site oficial, o movimento diz
se preocupar "com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras",
e afirma que "um exército organizado de militantes travestidos de professores
prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para
impingir-lhes a sua própria visão de mundo".
(http://www.programaescolasempartido.org/).

3) A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de história causou controvérsias devido


aos recortes temáticos selecionados em sua primeira versão. Em especial, criticava-se a
suposta retirada de História Antiga e de História Medieval como conteúdos ensináveis,
e por isso mesmo, procurou-se em uma segunda versão, recuperar as temáticas
“perdidas”. A Base partia da História do Brasil, ou seja, da realidade do aluno, para
compor os conteúdos históricos, quebrando a história tradicionalmente aceita, baseada
na cronologia, no eurocentrismo e na divisão quadripartite. Na segunda versão, esta
tradição é retomada.

Todas estas discussões envolvem o currículo de história. Goodson acredita que existem
“diversos campos e níveis em que o currículo é produzido, negociado e reproduzido”, o
que exige do historiador um “projeto da reconceptualização alargada dos estudos que o
tomam como objecto de análise” (GOODSON, 2001, p. 52). Além de concluir que o

232
currículo é, como construção social, elaborado e processado em uma diversidade de
áreas e níveis, na prescrição, na prática, no discurso (GOODSON, 1995, p. 187), o autor
visualiza os embates pela representação e/ou significação nos diferentes lugares de
currículo, ou seja, entende que a seleção dos saberes ensináveis é gerada em um
processo conflituoso que envolve relações de poder. Os discursos sobre a reforma do
Ensino Médio, a Escola Sem Partido e a BNCC soam como voz da inovação,
atualidade, mudança e modernização. Entretanto, concorda-se, neste texto, com
Goodson, o qual se preocupa com o movimento de inovação-perduração que ocorre nos
momentos de reformas educacional-curriculares e infere que devmos reconhecer o peso
das continuidades no movimento histórico (GOODSON, 1995, p. 09-10). Assim,
elencamos algumas permanências:

1) A ideia de Estudos Sociais parece perdurar. As mudanças curriculares no ensino de


1º e 2º graus por intermédio da Lei nº. 5692 de 1971 se assemelham às políticas de
desqualificação, aligeiramento, ou diluição da história como disciplina escolar. A
disciplina de Estudos Sociais foi organizada e adotada no 1º grau, conglomerando os
conteúdos de geografia e história, os quais poderiam ser ministrados por professores
formados pela licenciatura curta ou licenciatura longa em curso específico de Estudos
Sociais.

2) A ideia de moralizar o ensino de história: A Educação Moral e Cívica (EMC)


estruturada pelo Decreto-Lei nº 869 de 1969, como atividade didática e disciplina
escolar forneceria no artigo 2º uma espécie de síntese de quais seriam as finalidades
morais que deveriam reger esta e outras disciplinas como Estudos Sociais. Destacamos:
a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso; a
preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da
nacionalidade; o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições, e aos grandes
vultos de sua história; o aprimoramento do caráter, com apoio da moral, na dedicação à
família e à comunidade; o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da
integração na comunidade. (SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA
EDUCAÇÃO, 1976, p. 135).

Esta legislação nos parece muito próxima aos princípios do programa Escola Sem
Partido. Os projetos de lei deste programa pretendem delimitar a atuação dos
professores, impedindo que estes promovam suas próprias crenças (políticas, religiosas
e sobre gênero) em sala de aula, que incitem estudantes a participarem de protestos e
que critiquem os alunos que pensem de forma distinta. Além disso, o projeto firma o
direito dos pais de escolherem como será o ensino de religiões distintas das suas. Ao
transferir a escolha para os pais do conteúdo a ser ensinado, restringe-se a escola como
espaço de elaboração de conhecimento fundamentado. No caso da função da
aprendizagem histórica, relaciona-se à compreensão histórica do Outro, ou na
multiperspectividade, como fator de construção de uma sociedade democrática.
Entender o processo histórico, no curso do tempo, seria construir e reconstruir
identidade(s) – a consciência de si –, na relação com o “Outro” – a alteridade –,
estabelecendo “um quadro interpretativo do que experimenta como mudança de si
mesmo e de seu mundo...” (RÜSEN, 2001, p. 58).

3) a ideia de que a educação é sinônimo de empregabilidade. No caso do Brasil,


durante o regime civil-militar, intensificou-se a noção de que a escolarização

233
significaria para o indivíduo a possibilidade de emprego, mais renda e mobilidade
social, e para a sociedade a promoção e o crescimento econômico que poderia ser então
usufruído por todos. A partir do princípio da neutralidade científica, da racionalização e
produtividade, procurava-se reordenar o processo educativo visando torná-lo objetivo e
operacional (OLIVEIRA, 1998, p. 110). A partir dos PCN, no discurso educacional
tornou-se comum exibir a insatisfação em muitos países relacionada a uma escola que
estaria em crise por não viabilizar a formação do sujeito condizente com as novas
exigências da realidade “globalizada” e por, supostamente, desperdiçar o erário público
sem conseguir bons resultados, o que faria com que a racionalização empresarial
encontrasse pronto assentimento ao postar a excelência das organizações, instituições e
indivíduos.

Quanto à BNCC, também podemos ver estes objetivos educacionais ligados à uma
mentalidade empresarial, privada. Há o objetivo de melhorar o índice do IDEB até 2022
(que contabiliza fluxo escolar e desempenho) através dos exames para cumprir
parâmetros internacionais (UNESCO, Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, Banco Mundial e FMI). Mas também há, para o autor, objetivos vinculados
à grupos privados ou para uma qualificação do trabalho e/ou produção de materiais
didáticos (Fundação Lemann, Instituto Inspirare/PORVIR; Instituto Península da
família Abílio Diniz; movimento empresarial Todos pela educação; REDUCA parceria
do Banco Interamericano de desenvolvimento; etc.). As editoras de livros didáticos
também têm suas demandas, principalmente no que diz respeito em não mudar a forma
como vem apresentando o conhecimento histórico até o momento, pois a mudança
poderia acarretar em muito investimento.

4) a ideia de que as disciplinas escolares não têm especificidade. A disciplina de


Estudos Sociais era pensada também através de elementos da esfera didático-
pedagógica, que apregoava uma configuração mais global de currículo ligada aos
“Projetos de Ciência Integrada”. A construção do conhecimento seria vista em sua
interdisciplinaridade, o que não pressupunha o entendimento sobre as correlações
existentes entre os campos científicos, mas sim, o privilégio dos métodos, considerados
válidos para qualquer aprendizagem e domínios da ciência. Esses métodos uma vez
apreendidos, produziriam uma espécie de capacidade geral, seja para a área de Ciências
Naturais, seja para a área de Ciências Humanas (BITTENCOURT, 2000, p. 132-133).

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais se procura separar no Ensino Médio, as


disciplinas escolares em três grandes áreas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas
Tecnologias. Na atual reforma do Ensino Médio: linguagens e suas tecnologias;
matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências
humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. Desta forma, a disciplina
escolar, no caso, de história, perde sua especificidade, que entre outras características,
seria o uso escolar da fonte histórica. Para Peter Lee, a literacia histórica demanda um
“compromisso de indagação” com as “marcas de identificação” da história, como
“passado”, “acontecimento”, “evento”, “causa”, “mudança”, etc., “o que requer um
conceito de evidência” (LEE, 2006, p. 136).

Após a reforma do Ensino Médio em que a disciplina de história torna-se supostamente


facultativa, a polêmica, as manifestações, inclusive por parte da ANPUH foram tímidas.

234
Em nota, a ANPUH recorre no primeiro parágrafo ao argumento de que a história como
disciplina escolar deve permanecer pois existe desde o século XIX. É então a tradição
da disciplina que é ressaltada, sem “defesas” argumentadas de forma mais
fundamentada. Enquanto se pensava que alguns conteúdos estivessem subsumidos,
houve amplo debate, mas quando a disciplina escolar de história severamente
desprestigiada, não houve reação à altura. Desta forma, vamos concordando com a
“modernização conservadora”.

Referências:

BITTENCOURT, Circe.. Propostas curriculares de história: continuidades e


transformações. In BARRETO, Elba Siqueira de S. (Org.). Os currículos do ensino
fundamental para as escolas brasileira. 2 ed. Campinas, SP: Autores Associados; São
Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2000.

GOODSON, Ivor. História del Currículum. La construccion social de las disciplinas


escolares. Barcelona: Ediciones Pomares-Corredor, S. A.1995.

GOODSON, Ivor. O currículo em mudança. Estudos na construção social do currículo.


Lisboa: Porto Editora, 2001.

LEE, Peter. Em direção a um conceito de literacia histórica. Educar em Revista.


Especial. Dossiê: Educação Histórica. 2006.

OLIVEIRA, M. A. M. Escola ou empresa? Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica.


Trad. Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2001.

SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA EDUCAÇÃO. Diretrizes e Bases


da Educação Nacional: documentos básicos para implantação da reforma do ensino de
1º e 2º graus. São Paulo: Imprensa oficial do Estado de São Paulo, 1976.

235
REFLEXÕES NECESSÁRIAS EM TEMPOS
SOMBRIOS: A DISCIPLINA HISTÓRIA E O SEU
LUGAR NA ESCOLA
Manoel Caetano do Nascimento Júnior
Graziella Fernanda Santos Queiroz

Apontamentos iniciais

A área de estudo referente ao ensino de história cresceu potencialmente nos últimos


anos. Linhas de pesquisa em programas de pós-graduação aliado a grupos de estudos da
área tem produzido um número significativo e diverso de materiais que os eventos e as
publicações, como por exemplo, as apoiadas pela ANPUH revelam. Somente para o
Encontro Nacional de História, previsto para o ano de 2017, cerca de nove simpósios
temáticos darão enfoque aos trabalhos direcionados ao campo do ensino de história. Um
esforço dos organizadores de tal empreitada no intuito de fazer circular ideias e apontar
saídas aonde ainda há lacunas, para daí poder proporcionar a quem realmente precisa, os
alunos e alunas da educação básica por meio dos seus professores, aulas eficazes e que
possam servir de maneira a legar ferramentas aos discentes para que se posicionem e
façam intervenções diante do mundo circundante.

No entanto desde 2015, quando veio a público as formas preliminares de Base Nacional
Comum Curricular, a disciplina de História convivi com incertezas e questionamentos.
Primeiramente pelas imprecisões dos documentos curriculares que não conseguem
refletir concisamente os conteúdos e métodos necessários aos anseios contemporâneos;
segundo pelos diversos olhares que se digladiam para instituir o que é mais relevante de
ser ensinado na educação básica – o consenso é algo distante em tais diálogos (ABREU,
2016; MORENO, 2016).

Propostas curriculares na atualidade são muito comuns em diversos países. O apressado


tempo, guiado pelo desenvolvimento tecnológico, e as incertezas provocadas por esta
contemporaneidade “precária” transformam os projetos educacionais de longo prazo em
algo que deve sofrer uma série de reflexões. “No mesmo caminho, os países estão
constantemente repensando sua História e, por conseguinte, o espelho identitário que
projetam” (MORENO, 2016, p. 9).

Mas para preocupar ainda mais a situação da História em ambiente escolarizado o


Governo vigente decidiu abrir mão das contribuições deste campo do saber ao ensino
médio ao excluí-lo, através da Medida Provisória nº 746 de 22 de setembro de 2016 que
acabou se convertendo na Lei nº 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, do currículo
obrigatório.

236
As supracitadas ações perpetradas pelos representantes de nossa democracia revelam
que tipo de cidadão se tem o intuito de formar e legitimar pela escola e, nas leituras de
tais propostas, as Ciências Humanas são apêndices do propósito de obter mão de obra
técnica especifica para o trabalho industrial/empresarial. O cidadão crítico-reflexivo,
aquele eivado de perguntas sobre o seu status quo parece perder força nos avanços dos
tramites político-educacionais na atual conjuntura e, não é por acaso, nem a primeira
vez, que essas ideias são perpetradas.

Ao desobrigar-se de ensinar história aos alunos que necessitam da educação básica,


através da escola pública, o Governo nos deixa pistas para questionar o porquê de tal
direcionamento. Nessa perspectiva cabe pensar quem pode continuar a refletir a partir
da história?

A disciplina tendo seus momentos de avanços e recuos permaneceu acompanhando a


educação básica desde seus momentos iniciais no século XIX e, assim, foi
demonstrando ser um saber próprio da cultura escolar tendo seus objetivos, métodos e
conteúdos bem estabelecidos (BITTENCOURT, 2009, p.34). Mas, justamente em um
momento de avanço da produção, através de projetos feitos às pressas a disciplina é
caçada, retirada das orientações curriculares para o ensino Médio, desrespeitando assim,
as preocupações de diversos pesquisadores, estudiosos e de pessoas esperançosas que
durante anos tem se dedicado em oferecer o melhor para os alunos. Além de
negligenciar as aprendizagens que a história pode legar, desvaloriza anos de discussão
que a constituíram e a consolidaram como disciplina escolar.

Apontamentos: o ensino de história no século XXI

Nem sempre o ensino foi pensado de forma tão marcante como na virada do século XX
para o XXI, e nem tido tanto relevo e visibilidade como na atual conjuntura. Atualmente
vemos diversas discussões entorno do ensino. O ensino de História, como de costume,
parece chamar mais atenção. Discussões infindáveis procuram norteá-lo. As revisões
são feitas aos montes e novas metodologias procuram desfazer uma cultura que fincou
os pés por muito tempo nas salas de aula. Como aponta Lima (2009):

O campo da História tem passado por grandes transformações nos últimos


quarenta anos, com a multiplicação de objetos, problemas e o surgimento de
novas abordagens. Essa ampliação foi acompanhada pela proposição de
novas abordagens do ensino de História que faziam frente à concepção
tradicional já instaurada há mais de 100 anos nas salas de aula (LIMA,
2009, p.44, grifo nosso)

Mas a possibilidade das novas propostas ao ensino e, marcadamente no de História, só


foram possíveis pelas transformações efetuadas nas últimas décadas que articuladas aos
câmbios sociais, políticos, econômicos e educacionais, buscam acesso, dinamização,
atender a pluralidade e ter significado ao que antes era feito para poucos, de uma forma
pouco flexível e geralmente opaco.

237
Discutir o ensino de História, no século XXI, é pensar os processos
formativos que se desenvolvem em diversos espaços e as relações entre
sujeitos, saberes e práticas. Enfim, é refletir sobre modos de educar
cidadãos numa sociedade complexa, marcada por diferenças e
desigualdades (FONSECA, 2012, p. 20).

Logo, educar com o ensino de História hoje é tentar mostrar diversas vertentes, colocar
os sujeitos diante de alternativas significativas. Enfim, é refletir sobre como caminhar
para atingir ao, cada vez mais numeroso, quantitativo de alunos que adentra as carteiras
escolares. E, indo além, é tentar proporcionar um ensino que equipare, que dê
oportunidade e assim como descreveu Goodson (1995, p. 91) possa fazer até aqueles
mais desafortunados, marginalizados e que tenham uma vida de trajetória humilde
demonstrar ideias e respostas para os desafios do ensino e da vida em sociedade e ser
tão brilhante, quanto aqueles que possuem classe social elevada e privilégios de berço.

Considerações

Infelizmente, esses objetivos e essas transformações que são pedidas para atender a
diversidade de grupos soam estranho a políticos que se acostumaram com um ensino
para poucos e que estão incomodados com a infiltração de outros segmentos sociais no
meio da cultura letrada. Isso lembra tempos ainda no Império brasileiro em que se
ensinava através do currículo humanista clássico e em que apenas os “homens da Escol”
– os indivíduos de destaque social – eram formados para refletir e criar através de
disciplinas como a História. Será que é um movimento saudosista? (MANOEL, 2012,
p. 1).

O ensino de História já foi instrumento de formação de e para uma elite, já foi modelado
para formar o homem patriótico e já foi resumido no período da Ditadura-Militar para
que fosse esvaziado de sua potência formativa e crítica. No entanto ele resistiu e, assim
como nos dizeres de Apple (1999, p. 47) não foi raro encontrar pessoas que tentaram
produzir atividades contra-hegemônicas. Esses agentes deixaram lições e mostraram a
relevância dessa disciplina para além dos cortes que muitas vezes tentaram perpetrar.

Partindo da reflexão do professor Michel Zaidan Filho da UFPE podemos dizer que a
história é “vida e não um cadáver embalsamado para a contemplação de eruditos”.
Venceu o tempo e conviveu com momentos de recuos, hoje vive uma nova dinâmica e
tenta através do ensino mostrar como ela é viva e de como reflete “nossas utopias, dos
nossos sonhos, dos nossos projetos de alteridade” e de como deixou de ser apenas a
narração da história do vencedor. “Essa história nenhum avicultor poderá matar ou
suprimir. Pode reescrever ao sabor de suas conveniências políticas. Mas ela sempre
viverá, como ideia reguladora, a guiar o ideal de justiça, de beleza, de verdade dos
homens e mulheres de boa vontade” (ZAIDAN FILHO; PEIXOTO, 2017).

238
Referências

ABREU, Martha. Parecer sobre a BNCC: Componente Curricular HISTÓRIA. 2016.


Prof. Titular do Departamento de História da UFF e Pesquisadora do CNPq. Disponível
em:<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/relatoriosanaliticos/pareceres/
Martha_Abreu.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2017

APPLE, Michael W. Repensando ideologia e currículo. In: MOREIRA, Antonio Flávio;


SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, Cultura e Sociedade. 3. ed. São Paulo: Cortez,
1999. Cap. 2. p. 39-57.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.


São Paulo: Cortez, 2009, p. 408

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História. 13. ed.


Campinas: Papirus, 2012 p. 443.

GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995. 140 p.

LIMA, Maria. As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino de


História. Fronteiras, Mato Grosso do Sul, v. 11, n. 20, p.43-57, jul. 2009.

MANOEL, Ivan A. O ensino de História no Brasil: do colégio Pedro II aos


Parâmetros Curriculares Nacionais. 2012. Elaborado pelo professor Dr. da Unesp.
Disponível em:
<https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/46194/1/01d21t11.pdf>. Acesso
em: 23 jan. 2017.

MORENO, Jean Carlos. História na Base Nacional Comum Curricular: déjà vu e novos
dilemas no século XXI. História & Ensino, Londrina, v. 22, n. 1, p.7-27, jan/jun, 2016.
Semestral.

ZAIDAN FILHO, Michel; PEIXOTO, Moisés. Michel Zaidan Filho: o fim da


História?. 2017. Doutor em História. Disponível em:
<http://blogdojolugue.blogspot.com.br/2017/02/michel-zaidan-filho-o-fim-da-
historia.html?spref=fb>. Acesso em: 05 mar. 2017.

239
QUESTÕES HISTÓRICAS REFERENTES ÀS
FACETAS DA EDUCAÇÃO E TRABALHO
Maria Camila Fernandes de Macêdo Silva

Busca-se nessa escrita demonstrar as discussões que envolvem o Trabalho junto a


Educação, incluindo a Educação Profissional que foi e continua sendo discriminada.
Nesse texto decorrem as fundamentações das afirmações de Frigotto (2002) e
Weermelinger, Machado, Filho (2007) e Saviani (2007) sobre as que permeiam
historicamente a educação e trabalho.

Através das exposições do autor Saviani (2007) o mesmo explicita que Trabalho e
educação são atividades especificamente humanas. Através disso, percebemos que
apenas o ser humano trabalha e educa. O homem possui características que lhe
permitem trabalhar e educar. Trabalho e educação são considerados atributos essenciais
do homem, sabemos que isso são elementos imprescindíveis para a natureza humana. A
educação profissional, que é caracterizada por um tipo de educação destinada àquelas
pessoas que são consideradas possuidoras de capacidade intelectual, econômica e social,
insuficientes para prosseguir nos estudos. As duas dimensões são o ser humano no
sentido de ser histórico-natural, e a segunda dimensão da centralidade o princípio
educativo do trabalho. O processo de alienação que acontece através do salário. A
drástica diferença entre o Brasil e os países Centrais, sobre o Estado brasileiro não
cumpri minimamente as suas obrigações. E por fim, veremos as questões que são
referentes à educação questões que permeiam historicamente a Educação e Trabalho.

A educação profissional historicamente foi e continua sendo discriminada por uma


grande parcela da sociedade. A mesma é caracterizada por um tipo de educação
destinada à população considerada como não possuidora de capacidade intelectual,
econômica e social, insuficientes para prosseguir nos estudos.

Os técnicos eles se tornam profissionais indispensáveis podemos dizer que ele é quem
faz o trabalho mais pesado da profissão, como exemplo o técnico de enfermagem que
nos hospitais é quem aplica injeção, prepara os remédios, faz limpezas de cortes, e o
enfermeiro fica mais na parte da chefia.

Quando citamos a área da saúde como exemplo de educação profissional é em razão das
especificidades e peculiaridades que caracterizam o trabalho em saúde que diz respeito
como cita Wermelinger (2007) Machado (2007) Filho (2007) sobre a preservação da
existência humana, penso que seja dessa maneira que os autores defendem que essa luta
constante pelo cuidado com a vida, para evitar riscos a saúde e a qualidade de vida do
ser humano, e esse convívio, de permanência e oposição contra a morte.

A formação de recursos humanos para o setor constitui-se em lócus privilegiado de


estudo das variáveis-políticas, econômicas, sociais e culturais que permeiam a educação
profissional de nível médio em nosso país. Os autores Wermelinger (2007) Machado
(2007) Filho (2007) citam que a função da educação se torna mais importante na

240
preparação da força de trabalho, uma vez que as habilidades requeridas do novo
trabalhador são muito relacionadas com aquelas desenvolvidas na escola, isto é,
responsabilidade, capacidade abstração, de resolver problemas, de trabalhar com
símbolos e compreensão de textos abstratos entre outras.

Frigotto (2002) cita Marx (1982) em seu artigo discute que nesse sentido, para Marx, o
trabalho assume duas dimensões distintas e sempre articuladas: trabalho como mundo
da necessidade e trabalho como mundo da liberdade. O 1º está ligado ao ser humano no
sentido de ser histórico-natural, o mesmo produz os meios da manutenção de sua vida
biológica e social. Na segunda dimensão como diz Marx (1982) cita Frigotto (2002) a
segunda dimensão da centralidade o princípio educativo do trabalho deriva de sua
especificidade de ser uma atividade necessária, desde sempre a todos os seres humanos.
O trabalho constitui-se, por ser elemento criador da vida humana, num dever e num
direito. Um dever a ser aprendido, socializado, desde a infância. Trata-se de apreender
que o ser humano como ser natural necessita elaborar a natureza, transformá-la, e pelo
trabalho extrair delas bens úteis para satisfazer as suas necessidades vitais e
socioculturais. Uma expressão que no dizer de Gramsci, espécies de mamíferos de luxo,
que acham natural viverem do trabalho e da exploração dos outros.

Frigotto (2002) cita Marx onde o autor mostra através da história que há mais de um
século e meio, que até hoje os seres humanos vivem a pré-história das sociedades de
classe, em que grupos ou classes dominantes escravizam ou alienam os demais grupos
ou classes.

A partir do século XVIII, em alguma ou quase todas as sociedades, o capitalismo vêm


se destacando e regulando as relações sociais existentes. Esse modo de produção como
diz Frigotto (2002) Foi se estruturando em contraposição ao modo de produção feudal, e
que se caracteriza pela acumulação de capital, mediante o surgimento da propriedade
privada da Abolição da escravidão já que era fundamental dispor de trabalhadores
duplamente livres, ou seja, de não proprietário de meios e instrumentos de produção e
tampouco de propriedades de senhores ou donos.

A partir da relação social assimétrica citada por Frigotto (2002) é que surge o
trabalho/emprego que é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado ele vai ser
caracterizado como um divisor, pois através dessa forma de pagamento vai se tornar
possível a acumulação e a riquezas de poucos, mediante assim a exploração e alienação
do trabalhador. Nessa realidade do trabalho assalariado a ideologia do capitalismo
produz uma imagem positiva para o trabalho explorado fazendo também que esse
trabalho tenha um critério de julgamento Moral. Frigotto (2002) explica bem essa
questão pessoa confiável é aquela que não é vadia, que trabalha e que não fica a toa. A
afirmação do trabalho como algo nobre e positivo é fundamental à nova ordem social
capitalista. Trata-se de uma maneira de forçar o trabalho a empregar-se e a submeter-se
à exploração e alienação.

Frigotto (2002) dar o conceito de alienar e logo após o autor dar exemplos desse modo
que vem fazendo o homem como propriedade de mercado aonde o mesmo perde o
controle sobre o produto de seu trabalho.

241
Alienar é uma palavra que vem do latim e significa transferir a outrem o seu direito de
propriedade. A existência de proprietários particulares dos meios e instrumentos de
produção de um lado, e de milhões de pessoas que apenas possuem sua força de
trabalho para vender, de outro, produz uma situação que permite a exploração e
superexploração dos trabalhadores. O trabalhador é alienado ou perde o controle sobre o
produto de seu trabalho (que não lhe pertence) e do processo de produção. Transforme-
se em mercadoria a força de trabalho.

O processo de alienação acontece através do seu salário, esse dinheiro ou recompensa


dada ao empregado é apenas uma parte do tempo pago pelo o que produziu como cita
Frigotto (2002) A outra parte fica com quem empregou o trabalhador. Parte do seu
esforço, que tem como resultado mercadorias ou serviços é, então, alienada. Ou seja, é
apropriado pelo empregador. O que mascara esta exploração é a sua legalização pelo
contrato de trabalho.

Ao pensarmos nessa construção através da história, como cita Frigotto (2002) não é por
acaso que a ideologia capitalista tem historicamente enfatizado a primeira dimensão a
da individualidade reduzindo ao individualismo. Essa falsa ideia individualista, que faz
os cidadãos pensarem que se alguém acumula bens e é rico, o é por mérito individual,
pelo seu trabalho e esforço ou se é pobre, é por falta de dedicação e de esforço. E
continua Frigotto (2002) a denominada teoria do capital humano e, mais recentemente,
da qualidade total das competências, e da empregabilidade constituem-se por excelência
no credo ideológico que afirma a visão individualista e falseadora da efetiva realidade.
Desmontar essa ideologia é um ato educativo e ético-político fundamental.

Podemos perceber ao longo de nossa história os sindicatos e partidos se organizando,


para se eliminar essa exploração do trabalho, percebemos que essa situação teve
melhoras, mas pouca. Através desse período houve lutas dos trabalhadores, a pauta em
defesa dos direitos que todo trabalhador deveria ter minimamente, e que era negado
constantemente. No texto de Frigotto (2002) apud Hobsbawm (1995) Mostra o cenário
nos séculos XIX e XX que foi marcado por revoltas lutas e guerras.

Portanto, a preocupação da constituição de uma sociedade que integra os trabalhadores,


só se deu a partir da primeira Guerra Mundial. Mas não se constituiu na preocupação de
um bem estar para os trabalhadores, tinha um interesse por trás disso, a estratégia de
controlá-los.

Referências

FRIGOTTO, Gaudêncio. CIAVATTA, Maria (orgs). A Experiência do trabalho e a


educação básica. Rio de Janeiro: DP & A, 2002.
SAVIANI, DERMEVAL. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos.
Revista brasileira de educação v.12 n.34.2007.
WERMELINGER, Mônica. MACHADO, Maria Helena. FILHO, Antenor Amâncio.
Políticas de educação profissional: referências e perspectivas. Ensaio:
aval.pol.públ.Educ., Rio de Janeiro,v. 15, n.55,p.207-222,abr/jun.2007.

242
EDUCAÇÃO ESCOLAR E ENSINO DE HISTÓRIA
NO BRASIL: ENTRE PERMANÊNCIAS E
MUDANÇAS
Maria Dalva da Conceição

Para analisar e refletir sobre a importância do ensino de história no Brasil, nos dias
atuais, é primordial conhecermos a história de sua constituição enquanto matéria e
conteúdo escolar, entendendo e percebendo-a também como construção humana,
resultado de processos e contextos históricos; e portanto, sua produção e seu ensino
estiveram e estão também relacionados a tempos e espaços, e como tal, são
condicionados ou influenciados por constantes processos de construção/reconstrução,
reconstituição, formação e reformulação.

Segundo Fonseca (2003), no Brasil, o estabelecimento, a construção e o ensino de uma


história oficial se dá a partir da segunda década do século XIX, pós independência , e
fundamentada no contexto histórico da necessidade de manter e consolidar a
configuração de Estado-nação que o Brasil acabara de adquirir, procurando conferir ao
povo desse território uma ideia de unidade, um sentimento de nacionalidade e
pertencimento até então inexistentes, dadas as enormes diferenças regionais e conflitos
que assolavam o Brasil e ameaçavam a unidade territorial desde o século XVIII.

Neste momento, construir a ideia de unidade nacional, significava definir quais


memórias e elementos deveriam fazer parte e ser impressos no sentimento de
nacionalidade , o que provocou processos de escolha, seleção de temas e formas de
abordagens, bem como a exclusão de diversos elementos que também eram
constitutivos da população desse território; dentre os elementos a causarem mais
preocupação e a serem silenciados ou apagados nesse processo estavam as contribuições
ou presenças negras na história.

O estabelecimento da história enquanto disciplina escolar se deu também em meio a


embates políticos e ideológicos a respeito de qual o papel e a função social da educação
formal, e sob um panorama de exclusão social e política que se refletiu também nas
definições dos objetivos da educação e do ensino história.

O pensamento liberal do século XIX definia o papel da educação no sentido


da formação do cidadão produtivo e obediente às leis mesmo quando
impedido de exercer direitos políticos. A conformação do individuo à vida
civil passaria, assim, pela estruturação de um sistema de educação nacional,
controlado pelo Estado e unificado em seus pressupostos pedagógicos, em
seus programas e em seus currículos (Fonseca,2003 p.44).

243
Nesse contexto, a educação foi tida como fator primordial para consolidação de
preceitos de civilidade, desenvolvimento e progresso, mas ainda não como obrigação do
Estado, nem direito extensivo à toda a população, assim inicialmente a educação foi
pensada como algo para às elites, que visava não eliminar, mas manter e justificar as
imensas desigualdades sociais existentes no país.

Conforme Fonseca (2003) nos permite afirmar, o Estado sempre foi o centro das
definições educacionais e políticas, dos conteúdos e ideais norteadores da educação
como um todo, tendo também suas ações sido influenciadas pelos preceitos do
cristianismo católico, um legado da forte presença da Igreja Católica no Brasil desde o
período colonial, tendo sido inclusive os jesuítas responsáveis pela criação das
primeiras escolas, em decorrência disto, a primeira lei educacional brasileira de 1827,
dizia que a educação e o ensino deveria ser baseado nos princípios da moral cristã
católica.

Portanto, no Brasil a educação escolar e o ensino de história nascem profundamente


ligados aos interesses da Igreja católica e do Estado, o que de certa maneira pode ser
percebido até o presente, pois embora a atual Constituição apregoe a laicidade do
Estado, vê-se que os preceitos do cristianismo católico predominaram e talvez ainda
predominem, em grande parte das escolas públicas e privadas do país, o que em si não
constituiria problema algum, se isto não representasse a manutenção do preconceito,
discriminação e exclusão de outras matrizes religiosas também presentes no nosso país.

Isto é um dos fatores que evidenciam a sobreposição dos elementos culturais de herança
europeia, denotando que sempre houve uma preocupação em silenciar os elementos
“indesejáveis” da história de formação do povo brasileiro.

Do século XIX até a década de 30 do século XX essas elites colocaram a


questão da identidade no centro de suas reflexões sobre a construção da
nação, o que as levou a considerar detidamente o problema da mestiçagem,
visto na perspectiva mais preocupante, isto é, aquela que envolvia a
população afro-brasileira (FONSECA, 2003, p. 46)

Baseada nos interesses do Estado e de seus grupos dirigentes, ao longo de toda a sua
história de formação e afirmação enquanto disciplina, a questão da formação de uma
identidade nacional hegemônica, ou, unitarista, sempre foi predominante; as definições
e delimitações de sujeitos e conteúdos, aos quais ela daria, ou não fala, sempre ocorreu a
partir de interesses e de lugares sociais de poder, do Estado, da religião, das elites
politicas e econômicas, e dos ideais que esses lugares e postos de poder definiam como
o ideal de indivíduo e sociedade que se pretendia formar.

Estes objetivos buscados ao longo século XIX, se mantiveram no inicio do século XX,
mesmo após o advento da república, pouca coisa, ou, quase nada mudou quanto a
concepção dos objetivos fundamentais da história por parte do Estado.

A partir da chamada Era Vargas (1930- 1945), a constituição passou a reconhecer a


educação como dever do Estado, todavia, as possibilidades e a acessibilidade das
camadas mais populares a esse direito não eram garantidas, e o modelo e os objetivos de
ensino aos quais à história servia eram voltados para o disciplinamento do individuo, às

244
necessidades do momento que o país atravessava, a idealização do cidadão trabalhador e
conformado à sua realidade política e social.

As características desse período, perduraram até a década de 1960 e foram ainda mais
aprofundadas a partir do Regime Militar (1964-1985), onde a ideia de uma consciência
cívica e de patriotismo estavam profundamente ligadas à uma exaltação patriótica que
dispensava qualquer forma de questionamento à ordem e aos governos vigentes.

Nesse sentido, a produção historiográfica brasileira, seu ensino escolar sempre


estiverem carregados de intencionalidades político-ideológicas relacionadas a grupos
dominantes, e assim coube a história o papel de disciplina fundamentadora ou criadora
de sentidos, sentimentos de identificação e pertença, que nunca porém, incluía , dava
voz ,ou, espaço na escrita e nos debates, para todos os indivíduos .

Os grupos que sempre definiram, os projetos de identidade, memória coletiva,


delimitaram quais memórias, sujeitos e fatos, deveriam ser impressos nas histórias
oficiais e nas memórias coletivas, a perspectiva metódica positivista, da história
centrada em figuras d lideranças heroicas simbolizadoras da unidade e dos sentimentos
que se desejava incutir na população.

Porém, as mudanças políticas nacionais e globais, assim como embates teórico-


metodológicos, processados ao longo do século XX também incidiram sobre a educação
e seus objetivos, sobre as razões de ser das disciplinas escolares também, assim, muitos
fatores tem contribuído para reflexões e mudanças na elaboração, definição de
conteúdos e práticas de ensino de história

Na atualidade, sob a orientação do PCNs, que também podem ser encarados como
reflexos das mudanças que ocorreram na concepção de educação como um todo, e de
contextos de mudanças políticas nacionais e globais, percebemos uma tentativa de
reformulação da ideia de identidade nacional, de maneira que ela englobe e inclua
elementos que antes eram negligenciados, está posto que o ensino de história deve ser
voltado para o exercício pleno da cidadania, para a valorização das diversidades, e a
conformação de uma identidade nacional baseada em um multiculturalismo.

Assim a produção e o ensino de história no Brasil, desde meados do século XX pelo


menos, é terreno de intensas disputas ideológicas que talvez hoje sejam mais intensas,
pois todas as mudanças que se processaram na historiografia ao longo do século
passado, refletiram também nos conteúdos e práticas pedagógicas para o ensino de
história.

Mudanças que deram voz e fizeram emergir inúmeros sujeitos antes silenciados e
submetidos à falsa ideia de homogeneidade harmônica, que hoje está em declínio, pois
os negligenciados ou silenciados estão disputando cada vez mais ativamente, os espaços
de fala e registro, que durante tanto tempo lhes foram negados.

O que está evidenciado na luta das populações negras, dos indígenas, das mulheres, dos
trabalhadores, para conquistarem e demarcarem espaços, e não mais simplesmente
submetidos a leituras que só os incluem de forma passiva, mais lhes negam fala.

245
A partir de meados dos anos 70 e por toda a década de 80, assistimos à
emergência dos movimentos sociais populares, protagonizados pela
mobilização dos trabalhadores, mulheres, negros, índios, homossexuais
etc., que, até hoje, reivindicam para si o alcance e o exercício dos direitos
de cidadania e a participação politica no processo decisório nacional. Esses
movimentos colocam na ordem do dia o interesse pelo “resgate” de sua
memória, como instrumento de luta e afirmação de sua identidade étnica e
cultural (Oriá,1995,p. 129).

Influenciada pelas mudanças que ocorreram nas formas de pensar e produzir da


historiografia ocidental, assim como pelos contextos e as mudanças políticas nacionais,
o ensino de história no Brasil sofreu mudanças significativas, mas podemos afirmar que
tanto os conteúdos escolares quanto os conhecimentos produzidos na academia, ainda
conservam muito de suas bases e interesses iniciais.

Isso podemos constatar, por exemplo, ao analisar o quanto a perspectiva da história


factual e centralizada a partir da ação e protagonismos individuais ainda permanece na
produção da história dos livros didáticos e no ensino escolar.

E para isto contribuem as práticas de professores em salas de aula , os conteúdos que


selecionamos e como lidamos com eles durante a transposição didática, pois são
fundamentais para a consolidação dos saberes e memórias coletivas instituídas como
valorosas para uma nação, ou para seu questionamento, caso julguemos que as falas e
saberes privilegiados pelos órgãos e instituições que sempre os definiram, deixaram e
deixam de lado, inúmeras falas, sujeitos e memórias, que não se enquadravam ,ou, não
interessavam aos grupos e instituições definidoras do que era e é, valoroso para a
sociedade.

Portanto, no Brasil a grande questão ou embate ainda seja o de romper verdadeiramente


com as perspectivas e objetivos do ensino de história do século XIX, é necessário de
fato consolidar mudanças na produção e nas práticas de ensino de história.

Reformular conteúdos da história do povo brasileiro de modo a ampliar horizontalmente


concepções e conhecimentos a respeito da própria história nacional, que não estejam
referenciados apenas na perspectiva eurocêntrica, é necessário desconstruir as visões de
hegemonia harmônica, de um grupo ou elemento cultural sobre os demais.

Sabendo que o ensino de história sempre foi posto a favor da violência simbólica de
construir uma história e uma memória coletiva oficial que apagasse ou colocasse sempre
como inferiores contribuições de outros elementos que não o branco europeu.

Podemos considerar que um dos objetivos principais do ensino de história hoje seja
superar esses aspectos ainda predominantes, que continuam a excluir sujeitos e
temáticas, ainda em consonância com as primeiras definições politico-ideológicas para
o ensino de história no Brasil , demarcar mais espaço para a história nacional, para
outras matrizes além da europeia, e às identidades étnicas historicamente
negligenciadas, vítimas das inúmeras violências simbólicas que as inferiorizaram e
inferiorizam.

246
Com base nisso, concordando com Albuquerque Jr (2012), consideramos que, no Brasil
a grande questão ou embate ainda seja o de romper verdadeiramente com as
perspectivas e objetivos do ensino de história do século XIX, é necessário de fato incluir
na história e na memória coletiva do povo brasileiro as histórias locais frente ao
eurocentrismo e desconstruir as visões de hegemonia harmônica, de um grupo ou
elemento cultural sobre os demais.

A história tem assim, um importante papel a exercer nesse mundo onde a


alteridade, a multiplicidade e a diversidade social e cultural exigem um
preparo subjetivo para a convivência com o diferente, sem o que temos e
teremos crescentes manifestações de intolerância, xenofobia, até mesmo a
revivência de práticas e discursos eugenistas e segregacionistas.(
Albuquerque Jr,2012, p.33)

Portanto podemos eleger e considerar que um dos objetivos principais do ensino de


história hoje seja superar esses aspectos ainda predominantes, que continuam a excluir
sujeitos e temáticas, ainda em consonância com as primeiras definições politico-
ideológicas para o ensino de história no Brasil , demarcar mais espaço de fala às
identidades étnicas historicamente negligenciadas e vítimas das inúmeras violências
simbólicas que as inferiorizaram.

Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE JR. Durval Muniz. Fazer defeitos nas memórias: para que servem o
ensino e a escrita da história? IN: GONÇALVES, Márcia Almeida de .... [et all] (orgs.).
Qual o Valor da História Hoje? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.

CEZAR, Temístocles. “O sentido de ensinar história nos regimes antigos e modernos de


historicidade”. In: MAGALHÃES, Marcelo; ROCHA, Helenice. Ensino de História:
usos do passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: FGV, 2014.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de


pesquisa. IN: www2.pucpr.br/reol/index.php/dialogo?dd99=pdf&dd1=12619. Acesso:
25/08/2016.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de


pesquisa. Teoria & Educação, n. 2, p. 177-229, 1990.

FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. História e Ensino de História. Belo Horizonte,


Autêntica, 2003.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História. Capítulo 1.

ORIÁ, Ricardo. Memória e Ensino de História. In: História e Ensino: Revista do


Laboratório de Ensino de História da Universidade Estadual de Londrina.Vol.I, 1995.

247
DOCUMENTOS HISTÓRICOS CONTIDAS NO
LIVRO DIDÁTICO E SEU POTENCIAL COMO
SUPORTE PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE
HISTÓRIA
Maria Juliana de Freitas Almeida

Em 1995, Gabriel, O Pensador, na música Estudo Errado, chamava a atenção para o


método de ensino em que privilegiava a memorização, e não o entendimento: “[…]
Decoreba: esse é o método de ensino […]”, que segundo o rapper não permitia aos
alunos o raciocínio, mas apenas um conhecimento superficial e momentâneo, que após
as provas já seria esquecido, e que ainda teria como consequência não permitir a
compreensão dos fatos “[…] Desse jeito até história fica chato […]”.

Passadas mais de duas décadas, por mais que se preconizem mudanças e transformações
na educação e no ensino, quem lida diariamente com a sala de aula percebe que para
maioria dos alunos a História ainda é uma disciplina considerada pouco interessante. Os
motivos pelos quais isso ainda ocorre são os mais variados, desde questões
socioeconômicas, heterogeneidade das turmas, a formação docente, o distanciamento da
sala de aula com o dia a dia dos alunos, insuficiência de recursos financeiros e de
materiais didáticos, entre outros.

Neste texto, não há a pretensão de discutir ou aprofundar cada um destes motivos, mas
sim, apontar uma alternativa que pode tornar mais atraente o ensino de História, e mais
significativo o conhecimento histórico, ao promover o aprendizado, para além das
formulas de memorização, utilizando o material didático mais abundante nas escolas de
todo o país: o livro didático de História. Não é objetivo, tampouco, analisar o livro
didático, em suas qualidades e deficiências, mas sim, propor a utilização do mesmo de
forma a explorar suas potencialidades.

A simples menção ao livro didático pode fazer com que muitos torçam o nariz,
culpando-o pelo atavismo presente no ensino de História,

Muito criticados, muitas vezes considerados os culpados pelas mazelas do


ensino de História, os livros didáticos são invariavelmente um tema
polêmico. Diversas pesquisas têm revelado que são um instrumento a
serviço da ideologia e da perpetuação de um “ensino tradicional”.
(BITTENCOURT, 2009, p. 300).

248
Mas, graças ao PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), este é o material didático
mais abundante nas escolas públicas de norte a sul do país, desde as escolas rurais, de
pequenas cidades até aquelas localizadas nas periferias dos grandes centros. O que por
si só, faz desse material didático uma ferramenta digna de uma análise mais acurada, “é
fundamental considerá-lo como um recurso didático que oferece condições ao professor
de concretizar os objetivos educacionais propostos” (BERUTTI; MARQUES 2009, p.
97).

Diante das críticas recebidas, e da maior demanda por livros didáticos de História, estes
vem se transformando, convertendo-se em uma ferramenta “polifônica”, com várias
funções, entre elas oferece grande gama de documentos nos mais variados suportes
(BITTENCOURT, 2009, p. 307), o que se torna fundamental para o ensino de História,
“o trabalho para entender e desvelar o discurso histórico impõe uma atividade
incessante e sistemática com o documento em sala de aula” (SCHMIDT; CAINELLI,
2009, p. 111).

Se para Febvre (1974, apud. SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 112) “a história se faz
com os documentos escritos, sem dúvida, quando eles existem. Mas ela pode ser feita,
ela deve ser feita com tudo o que a engenhosidade do historiador lhe permitir utilizar”.
Sendo assim, o ensino de História deve ser viabilizado com todos os recursos possíveis,
que a criatividade do professor propor. E neste caso, propõe-se o uso criativo do livro
didático, explorando não apenas o texto didático, mas os vários documentos que o
compõem.

[…] os manuais didáticos, de maneira geral, têm-se esmerado na inclusão de


documentos. Estes são de natureza diversa, destacando-se excertos de
notícias de jornais, de obras literárias, de obras de historiadores e letras de
músicas, além de ilustrações, gráficos, mapas e dados estatísticos. […].
(BITTENCOURT, 2009, p. 310).

E é o melhor aproveitamento desta verdadeira coleção de documentos que poderá


renovar o ensino de História,

A utilização de documentos históricos em sala de aula, se bem desenvolvida,


pode propiciar momentos de extrema riqueza e soma-se aos esforços de
possibilitar ao aluno contato com outras sociedades e temporalidades, por
meio de registros textuais, iconográficos ou materiais. Além disso, o
trabalho com documentos permite ao professor e ao aluno refletirem juntos
sobre o ofício do historiador. (CANO, 2012, p. 19).

O trabalho com os documentos históricos permite inserir os alunos no caminho da


pesquisa histórica, integrando ensino e pesquisa, claro que, conforme nos lembra os
PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) sem a pretensão de fazer do aluno um
historiador, “[…] é imprescindível que fique evidente para o aluno que o documento
expressa um ponto de vista e não a verdade sobre um período histórico ou uma
sociedade” (CANO, 2012, p. 21). O uso do documento em sala de aula deve extrapolar
a simples ilustração de um período ou povo, ao propor novos questionamentos sobre o
passado.

249
Conforme Cano (2012, p. 25) o ideal seria que nas escolas houvesse coleções de objetos
e documentos disponíveis para o trabalho didático, mas a ausência de tais coleções o
trabalho com documentos não deve ser abandonado, e o livro didático é uma
possibilidade para a execução do trabalho, ao se explorar as múltiplas linguagens que o
compõem.

O trabalho com documentos em sala de aula exige que sejam adotados alguns
procedimentos, em três passos, como sugerem Schmidt e Cainelli (2009, p. 118-125): 1)
O documento deve ser identificado quanto a origem, natureza, autoria, datação e pontos
relevantes do mesmo; 2) Explicação do documento: o contexto e a crítica; 3) comentário
do documento: dividida em introdução, desenvolvimento e conclusão.

O uso de documentos em sala de aula pode contribuir para ilustrar o tema trabalhado;
ser estudado como fonte de informação histórica; empregado como fonte para a
construção de um problema ou hipótese histórica; fonte de respostas para hipóteses ou
problemas (SCHIMIDT; CAINELLI, 2009, p. 125-127), escolhidos de acordo com os
objetivos estabelecidos pelo professor. Os documentos podem ser selecionados
individualmente ou em conjunto, com linguagens variadas (escrito, ou iconográfico),
além da possibilidade incluir outros documentos como os guardados pelos próprios
alunos ou professores, assim como pertencentes a arquivos e acervos particulares,
excedendo assim os que são apresentados no livro didático.

Com vistas a contribuir sobre os limites e possibilidades do uso de documentos em sala


de aula, os debates acerca do livro didático e as dificuldades do ensino de História, é
que o subprojeto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência/PIBID de
História da Universidade Estadual de Goiás/UEG, Câmpus Porangatu, juntamente com
a professora supervisora, chegaram a esta proposta, que será implantada a partir do
primeiro semestre de 2017.

Espera-se que com a implantação da proposta o professor possa despertar em seus


alunos o interesse pelo conhecimento histórico, estimular o posicionamento crítico dos
alunos frente aos mais variados documentos, bem como, incentivar a produção de
narrativas orais e escritas, tornando o ensino de História mais dinâmico. Embora ainda
se continue utilizando o livro didático, busca-se mais autonomia para professor e aluno
frente aos conteúdos e de forma criativa pretende-se driblar uma das maiores mazelas
do ensino público que é a falta de investimento em materiais didáticos, ao se utilizar
aquele que é o mais abundante, senão o único disponível, em várias escolas brasileiras.

Referências

BERUTTI, Flávio; MARQUES, Adhemar. Ensinar e aprender História. Belo


Horizonte: RHJ, 2009.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.


3ª ed. São Paulo: Cortez, 2009.

250
CAINELLI, Marlene; SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História. São Paulo:
Scipione, 2009.

CAMPOS, Helena Guimarães; FARIA, Ricardo de Moura. História e Linguagens. São


Paulo: FTD, 2009. (Coleção História e Linguagens).

CANO, Márcio Rogério de Oliveira (coord.). História. São Paulo: Blucher, 2012.
(Coleção A reflexão e a prática de ensino; 6).

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares


Nacionais: História e Geografia. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

251
A IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO COMO
FERRAMENTA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
Maria Larisse Elias da Silva

O ensino de História atualmente vem sendo alvo principal de reformas que desvinculam
do próprio ensino a historicidade que o arcabouço historiográfico requer. Primeiro a
propostas eram de organizar a disciplina em temáticas de acordo com as séries, agora a
proposta é abolir de forma indireta o referido ensino. Dessa forma, nos vemos diante da
dificuldade de trabalhar no ensino de História a identificação do sujeito com o seu meio
social. De acordo com (CARRANO, 2013, p. 191), os jovens instituem lutas simbólicas
através dos compromissos cotidianos que assumem com determinado processo de
identização coletiva, este devendo ser considerado como algo que existe no contexto de
práticas permanentes e mutantes de definição das identidades coletivas. Logo, nos
apoiaremos numa metodologia problematizadora dessas perspectivas para o ensino de
História. Assim, propomos como objetivo desde trabalho, refletir sobre as possíveis
abordagens que o ensino de História pode fazer uso, levando em consideração a
identificação do sujeito com seu meio social para que ele possa pensar os parâmetros
históricos que estão em seu cotidiano como representação de sua história.

Atualmente o ensino de História visita diversos campos dos saberes, dialogando com
outras áreas, como a exemplo antropologia, geografia, sociologia, no entanto,
percebemos que ainda existem dificuldades quando ele precisa lidar com o campo das
culturas juvenis. Segundo (PAIS, 1996; FORQUIN, 1993), isso se dá por que a
diversidade existente no campo das culturas que os jovens carregam acaba se
distanciando da cultura escolar, e, diante disso, acaba criando uma crise na educação
escolar e consequentemente no ensino. Essa crise vai ser fomentada pela carência que a
escola tem de propor ações que aproximem a cultura escolar das culturas dos alunos. A
carência que produz essa crise é decorrente de diversos fatores que limitam essa
aproximação, como a exemplo a falta de uma estrutura física adequada no seio escolar;
a falta de identificação dos sujeitos que trabalham na escola, sejam eles professores,
zeladores, coordenadores, com o próprio espaço em questão. Todos esses fatores
acabam refletindo nesse processo de identificação do sujeito com o ensino, pois, tendo
em vista que a partir do momento em que o professor não se identifica com o espaço
escolar, seja pelas condições de trabalho que lhes são impostas ou outros fatores
decorrentes do ambiente e das relações que nele permeiam; entendemos que tudo isso
será refletido no momento em que ele for abordar uma metodologia no seu plano de
aula. Assim como também a estrutura em que a escola se encontra fisicamente
influencia no processo de ensino-aprendizagem, pois se o aluno está em uma sala que as
saídas de ar são limitadas, a acústica da sala é de baixa qualidade, as cadeiras são
desconfortáveis, tudo isso afeta esse processo.

Diante dessa realidade, compreendemos que para ensinar é preciso conhecer a realidade
do aluno. Não tem como obtermos êxito no processo de ensino-aprendizagem se não
conhecemos o sujeito, pois, temos em vista que o processo metodológico de ensino-

252
aprendizagem se baseia numa construção de métodos que recebe contribuições do aluno
e do professor. É necessário ressaltarmos que, esse processo é como um tripé, tendo
como base o conhecimento e como guiadores desse conhecimento o aluno e o professor.
A relação de aprendizagem é recíproca quando entendemos que para que o professor
possa ensinar, primeiro ele precisa saber de determinado conhecimento e quando ele
transmite esse conhecimento para o aluno e o referido lhe devolve o conhecimento em
forma de uma nova pergunta, o professor precisa sair da zona do conhecimento que já
está e refletir, procurar entender métodos que possam auxiliá-lo na maneira de
responder determinado questionamento. Esse processo desmistifica a ideia de que o
professor é o detentor do conhecimento, pois ao percebermos ele dentro desse processo,
vislumbramos um sujeito que também aprende com seus alunos.

Visto isso, acreditamos que para provocar uma mobilização intelectual daquele que
aprende, primeiro é necessário que façamos uso de metodologias que aproximem o
sujeito de sua realidade. Na era contemporânea, segundo (CAIMI, 2015, p. 107) é
necessário perceber a História-Conhecimento como um saber que nos proporciona a
reflexão e justificação para o tempo presente, ou, como ensina (RÜSEN, 2001), para
conhecermos a nós e aos outros, explicar o mundo, nos orientar na vida prática cotidiana
e enfrentar as suas contingências. Assim, incorporar nas metodologias que compõem o
currículo escolar novos temas que abordem o conteúdo a ser trabalhado de maneira
próxima ao meio social do aluno, a exemplo quando o tema é patrimônio histórico; a
metodologia a ser abordada na aula deve estar diretamente relacionada com a cidade
aonde o aluno reside, pois entendemos que por meio da aproximação do aluno com o
objeto de conhecimento, ocorra a identificação no qual facilitará o processo de ensino-
aprendizagem. De acordo com (ROLIM, 2010, p. 25), a partir da educação patrimonial
podemos promover um trabalho com a história local e a valorização de suas
identidades. Esse é somente uma das várias abordagens que podemos fazer uso quando
formos colocar em prática esse processo de ensino-aprendizagem baseado na
identificação com sujeito.

Concluímos compreendendo que um dos caminhos possíveis rumo a esses novos


métodos de ensino está diretamente relacionado com a percepção das culturas juvenis
presentes no espaço escolar. De fato essas culturas são muitas, pois cada aluno que
frequenta esse espaço está carregado de conhecimentos sócio-culturais que os levam a
perceber o ensino de maneira diferente. E, sabemos também que não é possível, por
parte do professor, conhecer a singularidade de cada aluno e fazer uso de métodos
específicos para cada um, no entanto, partilhamos da perspectiva que só a partir de um
conhecimento (mesmo que básico) do lugar social do aluno é que poderemos pensar em
novas abordagens metodológicas que impulsionem o ensino. Pois, a partir daí teremos
uma breve noção das limitações que o aluno possui e onde devemos dar mais atenção
para que possamos minimizar as dificuldades de ensino-aprendizagem. Destarte, a
identificação do sujeito com o objeto de conhecimento é uma ferramenta crucial para o
enriquecimento individual e coletivo. E, por fim, a incorporação de metodologias que se
aproximem do ofício do historiador, como o uso de análises documentais no campo
pedagógico, no qual podem proporcionar um protagonismo dos estudantes tanto no
processo de aprendizagem do conteúdo, como também uma aproximação ao campo da
História.

253
Referências Bibliográficas

CARRANO, Paulo. Identidades culturais juvenis e escolas: arenas de conflitos e


possibilidades. In: MOREIRA, Antonio Flávio. Multiculturalismo: diferenças
culturais e práticas pedagógicas. Editora Vozes Limitada, 2012.

PAIS, J. M. Culturas Juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional, 1996.

FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do


conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

RÜSEN, J. A Razão histórica. Teoria da História: os fundamentos da ciência


histórica. Brasília: Ed. UnB, 2001.

ROLIM, Eliana de Souza et al. Patrimônio Arquitetônico de Cajazeiras-PB:


memória, políticas públicas e educação patrimonial. 2010, p. 25.

CAIMI, Flávia Eloísa. O que precisa saber um professor de história?.História &


Ensino, v. 21, n. 2, p. 105-124, 2016.

254
METODOLOGIA E PRÁTICAS: O PAPEL DO
PROFESSOR NO ENSINO DE HISTÓRIA
Miss Lene Pereira da Costa

Na sociedade atual a função social da escola é a formação dos indivíduos para o


exercício da cidadania e a garantia de uma educação integral que comtemple o ser
humano como um todo, neste sentido a prática pedagógica e o professor são essenciais
na construção do conhecimento.

Ensinar história é perseguir metas e objetivos previamente definidos dentro do contexto


educacional, é uma busca incansável pela quebra do paradigma do método tradicional
do ensino da disciplina, é uma tarefa desafiadora frente a burocratização do ensino e da
conjuntura social que se apresenta cotidianamente. Enquanto ciência a história tem a
função de inserir o indivíduo na sociedade, contribuindo para o desenvolvimento critico
dos cidadãos de modo a serem protagonistas da transformação da realidade a qual
vivencia, interagindo nos aspectos políticos, sociais e culturais do meio que o cerca.
Nesse processo o professor é o principal elo de ligação entre os educandos e a
construção do conhecimento e tem como missão primordial desconstruir o conceito de
ciência decorativa ou de matéria decoreba que há muito tempo rotulam a disciplina de
história. Para isso, se faz necessário a inserção de novas práticas metodológicas que
além de despertar o interesse do aluno pela história, promova a construção do saber
histórico.

Quando tratamos sobre o a disciplina de história as recordações das aulas enfadonhas,


da memorização de datas e fatos históricos permeiam nossa mente e logo, surge a figura
de um professor tradicionalista que adentra a sala de aula com atividades que quase
sempre consistem em extensos resumos dos conteúdos abordados, sabe-se que essa
metodologia não surte efeito no aprendizado, pois o aluno absorve o conteúdo num
determinado momento e em pouco tempo o substitui por outros assuntos, visto que, ele
apenas decorou e não produziu, não aprimorou o conhecimento e por muitas vezes
sequer compreendeu o conteúdo. O Método tradicional é uma herança do século XIX
quando se buscava construir a identidade cultural das nações baseadas na moral e no
civismo, muito embora a inserção das novas metodologias ainda não seja utilizada por
alguns educadores. Outro método adotado no século XX sobretudo, nas escolas
brasileiras foi o Anarquismo que consiste no ensino de história através da
supervalorização dos movimentos de classes, das lutas sociais em detrimento da história
política pela qual os fatos ocorreram, a estratégia de ensino dessa modalidade tinha
como base o estimulo a reflexão crítica.

A metodologia moderna de ensinar história tem como base as teorias cognitivas de


Piaget e Vygotsky e a concepção de que no ensino de história é fundamental a análise
dos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais por meio de diversas abordagens
que facilitem a compreensão dos fatos. Sabe-se que o aluno só consegue aprender
quando lhes é dada a oportunidade de estabelecer um relacionamento entre os fatos, um

255
confronto entre os diferentes pontos de vistas e quando têm acesso a diversas fontes de
pesquisas. Desse modo os alunos passarão a ter uma visão crítica e a percepção de que
não existe uma história verdadeira e única.

O ensino e a aprendizagem de História, se alicerçam no trabalho do professor, que deve


ter o intuito de introduzir o aluno na leitura das diversas formas de informação, com a
visão histórica dos fatos bem como dos agentes históricos. Neste sentido, o professor de
História ocupa posição central na análise dessa conjuntura e na possibilidade de
construir situações concretas de superação através da prática pedagógica por ele
desenvolvida no interior do espaço escolar.

[...] o professor de história, com sua maneira própria de ser, pensar, ser, agir
e ensinar, transforma seu conjunto de complexos saberes em conhecimentos
efetivamente ensináveis, faz com que o aluno não apenas compreenda, mas
assimile, incorpore e reflita sobre esses ensinamentos de variadas formas. É
uma reinvenção permanente (FONSECA, 2003, p. 71).

A interação entre o educando e educador nas aulas de história é essencial para o


aprendizado e para a construção do saber histórico, Ribeiro (2016 ) concorda com essa
ideia, no entanto defende como as aulas expositivas como método eficaz para o
conhecimento histórico ,para ele “o bom ensino depende acima de tudo da arte da
palavra do professor .”(RIBEIRO, 2016, p.16 ).Nesta perspectiva o método expositivo
deve ser sempre a primeira atividade que o professor deve realizar para fazer uma
predição do conteúdo com isso, os educandos vão formulando conceitos que serão
expostos promovendo um diálogo entre ambos e além disso, esse exercício estimula a
concentração dos alunos para as atividades subsequentes, onde os alunos estarão aptos
e disposto para ler,escrever,responder questionários ou mesmo explorar uma fonte ou
documento históricos.

A formação da consciência histórica deve inicialmente situar historicamente o indivíduo


de modo a possibilitar a compreensão das transformações sociais e de sua dimensão
individual e coletiva. O saber escolar deve articular-se com o saber histórico afim de
provocar a reflexão crítica do aluno sobre as coisas, os acontecimentos e as relações
sociais, situando-o na vida social e formando uma postura de cidadania, emancipação e
libertação.

Os conceitos básicos para o desenvolvimento do raciocínio histórico consistem na


construção das noções do tempo histórico, da ordenação cronológica e da
simultaneidade nas relações sociais as quais intercaladas resultam numa melhor
compreensão dos fatos. É fundamental considerar as reformulações do ensino da
disciplina principalmente as ocorridas nos últimos tempos com a inserção de novas
fontes e com o advento da tecnologia .Do ponto de vista metodológico o ensino em
todas as esferas escolares deve levar em consideração os conhecimentos prévios dos
alunos sobre determinados conceitos e a partir dessas considerações acrescentar outros
elementos e dados que fundamentem uma maior consistência e ampliação do
conhecimento já existente .Os conhecimentos prévios que os alunos tem sobre os fatos
históricos são saberes desconexos, fragmentados e muitas vezes vazios
teoricamente,nesse caso a função do professor é oferecer condições necessárias para que
o educando supere a visão fragmentada e desconexa de uma determinada realidade e

256
iniciem a construção do conhecimento sistematizado, a partir de leituras, discussões e
análises da realidade em questão .

Outro ponto elementar no ensino da disciplina de História é cuidar para que os


conteúdos estejam em conexão com as fontes utilizadas e não remetam os alunos ao
anacronismo, ou seja, induza os educandos ao erro cronológico, percebendo nos
documentos fatos e acontecimentos de outros períodos históricos aquém do conteúdo
em questão, isso é muito comum tanto no campo histográfico quanto no pedagógico, na
sala de aula é costumeiro quando o professor considera os conhecimentos prévios dos
alunos sobre os conteúdos de história algum aluno tecer comentários ou mesmo fazer
indagações relativas a diferentes períodos que não estão em pauta no momento ainda
assim, se professor estiver dotado de métodos pedagógicos adequados pode transformar
esses episódios em ricos momentos de aprendizados, uma vez que ,a partir dos
comentários pode-se estabelecer um diálogo que servirá como um premissa do
conteúdo que irá ser inserido posteriormente.

Nestes termos as fontes e documentos históricos ocupam lugar de destaque no ensino o


trabalho com as fontes traz consigo inúmeros benefícios tanto para o aprendizado em
história quanto para a ruptura do paradigma da disciplina, no entanto é essencial que o
professor esteja aberto a adesão a novas metodologias e esteja disposto a lidar com as
novas perspectivas do conhecimento histórico. Conforme Fonseca (2008) a
incorporação de ferramentas tais como cinema, TV, fotografias, publicações literárias e
da imprensa ou mesmo as fontes orais tornam as aulas mais dinâmicas porque
proporcionam o confronto e o debate entre diferentes visões e o aprofundamento do
saber histórico.

Em pleno século XXI onde os avanços tecnológicos são constantes e a grande maioria
das unidades escolares dispõem de diversos recursos didáticos, é inadmissível um
professor ministrar aulas da disciplina utilizando apenas o conteúdo exposto nos livros
didáticos que por muitas vezes são vazios de explicações e a construção do
conhecimento requer a compreensão do contexto histórico a qual os fatos aconteceram,
outro ponto importante no ensino é a problematização dos acontecimentos os alunos
precisam compreender quais as motivações, objetivos e o desfecho dos movimentos
históricos .

As mudanças nos conceitos da disciplina emergem modificações enérgicas nas práticas


pedagógicas desde a formação inicial do professor e prossiga durante o percurso da
função docente. O ensino temático proposto pelos PCN’s requer sensibilidade, postura
crítica, reflexão permanente da ação docente e do cotidiano escolar, pois a profissão
docente exige acima de tudo humildade e altivez para rever saberes e práticas no sentido
de estabelecer novos métodos e desse modo contribuir para formação da consciência
histórica.

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e


métodos 4ª Ed.São Paulo: Cortez editora,2005.

257
BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.Parâmetros Curriculares Nacionais:
História e Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997.65 p

FONSECA,Selva Guimarães.Didáticas e Práticas do Ensino de História:


Experiências,Reflexões e Aprendizados. Campinas -SP:Papirus,2003.

______.Caminhos da História Ensinada.Campinas-SP: Papirus,1993.

RIBEIRO,Gabriel Mithá.O Ensino de História.[S.l]:Fundação Francisco Manuel dos


Santos –FFMS,2016.

258
HISTÓRIA TEMÁTICA: APONTAMENTOS PARA
UMA REFLEXÃO
Mário Sérgio Pereira de Olivindo

Um das questões que têm sido levantadas por parte de muitos professores que lecionam
História nas séries iniciais é a dificuldade com que os alunos têm em aprender a história.
A crítica desses professores muitas vezes se dá em virtude da organização cronológica
dos acontecimentos, do exíguo tempo reservado à aula e das dificuldades com que os
alunos naquela fase escolarização têm em operar com o passado distante por se
encontrarem ainda no período cognitivo da fase pré-operatória.

A queixa é recorrente e revela o incômodo de muitos professores com a presença nos


conteúdos escolares de um antigo paradigma hegemônico do século XIX e ainda não
superado nesse início de século. Esse paradigma chamado discurso histórico
universalista que nos conteúdos da disciplina assume o formato eurocêntrico da divisão
quadripartite da História (Idade Antiga, Média, Moderna, Contemporânea) ao orientar
os estudos numa perspectiva linear de tempo e reforçar os marcos históricos
tradicionais, desconsidera, segundo esses docentes, a história de vida dos alunos e o
repertório que eles carregam, dificultando o processo de ensino e aprendizagem.

Ao tecerem essas críticas, muitos desses professores, vão em busca de metodologias e


abordagens alternativas (levam para a sala de aula jornais, revistas, fotografias e outros
documentos), procurando ganhar a atenção de seus alunos e assim tornar a
aprendizagem significativa. Ao fazerem isso, operam com os critérios de seleção,
inclusão e exclusão de assuntos e temas, próprios do trabalho com a História Temática.
Contudo, muitas vezes, essa palavra pouca coisa diz a esses professionais do Ensino
Básico que só a conhecem no seu “saber-fazer”, mesmo quando as orientações para um
trabalho com eixos temáticos aparecem no manual do professor, objeto que muitas
vezes não faz parte do cotidiano dos docentes. Assim, por mais que as intensões sejam
plausíveis, o desconhecimento do caminho trilhado pela História Temática compromete
a “práxis do ensino”, à medida que ao desconsiderar a historicidade dessa proposta,
impede que professores tenham acesso aos debates que se constituíram e constituem em
torno dela. Por considerar que revisitar a história dessa abordagem é importante para
conhecer os limites e possibilidades que envolvem o trabalho com eixos temáticos é que
resolvi tecer essas considerações.

***

A História Temática não tem uma gênese se tomarmos as observações de Michel de


Certeau para a escrita da história, segundo a qual a História está circunscrita a um lugar
que permite e que proíbe(CERTEAU,1982,p.77). Nesse sentido, toda História é uma
história temática. Contudo, a formulação de uma concepção como proposta que se
organiza em torno de temas geradores é específica a um momento histórico. Está
associada às transformações mais amplas registradas no ensino, sobretudo, nas décadas

259
de 60,70 e 80, marcadas pela renovação da historiografia e mudanças epistemológicas
na educação.

O movimento da “História Nova”, que questionava a concepção estrutural do tempo,


segundo a qual privilegiava a história econômica em detrimento da história do
cotidiano, a universalização do ensino básico e as novas teorizações sobre o ensino
fertilizadas pela renovação da sociologia do currículo, preparam o campo para a
implementação da metodologia, que integrava um leque mais amplo de conquistas no
Ensino de História, marcada pela absorção dos resultados da expansão da História na
busca por novos problemas, objetos e abordagens.

A possibilidade de se discutir a história de diferentes sujeitos, em diferentes tempos e


em diferentes escalas micro e macro-históricas, apontaram como inadequado o
tradicional modelo cronológico e factual por meio do qual os conteúdos da disciplina se
organizavam.

Para muitos de seus críticos a História que se ensinava tinha como fundamento teórico
a historiografia tradicional positivista, eurocêntrica e linear, que seguindo o modelo
quatripartite da história( Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea), cristalizava
os fatos da política institucional e reforçava a ideia de progresso como algo global,
positivo e inevitável. Assim, ao enfatizar o início, meio e fim já determinados para a
História, não abria brechas para as contingências e descontinuidades.

Do ponto de vista geopolítico essa organização dos conteúdos curriculares da História


também era criticada pela relevância dos marcos da cultura europeia sobre os países
“subdesenvolvidos”, evidenciando a “permanência” do domínio imperialista europeu
sobre esses povos.

Uma das críticas mais contundentes a esse modelo tradicional e eurocêntrico vinha do
francês e historiador Jean Chesneuaux (1977) no seu livro “Devemos fazer tábua rasa
do passado?”. Para este historiador a História que se aprendia era a do europeu, que
organizada segundo a visão eurocêntrica, desprezava deliberadamente os demais
processos históricos e culturas de outros povos que não atendiam ao projeto ideológico
de progresso e civilização.

No plano do ensino e aprendizagem, a história positivista, factual e eurocêntrica


reforçava o método tradicional no ensino de História pautado na memorização, uma vez
que ao enfatizar a retenção dos conteúdos históricos para exames e arguições, excluía
qualquer espaço para uma atividade mais elaborada do pensamento, reforçando a
concepção auto-excludente do aluno, que não se reconhecia como sujeito da História.
Essa abordagem, foi apontada como inadequada tanto pelas teorias educacionais que
destacavam os conhecimentos preliminares dos alunos como necessários a uma
aprendizagem significativa, quanto pelo cenário competitivo do mundo capitalista, que
passava a exigir indivíduos com maior capacidade interpretativa e interventiva da
realidade.

No Brasil, o trabalho com a História Temática segundo Selva Guimarães Fonseca


(1993), Elza Nadai(1993), Circe Bittencourt(2004) e Maria Auxiliadora Schmidt(2012),
surge nas décadas de 70 e 80, através de experiências exitosas em escolas, alçadas à

260
condição de propostas educacionais municipais e depois estaduais em plena
intervenção militar e controle curricular dos conteúdos escolares.

A defesa por ensino temático em História no país partia da constatação do “acriticismo”


verificado entre os alunos e de que na realidade brasileira não era mais possível estudar
uma História com base nos marcos do poder e da dominação. Isto porque “os postulados
dos programas de ensino de acordo com os princípios da política educacional dos anos
70 já estavam, para muitos superados ou eram inadmissíveis teórica e politicamente”
(FONSECA,1993,p.86).

Criticando o modelo tradicional de ensino em que o Ensino de História se organizava,


professores de diferentes regiões do Brasil buscaram no interior do próprio ofício,
experimentar novos métodos que pudessem tornar a aprendizagem significativa,e
contornar a falta de material didático. Essa crítica também partia de universidades e da
Anpuh. Foi dessa forma que o trabalho com a História Temática se registrou no Brasil.

Uma das produções que pode ser considerada um marco para a discussão do tema a
nível nacional foi a publicação de uma coletânea de textos organizada por Marcos Silva
e patrocinada pela Anpuh, intitulada “Repesando a História” (1984) que reunia as
experiências de diversos professores e universidades com o ensino temático, A coleção
buscava através da publicidade de diversas experiências levar a discussão sobre a
proposta à ordem do dia.

Outra produção que ascendeu o tema para o debate nacional foi o livro “O ensino de
História – Revisão urgente” de Conceição Cabrini (1987), que defendia a produção do
conhecimento histórico nas escolas de primeiro grau. Sintetizando uma experiência na
5ª série do curso noturno, o livro ressaltava a importância dos conhecimentos prévios
dos alunos para a apreensão do conhecimento histórico escolar. Para a autora seria a
partir da história de vida do aluno e dos seus saberes que o professor poderia levá-los a
compreender que “a História estuda as ações dos homens, procurando explicar as
relações entre os seus diferentes grupos. (E que) essas relações estão em permanente
movimento, são essencialmente dinâmicas e contraditórias.” (CABRINI, 1987, p.33).

Dois Estados pioneiros a incorporar a História Temática no currículo de História, por


meio da revisão na legislação educacional, segundo Selva Guimarães Fonseca
(1993,p.86-87), foram os Estado de São Paulo em 1983 e Minas Gerais a partir de 1983
e 1984. No caso de São Paulo o processo se inicia a partir do um encontro que reúne
professores da rede oficial, representantes das Associações Científicas e Culturais,
entidades representativas do Magistério, das Universidades e órgãos centrais da
Secretaria Municipal para discutir o novo espaço curricular das Ciências Humanas, em
especial o restabelecimento nas 5ª e 6ª séries da História e Geografia. No caso de
Minas Gerais, ganha força a partir da realização do Congresso Mineiro de Educação em
1983.

Atualmente, a história temática esta presente na organização dos Parâmetros


Curriculares Nacionais- PCNs e constitui uma das metodologias mais utilizadas em
sala. Para os seus defensores, esse tipo de história está mais próximo da pesquisa e se
aproxima da realidade do discente, à medida que possibilita que o professor selecione
um tema ou assunto pertinente ao ensino e vida dos alunos. Contudo, críticas também

261
tem recaído sobre ela como a pulverização e “presentificação” do tema, decorrentes da
dificuldade em abordá-lo em suas várias dimensões históricas, o que Ariès citado por
Fonseca(1993) já chamava atenção ao perceber que sem um conhecimento elementar
do tempo cronológico por parte dos alunos, os assuntos e temas se esvaziam.

Em fim, no momento em que a História ganha as ruas e não está somente na sala de
aula e nos livros didáticos, a história temática constitui uma importante proposta para as
aulas de história, pois possibilita problematizar as experiências vividas a partir da
realidade dos alunos. O desafio está no cuidado de contextualizar assuntos e temas nas
suas várias dimensões históricas.

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


História e Geografia. Brasília: MEC/SEF, 2001.

CABRINI, Conceição. O Ensino de História – Revisão Urgente. São Paulo:


Brasiliense, 1987.

CHERVEL, André. Histórias das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de


pesquisa. Revista Histoire de L’education. nº38, Paris, maio de 1988.

FENELON, Déa Ribeiro. A formação do professor de História e a realidade do ensino.


Tempos Históricos. Vol.12, p.23-35, 2008.

FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. 11ª ed. São Paulo:
Papirus, 1993.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências,


reflexões e aprendizados. São Paulo: Papirus, 2003.

NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista


Brasileira de História, São Paulo, vol. 13, p143-162, 1993.

SCHIMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História do ensino de história no


Brasil: uma proposta de periodização. Revista História da Educação-RHE, vol.16, nº
37, p.73-91,2012.

SILVA, Marcos A. Repensando a História. Associação Nacional dos Professores


Universitários de História. 1984.

262
PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E EDUCAÇÃO
HISTÓRICA: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO
DE HISTÓRIA NAS ETAPAS 7,8 E 9 DO EJA
Maurício José Adam

Introdução

Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso
aprender, o que implica o trabalho educativo. Assim, o saber que
diretamente interessa à educação é aquele que emerge como resultado do
processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo.
Entretanto, para chegar a esse resultado a educação tem que partir, tem que
tomar como referência, como matéria-prima de sua atividade, o saber
objetivo produzido historicamente. (SAVIANI, 2013, p. 7).

O saber objetivo, escolar, conforme descrito por Saviani anteriormente, é o saber que os
estudantes jovens e adultos vem buscar quando retornam as cadeiras da escola após um
período de afastamento ou de reprovações. Esse acesso é garantido por lei, e a
qualificação desse serviço prestado a comunidade aparece como ponto essencial deste
texto. Partindo do pressuposto que a qualidade do processo ensino-aprendizagem está
diretamente ligada a qualidade do professor, o presente trabalho busca, a partir da coleta
de informações com os estudantes, propor uma oficina para qualificação de professores
de história que trabalham com jovens e adultos tendo como bases a Pedagogia
Histórico-Crítica e a Educação Histórica.

Desde 1996, a lei nº. 9.394 de dezembro do mesmo ano, define em seu Art. 4º, inciso IV
como dever do Estado garantir “acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e
médio para todos os que não os concluíram na idade própria”.

A coleta de dados e o desenvolvimento

A instituição utilizada como base para coleta de informações é uma escola pública
estadual localizada no município de Santa Cruz do Sul, na qual foram observadas a
realidade de 6 turmas de EJA das etapas 7,8 e 9. Este texto, resulta da pesquisa
orientada pela seguinte questão: Quais as possíveis contribuições da Educação Histórica
e da Pedagogia Histórico-crítica na promoção de estudantes preparados para o mercado
de trabalho e conscientes de sua postura cidadã?

Para construção dessa análise foram utilizadas informações concedidas pelos próprios
estudantes acerca de seu aprendizado histórico. A pesquisa se justifica pela sua
intencionalidade de identificar os problemas no processo ensino-aprendizagem da
disciplina de História nessa modalidade de ensino e as possibilidades de

263
desenvolvimento de estratégias que possam qualificar este ensino nas etapas estudadas.
Para qualificar o ensino, uma oficina de professores é desenvolvida. Para isso
relacionam-se além das informações advindas das entrevistas e dos documentos
públicos, conceitos atribuídos e descritos nas concepções teóricas da Educação
Histórica e da Pedagogia Histórico-Crítica como base bibliográfica.

O trabalho pressupõe que há a necessidade de conhecer a comunidade escolar, qualificar


o professor, oportunizar momentos de reflexão teórica sobre sua prática, e devolvê-lo a
sala de aula já empossado de uma visão.

Quanto a base teórica, para Saviani:

Numa síntese bastante apertada pode-se considerar que a pedagogia


histórico-crítica é tributária da concepção dialética, especificamente na
versão do materialismo histórico, tendo fortes afinidades, no que se refere as
suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural desenvolvida
pela Escola de Vigotski. A educação é entendida como o ato de produzir,
direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em outros
termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da
prática social global. (SAVIANI, 2011, p. 421-422).

Quanto a contribuição de Rüsen

A categoria básica para a compreensão da aprendizagem histórica é a


consciência histórica. A sua definição mais ampla ressoa como se segue: a
atividade mental de interpretação do passado para compreender o presente e
esperar o futuro. Assim, combina o passado, presente e futuro de acordo
com a ideia sobre o que trata a mudança temporal. Sintetiza as experiências
do passado com os critérios de sentido que são eficazes na vida prática
contemporânea e nas perspectivas de orientação para o futuro. (RÜSEN,
2015, p. 23).

Visando transpor o simples discurso teórico e abordar a possibilidade de discutir as


próprias práticas entre os professores toma-se a conceituação de oficina apontada por
Betancourt (2007), em El taller educativo:¿Que és? fundamentos, cómo organizarlo y
dirigirlo como evaluarlo como referência

El taller, en lenguaje corriente, es el lugar donde hace, se construye o se


repara algo. Así, se habla de taller de mecânica, taller de carpintaria, taller
de reparación de electrodomésticos, etc. Desde hace algunos años la practica
ha perfeccionado el concepto de taller, extendiéndolo a la educación. La
idea de ser um lugar donde varias personas trabajam cooperativamente para
hacer o reparar algo, lugar donde se aprende haciendo junto a todos; há
motivado la búsqueda de métodos activos em la enseñanza.
(BETANCOURT, 2007, p. 11).

De forma sucinta, a oficina ampara-se em um momento de discussão teórica, em um


momento de conhecimento da realidade do professor baseado em três questões

264
problematizadoras (Quem eu sou como professor? Onde estou trabalhando como
professor? Quando estou trabalhando como professor?) e por fim um fechamento
sistematizado em forma de texto sobre a historicidade da realidade do professor.

Utilizando-se de um raciocínio similar a Educação Histórica e a Pedagogia Histórico-


Crítica podem contribuir com a promoção de cidadãos conscientes de sua postura na
sociedade, mais preparados para o mercado de trabalho (conforme a legislação brasileira
deseja), mas também cientes da realidade histórica que os trouxe até o presente.

Referências

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Presença, 1970.

BARCA, Isabel. Ideias chave para a educação histórica: uma busca de (inter)
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metas do Plano Nacional de Educação. 2014. Disponível em:
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267
PATRIMÔNIO LOCAL: OS BENS URBANOS
COMO TEMA PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ NO
ENSINO DE HISTÓRIA
Olga Suely Teixeira

O objetivo deste texto é apresentar algumas reflexões pautadas nas leituras da Disciplina
Educação Patrimonial e Ensino de História, ministrada no Mestrado Profissional em
Ensino de História - na qual foram pensadas variadas formas de promover, a partir do
Ensino de História, a formação cidadã dos alunos brasileiros.

Em conformidade com o preconizado pela legislação educacional no que se refere à


construção da cidadania, trabalhar a partir de questões ligadas ao Patrimônio Cultural
pode auxiliar professores e alunos no alcance dos objetivos do ensino de História no que
se refere a essa construção (para maiores informações sobre os objetivos do Ensino de
História consultar BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: História / Secretaria de Educação Fundamental – Brasília:
MEC/SEF, 1998.)

Considerando que formar um cidadão consciente, crítico e participativo como o descrito


na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/1996) em seu Título II,
Art. 2º - preparado “[...] para o exercício da cidadania” - requer oportunizar ao estudante
se reconhecer como sujeito ativo na elaboração da realidade social onde irá atuar, há
que se pensar em metodologias facilitadoras deste processo.

Nesse sentido, pensar a cidade como tema de educação patrimonial é oferecer aos
educandos a maior proximidade possível com o “ser sujeito da História”; por que o
cidadão deve conhecer o que lhe pertence para que possa entender o que sua
comunidade oferece, valorizar e ter despertado o sentimento de pertença com tal
realidade – o que fará com que a preservação seja vista como algo necessário e natural.

Esclarecendo que a Educação Patrimonial constitui-se “em uma metodologia voltada


para o processo sistemático de trabalho educativo, que tem por partida e centro o
patrimônio cultural em todas as suas manifestações” (SCHIAVON; TORRES, 2015, p.
520), cabe ressaltar que ao sugerir o uso dessa metodologia está sendo considerado
também o ordenamento jurídico das questões ligadas ao Patrimônio Cultural Brasileiro
e as ações das instituições gestoras desse, uma vez que, de acordo com a Dra. Inês
Virgínia Prado Soares (2009),

[...] para impulsionar a aparição de novos atores culturais é necessário que


os governos nutram um interesse crescente da sociedade pelo
desenvolvimento cultural, ao mesmo tempo que proporcionem condições
favoráveis para atuação desses atores. (SOARES, 2009, p. 102)

268
Ainda continuando o raciocínio da autora, observa-se que “nessa estrutura legal, as
funções do patrimônio devem ser garantidas e implementadas pelo poder público, que
contará com a sociedade no desempenho dessa tarefa” (SOARES, 2009, p. 102).

Para tanto, onde a atuação da sociedade pode ser mais eficaz do que nas salas de aula,
prioritariamente da educação básica?

Tomando por base todos os argumentos já apresentados em relação à construção da


cidadania do aluno, apresentar ao mesmo o patrimônio de sua comunidade é formar o
cidadão consciente, crítico e atuante na sociedade, respondendo aos rumos desejados
pela educação nacional.

Nessa reflexão, compreende-se que estudar um bem cultural urbano, na perspectiva de


demonstrar para o aluno a pertinência de relações entre este e a sua própria história,
assegura aos alunos a obtenção de conhecimentos acerca da história local, regional e
geral. Além disso, se torna possível instrumentalizá-lo para que ele possa “debater
questões relativas à preservação/modernização de uma região, além de refletir sobre
planejamento urbano” (Nova Escola, 2016).

Torna-se necessário observar que a metodologia aqui discutida surgiu a partir das
lacunas observadas no tocante ao ensino de história local nas escolas da cidade de
Natal/RN, havendo uma concordância com as ideias do arquiteto Haroldo Gallo (2006)
quando afirma que

De nada adianta conservar aquilo sobre o que não se tem memória. E para
que haja memória de alguma coisa é preciso que haja recordação no sentido
literal do termo, sentido esse que abrange o conhecimento e apropriação de
algo sobre o que se tem sentimento. Sem sentimento não há reconhecimento
de algo como parte integrante e essencial a nós. [...] e a noção de
preservação fundamenta-se na constituição da memória [...] (GALLO, 2006,
p. 98).

Assim, as lacunas identificadas nesta área do ensino de História concorrem para


consequências graves na formação do cidadão, pois como valorizar/preservar o que não
se conhece? Trabalhar a história local a partir da educação patrimonial aparece como
um meio lógico de minimizar tais pontos negativos.

A opção pela metodologia da educação patrimonial se dá por entender que o ensino de


história, em vários momentos, acontece como se o que estivesse sendo ensinado fosse
algo para além da realidade dos alunos. Nesse sentido, adotar a cidade e seus bens
culturais como ponto de partida para a construção do conhecimento pode fazer uma
enorme diferença para os estudantes. E para os professores, uma vez que ao relacionar
essa metodologia com os conteúdos canônicos, otimiza o seu trabalho em relação a
cumprimento de calendários e prazos das instituições escolares.

Assim, faz sentido o professor trabalhar com questões ligadas ao patrimônio – mesmo
que instituído por determinado grupo - oportunizando reflexões, questionamentos,
reconstruções e ressignificações de temas já tidos como prontos e imutáveis. Sobre isso,
Viana e Mello (2013, p. 52), corroboram o raciocínio dizendo que “O patrimônio possui

269
forte potencial para atribuição de identidades, sejam elas individuais, coletivas,
nacionais, étnicas, de gênero, entre outras”.

Ainda, utilizar a cidade como tema de educação patrimonial é relevante porque o


patrimônio cultural ali existente tem papel ativo nas questões de inclusão/exclusão
social, em relação à “problemática da identidade, da memória ou da cidadania”
(MENEZES, 2006, p. 47).

Observando as questões relativas ao ordenamento jurídico, o aluno também perceberá


que ao se trabalhar com um bem cultural urbano, passa-se a “considerar o espaço físico
onde se encontra [...] como fator importante para sua tutela e sua gestão” (SOARES,
2009, p. 89), pois estes bens “[...] estão envolvidos por uma enorme e complexa rede de
interesses sociais, econômicos, culturais e políticos [...]”, conforme Soares (2009, p.
90).

Sendo assim, é urgente a aplicação de tal metodologia em nossas salas de aula da


educação básica, pois respeitados os devidos limites de sua maturidade cognitiva, os
estudantes, desde muito cedo, poderão se apropriar de sua história, de seus direitos de
praticar e usufruir a cidade não só como locus de existência, mas também de
sobrevivência e formação identitária, pois como está posto em Soares (2009):

A função de servir à memória coletiva está prevista na Constituição, na


indicação, como patrimônio cultural brasileiro, das formas de expressão e
dos modos de criar, fazer, viver, bem como das obras, documentos,
edificações e demais espaços [...] (SOARES, 2009, p. 99)

A questão é que o cumprimento dessa função está atrelado à existência de políticas e


ações afirmativas destinadas aos mais variados grupos da população brasileira.

Há, ainda, a necessidade de se oferecer uma educação em valores, o que implica


apresentar, aos alunos, o patrimônio enquanto contribuição de um grupo social para os
demais, desenvolvendo, dessa forma, a capacidade de se relacionar com a diversidade
cultural através de lentes positivas; assim, reduz-se as possibilidades de desrespeito em
todas as suas formas, desigualdades em quaisquer que sejam os aspectos.

A Educação, enquanto direito social estará sendo fortalecida a partir do trabalho com a
educação patrimonial, tornando, consequentemente, a sociedade brasileira mais
igualitária, justa e pacífica.

Referências

BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394 de 20 de


Dezembro de 1996.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


História / Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998.

270
GALLO, Haroldo. Arqueologia, arquitetura e cidade: a preservação entre a
identidade e a autenticidade. In: Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo: 9º
SR/IPHAN, 2006.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A cidade como bem cultural: áreas
envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcance da preservação do patrimônio
ambiental urbano. In: Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo: 9º SR/SPHAN,
2006.

SOARES, Inês Virgínia Prado. Direito ao (do) Patrimônio Cultural Brasileiro. Belo
Horizonte: Fórum, 2009.

SCHIAVON, Carmem Burguet; TORRES, Tatiana Carrilho Pastorini. Educação


Patrimonial: a cidade como recurso para o ensino de História. Revista do Lhiste, Porto
Alegre, num. 3, vol. 3, jul/dez 2015.

VIANA, Iamara da Silva; MELLO, Juçara da Silva Barbosa de. Educação Patrimonial
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Sites Consultados

Nova Escola.

http://acervo.novaescola.org.br/formacao/formacao-continuada/hora-valorizar-nosso-
patrimonio-cultural-584455.shtml. Acesso em 05 de Novembro de 2016.

271
CLAMOR À HISTORICIDADE DA EDUCAÇÃO: O
PROJETO DO FRACASSO E A MEDIDA DO
SUCESSO
Pâmela Keiti Baena

A escola pública, universal e gratuita é um direito garantido pela Constituição da


República Federativa do Brasil. Após 1988, o plano nacional de educação passou a ter
duração plurianual, visando ao desenvolvimento do ensino e à integração das ações do
Poder Público que conduzam à erradicação do analfabetismo, à universalização do
atendimento escolar, à melhoria da qualidade do ensino, à formação para o trabalho e à
promoção humanística, científica e tecnológica do país. É uma conquista social,
resultado de lutas históricas.

Mas ao mesmo tempo em que é um direito, a educação é uma obrigatoriedade para


ambos os lados, ou seja, o Estado tem de oferecer escolas e a sociedade tem o dever de
matricular e manter nelas crianças e adolescentes. A escola, por sua vez, é uma
instituição regida por normas estabelecidas por grupos externos a ela e, no caso da
escola pública brasileira, o Poder Público exerce essa função. Tal como as normas que
recaem sobre ela, a instituição escola é política, pois existe uma intencionalidade em sua
formação e no discurso que a valida, diferindo do seu fazer cotidiano.

(...) as intenções do poder instituído e as da escola não são necessariamente


coincidentes. Há clivagens e conflitos inerentes entre o currículo pré-ativo,
normativo e escrito pelo poder educacional instituído e o currículo como
prática na sala de aula ou currículo interativo (GOODSON, 1991 apud
BITTENCOURT, 2013, p.12).

O histórico fracasso premeditado

Espaço de conflitos e tensões, enquanto se exalta as questões relacionadas à qualidade


do ensino, ocorre a desconsideração das implicações políticas. Ao longo da História, o
fracasso escolar foi sendo colocado como culpa do professor, do método pedagógico, da
família e mesmo da própria criança. O conceito de fracasso escolar surgiu no Brasil nas
décadas de 1970/80, durante o período de redemocratização pós-Regime Militar,
momento histórico reconhecido pelo “sucateamento” do ensino (LIBÂNEO, 2003;
SOUZA, 1998).

As condições socioeconômicas estão intimamente ligadas à estrutura e à organização do


ensino. Durante a década de 1980, iniciava-se uma tendência neoconservadora, hoje já
instalada. No entanto, o setor do trabalho sofreu alterações por conta dos avanços
tecnológicos. É exigida da escola, então, a formação de profissionais qualificados. A
aprendizagem não é neutra: vem acompanhada da disciplina para preparar a mão-de-

272
obra, mas também auxilia o temido acesso ao conhecimento, que pode incentivar o
pensar independente (LIBÂNEO, 2003).

Modelo de educação adotado pelo Brasil, a pedagogia francesa da virada do século XIX
para o XX tinha uma intenção que não admitia a possibilidade do “fracasso escolar”. O
mesmo “liberalismo revolucionário” que pregava a universalização da escola pregava
também a segregação pela seleção pelo mérito e demérito, servindo como uma divisão
de classes e causando tensão, mas não o questionamento da escola e sua função. A
proposta da escola primária era tornar todos cidadãos. No entanto, para o Estado, a
função da escola era acentuar as diferenças e transformá-las em diferenças de classes
(SOUZA, 1998).

No Brasil do mesmo período, a discussão da escolarização esteve ligada à política da


democracia, com intenção de aumentar o número de alfabetizados para acrescer o de
votantes. Porém a educação encontrou limites, não se expandindo nem consolidando,
sendo usados os modelos estrangeiros que garantiam a dominação da elite tradicional a
partir da contenção de planos educativos “indesejáveis”, ou seja, qualquer forma de
educação emancipatória. De acordo com Souza (1998), o fracasso escolar foi
premeditado, determinado antes mesmo da construção de escolas. O intuito era de que a
população interiorizasse o sentimento de inferioridade para se manter sob controle.

Anunciar o fracasso escolar e não oferecer escolas, tratar a população como


inapta e não oferecer empregos, como itinerante e não oferecer terras, sem
dúvida tornou-se doravante um mecanismo eficaz de internalizar a
desvaloração (SOUZA, 1998, p.67).

Por volta de 1920, o objetivo não era mais produzir cidadãos, mas sim trabalhadores
capacitados para as indústrias e lavouras, tarefas para as quais a massa populacional
brasileira também não era considerada apta. O conhecimento escolar continuou sendo
negado à população pois, nas mãos do povo, poderia ser ameaçador. Surgiram a
tecnificação do ensino e os diversos tipos de testes de capacidade e de orientação
profissional. O trabalho escolar passou a ser racionalizado, como o trabalho fabril.

Posteriormente, com o passar das décadas e em meio a embates políticos, o Brasil


avançou na universalização do ensino fundamental e houve significativa queda na taxa
de analfabetismo. Entretanto, outras formas de fracasso escolar surgiram, como a evasão
e a repetência. A democratização da escola criou diferenças mais profundas entre o
ensino público e o privado e a qualidade perdeu importância frente à preocupação com
gastos. A competição se acentuou. A educação, privada e pública, foi incorporada e
serve ao sistema capitalista. A felicidade e o sucesso relacionaram-se ao rendimento de
lucros. Logo, o fracasso escolar continua à espreita.

A mensuração do suposto sucesso

Mas o que é o sucesso escolar? “A satisfação escolar tem nome e sobrenome: boas
notas” (MARQUES, 2015, p.2). A noção de sucesso é deturpada: o ensino escolar
reduziu-se à busca da aprovação do sistema educacional através de avaliações externas,

273
como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), e a qualidade na
educação passou ao domínio das estatísticas.

Para verificar o desenvolvimento educacional, são utilizadas formas avaliativas em todo


o território. De acordo com a portaria nº 931, presente no Diário Oficial da União de 21
de março de 2005, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) é dividido em
dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação
Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC). Como informa o texto do §1º:

a) a ANEB tem como objetivo principal avaliar a qualidade, eqüidade e a


eficiência da educação brasileira;

b) caracteriza-se por ser uma avaliação por amostragem, de larga escala,


externa aos sistemas de ensino público e particular, de periodicidade
bianual;

c) utiliza procedimentos metodológicos formais e científicos para coletar e


sistematizar dados e produzir informações sobre o desempenho dos alunos
do Ensino Fundamental e Médio, assim como sobre as condições intra e
extraescolares que incidem sobre o processo de ensino e aprendizagem;

d) as informações produzidas pela ANEB fornecerão subsídios para a


formulação de políticas públicas educacionais, com vistas à melhoria da
qualidade da educação, e buscarão comparabilidade entre anos e entre séries
escolares, permitindo, assim, a construção de séries históricas;

e) as informações produzidas pela ANEB não serão utilizadas para


identificar escolas, turmas, alunos, professores e diretores; (2005).

Desta forma, percebe-se que essa “avaliação por amostragem” é feita através de
procedimentos quantitativos que visam medir a qualidade educacional, através dos
resultados obtidos de avaliações compostas por questões objetivas. O papel proposto à
avaliação é verificar o desempenho dos estudantes para repensar as formas de ensino e
aprendizagem e reelaborar as futuras práticas educacionais em uma educação mais
eficaz, aperfeiçoando os mecanismos de ensino no cotidiano e adaptando às
necessidades e prioridades da realidade escolar. Ou seja, os objetivos com os quais os
processos avaliativos se apresentam intencionam mensurar para melhorar.

Percebe-se no texto uma tendência a homogeneizar a educação e, consequentemente, os


alunos pertencentes às séries avaliadas, ao se mencionar a equidade como um dos
fatores a serem avaliados e ao mesmo tempo aplicar em todo o país, em meio a todos os
contextos, uma avaliação que demanda resultados objetivos, dentro das chamadas
habilidades e competências pré-definidas.

Contudo, o que se está avaliando não são “meios”, mas “fins”. O próprio processo
avaliativo esclarece que seus interesses são por resultados. Assim, a avaliação “torna-se
peça central nos mecanismos de controle, que se deslocam dos processos para os
produtos, transferindo-se o mecanismo de controle das estruturas intermediárias para a
ponta, via testagens sistêmicas” (SOUZA; OLIVEIRA, 2003, p.2).

274
Considerações abertas

Tem-se, então, a real finalidade da avaliação como mecanismo de controle do sistema


educacional, inserido em uma lógica de governo neoliberal, onde os valores
meritocráticos são superestimados. Os resultados são ordenados em um ranking e a
competição característica do sistema econômico avança no educacional, estimulando a
competitividade entre estados, cidades, escolas, alunos e professores, que é reforçada
por sistemas de recompensa e punição – uma devolutiva àqueles que foram avaliados
bem ao estilo do condicionamento behaviorista proposto por Skinner.

Os processos avaliativos, por mais científicos que se autodenominem, já que também a


ciência não é livre de interesses, e por mais objetividade que pretendam atingir, estão
carregados de ideologia, aglomerando os ideais neoliberais com os mecanismos de
controle foucaultianos em um sistema educacional cujo objetivo final, que é falhar, está
sendo bem cumprido (SOUZA, 1998).

Cabe enfatizar a necessidade de historicizar o ensino no Brasil, produzir a compreensão


histórica de que as questões pertinentes aos chamados “retrocessos” na educação básica
não são novidade dos atuais processos, mas são parte de um projeto político em
andamento desde a fundação da primeira escola. O desafio da História e daqueles que a
lecionam vai além do ensino em sala de aula: tem o dever de não permitir que a
sociedade relegue ao esquecimento aqueles que vieram antes e não deixar que se
ocultem na névoa do presentismo os processos iniciados no passado.

Referências

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compreensiva das políticas educacionais: aspectos sociopolíticos e históricos. In:
______. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003.
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MARQUES, Roberto. BNCC, geografia e docentes de geografia. In: ENCONTRO


DO GT DE EDUCAÇÃO DA AGB-RIO E AGB-NITERÓI DA FACULDADE DE
EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, Out./2015,
Rio de Janeiro. Disponível em: <http://goo.gl/degRq5>. Acesso em: 27 abr. 2016.

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psicologia e as práticas pedagógicas, Estilos da Clínica, vol. 3 n. 5, São Paulo: 1998, p.
63-83. Disponível em: <https://goo.gl/65XOwg>. Acesso em: 17 mai. 2016.

SOUZA, Sandra Zákia Lian de; OLIVEIRA, Romualdo Portela de. Políticas de
avaliação da educação e quase mercado no Brasil. Educação e Sociedade, Campinas, v.
24, n. 84, set. 2003. Disponível em: <https://goo.gl/WZ0LxM>. Acesso em: 05 mar.
2017.

276
POR QUE TORNAR A DECLARAÇÃO DOS
DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO
FREQUENTE NAS AULAS
Pedro Francisco Campos Neto

Introdução

Este trabalho tem como intuito fomentar o debate sobre o uso de fontes históricas em
sala de aula e o fará a partir de um dos temas mais clássicos da historiografia e também
do ensino de história: a Revolução Francesa. Com isto, almeja-se enfatizar as
possibilidades de uso da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada
no início do processo revolucionário, para a compreensão da historicidade da cidadania
e como marco de um novo projeto de sociedade; assim como, mais uma vez, trazer à
discussão a importância de trabalhar os conteúdos da disciplina de uma forma que
exceda longas narrativas e privilegia os debates.

Para isto, primeiramente, me ocuparei com o contexto em que o documento foi


elaborado, o que é feito para alçar sua importância histórica. Em seguida, o foco será a
necessidade de continuar tentando repensar o ensino de história, ainda dominado pelas
aulas expositivas, e pontuar as oportunidades de uso das fontes históricas em sala de
aula, Por fim, é colocado uma sugestão de atividade com o texto de 1789, que pretende
ser um facilitador de iniciativas semelhantes.

O diferencial de 1789

A preferência pela Revolução Francesa nesse artigo não se dá apenas por esta
“inaugurar” a idade contemporânea na quatripartite historiográfica. Afinal, a queda de
Constantinopla ante aos turcos, marco inicial da idade moderna, acaba por não ser tão
revisitada nas aulas do ensino fundamental, médio e superior. Esta escolha também não
acontece porquê compartilho da perspectiva de que tem maior relevância os conteúdos
mais recentes. Este processo foi escolhido em consonância com a visão de Eric
Hobsbawm, que afirma ser esta a mais ecumênica das revoluções burguesas (2013,
p.99). Haja vista não se limitar a um só país como a Revolução Americana e a Inglesa,
ambas anteriores a queda da Bastilha. O levante do terceiro estado inaugura um outro
período no pensamento político europeu que também reverbera em outras partes do
mundo, visto que se concebeu como universal (ODALIA, 2014, 164).

Sobre as novidades revolucionárias, destaco a fundação da perspectiva de cidadania que


compartilhamos hoje no mundo ocidental. Claro, a cidadania deste início de século XXI
não é a mesma daquela existente no final do século XVIII, mas podemos encontra ali
seus pilares, como os direitos civis. E é justamente este movimento de expansão dos

277
direitos, célebre no pensamento de Thomas Marshall, que faz que este conteúdo seja
convidativo para o ensino de história.

Afinal, com a inauguração da cidadania pela Revolução Francesa temos importantes


transformações como a ideia de que “os homens nascem e permanecem livres”,
contrapondo o triplo estatuto da Ordem do Bispo Adalberon de Laon (FRANCO, 2011,
p.115). Famoso por definir as atribuições de camponeses, nobres e clérigos no mundo
medieval e, consequentemente, a hierarquização social implodida pelos revolucionários.
Assim como a secularização do poder político que abre a possibilidade de participação
dos agora cidadãos, mesmo que só seja possível usufruir de maneira plena desta
novidade os homens com determinada renda.

Além do “cuspe e giz”

Disto isto, já é possível falar sobre a relevância de continuar o esforço dos colegas que
há muito vem tentando melhorar o ensino de história nas escolas brasileiras. Este breve
artigo pretende colaborar com este objetivo ao sugerir que na prática docente seja
menos comum o uso de longas exposições. O que é diferente de banir este recurso. Ao
invés das aulas serem marcadas por extensas narrativas sobre o desenrolar de um fato ou
processo, sugiro que as fontes aparecem mais. E este novo protagonismo só é possível
quando, enquanto professores, lembramos nossos alunos do compromisso que eles
mesmos devem ter com a formação. Tarefa árdua e utópica, dirão alguns. Mas que não
pode ser negligenciada.

Defendo aqui que nossos alunos notoriamente amantes de tecnologia a utilizem para
“virem prontos” para aula. Isto é, estabeleçam contato prévio com o conteúdo a ser
trabalhado. Por questões financeiras ou de credibilidade, o uso da internet pode ser
questionada, o que é normal, já que nem todos os sites são confiáveis ou todos os alunos
têm acesso. Todavia, acredito que o livro didático, item praticamente universalidazado
nas escolas, assuma este papel. Afinal, sua oferta é gratuita e traz mais segurança ao
professor, já que é avaliado pelo MEC, grifo inexistente aos sites.

Tal proposição tem como base teórica a didática da pedagogia histórico-crítica,


sistematizada por João Luiz Gasparin. Para que os estudantes “cheguem preparados”, é
necessário planejamento por parte dos professores neste sentido. A proposta de
Gasparin sugere que “o educando deve ser desafiado, mobilizado, sensibilizado” (2015,
p.14). Nesse sentido, a primeira etapa de sua proposta pedagógica, a prática social,
afirma que deve se anunciar o que vai ser estudado, levantar o conhecimento dos alunos
sobre o tema e explanar sobre as razões deste estudo. Desta forma, o aluno toma
conhecimento do conteúdo e, como sugiro, se encarrega de conhecer minimamente o
assunto por conta própria, usando, os meios supracitados. Desta forma, evitamos que o
tempo de aula seja investido em informações e conhecimentos que podem ser
levantados pelos próprios estudantes. Ressalto que as dúvidas provenientes desta
imersão no tema pelos alunos devem ter espaço em sala.

O que viabiliza utilizar o encontro entre o regente e a classe para problematização,


segunda etapa prevista por Gasparin. Neste estágio do processo de ensino-aprendizagem

278
são levantadas questões para entender de maneira sistemática a sociedade estudada.
Quando o assunto é Revolução Francesa uma questão pertinente pode ser “por que
interessava ao terceiro estado uma Assembleia Constituinte?”. Interrogações desta
natureza, acredito, tornam as aulas mais instigantes e até mesmo relevantes. E seu
desenrolar faz com que os alunos tenham contato com diversos itens fundamentais em
nossa disciplina como as noções de sujeito histórico, temporalidades históricas,
historicidade dos conceitos e rupturas, tal como postura Bezerra (2013, p.43-45)

A sugestão

A fonte histórica, de acordo com minha leitura de Gasparin, encontra-se na


instrumentalização, isto é, os recursos didáticos levantados para responder as
interrogações anteriormente levantadas. Neste sentido, trago a sugestão de atividade
que usa a Declaração de 1789 para responder a problematização anteriormente posta.
Para sua plena execução é necessário que os alunos tenham domínio (a) dos princípios
da sociedade estamental e (b) da teoria politica que legitimava a dinastia Bourbon. O
exercício requer que os alunos tentam contato com os artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10 e 11 do
texto revolucionário. O que pode ser feita por cópias ou projeção. São as questões para
o debate em sala: “Quais itens do texto davam fim ao primeiro e segundo estado
francês? Justifique” e “Existe uma alteração na origem do poder político na
França com este texto? Justifique”. Lembro que a questão elaborada no momento de
problematização é a razão de ser da aula como um todo. Estas duas perguntas integram
a mesma aula e são auxiliares no empenho de responder a problematização. Desta
forma, penso que a abordagem sobre a Revolução Francesa seja mais construtiva para
os objetivos de leitura, compreensão e intervenção na sociedade.

Considerações finais

A ideia deste trabalho foi dar mais um passo para uma prática docente que excede o
modelo expositivo, que tem seus benefícios, porém não deve ser único. É sabido que
existem grandes entraves para a alteração deste cenário. Todavia, fomentar maior
autonomia intelectual de nossos alunos e promover maiores debates com fontes
históricos também não é irrealizável como pode parecer. E por isto o texto foi finalizado
com um exemplo que pode ser questionado, melhorado, usado ou simplesmente
descartado. No fim, o importante é reflexão que provocou em meus pares.

Bibliografia

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de história: conteúdos e conceitos básicos. In


KARNAL, Leandro. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São
Paulo: Contexto, 2013, pp. 37-49.

279
GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a Pedagogia Histórico-Crítica.
Campinas, Autores Associados, 2012.

HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2013.

ODALIA, Nilo. A liberdade como meta coletiva In PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla
Bassanezi. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2014. pp. 159-170.

280
ENSINO DE HISTÓRIA: NARRATIVAS DE
ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM
HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
LONDRINA, UEL
Prisciéle Maicá Silveira

Introdução

Este artigo é parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) desenvolvido em 2014


com orientação da Profa. e Dra. Maria de Fática da Cunha no curso de licenciatura em
História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). O objetivo geral do trabalho foi
investigar o que os alunos do 1º e 4º ano do curso de Licenciatura em História da UEL
pensavam sobre o mesmo, suas expectativas, questionamentos e a concepção de história
das duas séries. A coleta de dados foi através de questionário diferenciado para cada
série, e as respostas foram analisadas e categorizadas de acordo com a análise de
discurso de Laurence Bardin (1977).

Apresentamos aqui parte dos resultados da pesquisa realizada em 2014, destacando as


narrativas produzidas pelos alunos do 1º ano em resposta às questões 4, 6 e 8 do
Questionário, com a intenção de identificar se os ingressantes no curso possuem como
meta a docência, ou se pretendem/ou gostariam de trabalhar exclusivamente como
pesquisadores, se fosse possível. Importante destacar que recebemos 12 questionários
respondidos pelos alunos (matutino e noturno) do primeiro ano do curso e substituímos
os nomes pelos códigos de G1 à G12.

Questionário entregue aos alunos do 1º ano do curso de História da UEL 2014

1. Por que escolheu o curso de História?

2. O curso de História é muito diferente do que você imaginava no ensino médio?

3. O que é História para você?

4. Você gostaria de dar aulas de História (ensino fundamental, médio ou superior)?


Por quê?

5. Você gostaria de iniciar um trabalho de pesquisa? Em qual área e por quê?

6. Se fosse para lecionar História, qual conteúdo você acharia mais interessante de
trabalhar? Por quê?

281
7. O que você achou mais difícil até agora no curso de História?

8. Se fosse possível, você preferiria não dar aulas? Por quê?

Quanto à docência

Considerando que o curso de História na UEL é de licenciatura, o objetivo, portanto, é


formar professores, diante disso nos questionamos: Os alunos do primeiro ano estão
alinhados com esse propósito? O objetivo deles é formarem-se professores e atuarem na
área? Analisando as respostas em relação à questão nº 4 (Você gostaria de dar aulas de
História (fundamental, médio, ou nível superior)? Por quê?), observamos os seguintes
resultados.

Todos os 12 graduandos disseram que “sim”, querem dar aula de História, sete desejam
dar aula para o ensino médio, quatro gostariam de dar aulas para o ensino fundamental,
e sete tem interesse em lecionar no ensino superior. Os graduandos G5 e G10 não
responderam em qual nível gostariam de dar aulas.

Os motivos que levaram a escolha do nível de ensino foram basicamente três: Primeiro,
participar do processo de construção de conhecimento do aluno e poder ver sua
aprendizagem (narrativa G1). Segundo, fazer com que os alunos gostem de História e
entendam sua importância (narrativa G2):

G1 Sim e em qualquer um dos 3 níveis de escolarização, pois acredito que


a aula é o momento em que o professor solidifica o seu próprio
conhecimento, além de mediar a construção do conhecimento do aluno
também, e acredito que deva ser muito gratificante poder participar desse
processo. (grifos nossos).

G2 Sim. Meu desejo em fazer/cursar história surgiu com o interesse de dar


aula, mais especificamente no ensino médio. O motivo é fazer com que os
alunos gostem de história e entendam a sua importância. (grifos nossos).

E terceiro, para aqueles que escolheram o ensino superior, a justificativa está no fato de
dar aulas para adultos que escolheram estar ali e tem interesse pela História:

G11 Superior. [...] é que no ensino superior o professor convive com


adultos, que teoricamente estão ali porque querem e por interesse próprio e
se não, tem liberdade de não escutá-lo. Aluno e professor estão em sala por
um interesse em comum: o estudo da história, o que torna o “trabalho”
muito mais prazeroso. (grifos nossos).

Em relação à questão nº 6 do Questionário (Se fosse para lecionar História, qual


conteúdo você acharia mais interessante de trabalhar? Por quê?) nota-se um interesse
maior pelos conteúdos contemporâneos, o que podemos dizer, está diretamente ligado à
concepção de História desses alunos, que não pensam mais a História como o estudo do
passado, e sim o estudo de um contexto a partir de questionamentos do presente, com
interesses que partem do presente, daí o interesse por questões contemporâneas que se

282
relacionam diretamente com a realidade desses alunos, seu contexto histórico, a
sociedade moderna.

G1 Conteúdos relacionados à História Moderna e Contemporânea, pelos


mesmos motivos citados na resposta anterior, mas principalmente,
Revolução Francesa, Revolução Russa, as 2 grandes guerras mundiais e
Guerra Fria. (grifos nossos).

Quando G1 faz referência à sua resposta à questão anterior (a saber, questão nº 5 do


Questionário) ele fala justamente do interesse em trabalhar com conteúdos que estudem
a organização contemporânea da sociedade na qual está inserido e deseja pesquisar.

Em números temos o seguinte quadro, dos doze alunos, oito acreditam ser mais
interessante trabalhar com História Moderna e/ou Contemporânea, e escolheriam estes
períodos para lecionar. Um aluno gostaria de lecionar Teoria, mas não respondeu o
porquê, e outro não respondeu essa pergunta no Questionário. Dois alunos escolheriam
o conteúdo de Antiga e Medieval, segundo eles porque são períodos que fascinam.

G2 História Medieval, porque é uma matéria cheia de curiosidades que não


foram bem explicadas para mim antes de entrar na faculdade. (grifos
nossos).

G8 Antiga, porque é a época que mais me encanta, com suas cidades belas
como Cairo, Atenas e Roma. Tanto em sua apresentação como sua forma de
governo e segmentação social. (grifo nosso).

Em relação à questão nº 8 do Questionário (Se fosse possível, você preferiria não dar
aulas? Por quê?), foi quase unânime. Apenas quatro dos doze graduandos, se pudessem
escolher, não dariam aulas e prefeririam a pesquisa ou “outros caminhos profissionais”
nas palavras de G11. Os outros oito alunos ainda que pudessem optar por não dar aulas,
escolheriam lecionar. Isso é no mínimo animador, pois mesmo tendo consciência dos
desafios de ser professor, há um real interesse em ministrar aulas de História.

G2 Não, porque dar aula foi e é o objetivo para eu fazer esse curso.

G6 Não. Um dos interesses é dar aulas, por isso escolhi o curso.

G9 Não, pois entrei nesse curso justamente por ser licenciatura.

Os motivos que alavancam essa decisão incluem uma preocupação em “passar o


conhecimento adiante”. Os alunos acreditam que aprender e guardar para si, produzir
conhecimento e não compartilhar é errado e injusto, fazer pesquisa apenas para a
pesquisa é limitar ou restringir a História que deve ser ensinada. G1 e G3 expressam
isso quando dizem:

G1 Não, porque para mim, o conhecimento deve ser transmitido, e acho


que a forma mais democrática de transmitir esse conhecimento é nas
escolas. Pois, pelo o que eu vejo, os historiadores que não estão em sala
de aula, se limitam muitas vezes a escrever para acadêmicos ou pessoas

283
que já conhecem determinado assunto, ou seja, para poucos. (grifos
nossos)

G3 Não. Dar aulas é um processo continuo de atividades, o que acredito


que um profissional de História deva passar, [...] e não se fechar em
um mundo de teorias, as quais não possam ser compartilhadas. Por
isso acredito que seja importante dar aulas, e tenho interesse. (grifos
nossos)

Consciente do desafio que é ser professor, e assumindo grande interesse pela pesquisa,
G4 fala da importância e do papel do professor em sala de aula:

G4 Não. Eu gostaria de dar aula sim. Como disse na outra pergunta, eu vejo
a dificuldade que é ser professor hoje em dia e é verdade que eu gosto muito
mais da área de pesquisa. Mas acho que todo o conhecimento que
conseguimos desenvolver na pesquisa, deve ser passado para os outros,
deve ser ensinado nas salas de aula. Gosto da ideia de poder ajudar outras
pessoas, no caso alunos, a descobrirem e compreenderem coisas que eles
nunca saberiam se não fosse por um professor. (grifos nossos)

O alvo é a licenciatura, um dos graduandos escreve que a oportunidade de fazer o curso


de História em uma universidade pública e gratuita deve ser valorizada no exercício da
função como professor, ele diz o seguinte: “meu principal objetivo é lecionar, [...]
poder repassar todo o conhecimento que recebemos gratuitamente [...] mudar a
realidade e a forma de pensar de muitos jovens de hoje.” (G8, grifos nossos).

Referências Bibliográficas

ABUD, Kátia. Conhecimento histórico e ensino de História: a produção de


conhecimento histórico escolar. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora e CAINELLI, M. R.
(orgs.) II Encontro Perspectivas do Ensino de História. Curitiba, Aos Quatro Ventos,
1995.

BARCA, Isabel. O pensamento histórico dos jovens. Universidade do Minho: Braga


Editora, 2000.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BITTENCOURT, Circe F. Aprendizagens em História. In: Ensino de História:


fundamentos e métodos. São Paulo, Cortez: 2004.

CAINELLI, Marlene. “Educação Histórica: perspectivas de aprendizagem da história no


ensino fundamental” In: Educar em Revista. Curitiba: Ed. UFPR, 2006 (Dossiê
Educação Histórica).

FENELON, Déa. A formação do profissional de história e a realidade de ensino In:


Cadernos CEDES, n. 8, São Paulo: Cortez/CEDES, 1987.

284
LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em História. In: BARCA, Isabel
(Org.). Perspectivas em educação histórica. Universidade do Minho. CEEP, 2001.
p.131-150.

LEE, Peter. Em direção a um conceito de literacia histórica. In: Educar em Revista,


Ed. UFPR, Curitiba, 2006.

MELO, Maria do Céu de. O conhecimento tácito substantivo dos alunos: no rasto da
escravatura In: BARCA, Isabel (org.). Perspectivas em Educação Histórica. Centro de
Estudos em Educação e Psicologia, Universidade do Minho: 2001.

RÜSEN, Jörn. Didática – Funções do Saber Histórico. In: História Viva, Teoria da
História III, formas e funções do conhecimento histórico. – Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 2007. (Tradução de Estevão de Resende Martins).

SILVEIRA, Prisciéle Maicá. Narrativas de alunos do 1º e 4º ano do curso de


Licenciatura em História da Universidade Estadual de Londrina: um olhar sobre o
curso (2014). 2014. 62 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História).
Centro de Letras e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
PR, 2014.

285
ENSINO DE HISTÓRIA: EXPERIÊNCIAS
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM A HISTÓRIA
LOCAL
Rafael Fiedoruk Quinzani

O trabalho busca contribuir com um exemplo prático de metodologia para o ensino da


História Local, através de um projeto de pesquisa e reflexão historiográfica e Educação
Patrimonial realizado com alunos da turma 91 da Escola Estadual de Ensino Estadual
Arroio Grande, na cidade de Santa Maria-RS, possibilitado pelo Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência- subprojeto Educação do Campo da UFSM. Serão
abordados, principalmente, os aspectos que trazem as colaborações consideradas de
maior relevância a outros educadores, sendo que informações adicionais podem ser
obtidas diretamente com o autor, pois o foco é reduzir um problema há muito presente
na relação entre as disciplinas que pensam o ensino e o docente no ambiente escolar,
conforme pode-se observar no exemplo:

Normalmente a ideia central dessa crítica é que um livro de especulação


pedagógica ou de filosofia da educação nada pode nos trazer, pois reafirma,
com notas de pé de página e citações eruditas de Comenius, a importância
de um ensino totalizante, de avaliações contínuas, de se levar em conta a
realidade social do aluno, etc. O professor que enfrenta este aluno real todos
os dias acha estas idéias corretas. Ninguém duvida de princípios tão
salutares, mas fica registrado um abismo entre tais princípios e o mundo
tangível. (KARNAL, 2002, p. 17)

Nesse sentido, acredita- se que, despertando interesse, empolgação e ao mesmo tempo


contribuindo para o aprendizado do aluno, é possível mostrar que o “abismo” é
ultrapassável. Também as grandes mudanças sociais e políticas, como as atuais,
possuem profundo impacto nesse sentido, seja positivo ou negativo. Porém, pode- se
considerar, observando determinadas reformas na educação, que tais mudanças podem
ser muito temerosas sem o devido debate com o meio que pensa e pratica o ensino. O
Ensino de História Local dificilmente significa outro recorte espacial, por estar
expressamente relacionado ao aluno e seu cotidiano. Uma explicitação das
peculiaridades desta opção pedagógica segue no exemplo:

A história local tem sido indicada como necessária para o ensino por
possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado
sempre presente nos vários espaços de convivência – escola, casa,
comunidade, trabalho e lazer -, e igualmente por situar os problemas
significativos da história do presente. (Bittencourt, 2004, p 168)

A comunidade de Arroio Grande se localiza em um distrito rural de Santa Maria - RS.


As atividades de destaque são o cultivo de arroz (rizicultura) e a fabricação de facas

286
(cutelaria). O local tem base na colonização italiana, e possui um pequeno vilarejo, no
qual se situa a escola. Muitos alunos têm faltas frequentes, geralmente para ajudar a
família em suas tarefas. O centro do vilarejo é a Capela, que conta com um pároco
exclusivo.

A turma de nono ano da escola foi a escolhida para serem realizadas as atividades de
Ensino de História Local, por diversos fatores, principalmente pelo período no qual se
desenvolveu o vilarejo e a Capela (Idade Contemporânea, desenvolvido naquele ano
pela regente da turma) e a maior capacidade de abstração dos alunos devido a sua idade.
Após caminhar pelo vilarejo, buscando perceber o contexto local, foi solicitado aos
alunos que informassem suas práticas religiosas. Todos afirmaram ser católicos. Soma-
se aos incentivos para fazer este trabalho uma oportunidade de estágio no Memorial do
Santuário- Basílica Nossa Senhora de Medianeira, localizado na região central de Santa
Maria, que permitiu o acesso e a reprodução audiovisual do acervo e dos vitrais do
Santuário, material que seria usada como objeto de comparação aos vitrais da Capela de
Arroio Grande, percebendo-se duas Igrejas católicas, mas cada uma provinda de
contextos e temporalidades diferentes. Por exemplo, enquanto o Santuário- Basílica
Nossa Senhora da Medianeira situa- se no centro da cidade de Santa Maria, tem um
número alto de visitantes de outras Igrejas, e tem o estilo arquitetônico Moderno, a
Igreja de Arroio Grande localiza- se em uma pequena vila, praticamente não recebe
visitantes de outras paróquias e sua forma arquitetônica mistura elementos do Românico
e Gótico. Neste sentido, cada Igreja tem suas especificidades e ao mesmo tempo
representam o mesmo elemento, uma Igreja Católica. Utilizar as imagens dos vitrais e
objetos do Santuário-Basílica permitiria aos alunos, pela comparação, perceber estas
semelhanças e diferenças.

Depois de reunir depoimentos orais a respeito da história de Arroio Grande, pôde- se


conhecer um pouco mais sobre a localidade, bem como sua relação com a história do
município, e podendo, pelos conhecimentos historiográficos, relacioná-la ao contexto
geral. A partir disso, foram apontadas as principais semelhanças e diferenças entre a
Capela de Arroio Grande e o referido Santuário-Basílica, que seriam utilizadas
posteriormente. Foi então elaborada uma apresentação de Slides, contendo parte do
acervo e dos vitrais do Santuário-Basílica Nossa Senhora de Medianeira. Foi simulado
como se pode realizar uma análise crítica e historiográfica aos elementos presentes,
mostrando questões como: a diferença entre castiçais, conforme a época e o local em
que foram produzidos; os elementos bíblicos e não bíblicos nas imagens dos vitrais;
traços comuns, etc.

Mediante permissão, foi realizada, com acompanhamento, uma visita à Capela de


Arroio Grande. Seria agora responsabilidade dos alunos fazer a análise crítica. Com
algumas instruções para o comportamento na Capela, os alunos entraram, sentaram-se e
observaram os vitrais da Igreja, efetuando interessantes observações quanto aos
mesmos, que podem criar interessantes tópicos de aula, como a presença de elementos
bíblicos. Posteriormente, exploraram os outros objetos da Igreja. Houve grande
interesse em vários objetos, mas principalmente em um estandarte em latim. Por fim, os
alunos observaram as portas, cujos adornos eram bem detalhados, e retornaram à escola.

Após a atividade, observado o interesse pelo Latim, e considerando os conhecimentos


da língua, buscou-se representar uma missa nesta língua, na metodologia Católica

287
anterior ao Concilio Vaticano II, denominada Missa Tridentina ou rito milenar da missa.
Nesse sentido, o docente, representando o padre, solicitou que todos se ajoelhassem e
virou de costa para a turma. Uma passagem do ritual católico foi encenada em latim A
atividade despertou o interesse dos alunos. Uma sugestão promissora é permitir aos
alunos interessados que tentem efetuar alguma oração ou até outra leitura em latim, sem
fazer excessivas correções, mesmo por tratar-se de um tema que normalmente não é de
domínio sequer do professor. O importante seria a peculiar experiência do aluno.

Em outra ocasião, os alunos fizeram vitrais de celofane. Foi necessário papel celofane
de diversas cores, fita adesiva, um estilete e folhas de ofício. Os alunos desenharam o
contorno de seu vitral (em formatos como o de flor, coração, entre outros). Feito isso, o
papel na parte interior do desenho seria removido com estilete, e seria colado celofane
em seu lugar. Deve- se instruir os alunos para que não deixem vazios demasiadamente
grandes, pois a página pode rasgar ou o celofane pode não ter espaço para aderir. A
atividade recebeu extrema aceitação por parte dos alunos, que se engajaram na mesma.
O licenciado pode fornecer material extra, caso alguns alunos queiram fazer outro vitral,
já que os mesmos escolhem o local em que colocam suas obras e, principalmente por
este motivo, podem desejar mais de um vitral. O aluno deve decidir o que quer
representar, seja uma rosa, uma caveira brilhante, o símbolo de seu time. Todos podem
ter um significado na vida de um aluno. Sem significado, é provável que o vitral acabe
em uma gaveta ou lixeira.

Outra atividade realizada foi um quebra- cabeça com as imagens de alguns vitrais. Para
isto, o licenciado pode fotografar os vitrais que considerar mais interessantes ao aluno.
Posteriormente, pode passar essas imagens a um computador e imprimi-las em papel-
cartão, mais resistente que um papel de ofício comum e com melhor funcionalidade
enquanto quebra-cabeça. As imagens impressas são entregues aos alunos, os quais com
um lápis delinearão o contorno das peças do quebra-cabeça. Uma cópia do desenho
deve estar com o licenciado ou o aluno para que, o mesmo possa utilizá-la como
consulta posteriormente. A impressão original em papel cartão é recortada nas peças
anteriormente delineadas. Para manter o quebra-cabeça inteiro, o licenciado deve
entregar ao aluno uma folha de ofício para colar nessa folha o quebra- cabeça montado.
Para evitar que as peças se percam ou misturem-se, o licenciado pode se valer de
pequenos sacos plásticos para armazenar as peças.

Através do que foi apresentado, podemos perceber que existem diversas possibilidades
para praticar o Ensino de História Local em seus mais diversos elementos. Apesar de
terem sido realizadas outras atividades, são apontadas aqui as consideradas de maior
relevância. As atividades efetuadas têm relação com a história intrínseca a ambientes
religiosos, mas podem ser modificadas para diversos outros tópicos. É esperado que
com estes exemplos metodológicos possa-se humildemente contribuir aos licenciados,
mostrando práticas de teorias de ensino.

288
Referências bibliográficas

KARNAL, Leandro. Da acrópole à ágora. In: Padrós, Enrique Serra (orgs). Ensino de
História: formação de professores e cotidiano escolar. Porto Alegre: EST, 2002.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e


Métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

289
A LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O
DOCUMENTO, OS CUIDADOS E A PRÁTICA
Rafael Marcelino Tayar

Das elites ao povo: Positivismo e a Nova história

Houvera tempos em que o principal objetivo do ensino de história como disciplina,


pautava prioritariamente de maneira categórica na não problematização dos fatos, pois
estes falam por si. Esta visão, limitava tanto o ofício do historiador, na perspectiva
historiográfica; como também na incumbência do ensino, já que tais amarras
positivistas de certa maneira engessavam a transmissão do conhecimento em suas
diversificadas possibilidades. A respeito desta forma de ensino, Elza Nadai explica:

A periodização usada e a abordagem do conteúdo conduzem à uma


concepção de história da qual sobressai a grande influência do positivismo.
O conceito de fato histórico, a neutralidade e objetividade do
historiador/professor ao tratar do social, o papel do herói na construção da
Pátria, a utilização do método positivo permearam tanto o ensino quanto a
produção histórica. [...] Essa forma de ensino; determinada desde sua
origem como disciplina escolar, foi espaço da história oficial na qual os
únicos agentes visíveis do movimento social eram o Estado e as elites. [...]
(NADAI, 1992, p. 143-162)

Através de mudanças graduais, o ensino de história foi atualizando-se para práticas mais
abrangentes, assimilando conceitos da Nova história, corrente historiográfica
pertencente a terceira geração da Escola dos Annales. Tal corrente tem foco na
ampliação diversificada daquilo que pode ser considerado documento histórico, assim
como na interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento; logo, intensifica-se a
importância das representações coletivas e das estruturas mentais das sociedades. Desta
maneira, o documento histórico amplia-se, do mesmo modo que amplifica a voz do
povo, que outrora não sentia-se representado pela história, produzida numa perspectiva
excludente.

A tarefa de dinamizar o ensino de história, utilizando novas possibilidades de


ferramentas e materiais, se faz não somente possivel mas necessária, já que ainda temos
resquicios de um ensino de história focado na memorização exarcebada, que tem como
essência um nítido utilitarismo, já que a principal meta nesses casos refere-se ao sucesso
na avaliação e não na construção do conhecimento histórico, com bases no
desenvolvimento da criticidade do aluno. Em 1935, Murilo Mendes constatou esta
deformidade no ensino de história, situação fácil de ser detectada ainda nos dias atuais:

Nossos adolescentes também detestam a história. Votam-lhe ódio


entranhado e dela se vingam sempre que podem, ou decorando o mínimo
de conhecimento que o “ponto” exige ou se valendo lestamente da “cola”

290
para passar nos exames. Demos ampla absolvição à juventude. A história
como lhes é ensinada é, realmente, odiosa... (MENDES, 1935, p.41)

O documento: Literatura no ensino de história.

O uso do documento histórico no ensino, contribui não somente na construção de


interpretações diversificadas do conteúdo por parte dos alunos, mas também auxilia o
mesmo numa jornada de autoconhecimento, conhecendo sua origem, sua relação com a
sociedade que o produziu. (SILVA, 2006, p.162)

Neste contexto, entre os vários documentos históricos disponíveis e acessíveis, que


podem contribuir para o ensino em sala de aula, a literatura carrega consigo um poder
precioso para retratar as minucias de determinada sociedade, em sua devida
temporalidade, adentrando a vida privada, dando acesso ao clima de uma época,
reproduzindo a maneira que as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, e quais eram
os valores que guiavam sua rotina, quais preconceitos, sonhos e medos consumiam seus
pensamentos.(PESAVENTO, 2005, p.82)

De todo modo, a literatura contribui dando um acesso privilegiado ao passado,


apresentando as representações de uma época; como afirma a Sandra Jatahy Pesavento:

A Categoria de “representação” tornou - se central para as análises da nova


história cultural, que busca resgatar o modo como, através do tempo, em
momentos e lugares diferentes, os homens foram capazes de perceber a si
próprios e ao mundo, construindo um sistema de ideias e imagens de
representação coletiva e se atribuindo uma identidade.
(PESAVENTO,1995, p.116)

Literatura e história: Realidade e ficção, conhecimento histórico

Utilizando-se do livro escolar como recurso didático de ensino, juntamente com a


literatura, o professor tem a possibilidade de trazer visões diferenciadas sobre o mesmo
período; diversa em sua abordagem, pois o livro didático trará uma narrativa mais
fechada e objetiva de determinado conhecimento histórico, a literatura poderá contribuir
trazendo uma visão mais intimista de determinada sociedade. Para tal, o professor deve
ter alguns cuidados essenciais, não somente na escolha literária, mas na
contextualização necessária para que o objetivo previamente estipulado seja alcançado.

Uma preocupação constante deve-se ao fato de que, ao trabalhar com literatura no


ensino de história, o professor pode encontrar dificuldades de delimitar para os alunos
as diferenças da narrativa literária e narrativa histórica, a realidade versus a ficção; em
casos como estes, Roger Chartier considera que esta distinção entre ficção e história,
nos dias atuais, tem se mostrado vacilante, pois já existe uma diferenciação clara e
resolvida, já que a primeira “é um discurso que ‘informa’ do real, mas não pretende
abonar-se nele”, enquanto a segunda pretende realizar uma representação apropriada do

291
real, ou o mais próximo disso possível. Mas, mesmo esta diferenciação perde força na
literatura, sendo refutada pela “evidenciação da força das representações do passado que
a mesma produz. (CHARTIER, 2009, p. 24)

O conhecimento histórico pode ser definido de diversas maneiras, até mesmo com
funcionalismos diferentes. Os marxistas definem que o estudo do passado serve como
um instrumento de combate das injustiças e das desigualdades atuais, logo, o historiador
cumpre sua função sendo um intelectual orgânico gramsciano. Mas a história não
necessariamente precisa ser um instrumento político, assim ela é considerada por outras
vertentes como forma específica de conhecimento que busca a compreensão do passado.

Independente da definição, o conhecimento histórico colabora para um saber amplo,


incentiva o desenvolvimento da criticidade dos alunos, e este saber depende também da
valorização da leitura que irá colaborar para interpretação das diversas fontes e vestígios
das épocas passadas, e auxiliará no desenvolvimento de cidadãos conscientes,
preparados para a vida adulta e a inserção autônoma na sociedade. (BRASIL, 1999, p.
22)

Neste sentido, o conhecimento histórico só será assimilado pelos alunos quando:

“Estes compreendem que os vestígios do passado como evidência no seu


mais profundo sentido, ou seja, como algo que deve ser tratado não como
mera informação, mas como algo de onde se possam retirar respostas a
questões que nunca se pensou colocar.” (DUARTE, 2005, p. 134).

Na pratica: Conto, Os Mujiques (1897) de Anton Tchekhov

É de suma importância que o professor esteja ciente acerca das possíveis reações que os
alunos terão no contato com a literatura. Para evitar dificuldades extras, é necessário um
contato interdisciplinar com o professor da disciplina específica para saber se o material
escolhido é acessível para os alunos; acessível em sua linguagem, mas também a
respeito de sua disponibilidade na escola.

O professor deve também delimitar com clareza o problema que os alunos irão estudar,
e o motivo de uso de fontes literárias; conhecer sua fonte e a recepção crítica da obra,
entender o contexto sociocultural contemporâneo à fonte é mais relevante do que
esmiuçar a estrutura do texto. Texto e contexto se complementam. Por isso, é
indispensável que, antes de partir para o uso da literatura, o professor selecione o
conteúdo escolhido e o exponha por meio de um material escrito ou mesmo uma aula
expositiva. Desse modo os alunos estarão mais íntimos acerca do conteúdo, e poderão
exercer um discurso crítico desenvolvido por si próprio.

No 3º ano do ensino médio, em determinado momento o professor de história terá que


explorar a revolução russa de 1917, para tal é necessário que o aluno entenda as
estruturas sociais, econômicas e políticas que antecedem a revolução, voltar ao império
russo, entender a vida do mujiques (camponeses) antes e após o fim da servidão (1861).
Deste modo, o texto, Os Mujiques (1987) de Anton Tchekhov, trata-se de um conto que

292
atende tanto as expectativas linguísticas, quanto históricas, pois o mesmo exibe
detalhadamente, as condições que os mujiques russos viviam, mesmo após o fim da
servidão.

Neste texto é possível constatar nas minucias, de maneira intima e aproximada,


características como miséria, alimentação, o trabalho árduo, Impostos abusivos,
lembrança da servidão, religião, alcoolismo, as doenças, o clima, analfabetismo e a
violência doméstica. Todas características que exemplificam as causas que
contribuíram para que o povo russo se rebelasse no futuro, contra o governo.

São estas características da vida privada, que fazem da literatura uma ferramenta de
aprendizagem diferenciada quando comparada aos recursos básicos, como o livro
didático, que apresenta ao seu modo, uma história distante, dissociada do meio social do
aluno, que por vezes, pode achar a mesma desinteressante. Assim a literatura pode
estimular o sentimento de pertencimento, sentindo-se de fato um agente histórico.

Penso que de tudo que as escolas podem fazer com as crianças e os jovens,
não há nada de importância maior do que o ensino do prazer pela leitura. A
leitura é a chave para abrir as avenidas do mundo, sem ela somos seres
ilegíveis. (ALVES, 1999, p.61)

Referências Bibliográficas

ALVES, Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência. O dilema da educação. 4. ed, São


Paulo, Edições Loyola, 1999

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica.


Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação,
1999.

CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica,


2009.

DUARTE, M. J. F. Representações dos movimentos político-culturais da década de


60 nos jovens do ensino médio. Dissertação de mestrado apresentada a Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo, 2005.

MENDES, Murilo. A história no curso secundário. São Paulo, Gráfica Paulista, 1935.

NADAI, E. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectivas. Revista


Brasileira de História, vol. 13, n. 25/26, 1992.

PESAVENTO, S. J. Relação entre História e Literatura e Representação das identidades


Urbanas no Brasil (século XIX e XX). In: Revista anos 90. Porto Alegre, n. 4, 1995.

PESAVENTO, S.J. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

293
SILVA, K. V; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto,
edição n. 2, 2006.

TCHEKHOV, A. O assassinato e outras histórias. 3. ed. São Paulo: Cosac Naify,


2011.

294
O ENSINO DE HISTÓRIA NOS CURRÍCULOS DO
CURSO DE PEDAGOGIA
Ramires Santos Teodoro de Carvalho
Alessandra David

A pesquisa surgiu da inquietação, na qualidade de professor, dos anos iniciais do Ensino


Fundamental, a partir de uma reflexão sobre o ensino de História na Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia, mediante debate realizado pelo
Movimento dos Educadores, Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED) e Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), diante do Parecer
CNE/CP n. 5/2005 que fundamenta a Resolução do CNE/CP n.1/2006 e o Parecer
CNE/CP n. 3/2006, homologado em abril de 2006.

A disciplina Conteúdos e Metodologia do Ensino de História é um componente


curricular obrigatório no curso de Pedagogia, porém, nem sempre desenvolvido de
modo adequado, desconsiderando sua importância para a formação e para a construção
do indivíduo enquanto sujeito histórico. Por isso, a pertinência desta análise e da
discussão teórica sobre o ensino de História nos cursos de Pedagogia, e a influência da
História ensinada nas escolas de Ensino Fundamental I. A complexidade e os desafios
teórico-práticos que as Instituições de Ensino Superior encontraram para sistematizar e
regulamentar a reforma do curso de Pedagogia, de acordo com a DCN de Pedagogia-
2006, é outro fator que justifica esta pesquisa.

Uma breve passagem histórica remonta as reformas elaboradas no Ensino Superior com
os acordos MEC-USAID, Agência Norte-americana para o Desenvolvimento
Internacional, propunham orientar programas e a reformular o sistema de ensino
brasileiro. A formação docente no final dos anos 1960 (Lei 5.540/68) e o Decreto-Lei n.
464/69, 11 de fevereiro de 1969, que estabeleceu normas complementares à Lei
5.540/68, ficaram conhecidas como Reforma Universitária e o início dos anos 1970 (Lei
5.692/71) que tinha como finalidade reformular o ensino de primeiro e segundo graus, e
a Escola Normal.

Segundo Libâneo (2006) na década de 1970 suscitou em boa parte dos educadores, a
expectativa de superar uma educação fragmentada de caráter tecnicista, isto é, a divisão
técnica do trabalho escolar, segundo os modelos escolares norte-americanos. Assim
sendo, os educadores uniram-se em torno da teoria da reprodução e das teorias críticas
da sociedade “ambas dando suporte teórico para se fazer a crítica da educação
capitalista e, particularmente da concepção neopositivista de ciência e seus reflexos na
educação” (p. 113).

Aprender a ser sujeito da/na História relacionando passado e presente é um dos


mecanismos principais do ensino de História. Assim, este texto busca numa análise

295
documental, por intermédio dos “conceitos-chaves” de Cellard (2010), e sob à luz da
perspectiva histórico-crítica e da teoria crítica do currículo, analisar os planos de ensino
relacionado a disciplina Conteúdos e Metodologia do Ensino de História, de cursos de
Pedagogia presenciais, de cinco Instituições de Ensino Superior de um município do
interior paulista.

A documentação em estudo foi disponibilizada pelas Instituições apenas para fins da


pesquisa, que encontra-se em andamento. Visitamos cada uma das Instituições
explicando aos coordenadores do curso de Pedagogia o objetivo da pesquisa, e
apresentamos o termo de compromisso e de Ética em Pesquisa concedido pelo
Programa de Pós-Graduação, a fim de resguardar as Instituições participantes para que a
pesquisa pudesse ser desenvolvida.

Segundo Rossi e Inácio Filho (2004, p. 8), o currículo escolar carrega um poder
disciplinador, instaurador de ordem a ser obedecido, um adestramento intelectual,

baseado na cultura dominante, mediante a interesses econômicos [..] para


consolidação de uma nova ordem social [...]. Portanto, exercem importante
função de mecanismos de reprodução e conservação de desigualdades
sociais com o objetivo de atender, por meio de conteúdo explicito do
currículo, os interesses dominantes.

Segundo a historiadora Kátia Abud (2006) os currículos e programas escolares são


intervenções do próprio órgãos oficiais no ensino, isto significa que a formação dos
alunos está intimamente ligada a interesses superiores, ou seja, “o discurso do poder se
pronuncia sobre a educação e define seu sentido, forma, finalidade e conteúdo e
estabelece, sobre cada disciplina, o controle da informação a ser transmitida e da
formação pretendida”. (p. 28). Assim sendo, passamos a entender que ensinar História,
é extremamente importante para romper com essa supremacia, pois adquirem-se
ferramentas necessárias para “o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lançar os germes do
histórico” (SCHMIDT, 2006, p. 57).

A Pedagogia é um campo de conhecimento que se debruça sistematicamente nas


práticas e nos fenômenos educativos, e por conseguinte na formação escolar. Segundo
Franco (2011), o currículo do curso de Pedagogia deveria estruturar-se numa
perspectiva dialética, ancorado num projeto social, e esse, transformando-se em cultura
real (objeto de conhecimento), pois “o curso de formação de professores não se efetua
no vazio, devendo estar vinculado a uma intencionalidade, a uma política, a uma
epistemologia, a pesquisas aprofundadas dos saberes pedagógicos [...]”. (p. 109).

Assim, Abud (2006, p. 28) acredita que os currículos “constituem o instrumento mais
poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua interferência em
última instância, na formação da clientela escolar para o exercício da cidadania, no
sentido que interessa aos grupos dominantes”.

Saviani (2012) ao analisar as Diretrizes do curso de Pedagogia, explica que além de


generalistas, carregam no bojo articulações paradoxais,

296
extremamente restritas e demasiadamente extensivas: muito restritas no
essencial e assaz excessivas no acessório. São restritas no que se refere ao
essencial, isto é, àquilo que configura a pedagogia como um campo teórico-
prático dotado de um acúmulo de conhecimentos e experiências resultantes
de séculos passados. Mas são extensivas, no acessório, isto é, dilatam em
múltiplas e reiterativas referências à linguagem hoje em evidência [...]. ( p.
58).

Por esses motivos, podemos observar os desafios que futuros pedagogos têm em ensinar
História, a começar pela dificuldade advinda da formação inicial de caráter, polivalente,
generalista e/ou genérica (previsto nas DCNs-Pedagogia 2006) em que, o curso de
Pedagogia deve preparar o profissional para exercer o magistério na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, além de especialistas na área educacional,
gestores e supervisores de ensino.

Em razão disso, percebe-se a importância de uma boa formação do(a) pedagogo(a), para
que o(a) mesmo(a) possa ter fundamentos teóricos e práticos para ensinar História na
Educação Infantil, e, especialmente nos anos inicias do Ensino Fundamental, níveis em
que atua, visto que, o ensino de História possibilita o(a) aluno(a) observar, indagar e
questionar o modo como se constrói a sua história, desenvolvendo seu sentido de
pertencer a uma sociedade, fator que possibilita inferir na realidade vivida, identificando
passado e presente nos vários espaços coexistentes. Para isso se realizar, é importante
que o(a) professor(a) trabalhe a partir de histórias individuais e de grupos as relações
sociais aluno-professor-sociedade, haja vista que o ensino de História permite conceber
a identidade dos sujeitos e a análise e a observação espacial-temporal histórica.

A apropriação como cidadão sócio-histórico permite o(a) aluno(a) compreender-se


como sujeito da própria história social, cultural, política e econômica, o que o(a) leva a
refletir e a posicionar-se criticamente perante a sociedade, e quando adulto, ser capaz de
enfrentar as adversidades socioculturais como agente consciente de suas práticas.

Observamos que a carga horária reservada para a disciplina de Conteúdos e


Metodologia do Ensino de História, no curso de Pedagogia, é ínfima se comparada à
carga horária de outras disciplinas, em razão do currículo da educação básica, nível em
que o futuro Pedagogo atuará, ser prescrito pelas próprias redes municipais ou estaduais
que, seguindo a orientação geral, possui baixa carga horária de História para todo o
ensino fundamental.

O currículo é uma forma de representação e expressão que carrega no bojo, uma forma
organizacional e aglutinadora, que perpassa o ensinar, o aprender, mas também a
segregação de disciplinas escolares que constituem e estão intimamente ligados ao
projeto pedagógico instituído por cada IES. Diante desta perspectiva, podemos entender
que a proposta deste texto é de contribuir para uma melhor reflexão numa perspectiva
de (re)orientação do currículo e assim uma melhor formação para o ensino de História
no curso de Pedagogia. “O ensino de História pode possibilitar ao aluno “reconhecer a
existência da história crítica e da história interiorizada” e “a viver conscientemente as
especificidades de cada uma delas”. (BITTENCOURT, 2006, p. 27).

297
Acreditamos que o ensino de História possibilita a construção da identidade crítica do
sujeito, para que atuando na sociedade em que vive, seja capaz de fazer a relação
passado e presente, percebendo-se, sobretudo, como protagonista e transformador da
realidade vivida, e um currículo mínimo de História pode comprometer essa
possibilidade.

Referências

ABUD, Kátia. Currículos de História e políticas públicas: os programas de história do


Brasil na escola secundária. In: BITTENCOURT, Circe. (org.). O saber histórico na
sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. p. 28-41.

BITTENCOURT, Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de


História. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 11. ed. São
Paulo: Contexto, 2006, p. 11-27.

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13/12/2006. Diário Oficial da União. (Disponível em:
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BRASIL, Conselho Nacional de Educação (2006). “Parecer CNE/CP n. 03/2006”, de


21/2/2006. Diário Oficial da União, de 11/4/2006 (Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp003_06.pdf).

BRASIL, Conselho Nacional de Educação (2006). “Resolução CNE/CP n. 1/2006”, de


15/5/2006. Diário da União, de 16/5/2006, Seção 1, p. 11. (Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf).

CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean.; DESLAURIES, Jean-


Pierre.; GROULX, Lionel-H. et al. (orgs). A pesquisa qualitativa: enfoques
epistemológicos e metodológicos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 295-315.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Para um currículo de formação de pedagogos:


indicativos. In: PIMENTA, Selma Garrido (org.) Pedagogia e pedagogos: caminhos e
perspectivas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 101-129.

LIBÂNEO, José Carlos. Que destino os educadores darão à Pedagogia?. In: PIMENTA,
Selma Garrido (org.). Pedagogia, ciência da educação?. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2006. p. 107-134.

ROSSI, Michelle Pereira da Silva; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mercado, Educação e


Currículo: a (re)estruturação de um modelo educacional. In: III Congresso Brasileiro
de História da Educação, 2004, Curitiba. ANAIS: III Congresso Brasileiro de História
da Educação. Curitiba: EdPUCPR, 2004.

SAVIANI, Dermeval. A pedagogia no Brasil: história e teoria. 2.ed. Campinas, SP:


Autores Associados, 2012.

298
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de história e o cotidiano da
sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe. (org.). O saber histórico na sala de aula. 6.
ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 54-66.

299
HISTÓRIA, MEMÓRIA E ENSINO: CAMINHOS E
DESCAMINHOS PARA UMA PRÁTICA DOCENTE
Ramon Bezerra de Souza

Introdução

Heródoto e Tucídides se destacaram na antiguidade por se fazerem utilizar de


testemunhos orais em seus relatos, produzindo importantes obras. Pegando por base o
caso de Tucídides, onde nos é apresentado o primeiro exemplo de certa crítica de
confiabilidade ao relato oral, podemos estabelecer um parâmetro para se trabalhar com
esse tipo de fonte. Assim como as demais fontes escritas e visuais, a história oral
necessita de uma crítica minuciosa e de um método de abordagem. Durante muito
tempo renegada em meio ao predomínio positivista, que elegia os documentos escritos
oficiais como único caminho de se chegar a uma verdade histórica, a história oral foi
ganhando seu espaço com o advento dos Annales em 1929, onde foi possibilitado um
alargamento na utilização de fontes na análise histórica, assim como a
interdisciplinaridade, pois agora a história seria auxiliada e seria auxiliadora consonante
com outras disciplinas. Esse preconceito de herança positivista, no uso desse tipo de
fonte, é criticado por Joutard (1998), onde assinala que a resistência dos historiadores à
história oral apenas priva-os de novas perspectivas.

Obtendo destaque nos Estados Unidos na década de 50, na Itália na década de 60 (com
os antropólogos De Martino, Bosio e o sociólogo Ferraoti), na França por volta dos anos
70 e trazendo-se para a América Latina em 1980-1990, os relatos orais foram ganhando
visibilidade muito em decorrência dos acontecimentos importantes que iam se
perpetuando no tempo presente. Segundo Matos (2011) “Muitos historiadores passaram
a compreender a importância da história do tempo presente, para a qual as fontes orais
são essenciais. Portanto, estruturou-se uma metodologia e uma organização teórica
dentro do que se passou a se chamar de história oral.”. Mas é importante ressaltar que
para além de sua utilização exclusivamente no tempo presente, os relatos orais podem
ser arquivados para servirem de consultas de pesquisas futuras, como nos atenta Alberti
(1989):

“A história oral apenas pode ser empregada em pesquisas sobre temas


contemporâneos, ocorridos em um passado não muito remoto, isto é, que a
memória dos seres humanos alcance, para que se possam entrevistar pessoas
que dele participarem, seja como atores, seja como testemunhas. É claro
que, com o passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão servir
de fontes de consulta para pesquisas sobre temas não contemporâneos. ’’
(Alberti, 1989 p. 4).

Vale lembrar também que não caiamos no mesmo erro da história tradicional, ao elencar
tipos de fontes ideais. Não é indicado ao historiador/pesquisador utilizar apenas fontes
orais em sua pesquisa, ela precisa ser amparada por outros objetos de analise, por outras

300
fontes. Segundo Alessandro Portelli (2006), as fontes orais revelam as intenções dos
feitos, suas crenças, mentalidades, imaginário e pensamentos referentes às experiências
vividas. A fonte oral pode não ser um dado preciso, mas possui dados que, às vezes, um
documento escrito não possui. Por isso o diálogo de diferentes tipos de fontes e
abordagens se veem necessários, para que a pesquisa seja mais aprofundada e
embasada.

O argumento de que o uso de história oral é inviabilizado ao discurso histórico por


motivo de possuir uma subjetividade inerente ao relato é infundado, Thompson (1992)
argumenta que nenhuma fonte está livre da subjetividade, seja ela escrita, oral ou visual.
O historiador antes de fazer a pesquisa deve ter um aporte, uma base, tanto teórica -
buscando auxílio aos seus pares, como bem cita Certeau (1976), quanto contextual do
período e da sociedade ao qual o entrevistado está inserido. No referente trabalho aqui
analisado, procurando fazer esse jogo de análise com o contexto, mas também com
outra via ao qual a história oral gosta muito de dialogar, que é a interdisciplinaridade, ao
estabelecermos para além da reflexão histórica, uma discussão puramente metodológica
na questão do processo de ensino-aprendizagem. Essa busca ao contexto se faz
necessário, pois nenhuma memória individual é separada de uma influência coletiva.
Maurice Halbwachs (2004) aponta que “Toda memória é coletiva, e como tal, ela
constitui um elemento essencial da identidade, da percepção de si e dos outros.”. As
memórias individuais e coletivas se confundem, pois não nos constituímos sozinhos,
não somos ilhas isoladas.

A crítica em relação às questões de memória também se fizeram presentes em nossa


pesquisa, principalmente as referentes aos esquecimentos, aos silêncios, as pausas, as
seletividades, dentre outras circundantes que nos jogaram a uma abordagem dialogada
com uma perspectiva psicológica de análise do relato. Mas todo esse processo crítico foi
posto de maneira superficial, porém, satisfatório, de forma não muito aprofundada, pois
o trabalho é proposto a alunos de ensino fundamental.

Segundo Le Goff (1996), a memória é o objetivo principal no trabalho com as fontes


orais, pois o estudo é recuperado por intermédio da memória das testemunhas. A
memória é construída no presente, buscando vestígios de coisas vividas ou
testemunhadas no passado. Pierre Nora nos incita a reflexão quando escreve:

A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente;


a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a
memória não se acomoda a detalhes que a confortam: ela se alimenta de
lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou
simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções.
A história, porque operação intelectual e laicizante demandam análise e
discursos críticos. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a
liberta e a torna sempre prosaica [...] (NORA, 1993: 9).

Guiamo-nos nas indicações de Chantal de Tourtier-Bonazzi, num capítulo escrito no


livro Usos e abusos da história oral, onde a autora nos mostra que é essencial
selecionar com cautela e seguindo alguns métodos, a testemunha, o lugar onde será
efetuada a entrevista e o roteiro. Atendo-nos e portados teoricamente por Matos (2011)
nos tópicos relacionados a transcrições da entrevista.

301
Diante de todo esse arcabouço teórico sobre memória, temos que transparecer aos
alunos os cuidados e métodos que devem ser postos em prática quando se pretende
trabalhar com a oralidade. Tal exercício de reflexão se configura numa indicação
didático metodológica para os professores de história, mas que pode ser utilizada
também por outras áreas de ensino de forma interdisciplinar, no que rege a utilização da
história oral em sala de aula, possibilitando ao docente uma nova forma de abordagem
de conteúdo e um novo meio de se chegar ao destino do processo de ensino. Como
recurso pedagógico interdisciplinar, ela permite desenvolver nos estudantes novas
habilidades de leitura e escrita, estimular seu trabalho criativo e conectá-los às suas
comunidades.

Referências

ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação


Getúlio Vargas, 1990.

AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998.

FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de


Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.

JOUTARD, Philippe. História oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos


25 anos. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da história oral.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed.Campinas: Ed. da Unicamp, 1996.

LODI, João Bosco. A entrevista: teoria e prática. 3. Ed. São Paulo: Pioneira, 1977.

MATOS, Júlia Silveira; SENNA, Adriana Kivansky de. História oral como fonte:
problemas e métodos. Historiae, Rio Grande, 2 (1): 95 – 108, 2011.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto


História. São Paulo: PUC, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

SANTHIAGO, Ricardo; MAGALHÃES, Valéria. História Oral na Sala de Aula -


Col. Práticas Docentes. Ed. Autêntica, 2015.

THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

TOURTIER-BONAZZI, Chantal de. Arquivos: propostas metodológicas. In:


FERREIRA, M.

302
COMO OS ALUNOS APRENDEM HISTÓRIA?
Rebecca Carolline Moraes da Silva

Este texto aborda uma breve reflexão contida em apenas um dos tópicos de uma
pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina, que tem como intenção investigar as ideias
históricas de alunos do ensino médio a partir do trabalho com o filme “O menino do
pijama listrado” (2008) em sala de aula, pela metodologia da aula-oficina. Tal tópico
versa sobre o panorama teórico que embasa a construção desta pesquisa, que tem seu
aporte teórico na linha de pesquisa da Educação Histórica, partindo assim da
perspectiva de que os processos de ensinar e aprender dentro de uma sala de aula não
são automáticos – ou seja, o aluno exerce papel ativo.

Tendo isso em vista, Siman (2005) aponta que nossos alunos desde muito cedo
começam a formar seus conhecimentos a partir de suas interações com a sociedade ao
seu redor. Da mesma maneira, cada um está inserido em determinado contexto que traz
consigo uma cultura histórica. Assim, a partir dessas interações, começa-se a formação
da consciência histórica e os conhecimentos prévios (ou conhecimentos tácitos) deste
indivíduo.

Isabel Barca, citada por Grendel (2005), afirma que todo conhecimento se origina a
partir dos conhecimentos prévios carregados pelos alunos, e que isto deve ser levado em
conta se queremos chegar ao conhecimento científico com os mesmos (cf. BARCA
apud GRENDEL, 2005, p. 05). Grendel (2005) ainda coloca que

os conhecimentos prévios de história estão constituídos por um conjunto de


teorias e noções sobre o mundo social, que alunos, professores, historiadores
e pesquisadores construíram em suas próprias interações sociais. Esses
saberes, mediados pela ação dos sujeitos (alunos e professores), são
reconstruídos e constituem os saberes históricos escolares. (GRENDEL,
2005, p. 05).

Schmidt e Cainelli (2004) afirmam que o conhecimento do aluno deve ser respeitado e
valorizado, pois é o conjunto de representações que ele já construiu sobre o mundo em
que vive e, assim, são o mundo em que vive – por isto é importante ter como ponto
inicial dos trabalhos os conhecimentos prévios dos alunos; tais conhecimentos devem
dar significado aos conteúdos históricos trabalhados. Além disto, devemos ter em mente
que o aluno é ativo em sala de aula e efetiva suas próprias ideais sobre o mundo social,
não sendo meramente um receptor passivo das informações trazidas pelo professor (cf.
SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 61-62).

Em relação à consciência histórica, Rüsen (2011) pontua que a a aprendizagem histórica


é “a consciência humana relativa ao tempo, experimentando o tempo para ser
significativa, adquirindo e desenvolvendo a competência para atribuir significado ao
tempo” (RÜSEN, 2011, p. 79). Com isso, entende-se que a aprendizagem histórica é

303
relativa ao desenvolvimento da consciência histórica; esta, por sua vez, pode ser
sintetizada, grosso modo, como a compreensão do presente a partir do estudo do
passado para, assim, projetar as ações futuras.

O autor também argumenta que todo pensamento histórico é uma articulação da


consciência histórica. Esta é a realidade “[...] a partir da qual se pode entender o que a
história é, como ciência, e por que ela é necessária”. Trata-se de um “fenômeno do
mundo vital”, uma forma de consciência humana intrinsecamente ligada ao cotidiano e
à vida prática, com a qual os homens interpretam a experiência temporal de seu mundo
e de si mesmos, de tal maneira que possam orientar sua vida prática no tempo (cf.
RÜSEN, 2001, p. 56-57).

Assim, tem-se que a consciência histórica “[...] seria a forma como os homens passam a
entender as suas experiências de vida e as mudanças do mundo na evolução do tempo,
para que possam se orientar, cotidianamente, na vida prática” (SANTOS, 2014, p. 41).

Tendo isto em vista, Rüsen (2011) pontua que a consciência histórica opera a partir da
memória, aproximando as três dimensões do tempo (passado, presente e futuro),
possuindo como finalidade a orientação temporal na vida prática dos indivíduos.
Considerando que aprender é um processo dialético de construção de conhecimento, que
envolve os conhecimentos que o indivíduo já possui aliados aos novos conteúdos que
são apropriados e reelaborados, resultando em um novo conhecimento, o autor
considera que a pessoa que aprende é transformada.

Nesta perspectiva, a aprendizagem histórica tem como objeto de conhecimento a própria


história, os acontecimentos do passado, os processos de mudança do tempo que obtém
sentido pelo sujeito, recebem uma significação que serve como base para “uma
compreensão de si mesmo assim como a sua orientação no tempo” (RÜSEN, 2011, p.
82). Conforme o autor, esse processo de aprendizagem é caracterizado por um duplo
movimento: primeiramente a “subjetivação do objeto” que é a aquisição de experiência
no tempo, ou seja, o estudo dos acontecimentos do passado e, em segundo lugar, a
“objetivação do sujeito”, que significa a submissão do indivíduo a este novo
conhecimento, o que acontece, como já mencionado, de maneira dialética – o sujeito
não apenas reproduz o que foi ensinado a ele, mas o aprendizado do que está no passado
agora faz parte de seu presente e pode ser observado na documentação e evidências que
marcaram tal tempo (cf. RÜSEN, 2011, p. 82-83).

Levando estes pontos em consideração, tem-se que a aprendizagem histórica se dá a


partir do desenvolvimento da consciência histórica e, conforme Rüsen (2011), envolve
três operações: experiência, interpretação e orientação. Ou seja, para este autor, a
aprendizagem histórica se realiza pelo aumento do conhecimento sobre os
acontecimentos do passado, a significação destes a partir da interpretação e pelo
desenvolvimento da “capacidade de aplicar estes significados históricos aos quadros de
orientação da vida prática” (RÜSEN, 2011, p. 84). Aqui cabe pontuar o que este autor
define para cada operação envolvida na aprendizagem histórica.

Conforme Rüsen (2011), o aumento da experiência sobre o passado humano é uma das
características da aprendizagem histórica. Parte-se do entendimento de que o passado é
um tempo diferenciado do tempo presente e, ainda, que o passado tornou-se o presente;

304
é a percepção dessa diferença de tempo que deve ser o centro da abordagem da história,
para que o estudo do passado adquira sentido para o sujeito (cf. RÜSEN, 2011, p. 85).

Também, a aprendizagem histórica envolve o aumento da capacidade de interpretação,


de atribuição de significados ao passado. Essa é uma característica importante, pois é o
momento em que o indivíduo pode refletir sobre o conhecimento apropriado e criar uma
argumentação em cima dessa reflexão. Assim, vai-se em direção de uma concepção de
aprendizagem que permite a transformação do conhecimento histórico a partir da
argumentação, do questionamento (cf. RÜSEN, 2011, p. 86-87).

Por fim, a terceira operação que a aprendizagem histórica abrange é o aumento na


competência da orientação na vida prática. Por esta característica, o aprendizado deve
constituir sentidos voltados para a organização e orientação da vida do sujeito no que
diz respeito aos processos do tempo, “os quais transformam as pessoas e seu mundo”
(RÜSEN, 2011, p. 88). Desta maneira, os sujeitos podem perspectivar seu futuro
sustentados numa argumentação historicamente consciente.

Assim, na perspectiva rüseniana, tem-se que a aprendizagem histórica deve ser


significativa para os estudantes, tendo como finalidade a orientação temporal, esta
ancorada nas experiências e interpretações do passado. Aliam-se, portanto,
conhecimento, significado e orientação, o que pode ser descrito como a “habilidade de
reconhecer a historicidade de si mesmo e do próprio mundo como uma oportunidade
para agir” o que leva “os sujeitos abandonar a restrição advinda dos pontos de vista
autoritários, e possibilitam aos mesmo conhecer as perspectivas sobre a vida voltadas
para a liberdade de pensamento sobre os pontos de vista” (RÜSEN, 2011, p. 89).

Referências

GRENDEL, Marlene Terezinha. Os conhecimentos prévios no ensino de História: uma


experiência. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina. Anais
do XXIII Simpósio Nacional de História – História: guerra e paz. Londrina: ANPUH,
2005.

O Menino do Pijama Listrado. Direção: Mark Herman. Produção: Heyday Films.


2008. 94 min.

RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica.


Brasília: UnB, 2001.

RÜSEN, Jörn. Experiência, interpretação e orientação: as três dimensões da


aprendizagem histórica. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel.
MARTINS, Estevão de Rezende (orgs.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba:
Ed. UFPR, 2011, p. 79-91.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo,


Scipione, 2004.

305
SIMAN, Lana Mara. Representações e memórias sociais compartilhadas: desafios para
os processos de ensino e aprendizagem da História. In: Cad. Cedes, Campinas, vol. 25,
n. 67, p. 348-364, set./dez., 2005.

SOUZA, Éder Cristiano. Cinema e educação histórica: jovens e sua relação com a
história em filmes. Curitiba, 2014. 358 f. Tese (Doutorado em Educação) – Setor de
Educação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2014.

306
A POLISSEMIA DA PALAVRA VIOLÊNCIA NO
AMBIENTE ESCOLAR
Reinaldo Glusczka

O termo violência é utilizado para denominar os mais diversos atos e a noção que dela
(a violência) se faz, é inicialmente ambígua, assim, podemos concluir que não existe
uma violência, mas uma multiplicidade de manifestações de atos violentos. O conceito
também se submete aos valores e aos costumes sociais, o que não deixa de aumentar a
confusão para localizar-se conceitualmente nesse assunto. Alguns pesquisadores
encontram dificuldade para conceituar violência e consequentemente violência escolar.

O presente artigo busca uma discussão conceitual em torno do termo “violência” dentro
do âmbito escolar e o faz a partir de uma dupla perspectiva. Primeiramente, trás a visão
de especialistas sobre o assunto. Educadores que debatem e escrevem sobre o problema
da violência na escola. Em seguida, apresenta a perspectiva dos próprios alunos de uma
escola pública da cidade de Ponta Grossa-PR. O objetivo é ampliar o horizonte
conceitual, buscando um debate amplo que contemple ambas as visões contribuindo
para um arcabouço mais pormenorizado da problemática.

Uma conceituação geral de violência utilizada por diversos autores como Priotto (2011),
Veiga (2007) e Tigre (2010), fala que violência é quando em uma situação de interação
um ou mais sujeitos agem de maneira direta ou indireta, maciça ou espaça, causando
danos a uma ou a várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja
em sua integridade psíquica, moral, em suas posses ou em sua participação simbólica e
cultural. Quando a violência acontece um indivíduo impõe sua força, seu poder ou seu
status contra outro indivíduo de forma a prejudicá-lo, maltratá-lo ou abusar dele física
ou psicologicamente, direta ou indiretamente, sendo a vítima inocente de qualquer
argumento ou justificativa que o indivíduo violento apresente de forma cínica ou
indesculpável.

Tigre (2010, p.84-94), fala que desordem não é violência entre alunos; falta de respeito
entre professor e aluno não é a mesma coisa que falar de bullying; intromissão de
pessoas alheias à escola não é absenteísmo escolar. Os tratamentos e as repercussões na
escola são diferentes, como também é diferente o tipo de intervenção que se exige para
cada caso. Contudo, a violência que se manifesta na escola deve ser encarada como um
problema de cunho pedagógico, mas para que isso ocorra é imprescindível que o termo
violência e indisciplina não sejam confundidos e nem tomados como sinônimos.

Indisciplina é caracterizada pela dificuldade de respeitar as normas e regras da escola,


quer através de excessos de todos os tipos: depredação, pichação, zombarias, risos,
ironia, tagarelice, maus comportamentos, tumulto, atitude de desrespeito, de intolerância
aos acordos firmados. Incapacidade do aluno ou do grupo em se ajustar as normas e
padrões de comportamento esperados. Para alguns autores, indisciplina é rebeldia contra
qualquer regra da escola constituída, desrespeito aos princípios de convivência

307
combinados sem uma justificativa viável, causando transtornos. Incapacidade de
relacionar-se com normas e valores estabelecidos por um grupo.

Se é difícil para os mediadores institucionalizados abordarem a temática, o que dizer


dos alunos. Segundo as DCNs (Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da
Rede de Educação Básica do Estado do Paraná) 2005 parece que a escola não pode abrir
mão de transmitir valores, de exigir respeito mútuo, de viver e conviver eticamente e
contribuindo para a formação social dos alunos e por fim da sociedade. A escola é um
espaço para uma estruturação psíquica dos indivíduos e deve fornecer subsídios que
proporcionem uma formação mais justa, humana e igualitária.

Finalmente a questão da violência não é exclusiva dos alunos, mas também da conduta
do professor. A indisciplina e a violência são causadas por um conjunto e reflete uma
combinação complexa. E isto faz parte do perfil da indisciplina e deve ser considerada
se desejamos compreende-la e estabelecer soluções efetivas. Nenhuma pessoa vive em
disciplina e sem violência num mundo de fracassos que vêm apoiados em uma
globalização econômica onde ocorre destruição familiar, desemprego, trabalho infantil,
fome, injustiça na distribuição de renda, ausência de uma política concreta de reforma
agrária, imoralidade generalizada, perda de parâmetros éticos da sociedade, mortalidade
infantil, epidemias e endemias, discriminação infantil e social, discriminação racial,
torturas, guerras entre outros povos, agressividade, drogas na escola, pichação,
depredação escolar, criminalidade exacerbada e violência em geral. E tudo isso se
reflete na educação e o professor deve ter um referencial para poder mediar essas
discussões para um melhor aproveitamento do potencial dos alunos, bem como dos
conflitos surgidos, para poder tratar de forma diferenciada e eficiente de cada caso.

Segundo Tigre (2010), o fato de ser um fenômeno que se manifesta nas diversas esferas
sociais, tanto no espaço público como no privado e de manifestar-se de forma física,
moral, psicológica e simbólica, apresentando-se difundida em situações de humilhação,
exclusão, ameaças, brigas, desrespeito, indiferença, omissão e negação do outro, está
intimamente relacionada a mudanças dos padrões sociais, onde percebemos que o
adolescente (o aluno) é um sujeito vivendo sem objetivos, sem ideais. A ética
transmitida pelo mundo hoje, não é uma ética reflexiva, crítica e sim inspirada no
oportunismo. Essas mudanças são percebidas na fala dos alunos interferindo na relação
entre alunos, entre professores e alunos e entre conhecimento e assimilação adentrando
aos muros da escola.

Ainda não foram encontrados ações ou projetos que procurassem envolver o coletivo
escolar e muito do que é implementado parte de ações isoladas dos professores, não
representando um referencial a ser utilizado pelos demais envolvidos no processo
pedagógico.

A pesquisa desenvolvida no colégio José Elias da Rocha, na cidade de Ponta Grossa,


Paraná, buscou evidenciar como os alunos entendem a violência no ambiente escolar.
Foram distribuídos cem (100) questionários com questões abertas para alunos dos 6º
anos do ensino fundamental. Dos cem questionários entregues, oitenta (80) foram
respondidos.

308
A primeira pergunta foi: ”O que pode causar violência na escola?”. Essa pergunta era
aberta e entre as principais respostas destacam-se problemas na estrutura escolar como
colaboradora para a violência; problemas trazidos de casa; falta de educação e
desobediência dos alunos e ainda o álcool e outras drogas sendo o responsável pela
violência.

Percebemos assim que o problema da violência não possui uma causa isolada e sim um
conjunto de fatores que podem proporcionar situações violentas. Para esses alunos, a
violência não ocorre por meio de um aspecto único, mau comportamento é reflexo de
problemas na estrutura familiar, que por sua vez é agravado com o uso de drogas,
encontrando solo fértil na falta de formação adequada dos profissionais da educação não
habilitados para algumas problemáticas do tempo presente, tudo isso culminando em
atos de violência.

A segunda pergunta inquiria os alunos: “Quais são os problemas da escola?” Essa


pergunta foi fechada e tinha as seguintes opções: a) os professores; b) a direção; c)
brigas e/ou bagunça. Os alunos responderam, em 77 dos questionários, que o maior
problema da escola é a bagunça e as brigas. Outros três alunos responderam que o
problema da escola está nos alunos.

Isso deixa transparecer que os alunos têm consciência da indisciplina e da violência


como um problema na escola, apresentando assim um censo crítico quanto a esse
aspecto. Porém o silêncio e a passividade dos alunos são estudados com um meio que
reafirma a posição de submissão decorrente de atos violentos.

A última questão aborda as melhorias que poderiam ocorrer na escola para atenuar a
questão da violência. Aqui a questão também foi aberta e agrupamos as principais
respostas em cinco tópicos: Acabar com as brigas, bagunças e bullying com
apontamentos de 39 alunos; reformas na estrutura física com 33; merenda com 14
alunos; desrespeito de alunos com os professores e entre si com 23; e finalmente 20
alunos que solicitaram mudanças na estrutura pedagógica.

A relevância do indicador de fatores ligados à indisciplina e a violência estarem com


mais apontamentos reafirma que os alunos percebem a violência como um problema do
ambiente escolar. Os alunos têm consciência e convivem com a violência na escola. A
violência faz parte das civilizações e como tal, participa da própria constituição e
organização social. Essa ação ou efeito constitui um aspecto essencial de sua formação e
por estar presente na sociedade, não se limita a determinados espaços, classe sociais ou
faixa etárias sendo necessário explicitar a violência e suas representações, bem como
sua repercussão no cotidiano escolar, contextualizando-a com as políticas públicas
existentes. Abramovay (2007) fala dessa importância para a construção de uma visão
crítica sobre o fenômeno e suas especificidades.

Concluímos destacando que o primeiro cuidado a ser tomado em relação ao conceito de


violência é no sentido de não torná-lo um slogan. Esse é um fenômeno típico dos
tempos pós-modernos ao qual toda sociedade deve trabalhar para solucionar. Um
caminho para isso seria a desmistificação da escola como uma propriedade privada, a
escola deve ser de todos, aberta para a comunidade. Pois ela é um bem público e deve
ser vista assim!

309
Referências

ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G. Drogas na Escola. Versão resumida. Brasília:


UNESCO, Rede Pitágoras, 2005. P.143.

BAVOSO. M. L. A; TIGRE, M. G. E. S. Indisciplina e Violência na Escola: Um


Desafio Para Os Profissionais Da Educação. 18p. Artigo

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação


Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná. Versão Preliminar.
Curitiba: SEED/ DEF, 2005.

PRIOTTO, E. P. Violência Escolar: Políticas Públicas e Práticas Educativas no


Município de Foz do Iguaçu. Edunioeste 2011, 213p.

TIGRE, M. G. E. S. Gestão das relações educativas no espaço escola. Ponta Grossa:


UEPG/NUTEAD, 2010. Unidade I – Violência e indisciplina na escola, Seção 2 –
Discutindo os conceitos de violência, bullying, indisciplina e disciplina. P. 84-94.

TIGRE, M. G. E. S. Os Jovens E A Violência Na Escola. Rev. Teoria e Prática da


Educação, v. 13, n. 2, p. 131-140, maio/ago. 2010.

VEIGA, F. H. Indisciplina e Violência na Escola: Práticas Comunicacionais para


Professores e Pais. Ed: Edições Almeida, Fevereiro de 2007.

310
A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR -
BNCC E O ENSINO DE HISTÓRIA
Renato Alcântara de Abreu

A análise de Chervel (1990) sobre a história das disciplinas escolares, com uma
expressiva circulação no Brasil, parte do pressuposto de que a escola é um espaço de
criação, mais do que de reprodução de valores e que as disciplinas são produzidas no
interior da escola em suas relações com a cultura escolar. De modo que a Base Nacional
Comum Curricular - BNCC é um iniciativa intelectual e política sob coordenação do
Ministério da Educação - MEC, respondendo ao estabelecido em diferentes instâncias
legais: a constituição brasileira, a LDB, o PNE, possui em seus objetivos, a proposta de
estruturação e unidade mínima da educação básica, demonstrando o quão necessário é,
diante dos resultados de avaliações internas e externas.

Ao analisar a BNCC, deve-se considerar o papel histórico deste documento após a


ausência de décadas de uma diretriz curricular nacional e a necessidade de se constituir
em uma proposição consistente e adequada para sua prática futura. Dialogando com
Chervel, percebe-se que o conceito de disciplina em si é algo recente, de forma que é,
em última instância, tarefa do historiador definir a noção de disciplina ao mesmo tempo
em que faz a sua história (CHERVEL, 1990, p. 178).

O ensino de História na BNCC, assim como as demais disciplinas precisa possuir os


seguintes princípios: Equidade, com um currículo escolar unificado que determine o que
e em que momento os conteúdos devem ser ensinados a estudantes do ensino básico é
um passo fundamental para garantir que o Brasil ofereça a mesma oportunidade a todos
os seus estudantes. Eficiência, que com ela, é possível saber o que os estudantes devem
aprender, criar metas, medir resultados, cobrar mudanças e saber se o ensino está
progredindo. Evidência, de modo que todas as nações que conseguiram bons resultados
na educação possuem uma base curricular. Coesão social com possibilidade de pautar a
elaboração de material didático e de formação de professores, além de dar um maior
empoderamento a familiares e à comunidade na participação na vida escolar.

As leituras e análises sobre o texto de apresentação do componente História denotam a


não definição de objetivos gerais claros, apresentando explicitamente como objetivo,
apenas, “viabilizar a compreensão e a problematização dos valores, dos saberes e dos
fazeres de pessoas, em variadas espacialidades e temporalidades, em dimensões
individual e coletiva.”

Tal objetivo é bastante genérico, pois não define o lugar de processos, bem como a
importância da perspectiva temporal para a constituição da historicidade desses
processos. De certa maneira, reincide no problema apontado acima, acerca da
compreensão acerca do tempo na formação histórica dos alunos e alunas do ensino
básico.

311
O desafio maior de um documento desta abrangência é sua generalidade e necessidade
simultânea de ser objetivo e claro para um público heterogêneo. Segundo Chervel, o
historiador precisa considerar a que tipo de finalidades determinada disciplina vem
satisfazer. Considerando-se que em cada época a escola se coloca a serviço de diferentes
finalidades que no seu conjunto fornecem a esta instituição o seu caráter educativo, é
por meio das disciplinas escolares que ela sempre vai colocar um conteúdo de instrução
a serviço de uma finalidade educativa (CHERVEL, 1990, p. 188).

Os objetivos de aprendizagem necessitam estar relacionados ao domínio no âmbito


cognitivo desse conjunto de fatos e processos, aliado a procedimentos e atitudes que,
por um lado, contribuem para desenvolver e, por outro, evidenciam, o desenvolvimento
do pensamento histórico sobre esse conjunto de fatos e processos. Esse domínio
cognitivo envolve a mobilização de noções e conceitos relativos ao tempo e à história na
elaboração de narrativa acerca dos fatos e processos mencionados anteriormente. Seria
necessário que, paralelamente aos objetivos de aprendizagem, a cada segmento do
Ensino Fundamental (anos iniciais e finais) e Ensino Médio, houvesse a explicitação de
conteúdos relacionados, em uma visão global e articulada, propiciando que os
professores compreendessem sua relação com tais objetivos de aprendizagem. Em
História, a natureza dos conteúdos curriculares é dificilmente comtemplada pela via
exclusiva dos objetivos de aprendizagem tal como estão formulados até agora nos
documentos.

Que a causalidade e as relações entre acontecimentos sejam complexificadas


gradualmente desde os anos iniciais, não apenas no tratamento de processos específicos,
mas também na busca de estabelecimento de relações entre processos.

André Chervel atribui um papel central aos atores da escola, professores e alunos, como
verdadeiros produtores das disciplinas escolares. E a proposta de uma Base Nacional é
tornar, de fato, os docentes protagonistas, mas a proposta da reforma do ensino médio,
via Medida Provisória 746 de 2016, através do governo federal vigente, flexibiliza todo
um processo de conquistas nos últimos anos. E necessitamos garantir o que André
Chervel nos propõe como característica evidenciada, o quanto a escola é um grande
personagem histórico, na medida em que no diálogo com as demandas advindas dos
grupos sociais aos quais serve de maneira ativa e nenhum pouco passivo, produz novas
realidades, novas culturas, das quais as disciplinas escolares são, de certa maneira, uma
de suas produções.

Refletir e debater que adotar uma base curricular comum é fundamental para reduzir as
desigualdades educacionais de uma nação. Ao definir o que é essencial ao ensino de
todos os alunos em cada uma das etapas da vida escolar, as expectativas de aprendizado
e critérios de qualidade ganham transparência e podem ser aplicadas e cobradas com
maior eficiência.

É fundamental que professores e alunos se sintam a vontade para usar a sala de aula
como espaço de engajamento de produção intelectual autônoma e original.

Como assegura Chervel (1990), os conteúdos são apenas meios utilizados para o
alcance de um fim, e um momento ideal para isso é quando uma disciplina escolar é
alvo de alguma mudança, quando novas finalidades lhe são prescritas e novos objetivos

312
lhe são impostos pela conjuntura política ou renovação do sistema educacional.
Podemos tomar como referência o momento atual da disciplina de História, com
período de crise, nos quais o principal ator da história das disciplinas — o professor —
sai à procura de soluções para enfrentar as mudanças, pois nesses momentos é que as
reais finalidades se revelam no ensino e contra propostas de cercear a liberdade de
expressão dos professores, como o projeto Escola Sem Partido.

Quanto a preocupação dos currículos em alinhar a teoria e prática, temos o


aprofundamento com Jörn Rüsen ao estabelecer três objetivos prioritários que devem
conter o ensino de História e, portanto, a Base Curricular: a competência perceptiva, a
interpretação e a orientação histórica, formadoras do que pode ser denominado de
“competência narrativa” e que consiste na “faculdade de representar o passado de
maneira tão clara e descritiva que a atualidade se converta em algo compreensível e que
a própria experiência vital adquire perspectivas de futuro sólidas”. A competência
narrativa que Rüsen defende e que deve ser apreendida no aprendizado histórico pode
ser transformada em uma competência baseada na experiência – a competência
perceptiva (a que permite distinguir com clareza o passado, na sua diferença e
distanciamento do presente); uma competência interpretativa (a que busca conexões de
significados e sentidos com a realidade presente) e ainda em uma competência
orientativa (a que integra a História interpretada no fluxo da experiência presente como
capaz de orientar as ações do futuro).

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Congresso. Brasília, DF, 1988.

_______. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Congresso. Brasília, DF, 1996.

_______. Lei 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação –


PNE. Congresso. Brasília, DF, 2014.

______. Base Nacional Comum Curricular – Versões I e II MEC. Brasília, DF, 2015 e
2016.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de


pesquisa. Teoria & Educação, n. 2, p. 177-229, 1990.

FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História & ensino de história. Belo Horizonte:
Autentica, 2003.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa e consequente.
In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: Conceitos, práticas e
propostas. São Paulo: Contexto, 2003.

RÜSEN, Jörn. A História Entre a Modernidade e a Pós-modernidade. História:


questões e debates, Curitiba, v. 14, n. 26/27, p. 80-101, jan./dez. 1997. ___________.

313
Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão.
Tradução de Marcos Roberto Kusnick. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 1, n. 1, p. 7-
16, jul./dez. 2006.

___________. História Viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento


histórico. Brasília: UnB, 2007. RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: os
fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001.

314
A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA
LOCAL E REGIONAL NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE SOCIAL DE ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Richard Batista Silveira

O atual modelo de ensino de história, em vigor desde a década de 1980 é ainda baseado
na apropriação do conhecimento a partir da prática do acúmulo de informações,
efetuado muitas vezes a partir da memorização mecânica e de conhecimentos
superficiais (por vezes adquiridos tão somente nos livros didáticos). Esse modelo de
ensino acaba por tornar a História uma disciplina personalista, que enaltece heróis e
enfatiza acontecimentos isolados, o passado sendo uniformizado, excluindo a
participação dos “dominados”, e a participação da comunidade nos “grandes
acontecimentos Históricos”. Fonseca afirma que:

É interessante observar que há uma tentativa de legitimar pelo controle do


ensino de História, a lógica política do Estado e da classe dominante,
anulando a liberdade de formação e de pensamento da juventude,
homogeneizando a imagem desses sujeitos sociais, em torno da imagem do
homem que melhor serve aos interesses do Estado e da Nação (FONSECA,
1993: 61)

Podemos notar que existe a participação do Estado no processo de ensino da disciplina


de História, o que gera uma certa exclusão do indivíduo, e por sua vez uma
desconsideração do valor da coletividade, uma imposição de valores e memórias que faz
do processo de aprendizagem da disciplina de História uma atividade enfadonha, sem
sentido ou utilidade prática. Não se tem uma visão de ciência histórica ou mesmo uma
visão crítica dos temas abordados, mas, sim, a História é vista como matéria decorativa,
a qual precisamos somente recorrer ao livro para buscar nomes e datas ainda não
decorados. Essa realidade não é de se estranhar, basta observarmos a distância existente
entre a realidade vivenciada pelo indivíduo em sua comunidade e o tratamento dado ao
ensino de História, fazendo do aluno não mais que um mero espectador dos fatos já
“prontos”, e não um agente transformador da História e da sociedade, não necessitando
esforços no sentido de qualquer reflexão ou elaboração sobre o passado.

Ainda é predominante no Brasil o modelo de ensino de História com uma vertente


bastante eurocêntrica. Modelo que emite a ideia de que a Europa e seus elementos
culturais caracterizam referências para a composição de toda a sociedade moderna, fato
que pode ser comprovado através da análise dos livros didáticos aprovados para
utilização no ensino fundamental, são temas que abordam em sua maioria o processo
civilizador Europeu gerando uma imagem de indolência dos “povos” do novo mundo –
o conceito de civilização passa a ser utilizado por volta do século XIX sendo usado

315
frequentemente para legitimar o poderio da sociedade Europeia baseando-se na
comparação e no preconceito entre as diferentes sociedades, não fazendo a mínima
alusão ao dia-a-dia dos alunos.

No Brasil temos como referencial para o ensino de História os Parâmetros Curriculares


Nacionais (PCNs), que tem como pressuposto a condução do professor em seu processo
de ensino, não de forma homogênea ou impositiva. Não existe a pretensão de sobrepor
as competências que são confiadas aos Estados, Municípios, Professores e Agentes
escolares de forma que os PCNs preceituam que o ensino de História local deve ser uma
referência no ensino de História. A questão da construção de uma identidade social
também é uma das referências proposta pelo PCN de História para o ensino
fundamental, quando afirma que um dos objetivos da disciplina de História no nesse
nível é proporcionar métodos que levem os alunos a capacidade de:

Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,


materiais e culturais como meio, para construir progressivamente a noção de
identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertença ao país. (BRASIL,
MEC: 1998)

Fica claro a necessidade da análise do local para capacitar o aluno na construção de uma
identidade social, entretanto, o processo de ensino-aprendizado da disciplina de História
tornou-se meramente livresca, ao passo que são aplicados os conteúdos tratados como
universais, já conhecidos e decodificados nos livros didáticos, abandonando-se a
história local e por sua vez a possibilidade da construção de uma identidade social de
determinadas comunidades. É inaceitável conceber o fato de que os estudantes de
ensino fundamental conheçam toda a História Geral, e em contrapartida desconheça sua
própria História, a História de sua comunidade, quem somos? De onde viemos?
Vasconcelos afirma que:

A História, como uma área de conhecimento, sempre existiu. Por isso, existe
uma busca incessante sobre o passado dos povos os quais descobrem que, da
mesma forma que o passado de uma pessoa é importante para que ela
conheça sua própria identidade, também os vários povos da Terra buscam
narrativas acerca do seu passado, já que as comunidades humanas também
possuem identidade, uma pessoa se reconhece como brasileira, por exemplo,
porque o Brasil tem um passado que a ajuda a compreender nossa identidade
coletiva. (VASCONCELOS, 2007)

Para entendermos essa identidade é preciso olharmos atentamente para aos vários
momentos em que a coletividade se faz presente nos movimentos de alteração (ou
manutenção) da dinâmica social e histórica. Levando em consideração a mistura de
culturas que compõe o povo Brasileiro, cuja construção ideológica e conceitos ainda são
baseadas essencialmente na cultura europeia, percebe-se que o uso do livro didático, em
sua maioria eurocêntricos, acaba sendo o único recurso que professores e alunos
possuem para instrumentalizar sua prática escolar, reproduzindo as verdades históricas,
sem ampliar o leque de discussão para a História local. Contudo, a importância do livro
didático vai além do conteúdo que traz em seu interior:

316
(...) é preciso reconhecer, diante da realidade brasileira que, muitas vezes, os
livros ou manuais didáticos são os únicos materiais de leitura e de acesso de
grande parte da população às informações históricas. Cumprem uma função
social importante na difusão do saber letrado, da cultura e da História do
Brasil e dos povos. Simbolicamente, os livros distinguem nas ruas das
cidades e nas estradas aqueles que são estudantes. Nos deslocamentos da
casa para a escola ou da escola para o trabalho garantem, assim, a segurança
de crianças, jovens e adultos, por portarem um símbolo de comportamento
valorizado socialmente. Indicam aqueles que frequentam a escola e
assumem uma responsabilidade comprometida com o presente e o futuro.
(BRASIL, MEC: 1998)

Sendo o livro didático muitas vezes o único recurso de consulta, essa exclusividade não
faz com que seus conteúdos sejam efetivamente aproveitados na questão da formação de
uma identidade, pois, os temas apresentam uma visão histórica que tende a afastar o
aluno de uma possível compreensão dos fatos. A História apresentada pelos livros
didáticos são vistas como incontestáveis, uma história “já pronta”, feita pelos que
dominam, negando a participação de pessoas comuns na história, oferecendo um grande
silêncio historiográfico sobre a história dos denominados como vencidos. Segundo a
Professora Idelsuite Lima:

Ao negarem a participação das pessoas comuns na história, os livros


didáticos reforçam a ideia de que a história é feita pelos grandes, pelos
dominantes, pelos que estão no poder e descartam qualquer perspectiva de
possibilitar ao aluno a sua participação na construção da história. (Lima
2000, 01-117)

Pelo exposto podemos notar que a é História ensinada nos moldes eurocêntrico porque
há uma valorização dos fatos e dos nomes históricos vindo da Europa, como a divisão
política e temporal da História, transmitindo uma ideia de que as grandes
transformações Históricas ocorreram graças a personalidades isoladas e da mesma
intensidade enaltecendo “vultos históricos”, pouco (ou nada) contribui para a formação
de uma identidade nacional. Como exemplo nós temos o fato de que praticamente todos
os estudantes elencam a inconfidência mineira como o principal (talvez o único)
acontecimento que culminaria na independência do Brasil de Portugal, porém,
esquecendo-se das lutas populares ocorridas na Bahia, como por exemplo a Sabinada,
onde houve a participação de pessoas de todas as classes e não só a elite econômica.
Essas revoltas não são tão difundidas e muito menos os nomes de seus envolvidos
permeia os imaginários dos alunos, sequer dos alunos de escolas baianas.

É a partir do local que o indivíduo passa a perceber o mundo, pois o primeiro contato de
sociedade que temos é a comunidade local, é a partir do conhecimento dos indivíduos
ao nosso redor que conseguimos adquirir um autoconhecimento que serve para a criação
de um sentimento de pertença a esse grupo ou diversos outros grupos: “sou
Soteropolitano”, “sou Baiano”, esse sentimento de pertença altera a dinâmica social,
cultural e política de uma determinada região.

A necessidade de participação é evidente em indivíduos que se identificam com a


dinâmica de sua comunidade. O conhecimento de sua História leva a uma valorização

317
de sua localidade e gera além do sentimento de pertença a esse local, um despertar da
noção de cidadania que por sua vez contribui para a construção de uma identidade
social. Sentimos a necessidade de ser reconhecido como pertencente a uma determinada
região, entretanto primeiramente é preciso reconhecer-nos integrantes de determinada
dinâmica social, objeto esse que poderia ser fruto de debates em sala de aula no ensino
fundamental, para a construção de uma educação mais inclusiva e libertadora.

Referências bibliográficas

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Introdução. Ensino


Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

FONSECA, Selva Guimarães, Caminhos da história ensinada. Campinas, Papirus,


1993.

LIMA, Idelsuite de Sousa. Ensino de História Local e Currículo: idéias, dizeres e


práticas no fazer educativo escolar. João Pessoa, 2000. (Dissertação de mestrado).
Universidade Federal da Paraíba.

LIMA, Idelsuite de Sousa. Ensino de História Local e currículo: primeiras reflexões.


Caderno de Educação Popular. João Pessoa: UFPB/PPGE, 2000.

VASCONCELOS, José Antonio. Metodologia do ensino de história. Curitiba: IBPEX,


2007.

318
ENSINO DE HISTÓRIA COMO PRÁTICA
EDUCATIVA
Roberto José da Silva

O ensino de história pode ser encarado como uma prática educacional que provoca nos
estudantes das escolas básicas mudanças nas formas de compreensão no mundo. Na
escola básica muitos modelos de práticas de aula de História permanecem e podemos
dividi-los em duas vertentes: as práticas tradicionais e as construtivistas.

Para Saviani, o modelo de ensino tradicional,

[...] que ainda predomina hoje nas escolas se constituiu após a revolução
industrial e se implantou nos chamados sistemas nacionais de ensino,
configurando amplas redes oficiais, criadas a partir de meados do século
passado, no momento em que, consolidado o poder burguês, aciona-se a
escola redentora da humanidade, universal, gratuita e obrigatória como um
instrumento de consolidação da ordem democrática”. (Saviani, 1991.
p.54).

Já o modelo construtivista parte do pressuposto de ser uma técnica metodológica na


qual a postura que o professor adota nas suas aulas é fundamental. Esta metodologia foi
fundamentada no Iluminismo, que valorizava a construção do conhecimento humano
através da razão. Esse processo decorre de técnicas e práticas conciliadas à forma de
compreensão do modus vivendida investigação científica,e foi baseado em estudos
psíquicos e conceitos posteriores sobre as fazes de formação de uma criança.

“Na medida em que esse professores de História da Educação, assumimos


essa atitude de investigação; na medida em que nós, em face dos alunos,
estimulamos esta mesma atitude, eis como estaremos contribuindo
efetivamente para o avanço do campo do conhecimento que constitui a
História da Educação e, no nosso caso específico, para o desenvolvimento
da História da Educação Brasileira” (Saviani, 2008 p, 37-38).

Faz parte do trabalho do professor (a) elaborar as aulas e escolher os conteúdos


disciplinares que são trazidos pelo livro didático. Por isso o ato de escolha do livro
didático que será utilizado na escola é muito importante. O professor, ao utilizar o livro
didático tem em mãos um projeto elaborado e preparado diretamente para o aluno. Esse
material pode ser trabalhado de diversas formas: estudo dirigido, exercícios escritos e
orais, produção textual, através das leituras individuais e/ou coletivas, trabalho em
grupo, produções e diálogos/conversações, apresentações de cartazes a partir da fonte,
interpretações de texto, pesquisas no livro didático e dicionários, com propósito de
observar o aluno em avaliações continuas, bem como a participação nas atividades
propostas, comportamento e assiduidade nas aulas e, nos eventos escolares.

319
Na minha experiência inicial como professor de História na escola básica cursando a
disciplina de estágio supervisionado, monitorias e PIBID, tive a oportunidade de poder
elaborar aulas, aplicá-las e manter esse contato direto com a escola, antes de concluir o
curso. Esse fator foi gratificante para minha formação como professor de História pois
percebi que este trabalho modifica a forma de entendimento do mundo dos estudantes.

Percebi nos alunos que estive em contato, que é gratificante para eles ter alunos
estagiários em sala, essa relação é mais eficaz, pois é importante para eles se saírem
bem, tanto com o professor estagiário quanto com o professor regente. No ensino médio
existe uma preocupação com o fato do teste avaliativo do Enem, para alunos do ultimo
ano do ensino médio, e isso faz com que o professor tenha uma maior carga de
responsabilidade por estarem em um processo de seleção, que deve possuir um
resultado positivo, correspondendo às expectativas da série. Na educação de jovens e
adultos, o processo está ligado à curiosidade, busca de conhecimento. Pude então
observar que a disciplina de história em todos esses processos, possui uma relação de
ensino-aprendizagem entre aluno e professor, que correspondeu em grande parte com a
minha formação.

Sempre que se fala no ensino de história em sala de aula acredito que se deve lembrar
de que o estudo da história parte do presente, pois ao buscar questionamentos atuais os
professores e os alunos poderão rever os acontecimentos ou fatos do passado. Poderão
também desmistificar ideias pré-concebidas e do senso comum ou contribuir para
compreensão da evolução social e pessoal. Por isso, o ensino de história serve para
situar o nosso presente e utilizando as experiências do passado para problematizar o que
ocorre no presente. Entendemos dessa forma, pois, estudar história na escola básica não
é apenas decorar fatos do passado que já foram encerrados, mas pelo contrário, com o
estudo do presente podem-se criar relações existentes entre o passado e o presente dos
estudantes.

Referências

SAVIANI, Dermeval. (1944) – Educação do senso comum à consciência filosófica. 18ª


Ed.- Campinas, SP: Autores Associados, 2009.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Campinas, São Paulo. Autores Associados,


2008. (Coleção Educação Contemporânea). Edição Comemorativa.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 24. Ed. São Paulo: Cortez, 1991.

320
O DIÁLOGO EM SALA DE AULA: REFLEXÕES
SOBRE INTERAÇÕES VERBAIS NO ENSINO
Rodrigo dos Santos

O texto é oriundo das reflexões, a partir da prática docente, das disciplinas de


Fundamentos da Educação, Didática Geral e Organização do Trabalho Escolar e
Pedagógico do Curso Interdisciplinar em Educação no Campo: Ciência da Natureza e
Matemática (Licenciatura) e do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Sociais
e Humanas (Licenciatura) da Universidade Federal da Fronteira Sul/Campus de
Laranjeiras do Sul. Com base em leituras que serão explanadas no decorrer deste,
percebemos como o diálogo é de extrema relevância, não apenas para o Ensino de
História, mas para todas as disciplinas na prática realizada em sala de aula.

O diálogo deve ocorrer entre professor e aluno, ou como na perspectiva de Paulo Freire
(1983) educador e educando, sempre pensando que os sujeitos da sala de aula aprendem
juntos, de forma mútua. A experiência que o educando possui da sua vivência, advindo
da experiência, com o confronto entre o conhecimento, advindo do educador. Com esse
diálogo, a construção do conhecimento faz sentido tanto para o educando como para o
educador, ambos desenvolvendo sua consciência histórica (RÜSEN, 2006).

A ausência de diálogo em sala de aula é um vestígio da Educação Tradicional. Neste


tipo de educação, Saviani (1997) aponta que o sujeito que aprende é considerado uma
tábua rasa, sem conhecimento algum, e o sujeito que ensino despeja seu conhecimento.
Essa perspectiva apresenta um ensino decorado, em que o educador é o detentor do
conhecimento e do saber, não considerando as experiências dos educandos. O professor
é autoritário e impõe a sua visão de mundo ao educando.

Outro vestígio educacional que atrapalha a prática do diálogo em sala de aula é a


Educação Tecnicista. Neste modelo educacional que vigorou, principalmente nos
regimes ditatoriais, o sujeito deve ser preparado apenas tecnicamente. Nesta perspectiva
a importância do ensino não está no educador ou no educando, mas no sistema
produtivo. As relações de produção, no sistema, segundo Saviani (1997), que ditam as
regras ensinadas. O sistema que aponta as necessidades técnicas para a escola. Também
não se considera o diálogo em sala de aula, mas o objetivo final, a produção.
Necessidade de transformar o ensino em mão de obra, para que se tenham braços
técnicos para o mercado de trabalho.

A educação não deve ser pautada apenas nessa perspectiva de trabalho industrial. É
necessário que a sociedade, enquanto escola, desenvolva o educando, juntamente com o
educador num ensino mais humanizado e não embrutecido, nas suas várias dimensões,
no que pode ser definido conforme Frigotto (2012) como omnilateral. Os sujeitos
devem se desenvolver mutuamente nas suas várias dimensões, técnica e humana. O
diálogo tem papel fundamental para atingir esse objetivo, sendo necessário um ensino

321
prazeroso, em que não se esqueça do conteúdo, mas se visualize sentido no que se está
ensinando e aprendendo, conteúdo com discussões.

Os pesquisadores Lima e Raboni (2011) e Socha e Marin (2011) apresentam algumas


dicas para o diálogo em sala de aula na contemporaneidade. Um diálogo que chame
atenção, que desperte a curiosidade do educando. Às vezes o educador, ao ser indagado,
apenas afirma que na próxima semana será trabalhado determinado conteúdo. Isso é
muito vago. Podemos aproveitar da curiosidade de nosso educando, nem que seja de
uma forma sucinta. Além disso, no diálogo é igualmente errôneo apenas dizer sim ou
não. O questionamento necessita de uma breve explicação, em forma de resposta.

Esses autores também apresentam o diálogo a partir de aulas práticas. Como experiência
Lima e Raboni (2011) mencionam a construção de um sistema com lâmpadas em série e
lâmpadas em paralelo, sendo o episódio analisado a partir das falas do docente e dos
alunos de uma escola pública que os pesquisadores não têm vínculo. Como resultado da
experiência, os autores afirmam que a dimensão verbal aponta para outras dimensões no
espaço escolar, destacando problemas na constituição da interação verbal e na cultura
das instituições formais de ensino. Entre os problemas da ausência do diálogo
encontramos: uma cultura do enraizamento de práticas conservadoras (tradicionais) de
ensino, acreditar que as atividades práticas de ensino não são necessárias, a ausência do
conhecimento das interações verbais.

Outro fator considerado no diálogo deve ser as dificuldades enfrentadas tanto por
educador como educando em sala de aula. Seria utopista chegar a uma sala de aula e
promover o diálogo, sem considerar as horas diminutas que o educador têm para o
preparo de suas aulas ou a quantidade de educando em sala de aula. Isso não é afirmar
que devemos promover um ensino em que apenas o aluno deva decidir o que se ensina,
adentrando ao relativismo epistemológico e cultural, sem parâmetro das pedagogias
neoescolanovistas (DUARTE, 2010). O Educador é ainda o sujeito competente,
responsável por grande parte do processo educativo, mas sem extremismos. Caso
contrário o educador deveria “dar um adeus”, não teria mais significado em uma
sociedade em profunda transformação, podendo simplesmente ser substituído por
máquinas (LIBÂNEO, 2010).

O educador deve possuir um comprometimento de pelo menos tentar promover esse


diálogo em sala de aula, numa aprendizagem significativa e contextualizada. A tentativa
é o primeiro dos passos para se alcançar um ensino mais humano. Uma ciência
humanizada, se pensarmos o ensino atrelado a pesquisa. O tentar não envolve
necessariamente o conseguir, mas é o primeiro. O primeiro obstáculo de muitos que
devemos transpor.

Referências Bibliográficas

DUARTE, Newton. O debate contemporâneo das teorias pedagógicas. In: ______;


MARTINS, Lígia Márcia. Formação de professores: limites contemporâneos e
alternativas necessárias. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

322
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação Omnilateral. In: CALDART, Roseli Salete et al.


(Orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus Professor, adeus professora? Novas exigências


educacionais e formação docente. São Paulo: Cortez, 2010.

LIMA, Guilherme da Silva; RABONI, Paulo César de Almeida. Interações verbais e o


uso de atividades práticas no ensino de física. In: RIBEIRO, Arlinda Inês Miranda
Ribeiro et al (Org.). Educação contemporânea: caminhos, obstáculos, travessias. São
Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.

RÜSEN, Jörn. Didática da História: Passado, Presente e Perspectivas a Partir do


caso Alemão. Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, 16, jul.-dez. 2006.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez, 1997.

SOCHA, Rosana Ramos; MARIN, Fátima Aparecida Dias Gomes. A Dinâmica das
interações verbais em sala de aula. In: RIBEIRO, Arlinda Inês Miranda Ribeiro et al
(Org.). Educação contemporânea: caminhos, obstáculos, travessias. São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2011.

323
METODOLOGIAS PARA PESQUISA EM
HISTÓRIA DA ARTE: O PROBLEMA DA FALTA
DE DATAÇÃO EM PINTURAS ESTUDADAS
Rodrigo Henrique Araújo da Costa

Há um claro problema quando não temos a data de execução de uma pintura, e é ausente
a datação pelo artista. Muitas vezes, não podemos fugir do grau de especulação que isso
traz, por não termos uma comprovação segura sobre as datas de produção. Ao tratarmos
sobre isso, consideramos que Paul Ricoeur (2007, p. 170) adverte e recorda aos
historiadores que “A operação historiográfica procede de uma dupla redução, a da
experiência viva da memória, mas também a da especulação multimilenária sobre a
ordem do tempo”. Para uma pesquisa com este problema, trabalhamos com referências
em biografias, catalogues raisonnés e nas menções que os estudiosos fazem no estado
da arte sobre tais documentos de fontes bases, quando da dificuldade de acesso a estes.

Existem limitações para a datação e para com as fontes impressas no debate


historiográfico sobre pinturas. Foi com este sentimento que buscamos neste artigo
ampliar o debate quando nos referimos à sequência e à carência de documentos externos
e contemporâneos a um determinado pintor e sua pintura.

No livro Indagações sobre Piero,o historiador Carlo Ginzburg (1989, p. 22) foca como
ponto fundamental a clientela. Ele critica o que chamou de “desfile de hipóteses
iconológicas”. Não se faz uma pesquisa ampla analisando apenas a clientela, embora
saibamos que se trata de fundamental importância para o estudo das pinturas. Devemos
realizar uma interpretação que se conduz por diversas frentes, de modo a enriquecer as
visões sobre as peças documentais.

A crítica ao que seja considerado “iconológico”, que é analisada por Ginzburg em


Indagações sobre Piero não se volta, necessariamente, contra os postulados de Erwin
Panofski. Relata-nos Carlo Ginzburg (1989, p. 23), “Como sucede em muitas pesquisas
iconológicas, a obra acaba por se tornar um pretexto para uma série de livres
associações, baseadas geralmente sobre uma pretendida decifração simbólica”.
Concordamos com Ginzburg. Para um historiador cabe relacionar-se dinamicamente
com suas fontes, o que não impede de modo algum e sobremaneira que escreva em
associação livre e desbrave sua pesquisa por caminhos esperados e, porventura,
inesperados.

Ginzburg (1989, p. 23- 24) ajusta-se com E. H. Gombrich ao dizer “Parece-nos assim
muito oportuna a proposta [...] de partir da análise das instituições ou dos gêneros, ao
invés dos símbolos, para evitar os escorregões daquela que poderíamos definir como a
iconologia selvagem”. Há de se considerar que Ginzburg critica que “São demasiado
frequentes as articulações entre obra de arte e contexto postas em termos brutalmente
simplificados”. Discordar do historiador Carlo Ginzburg figurou-nos relevante nesta

324
análise. Não há como trazer um ponto de vista unívoco a nenhuma das “frentes” e
também não há como colocar os símbolos como menos importantes que as instituições e
gêneros. Em mesmo sentido, não há como privilegiar o contexto, outrossim, trazendo-o
à pesquisa em sua amplitude e abrangência.

Segundo Ginzburg (1989, p. 17), “Roberto Longhi mostrou como um exame


aprofundado dos testemunhos pictóricos pode contornar a pobreza da documentação
externa”. Robert Longui estava correto. Para Ginzburg é necessária uma reconstrução
sobre a qual devemos nos defrontar. Certamente, em seus diversos estudos, tanto
Longui como Ginzburg lidaram tanto com a falta dos testemunhos sobre os objetos de
estudo como também com a falta de documentos externos. A princípio, isso não deve
preocupar em demasia, dado entendermos a Arte segundo a relativização madura de
Gilbert Durand, como expressões imemoriais da humanidade.

Datar uma pintura, muitas vezes por figurar como possibilidade, dá margem a
resultados e críticas as quais não poderíamos argumentar com a consistência devida
caso não aprofundássemos este tema. A pergunta-provocação que pode ser feita seria:
que importância real para a metodologia adotada poderia ter a ausência de tais
documentações sobre a datação de uma tela?

Ginzburg (1989, p. 19) analisa prudentemente que “[...] é evidente que cada proposta
de datação implica a convergência das resultantes estilísticas e das resultantes extra
estilísticas: mas esta convergência, este acordo (para usar a expressão de Longui), é
um ponto de chegada, não um ponto de partida”. Quanto à datação, não devemos seguir
apenas a resultante estilística. Calculamos pela lógica dos fatos e das datações das telas
anteriores de um determinado pintor e em um dado contexto. Logo, a “exatidão” das
datas de execução ausentes vem das datações da iconografia que rodeiam as telas
estudadas, ou seja, as telas anteriores e posteriores. No entanto, há limites a esta
escolha. Ginzburg discorda com Longui no método de datação antes de quem, após
quem, antes de quê, após o quê. É imprescindível crer na fragilidade da metodologia de
Longui, muito embora, em casos de localização temporal e espacial ela seja muito útil e
recomendável para estudiosos “distantes” das encomendas e “fontes primárias”.

Desta maneira, para Ginzburg (1989, p. 21), “[...] é muito forte o risco de cair em
círculos viciosos que são, por sua vez, fontes de datações errôneas”. As dificuldades
das fontes e das datações poderiam ser interpretadas como uma maneira de
aprofundarmos o estudo sobre algumas pinturas, e, para isso, devemos tratar este não-
dito como um método e também enquanto oportunidade à atividade de escrita do
historiador. Daí a criação do conceito de Fontes A, na dissertação Luz sobre o fundo
escuro: Caravaggio, São Mateus e o Anjo e Amor vitorioso (1601-1602). Este feito é
simples, transformamos as dificuldades a nosso favor. Perante a metodologia adotada, a
ausência de uma datação de ilibada confirmação, bem como das fontes chamadas
“primárias” não causa prejuízos diretos a uma pesquisa sincera. Prevendo a ausência de
um contato com as fontes citadas acima, a metodologia deve focar-se na análise do
documento e fonte basilar para os estudos que são as próprias peças documentais sobre
as quais o historiador da arte se debruça: as peças de arte, no caso, as pinturas.

Ainda em mesmo sentido, a interpretação iconológica compreende uma obra de arte


como um documento. Para Panofsky (2002, p. 53), a interpretação iconológica “[trata] a

325
obra de arte como um sintoma de algo mais que se expressa numa variedade incontável
de outros sintomas e interpretamos suas características composicionais e iconográficas
como evidência mais particularizada desse ‘algo a mais’”. Verificado isto, a semelhança
com o Paradigma Indiciário de Ginzburg e com a proposta de análise de telas de
Giovanni Morelli pode ajudar na busca por datações certeiras.

Tanto Panofsky como Ginzburg referem-se a um olhar de diagnóstico sobre os signos e


indícios, “Para captar esses princípios, necessitamos de uma faculdade mental
comparável a de um clínico em seus diagnósticos” (PANOFSKY, 2002, p. 64). Essa
ideia aproxima este estudo da Teoria do Imaginário de Gilbert Durand, precisamente
quando Panofsky trata sobre um ‘algo a mais’. Ora, esse ‘algo a mais’ é também o
imaginário. O cuidado deve ser redobrado quando se trata de datações, elas podem
mudar tudo. A proposta metodológica de Panofsky (2002, p. 53) é a de buscar no “algo
a mais” da execução de sua perspectiva “a descoberta e interpretação desses valores
simbólicos”. Panofsky alerta também para um dado que deve ser levado em
consideração, estes valores simbólicos “muitas vezes, são desconhecidos pelo próprio
artista e podem, até, diferir enfaticamente do que ele conscientemente tentou
expressar”.

Ao fragmentar os componentes das imagens, semelhante à técnica de decupagem


(utilizada no cinema e na fotografia), ressignificam suas interpretações sobre a obra de
arte como um todo, num incessante desmembramento e reagrupamento de signos e
indícios. Embora estes modelos apresentados aqui, de significação de uma obra de arte,
pareçam irrelacionados, na verdade, falam sobre a obra de arte como um todo,
“Fundem-se num mesmo processo orgânico e indivisível” (2002, p. 64).

A interpretação iconológica é a que busca esse “mais além” em uma obra de arte,
propondo “investigar a gênese e significação dessa evidência: a interação entre os
diversos “tipos”; a influência das ideias filosóficas, teológicas e políticas; os propósitos
e inclinações individuais dos artistas e patronos; a correlação entre os conceitos
inteligíveis e a forma visível que assume em cada caso específico” (PANOFSKY, 2002,
p. 53). Assim,

O historiador da arte terá de aferir o que julga ser o significado intrínseco da


obra [...] com base no que pensa ser o significado intrínseco de tanto outros
documentos da civilização historicamente relacionados [...]: de documentos
que testemunhem as tendências políticas, poéticas, religiosas, filosóficas e
sociais da personalidade, período ou país sob investigação (PANOFSKY,
2002, p. 63).

Desta forma, a presença de uma datação que varia, para mais ou para menos, em apenas
meses ou um ano, já nos dá o palco da conjuntura histórica e todos os dados fulcrais
para o tema: encomenda, produção, recepção, clientela, contexto histórico, contexto do
artista, contexto estilístico, análise iconológica, indiciarismo, etc.

Para que a percepção deste problema (a ausência da datação em obras não datadas pelo
artista) venha a ser solucionada historicamente, é necessário que este debate
historiográfico seja realizado na pesquisa e se torne explícito. As proposituras acima

326
ajudam neste quesito, sugerindo linhas de raciocínio e métodos de interpretação que
precisam ser desempenhadas quando do surgimento desta problemática.

Referências Bibliográficas

COLI, Jorge. O que é Arte. 15. ed. , São Paulo: Editora Brasiliense, 1995.

COSTA, Rodrigo Henrique Araújo da Costa. Luz sobre o fundo escuro: Caravaggio,
São Mateus e o Anjo e Amor Vitorioso (1601-1602). Dissertação de mestrado –
UFPB/CCHLA, João Pessoa, 2013.

DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Lisboa: Presença,


1989.

_________. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1988.

GINZBURG, Carlo. Indagações sobre Piero. Tradução de Luiz Carlos Cappellano. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

__________. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2. ed. Tradução de


Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

__________. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. Tradução de Rosa Freire


d’Aguiar e Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

LONGHI, Roberto. Breve mas verídica história da pintura italiana. Tradução de


Denise Bottman. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.

________. Caravaggio. Cosac Naify, 2012.

PANOFSKY, Erwin. Idea: a evolução do conceito do belo. Tradução de Paulo Neves.


São Paulo: Martins Fontes, 1994.

__________. Significado nas artes visuais. Tradução de Maria Clara F. Kneese e J.


Guinsburg. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.

RICOEUR, Paul. Hermenêutica e ideologias. Organização, tradução e apresentação de


Hilton Japiassu. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008.

________. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François.


Campinas, SP: Editora UNICAMP, 2007.

SCHAMA, Simon. O poder da arte. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo:


Companhia das Letras, 2010.

327
O ENSINO E APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA:
PRÁTICAS E METODOLOGIAS
Rosiane de Sousa Cunha

O processo ensino aprendizagem de história, visa facilitar ao aluno o entendimento


acerca dos fatos históricos ocorridos em periodizações diferenciadas, a qual requerem
uma abordagem minuciosa para que dessa forma o conteúdo abordado seja
compreendido em sua totalidade.

Dessa forma o Ensino de história deve contemplar aspectos que facilitem o aprendizado
intelectual do alunado, para isto, é preciso que se trabalhem metodologias que abranjam
da interpretações a prática visando com isto compreensão dos períodos históricos
estudados. Pois como menciona ARANHA:

“A história resulta da necessidade de reconstruirmos o passado, relatando


os acontecimentos que decorreram da ação transformadora dos indivíduos
no tempo, por meio da seleção (e da construção) dos fatos considerados
relevantes e que serão interpretados a partir de métodos diversos.”
(ARANHA,2006,p.20 )

É no espaço escolar que deve ser estimulado a criatividade do aluno bem como sua
capacidade de criar e inovar cada vez mais os conhecimentos acerca do estudo da
História.

Nas últimas décadas, o ensino de História foi materializado em suas especificidades.


Nas séries iniciais a criança não entende o sentido de história em seu contexto de
temporalidade, este tema está inserido no currículo escolar e deve ser trabalhado para
que então a criança comece a construir esta noção de temporalidade. Segundo Oliveira
(1995, p. 263-264), “... poucos historiadores interessam-se pelo processo de construção
do conhecimento histórico em crianças. Muitos sequer acreditam na possibilidade da
criança aprender história nas séries iniciais”. Nesta perspectiva o ensino de História nas
Séries Iniciais, deve buscar envolver as crianças num sentido de valorização de sua
própria história, alicerçando-se assim, para a aquisição de história local e do mundo.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997), um dos
objetivos mais relevantes quanto ao ensino de História relaciona-se à questão da
identidade. É de grande importância que os estudos de História estejam constantemente
pautados na construção da noção de identidade, através do estabelecimento de relações
entre identidades individuais, sociais. O ensino de História deve permitir que os alunos
se compreendam a partir de suas próprias representações, da época em que vivem,
inseridos num grupo, e, ao mesmo tempo resgatem a diversidade e pratiquem uma
análise crítica de uma memória que é transmitida.

O estudo de História deve ter o historiador como meio de ligação entre o conhecimento
e o aluno, derrubando desse modo o paradigma de que História é uma ciência
decorativa. Deste modo, recorrendo novamente aos PCNs (BRASIL, 1997), os

328
conteúdos para os primeiros ciclos do Ensino Fundamental deverão partir da história do
cotidiano da criança, em seu tempo e espaço específicos. Porém incluindo contextos
históricos mais amplos, partindo do tempo presente e anunciando a existência de tempos
passados, e modos de vida e costumes diferentes dos que conhecemos, sempre os
relacionando ao tempo presente e ao que a criança conhece, para que não fique apenas
no abstrato. E a partir da contextualização entre teoria e prática a criança construa seu
saber histórico galgando com este saber para as futuras séries que venha a frequentar. A
partir daí ela começa a compreensão do que seja essa contextualização e períodos
históricos, bem como, elaborar interpretações mais elaboradas acerca das temáticas
estudadas ao longo de todo processo do Ensino de História.

Para isto é preciso que o processo metodológico trabalhado em sala de aula pelo
professor seja consistente abordados de forma que o alunado compreenda o contexto
histórico no qual está inserido e de como a história se organiza no tempo e no espaço.

Com isto é preciso que o professor se arme de fundamentação teórica e prática. Assim
ele cria no aluno valores que possibilitem perceber que a disciplina de história não é
uma matéria decorativa. Mas sim um aprendizado constante a qual possibilita a este
aluno compreensão da sociedade que o cerca.

“Como ligar o ensino de história à preocupação com o presente e com o


futuro que os adolescentes podem experimentar? Essas questões colocam-se
na realidade porque a história, aquela que os historiadores contam e tentam
explicar e interpretar parece estrangeira ao que os homens fazem e
experimentam. É essa estranheza da história que vou questionar
inicialmente. Em seguida, vou tentar argumentar em favor da disciplina
histórica mostrando que esse distanciamento da história com relação à vida
é, na verdade, constituído do conhecimento histórico.” (in: MORIN,2002, p.
369)

Para que o aluno não crie esse distanciamento é necessário que o Ensino aprendizado de
história seja facilitado através do professor que vem desde as séries iniciais preparando
este campo de abordagens e contextualizações historiográficas, que agora permitem um
aprendizado com muito mais materiais eficácia e compreensão. No entanto como
menciona ALBUQUERQUE:

“O conhecimento histórico é perspectivista, pois ele também é histórico e


o lugar ocupado pelo historiador também se altera ao longo do tempo.
Nem sempre se faz a história do mesmo jeito, e ela serviu a diferentes
funções no decorrer do tempo. O historiador não pode escamotear o lugar
histórico e social de onde fala, e o lugar institucional onde o saber
histórico se produz. Por isso, a História como metanarrativa, está em crise.
A metanarrativa se faz a partir de um sujeito de discurso que, a pretexto de
falar do lugar da ciência, sobrevoaria a História e poderia falar de fora
dela, ter uma visão global, de conjunto e não comprometida com os
embates do momento.” (ALBUQUERQUE, 2007, p.61).

Dessa forma é preciso compreender o fato mencionado por ALBUQUERQUE, de que a


história no decorrer do tempo não é feita do mesmo maneira. É preciso com isto que o

329
historiador tenha absorvido ao longo do tempo conhecimento necessário e metodologias
adequadas para cada periodização. Para que o sentido da compreensão histórica a que se
refere o contexto estudado não seja mal compreendido ou caia no esquecimento por não
ter sido bem trabalhado.

Neste sentido o processo de ensino e aprendizagem ao longo de toda história da


humanidade vem sofrendo modificações que de certa forma contribuem para que as
abordagens acerca de seu estudo não sejam feitas em sua totalidade.

Tais transformações estão relacionadas ao currículo escolar no qual perpassa um


emaranhado de leis de diretrizes e bases, conceitos, temáticas e inovações do ensino
desde as séries iniciais até o ensino médio onde se fazem necessários que o historiador
analise todo o processo curricular e tenha uma real compreensão dos fatores que
norteiam o ensino e aprendizagem de história.

Bibliografia

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SNYDERS, Georges. Alunos felizes: uma reflexão sobre a alegria na escola a partir
de textos literários. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

330
EIXOS PARA PRÁTICA DO ENSINO DE
HISTÓRIA
Ronny Costa Pereira

Introdução

A meio caminhar de minha adolescência, dois autores literatos me levaram a refletir


sobre a importância da história além do que eu estava comumente acostumado, uma
disciplina escolar que se deve tirar boas notas para não ser repreendido pelos
professores e familiares. George Orwell com uma das ideias tenebrosas que o partido do
Grande Irmão aplicava na Oceania, trazia a máxima de uma narrativa histórica,
constantemente manipulada e distorcida, que servia para controlar o agir e pensar de
todos cidadãos.

Apesar de visões completamente negativas sobre o papel da história, essas concepções


iam me instigando cada vez mais sobre o papel da história na vida dos sujeitos, do
porque ela é ensinada nas escolas e se só era ensinada nas escolas (afinal, Hamlet
aprendeu sobre a cultura grega vendo uma peça, e os personagens de Orwell eram
bombardeados por narrativas históricas em todos cantos da cidade). E como as ideias
muitas vezes são formadas lentamente e tomam formas mais “solidas” no momento em
que o outro (nesse caso, outros) expõe sua visão sobre o mesmo objeto que você olhou;
tive, ao meu ver, um conjunto de concepções que foram complementadas, sintetizadas
ou refutadas e que exponho nesse texto, com o auxílio de outros, que pensaram com
mais tempo e profundidade sobre os assuntos.

A História na Escola

Citar os motivos de se aprender história, podem em primeira instancia ser algo


relativamente fácil para um historiador. Porém, não são raras as vezes em que os
principais motivos são de caráter pessoal (porque eu gosto de aprender sobre História
dos povos x; porque as relações y da história são o que mais me identifico, etc.) ou
macroestruturais (história pelo viés marxista por exemplo). E essas motivações não são
necessariamente erradas, já que o discurso é também ideológico, e consequentemente
egoísta. Entretanto, a situação muda de contexto quando se trata de ensinar história,
mais especificamente, ensinar história no ensino básico. Já que se apoiar unicamente
nesses pressupostos se cria o professor que somente leva conhecimento e trata o aluno
no termo original da palavra, aquele sem luz, que a recebe do professor. Que é um dos
maiores empecilhos para formação de um ambiente escolar, que Juarez Dayrell chama
de sociocultural, que na definição do mesmo seria:

331
“compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso, que leva em
conta a dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano, levado a efeito por
homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos, adultos
e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos concretos,
sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na história.”
(DAYRELL, 1999, p.1).

Esse ambiente sociocultural que leva em conta as variadas formas de diferenças no


cotidiano escolar, só pode ser formado a partir do momento em que o professor entende
o espaço escolar no seu fazer cotidiano, divergente, de conflitos e negociações; levando
sua disciplina além do conteúdo e os alunos além de sujeitos submetidos a estrutura
social e escolar (DAYRELL, 1999). E como mostra Katia Abud, essa forma
sociocultural de ensino é historicamente barrada por uma forma tradicional de ensino
meramente reprodutora, que vem desde o início da república, com os grandes centros de
pesquisas históricas que tinham seus maiores pesquisadores como professores das
escolas básicas modelos do período, que aplicavam exatamente o que pesquisavam nas
escolas (ABUD, 2005, p.1-2). E esse modo que se tornou referência, encarava o
ambiente escolar como espaço de transmissão do conhecimento, e não de formação do
mesmo.

E essa maneira de ensino que não enxerga o aluno como sujeito participante do processo
de ensino e aprendizagem, deixa de fora as concepções históricas dos alunos, que são
descartadas pelos professores que consideram o meio acadêmico o único local de
construção de concepção histórica. E Marcos Kusnick, juntamente com Luís Cerri,
expõem a importância de entender as ideias dos alunos acerca da história, que além de
ser fundamental para o processo de aprendizagem da história (já que muitas das ideias
acerca da história que esses alunos trouxeram estava repleta de seus anseios pessoais)
mostra o como as ideias de alunos, professores e instituições de pesquisa do papel da
história não experimentada na história vivida são em muitos casos completamente
divergentes, e que esses mundos não se cruzam na maioria das vezes (KUSNICK,
CERRI, 2014, p.31)

O ensino de história que não busca a formação de um ambiente sociocultural, em geral


acaba tendo como função principal a transmissão do conteúdo histórico, como
caracteriza Dayrell sobre o ensino tradicional “O conhecimento é visto como produto,
sendo enfatizados os resultados da aprendizagem e não o processo. ” (DAYRELL,
1999, p.6) que acaba retirando sentido de se aprender história, já que se o aluno não
sentir interesse pelo produto, o mesmo passa a não valer nada para ele, gerando assim
em sala de aula, inúmeros jovens Hamlets que não entendem para que o passado possa
servir no seu dia a dia. Entender os núcleos de sentidos do aluno e tentar partir deles
para se criar um sentido maior da história para o mesmo. Talvez essa frase sintetize as
ideias que os autores citados queiram explicitar em seus argumentos. Porém, todos
concordam que é necessário mais do que entender o aluno como sujeito ativo e tentar
criar uma narrativa histórica que comece em sua realidade para atraí-lo; que a história
construída nos centros de pesquisas deve se aproximar da história da vida pratica
(KUSNICK, CERRI, 2014, p.33), mas que o processo de ensino não é só isso, que a
retorica na forma de mostrar as concepções históricas é fundamental para o aprendizado
e aprimoramento das visões de mundo de um aluno, mas que esses processos vão além
disso, que o que é chamado de Didática do ensino de história é mais que transposição.

332
Didática da História

A didática do ensino de história é geralmente associada a clareza da divulgação do que


se é aprendido nos centros acadêmicos de pesquisa histórica e a transposição para as
escolas básicas. Entretanto, para Abud, a didática não é um suporte para o ensino de
história, mas sim uma disciplina que se propõe raciocinar acerca dos ensinos de história,
o historicizar e o aprimorar (ABUD, 2005, p.1). E que tem suas propostas definidas,
como afirmam Kusnick e Cerri:

A didática da História...propõe a ampliação de temas, objetos e abordagens


para enfocar de modo mais abrangente o fenômeno da aprendizagem
histórica, o que se afigura para os pesquisadores como uma possibilidade
de enfrentar os impasses colocados entre as múltiplas renovações da
historiografia, da pedagogia e da própria reflexão didática em História e os
esforços pela transformação do ensino escolar da disciplina. (KUSNICK,
CERRI, 2014, p.32)

E também pensando na ampliação e definição do papel da didática da história no Brasil,


que Rafael Saddi, elenca quatro propostas de ampliação do lugar da didática da história,
que são ampliação da didática como algo além da metodologia de ensino, além do
ambiente escolar, como algo pertencente as outras áreas da ciência histórica e sua
definição enquanto disciplina cientifica (SADDI, 2012, p.213-214) colocando a didática
da história na mesma lógica da escola sociocultural de Dayrell, já que essa didática
entende que as narrativas históricas são formadas além do ambiente escolar, e que a
história cientifica não é a única a única a existir, e logo, não deve ser a única a ser
refletida (SADDI, 2012, p.213)

E para solidificar a didática como disciplina cientifica da história, se estabelece uma


gênese e uma morfologia da didática histórica, sendo a primeira as diferentes
concepções de história e a segunda o método empírico de análise (SADDI, 2012, p214).
Que são as bases para se entender e aprimorar as concepções históricas, já que um dos
papeis da didática é entender qual função a consciência histórica abordada tem para
entender o presente, pois como é exposto por Abud, é necessário entender a função do
que é proposto na história matéria (ABUD, 2005, p.4)

Algumas reflexões conclusivas

O ensinar história é um campo complexo, que busca se afastar e ao mesmo tempo ser a
dita ciência histórica; a história como Kusnick e Cerri apontam, são formadoras de
concepções históricas que influenciam no cotidiano do sujeito, e entender a importância
da diversidade cultural na formação de consciências históricas é fundamental no
processo de aprendizagem, além de ser de um dos pontos principais da análise de
observações.

333
Bibliografia

ABUD, Katia Maria. Combates pelo ensino de história. In: ARIAS NETO, J. M. (Org).
Dez anos de pesquisa em ensino de história. Londrina: Atritoart, 2005.

DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: DAYRELL, Juarez (Org.).
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2, p. 30-54, 2014.

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SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história. In: Acta Scientiarum. Education.


Maringá, v. 34, n. 2, p. 211-220, July-Dec., 2012.

334
JÖRN RÜSEN, A RAZÃO HISTÓRICA E O ENSINO
DE HISTÓRIA
Rui Campos Dias

O presente texto tem como objetivo apresentar algumas ideias do historiador e filósofo
alemão Jörn Rüsen que estão contidas em seu livro Razão Histórica (Teoria da história:
os fundamentos da ciência histórica) e como essas ideias podem ser utilizadas em
pesquisas na área do Ensino de história, como é o caso da nossa pesquisa de mestrado,
orientada pela professora Doutora Márcia Elisa Teté Ramos.

Podemos afirmar que muitas ideias e conceitos desenvolvidos por Rüsen serão
utilizadas como base teórica para fundamentar nossa pesquisa, já que a dissertação que
estamos produzindo está inserida na linha de pesquisa Ensino e História, e Rüsen é um
autor que vem sendo cada vez mais estudado nessa área de investigação, em especial em
dois campos de pesquisa. A Educação Histórica, que é definida como

[...] uma área de investigação cujo foco está centrado, principalmente, nas
questões relacionadas à cognição e metacognição histórica, tendo como
fundamento principal a própria epistemologia da História. Assim, entre as
investigações realizadas no âmbito da Educação Histórica, encontram-se
estudos sobre aprendizagem histórica, consciência histórica, ideias
substantivas e ideias de segunda ordem em História e sobre narrativas
históricas (CAINELLI e SCHMIDT, 2011, p.11-12).

Bem como na Didática da História, a qual Rüsen define como “uma disciplina
científica específica que se ocupe do ensino e da aprendizagem da história, na medida
em que não são idênticos aos processos mediante os quais o conhecimento científico
especializado da história se efetiva […]” (RÜSEN, 2010, p.51). Para Klaus Bergmann,
outro pensador alemão, a Didática da História se preocupada

[...] com a formação, o conteúdo e os efeitos da consciência histórica num


dado contexto sócio-histórico. [...] é uma disciplina que pesquisa a
elaboração da História e sua recepção, que é formação de uma consciência
histórica, se dá num contexto social e histórico e é conduzida por terceiros,
intencionalmente ou não (BERGMANN, 1989/1990, p.29-42).

O objetivo principal da nossa pesquisa é verificar de quais maneiras os professores de


História da educação básica se apropriaram (ou não) dos objetos educacionais digitais
vinculados aos livros didáticos dos PNLD de 2014, 2017 (Ensino Fundamental II) e
2015 (Ensino Médio). Ao buscar essas respostas, procuramos entender como as
tecnologias de informação e comunicação (TIC) influenciam o processo de ensino-
aprendizagem de História e, nesse sentido, a construção de saberes históricos (no
específico) e de consciência histórica (no geral) de professores e alunos da educação
pública no Brasil. Assim, o espaço de fundamentação teórica de nossa pesquisa será os
pontos de encontro epistemológico entre os dois campos definidos anteriormente.

335
Para esse texto, pretendemos discorrer sobre alguns aspectos da obra Razão Histórica e
relacionar, sempre que possível, a ideia de Rüsen de consciência histórica, fundamental
para os campos da Educação Histórica e da Didática da História, no qual nossa pesquisa
de mestrado está inserida. O livro, traduzido por Estevão de Rezende Martins e editada
pela Editora da Universidade de Brasília, possui quatro capítulos, sendo que o último é
um apêndice à edição brasileira.

A obra trata especialmente de alguns elementos da teoria da história, que segundo


Rüsen está na base da ciência histórica e as formas que a razão atua no interior do
processo de construção do pensamento histórico. Um dos principais pontos para o autor,
é a questão da auto-reflexão, vista como base para o trabalho cotidiano de todo
historiador e esse “dia-a-dia” como base natural da teoria da história. Como Rüsen
afirma,

A teoria da história abrange, com esses interesses, os pressupostos da vida


quotidiana e os fundamentos da ciência da história justamente no ponto em
que o pensamento histórico é fundamental para os homens se haverem com
suas próprias vidas, na medida em que a compreensão do presente e a
projeção do futuro somente seriam possíveis com a recuperação do
passado. (RÜSEN, 2010, p.30)

A ciência da história se constitui a partir da “carência humana de orientação”, ou seja,


problemáticas da vida prática de todo ser humano que procuram uma solução ou uma
satisfação intelectual. Essa busca por satisfação intelectual, as carências, o autor
denomina de “interesses”:

Trata-se do interesse que os homens têm – de modo a poder viver – de


orienta-se no fluxo do tempo, de assenhorear-se do passado, pelo
conhecimento, no presente. Interesses são determinadas carências cuja
satisfação pressupõe, da parte dos que as querem satisfazer, que esses já as
interpretem no sentido das respostas a serem obtidas. (RÜSEN, 2010,
p.30)

Rüsen complementa a ideia das carências de orientação afirmando que

As carências de orientação no tempo são transformadas em interesse


precisos no conhecimento histórico na medida em que são interpretadas
como necessidade de uma reflexão específica sobre o passado. Essa
reflexão específica reveste o passado do caráter de “história”. (RÜSEN,
2010, p.31)

É nesse aspecto que a História se encobre de uma função prática na vida. A História
precisa fazer sentido/ter significado para as pessoas. Nessa linha de pensamento é que
reconhecemos a importância dessa teoria para a nossa pesquisa, já que nosso objeto de
interesse acadêmico (no interior da ciência especializada) está intimamente relacionado
à vida prática dos sujeitos que serão entrevistados, a saber, os professores de história.

Entendemos que as TIC podem influenciar (positivamente, dependendo de sua


utilização) na construção dos saberes históricos de professores e alunos da educação

336
básica, consequentemente na construção de identidades e da formação histórica desses
sujeitos.

Desse modo, é possível afirmar que a teoria da história não pode ser deslocada dessa
discussão, pois ela exerce um papel fundamental no processo de ensino de história.
Conforme o próprio Rüsen afirma:

Com a expressão “formação histórica” refiro-me aqui a todos os processos


de aprendizagem em que “história” é o assunto e que não se destinam, em
primeiro lugar, à obtenção de competência profissional. Trata-se de um
campo a que pertencem inúmeros fenômenos do aprendizado histórico: o
ensino de história das escolas, a influência dos meios de comunicação de
massa sobre a consciência histórica e como fatos da vida humana prática
[aqui insiro a internet como um desses meios] [...]. É nele que se
encontram, além dos processos de aprendizagem específicos da ciência d
histórica, todos os demais que servem à orientação da vida prática
mediante consciência histórica, e nos quais o ensino da história (no sentido
mais amplo do termo: como exposição de saber histórico com o objetivo
de influenciar terceiros) desempenha algum papel. (RÜSEN, 2010, p.48)

Assim, a utilização pelos professores dos objetos educacionais digitais vinculados aos
livros didáticos distribuídos na educação pública do Brasil, se insere no interior de um
processo maior, mais complexo e mais heterogêneo de aprendizagem histórica que visa
a construção dessa “formação histórica” que, por sua vez, está intimamente ligada ao
processo evolutivo da consciência histórica dos sujeitos.

Nos limites deste trabalho (que continuará a ser desenvolvido na dissertação), podemos
concluir que o complexo pensamento de Jörn Rüsen, encontrado não somente na obra
Razão Histórica, mas nos outros dois livros da trilogia (Reconstrução do passado e
História viva) e em diversos artigos específicos sobre o ensino de história, são partes
essenciais da fundamentação teórica da nossa pesquisa de mestrado.

Referências Bibliográficas

BERGMANN, Klaus. A História na Reflexão Didática. Revista Brasileira de História.


São Paulo, v.9. n. 19. Set.89/fev.90. pp. 29-42.

CAINELLI, Marlene e SCHIMIDT, Maria Auxiliadora (Orgs.). Educação Histórica:


teoria e prática. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência


histórica. Brasília, Editora UnB, 2010.

337
ALUNOS DO ENSINO MÉDIO E SUAS
REPRESENTAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE
POLITICA E ENSINO DE HISTÓRIA
Rutemara Florencio

A proposta deste trabalho é relacionar a disciplina e ensino de História com a formação


de juízos de valor e representações dos alunos do Ensino Médio da escola pública sobre
o tema “política”. Desde que a História adquiriu status cientifico que a questão
“política” ou as relações políticas predominam na construção do fato e do conhecimento
histórico, principalmente nos materiais didáticos enviados as escolas públicas pelo
Estado.

A Escola dos Annales, movimento originado em Marc Bloch e Lucien Febvre na


primeira metade do século XX e que significou uma abertura temática na construção do
conhecimento histórico, trouxe para a área da História a inserção de temas que antes não
eram abordados pelos pesquisadores pois, nessa nova perspectiva, a Sociologia teria
uma relação interdisciplinar com a História, favorecendo aos historiadores abordarem
outras histórias que não apenas a história ligada as relações de poder na sociedade.
Entretanto, por mais que os Annales tenham modificado (em partes) a estrutura
conceitual e metodológica da abordagem historiográfica, ainda assim o que mais
observamos nos materiais enviados para escola pública hoje, na segunda década do
século XXI, é a abordagem política da História.

O fato dos livros didáticos estarem relacionados preferencialmente com a temática


“política” é justificado pelo currículo que orienta a disciplina de História e sua prática
pedagógica justamente para esse aspecto da vida social. Pacheco (1996) observa que o
currículo não só orienta como é uma prática pedagógica cheia de intencionalidades onde
estão os fundamentos da estrutura econômica, política e social. Assim, essa tendência é
explicita na lei (LDB 9.394/96) nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e nas
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (2010) enfatizando para a
educação que formem cidadãos ativos e participativos, cientes de seus direitos e
deveres.

Nadai (2011) observa que o professor de História tem uma responsabilidade política
impregnada em suas práticas e que essas são contributos para exercício e aprendizado
da cidadania. O predomínio da História política nos livros escolhidos e utilizados pelos
alunos e professores de História na escola pública onde foi feita esta pesquisa mostra
que a disciplina de História é orientada tanto no ensino quanto na aprendizagem a partir
dessa temática. Nesse contexto, representações sobre a disciplina são construídas e ao
mesmo tempo, significados são dados aos processos políticos, resultando na formação
de juízos de valor sobre os sujeitos da História e a própria disciplina escolar.

338
Florencio (2011) observou em pesquisa com alunos do Ensino Médio que os mesmos
consideraram o tema “política” adequado ao perfil da disciplina de História, porém
manifestaram a necessidade de que a História na escola abordasse aspectos mais
diversificados da vida dos personagens históricos tornando-os mais próximos das
pessoas comuns. Considerando a relação entre a História pública ou política e a História
privada, os indicativos das falas dos pesquisados mostraram uma concepção um tanto
depreciativa da disciplina de História uma vez que, para eles, nos livros só existe a
versão “certa” da História. Apesar das falas apresentarem reclamações sobre a escrita
dos livros didáticos de História e do próprio ensino de História devido a ênfase no
aspecto político da vida social, os alunos pesquisados consideraram que estudar a
História Política é importante para todos e necessária para se conhecer a trajetória tanto
do Brasil quanto das outras nações.

Mary Del Priore, no livro A Carne e o Sangue (2012), estabelece uma relação entre
público e privado ao mostrar que as relações pessoais da monarquia lusitana eram
totalmente atreladas a política: os casamentos entre as casas reais eram motivados
totalmente por ela. Além disso, a autora mostra que a mais famosa amante de D. Pedro
II, Domitila, usava sua influência junto ao príncipe para realizar arranjos políticos a
quem pagasse por isso. Tal circunstancia histórica exemplifica que em História não há
como tratar dos aspectos sociais da vida sem que a “política” esteja presente. Mas será
que os alunos da escola pública compreendem que o ser humano é um ser político e que,
na História, as relações de poder (mesmo as de âmbito privado) também podem ser
relações políticas?

Em 2015 passamos por mais um processo eleitoral e a mídia, de forma geral, foi o meio
mais utilizado para se coletar informações a respeito da política nacional, discutir ideias
e propostas dos candidatos e assistir as campanhas dos partidos. A força dos veículos de
comunicação promove, juntamente com os currículos escolares, a construção de
representações sociais sobre Estado e Política. O envolvimento da população (de forma
mais intensa em período de eleições) com a política, intensificado pelo uso da internet,
nos coloca uma problemática: Qual a importância do tema “Política” para os alunos do
Ensino Médio? De que forma o ensino de História interage com os conhecimentos sobre
política já adquiridos em outros grupos por esses alunos/cidadãos? Tais
questionamentos são importantes pois, como professores de História, somos
responsáveis pela construção dos saberes escolares e também pela forma como esses
saberes são significados pelos alunos. Além disso, o conhecimento da vida política não
se faz apenas na escola já que os meios de comunicação, famílias e igrejas também
abordam o tema.

A interação de diversos elementos que compõem o universo da linguagem e


comunicação favorece a construção de representações sobre a temática “política” uma
vez que essas representações são meios pelos quais interpretamos o mundo e o
significamos sem que, necessariamente, essas representações sejam construídas a partir
do conhecimento cientifico. Serge Moscovici, (2009, p. 169) autor da teoria das
representações sociais, observa que as representações modelam comportamentos, juízos
de valor e visão de mundo e que isso tem consequências “(...) para as relações entre as
pessoas, para as opções políticas, para as atitudes com respeito a outros grupos e para a
experiência do dia a dia”.

339
Desse contexto, isolemos “opções políticas” para relacionar com a pesquisa que aqui é
discutida e observemos que as opiniões dos alunos sobre política e políticos é
fortemente influenciada pelas interações sociais externas aos muros da escola.
Moscovici (idem, p. 175) observa que “(...) quase tudo o que uma pessoa sabe, ela o
aprendeu de outra, seja através de suas narrativas, ou através da linguagem que é
adquirida, ou dos objetos que são empregados”. Assim, podemos inferir que, se o aluno
sofre influência decisiva do mundo externo à escola (lugar de difusão do conhecimento
cientifico por excelência), a disciplina de História passa a ter papel fundamental tanto
para cientificar o conceito “política” quanto para reflexão mais aprofundada das
relações de poder que interferem diretamente na vida de todos e que, também constroem
representações sobre os assuntos estudados como a História do Brasil, por exemplo.

Sabemos que existem mecanismos que tentam “medir” a aprendizagem, porém tal é
subjetiva e complexa conforme observa Tardif (2002). No contexto da disciplina de
História, as significações dos conteúdos estudados são subjetivas pois não propomos
aos alunos que “decorem” os fatos históricos ou que “aprendam política”, segundo nos
mostra Hipólito (2005). Consideramos o aprendizado em História como de longo prazo
com as representações e conhecimentos construídos coletivamente de acordo com o
tempo de escolarização, as práticas pedagógicas e o currículo organizado pelo Estado.
Desse modo, as relações de poder diretamente ligadas ao aspecto político da vida social
fazem parte do cotidiano da disciplina de História mesmo que essa não aborde apenas
fatos relacionados a construção de nações ou povos.

Os resultados da pesquisa mostram que na primeira pergunta relacionada a gostar ou


não de política, respondida por 100 alunos, 48 disseram não se interessar por política
sendo esses 35 do sexo feminino e 13 do sexo masculino: “a maioria das pessoas
envolvidas com a política são corruptas”. Uma aluna, 17, 3º ano diz: “(...)não me atrai;
rolam muitas mentiras, falsidades, fuxicos, roubos aos cofres públicos que acabam
descontados nos impostos”. O maior motivo citado nas falas que justificam o não
interesse pela Política está na corrupção, como mostram essas duas falas e mais 28
citações sobre a relação entre a política e corrupção. Observamos com isso que o
noticiário a respeito da corrupção na política tem grande influência na opinião e juízo de
valor desses alunos.

Para 52 alunos pesquisados, a política é algo que interessa sim e que está ligada à nossa
vivencia cotidiana pois “(...) através dela que temos alguém para nos representar, para
mudar o que está prejudicando a sociedade”. Duas alunas, 17 e 18 anos do 3º ano,
manifestaram-se: “Questões políticas são sempre interessantes, pois tem relação com
interesses da sociedade”; “(...) política, no meu entender, é essencial para o
desenvolvimento de uma sociedade tanto para o bem quanto para o mal”. Os
pesquisados mencionaram que a política é importante pois, faz parte da sobrevivência
social, daquilo que mexe com a vida das pessoas.

A relação entre a temática política e disciplina de História foi abordada pelos alunos da
seguinte forma: “a matéria explica sobre as guerras e História dos países; a política
sempre faz parte e é muito influente nos temas abordados”. Uma aluna, 17, 3º ano diz
que “É História, temos que estudar nossos antepassados, a política faz parte da nossa
vida e a História explica com mais clareza a política de hoje em dia”. As falas mostram
que os alunos compreendem a inserção da temática política na disciplina de História

340
considerando a necessidade e importância da existência das relações de poder nos
acontecimentos históricos. Schmidt (2013, p. 60) observa que “Na prática da sala de
aula, a problemática acerca de um objeto de estudo pode ser construída a partir de
questões colocadas pelos historiadores ou das que fazem parte das representações dos
alunos (...)” Assim, conforme observa a autora, os alunos acima percebem a referência
conceitual “política” nos fatos históricos (construídos pelos historiadores) e em suas
existências cotidianas. Tal concepção permite observar uma conexão do presente-
passado no aprendizado oportunizando aqui a construção da consciência histórica.

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TARDIFF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis, RJ. Vozes,


2002

341
A HISTÓRIA LOCAL E SUAS IMPLICAÇÕES:
CONSIDERAÇÕES SOBRE ALGUMAS
ESTRATÉGIAS DE ENSINO NAS SÉRIES INICIAIS
Simone Aparecida Dupla

Dando uma olhada em nossa sala de aula, seja de que etapa for, percebemos o crescente
uso de tecnologias por nossos alunos. Imagens e informações estão disponíveis a um
click, assim como formas de entretenimento que fazem dessas tecnologias instrumentos
de recreação, onde jogos, brincadeiras, bate-papos, pequenos testes e desafios criam
uma realidade alternativa e distanciam os expectadores das realidades concretas do
nosso cotidiano.

Na sala de aula do fundamental I não é diferente, desde cedo, as crianças ganham


celulares de última geração, tabletes, computadores e jogos diversos. Fechados no
mundo da tecnologia e fascinados por ela distanciam-se cada vez mais da realidade e
passam horas a fio dedicando-se a estes aparelhos. É claro que não fazem uso em sala
de aula, mas em uma etapa onde se deve exercitar a oralidade é comum ouvir relatos
onde os alunos dizem ficar parte do dia presos a tela de algum aparelho. Pensando em
aliar essas tecnologias ao ensino de História, o presente texto apresenta um relato de
experiência na elaboração de material para trabalhar a História Local na primeira etapa
do fundamental I e uma reflexão acerca da temática.

As diretrizes curriculares municipais da cidade de Ponta Grossa preveem a abordagem


da história do munícipio no fundamental I, assim sendo cabe ao professor regente
trabalhar a História Local no primeiro ciclo e, sua continuação no segundo ciclo, com a
História do Paraná e Brasil. Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei n° 9.394/96, no seu artigo 26, propõe que:

Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino


médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada
sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade,
da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL,1996).

Sendo assim, a História Local e suas características deve fazer parte dos conteúdos
abordados nessa etapa do ensino. Para Ricardo Oriá Fernandes, a História Local deve
ser valorizada, pois se constitui como uma importante “possibilitadora da construção
identidade do aluno como ser histórico e cidadão” (ORIÁ, 1995, p.44). O autor acredita
que o ensino de História Local rompe com a visão tradicional que priorizava o estudo da
chamada “História Geral da Civilização Brasileira” e buscava passar aos alunos a “ideia
de um Brasil homogêneo, sem diferenças, conflitos e contradições sociais e um passado
unívoco a ser ‘decorado’ e utilizado apenas em exames e arguições” (FERNANDES,
1995, p. 46). Para além da decoreba a História deve resgatar as peculiaridades e

342
especificidades regionais, ela precisa dar conta da nossa pluralidade étnico-cultural que
produziu nossa formação histórica (FERNANDES, 1995, p.46).

Já para Maria Auxiliadora Schmidt:

O trabalho com a História Local no ensino pode ser um instrumento idôneo


para a construção de uma História mais plural, menos homogênea, que não
silencie as especificidades. O local ou o regional, instituídos como objetos
de estudo, podem ser contrastados com outros âmbitos e indicar a
pluralidade em dois sentidos: na possibilidade de se ver mais de uma
história ou mais de um eixo na própria história do lugar, ou na possibilidade
de se ver outras histórias micro, partes, todas de alguma outra história que as
englobe e, ao mesmo tempo, que reconheça suas particularidades
(SCHIMIDT, 2003, p.233).

Além disso, o trabalho com a História Local no ensino de História “indica algumas
possibilidades ou estratégias, como exploração de arquivos locais, do patrimônio, da
estatuária, da toponímia e da imprensa local” (SHIMIDT, 2003, p. 233). Em termos
regionais, temos um obstáculo em relação à aplicabilidade dos conteúdos, não é apenas
a ausência de material próprio, mas também o fato de que raramente o professor regente
tem formação em História, o que contribui para que a história ensinada ainda seja
factual e extremamente ligada às datas comemorativas.

Nessa etapa de ensino, ao menos no munícipio em questão, o professor é polivalente,


aplica gramática, matemática, ciências sociais (história, geografia, etc.) e ciências
naturais, geralmente na urgência das duas primeiras, as chamadas Ciências Sociais
ficam relegadas a último plano ou recebe um mínimo de atenção em relação às outras
disciplinas. Ricardo Oriá Fernandes já havia apontado essa tendência na década de 1990
e isso permanece seguindo com pouca ou nenhuma alteração, segundo o autor:

No contexto da prática educacional brasileira, o ensino de História Local no


1º grau tem-se caracterizado por uma abordagem tradicional, descritiva,
factualista, cronológica e pitoresca que, no mais das vezes não tem
contribuído para a formação da consciência crítica do educando nem
possibilitado o exercício de sua cidadania (ORIÁ, 1995, p.47).

Dessa forma, fazem-se necessários projetos que contribuam para o ensino de história
nas Séries Iniciais, principalmente em relação à produção de materiais para essa etapa
do ensino. Pensando essas questões e o uso das tecnologias aliadas a educação, o
projeto “Conhecer para preservar nossa história” realizou um pequeno experimento em
uma turma do 3º ano do 1º ciclo, tendo por tema a História Local, a qual foi abordada
por meio de seus patrimônios históricos, o que propiciou também trabalhar as questões
de preservação e memória.

Para tanto se buscou trabalhar de forma interdisciplinar como prevista nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), com uma perspectiva que possibilitasse uma interação
maior com o conteúdo por parte dos alunos (BRASIL, 1997). Assim, buscou-se elaborar
atividades dinâmicas, que prendessem a atenção dos educandos e contribuísse para seu
conhecimento acerca da história do município. Para a abordagem foram selecionados

343
onze patrimônios locais, a maioria de caráter arquitetônico referentes ao processo de
urbanização da cidade e que permitiam a abordagem de diversos aspectos da sociedade.

Para falar sobre eles, foram criadas histórias em quadrinhos, primeiro para ensinar o que
era patrimônio cultural, depois para apresentar o relato de fundação da cidade e seu
desenvolvimento. Para as HQs utilizamos a ferramenta PIXTON, um aplicativo online
por meio do qual é possível fazer e publicar tirinhas e HQs. Esse recurso permite
mudanças de paisagens, personagens e movimentos destes, além da inserção de balões
para diálogos e explicações. Como os quadrinhos são coloridos, optou-se por usar o
Paint para retirada das cores, assim os alunos poderiam colorir a história enquanto
aprendiam.

O recurso visual torna-se importante no contexto escolar, visto que como dissermos no
início, vivemos constantemente bombardeados por imagens em nosso cotidiano. Além
disso, o nosso universo mental e sensorial é concebido por meio de imagens
(BELTING, 2007). Segundo Hans Belting:

vivemos com imagens e entendemos o mundo em imagens. Esta relação


viva com a imagem se extende da mesma forma à produção de imagens que
desvelamos no espaço social, que, podemos dizer, se vincula com as
imagens mentais como uma resposta (BELTING, 2007, p.15).

O autor acredita ainda que só é possível “indagar acerca das imagens por caminhos
interdisciplinares que não temem um horizonte intercultural” (BELTING, 2007, P.09).
Assim, a aproximação entre História e Arte foi dotada para a análise das imagens,
principalmente aquelas distantes de nós no tempo. Além disso, a imagem é um meio de
comunicação, não apenas de expressão, traz uma mensagem relacionada ao contexto de
sua fabricação, sua função ideológica (representação) ultrapassa sua temporalidade e
liga-se de forma visceral a cultura de determinada sociedade e suas visões do mundo.

Dessa forma o uso de imagens no contexto escolar pode contribuir para a aprendizagem
do educando e ampliar sua visão de mundo por meio de leituras e releituras orientadas
pelo professor. Para o conhecimento acerca dos patrimônios, optou-se por fazer o
desenho destes para preservar os detalhes. A cada patrimônio apresentado, os alunos
eram questionados sobre seu conhecimento a respeito destes e de como eles se
relacionavam ao seu cotidiano, já que os alunos também produzem História a partir das
suas experiências de vida cotidiana (FERNANDES, 1995, p.46) levamos em conta a
bagagem cultural do educando.

A maioria dos alunos conhecia a existência de alguns patrimônios devida sua função
ainda permanecer a mesma, como o caso da Santa Casa de Misericórdia. Outros apenas
sabiam sua localização, mas sem qualquer referência à História, como é o caso da Maria
Fumaça, conhecida apenas porque fica em um parque infantil aonde eles vão aos finais
de semana.

Por meio das imagens foi trabalhada a formação urbana, o surgimento do povoado, o
Caminho das Tropas, as peculiaridades da vida concreta naquela temporalidade.
Abordou-se como era o cotidiano da época dos tropeiros, o mito fundador, o
crescimento da cidade e as mudanças ocorridas durante o processo de urbanização.

344
Além dos patrimônios as obras de alguns artistas que retrataram a cidade em momentos
distintos também fizeram parte das aulas, entre eles: Oswaldo Lopes, Carlos Hübenthal,
Jean Baptiste Debret, Paul Garfunkel e Hugo Calgan. Os alunos fizeram uma releitura
de algumas obras, entre elas, a aquarela “Villa de la Ponta Grossa”, de Debret. O olhar
sobre a paisagem permite que os alunos consigam perceber suas mudanças e
permanências. Algumas cenas pintadas ainda fazem parte do cotidiano dos educandos,
principalmente os que têm contato com a zona rural, onde o estilo arquitetônico das
casas e o pinheiro do Paraná ainda habitam a paisagem.

As atividades foram reunidas em um pequeno livreto onde se apresentou os patrimônios


com fotos antigas e atuais destes, além de um breve histórico de cada um. Neste foram
colocadas atividades diversas sobre a temática, como pesquisa com os familiares acerca
da histórica local, caça-palavra e uso do dicionário. Assim, o material confeccionado
buscou contemplar a História Local sem esquecer-se dos instrumentos de aprendizagem
que são caros ao professor alfabetizador.

A pesquisa realizada com os familiares trouxe diversas memórias acerca da história da


cidade, as viagens na Maria Fumaça, às formas de sociabilidade, as lendas urbanas
afloraram nas pequenas entrevistas com os pais e avós. Desses relatos foi possível
abordar outros aspectos da História Local, voltados ao cotidiano e a memória familiar,
como a passagem do monge João de Maria aproximando a história do cotidiano dos
alunos para que percebessem que fazem parte dela.

Considerações finais

O ensino de história na atualidade passa por diversos desafios, em uma sociedade cada
vez mais imediatista, em que o uso de tecnologias vem se ampliando constantemente e
imagens e informações inundam os olhos e mentes a todo instante torna-se essencial
repensar as formas de ensinar História.

Nesse pequeno experimento percebeu-se que a confecção de material para se trabalhar


História Local, bem como a especialização ou formação dos profissionais na área se faz
urgentes e necessárias se realmente queremos um ensino plural, que não se concentre
apenas na história tradicional e memorialista dos grandes personagens e seus grandes
feitos. Uma história que fale ao educando utilizando diversas linguagens e que se
comprometa com a formação da identidade, da preservação da memória e contribua
para cidadania deve partir do rés do chão, visto que a “abordagem tradicional e
positivista do conhecimento histórico em sala de aula tem impedido que o aluno reflita
sobre sua própria historicidade, ou seja, ele não se vê enquanto sujeito do conhecimento
(ORIÁ, 1995, p. 48).

O material confeccionado foi enviado a Secretária de Educação para chamar a atenção


para essa temática e a disciplina de História, mas não encontrou espaço para diálogo ou
mesmo para formação de um grupo de estudos para elaboração de material específico.
Mesmo na escola onde o foi aplicado ficou esquecido. Obviamente o material é apenas
uma pequena demonstração de que é possível abordar a História Local de forma
alternativa e dinâmica incentivando a confecção de material para a temática. O mesmo

345
ganhou o prêmio de experiência pedagógica da Secretaria de Cultura, mas não produziu
eco na de Educação, demonstrando que o caminho é longo e solitário para uma etapa de
ensino em que os profissionais de formação são poucos.

Em relação ao aprendizado dos alunos percebeu-se mudanças significativas em relação


à disciplina, à preservação da memória social e o sentido de pertencimento ao lugar
atestando que a abordagem interdisciplinar contribui para a formação do educando e o
uso de tecnologias são instrumentos importantes para no processo de ensino-
aprendizagem. Dessa forma, procuramos nos distanciar da história factual e positivista
que prevê apenas a memorização de datas e fatos e optarmos por uma abordagem que
partisse da bagagem cultural do educando e o inserisse em um contexto maior, o da
História Local e suas implicações.

Referências:

BELTING, Hans. Antropología de la imagen. Buenos Aires: Katz Editores, 2007.

BRASIL. Presidência da República. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


- Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: MEC, 1996.

BRASIL. SECRETARIA DA EDUCA- ÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros


Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/ SEF,
1997.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, Rio de


Janeiro: Vozes, 1994.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. Um lugar na escola para a história local. Ensino em
Revista, v.4, n.1, p.43-51, jan.-dez. 1995.

NASCIMENTO, E. C. do. História, Patrimônio e Educação Escolar: diálogos e


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http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/fevereiro2012/historia_artigos/1
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Disponível em: http://www.aprendebrasil.com.br.

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de Janeiro, 1992.

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fundamental. Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, 2015.

SCHMIDT, Mª Auxiliadora M. dos Santos. Cultura Histórica e Cultura Escolar:


Diálogos a partir da Educação Histórica. História Revista: Goiânia, v.17, n.1, jan./jun.,
2012, p. 91-104.

346
________. Londrina: História & Ensino, v.9, p.219-238, out.2003.

SILVA, Maria da Conceição. Educação Histórica: perspectivas para o ensino de


História em Goiás. Saeculum Revista de História: 2011, n. 24, jan./jun., pp. 197-211.

347
ROMPENDO AS FRONTEIRAS HISTÓRICAS:
CONCEITOS CONTEMPORÂNEOS SOBRE
HISTÓRIA E PEDAGOGIA
Shirlei Alexandra Fetter
Daniel Luciano Gevehr

Um dos grandes desafios do Brasil contemporâneo é alcançar uma educação de


qualidade. Porém, como formar bons professores? Em 1996 foi instituída a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, na tentativa de reformular o espaço acadêmico e
equilibrar as atividades entre o ensino e a pesquisa, de forma a formar profissionais
qualificados para trabalharem na educação. Ao longo dos anos as universidades estão
refletindo sobre como efetivar as mudanças na educação superior, tendo em vista a
unificação entre docência e ciência de forma integradora, descartando o processo de
dissolução entre as mesmas (BRASIL, 1996).

Durante o processo de constituição curricular dos cursos destinados à formação de


professores, é imprescindível questionar quais as atribuições didáticas e pedagógicas
que são necessárias à formação docente. Nesse sentido, o diálogo entre áreas distintas
da formação, entre elas, a área de história e pedagogia, torna fundamental na medida em
que a docência envolve, no processo formativo, a síntese entre a teoria e a prática que se
constitui não só pela pesquisa, mas e, também, por meio da extensão. Negri (2010)
destaca que, a formação, a partir de uma análise sobre as possibilidades e propostas
práticas contemporâneas, deve propor a reflexão sobre o processo didático-dialógico
dos conteúdos, sendo necessária a compreensão dos elementos que modificam e (res)
significam a relação entre ensino e pesquisa.

Na formação do profissional tanto das áreas de história como de pedagogia, é


importante abordar questões sobre a relação entre os conhecimentos distintos,
qualificando o professor para atuar em diversos e diferentes espaços, produzindo
sentidos de mundo para si mesmo e auxiliando os estudantes na compreensão do
mesmo. Esses conhecimentos e ações são denominados de hibridas (CANCLINI, p.
XIX, 2013)., culturais, sendo mais eficientes na compreensão das divisões causadas
pelas diferenças de raças, etnias, gêneros e outras. As análises que se apontam repensam
a reconstrução do conhecimento e do currículo que repensam as práticas dominantes de
cada período histórico (NEGRI, 2010).

Buscando os diversos sentidos que se atribui às construção de conhecimentos em


espaços e culturas hibridas contemporâneas, entende-se que este processo é composto
não só por teoria e prática, mas pela transposição em que as culturas dos povos se
entrecruzam, isto é, processos socioculturais de relação e inter-relação de
conhecimentos, valores e saberes tradicionais (CANCLINI, 2013). Nesse sentido, é
importante o processo de reflexão sobre os diversos significados atribuídos ao

348
multiculturalismo e seus efeitos, de modo a evitar a perpetuação das diferenças através
das práticas curriculares que ainda hoje continuam reproduzindo as estruturas
homogêneas de poder e de hierarquização cultural.

As possibilidades de desenvolver alternativas concretas para pensar o currículo nos


cursos de história e pedagogia, precisam partir da integração entre a teorização de
multiculturalismo exaltando na problematização entre os tipos de saberes que integram
ao currículo pedagógico. Negri (2010) questiona os modelos de organização e de
planejamento curricular, os métodos, conteúdos e práticas educativas, estreitamente
relacionadas com a cientificidade e com a racionalidade moderna. Racionalidade essa
que, nega a contribuição de outros saberes e culturas por considera apenas o
conhecimento científico como único válido e confiável.

Dá-se assim, a necessidade de se pensar um novo modelo de educação, mais aberto e


sensível às novas demandas sociais e a riqueza cultural do mundo. No entanto, o
conhecimento produzido e reproduzido pela educação deixa de ser validado por estar
baseado em conteúdos descontextualizados e desvinculados de importantes relações de
multiculturalismo.

Repensar a formação e o fazer docente, pressupõe ir a busca de novas formas de


conhecimentos, desde uma perspectiva do conhecimento interdisciplinar, multicultural e
híbridos, contemporâneos com as exigências intelectuais sobre novas abordagens,
através de esforços sobre os quais conhecemos e pretendemos atuar enquanto
profissionais da educação (RAYNAUT, 2014).

Para além das questões levantadas, pode-se refletir sobre os efeitos que a formação
fragmentada e descontextualizada pode ter para os estudos e também, numa perspectiva
mais ampla, para a sociedade. Bourdieu (1989) atesta que, a deficiência na formação
impede a compreensão da realidade social, ao mesmo tempo em que inviabiliza a
constituição de vínculos solidários de segmentos que poderiam organizar-se na luta
contra o capital. Nessa continuidade, a subdivisão das lutas em torno de identidades
multiculturais ou das questões regionais desvinculadas em especifico o poder de pressão
que favorece a hegemonia burguesa. Portanto, é dentro deste cenário histórico que
devemos buscar a compreensão das propostas hegemônicas presentes na educação
escolar, que contribuem para a fragmentação dos conteúdos, com um notório
esvaziamento do trabalho pedagógico e precarização da formação docente (GOMES e
COLARES, 2012). Gramsci (1978) apresenta uma concepção de hegemonia mais
elaborada e adequada em pensar sobre as relações sociais, sem cair no materialismo
vulgar e no idealismo. A noção de hegemonia propõe uma nova relação entre estrutura
tentando se distanciar das determinações da primeira sobre a segunda, mostrando a
centralidade das superestruturas na análise das sociedades avançadas. Nesse contexto, a
sociedade civil adquire um papel central, bem como a ideologia, que aparece como
constitutiva das relações sociais.

A perspectiva da formação híbrida e multicultural se opõe à versão dominante das


políticas educativas e de formação docente. Para Freire (1996) as políticas em educação
devem se constituir como um discurso que defende a valorização do conhecimento dos
alunos bem como de sua realidade social. O conceito de hibridismo permite interpretar
por novas perspectivas de análise a compreensão dos processos de reconhecimento, de

349
legitimação, de interpretação e de apropriação sobre as políticas curriculares nas
exigências que transitam até à sua efetiva implementação no campo prático.

O processo de hibridação implica em criar espaços de exploração e compreensão das


possibilidades que se manifestam através da cultura e da história. É nesse espaço que
acontece a negociação de sentidos e de significados entre visões de mundo diferentes,
fazendo surgir novas compreensões sobre a realidade, além de administrar a
diversidade, que é uma necessidade na interpretação de uma cultura cívica democrática.

Dessa forma, ao vivenciarmos um momento histórico de predominância de um projeto


que representa um retrocesso em termos de responsabilidade com a educação pública, é
preciso afirmar a educação híbrida e libertado para lutar contra as intenções do estado
que pretende esvaziar o papel da educação escolar (GOMES e COLARES, 2012). É
preciso afirmar a ideia de que a educação é um direito social de todos, e combater a
ideia cada vez mais difundida de que a educação é um serviço, que vai ser prestado se
adquirido no mercado.

Mais do que nunca, no atual contexto de globalização das tecnologias de informação e


comunicação às sociedades modernas defrontam-se com realidades híbridas que
resultam da interação e divulgação de saberes, conhecimentos e práticas culturais
diversas. É um momento que, se bem orientado, pode favorecer a formação de
conhecimentos mais efetivos e humanos.

O discurso híbrido, apontado por Canclini (2013), reivindica a noção de colaboração de


saberes, indo, portanto, contra as noções tradicionais de razão, verdade, objetividade.
Questiona, dessa forma, os conceitos de desenvolvimento, emancipação e as grandes
narrativas, implicando em multiplicação no âmbito de formação acadêmica. O processo
de formação para melhor atender os anseios de uma formação híbrida, exige um
trabalho de formação a ser fundamentada por uma pedagogia adequada (RAYNAUT,
2014). Esse processo deve entender a produção do conhecimento como imprescindível
na formação de profissionais da educação, com sentido mais amplo, repensando a
relação entre o ensino e pesquisa (LEITE, et al 2011). Dessa forma, é preciso
reestruturar os processos de formação docente fazendo uma ponte entre o ensinado e o
vivido na realidade concreta dos sujeitos.

Referências

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de


1996. Brasília: MEC, 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 19 set. 2016.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução: de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 1989.

CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2013.

350
GOMES, Marco Antônio de Oliveira; COLARES, Maria Lília Imbiriba Sousa. A
educação em tempos de neoliberalismo: dilemas e possibilidades. Acta Scientiarum.
Education, Maringá, v. 34, n. 2, p. 281-290, July-Dec, 2012.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1978.

LEITE, Denise; GENRO, Maria Elly Herz; BRAGA, Ana Maria de Souza. Org.
Inovação e Pedagogia Universitária. Porto Alegre: UFRGS, 2011.

NEGRI, Stefania de Resende. Um currículo democrático na contemporaneidade:


desafios e possibilidades teóricas. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 1, n. 2, p. 274-
292, jul./dez. 2010.

RAYNAUT, Claude. Pensar no mundo contemporâneo e inovar na produção do


conhecimento. G&DR, Taubaté, v. 10, n. 3, p. 4-26, set/2014.

351
DIFERENTES LINGUAGENS E SUA UTILIZAÇÃO
NO ENSINO DE HISTÓRIA
Suelem Cristina de Abreu

Durante muito tempo o ensino de História foi caracterizado por meio da aula expositiva
e por um ensino considerado “tradicional”. Esse método de aula tradicional levou os
próprios professores a combaterem e buscarem renovação, pois esse ensino tradicional é
considerado um motivo pelo qual os estudantes acabam demonstrando certo
desinteresse pela História.

Com a escola dos Annales há um alargamento do que são consideradas fontes, os


documentos históricos eram levados em conta apenas se fossem oficiais. Mas com o
fortalecimento dos Annales houve o processo de abordagem da chamada
interdisciplinaridade que contribuiu para essas novas discussões. Nesse processo todo, a
história Cultural também assume papel importante por abrir espaço para novos debates.

Essa perspectiva mais ampla para a pesquisa histórica transformou também o pensar
sobre o ensino de História que se abriu para novos temas, novos sujeitos e novos
recursos e linguagens de ensino.

O uso de novas e diferentes linguagens tem como objetivo tornar a aprendizagem mais
interativa e significativa para o aluno, instigando seu senso crítico e despertando nele a
vontade de debater e apresentar seus pontos de vista sobre determinado assunto.

Nesse processo de mudança no ensino tradicional surge a necessidade de renovação, o


que acaba ocasionando como conseqüência o uso de novos recursos em sala de aula.
Entre essas mudanças a escolha do material didático com diferentes recursos foi algo
considerado importante.

Entretanto o professor, muitas vezes, acaba se pautando apenas na aula expositiva por
inúmeros fatores, entre eles: o fato de ter muitas aulas, não ter “intimidade” com outros
recursos, por sentir-se confortável com o quadro e o giz ou mesmo a falta desses
recursos.

A proposta do uso de novas e diferentes linguagens para o ensino de História vem sendo
debatida desde a década de 80, mas o uso de tais recursos deve ter a finalidade de
contribuir com a aprendizagem e gerar sentido para o aluno, e não para promover
simplesmente uma renovação de métodos ou tentar fazer com que leve apenas a um
interesse maior dos alunos. Com isso torna-se necessário também uma reflexão sobre a
concepção de História e a partir disso desenvolver relações entre ensino e
aprendizagem.

o uso de diferentes linguagens em sala de aula deve ser entendido como


parte de um processo mais amplo, localizado em práticas que relacionem o
uso de tais recursos em um diálogo com uma proposta de ensino que

352
possibilite aos estudantes fazer parte do processo de ensino e produzir
significados com ele. (OLIVEIRA, 2012, p. 3)

Os produtos culturais fazem parte das diferentes linguagens e entre eles encontram-se
filmes, músicas, imagens, internet, TV, rádio, entre outros. Essas linguagens são
consideradas recursos didáticos e devem contribuir para problematizar assuntos e
auxiliar o aprendizado.

Para cada uma dessas diferentes linguagens deve haver uma forma de abordagem,
atendendo ao fato de que cada uma tem uma finalidade e deve ser lida e criticada. Cabe,
portanto ao professor historiador desconstruir o documento e suas impressões iniciais,
partindo de observações como, finalidade, autor, contexto, etc.

Segundo a autora Nucia de Oliveira as diferentes linguagens podem ser utilizadas


“como meios para estabelecer relações de ensino, ou como instrumento de investigação”
(2012, p. 270), portanto a aprendizagem presente na história pode ser apresentada a
partir da análise e investigação por meio de diferentes linguagens.

A Educação Histórica deve causar sentido na vida dos alunos com o aprendizado em
História, criando narrativas e situações que possam ser interpretadas a partir do que os
estudantes sabem. Portanto o uso de fontes históricas é muito relevante para a
investigação e compreensão de processos históricos, permitindo também a criação de
narrativas.

As diferentes linguagens em sala devem ser usadas como complemento das aulas de
história, com finalidades próprias de construir saberes e contribuir para a reflexão.

Algumas vezes é possível perceber que as diferentes linguagens não são utilizadas como
um material didático, pois estão sendo apresentadas apenas como uma forma de fazer
com que os alunos participem da aula, mas esse objetivo acaba também não sendo
alcançado. Com isso o aprendizado histórico não é desenvolvido.

Há uma preocupação com relação a tais recursos sobre o uso crítico deles, construindo
assim debates com os estudantes e não levando verdades prontas a eles, despertando a
análise própria por parte de cada um deles.

O uso do discurso literário para o ensino de História também é debatido, entretanto um


ponto em comum entre o discurso literário e o discurso histórico é o fato de ambos
serem narrativas. A literatura pode contribuir na história para demonstrar possibilidades
de fatos que não ocorreram na realidade e que contribui também para o entendimento de
costumes e da realidade de determinada época.

Com relação á imprensa periódica, ela é um meio de comunicação em massa que não
pode simplesmente ser ignorada pelo professor, pois está presente na vida dos
estudantes com uma carga de informações muito grande do mundo todo. Portanto cabe
ao professor integrar essas informações em suas aulas.

É preciso que se tenha um olhar mais crítico sobre a notícia entendendo que ela por ser
um produto cultural se esgota e pode ser “manipulada” de acordo com quem a produz e

353
seus interesses por detrás disso. Apesar disso a imprensa é um meio que permite a
observação através de diversos pontos de vista e por vezes fornece dados estatísticos,
imagens, canções, quadrinhos, que podem contribuir no ensino de história.

As imagens, mais precisamente as fotografias, não são uma cópia fiel da realidade e sim
o registro de uma escolha do fotógrafo. Logo essa imagem traz consigo uma
subjetividade que precisa ser analisada de uma forma crítica pelo professor e seus
alunos. Segundo a autora Selva Guimarães Fonseca (1995, p.56) o uso da imagem para
o ensino de história “amplia pelo olhar as possibilidades de leitura do social, tentando
captar aquilo que ao mesmo tempo é estranho e novo”.

A música como um material didático pode ser utilizada como um meio de percepção
social, do estudante interpretar a letra e criar uma ponte com o social, com a sua
realidade, mas pode ser utilizada também para deixar a aula mais dinâmica. Portanto a
música deve ser analisada, interrogada e entendida como a combinação de palavras.

Muitos são os recursos que podem ser utilizados em sala, e é evidente que a utilização
de novas e diferentes linguagens para o ensino de história é importante e contribui com
a aprendizagem se for executado de maneira significativa, conseguindo assim criar um
“vínculo” entre o aluno e o conhecimento, despertando o senso crítico e gerando
debates, desvencilhando-se da aula meramente expositiva.

Referências

DE OLIVEIRA, Nucia Alexandra. “Novas” e “diferentes” linguagens e o ensino de


história: construindo significado para a formação de professores. EntreVer,
Florianópolis, v. 2, n. 2, p. 262-277, jan./jun. 2012

FONSECA, Selva Guimarães. O uso de diferentes linguagens no ensino de história e


geografia. São Paulo, 1995.

GUERRA, Fabiana de Paula. A incorporação de outras linguagens ao ensino de


história. Londrina, 2007.

354
ESTUDO DO MEIO: ENSINO DE HISTÓRIA
ALÉM DA SALA DE AULA
Taciane Fernanda Silva

Não é novidade que muitos alunos e alunas dizem “odiar” história, consideram a
disciplina totalmente desinteressante. Mas por quê? Segundo Seffner (2000) quando o
ensino é centrado apenas nos livros didáticos, e os conteúdos são trabalhados de uma
forma que não desenvolve o senso crítico, os alunos e alunas adotam a visão de que é
desnecessário estudar o passado. Essa realidade precisa ser mudada, e cabe ao professor
ir além dos livros didáticos procurando meios para ensinar e desenvolver as
competências dos alunos e alunas.

Antes de entrar para o curso de história, recordo-me de pouquíssimos/as professores/as


que em minha formação básica foram além dos livros didáticos, nos desafiando a pensar
historicamente. Para ser mais precisa, três professores que além das aulas expositivas
dialógicas “mágicas” tinham propostas de atividades que contribuíam para o
desenvolvimento das competências, os quais tenho como referência hoje. Na
universidade, em meu estágio final de regência do curso de História, outra maneira de
pensar o ensino de história chamou minha atenção, no primeiro ano o professor de
história antiga nos tirou da sala e levou para a praça, depois nos pediu para observar os
monumentos e começou sua aula a partir da história presente ali. Aquela aula chamou
muito minha atenção, era “genial” e posso dizer que foi de grande influência para me
fazer defender nesse e em outros trabalhos o estudo do meio como fundamental no
processo de ensino aprendizagem.

A leitura de alguns teóricos me ajudaram a pensar esse estudo do meio e como eu


poderia encaixa-los em minha prática docente. Segundo Bittencourt (2009) todo meio é
histórico, e “organizar saídas dos alunos da escola é, normalmente, algo bem aceito e
visto sempre de maneira positiva quer pela motivação que provoca nos alunos, quer
pelas oportunidades pedagógicas que pode oferecer.” (BITTENCOURT, 2009, p. 273).
Nós professores de história, somos privilegiados pela infinidade de meios que temos
para trabalhar os conteúdos com os alunos e alunas e é nosso dever explorar esses
meios. Nesse sentido, busco refletir a partir de minha experiência pessoal, o estudo do
meio como prática pedagógica.

Durante os estágios finais, após serem determinados os temas pelos quais eu ficaria
responsável de trabalhar com os alunos e alunas, comecei a pensar em como estruturar
as aulas procurando desenvolver o pensar historicamente aproximando os discentes da
história. Tendo em vista que um dos temas era “Revolução Industrial” a leitura de
Fonseca (2003) foi essencial para pensar essas aulas, pois em seu livro “Didática e
prática de ensino de história” ela cita o exemplo de projetos de pesquisa de saídas de
campo, que podem ser aplicados de maneira interdisciplinar e facilitam a compreensão
dos alunos e alunas sobre diferentes perspectivas.

355
ensino de história, possibilita a reconciliação da história vivida com a
história conhecimento, a partir de uma relação ativa entre os tempos
presente e passado, entre espaços próximos e distantes, num movimento
dialético. (FONSECA, 2003, p.124)

Considerando as reflexões de Fonseca (2003) e Bittencourt (2009), decidi levar os


discentes para dentro de uma fábrica de chapas de fibra de madeira que fica em nosso
município, a ideia foi bem vista pelo professor supervisor, o que facilitou a saída dos
alunos e alunas do colégio. O objetivo era visitar duas fábricas, uma onde os meios
tecnológicos eram escassos e outra bem desenvolvida tecnologicamente, infelizmente
como o tempo era curto optamos por visitar apenas uma, a fábrica com mais recursos
tecnológicos. Na minha visão, nada melhor do que pensar a “Revolução Industrial”
dentro de uma fábrica, pois aproximava os discentes da história trabalhada em sala de
aula, e eles poderiam se ver como agentes históricos, atuantes de seu tempo.

A experiência na fábrica foi fantástica, os alunos e alunas estavam atentos/as a tudo,


levaram para a fábrica os conhecimentos adquiridos em sala de aula, algo que consegui
perceber com as intervenções durante o “passeio” para perguntas que buscavam refletir
os avanços da revolução. Para muitos alunos e alunas do 2º ano do ensino médio, como
as turmas que levei para a visita a fábrica, tecnologia é celular, vídeo game, computador
de última geração, revolução tecnológica para muitos deles se limita a isso, conhecer
uma fábrica que dispõe de uma das melhores tecnologias do país em maquinário,
possibilitou aos discentes ampliar suas visões de mundo. Os pais de muitos alunos e
alunas trabalham nas fábricas da cidade, com isso conseguimos estabelecer relações
com a luta pelos direitos do proletariado, pois sem essa luta os pais daqueles discentes
ainda estariam trabalhando em condições desumanas, com salários baixíssimos.

Algumas perguntas se repetiram nas duas turmas “qual o número de mulheres


trabalhando na fábrica?” “o salário das mulheres é igual ao dos homens?” Notadamente,
estavam procurando comparar se os dados do período estudado, ainda se aplicavam aos
dias atuais. A questão ambiental também teve destaque na fala dos alunos e alunas, que
queriam saber quais eram as preocupações dos donos da fábrica com a poluição, o
responsável pela empresa respondeu aos questionamentos dizendo, que eles têm uma
grande preocupação com o ambiente e buscam não utilizar produtos químicos durante a
colagem da chapa dura para que a fumaça liberada no ar não agrida o meio ambiente,
esse fato chamou bastante a atenção dos alunos e alunas.

Segundo Lopes (1991) o professor sempre tem a necessidade de buscar técnicas para o
desenvolvimento dos conteúdos dos seus planos, e esse era meu objetivo, inovar, fazer
com que os discentes se vissem como parte da história que eles aprendem em sala de
aula. Muitos professores optam por não sair da sala de aula para evitar transtornos,
preferem não arriscar sair do modo tradicional, devemos encarar esse desafio, pois se
não arriscarmos, nunca vamos saber se vai dar certo. Algo que escutei muito durante a
graduação foi que deveríamos tirar os alunos e alunas de dentro da sala de aula para ver
como eles se comportam, e essa experiência é muito válida. A rotina da sala de aula às
vezes cansa os alunos e alunas, e quando você os/as tira daquele ambiente
automaticamente chama a atenção, e eles/as vão topar qualquer atividade para sair da
sala de aula, e é nessa brecha que as atividades propostas devem fazer os/as discentes
pensarem historicamente.

356
A experiência na fábrica me fez refletir ainda mais sobre essa prática do estudo do meio,
pois acrescentou muito à minha formação e acredito que pelos trabalhos desenvolvidos,
acrescentou muito para os alunos e alunas também. Por isso defendo que tirar os/as
discentes da sala de aula, de maneira alguma é perca de tempo, é parte fundamental no
processo de ensino. Seja na praça, na fábrica, no museu ou nas ruas é nesses lugares que
alunos e alunas observarão, cara a cara, o que aprendem em sala de aula e, mais do que
isso, desenvolverão uma visão própria do mundo. O estudo do meio permite que os
discentes entrem em contato com certas dimensões da realidade que não estão nos
livros. Como afirma Bittencourt (2009) do ponto de vista do desenvolvimento
intelectual, o estudo do meio favorece a aquisição de uma série de capacidades,
destacando-se a observação e o domínio de organizar e analisar registros orais e visuais.

Ser professor/a vai muito além de simplesmente preparar e aplicar aula, é querer e saber
ensinar, saber compreender o/a seu/sua educando/a a fim de torná-lo/a capaz de
entender a sociedade e ser hábil o suficiente para viver nela, é saber estimular os seus
alunos e alunas para que eles/as possam desenvolver o que eles/as têm de melhor. Mas
ser professor/a de história não basta saber contar história, tem que conseguir fazer os/as
discentes se sentirem parte dela.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos.


3ed, São Paulo, Cortez 2009.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história. Experiências,


reflexões e aprendizados. Campinas: Papirus, 2003.

LOPES, Antonia Osima. Aula expositiva: superando o tradicional. In: VEIGA, Ilma
Passos Alencastro (org.) Técnicas de ensino: Por que não?. Campinas: Papirus, 1991.

SEFFNER, Fernando. Teoria, metodologia e ensino de História. In: Questões de Teoria


e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Da Universidade UFRGS, 2000.

357
CIDADANIA E EDUCAÇÃO NO PROJETO
NEOLIBERAL
Tales de Castro Cassiano

Introdução

A educação pública brasileira vem há décadas apresentando problemas generalizados


que são alvos de uma ampla discussão na sociedade e na academia. Entretanto, por mais
que pesquisadores e opinião pública concordem sobre a fraca condição da estrutura
educacional, por diversas vezes apontam-se problemas localizados como causa das
deficiências na educação, sem relacionar com a amplitude do sistema político e
econômico que vivemos. Ou seja, a culpa recai nos baixos salários dos profissionais da
educação, infra-estruturas precárias, alunos indisciplinados e baixos investimentos
como motivadores fundamentais para a elitização e ineficiência educacional. Estes
motivadores devem ser analisados de forma isolada? Talvez não sejam consequências
de uma lógica mais ampla?

Para melhor responder a estas questões é importante fazer um resgate histórico sobre a
adoção do modelo neoliberal na educação brasileira, principalmente a partir das décadas
de 1980 e 1990, com a abertura política e promulgação da Constituição de 1988,
momentos que possibilitaram os governos a estruturarem um novo modelo educacional
para o país, que não tivessem características semelhantes às do regime militar.

Compreendendo a escola como espaço de formação dos indivíduos, do ponto de vista


formal e de valores políticos e morais, e entender o modelo que ela está inserida, pode
contribuir para enxergarmos quais cidadãos estão sendo preparados no ambiente
educacional no Brasil.

Reconhecer que a estrutura educacional brasileira convive com graves problemas é


saber que há um projeto em desenvolvimento que não propõe a escola como espaço
formativo de cidadania e emancipação. Talvez a partir de novas experiências práticas e
novas teorias, como a proposta da escola crítico-democrática, possamos desenvolver
novos exemplos de práxis educacionais e escolares.

Portanto, o presente artigo tem como objetivo analisar os impactos do neoliberalismo na


educação, questionando a relação entre política econômica, desigualdades sociais e
desigualdades educacionais.

Como metodologia utilizou-se de revisão bibliográfica de autores que debatem o projeto


neoliberal para educação, principalmente nos países pobres.

358
Desenvolvimento

No Brasil, as políticas neoliberais tiveram sua fase mais aguda nos anos 1990. A partir
da eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989, o programa econômico liberal foi
amplamente defendido e vários de seus eixos implantados no seu governo. Porém, é no
governo Fernando Henrique Cardoso que o estado assume o neoliberalismo como lógica
determinante. Diversas empresas estatais foram privatizadas, prevalecendo o caráter do
estado mínimo, refletindo diretamente nas políticas públicas. No ensino superior, por
exemplo, apenas uma única universidade federal foi criada, recursos públicos foram
contingenciados e decretou-se a limitação da expansão de escolas técnicas federais (Lei
9649/1998). Em contrapartida centenas de faculdades privadas se espalharam pelo
território nacional, assumindo majoritariamente a função social na educação superior,
onde assimilou cerca de 75% das matrículas. Nesse mesmo período as pós-graduações e
alguns mestrados profissionais passaram a ter cobrança de mensalidades nas
universidades federais, minimizando a concepção pública destas instituições de ensino.
Claramente se aprofundou no Brasil uma lógica mercadológica da educação, afetando a
qualidade e elitizando as instituições públicas de ensino superior. (MARTINS, 2000).

Outra questão alarmante provocada pela política neoliberal foi a precarização do ensino
básico no país. Segundo Guimarães (2009, p. 71), “A relação entre desigualdade social
e desigualdade educacional sempre caminhou de mãos dadas no contexto dos países
latinos americanos”.

O pensamento hegemônico neoliberal constrói uma concepção educacional baseada no


produtivismo, desprivilegiando os aspectos da cidadania crítica e emancipatória. O
estado brasileiro, ao assumir essa face, assume uma hegemonia dos valores do mercado,
reduzindo a educação a uma função específica de ferramenta para o desenvolvimento
econômico.

O retrato é de altas taxas de repetências, altas taxas de evasão escolares e aprendizagens


precárias dos alunos, onde também os professores são pressionados pelos seus
superiores a uma prática de aprovação automática, perdendo assim a sua autonomia
dentro da sala de aula. São características do neoliberalismo, que considera o direito à
educação apenas na forma quantitativa, com grandes números de matrículas de crianças
na escola e índices que “comprovam” adequação entre idade e série dos alunos.

Importante ressaltar que o neoliberalismo levou diversos países pobres e emergentes a


se adequarem a propostas internacionais, se comprometendo a cumprir metas que
possibilitam financiamentos em diversas áreas, inclusive na educação. Obviamente que
esses compromissos se dão em sintonia com a proposta capitalista de ensino. Guimarães
(2009) lembra que:

Em 2000, o Brasil participou da cúpula mundial de Educação Para Todos,


que ocorreu em Dakar, Senegal, onde foram reafirmados os compromissos
da Declaração Mundial Sobre Educação Para Todos (EPT), realizada em
Jotiem, Tailândia, dez anos antes, em 1990. (GUIMARÃES, 2009, pg. 79)

359
Certamente que a perseguição desses índices e metas nem sempre andam lado a lado
com a qualidade do ensino, pois o que mais interessa nesse modelo é a quantidade e não
a capacidade crítica dos alunos.

Outro aspecto dessa concepção são as diferenças regionais, estritamente ligadas às


desigualdades econômicas. É evidente a disparidade entre as regiões do país, onde áreas
mais pobres economicamente sofrem com maior precariedade do ensino.

Notadamente que toda essa lógica está em sintonia com a pedagogia utilizada nas
escolas como por exemplo, através dos currículos escolares. Enquanto nos países mais
desenvolvidos os currículos são orientados sob uma ótica de preparação de cidadãos
para que conheçam e enfrentem os problemas locais e globais, no Brasil servem à lógica
de preparação para o mercado de trabalho (tapa buraco de vagas de trabalho).
Guimarães (2009) sustenta que:

O currículo escolar da escola pública brasileira está ultrapassado nesse


sentido, pois formamos alunos com uma visão extremamente limitada e
descontextualizada dos problemas que afetam o mundo, o planeta.
(GUIMARÃES, 2009, p.83)

A autora afirma que é através dos currículos que parte dos valores políticos e sociais são
construídos com os alunos, mais do que isso, são os currículos que trazem o
conhecimento histórico, suas percepções e nuances, contribuindo para que a criança
tenha determinada leitura de mundo, que se “feche” ou se “abra” para compreender a
sociedade que vive. A autora apresenta que a educação pode servir para mediar
compreensão de mundo, muito além das questões formais e dos livros didáticos.
Guimarães (2009) afirma que:

Apesar de sua importância inquestionável, não é possível formar o cidadão


crítico, ativo e emancipado apenas com a oferta de educação formal,
principalmente a partir da concepção perniciosa da neutralidade política.
Em tempos de globalização, não basta apenas dominar o código alfabético,
mas as entrelinhas, as intenções que aí se escondem, o dito e não dito.
(GUIMARÃES, 2009, p.69)

Autores como Luis Rigal, professor da Universidade Nacional de Jujuy, em Buenos


Aires, tem debatido a necessidade de enfrentar o processo hegemonizador do
neoliberalismo. Para ele, o discurso neoliberal busca se tornar um paradigma universal,
postulado de sustentação do sistema capitalista. Entretanto de acordo com o autor o
neoliberalismo é um paradigma de aprofundamento das desigualdades sociais, que
busca através da educação criar fossos entre uma maior parcela da população pobre e
uma minoria rica. Segundo Rigal (2000), o modelo educacional neoliberal está
carregado de práticas produtivistas, que descaracterizam o sentido cidadão da educação.
O autor afirma que qualidade passou a ser compreendida como rendimento, o salário
dos profissionais da educação se vincularam às metas e resultados, além das escolas
adotarem uma lógica de controle que afeta a autonomia institucional, onde objetivos,
processos, resultados e critérios de avaliação são definidos por instâncias externas à
escola, afetando também autonomia dos professores. A lógica dominante passa ser

360
instrumental e técnica, se assemelhando a uma lógica de produção empresarial e
industrial,

A contrapartida disso é um sujeito pensado como agente passivo, adaptado


e adaptável. O viés economista do neoliberalismo confunde cidadão com
agente econômico, com cliente, com consumidor, confusão essa que
expressa um profundo desprezo pela preocupação moderna com a
cidadania. (RIGAL, 2000, p.185)

Sendo assim, é possível afirmar que o projeto neoliberal carrega consigo um programa
político de alienação de grande parcela da sociedade. A sua consolidação não afeta
somente as questões relacionadas à economia, mas também ao desenvolvimento político
e cultural. Guimarães (2009, p. 70) afirma que, “A educação escolar despontou no
cenário nacional como uma educação tecnocrática e elitista, tendo como objetivo
formar dois grupos de cidadãos: um para comandar e o outro, a grande maioria, para
ser comandada.”

Com esse entendimento é necessário pensar e buscar alternativas ao modelo neoliberal,


do ponto de vista de estrutura política, econômica e social, trazendo novas perspectivas
na Educação. A escola como espaço democrático, voltada para a humanização da
sociedade, como estratégia de desenvolvimento cultural emancipador devem fazer parte
desse horizonte. O apontamento de Guimarães (2009) vai ao encontro desta opinião,

A escola, entretanto, precisa privilegiar a cidadania, não a produtividade


econômica. Entretanto, o que se percebe é que o pensamento neoliberal
vem na contramão de uma política educacional voltada para os direitos da
cidadania conquistados ao longo do tempo e os direitos sociais
apresentam-se como o “bode expiatório” das políticas neoliberais, sendo o
lugar preferido para os cortes públicos. (GUIMARÃES, 2009, p. 72)

A escola deve cumprir um papel fundamental na formação de cidadãos, sujeitos


políticos protagonistas e ambientados da sociedade em que vivem. Deve ser um espaço
de fortalecimento da cidadania de identificação das potencialidades da criança, de
estímulo a práticas que superem os valores preconceituosos e combatam as
discriminações. Um ambiente que garanta uma boa formação do conhecimento formal
aliada a uma formação crítica, libertária e pensante.

Segundo Rigal (2009), a escola que tem essas características é uma escola crítico-
democrática. Para ele, uma escola formadora de cidadania possui dois objetivos
fundamentais:

a) Contribuir no plano público, para o desenvolvimento de uma cultura do discurso


crítico sobre a realidade concreta;

b) Socializar os valores e as práticas da democracia nos âmbitos institucionais


cotidianos a participação ativa e crítica e as experiências de organização
(RIGAL, 2000, p.189)

361
Recorremos também a esse autor para apresentar demais possibilidades que podem
compreender a escola critico-democrática. Reforçando que esta alternativa se contrapõe
fortemente ao projeto neoliberal, pois se busca desconstruir a perspectiva
hegemonizadora, totalizante, unilateral e alienante do modelo neoliberal. Para Rigal
(2000), é preciso uma vertente crítica de educação, onde se repense a instituição escola,
a relação ensino-aprendizagem, o currículo, o aluno-sujeito e o professor. O autor
aponta que:

Pensar a escola a partir dessas raízes parecem ser um exercício de


autonomia intelectual que permite transcender os estreitos limites
unidirecionais do discurso hegemônico e sua tecnocrática lógica da
racionalidade instrumental que tão airosamente vigoram nas políticas
educativas nacionais. (RIGAL, 2000, p. 192)

Portanto, é possível indicar caminhos que possam se contrapor ao neoliberalismo, não


somente pelo embate em si, mas sobretudo na busca de uma ampla reforma educacional,
que consiga garantir acesso e permanência dos alunos com qualidade na formação, que
conseqüentemente contribua em alavancar o desenvolvimento social, político,
econômico e cultural do país.

Diversos historiadores, sociólogos, educadores e pensadores brasileiros tem


aprofundado esse debate, cabe a nós aproximar este diálogo com diversas instituições e
com a sociedade na procura de melhorar o ensino brasileiro.

Considerações finais

A partir da pesquisa empreendida, observou-se certo consenso entre alguns autores de


que o modelo neoliberal de educação proporciona maiores desigualdades regionais,
sociais e econômicas, com pensamentos produtivistas e não emancipatórios.

Este projeto coloca o Brasil entre os piores países do mundo no índice de alfabetização,
diferentemente de outros como a Coréia do Sul e a Espanha, que anteriormente
afundados em péssimos níveis educacionais, perceberam que uma das principais formas
de acabar com a pobreza e a desigualdade é através do investimento na Educação.

Educação não se limita em saber ler e escrever, é propiciar o entendimento de como


funciona todo o sistema, é propiciar ao cidadão o senso crítico, para que ele possa
participar ativamente da complexa sociedade contemporânea. Porém, a partir dos
estudos que se relacionam com a produção deste artigo, percebe-se que o projeto
neoliberal vai de encontro a essa perspectiva, construindo uma sociedade de indivíduos
robotizados, professores sem autonomia, sem estrutura de trabalho, visando formar
seres humanos tecnicistas e não emancipados.

Outro grave problema constatado é a elitização da educação, principalmente nas


instituições públicas federais. As melhores universidades não são para todos e sim para
aqueles que tiveram melhores condições financeiras para estudar em escolas privadas,
onde apresentam melhores condições de ensino. As escolas públicas são sucateadas, o

362
professor é limitado pelas suas condições de trabalho, criando um lapso de desigualdade
entre o aluno da rede pública e o aluno da rede privada. Se a educação é elitizada, como
então um cidadão de origem pobre poderá crescer não só financeiramente, mas também
como pensador, como ser humano com cidadania?

Este artigo pretende mostrar que o neoliberalismo aprisiona os indivíduos


intelectualmente, roubando seu direito de conhecimento, a pessoa é propositalmente
alienada pelo sistema. Como cobrar destas pessoas melhores reflexões, atitudes e
participação social, se ela não tem uma boa Educação?

A educação constitucionalmente é um direito de todos, direito este que não é garantido


universalmente, e através deste não cumprimento cresce o analfabetismo e desencadeia
uma série de problemas sociais: o racismo, a violência, a desigualdade social, por
consequência o atraso econômico e cultural do país.

Portanto, busca-se suscitar através desse artigo o debate sobre como o neoliberalismo
tem agido na educação brasileira e quais as alternativas, do ponto de vista pedagógico e
de estrutura educacional, possíveis a serem aplicadas em contraponto ao sistema
vigente. Talvez a escola crítico-democrática, com gestão participativa possa ser um
desses caminhos.

Referências bibliográficas

BRASIL. Decreto lei nº 9649, de 27 de maio de 1998. Dispõe sobre a organização da


Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Diário Oficial
da União. Brasília, 1998.

MARTINS, Carlos Benedito. O ensino superior brasileiros nos anos 90. IN: São
Paulo perspectiva. Jan/ Mar, vol. 14, n.01. São Paulo, 2000.

GUIMARÃES, Ranilce-Josif. Educação, pobreza e desigualdade no Brasil:


impedimentos para a cidadania global emancipada. p. 67 – 97. Brasília: Líber Livro,
2009.

RIGAL, Luís. A escola crítico-democrática: uma matéria pendente no limiar do século


XXI. IN: A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. P. 171 – 193. 2ª
ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

363
O ENSINO DE HISTÓRIA E A AMEAÇA DA NOVA
REFORMA DO ENSINO MÉDIO
Thalles Azevedo Ladeira

Falar do ensino de história e de sua importância é antes de tudo nos remeter a um


pressuposto fundamental defendido por Marx e Engels, quando afirmam que a dinâmica
da História é a história da luta de classes. Sendo assim, é possível afirmar que a História
não é apenas uma narrativa, mas também todo o processo humano ao longo do tempo e
seus desdobramentos.

Partindo do indicativo acima, ressalta-se que a história deve ser considerada portanto
um prisma indispensável para entendermos o mundo em que vivemos, haja vista que
através dela nos é assegurada a capacidade de entendermos de forma crítica as
estruturas econômicas, sociais, políticas, religiosas, ideológicas e jurídicas de nossa
sociedade.

Entretanto, nos dias atuais, uma grande crise tem se instalado, visando a desvalorização
dos conhecimentos históricos e sociais em detrimento de um maior destaque dos
conhecimentos técnicos e com uma aplicabilidade imediata no mercado.

Em conformidade com o parágrafo acima, cabe dizer que essa dinâmica se deu a partir
da revolução industrial no século XVIII, onde o capitalismo implantou de forma
ideológica uma forma de pensar que se objetivou em uma realidade onde fosse
garantido aos representantes da classe trabalhadora os conhecimentos imediatos para um
maior aproveitamento no mercado de trabalho, visando uma mão de obra minimamente
qualificada para atender as demandas do capital, ao passo em que iniciou-se um
processo de desvalorização dos conhecimentos humanos que por sua vez possibilitam
uma apropriação crítica da realidade social.

Para Marx e Engels (1999), isso se dá devido a avidez dos governantes, de tentarem
garantir a manutenção da acumulação de suas riquezas e de seus privilégios de classe, às
custas da exploração e alienação da classe trabalhadora, que quanto mais detentora
forem dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, mais
capacitados estarão para a busca se sua própria emancipação de classe.

A guisa de exemplo, isso pode ser facilmente percebido nos dias atuais, com a nova
reforma do Ensino Médio no Brasil, aprovada nesse ano de 2017, no dia 08 de fevereiro
pelo Senado, cujo objetivo é retirar da grade obrigatória de todas as escolas públicas, o
ensino de História e Geografia, bem como de outras áreas do conhecimento, tornando
tais disciplinas eletivas, portanto uma questão de opção dos alunos, que ao passo em
que escolherem se aprofundar em determinada área do saber (linguagens e suas
tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias,
ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional)
consequentemente estarão abrindo mão dos outros itinerários formativos, também
importantes.

364
Essa nova reforma do ensino médio é um conjunto de novas diretrizes para o ensino
médio implementadas via Medida Provisória apresentadas pelo governo federal em 22
de setembro de 2016. Por se tratar de uma medida provisória, o texto teve força de lei
desde a publicação no "Diário Oficial". Para não perder a validade, precisava ser
aprovado em até 120 dias (4 meses) pelo Congresso Nacional.

A reforma flexibiliza o conteúdo que será ensinado aos alunos, muda a distribuição do
conteúdo das 13 disciplinas tradicionais ao longo dos três anos do ciclo, dá novo peso
ao ensino técnico e incentiva a ampliação de escolas de tempo integral.

Um segundo destaque é que tal reforma vai permitir que profissionais com notório
saber, isto é, profissionais de outras áreas e/ou especialistas, ao serem reconhecidos
pelos respectivos sistemas de ensino, possam dar aulas de conteúdos de áreas afins à sua
formação. Em relação a isso, é necessário ter a compreensão de que o notório saber
colabora gravemente com a desvalorização dos professores.

Essa medida, além de ampliar as desigualdades sociais, fomenta a criação de uma


sociedade ainda mais alienada e analfabeta politicamente, uma vez que será retirada da
grande maioria da população a possibilidade de apropriarem-se de um saber crítico que
lhes permitam analisar a sociedade com um olhar dialético e a partir do recorte da luta
de classes.

Essa tendência capitalista, é ressaltada por Nussbaum (2010) ao deixar claro que o
grande objetivo de eliminar da grade obrigatória das escolas públicas brasileiras o
ensino de história é a fim de produzir uma geração de “máquinas úteis”, que são
tecnicamente qualificados para o mercado ao invés de criticamente capazes de pensar e
questionar a realidade em que estão submetidos.

Um desdobramento de tal panorama apresentado se dará na intensificação da perda, pela


sociedade, de sua capacidade de avaliar os dados históricos e de exercerem o senso
crítico para analisar, por exemplo discursos tendenciosos politicamente, fascistas,
preconceituosos etc.

Além disso, sem o acesso ao estudo da História e das Humanidades, de forma geral,
perde-se paulatinamente nos indivíduos a consciência que leva ao respeito às diferenças
culturais, pluralidade de ideias e de formas de viver. No que se refere a essa questão,
Nussbaum (2010), destaca que a Humanidades melhoram a capacidade de ver o mundo
através dos olhos dos outros. (NUSBAUM, 2010, p.3).

O que se pretende portanto, com essa nova reforma do ensino médio, bem como com a
implementação da nova Base Nacional Comum Curricular, aprovada em 2016, é tentar
retirar das escolas públicas o ensino crítico, que por sua vez, contribui para a formação
de cidadãos críticos politicamente e desse modo homogeneizar ao máximo as formas de
pensar, reforçando estigmas e estereótipos que favorecem a dominação de classe e
contribuam para a propagação da leitura hegemônica de sociedade da classe dominante,
que está intrinsecamente associado a uma realidade onde pobres, negros, mulheres,
gays, indígenas etc., e também povos e culturas, que são minorias em direitos sociais,
tenham ainda menos direitos e sejam de forma paulatina associados a “cidadãos de
segunda classe”.

365
Por essas razões destacas, é possível compreender os motivos de ser tão necessário o
exercício do estudo da História e das Ciências Humanas, de modo geral, cabendo deixar
claro que tão necessário quanto se apropriar dos conhecimentos históricos, é também, e
de igual modo, imprescindível, fazer a história, ou seja, se colocar no movimento de
militar contra os ataques à educação e contra a implementação dessa “era das
incertezas” na expressão de Edgard Morin (2000), direcionando sempre a nossa luta no
sentindo de transformar a sociedade em um espaço onde seja possível a existência de
sujeitos emancipados e livres plenamente.

Referências Bibliográficas:

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
1999.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo/Brasília:


Cortez/Unesco, 2000b.

NUSSBAUM, M. Uma crise planetária da educação. Courrier Internacional, n.º


175, Setembro de 2010 (ed. portuguesa).

366
POR UM ENSINO DE HISTÓRIA PARA A VIDA
Thiago Acácio Raposo

Pergunta clássica, mas que ainda maltrata muitos historiadores despreparados e/ou no
início de sua vida acadêmica: por que ensinar e estudar história? Certamente, quase
todos historiadores já foram submetidos a esse questionamento. Alunos, colegas de
outras disciplinas, familiares e amigos, todos insistem em fazer essa pergunta tão
complexa. Respondendo de forma breve: a história nasce com o homem e é impossível
separa-los. Estudamos e ensinamos história para sermos conhecedores do passado e
produtores de nosso presente. Estudamos para conhecer outras culturas e para
entendermos como a nossa se formou. Estudamos história porque ela é uma parte da
humanidade, por que ela cheira a sangue humano. Porque ela conta um pouco de todos
nós e porque somos frutos dela.

Mas, o que a História estuda? Ela estuda o homem no tempo.

Quem é o historiador e qual o seu papel? Para responder a essa questão, impossível não
citar o grande mestre Marc Bloch quando afirma que "O bom historiador se parece com
o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça” (2001, p.20). O
historiador é o cientista e intelectual responsável pelos estudos sobre vida dos homens,
partindo de análises sobre os rastros deixados por estes em sua passagem pelo planeta.

O pesquisador tem como função a manutenção e reflexão dos conhecimentos históricos,


transmitindo seus pontos de vista através de livros, artigos e palestras para assim atingir
o outro historiador, aquele que está na sala de aula. O historiador que está na sala de
aula possui uma árdua tarefa: transmitir o conhecimento histórico a 40 alunos (em
média por sala de aula) e propor a reflexão e a construção de novos saberes para 40
subjetividades distintas. Sem dúvida, trata-se de uma das profissões mais difíceis de
exercer. Ele deve, através de seu estilo, propor discussões sobre o conhecimento
histórico de forma viva e livre, entendendo que os frutos dessas discussões deverão
construir novos posicionamentos e não repetir os já existentes.

Como nos aponta Elisabete Aparecida Monteiro (2012, p. 7), o estilo é a


individualidade e o movimento do espirito. É no estilo que uma cultura guarda os seus
tesouros e é ele o responsável por qualquer transmissão do saber, pois trata-se de uma
maneira singular de testemunho de um saber. O professor, através deste, aborda
determinada temática, sem a preocupação de se enquadrar em teorias pedagógicas que
limitam a capacidade educativa e que impossibilitam a transmissão do saber.

O estilo é algo único, ele não pode ser transmitido, nem ensinado. A lógica está presente
no seguinte contexto: o professor usufrui de um estilo no momento da transmissão do
saber e o jovem, ao ter contato com ele, despertaria o seu próprio estilo. Não tratamos
de uma reprodução, mas de um despertar. Despertar para a vida e para o saber. Tendo
contato com essa forma de ensino livre de regras pedagógicas, a atenção dos jovens

367
poderá ser reconquistada e o brilho em seus olhos poderá retornar. Estudar/ensinar não
deve ser um fardo ou uma obrigação. Estudar/ensinar deve ser um prazer.

Ensinar história requer coragem, força de vontade e, mais que tudo, humanidade.
Ensinar aos jovens um olhar reflexivo, que percebe a cultura alheia não como inferior,
nem como superior e fazer com que eles percebam que aquelas palavras escritas em um
livro, aparentemente “chato”, possuem vida, que aqueles mortos (a grande maioria
deles) não estão tão mortos assim, pois, ainda podemos escutar os gritos das namoradas
e amantes ao descobrirem que o seu amado caiu morto nos campos de batalha da
Primeira Grande Guerra, ainda podemos ver a cabeça do rei francês sendo separada de
seus membros por uma população faminta e empobrecida, ainda podemos escutar o
grito da moça acusada de bruxaria e queimada em uma fogueira pela Santa Inquisição,
ainda podemos ver os índios rindo dos europeus em seus primeiros contatos, ainda
podemos sentir a alegria dos trabalhadores fabris ao conseguirem seus primeiros
direitos, ainda podemos sentir a surpresa e o entusiasmo das pessoas com a “chegada”
do trem, ainda dá para ver as pessoas saindo correndo com medo das primeiras seções
cinematográficas, ainda podemos sentir o cheiro dos homens que nós éramos ontem...
ainda podemos.

Escolas e universidades, fontes de criação e reflexão sobre o conhecimento (ou pelo


menos deveriam ser), estão repletos daquilo que Nietzsche denomina “Filisteus da
cultura”. Esses indivíduos acreditam ser detentores de todo o conhecimento e devido a
sua arrogância são enquadrados no termo citado pelo filosofo, pois, o sábio mais sábio é
aquele que sabe que não sabe de nada. A arrogância o insere em um lugar de não saber,
pois, a educação deve ter um sentido voltado para a virtude. Entregar-se a arrogância é
entregar-se as paixões e assim, a irracionalidade. Como os alunos podem refletir sobre o
saber se o responsável pela transmissão deste está fechado em seu mundo egoísta e
imóvel? A imobilidade do conhecimento proporcionado pelos “Filisteus da cultura”
semeia o mal-estar por toda a sociedade. Os múltiplos saberes não são direcionados e
aproveitados pelos professores “sabichões”, tidos por estes como um conhecimento
inferior e desinteressante. Como ensinar para a vida se quem ensina não aceita essa
ligação e quem é ensinado não a percebe? A educação deve ter como pressuposto a
formação de uma nova geração que tem como tarefa refutar a geração passada. Dessa
forma, entendemos o conhecimento como algo móvel, que sofre transformações
diariamente. Não se trata de uma evolução, mas de uma adequação a realidade social.

Os livros trazem os conteúdos exigidos pelos PCNs, cabe ao professor um trato


diferenciado com os conteúdos ali abordados de forma tão alheia à realidade dos
discentes. O ensino de história deve ter como objetivo, assim com toda a educação, a
purificação da alma. Trata-se de um ensinar para a virtude, ensinar para a vida.
Envolver os jovens nas narrativas históricas é de grande valia para o desenvolvimento e
crescimento pessoal de cada um deles. Não sejamos “Filisteus da Cultura”, aceitemos o
conhecimento dos nossos discentes, incentive-os, elogie-os, critique-os individualmente,
preocupe-se com a formação destes, seja um grande mestre. Tomemos por meta o ideal
de mestre defendido por Nietzsche, segundo Rosa Maria Dias (1990), que se preocupa
com os jovens e com a cultura de seu país, que toma por meta o despertar da
criatividade de suas discentes, entendendo-os enquanto agentes produtores da história,
mas, não perdendo nesse processo o seu lugar de mestre suposto saber.

368
Fazer com que o aluno se perceba enquanto agente histórico não é algo muito fácil.
Principalmente pelo fato que por muitos anos defendeu-se que apenas as pessoas
“famosas” faziam a história. No último século, porém, percebeu-se que todos nós
fazemos a história, entretanto, aquele sentimento ainda está presente no discurso de
muitos professores e alunos das escolas brasileiras. Teoricamente, o professor chega a
uma sala de aula e transmite essa noção, eles a aceitam de forma positiva, entendendo a
linha de raciocínio, mas, quando os jovens abrem o livro didático apenas encontram os
nomes de “grandes homens” (reis, rainhas, presidentes, líderes de rebeliões ou revoltas,
entre outros), o nome do homem simples é esquecido pela história a ser ensinada nas
escolas. Fazer com que os alunos percebam a importância deles no desenrolar dos
processos históricos só se torna uma tarefa possível a partir de uma série de exercícios e
exibição de exemplos que evidenciem sua participação nas estruturas dos eventos
históricos mais globais.

Tomemos como exemplo o caso das eleições de 2014 no Brasil: é pertinente mostrar
aos jovens que a presidente Dilma Rousseff venceu as eleições para presidência no
Brasil e, consequentemente, entrou para a história do país, mas, que para chegar ao
lugar onde está, precisou do voto de milhões de brasileiros, pessoas simples, ou seja, o
que está nos livros é o nome da presidenta, mas, que por trás dela encontramos a
presença ativa do povo nos rumos dos eventos históricos do país. Essa perspectiva pode
permitir a identificação dos jovens enquanto agentes históricos ativos, possibilitando
uma maior aproximação destes e o conhecimento histórico.

Ser professor de história requer de nós uma sensibilidade aguçada, para entendermos o
outro e ainda para transmitir esse conhecimento para nossos alunos, permitindo que eles
criem seus próprios pontos de vista. A história, como já foi dito, cheira a humanidade.
Tentar separar o homem da história provocaria uma aberração. Nós somos frutos
daquilo que outros foram antes de nós. Nós somos a história e a história é aquilo que
nós somos. Somos vida, sangue, carne, lágrimas, sorrisos, traumas, egos, orgulho e
amor. Somos antes de tudo, seres únicos, sensíveis, vivendo em um grãozinho de areia
que flutua pela infinitude do universo.

Referências bibliográficas

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Editor, 2001.

DIAS, Rosa Maria. Nietzsche educador. São Paulo: Scipione, 1990, p. 20 -57.

MONTEIRO, Elisabete Aparecida. Psicanálise na formação de educadores:


transmissão e estilo. VI Colóquio Internacional – “Educação e Contemporaneidade”.
São Cristóvão, 2012.

369
ENTRE PARADIGMAS E DESAFIOS DO ENSINO
DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL II
Túlio Henrique Pinheiro
Gerfeson Carvalho dos Santos

Neste trabalho, procuraremos refletir acerca das dificuldades envolvidas no ensino e


pesquisa na disciplina de História, considerando a utilização de uma nova metodologia,
e abraçando uma história que privilegie praticas investigativas e que aguce a
curiosidade dos alunos de pesquisar fatos, tais dificuldades são evidentes ao se tratar das
práticas antigas do ensinar de História a associando como contos (estória) desempenhar
o discurso nos dias de hoje tornou-se uma tarefa muito difícil e complicada, o
desinteresse por parte dos alunos, a dificuldade que alguns apresentam para ler escrever
e consequentemente interpretar a história, tornam a compreensão da mesma uma tarefa
extremamente extenuante, para professores e principalmente para os alunos.

É de fundamental importância que se busque compreender, os motivos pelos quais o


ensino e o aprendizado da disciplina de História passa por tantas dificuldades, uma vez
que para se conhecer o presente é necessário antes se conhecer o passado, e para isto,
nós devemos defendê-la e propor uma visão mais “interdisciplinar” da mesma, pois
quando um objeto, seja ele qual for, é observado de pontos de vista diferentes, surge
então novos elementos que se agregam a ele, o tornam mais dinâmico e interessante.

As dificuldades enfrentadas pela história hoje, são representadas por um certo desgosto,
uma falta de interesse sobre a mesma, muitas vezes ela é marcada por elementos que
permeiam outras camadas das relações sociais, dificuldades de leitura, e
consequentemente na escrita, a falta de uma importância, “um porque devo aprender
história”, estes são alguns dos problemas que do nosso ponto de vista, tem de ser
resolvidos para que o ensino da história possa ser desenvolvido de forma que atraia o
interesse.Buscar compreender um pouco mais as dificuldades dessa tarefa tão
complicada, é algo que compete a nós, os futuros professores e pesquisadores da área.

A partir da leitura de artigos que apresentam discussões sobre o assunto e até mesmo
das vivencias que tivemos enquanto alunos, pudemos discorrer acerca das dificuldades
do ensino de história.

Mas como mudar a visão do ensino e pratica de História, sem que a resposta seja
negativa? Isto não é de momento, mudar estereótipos sem causar comoção por parte dos
alunos é em suma tarefa e pratica que parte de uma nova proposta de ensino que
privilegie não só uma dada história, mais também a história vivenciada, ou a história
como construção de saberes, formulada também pelos alunos, trazendo debates a fim de
construir conhecimentos. “Demos ampla absolvição à juventude. A história como lhe é

370
ensinada é, realmente, odiosa...” (Mendes, 1935, p.43, apud FREITAS, 2004, p.167).”.
Além disso,“(...) a preleção, que é uma modalidade de exposição, é o velho e batido
método que o ensino de história sugere ao professor neófito, seduzido pela tentação de
expor, explanar, argumentar e deduzir toda a matéria, numa ordenação clara e lógica,
que lhe parece perfeita, como forma de ensino” (MENDES, 1935, p. 43, apud
FREITAS, 2004, p.167).

A adoção contínua por parte dos professores, de velhos métodos e meios de se ensinar
não coopera para despertar o interesse dos alunos. “[...]marcada a sabatina ou a primeira
chamada, irá ver, e só então, se suas bonitas preleções deram o resultado que esperava.
Se, como verificação da aprendizagem, ele se dá por satisfeito em constatar que os
alunos se mostraram capazes de reter e repetir o que fora explicado, o ensino de história
vai bem e as suas preleções prosseguem[...], ” (MENDES, 1935, p.37-38, apud
FREITAS, 2004, p.167) sem se dar conta, ou ter a certeza de que os alunos estão
interessados, sem saber se realmente está produzindo conhecimento ou apenas expondo
o que sabe para quem não tem interesse.

O ensino da história, por se apresentar ainda hoje como algo engessado, rígido e que
deve obedecer a padrões tem colocado a si mesmo, barreiras para limitar o seu
crescimento. A importância de se discutir tal tema, encontra se no fato de que
atualmente, a história tornou se distante, escondida atrás de normas e preceitos, não
despertando o interesse das crianças e jovens. Além disso devemos pensar também no
professor que muitas vezes não se sente preparado para o ensino da história, muitas
vezes se pauta em um modelo que “funciona”, o adota e o aplica, perpetuando o ciclo do
ensino de história.

Desenvolver métodos que tragam interesse, e que despertem o desejo pelo aprendizado
da história é um dever, necessitamos faze-lo, todavia, pensar na mudança de toda uma
metodologia que envolve tanto o ensino quanto o aprendizado de história é tarefa muito
complicada, devemos ter cuidado com tal tarefa porque sem as devidas precauções
podemos acabar com apenas ideias, com um pensamento utópico acerca de como
deveria ser feito, de como deverá funcionar o ensino desta disciplina.

Bibliografia

OLIVEIRA, Andréa Ribeiro; GONÇALVES, Taíse Batista. O desafio em ensinar e


aprender História: dificuldade dos alunos na leitura e na escrita nas séries iniciais
do Ensino Fundamental II. In: XXVII simpósio Nacional de História; Natal-RN, 2013

FREITAS, Itamar. A Pedagogia da História de Murilo Mendes. In: Sæculum -


REVISTA DE HISTÓRIA [11]; João Pessoa, ago. / dez. 2004

371
PENSAMENTO E EDUCAÇÃO HISTÓRICOS EM
CRIANÇA BRASILEIRA
Valdeci Rezende Borges

Objetiva-se abordar o pensamento e a educação históricos em Criança brasileira:


segundo livro de leitura, de Theobaldo Miranda Santos, usado no ensino primário nos
decênios de 1940 e 1950, atendo ao conhecimento histórico veiculado na Unidade IX,
“As datas cívicas”, composta pelos capítulo: “Tiradentes”, “Descobrimento do Brasil”,
“Libertação dos escravos”, “O grito do Ipiranga”, “Proclamação da República” e “Dia
da Bandeira”. Por meio desses fatos e personagens as crianças recebiam orientações
temporais e outras fundamentais para seu existir em sociedade, integrando um quadro
de referências e constituindo dada consciência histórica (RÜSEN, 2010, p.56).

Santos publicou mais de 150 livros didáticos, como os de leitura, em coleções da


Companhia Editora Nacional e da Agir Editora, em conformidade a um projeto de
educação que visava intervir na sociedade. Pensando que a narrativa histórica constrói
leituras do mundo e que a prática da leitura conecta o mundo do leitor com o do texto,
podendo modificá-lo, busca-se os sentidos atribuídos às experiências históricas que
orientavam o leitor em formação numa interpretação moralizante e patriótica da história,
circunscrita pelos “heróis nacionais”, grandes nomes, datas e eventos, constituintes de
um cronograma anual de comemorações e festividades, sobretudo, no espaço da escola,
e que sempre se repetem no calendário.

“Tiradentes” foi a primeira personagem abordada por meio de uma narrativa que aponta
a existência de diferentes tempos na história da sociedade brasileira numa delimitação
temporal indeterminada, “há mais de cem anos” ou “naquele tempo” em que “o Brasil
pertencia a Portugal”, no qual Tiradentes fora o “chefe” de “um grupo de brasileiros
patriotas” que queria “libertar o Brasil” prendendo o governador português no dia que
tinham de mandar ouro para Portugal, que sujeitava e explorava nossas riquezas. A
intenção era fazer “do Brasil uma nação livre, governada por um brasileiro”, porém, um
português “contou tudo ao governador”, que mandou prender Tiradentes e seus
companheiros, e, este, “para salvar os amigos da morte”, pôs-se como “o único
culpado”, sendo enforcado em 21 de abril de 1792, sem ter “nenhum medo” e “morreu
como um verdadeiro herói!” (SANTOS, 1951, p. 117-8). Meio a marcas temporais ora
vagas, se valoriza a ação do indivíduo voltada para a liberdade de seu povo contra a
dominação de outros, que visa o bem da nação e possui postura patriótica, valente,
destemida, fiel e heroica.

Em “Descobrimento do Brasil”, se conta que “o Brasil pertenceu a Portugal porque foi


descoberto pelos portugueses”, em 22 de abril de 1500, e que “Há muitos anos, D.
Manuel, rei de Portugal, mandou uns navios à Índia, sob o comando de Pedro Álvares
Cabral”, e que “no meio da viagem, os navios se afastaram muito do caminho que
deviam seguir e encontraram uma terra desconhecida”, que “era o Brasil”, na qual havia
“muitos índios e árvores cor de brasa, chamadas ‘pau-brasil’”, que deram nome ao

372
lugar. Com marcação temporal ora também indeterminada, “Há muitos anos”, ora mais
objetiva, remete-se à ideia do fato ser fruto do acaso, findando a lição meio às ideias de
festejo, comemoração e celebração (SANTOS, 1951, p. 119-20).

Em “Libertação dos escravos”, indica-se a mudança no tempo e na sociedade brasileira


ante a surpresa de um aluno de que no Brasil existiu escravidão. A professora esclarece
que “no dia 13 de maio se comemorava a libertação dos escravos” e que “antigamente, o
trabalho nas fazendas era feito por escravos”, que eram “negros trazidos da África e
vendidos aqui, como se fossem animais”, sendo “muito castigados” e tendo filhos
também escravizados e vivendo separados dos pais. Experiência descrita como distante
do tempo presente, e duradoura, mas finda porque “diversos brasileiros lutaram para que
ela desaparecesse do nosso país” e “finalmente, conseguiram o que desejavam”, em 13
de maio de 1888, quando “a princesa Isabel assinou a lei de libertação”, pois seu pai,
Dom Pedro II, não estava no Brasil. Conta-se, ainda, que, “antes, já tinham sido
libertados os velhos e filhos de escravos.” Portanto, era data de comemoração e
regozijo: “Felizmente, no Brasil não há mais escravidão. O dia 13 de maio é, por esse
motivo, uma das datas mais bonitas da nossa história.” (SANTOS, 1951, p. 121-2).
Aqui também, por um lado, se oferece marcos temporais precisos, e, por outro,
indeterminados - “antigamente” e “durou muito”-, bem como se menciona, mas sem
maior precisão, quem foram os muitos brasileiros que lutaram para seu fim, nem indica
suas armas e ações, cabendo o papel de heroína libertadora à princesa e sua
voluntariedade.

Outro vulto elevado a monumento da pátria foi de D. Pedro I, em “O grito do Ipiranga”,


por meio da voz do pai de um aluno que conta a história, prescindindo aquela do saber
instituído por excelência. Conta que “houve um rei de Portugal, chamado Dom João,
que fugira para o Brasil quando o imperador da França invadiu a terra dos portugueses”,
e que, quando este regressou para a Europa, “deixou seu filho, o príncipe Dom Pedro,
no governo do Brasil”, o qual “era muito amigo dos brasileiros”. Portanto, quando o rei
ordenou que o príncipe voltasse a Portugal, e “os brasileiros pediram [...] que não
fosse”, “ele ficou”, até que, em 7 de setembro de 1822, recebeu nova “ordem para
embarcar e outras exigências que ofendiam os brasileiros”. Estando em viagem a São
Paulo, e perto do riacho Ipiranga, “ficou muito zangado e gritou: _ Independência ou
morte!”, e “Assim ficou o Brasil livre. E o povo brasileiro fez de Dom Pedro o seu
primeiro imperador.” (SANTOS, 1951, p. 123-4). A invasão ao território alheio não foi
vista como negativa e se, por um lado, o príncipe desobedeceu ao pai, o rei, foi por
atender os anseios dos brasileiros, de quem era amigo, por quem ficara e dispunha a
morrer para defendê-los de ofensas e garantir a autonomia. A perda da tutela do rei ao
príncipe e a ruptura com a dominação de outra nação, o poder português, garantiu a
independência e compensa a atitude condenável de desobedecer ao pai/rei.

Após as histórias contadas pelo pai nas lições domésticas, na escola o pequeno aprendiz
pediu explicação do conhecimento competente do por que não haver mais imperadores
no Brasil? Ouviu que “os brasileiros não estavam satisfeitos com o Império”, “preferiam
a República, que é o governo do povo pelo povo” e que, em “15 de novembro de 1889,
o Marechal Deodoro da Fonseca pediu ao imperador Dom Pedro II que deixasse o
governo porque o povo, o exército e a marinha não queriam mais que ele continuasse a
dirigir o Brasil.” Ante o pedido e ao grito de “Viva a República!”, perdeu o governo e
embarcou para Europa com a família, findando com o tempo dos imperadores no Brasil

373
(SANTOS, 1951, p. 125-6). A vontade do povo deve ser soberana e satisfeita pelos
governantes em regimes diferentes, e aquele republicano, do povo pelo povo, preferido
ao imperial, que vigorava antes, findara de forma pacífica, causando satisfação e
contentamento.

Em o “Dia da Bandeira”, conta-se que as meninas da escola estavam “fazendo uma


bandeira brasileira”, pois “a bandeira da nossa Pátria não deve ser comprada na loja”,
mercadoria e comercializada, e aquela estava ficando “linda!”, com o verde e amarelo, a
esfera azul, a faixa de “Ordem e Progresso”, as estrelas, como do Cruzeiro do Sul,
representando os Estados e o Distrito Federal. Após relacionar suas cores a alguns
aspectos de nossa terra, o verde às matas, o amarelo às riquezas, o azul ao céu estrelado,
fica-se a lição: “Devemos amar e respeitar nossa bandeira [...] Eu amo minha bandeira;/
Por ela daria a vida,/ Pois é a imagem sagrada/ Da minha Pátria querida!” (SANTOS,
1951, p. 127-8). Assim se celebra os símbolos da pátria buscando a todos envolver em
sua feitura e culto, que além de cívico e patriótico, tem significado sagrado e ainda
mundano, de ordem e de progresso, de amor pelo do qual se deve dar a vida.

Por entre datas, comemorações, festejos, grandes nomes, heróis e sentimentos


patrióticos, típicos de uma concepção de história de eventos, factual e da nação,
metódica, vê-se desfilar alguns momentos eleitos como marcos importantes de nossa
história, que deveriam ser glorificados, enaltecidos e cultuados, por contribuírem na
constituição da nação, livre e democrática. Sentimento nacional, defesa da pátria,
progresso da nação, são aspectos exaltados visando instruir as novas gerações em amar
a Pátria, a nação, o Brasil, a República, consolidando o regime. Com linguagem simples
e aspecto de galeria de quadros, as narrativas serviam a um projeto político, partindo de
tempos distantes, do descobrimento e da dominação portugueses à formação da nação e
povo livres, pela ação de heróis “verdadeiros” e virtuosos numa sucessão de grandes
fatos atrelados à libertação e ao estabelecer de seus símbolos. Faz-se apologia ao regime
republicano, exalta-se a Pátria livre, ordeira e progressista, por meio de um pensamento
histórico, interpretação do passado e produtor de dada consciência histórica. Datas
cívicas e momentos de comemoração que alimentam a recordação de tais eventos e
figuras, transmitindo uma visão da história, um conhecimento e forma de pensar as
experiências sociais no tempo, linear e evolutivo, produzindo dada consciência histórica
(RÜSEN, 2010).

Referências

RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência


histórica.Brasília: Ed. UnB, 2010.

SANTOS, Theobaldo Miranda. Criança brasileira: segundo livro de leitura. Rio de


Janeiro: Livraria Agir Editora, 1951.

374
A HISTÓRIA VIVIDA EM ATO – UMA
APROXIMAÇÃO
Waldy Luiz Lau Filho

Nesse pequeno texto partilho a percepção do ato de conhecer como uma ação efetiva e
emocionada no presente. Esta reflexão insere-se em uma pesquisa que realizo, a qual
tem o objetivo geral de investigar como se constituem os processos de cognição e de
subjetivação de alunos e professores participantes de um ambiente pedagógico
denominado Aulão de História – Dia Mundial do Rock (AH – DMR).

O AH-DMR consiste em uma aula de História multimídia preparada e apresentada por


alunos e professores do Ensino Médio de uma escola comunitária de um município do
estado do RS para alunos da escola e de toda a comunidade. Tendo como ponto de
partida um tema sugerido pelo professor de História, esta atividade pedagógica abrange
a linguagem do teatro, do cinema, da poesia, e relaciona a História com a música
contemporânea, especialmente com o Rock N’ Roll.

Neste contexto, como conciliar a perspectiva de cognição como “viver em ato” com
uma vivência pedagógica que se refere à História, uma disciplina que estuda
fundamentalmente o passado?

De acordo com Lucien Febvre (1878-1956), célebre historiador francês, um dos


responsáveis pela fundação da chamada “Escola dos Annales”, o homem, objeto da
história, faz parte da natureza.

É para a história o que a rocha é para o mineralogista, o animal para o


biólogo, a estrela para o astrofísico: uma coisa a explicar. A fazer
compreender. Portanto, a pensar. Um historiador que recusa pensar sobre o
fato humano, um historiador que professa a submissão pura e simples a
esses fatos, como se os fatos não fossem em nada fabricados por ele, como
se não tivessem sido minimamente escolhidos por ele, previamente, em
todos os sentidos da palavra escolhido (e não podem ser escolhidos senão
por ele) - é um auxiliar técnico. Que pode ser excelente. Não é um
historiador. (FEBVRE, 1985, p. 120).

A reflexão sobre a história envolve pensar no que é história, no que faz o historiador,
para que e para quem se busca o acontecido, entre outros aspectos. Um pesquisador que
contribui para essa reflexão é Keith Jenkins, quando este apresenta a história como um
entre uma série de discursos elaborados a respeito do mundo, discursos que se
apropriam do mundo e lhe atribuem significados. “O pedacinho de mundo que é o
objeto (pretendido) de investigação da história é o passado” (JENKINS, 2009, p. 23).
Para o referido autor, a história, enquanto discurso, encontra-se numa categoria diversa
daquela sobre a qual elabora seu discurso. Conforme o pesquisador, passado e história
são coisas diferentes.

375
Ademais, o passado e a história não estão unidos um ao outro de tal maneira
que se possa ter uma, e apenas uma leitura histórica do passado. O passado e
a história existem livres um do outro; estão muito distantes entre si no
tempo e no espaço. Isso porque o mesmo objeto de investigação pode ser
interpretado diferentemente por diferentes práticas discursivas (...) ao
mesmo tempo em que, em cada uma dessas práticas, há diferentes leituras
interpretativas no tempo e no espaço. (JENKINS, 2009, p. 24).

A esse respeito Rüsen (2011) defende que “[...] o passado é sempre muito mais do que
uma superfície morta sobre a qual projetamos as nossas carências de sentido; quando
convertido em história, o passado prolonga-se para dentro dos projetos de futuro
impulsionadores do nosso agir e sofrer” (RÜSEN, 2011, p. 281). Ainda de acordo com
o referido autor, o passado nunca é caracterizado por uma facticidade fixa,

[...] porque a subjetividade dos seres humanos que então agiram e sofreram
está inscrita na mesma dinâmica temporal que nos atinge. Nós próprios nos
situamos num ponto determinado no interior de cadeias geracionais de
grandes e pequenas coletividades. É assim que o passado chega até nós,
entranhando-se nas profundezas da nossa subjetividade; e, simultaneamente,
“sai” de nós, atingindo o futuro que projetamos através da determinação do
sentido do nosso agir. (RÜSEN, 2011, p. 282).

Sob essa perspectiva, o discurso histórico se apresenta como algo fortemente


influenciado pela trajetória pessoal de quem o elabora. O que também significa dizer
que nosso próprio “presente”, nossas próprias visões e crenças condicionam o “passado
que conhecemos”. Somos, assim, produtos do passado, da mesma forma que a história
também é uma elaboração nossa. “Organizar o passado em função do presente: é aquilo
a que poderíamos chamar a função social da história” (FEBVRE, 1985, p. 258).

Conhecer verdadeiramente o passado permite, portanto, entender a circunstância


presente e situar-se nela. “O anterior só é possível quando a verdade não perde seu
contorno, como lamenta Nietzsche, igual à moeda que perdeu a sua cunha e circula
apenas como simples metal (BUSTAMANTE, 2011, p. 183-184).

Cumpre ressaltar, entretanto, que se o passado é uma dimensão permanente da


consciência humana, a história trata de fatos, os fatos históricos. Mesmo que
“fabricados” pelo historiador, no sentido da escolha intencional que o historiador realiza
ao estudar o passado, definindo o que é ou não relevante, existem limites à sua prática
que precisam ser observados. Nesse sentido, Hobsbawm (1998) afirma que não
podemos inventar nossos fatos.

Ou Elvis Presley está morto ou não. A questão pode ser resolvida


inequivocamente com base em evidências, na medida em que se disponha de
evidências confiáveis, o que, às vezes, é o caso. Ou o governo turco atual,
que nega a tentativa de genocídio dos armênios em 1915, está correto ou
não. A maioria de nós não consideraria como discurso histórico sério uma
negação desse massacre, embora não haja nenhuma maneira igualmente
inequívoca de escolher entre modos diferentes de interpretar o fenômeno ou

376
de enquadrá-lo no contexto mais amplo da história (HOBSBAWN, 1998, p.
18)

Feita essa ressalva, apresento nesse trabalho a percepção da história como um ato de
vivência no presente do passado. A hipótese que pretendo pesquisar em minha
investigação é que cada participante da vivência AH-DMR, ao estudar o passado em
função das suas necessidades presentes, e, mais ainda, ao vivenciar tudo o que o
ambiente de aprendizagem AH-DMR oportuniza, não apenas se propõe a classificar e
agrupar os fatos passados, mas se coloca em posição de, “[...] ao mesmo tempo, situar-
se a si próprio e situar o universo no tempo – portanto, na história” (FEBVRE, 1985, p.
242).

Em decorrência, uma vez interpretado, o passado ganha, portanto, o status de uma


história para o presente.

Uma vez carregado de significado para o presente por meio da interpretação,


o passado torna-se uma referência apta para orientar o agir e o sofrer
humanos. A orientação cultural ganha contornos especificamente históricos
por meio de uma representação do decurso temporal que empresta à
conjuntura atual da vida prática tanto experiências do passado como
expectativas de futuro. Tal representação permite que se implante uma
imagem do passado no contexto cultural de orientação da vida prática atual.
É precisamente nesse ponto que o passado se torna “melhor”: o passado
“melhora” quando é integrado numa representação do decurso temporal
compatível com as metas de ação. (RÜSEN, 2011, p. 271).

Dessa forma, configurar-se-ia a vivência AH-DMR como uma possibilidade de tornar


os seus integrantes ao mesmo tempo participantes da história e autores da história,
exercitando plenamente o que a complexidade afirma ser indissociável, o processo de
conhecer e o processo de viver. Em outras palavras, uma visão complexa da história
compreende que “[...] o passado está vivo por causa do seu significado histórico para os
projetos de futuro do presente; e o presente, por sua vez, está vivo porque a apropriação
cognitiva do passado resulta numa interpretação histórica da emergência do presente”
(RÜSEN, 2011, p. 270).

Referências bibliográficas

BUSTAMANTE, Aarón Grageda. História, Desconstrucionismo e Relativismo: notas


para uma reflexão contemporânea. In.: SALOMON, Marlon (Org). História, Verdade e
Tempo. Chapecó (SC): Argos, 2011. p. 155-184.

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1985.

JENKINS, Keith. A História repensada. 3. ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto,


2009.

377
RÜSEN, Jörn. Pode-se melhorar o ontem? Sobre a transformação do passado em
História. In.: SALOMON, Marlon (Org.). História, Verdade e Tempo. Chapecó (SC):
Argos, 2011. p. 259-290.

378
ENSINO DE HISTÓRIA E A ABORDAGEM DAS
“RELAÇÕES ECONÔMICAS” EM SALA DE AULA:
UMA BREVE DISCUSSÃO
Werbeth Serejo Belo

Partindo de novas experiências durante alguns estágios curriculares de ensino de


História no ensino básico, algumas reflexões teórico-metodológicas têm emergido em
torno do período caracterizado, erroneamente, como “milagre econômico” (1969-1973)
em função dos elevados índices de desenvolvimento econômico que o Brasil obteve
então.

Em alguns livros didáticos, como no intitulado “História: conecte”, lançado pela


editora Saraiva e de autoria de um grupo composto por destacados historiadores da
atualidade e professores do departamento de História da Universidade Federal
Fluminense, Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina Santos,
temos o período do milagre econômico trabalhado através do binômio crescimento
econômico e “endurecimento” do regime ditatorial. De forma que aqueles anos,

Foram os piores tempos da ditadura, conhecidos como “anos de chumbo”,


mas também um período de grande crescimento econômico, fator
fundamental para a legitimação do regime militar perante a sociedade
brasileira (FARIA. VAINFAS. [et al]., 2014, p.720).

Percebe-se que no trecho apresentado os autores não se propõem a apresentar a quem


esse crescimento econômico beneficia na sociedade, nem no texto principal nem como
informação extra em algum texto paralelo.

Esses dois pontos são de extrema importância para a compreensão do período. A grande
questão a qual se pretende analisar aqui está em torno da abordagem dada a essas
temáticas, sobretudo no que diz respeito à temática do desenvolvimento econômico
ocorrido no período.

No livro didático intitulado Oficina de História, de autoria de Flavio de Campos e


Regina Claro, ao contrário do livro anteriormente mencionado, já temos uma percepção
minuciosa de que o “milagre econômico” brasileiro beneficiou determinada fração
social burguesa. Como pode ser percebido no trecho a seguir,

As taxas de crescimento econômico eram mantidas também pela expansão


das linhas de crédito ao consumidor – privilegiando a classe média,
ávida por bens de consumo duráveis – e pelo estímulo à poupança interna,
atualizada pela correção monetária das taxas de juros. Dirigido por
tecnoburocratas civis e militares, o Brasil era anunciado pelas
campanhas oficiais como um iminente integrante do Primeiro Mundo
(CAMPOS, CLARA. 2015. P. 702. Grifos nossos).

379
Esta minuciosa percepção de quais frações de classe estão sendo privilegiadas pelo
projeto desenvolvimentista é um posicionamento eficaz para que os alunos possam
perceber que havia um objetivo da defesa dos interesses de determinada classe no jogo
político-econômico do período. Além disso, esta demarcação é eficaz, também, para que
se perceba e seja discutida a própria nomenclatura dada ao período, a saber: “milagre
econômico”.

Um terceiro material didático em análise intitulado História: conexões com a História,


elaborado por Alexandre Alves e Letícia Fagundes de Oliveira e lançado pela editora
Moderna, apresenta o período do “milagre econômico” de forma que também apresenta
uma análise que localiza bem os grandes beneficiados desse período, ou seja,

A entrada maciça de capitais estrangeiros também impulsionou a


economia brasileira. Ao mesmo tempo, o aumento da população
urbana garantia mão de obra farta e de baixo custo para a expansão
industrial dos grandes centros econômicos do país. Além disso, a
censura e a repressão dificultavam os protestos contra a política de arrocho
salarial do governo e contribuíam para implantar uma ordem fortemente
disciplinada no mundo do trabalho (ALVES. OLIVEIRA, 2015, p. 651).

É importante destacar que mesmo adotando livros didáticos que apresentem uma escrita
bem elaborada a respeito do período aqui apresentado é necessário que os professores
de História do ensino básico possam apresentar debates a respeito das relações que não
são expostas no material didático, como a relação existente entre Estado, economia,
política e sociedade, muito importante para que não sejam naturalizadas relações que
são historicamente construídas.

Além da temática a respeito do termo “milagre econômico” e das frações privilegiadas


nesse período, é válido perceber que os materiais didáticos em questão utilizados no
ensino de história aqui no Maranhão são elaborados a partir de uma perspectiva que
pretende abordar a realidade histórica do centro-sul como hegemônica, sem levar em
consideração as especificidades regionais. Portanto, pensando nessa questão como um
dos pontos centrais desta pesquisa e, ainda, na utilização de impressos locais para a
constituição de um novo saber histórico a respeito do período, nos propomos a utilizar
impressos locais com o intuito de aproximar a produção acadêmica do cotidiano escolar
e de perceber as especificidades regionais do Maranhão ao longo do período do
“milagre brasileiro”.

Então, acredita-se que a partir da análise historiográfica a respeito do período e a


inserção de novas linguagens, como o uso dos impressos, gráficos, tabelas, podemos
elaborar uma nova abordagem a fim de construirmos no ensino básico um
conhecimento histórico de forma que possamos auxiliar os alunos a perceberem a
diversificação de fontes para o historiador, rompendo com a caracterização da história
como unicamente escrita a partir de documentos oficiais.

Algumas inquietações surgiram a partir de duas experiências que ocorreram de forma


concomitante: a pesquisa acadêmica e o momento de experiência inicial no ensino
básico: a) a resistência que há, por parte dos alunos, em fazer análises econômicas de
diversos temas da história; b) a ausência de gráficos e apresentação de fontes

380
alternativas no material didático que ampliem - e facilitem - a compreensão dos alunos a
respeito do “milagre econômico” e; c) a não relativização e análise em torno do termo
“milagre econômico” no livro didático.

Partindo da primeira inquietação supracitada - a resistência que há, por parte dos alunos,
em fazer análises econômicas de diversos temas da história – é que iniciaremos as
discussões que nos propomos a fazer nesta sessão.

Ciro Flamarion Cardoso (2002) em sua obra Os métodos da História aponta que “a
história econômica não pode (...) limitar-se a um mero comentário de índices e curvas,
ou à construção de modelos puramente econométricos” (CARDOSO, 2002, p. 49) é
necessário que esta esteja inserida na lógica globalizante e da totalidade, a fim de que se
possam perceber as relações que ocorrem nas esferas políticas e sociais de dada
sociedade.

Inúmeras fontes podem ser utilizadas para a elaboração de esquemas que facilitem a
compreensão de relações socioeconômicas, como dados estatísticos, por exemplo. Além
disso, “os dados econômicos são absolutamente necessários à elaboração da história
social” (CARDOSO, 2002, p. 51) o que demonstra a imbricação entre os campos de
conhecimento da História e não uma atomização destes.

No que diz respeito à ausência de gráficos e apresentação de fontes alternativas no


material didático que ampliem - e facilitem - a compreensão dos alunos a respeito do
“milagre econômico”, acreditamos que a História econômica do período caracterizado
como “milagre econômico” tem sido utilizada em larga escala nacionalmente para
suster debates acerca do desenvolvimentismo adotado pela política econômica do
período. No entanto, localmente, tem-se uma produção escassa a respeito da análise
desta política econômica.

Além disso, são escassos também estudos que se proponham a analisar como a
imprensa escrita local se posiciona frente a essa política desenvolvimentista adotada
entre 1969 e 1973, isto é, são necessárias análises, por exemplo, sobre o posicionamento
institucional dos impressos locais, o espaço destinado a reportagens que consolidem –
ou não – essa política econômica para posterior relação com o ensino de História e
estratégias do uso dos impressos como forma de compreensão da lógica do período.

Referências

ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e seu ensino curricular.
Tempo, v.11, n.21, p. 163-171, 2006.

ALVES, Alexandre. OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. História: conexões com a


História. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2015.

BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos. Ensino de História: conteúdos e


conceitos básicos. IN: KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos,
práticas e propostas. São Paulo: contexto, p.37-48, 2003.

381
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez Editora, p. 183-220, 2008.

CAMPOS, Flávio de. CLARO, Regina. Oficina de História, volumen único. 1 ed. São
Paulo: Leya, 2015.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Os métodos da História. Rio de Janeiro: Edições


Graal, 2002.

DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de


classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História do Tempo Presente: desafios. IN: Cultura


Vozes, Petrópolis, v.94, nº3, p.111-124, maio/jun., 2000.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 03. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2012.

MONTEIRO, Ana Maria F. C. A história ensinada: algunas configurações do saber


escolar. História & Ensino, v.9, p. 37-62, out. 2003.

PEREIRA, Nilton Mullet. SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre
o uso de fontes na sala de aula. Anos 90. V.15, n.18, p. 113-128, dez. 2008.

VAINFAS, Ronaldo. FARIA, Sheila de Castro. [et al]. Conect: história, volume
único. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

382
O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DE HISTÓRIA:
UMA PROPOSTA DE PESQUISA
William Fonseca Freire

Refletir sobre a historiografia do ensino de História perpassa obrigatoriamente pelo


livro didático, tanto pela centralidade que ocupa em vários contextos quanto pelo
interesse de especialistas que procuraram analisar o papel deste material didático ao
longo de quase dois séculos de constituição da disciplina história no currículo escolar.

Por isso, esta proposta de pesquisa vincula-se na área do ensino de história, como
muitas que tiveram como centro o livro didático, neste caso: pretende-se investigar as
narrativas e linguagens das recentes produções didáticas voltadas para o Ensino Médio
com foco na maneira como o livro didático retrata a história da Amazônia analisando-o
dentro de um processo dinâmico que envolve produção, difusão e recepção do mesmo
no espaço escolar.

Segundo o historiador Luís Reznik (2004, p.340): “O livro didático no Brasil, ainda não
se livrou de sua sina de ser o guardião da memória nacional, mesmo com toda a
profusão de textos, escritos e visuais, de divulgação histórica através da mídia”. Para o
autor ainda é forte no imaginário brasileiro a ideia do livro enquanto um suporte
necessário para a formação da identidade brasileira, convertendo este material naquilo
que o também o historiador Pierre Nora (1993) denominou de lugar de memória, ou
seja, o conhecimento histórico transformado em lugar de memória a serviço do Estado-
Nação.

Sabemos que o livro didático não é o único responsável por construir uma memória
coletiva sobre a “nossa história”, porém, sua narrativa enquanto fio condutor destinado a
crianças e jovens interage com as representações destes sujeitos históricos ao se
apropriar desta literatura. Neste sentido, resta-nos saber que retratos da região
Amazônica e de sua história circulam nestes manuais? E em que momentos desta
“grande história nacional” é possível visualizar ou não a presença da história da
Amazônia? Como essas narrativas se relacionam com a memória dos alunos do Ensino
Médio no processo de formação de uma identidade nacional e regional ao mesmo
tempo? São indagações pertinentes.

A escolha do Ensino Médio está ligada com uma outra inquietação na qual estou
inserido e também vinculo as questões levantas anteriormente: a partir das minhas
experiências docentes noto um espaço reduzido de temas de história da Amazônia nos
currículos propostos para este nível de Ensino, uma vez que apesar das mudanças
curriculares nos últimos anos, ainda permanece a ideia de um período da educação
básica com foco nos exames de ingresso no nível superior; atualmente o Exame
Nacional do Ensino Médio - ENEM representa o principal deles e aponta em sua matriz
de referência temas de uma “história nacional” com poucas referências à história da

383
Amazônia, geralmente entendo como um região econômica quando se aborda, por
exemplo, o “faustoso ciclo da borracha”.

Esta visão economicista da região Amazônica que transparece nos documentos oficiais
norteadores do Ensino de História está relacionada com certa produção historiográfica
que influencia a forma de produzir materiais didáticos é o que atesta a historiadora Circe
Bittencourt (2008, p.162): “Na produção historiográfica, é possível identificar estudos
regionais sobre Amazônia, a região platina e nordestina. Essa produção,
majoritariamente, origina-se de uma concepção de região econômica.

É obvio que uma escrita da história do ensino de história não perpassa somente pelas
normas prescritas nos documentos oficiais curriculares controladas pelos agentes do
Estado, muito menos pelos livros didáticos que precisam se adequar a estas normativas.
Pesquisas mais recentes evidenciam a necessidade de analisar as práticas, as
apropriações destes materiais por meio da visão dos sujeitos históricos como
professores e alunos e outras linguagens que interferem no processo de construção do
saber histórico escolar.

Neste sentido, é importante destacar o balanço historiográfico realizado pelo historiador


Kazumi Munakata (2012) em O livro didático: alguns temas de pesquisa, pontuando
principais produções nesta área nas últimas décadas, o autor analisou em termos
quantitativos e qualitativos tais pesquisas evidenciando as principais balizas deste
campo investigativo.O historiador cita a pesquisa da Circe Bittencourt como um divisor
de águas nestes estudos ao romper com o paradigma que norteou as primeiras análises
muito interessadas em denunciar o livro didático como um propagador de ideologia das
“classes dominantes” controladoras da indústria cultural.

Essa nova abordagem do livro didático, para Munakata (2012) é tributária da chamada
Nova Sociologia da Educação que ao redefinir novas concepções de currículo
questionaram a ideia da escola enquanto um receptáculo da transposição didática do
saber científico, bem como da chamada História cultural francesa por meio do conceito
de representação proposto por Roger Chartier (1993) e Alain Choppin (2000) ao
compreender o livro didático como uma ferramenta polifônica, ou seja, com múltiplas
funções e sujeito a inúmeras intervenções apropriações e clivagens que denotam
diferentes modos de produção e uso deste material. Atentar-se para esta noção de
materialidade do livro didático é importante para pensar tanto na forma como o mesmo
é produzido e os mecanismos utilizados para sua circulação e eventual uso no espaço
escolar

Para esta proposta de pesquisa que tem como objetivo investigar a forma como a
história da Amazônia é retratada nos livros didáticos de História é preciso observar o
mundo social dos leitores, principalmente dos alunos e da maneira como professores
intervém nesse processo.

Desta forma é possível estabelecer um paralelo entre esta abordagem que leva em conta
a cultura escolar com os estudos de Jörn Rüsen (2012). O historiador alemão ao propor
uma Didática da História, um campo investigativo empírico que aproxima a ciência
histórica do saber histórico escolar, constrói o conceito de consciência histórica – uma
atividade mental de todos os seres humanos que se forma a partir das carências de

384
orientação do tempo para dar sentido à vida prática, divide-se em quatro (tradicional,
exemplar, crítica, genética).

A partir da compreensão de que todos necessitam de uma consciência histórica é


possível analisar a dinâmica da aprendizagem em história e a construção de narrativas
por parte dos alunos. É a partir desta análise que o pensador alemão tece uma série de
considerações necessárias para pensar um livro didático ideal que possibilite ao aluno a
construção de uma consciência crítico-genética. Para Rüsen (2012) um dos déficits no
campo investigativo do livro didático se dá na pouca atenção na forma como ele é
utilizado no espaço escolar e de que maneira o material implica em aprendizagem
significativa no Ensino de História.

Após elencar diversos pontos necessários para pensar uma análise do livro didático
enquanto um campo empírico significativo no ensino de História, percebe-se que esta
proposta de pesquisa apresentada no início deste escopo e ao longo do diálogo com
diferentes autores da área se desdobra metodologicamente em duas direções: a) um
levantamento de algumas coleções de livros didáticos voltadas para o Ensino Médio que
foram aprovadas pelo PNLD, afim de operar uma análise quantitativa e qualitativa
observando como a História da Amazônia é representada nestes materiais; b) em um
segundo plano verificar que narrativas de história da Amazônia está presente na
consciência histórica de alunos do referido nível de ensino da educação básica
verificando que correlações é possível estabelecer entre ambos.

Por tanto, foi apresentado ao longo deste texto uma possibilidade de pesquisa em livros
didáticos de História, percebendo a necessidade de compreender que retratos de
Amazônia é possível observar em tais coleções seja em textos, imagens, mapas e outras
representações gráficas que formam uma narrativa sobre a história da região e em que
medida isso interfere na formação da identidade amazônica de alunos do Ensino Médio
expressos em suas narrativas a partir de suas consciências históricas.

Referências

BITTENCOURT, Circe M. Fernandes. “Livro didático e conhecimento histórico: uma


história do saber escolar”. Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP, 1993.

_______________________________, “Livros e materiais didáticos de História”.


In:_____. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez.2008. pp.
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_______________________________. O saber histórico na sala de aula. São Paulo:


Contexto, 2001.

_______________________________. História do Brasil: Identidade Nacional e


Ensino de História do Brasil. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula:
conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2010. pp – 163-184.

385
CHARTIER, Roger. “O Mundo como Representação”. Estudos Avançados, n.11, 1991.
pp. 173-191.

CHOPPIN, Alain. “Los manuales escolares de ayer ahoy: um ejemplo de Francia.


História de La Educación, Madrid, nº 19, 2000, pp 13-37.

MUNAKATA, Kazumi. “O livro didático: alguns temas e pesquisa”. Revista Brasileira


de História e Educação. Campinas-SP, v. 12, n.3, set/dez 2012. pp. 179-197.

NORA, Pierre. “Entre Memória e História. A problemática dos lugares”. Projeto


História, vol. 10 (JUL-DEZ). São Paulo: 1993. pp. 7-28.

RÜSEN, Jorn. “Didática da História”. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA,


Isabel; Martins, Estevão de Rezende (Orgs). Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba:
Ed. UFPR, 2011.

____________. “Experiência, interpretação e orientação: As três dimensões da


aprendizagem histórica”. In: __________________, p-p 79-91.

____________. “O livro didático ideal”. In.:__________, p-p 109-127.

386
NOVAS ABORDAGENS PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Wiliana Maiara do Nascimento

Introdução

Quando tratamos do Ensino de História num contexto geral, sabemos que estamos
debatendo de um assunto bem complexo. Focando principalmente no contexto brasileiro
indaga-se sobre o que ensinar em uma sociedade que frequentemente passa por
mudanças culturais na qual existem valores e percepções sociais diferentes. Estes são
motivos pelos quais não existe um consenso entre os historiadores para a organização
permanente de um currículo. A história que se escreve nos dias atuais, relaciona-se com
o contexto cultural-social em que foi produzida. Desta forma o historiador dialoga com
o mundo em que vive, com problemas e desafios e esse diálogo será o fator que
influenciará a forma de como ele irá reconstruir e interpretar o passado.

O conhecimento histórico é perspectivista, pois ele também é histórico e o


lugar ocupado pelo historiador também se altera ao longo do tempo. Nem
sempre se faz a história do mesmo jeito, e ela serviu a diferentes funções no
decorrer do tempo. O historiador não pode escamotear o lugar histórico e
social de onde fala, e o lugar institucional onde o saber histórico se produz.
(ALBUQUERQUE, 2007, p.61).

A maneira de ensinar atualmente levando em consideração as várias mudanças


ocorridas nos campos econômicos, políticos e sociais desde fins do século XX
comandados por linhas de pesquisas universitárias atentam para o desafio em especifico
da História sobre a adoção de uma nova linha prática educativa em seu ensino baseada
na ideia de que os sujeitos não são agentes passivos, mas sujeitos, críticos e auto
reflexivos entendendo que atuam de maneira ativa na produção do conhecimento
histórico. Problematizar de ambas as partes (professor/aluno) se faz necessário, pois
estabelece um diálogo teórico entre o presente e o passado e não reproduz
conhecimentos equivocados sobre fatos que ocorreram em outras sociedades e em
outras épocas. É importante o professor saber que:

quanto mais o aluno sentir a história como algo próximo dele, mais terá
vontade de interagir com ela, não como uma coisa externa, distante, mas
como uma prática que ele se sentirá qualificado e inclinado a exercer.
(KARNAL, 2008, p. 28).

Com isso a contestação de novas contribuições de novos modelos didáticos-


metodológicos para o ensino de Ensino de História vem tomando proporções cada vez
maiores tendo em vista a possibilidade de mudar o cenário pelo desinteresse da área,
partindo atrás de uma renovação através das transformações que toda a sociedade vem
passando com a disseminação da globalização das telecomunicações, na qual está

387
conquistado dados e informações que precisem ser transformados em conhecimento
com a ajuda e auxilio sobretudo do sistema educacional em geral.

O ensino de história e escolhas metodológicas

Nos dias atuais faz-se necessário sempre renovar quaisquer que sejam as metodologias
de ensino, enfocando uma qualidade de ensino que ajude na formação intelectual do
aluno de modo que se possa alcançar e ampliar capacidades de observar, descrever,
identificar semelhanças e diferenças entre acontecimentos atuais e mais distantes no
tempo. Repensar o Ensino de História propõe analisar novas metodologias de ensino
que enfoquem a pratica social do dia a dia da instituição educativa. Deste modo, a
organização de uma boa aula, o relacionamento de ambos os professores, sistemas que
avaliam o aluno por completo se tornam uma forma metodológica de ensino que
possivelmente será repensada sempre para dinamizar a ação docente deixando de lado o
papel do professor visto como um mero reprodutor do que tem em suas mãos, dando
qualidade ao que se produz.

É imprescindível, portanto, que as escolhas metodológicas do professor de história


possibilitem mudanças, nas quais possam oxigenar o ensino de história dando aos seus
alunos melhor entendimento e ações que possibilitem desenvolver uma melhor
compreensão do mundo em que se vive, atentando para disseminação da cidadania e
compreensão das relações novas de trabalho refletindo sempre na produção do
conhecimento histórico.

A história e as novas tecnologias da informação e comunicação

As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação – NTIC’s desde as mais


tradicionais como o jornal, até as mais recentes como a internet voltou-se para o mundo
educacional com o objetivo de enriquecer e ampliar a veiculação de informações
estimulando o aluno no processo de ensino-aprendizagem. Nesse contexto,

Tudo é educativo. Todos educam. A sociedade é uma grande agencia


"educadora.” A partir destes pressupostos e em nome do espírito educativo
de cada um, a educação escolar vê-se invadida por milhões de mestres
educadores, planejadores educacionais, instrumentos pedagógicos e
linguagens computacionais com propostas educativas. Por isso é primordial
que a sociedade participe dos debates sobre informática aplicada à
educação. (ALMEIDA, 2012, p. 73).

No caso das NTIC’s aplicadas no Ensino de História, observa-se que novos caminhos se
abrem, pois, elas possibilitam que os alunos saiam da “mesmice” de quase sempre as
aulas estarem voltadas ao uso de materiais impressos, podendo desenvolver junto a elas
habilidades no envio e ou recebimento de atividades eletrônicas, pesquisas de materiais
complementares, filmes, documentários que dinamizam ainda mais a aula. Por fim, da
parte vista do professor as NTIC’s auxiliam no momento que este professor responde a

388
atividade realizando o famoso “feedback” que muitas vezes por inúmeras razões não
acontece no ambiente físico da sala de aula ou percebe o interesse do aluno por outros
tipos de materiais.

Considerações finais

O preciso pensar num Ensino de História que de qualquer maneira seja construído e não
reproduzido. É preciso abolir o ensino baseado na memorização e estimular os alunos a
se tornarem críticos e ativos é essencial e só será possível com um Ensino de História
prazeroso que faça sentido para o desenvolvimento de ambos.

Compreende-se enfim, que o Ensino de História não parte de uma construção


individual, mas composta por sujeitos que constroem sentidos e que precisam se sentir
inseridos dentro de um processo histórico, é preciso que o professor assuma um papel
instigador e faça a diferença, que deem vez às vozes que foram sufocadas, as
experiências das pessoas que foram consideradas inválidas durante certo período
histórico deletando a chance de haver um ensino alicerçado no tradicional, mas que se
expanda um sistema de ensino, no seu processo pedagógico, que leve em conta mais ‘o
interesse’ do educandos e a partir dai dar ao aluno condições de participar do processo
do fazer, do construir a História. É nesse sentido que se propõe uma prática reflexiva
sobre o Ensino de História, na qual devemos ter em mente que estamos inseridos num
processo de globalização que se volta para o objetivo de uma educação que seja
produtora, que satisfaça as expectativas de uma sociedade cada vez mais consumista
pronta a obter os melhores.

Referências

KARNAL, Leandro. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São


Paulo: Contexto, 2008.

ALBUQUERQUE Junior, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado,


Bauru, SP: Udusc,2007.

ALMEIDA, Fernando Jose de. Educação e informática: os computadores na escola, 5.


Ed., São Paulo, Cortez 2012.

389
O ENSINO DE HISTÓRIA: NOVAS LINGUAGENS
E RECURSOS METODOLÓGICOS
Wiliane Maine do Nascimento

Introdução

Quando analisamos o contexto da sala de aula, vemos que ainda é predominante a ideia
entre alunos, e a indagação dos mesmos, para que serve o ensino em suas vidas. Isso
ocorre com todas as disciplinas, inclusive História. Infelizmente ao longo dos anos
criou-se a ideia de que o Ensino de História nada acrescenta na vida dos estudantes, e
que no processo de aquisição de conhecimento, a mesma só serve para a memorização
de grandes nomes, fatos e datas marcantes. Todavia, essa posição favorece que o Ensino
de História desperte pouco interesse dos alunos, dificultando o ensino-aprendizagem.

Após o fim da Ditadura Militar no Brasil, ocorreram transformações significativas e a


Educação Brasileira passou por momentos de revisão, segundo Schmidt e Cainelli o
Ensino de História ganhou novas finalidades, e com isso:

Contribuição para a construção da cidadania; Desenvolvimento de


raciocínios historicamente corretos; Aquisição da capacidade de análise da
relação passado–presente e vice versa; Apreensão da pluralidade de
memórias, e não somente da memória nacional, preocupação com as
finalidades do ensino da História no mundo contemporâneo. (SCHIMIDT;
CAINELLI, 2004, p.15)

É a partir das décadas de 80 e 90 que profissionais se empenham na (re) valorização da


disciplina, como conhecimento fundamental na formação critica-reflexiva de um
cidadão. Uma dessas novas estratégias fundamenta-se em colocar em evidências, novos
temas e novos objetos para a construção do conhecimento histórico. Nessa perspectiva,
surgem novas abordagens teórico-metodológicas que praticam a chamada “história vista
de baixo” ou ainda “excluídos da história”. Dado isso, tornaram-se objetos e sujeitos do
conhecimento histórico temas que fazem referência à história da mulher, da criança, do
negro, do Índio, do trabalhador e assim por diante. Portanto,

Procura–se dar voz aos excluídos, ora tentando introduzir novos materiais,
novas fontes, novas questões sobre os esquemas preexistentes. (...) As
propostas expressam a necessidade histórica de trazer para o centro da
reflexão, ações e sujeitos até então excluídos da História ensinada na
escola fundamental. (FONSECA, 1993, 109).

Diante do que foi apresentado, é interessante e imprescindível propor um ensino no


qual, desperte no aluno novas visões de mundo, deixando de lado aquela velha
concepção de uma história memorizada, e propor novas linguagens e recursos
pedagógicos que incentivem e contribuam para o desenvolvimento critico-reflexivo e
social do aluno tanto no ambiente escolar, como no mundo em que o rodeia.

390
O ensino da história e os novos meios midiáticos

É no espaço escolar que professores e alunos passam a maior parte do tempo, trocando
experiências que vão desde assuntos pertinentes à escola, a conflitos pessoais. É nesse
ambiente que ocorre troca de informações, e com a globalização o mundo está
evoluindo cada vez mais, se modernizando principalmente, mas, a questão é, será que os
professores de hoje em dia estão conseguindo acompanhar essas novas mudanças que
ocorrem no meio midiático? Como introduzi-las em sala de aula? Isso facilita ou
interfere no ensino-aprendizagem?

As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação – NTIC – que vão desde jornais,


televisão, cinema, vídeos, fotografias, computadores, celulares, dentre outros mais
recentes como a internet, disponibilizam uma gama de oportunidades que quebram com
aquela rotina livresca, decorativa e enfadonha. É ai o grande desafio do professor,
principalmente de História, repensar práticas que levem a melhoria do seu trabalho,
tornando-o instigante/incentivador. Desde a última década do século XX, professores de
História têm a chance de pesquisar e “navegar” em acervos riquíssimos, como museus e
bibliotecas virtuais. Isso não quer dizer que, o livro didático seja deixado de lado, pois
continua sendo a principal ferramenta do seu trabalho e atende a muitos anseios do
profissional, o que se sugere é que o professor possa abrir espaço para essas novas
tecnologias que facilitam e ajudam no processo de construção de conhecimento. “[...] é
preciso utilizar materiais que permitam a construção do texto histórico e atividades
intelectuais que encaminhem o aluno para o desenvolvimento do pensamento histórico.”
(ABUD; SILVA; ALVES, 2010, p. 13).

A sociedade não é a mesma há tempos, é notório como a mesma passa por


transformações, dia após dia, e assim como as pessoas, tudo muda. É dever do
historiador perceber essas mudanças e usá-las ao seu favor. É imprescindível que o
professor de história articule novas formas de aproximação à realidade presente com o
ensino da disciplina em que o mesmo leciona. Não podemos deixar de observar que a
sociedade está oferecendo muito mais do que imaginamos aos alunos, e se os
profissionais não acompanharem essas mudanças, dificilmente conseguirão ter êxito no
trabalho, e a história ainda continuará sendo considerada pura nostalgia. É importante
despertar nos educandos a curiosidade e o prazer de se estudar História.

Essas novas tecnologias vieram para transformar o ensino, uma vez que, se usados de
forma correta, tornam o ambiente escolar um local prazeroso, instigante e que promove
e partilha solidariedade.

O ensino de história e a utilização de várias linguagens

Como já mencionado anteriormente, para desvencilhar aquele velho modelo tradicional


de se estudar História, os professores podem fazer uso de novas tecnologias ou
introduzir novas práticas metodológicas na sala de aula, dentre elas, trabalhar com
fotografias, imagens, filmes e músicas. Bittencourt (2005) aponta diversas linguagens
que podem auxiliar o professor em sala de aula, abrindo um leque de possibilidades
tanto para pesquisadores quanto para professores de história:

391
Imagens diversas produzidas pela capacidade artística humana também nos
informam sobre o passado das sociedades, sobre suas sensações, seu
trabalho, suas paisagens, caminhos, cidades, guerras. Qualquer imagem é
importante, e não apenas aquelas produzidas por artistas. Fotografias ou
quadros registram as pessoas, seus rostos e vestuários e são marcas de uma
história. Produções modernas, como filmes, registram a vida contemporânea
e reconstroem o passado, revivendo guerras, batalhas e amores de outrora,
ou ainda imaginam o tempo futuro [...] Os filmes não são registros de uma
história tal qual aconteceu ou vai acontecer, mas representações que
merecem ser entendidas e percebidas não como diversão, mas como um
produto cultural capaz de comunicar emoções e sentimentos e transmitir
informações. (BITTENCOURT, 2005, p. 353)

Essa nova forma de se estudar História, é bastante instigante uma vez que além de
tornar melhor a relação de aluno com professores – no âmbito do diálogo e
interatividade, o educando deixa de ser apenas um mero receptor de informações e passa
a ser um sujeito ativo na sua própria aprendizagem. Enfim, para que tudo isso aconteça,
deve haver uma cooperação entre a escola, professor e alunos. Pois, se houver interesse
de ambas as partes, será possível um aprendizado gratificante e com vários resultados
positivos.

Considerações finais

Diante do que já foi exposto aqui, fica claro que a modernidade chegou a nossas casas,
nas pessoas, nos objetos, nas instituições. Não há mais como negar o quanto o uso de
novos recursos/linguagens possibilitam um melhor aprendizado. A utilização de uma
nova metodologia pode acrescentar muito na prática da docência em História. Ainda
que essas renovações que estão acontecendo no Ensino de História sejam relevantes
para o ensino, ainda iremos encontrar profissionais, os quais mantêm abordagens
tradicionais, tornando a aula de História árida e monótona. Entretanto, o Ensino de
História, ao estimular o contato com o real, prepara os alunos para os diferentes
segmentos da sociedade, e assim com o uso dessas novas metodologias, o ensino se
tronará significativo.

Referências

ABUD, K. M.; SILVA, A. C. de M.; ALVES, R. C. Ensino de História. São Paulo:


Cengage Learning, 2010.

BITTENCOURT, C. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez,


2005.

FONSECA, S.G. Caminhos da História Ensinada. 7. ed. Campinas: Papirus, 1993.

SCHMIDT, M. A; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004.

392
O PROFESSOR DE HISTÓRIA COMO SUJEITO DE
TRANSFORMAÇÃO
Zaqueu Abreu Reis

Os professores estão em um estado de perplexidade, perdidos diante das mudanças da


sociedade. O educador tem muitas angústias e queixas. São décadas de desmonte do
sistema educacional brasileiro, a desorientação é grande. Nos últimos anos, os processos
de mudanças sociais e as políticas de transformação educativa têm feito com que os
requerimentos para o desempenho da docência sejam mais complexos e exigentes.
Assim os docentes em geral são hoje chamados a exercerem seu trabalho com níveis
mais altos de autonomia, o que traz maiores exigências. Algumas questões surgem –
Quais os conceitos um professor de História tem que dominar? Qual o papel do livro
didático? Qual a importância do planejamento?

Por todos esses aspectos, um bom professor de História tem de ter afinidade com alguns
conjuntos de saberes, mas que saberes são esses? Eles se dividem em três campos: os
saberes a ensinar, circunscritos na própria história dentre eles estão à historiografia, os
conceitos epistemológicos, as fontes, dentre outros. Os saberes para ensinar, que dizem
respeito à docência, ao currículo, à didática, à metodologia, à cultura escolar. E os
saberes do aprender, que se referem ao aluno, aos mecanismos da cognição, à formação
do pensamento histórico. (CAIMI, 2015, p. 105-124)

Portanto, para abordar esses pontos é fundamental um bom planejamento, ao mesmo


tempo sendo importantíssimo que se tenha consciência de que não existe um modelo
único ou inflexível de planejamento a ser seguido, isto é, existem múltiplas abordagens
para um determinado assunto, o que não pode faltar nos planos de aula são as
especificidades da História. As ações ocorridas no meio escolar sofrem efeitos de
influências econômicas, políticas e culturais, dessa forma, os planejamentos em História
são recheados de implicações sociais, possuindo um significado político, refletindo
igualmente as opções pedagógicas e historiográficas do docente.

Logo se entende que em toda e qualquer ação humana, quando pensamos de forma a
atender nossas metas, estamos planejando. Planejar é pensar, a especificidade que o
professor deverá abordar é o objetivo de formar um cidadão social capaz de refletir
sobre diferentes experiências humanas em diferentes tempos e espaços, para tal a
necessidade de definição de princípios teórico-metodológicos é primordial. Estes devem
fazer parte da organização de suas aulas, dessa maneira a organização e sistematização
das ideias facilitarão as tomadas de decisões em prol da garantia da eficiência e da
eficácia do ensino-aprendizagem dos alunos. (AZEVEDO, 2013, p.5)

Para uma maior eficácia todo professor precisa conhecer a realidade a sua volta, ou seja,
o meio onde está inserido. Atentando-se as características individuais de cada aluno,
respeitando seus conhecimentos e experiências prévias. Ao ler os PCN’s (Parâmetros
Curriculares Nacionais) os professores enxergam que o ensino de História é parte de um

393
conhecimento interdisciplinar, ou seja, a História não esta desconexa das problemáticas
do mundo, vai entender como fazer para que os alunos questionem, identifiquem e
encontrem possíveis soluções dos obstáculos encontrados no seu cotidiano, demonstrará
aos alunos diferentes grupos étnico-culturais e ensinará que todos devem ser
respeitados. (BRASIL, 1988, p. 43)

Em sua empreitada é imprescindível para o educador realizar um trabalho de campo,


criar um diálogo com seus alunos e com a comunidade. Essa análise é indispensável,
pois vivemos em uma sociedade onde as transformações são intensas e frequentes. O
que evidencia e determina a importância de uma metodologia flexível, onde
consequentemente as ações são avaliadas e revistas a todo o momento. (CANDAU,
2011, p.240-255) Essa previsão e a tomada de decisões a respeito dos meios disponíveis
devem ser relacionadas para uma ação posterior, a fim de que possam se tornar fatores
de ajuda na conquista dos objetivos. (MENEGOLLA, 2010, p. 18)

Levando-se em consideração esses aspectos é necessário aos professores conhecerem-se


do ponto de vista de suas próprias personalidades, conhecer seus alunos, as
metodologias que são mais adequadas a sua disciplina e o contexto social da localidade
onde esta. (MORETTO, 2011) Consequentemente percebemos que a docência envolve
produção de valores, ideias, deveres, direitos, visão de mundo entre outros. Esse
diagnóstico da realidade sócio educacional deixa evidente a necessidade do profissional
da educação, o sentido e a relevância de seu trabalho, revela também a enorme
complexidade da profissão escolhida, já que implica participar da formação do caráter,
da personalidade, da consciência e da cidadania das novas gerações.
(VASCONCELLOS, 2004, p. 47) O engajamento dos educadores nesse processo, sua
vontade de participar e o compromisso com que encara sua função, é indispensável para
que seus estudantes tenham acesso à cultura, de criar, de atribuir valores, de desenvolver
sua consciência.

Para que os estudantes estejam aptos a opinarem, terem senso crítico e modificarem sua
comunidade, o professor também deve analisar a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional) para esquematizar as aulas, nesse documento que é lei federal estão
às bases de um ensino de qualidade, esse se norteia pela compreensão do ambiente
natural e social, do sistema político, das artes e dos valores em que se fundamenta a
sociedade; prega o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos, habilidades e a formação de atitudes e valores; todos esses
aspectos fortalecem os vínculos da família, os laços de solidariedade humana e de
tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (BRASIL, 2016, p. 14)

Outra ferramenta essencial para o bom desenvolvimento das aulas é o livro didático,
muitas vezes este é o único instrumento de trabalho disponível aos professores e alunos,
o mesmo é um excelente mecanismo de auxilio no processo de ensino-aprendizagem,
porém não pode haver uma espécie de “fetichização ou endeusamento” do livro
didático, o mesmo deve ser problematizado. A supervalorização deste instrumento
pedagógico em nossa cultura escolar pode esconder problemas com relação a sua
qualidade. Os contornos ideológicos e políticos, sobretudo no período republicano
brasileiro, devem ser expostos e debatidos em sala de aula. (SILVA, 2012, p. 803-821)

394
Por isso tudo somos levados a acreditar que a reflexão dos professores sobre suas
práticas pedagógicas podem assegurar a não repetição de aulas destituídas de
significado para os estudantes, afinal de contas ser reflexivo é uma das novas exigências
requeridas dos atuais educadores. O ensino de qualidade que se busca, será usado para
contestar as relações político-econômico-sociais e para tal o docente deve utilizar e ter
um amplo domínio didático, teórico e metodológico procurando sempre refletir. Essa
análise do processo de ensino-aprendizagem com certeza trará melhorias para a
educação.

Referências bibliográficas:

AZEVEDO, Crislane Barbosa. Planejamento docente na aula de história princípios e


procedimentos teórico-metodológicos. Revista Metáfora Educacional. N° 14, p. 3-28,
jan./jun. 2013.

Brasil. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. Seção III – Do Ensino Fundamental, art. 32. LDB
[recurso eletrônico]: Lei de diretrizes e bases da educação nacional: Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. –
12. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2016. – (Série legislação;
n. 254).

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:


história. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CAIMI, Flávia Eloisa. O que precisa saber um professor de história. História &
Ensino, v. 2, p. 105-124, jul./dez. 2015.

CANDAU, V. M. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas.


Currículo sem Fronteiras, v.11, n.2, p. 240-255, jul./dez 2011.

FONSECA. Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: Experiências,


reflexões e aprendizados / Selva Guimarães Fonseca. – Campinas, SP: Papirus, 2003. –
(Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

MENEGOLLA, Maximiliano. Por que planejar? Como Planejar? 18ª ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2010.

MORETTO, Vasco P. Planejamento: planejando a educação para o desenvolvimento


de competências. 7ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

SILVA, Marcos Antônio. A fetichização do livro didático no Brasil. Educ. Real. Porto
Alegre, v. 37, n° 3, p. 803-821, set./dez. 2012.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Para onde vai o Professor - Resgate do


Professor como Sujeito de Transformação. 12a ed. São Paulo: Libertad, 2004.

395
396
O GRUPO ESCOLAR ESPERIDIÃO MARQUES: A
HISTÓRIA DO ENSINO PÚBLICO NO INTERIOR
DO ESTADO DE MATO GROSSO
Adriane Cristine Silva

Introdução

Na intenção de contribuir com o estudo da História da educação escolar e ainda inserir


no campo da História da Educação na preocupação em identificar o modo como uma
realidade social é construída em lugares e tempos distintos, compreendemos o grupo
escolar originários das Escolas Reunidas e que trouxeram enquanto instituição escolar
contribuições referentes a História da Educação

Olhares ao Grupo Escolar Esperidião Marques

Elegemos o Grupo escolar Esperidião Marques, importante Instituição de ensino do


município de Cáceres, situada no interior do estado de Mato grosso, criado em 04 de
fevereiro de 1912, com o nome de Grupo Escolar Costa Marques, enquanto objeto de
estudo. Cuja construção inicia-se em 1913 e é encerrada em 1920, na esquina da Praça
Duque de Caxias, de acordo com a Figura 1, cujo espaço a partir desta construção
passou a ser considerado parte central da cidade. Mas que aparece enquanto criação o
ano de 1910, de acordo com as mensagens do Governo.

Este grupo escolar se consolidou a partir da necessidade de se criar uma instituição


escolar a desenvolver através de um olhar e crivo da Igreja, a partir dos ideais
republicanos na perspectiva de eliminar o analfabetismo e transmitir regras sociais
morais úteis a massa popular, e conhecimentos voltados ao progresso dos grupos
sociais a qual pertencem, com o pensamento a sua pátria, nesta região de fronteira.

Este objetivo de trazer a educação escolarizada à população em massa, de acordo com


Saviani (2006), deveria ser de responsabilidade do poder Central, e a tarefa de organizar
e manter integralmente escolas em todo território brasileiro, principalmente o ensino
primário.

A partir da compreensão de que a criação do Grupo Escolar Esperidião Marques em


Cáceres – MT, que representou o marco inicial na organização da educação e também
para a consolidação do republicanismo nesta cidade, como sendo um espaço social de
consolidação desta educação proposta pelo governo tendo como fonte de inspiração
outros estados, é criada esta instituição de ensino gratuito e público.

Através de um regime disciplinar que caracterizava os grupos escolares instalados nos


mais distintos lugares do país. A disciplinarização estava no bojo do prédio planejado
como da instituição escolar. Ali meninos e meninas eram separados. O espaço físico
tinha que ser estruturado para isso. A edificação, sob comando do empreiteiro

397
construtor Sr. Capitão José Corbelino, devia conceder ao Grupo Escolar Esperidião
Marques (GEEM) sua existência material. Emergia no espaço central da cidade uma
escola tipicamente urbana, transformando-se num dos mais imponentes prédios
públicos do município de Cáceres.

Sua fundação esteve ligada diretamente ao processo de desenvolvimento da cidade, em


face da consolidação do regime republicano. Seu funcionamento passou a ocorrer num
prédio localizado na Rua General Osório, onde hoje funciona o Arquivo Municipal. Ali
se agruparam três escolas: a) a masculina que tinha como diretor Professor Octavio
Motta; b) a feminina com a professora Ritta Garcia e c) a mista com a professora
Escolástica Botelho.

O edifício, cuja planta caracterizou-se por apresentar duas frentes, a saber: uma da Praça
Duque de Caxias, com 52 m de comprimento e outra na Rua Comandante Balduíno,
com 45 m. O referido prédio foi planejado para ser ocupado pela sessão feminina e pela
sessão masculina, esta com compartimento mais espaçoso dada a superioridade da
demanda.

O prédio caracterizou-se por suas paredes elevadas, com uma enorme porta frontal de
esquina, com 10 janelas de madeira em venezianas, que se abrem em folhas, sendo
todas voltadas para o espaço da Rua Tiradentes, em frente à Praça Duque de Caxias.
Dispunha de mais seis janelas com as mesmas características já descritas, voltadas para
a Rua Comandante Balduíno.

Algumas Considerações

Com esta perspectiva, entendemos que nosso trabalho no campo da história, intensifica
o sentido de fazer avançar os estudos regionais acerca da História da Educação.
Procuramos além de discutir, compreender o GEEM, no contexto da história nacional, a
partir de seu aspecto singular, como uma instituição localizada em área de fronteira
(Brasil-Bolívia), e com a participação de diferentes atores sociais, tecendo assim uma
história única, distinta em relação aos números Grupos Escolares implantados no país
na primeira metade do século XX.

Observamos também que, o Grupo Escolar Esperidião Marques desde sua criação em
1912 - até o ano de 1947, data final do recorte - afigurou-se como instituição de relevo
para a sociedade cacerense, a despeito de caracterizar-se como escola pública,
nacionalista e laica.

Referências bibliográficas

ALVES, Gilberto Luiz. Nacional e regional na história da educação brasileira: uma


análise sob a ótica dos estados matogrossenses. In: Sociedade Brasileira da História da
Educação. (Org.). Educação no Brasil: história e historiografia. Campinas: Editora
Autores Associados, 2001, p. 163-188.

398
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Repensando o Ensino de História e a criação
do fato. Ensino Contexto. São Paulo, 1997.

BUFFA, Ester (2002) citada por WERLE, Flávia Obino Corrêa; BRITTO, Lenir Marina
Trindade de Sá; COLAU, Cinthia Merlo. Espaço escolar e história das instituições
escolares. In: Diálogo Educacional, Curitiba, v.7, n.22, p. 147-163, set./dez. 2007.

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São Paulo: UNESP, 1992.

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CERTEAU, Michel de. A escrita da História. 2ed., Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2006.

FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana Gonçalves.A cultura escolar como
categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira.
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FRAGO, Antonio Viñao. Del espacio escolar y la escuela como lugar: propuestas y
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FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura. As bases sociais e epistemológicas do


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GATTI JÚNIOR, Décio. A História das instituições educacionais: inovações


paradigmáticas e temáticas. In: ARAUJO, José Carlos; GATTI JÚNIOR, Décio (orgs.).
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Primeira República: 1891-1927. 1998. Dissertação (Mestrado em Educação).
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JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Revista Brasileira de


História da Educação, n.1, jan/jun., p. 9-43, 2001.

399
OS LIVROS COMO AGENTES FORMADORES DA
NOBREZA PORTUGUESA NA TRANSIÇÃO DO
MEDIEVO PARA A ÉPOCA MODERNA (SÉCULO
XV)
Alex Rogério Silva
Luiz Fernando Meneguci Neves

El término 'libro' designa un objeto constituido por un conjunto


e hojas que contienem o no un texto y reunidas bajo una
encuadernación o atadura. (BARBIER, 2005. p. 9.).

Livro: reunião de folhas impressas presas por um lado e


enfeixadas ou montadas em capa. (FERREIRA, 1999, p. 430.).

O livro no seu primeiro significado é entendido como um conjunto de folhas sejam elas
manuscritas, datilografadas ou impressas que são reunidas e organizadas de forma que
se possa facilitar a leitura. Seja qual for à natureza do texto, o primeiro interesse ao
escrever é registrar algo a fim de que alguém em algum momento possa ler.

Tais exemplares eram tidos como instrumentos de apreensão e ordenação do mundo e a


escrita era atribuída à preservação do saber. Em Portugal, esta produção intelectual do
final do século XIV e do decorrer do século XV foi relativamente diversificada e de
certa forma abundante devido às condições periféricas do reino, o idioma português
modernizava-se propiciando essa diversidade e o latim estava perdendo seu status em
razão da não difusão entre a nobreza.

Os escritos eram considerados artigos de luxo onde tinham não só valor material, mas
também valores sentimentais. As tiragens eram inexpressivas dado que antes da
imprensa, o trabalho se dava por cópias individuais. Esses trabalhos primeiramente
elaborados pelos oradores, onde a produção e o conhecimento permaneciam. No final
do século XIV e no século XV, o livro se torna um utensílio mais familiarizado da
nobreza, aumentando assim o número de bibliotecas laicas.

Após a crise de 1383-1385, onde Portugal, proclama sua independência de Castela,


através da Batalha de Aljubarrota e ascende ao trono uma nova dinastia, a de Avis,
fundada por D. João I. Após essa independência vemos o fortalecimento de uma
produção literária com o intuito de formar da nobreza.

400
Um movimento de exaltação do livro e daquilo que ele proporciona ganha
intensidade em Portugal. Movimento que se traduz tanto num discurso
apologético, ressaltando as virtudes e virtualidades da escrita, quanto em
ações efetivas no sentido de promover a produção livresca. (FRANÇA,
1998, p. 23.).

Esse movimento não se limitava somente a exaltar o valor dos livros, mas também
pautava na justificativa de se preservar os saberes consequentemente nas motivações
fundamentais para se escrever. Entre estas motivações se destaca a transmissão de bons
ensinamentos, sobretudo de teor moral. Nesse aspecto os três mestres de Avis D. João I
(1357-1433), D. Duarte (1391-1438) e o Infante D. Pedro (1392-1449), deixaram
escritos onde tem por finalidade “[...] a preocupação pela reflexão sobre a educação do
homem e, particularmente, sobre a formação política dos governantes e a dimensão ética
do poder.” (BUESCO, 1996, p. 50.).

Esses escritos tratam das posturas para uma formação virtuosa do príncipe,
pautada no exercício das virtudes especificados nas sagradas escrituras e
consequentemente e evitando os vícios, e estabelecer um modelo ideal de realeza, ou
seja, se unificavam em um ideal pedagógico, com a preocupação em divulgar
determinados valores e instruir os seus leitores a partilharem desses valores. Os valores
defendidos além de ajudarem na tarefa de governar também eram prescrições de como
alcançar a salvação.

Com o pensamento medieval enraizado na sociedade, onde a explicação do mundo


passa por preceitos religiosos, os mestres de Avis nunca perderam de vista aos seus
tratados a relação do homem com Deus. A pedagogia principesca tinha como base a
formação espiritual, utilizando para tal, fontes de conhecimento medievais como as
hagiografias, os livros de orações, alegorias, pois naquela época a verdade era aquela
deixada por Deus, visto que, a principal fonte que os homens utilizavam para
sustentação de seus atos e argumentos era a bíblia. Mas não só de textos religiosos e
alegorias que os mestres de Avis tomaram como elementos principais para produzirem
seus escritos. Buscaram também nas obras clássicas da filosofia antiga e medieval a
sustentação de suas teses, de forma

Auxiliares tão ou mais férteis na edificação dos senhores eram os livros de


filosofia antiga e medieval. De Aristóteles aos Santos Padres da Igreja,
passando por filósofos como Cícero, Sêneca, Avicena, vários eram os
grandes nomes do pensamento filosófico citados pelos medievais. A
importância dos livros desses sábios advém principalmente do fato de
constituírem um verdadeiro manancial de reflexões, ora fundadoras, ora
fundamentadoras do pensamento dos escritores quatrocentistas portugueses.
(FRANÇA, 2006, p. 67.).

Toda a produção escrita da época, embora bem diversificada, há um ponto em comum:


o intuito pedagógico. A tarefa de educar ganhou espaço nos livros e uma nova
finalidade: moralizar. O objetivo de tais eram as “ensinanças” nos seus diversos níveis:
desde educação religiosa, aos cuidados com a disciplina, o corpo e a conduta social.

401
O tratado de D. João I chamado Livro da Montaria, é um tratado de caça ao javali. A
caça como a montaria, ou a cetraria eram desportos muito bem vistos nesse período,
pois eram distrações para não se cansar o entender e uma forma de treino para os
tempos de guerra, ajudando a manter as habilidades guerreiras em tempos de paz. Mas
não somente de conceitos práticos que este projeto foi idealizado, pois aspectos
moralizantes foram abordados, mesmo que de modo implícito, pois, como já
mencionado, o ato de caçar e cavalgar descansavam o intelecto facilitando o
cumprimento das principais obrigações reais. Além disso, o rei autor também descreveu
que o uso abusivo da montaria também seria prejudicial, pois, passaria a ideia de
desleixo com as funções governativas e de defesa, gerando assim hábitos pouco
saudáveis na alimentação, na vida religiosa, nas companhias e no bem falar. Ou seja

É assim que D. João deixa clara a sua convicção de que toda e qualquer
atividade a qual o rei se dedicasse não devia nunca suplantar as
responsabilidades com o governo das suas gentes e terras, antes devia ser
aproveitada para o aperfeiçoamento pessoal e para a melhoria da arte de
reger. Do mesmo modo, os livros destinados aos príncipes tinham de
contribuir tanto para o engrandecimento dos virtuais leitores como para o
proveito do reino. (FRANÇA, 2006, p. 84.).

Outro tratado de lições de como cavalgar é produzido por D. Duarte, chamado Livro da
ensinança de bem cavalgar toda sela, destinado não aos reis e príncipes, mas aos
cavaleiros e escudeiros, onde para além de lições de como bem cavalgar instruísse os
nobres a forma adequada de se apresentarem nos jogos e diversas celebrações da corte
e o cuidado com as armas. A obra elucida alguns valores importantes na formação dos
bons governantes como a fé, a esperança, a confiança a prudência, ou seja, ao lado das
instruções de como os cavaleiros devem se portar diante das armas e da sela, faz
menção as emoções humanas: as virtudes, os vícios, a força, o domínio do corpo, etc.
Os tratados acima mencionados “[...] procuravam regrar as práticas desportivas
valorizadas. Nesses tratados, percebe-se uma grande preocupação com a disciplina do
corpo, principalmente nos ensinamentos das artes e ciências de bem cavalgar a caçar.”
(SILVA, 2009, p. 52.).

Nesses tratados, a preocupação com a educação dos seus contemporâneos nobres é


muito grande, pois através dos excertos fica nítido o direcionamento para que tipo de
leitor, ou seja, os nobres, quais os proveitos de se cavalgar e caçar, comprovando assim
as preocupações com a pedagogia de um ponto de vista prático, não deixando de lado a
formação moral dos seus leitores.

D. Duarte escreve também outro tratado chamado Leal Conselheiro que juntamente com
o de seu irmão, o Infante D. Pedro chamado Livro da Virtuosa Benfeitoria, são
classificados como doutrinas da boa conduta social. Nesses livros a moralidade ganha
corpo, como matéria principal em uma obra. Pois:

Aos governantes cabia desempenhar um papel previamente definido, cujo


fundamento estava no cuidado consigo, ou seja, na busca de
aperfeiçoamento moral e espiritual, tendo por fim o bem estar dos seus
subordinados. Nesse contexto, os livros ganham toda a importância:
competia às obras escritas auxiliar os reis, os príncipes e senhores na difícil

402
missão de se conduzirem bem a si próprios para se tornarem aptos para
conduzirem os outros. (FRANÇA, 2006, p. 81.).

No Livro da Virtuosa Benfeitoria como no Leal Conselheiro, o intuito é a formação dos


dirigentes, fazendo-lhes conhecer seus deveres e seus privilégios devido o seu lugar na
hierarquia social. Nele há a exposição de feitos louváveis e ações condenáveis de
antepassados, surgindo como caminho para a formação de reis e senhores, mostrando
quais caminhos seguir, de modo a desempenhar o seu papel. Mostram os atos que fazem
com que reis sejam designados como virtuosos ou tidos como pecadores, no intuito de
construir modelos de conduta considerados ideais.

Em um primeiro plano D. Duarte realiza em O Leal Conselheiro, uma enunciação da


sociedade, com cinco estados, a saber: oradores, defensores, lavradores e pescadores,
oficiais e artífices, e mesteres. A partir dessa fragmentação da sociedade, relata as
competências de cada um, alertando sobre os prazeres em devaneio, recomendando
sobretudo aos nobres cuidados com o corpo e a consciência. Em um segundo momento
D. Duarte aconselha sobre o uso das faculdades humanas em busca das virtudes para
fazer o bem, em busca da salvação, e a partir daí começa a enumerá-las, colocando em
evidência também os comportamentos contrários, no intuito de construir um modelo de
boa conduta.

Essa ideia de virtude e pecado se define a partir de parâmetros fixos, instituídos pelos
valores morais defendidos pelo cristianismo, que se dilui nas reflexões acerca dos
encargos de cada um dos Estados. Ele realiza uma analise minuciosa de quatro pontos
para dissertar acerca do assunto: o que move as condutas, ou seja, se é através do
entendimento ou da vontade que elas tomam forma; a qualidade das condutas, eivadas
de virtudes ou vícios; qual sua resultante, o bem ou o mal; e as vantagens ou prejuízos
que são propiciadas através dessa conduta. Através desses pensamentos que D. Duarte
procura atingir seu objetivo pedagógico, sintetizando que a maior virtude de um homem
é a lealdade.

Já o Infante D. Pedro em o Livro da Virtuosa Benfeitoria, aborda a organização da


sociedade sustentada pelos senhores, sobre o fundamento ético da governação.
Menciona os hábitos e costumes perpassados pelos pensamentos cristãos. Faz referência
a filósofos da antiguidade, principalmente da obra De Benneficiis de Sêneca. O tratado é
sobretudo dirigido aos reis e príncipes, pois eram deles a função de distribuir
benfeitorias. Apresenta também os motivos nos quais os súditos deviam respeitar os reis
e lhes serem fieis.

O livro tem inicio com a análise dos vocábulos que compõem o título da obra,
analisando os diversos significados de benefício e suas implicações nas formas de
execução. Há a construção de uma teoria da estrutura da sociedade, onde o senhor
sustenta esta sociedade, pelo principio da governação. Com esse conceito do senhor
sustentar a sociedade gera outro aspecto a ser analisado de que com o exercício do
poder, os senhores se aproximavam de Deus, pois enquanto este regia o mundo, os reis
eram responsáveis pelos seus senhorios. No tratado também há o mapeamento das
condutas dos senhores e a análise do benefício como algo moral que deve ser
desempenhado em busca da honra e positiva fama. Através disso, o Infante D. Pedro

403
escreveu no intuito de encaminhar os homens aos seus afazeres fazendo com que suas
ideias sejam postas em prática.

Assim, o Livro da Virtuosa Benfeitoria, configura-se como um tratado de


ética religiosa e social, na medida em que informa as diversas personagens
do jogo social acerca dos seus direitos e deveres. O estudo do benefício
acaba por servir de pretexto para uma doutrinação mais ampla. (FRANÇA,
2006, p. 91.).

Em síntese geral, a publicação de livros em Portugal aumenta no século XV por


diversas razões, fazendo com que após sua independência de Castela e ascensão da
Dinastia de Avis, as publicações se intensificassem, pois, os nobres se identificavam
com uma cultura livresca, onde o conhecimento é acrescentado como uma qualidade a
mais dos senhores, e que anteriormente era reservado somente aos clérigos. A partir
desse aprendizado dos senhores, estes escrevem para seus descendentes ou outros
nobres no intuito de educar, de modo implícito em alguns, como em tratados de teor
técnico, ou de forma explicita os modelos de conduta, a serem seguidos para se
tornarem dirigentes virtuosos e acima de tudo, alcançar a salvação. Para a escrita de tais
tratados pedagógicos são feitas referências a livros religiosos, mas também a filósofos
da Antiguidade na fundamentação de seus aconselhamentos; utilizam-se também de
exemplos virtuosos ou viciosos de modo a traçar um caminho ideal a seguir pelos novos
governantes, ou seja, um trabalho de cunho pedagógico que visa à construção da
imagem do governante na sociedade.

Referências bibliográficas

BARBIER, Fréderic. História Del Libro. Spain: Alianza, 2005.

BUESCU, Ana Isabel. Imagens do Príncipe, discurso normativo e representação


(1525-49). Lisboa: Cosmos, 1996.

FERREIRA, A. B. H. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed.


rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FRANÇA, Susani S. L. O intuito pedagógico nas crônicas e nos livros didáticos


medievais portugueses. Revista de Estudos Portugueses e Africanos, Campinas, v. 31,
p. 23-37, 1998.

_____. Os reinos dos cronistas medievais (século XV). São Paulo: Annablume:
Brasília, DF: Capes, 2006.

SILVA, Michelle Tatiane Souza e. Práticas de leitura e ensinamentos morais na


corte de Avis. 2009. 103 f. Dissertação (Mestrado em História e Cultura Social) –
Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”, Franca, 2009.

404
O ENSINO DE TRABALHOS MANUAIS NA
EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NO ESTADO NOVO EM
PERNAMBUCO (1937-1945)
Aline Cristina Pereira de Araújo Ramos

A partir do aparato documental composto pelas Revistas de Educação publicadas sobre


a interventoria de Agamenon Magalhães; os Programas de Educação Primária, 1938 e
1939; os Relatórios de Governo, 1939, 1940 e 1942, busca-se: identificar e analisar as
concepções do governo Agamenon Magalhães, 1937-1945, através da cadeira de
trabalhos manuais, na elaboração de uma educação para formar a mulher segundo os
princípios defendidos pelo regime varguista.

Construído através de um golpe político-militar e, portanto, carente de legitimidade, o


regime inaugurado por Vargas em 1930, procurou disseminar por toda a sociedade uma
ideologia que afirmava a necessidade histórica do novo governo. O regime varguista,
especialmente após 1937, implementou uma política sistemática e coordenada da
propaganda política. Foi basilar para o Estado a criação de mecanismos para a produção
e difusão, por toda a sociedade, de sua concepção de mundo, de sua doutrina, de sua
verdade.

Como nos esclarece Dulce Pandolfi (1999), em 10 de novembro de 1937, foi deflagrado
um Golpe de Estado por Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, desde a Revolução
de 30, o golpe deu origem ao Estado Novo. Naquele dia, alegando que a Constituição
promulgada em 1934 estava “antedatada em relação ao espírito do tempo”, Vargas
apresentou à Nação nova carta constitucional, baseada na centralização política, no
intervencionismo estatal e num modelo antiliberal de organização da sociedade. Poucas
fases da história do Brasil produziram um legado tão extenso e duradouro como o
Estado Novo. Em função das transformações ocorridas no país, o período tornou-se
referência obrigatória quando se trata de refletir sobre estruturas, atores e instituições
presentes no Brasil de hoje. Na realidade, durante o Estado Novo, Getúlio Vargas
consolidou propostas em pauta desde outubro de 1930, quando, pelas armas, assumiu a
presidência da República. Cf: PANDOLFI, Dulce (PANDOLFI, 1999).

Em 25 de novembro Agamenon Magalhães foi nomeado, pelo presidente Getúlio


Vargas, Interventor Federal de Pernambuco. Ele assumiu o cargo em 3 de dezembro de
1937, foi um dos homens de confiança de Vargas, um, dos principais artífices do
Estado Novo e contou na sua administração com efetiva colaboração do poder central
(PANDOLFI, 1984).

Agamenon Magalhães, juntamente com Francisco Campos, Gustavo Capanema,


Benedito Valadares, Marcondes Filhos, Simões Lopes, Salgado Filho e Góes Monteiro,
é considerado um dos construtores do Estado Novo.

405
O governo central considerava a interventoria Pernambucana um exemplo bem sucedido
de implantação do modelo estadonovista e o governo de Agamenon justificava suas
ações em função de objetivo maior a ser atingido: a paz e a harmonia social. A
Educação foi um setores acionados pela interventoria de Agamenon Magalhães na
busca de legitimação e doutrinação para o regime implantado.

Nosso estudo é uma confluência entre História da Educação e História Política. Nesse
estudo não procuramos compreender a recepção das práticas educacionais, mas sim
como foram utilizadas pelo governo de Agamenon Magalhães, pari pasu ao que
acontecia neste sentido dentro do contexto nacional. Dialogamos no nosso texto com
historiografia do Estado Novo Brasileiro e a Historiografia da Educação.

Ao nos debruçar-se sobre as práticas educativas da Interventoria, foi de perceber como


esse governo pensou a educação para esse grupo social. No contexto do Estado Novo,
emergiu um discurso em defesa do uso das práticas educacionais como meio de criar a
perfeita dona-de-casa, a companheira que cooperaria com Homem Novo.

Nosso estudo utilizou, como fontes primárias, os documentos do governo, seus


discursos, seus relatórios, seus decretos, etc. Tal aparato não nos autoriza a falar pelas
mulheres que vivenciaram o regime, apenas nos possibilita analisar as intenções do
governo e suas expectativas com relação aos usos do ensino em prol da formação de
um determinado tipo de mulher, por ele considerado ideal.

Nos Programas de Ensino Primário, de 1939, houve a especificação de temas a serem


ministrados exclusivamente a cada gênero. E no programa de Trabalhos Manuais,
identificou-se uma seção especial para as meninas. Essa disciplina era ministrada no ano
preliminar– o primeiro ano da aluna na escola primária, na qual ela, tinha o primeiro
contato com o mundo escolar, mais o 1º, 2º, 3º e 4º ano do Ensino Primário
propriamente dito. No ano preliminar não havia diferença entre os conteúdos, tanto os
meninos quanto meninas deviam aprender: a dobrar e cortar papéis; o uso da tesoura
através de recorte de gravuras e sua colagem; dobrar e trançar serpentina; a confecção
de álbuns; exercícios e jogos para adestramento dos dedos; modelagem em argila de
figuras geométricas e os cuidados para a conservação e uso dos uniformes, livros e
material escolar (PERNAMBUCO , 1938)

A partir dos primeiros assuntos passavam a ser direcionados aos diferentes gêneros. Às
alunas caberia aprender trabalhos com agulha, pontos cruzados em diferentes tecidos,
ponto russo e aplicações em tecidos. No segundo ano seus conhecimentos seriam
completados com o aprendizado de alinhamentos, bainhas, o uso da máquina de costura,
a criação de ornamentos para casa e tapeçarias.

O terceiro ano deveria proporcionar às alunas o aprendizado da confecção de roupas


para crianças, bordados mais complexos (como pontos de casa de abelhas e variações).
No quarto ano elas teriam seus conhecimentos finalizados com o aprendizado da
confecção de roupas de adultos, pinturas em tecido, confecção de rendas, crochê e tricô.
Ao final desse ciclo as estudantes deveriam estar preparadas para serem perfeitas donas-
de-casa e, quando necessário, auxiliarem os maridos, ou quando fossem sós (mães
solteiras, viúvas) manterem seus filhos e lares.

406
A política educacional do Governo de Agamenon Magalhães seguiu as orientações
federais no que se remetia à diferenciação entre a educação masculina e feminina. E
buscando demonstrar a necessidade de uma educação direcionada às mulheres, procurou
não apenas prepará-las para as tarefas domésticas, mas educá-las para estabelecerem e
conservarem suas famílias. Já aos homens caberia uma educação para o ambiente de
trabalho, fora do lar, com intuito de proverem a sustento das suas futuras famílias.

Ao explanarmos a respeito da construção dessa disciplina, destaca-se que ocorreu uma


transformação de nomenclatura entre 1938 a 1945. Num primeiro momento chamou-se
Trabalhos Manuais, para em 1941 transformar-se na cadeira de Pré-Orientação
Profissional, sem contudo, ter tido alterados os seus conteúdos.. No Programa de
Ensino Primário de 1939, defendeu-se que todo o ensino primário deveria ser norteado
segundo os princípios defendidos pela pré-orientação profissional.

Uma das principais estratégias da educação para a mulher pela Interventoria de


Agamenon Magalhães foi um programa diferenciado na disciplina de Trabalhos
Manuais no ensino primário. Os programas de ensino primário traziam especificações
de temas a serem ministrados exclusivamente para as meninas:: corte e costura; diversos
bordados; criação de ornamentos para a casa; tapeçarias; entre outros.

Essa educação também estava relacionada com a higienização e organização do lar. Os


trabalhos manuais incluíam em seus ensinamentos a produção de utensílios domésticos
e regras para a limpeza das residências, o que nos pareceu uma clara tentativa do
governo em propagar junto àquelas alunas a necessidade de higienização da vida
doméstica. Além disso, os produtos derivados daquela modalidade de ensino também
poderiam ser comercializados, ajudando no aumento da renda das famílias das
educandas. Essas estratégias tinham como finalidade preparar essas meninas para
tornarem-se perfeitas donas-de-casa e, quando necessário auxiliarem seus maridos, ou
quando solteiras e viúvas mantenedoras de seus lares e filhos.

Referências Bibliográficas

PERNAMBUCO. Secretário do Interior. Departamento de Educação. Programas de


Educação Primária. Recife: Imprensa Oficial, 1938, p. 51-55, APEJE, Recife- PE.

PANDOLFI, Dulce C. Pernambuco de Agamenon Magalhães: consolidação e crise


de uma elite política. Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Editora Massangana, 1984.

PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação


Getúlio Vargas, 1999.

407
HISTÓRIA E MEMÓRIA DA FAZENDA GRANDE
DO RETIRO-SALVADOR-BA
Ana Paula da Silva Santos

A proposta de pesquisa busca registrar e transmitir para as futuras gerações da Fazenda


Grande do Retiro, a história da formação do bairro, através da memória de seus mais
antigos moradores, adotando a função que esta pode exercer como salienta o historiador
Jacques Le Goff: “A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta,
procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a
que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.” (LE
GOFF, 1992, p.477). Analisarei um passado mutável que ao ser relembrado ganha
novos significados e nos ajuda a repensar o presente.

Apresentarei alguns momentos importantes como o período de ocupação com


loteamentos e doações de terras a partir dos anos 40 e a ligação existente entre sua
história com a da cidade de Salvador e do Brasil, utilizando para tanto da análise de
fontes documentais e da história oral através das memórias daqueles que viram o bairro
se formar permanecendo até os dias atuais.

A História Local permite o entendimento do meio em que o aluno está inserido,


conhecendo-a ele compreende a história a partir da sua realidade, construída nos mais
diversos espaços e que está interligada com o que acontece no mundo. Como escreve
NORONHA (2007), “a história local dá ao aluno um referencial analítico para
compreender a dinâmica social. Nesse processo eles percebem que também são sujeitos
que constroem a história”.

A Fazenda Grande do Retiro é um bairro da cidade de Salvador no estado da Bahia,


localizado na zona Norte de Salvador. É um morro cortado por uma rua de
aproximadamente sete quilômetros que recebeu o nome do poeta e historiógrafo
Alexandre José Mello Morais Filho. Paralelo à BR-324 e vizinho aos bairros do Alto
do Peru, Pitangueiras, Bom Juá e São Caetano, a Fazenda Grande do Retiro recebeu
esse nome porque realmente era uma fazenda, que pertencia ao Sr. Justino que
na década de 1940 e que decidiu arrendar a sua propriedade vendendo pequenos lotes
para pessoas que queriam morar na região.

O bairro apresenta-se como um local de complexas relações sociais, afirmando seu


caráter histórico, desde sua origem em 1940 a 1950, como um lugar propício para
abrigar a mão de obra operária vinda do interior para trabalhar em Salvador, que
naquele momento, dava início a um dinâmico processo de crescimento urbano.

Ademais, habitar um local de forma “ilegal” e sem infraestrutura, exigiu que seus
moradores se organizassem em prol do coletivo, a fim de exigir alguns serviços básicos,
marcando uma história de lutas através das associações de moradores que diariamente
conquistam melhorias para a comunidade, como energia elétrica, asfalto, saneamento
básico, coleta diária de lixo, postos de saúde, bancos, área de lazer e segurança.

408
O Bairro comporta um comércio movimentado que gera emprego para grande parte da
população, possui também três escolas estaduais de médio porte, entre elas se encontra a
Escola Dom Avelar Brandão Vilela que faz parte do nosso objeto de estudo, onde
iremos iniciar, desenvolver e aplicar o nosso trabalho. A escola foi fundada em 1970,
com o nome de Escola Vila Natal, mas após a construção do conjunto habitacional Vila
Natal, que teve a ajuda do arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela a escola passa a
receber o seu nome em sua homenagem. Recebe anualmente em seus três turnos
aproximadamente 800 alunos, os quais em sua maioria moram próximo à escola.

A escolha desse objeto de pesquisa se deu a partir da vivência com os alunos da Escola
Dom Avelar Brandão Vilela, há nove anos, como professora de História, seguindo um
currículo eurocêntrico e percebendo a falta de interesse dos alunos por esse modelo de
ensino distante e excludente que nega a participação popular deixando-os fora do
processo de formação da História.

Tal temática ganhou significado à medida que os alunos relatavam em sala de aula as
histórias contadas por seus avós e o desejo de verem registradas tais memórias,
valorizando aqueles que detêm o conhecimento do lugar e que relembram com alegria o
passado vivido e lamentam as mudanças negativas sofridas pelo bairro desde a sua
geografia a falta de segurança e investimento por parte do poder público.

A fim de aproveitar esse interesse do aluno por sua história, serei a professora
mediadora da busca pelo conhecimento, ajudando-o a desenvolver a intelectualidade,
questionando, desafiando e orientando-o a pesquisar novas informações a respeito do
meio em que está inserido se percebendo como sujeito que constrói a história e que esta
não é menos importante que as do livro didático com seus conteúdos elitistas. O
conhecimento do passado possibilitará, desta forma, um novo olhar sobre o bairro.

Distante de ser apenas um registro da história do bairro, a pesquisa terá uma maior
relevância à medida que for sendo trabalhada em sala de aula inserida no currículo
escolar das escolas do bairro, já que o seu produto final será um livresco de cunho
didático-pedagógico voltado para o ensino de história e para fins diversos, já que até a
presente data, não há registros de nenhum trabalho acadêmico priorizando a história da
Fazenda Grande do Retiro.

O Ensino de História se depara com uma realidade angustiante, é preciso equilibrar a


balança dos conteúdos a serem inseridos no currículo da disciplina, visto que a sua
história na educação brasileira sempre foi pautada na história tradicional que privilegia
os feitos das elites e a maioria dos alunos concluem o ensino básico sem conhecer a
história de sua comunidade de seu município ou seu estado, prendendo-se apenas a
História Nacional sem vínculo com a sua realidade e de seu contexto histórico local.
Esse problema causa o desinteresse dos alunos que não se consideram importantes por
não se sentirem inseridos nessa História ou no processo histórico a qual ela se constrói.

Na Fazenda Grande do Retiro essa história se repete, visto que a maioria dos alunos da
Escola Dom Avelar Brandão Vilela desconhece a história do local em que vivem e
ignoram suas origens, resultando em um ensino de História desprovido da participação e
do engajamento dos alunos que se sentem desmotivados e marginalizados diante do
contexto e processo de construção do conhecimento histórico.

409
Dessa forma, não desenvolvem um sentimento de pertencimento a História, não se
sentem sujeitos dela, reproduzindo diariamente uma visão distorcida sobre a História,
privilegiando como protagonistas da História apenas os coronéis, reis, rainhas e grandes
autoridades.

A falta de registro a respeito da história do bairro torna-se um obstáculo no


desenvolvimento de um ensino de história local nas escolas da Fazenda Grande.
Fazendo-se necessário o resgate das memórias orais dos seus antigos moradores,
principalmente daqueles envolvidos com o desenvolvimento do lugar através de
reivindicações que trouxeram melhorias para a comunidade, a exemplo da rádio
comunitária e das duas associações de moradores a AMUFG ( Associação de Moradores
Unidos da Fazenda Grande) e a AMECC Associação de Moradores Educativa Cultural e
Comunitária).

Ao colocar os alunos em contato com os moradores mais antigos do bairro, detentores


do conhecimento da história do lugar, estaremos lhes proporcionando a oportunidade de
não apenas conhecer o passado, mas a possibilidade de comparar o envolvimento e
comprometimento dos mais velhos com as lutas sociais em prol de benefícios coletivos,
com a apatia das novas gerações, que desconhecem sua própria cultura, fator essencial
para fortalecer o sentimento de pertença do lugar.

Referências

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de Janeiro: Editora FGV, 1998

BARBOSA, Vilma de Lurdes. Ensino de História Local: Redescobrindo


Sentidos. Saeculum – Revista de História. João Pessoa: jul/dez, 2006.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e


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Companhia das Letras, 2009.

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Formação e Trabalho.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

KARNAL, Leonardo (org.). História na Sala de Aula: Conceitos, Práticas e Propostas.


Editora Contexto: São Paulo, 2010.

LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP,


1992.

410
MONTENEGRO, Ana Maria da Costa. Ensino de História: Das Dificuldades e
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NORONHA, Isabelle de Luna Alencar. Livro Didático e Ensino de História Local no


Ensino Fundamental: Associação Nacional de História - ANPUH XXIV. Simpósio
Nacional de História, 2007.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da


Unicamp, 2007.

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W.A.


Editores, 2012.

SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. In: Revista Brasileira de História.
Pp. 219-242. V. 9, n.º 19, set. 1989 / fev. 1990.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. Ensinar História. 2º ed. São


Paulo: Editora Scipione, 2009. Coleção Pensamento e Ação em Sala de aula.

411
MÚSICOS NEGROS E PARDOS NO BRASIL DO
SÉCULO XVIII
Artur Rômulo Batista Henrique

A música no século XVIII estava ligada à expansão da igreja e às solenidades oficiais


da coroa portuguesa. A importância musical como linguagem e expressão foram
fundamentais para a alegoria do poder real, demonstrando a fé e a subserviência
presentes na mentalidade social da época. A figura do monarca era reverenciada com
ares opulentos servindo-se de Marchas, hinos e temas ritualísticos que marcavam as
festividades e os grandes êxitos da dinastia real. Tais atividades eram compostas por
mestres de música e executadas pelas orquestras oficiais, as quais contavam com a
presença dos melhores artífices do reino e renomados músicos internacionais. Esses
grupos artísticos atuavam de forma exclusiva para a corte, em sessões privadas e sarais
particulares, realizando apresentações públicas conforme fossem designados para a
aparição real ou em comemorações oficiais.

A música sacra era de suma importância para os meios sociais, pois sua execução era
diária e popular. Tal característica tornava a igreja o principal veículo de entretenimento
e arte para a população, fazendo do culto religioso um evento social.

Embora fossem precários os meios para a educação e formação de músicos nos trópicos,
havia uma procura incessante e um campo de atuação em expansão que poderia
desencadear em algum tipo de notoriedade para esses artífices. Logo, tais funções
passavam a ser valorizadas, pois, alocavam indivíduos das classes populares nos coros
das igrejas executando uma função de extrema importância, que despertava o fascínio
dos espectadores, legando o reconhecimento profissional nos meios locais.

A aprendizagem musical exigia dedicação, o domínio da língua latina - a leitura e a


escrita, o conhecimento da liturgia religiosa e a teoria musical. Devido a essa demanda,
os professores de música tinham uma função primordial dentro dos meios urbanos do
século XVIII. Tais investimentos eram valorizados, pois o conhecimento dessas
disciplinas facilitavam a funcionalidade desses artistas que poderiam desempenhar
outras atividades profissionais nas instituições em que atuavam. A expansão da igreja
abriu portas para essas funções, pois inúmeras atividades na divisão dos grupos dentro
da igreja exigia a leitura e a escrita, além do conhecimento da liturgia. Essas atribuições
iam desde as mesas das irmandades até as ordenações sacerdotais.

O empreendimento da música e a falta da mão de obra para esses cargos nos coros e
orquestras das igrejas, tornava a aprendizagem musical uma promissora oportunidade de
emprego. A falta de artistas europeus para essas funções levava a pardos, pretos livres e
brancos pobres a verem a possibilidade de ascensão social por meio dessa
funcionalidade. Em alguns casos até mesmo utilizar a música como ponto de partida
para o sacerdócio.

412
O ingresso de pretos e pardos no clero da América portuguesa era uma realidade
divergente ao princípio europeu de pureza de sangue. Os estatutos de limpeza de sangue
na Europa ibérica mantinham um regimento acirrado quanto às ordenações sacerdotais,
de acordo com o estatuto de Toledo.

O estatuto de Toledo, de 1449 que impedia os recém-convertidos à fé


católica e considerados de “sangue infecto” (judeus, mouros e negros) de
ocuparem os cargos municipal, apesar de seu limitado alcance local, é
considerado o precursor dos estatutos de limpeza de sangue na Península
Ibérica. (OLIVAL. Fernanda. 2004, p. 151)

Em Portugal não se sabe ao certo a data de sua vigência, embora, haja vista ocorrências
de reclamações ao rei d. João III. Nas misericórdias, nos colégios, nas corporações de
ofícios e também quanto aos casamentos, a vigência deste estatuto vigorou desde o
século XVI. Os interditos, de acordo com Fernanda Olival, foram preservados até o
século XVIII. (OLIVAL. Fernanda, 2004, pp. 151-182)

O provimento de cargos e ordenações eclesiásticas no ultramar, não se flexibilizavam


perante aos regimentos da constituição do arcebispado da Bahia. Em tais regimentos os
habilitantes deveriam ser: “sujeitos dignos e honrados, e, se informará pelos parochos,
donde os sobreditos forem naturaes, secretamente da limpeza de sangue do habilitando,
vida e costume, da limpeza de sangue de seos paes, e avós”. (Constituições... 1764 - Liv
I, tit. L: 87; Liv I, tit. VI: 76)

Casos de ordenações do clero mestiço e preto eram possíveis, devido à própria intenção
da igreja de salvar as almas e de admitir a conversão de cristãos novos na comunidade
católica. No entanto, era necessário provar boa conduta moral, religiosa, além de
comprovações de terras. As influências sociais obtidas por meio de redes clientelares
possivelmente contribuíram para a admissão do clero mestiço colonial. De acordo com
Charles Boxer: “a discriminação racial não era muito forte no início da expansão
marítima (contra indianos e africanos), mas eles não demoraram a surgir ainda que sua
intensidade variasse no tempo e espaço". (BOXER. Charles. R. 2007, p. 15). Conforme
Caio Prado Jr:

Os mestiços são numerosos no clero brasileiro. A Igreja sempre honrou no


Brasil sua tradição democrática, a maior força com que contou para a
conquista espiritual no Ocidente. (...) Os candidatos ao estado eclesiástico
que demonstrassem aptidões encontrava sempre amparo, e não faltava quem
lhes custeasse os estudos, aqui ou na Europa. (PRADO. Jr. Caio, 1972, p.
279).

A admissão do clero negro foi substancialmente envolvida em relações de sociais,


conforme a citação acima. A partir da capacidade e da vocação, encontrava-se o
incentivo para o ingresso ao sacerdócio. Tais patrocínios, também possuíam seu peso
dentro do universo imaginário religioso. O ato de custear o estudo de um clérigo, dentro
de alguns âmbitos era também uma forma de colaborar com as obras sociais da igreja.

Os cargos de mestres e organistas tradicionalmente exercidos por sacerdotes eram mais


facilmente obtidos devido ao conhecimento da língua latina e dos tempos litúrgicos. A

413
tradição europeia de músicos padres, nas capelas, não obstante se fez presente nos
trópicos. O considerável contingente de padres mestiços transpunha a união entre a
música e o sacerdócio, utilizando a arte como veículo de salvação de almas e de
ascensão social. David Appleby afirma: “durante o período colonial, o sacerdócio
oferecia uma categoria favorável para um músico de igreja, além de uma boa aceitação
social” (Appleby, David. 1985).

A busca pela adaptação social encontrou acolhimento nas obras sociais da igreja. Em
termos, a instituição católica agregou a todos, sem distinguir livres de cativos,
mantendo-os em funções delegadas a todas as condições sociais, por meio das
irmandades e corporações de ofícios e não fechando as portas para os cristãos, sejam
novos ou velhos. Desde que provado o mérito pelas redes de sociabilidade ou por
vocação, se fizessem dignos de adentrar ao seu corpo eclesiástico.

A igreja católica no século XVIII promoveu a integração dos cristãos novos nos meios
sociais, embora houvesse restrições legais e esses grupos sofressem descrédito por sua
origem, as irmandades se encarregaram de assimilar tais indivíduos nos espaços
religiosos. O culto dos santos negros, as irmandades designadas para a população
mestiça e africana foi crucial para a sociabilidade desses novos integrantes da
comunidade cristã. O próprio cotidiano religioso no qual se integravam dava o bojo para
o compromisso da vivência e profissão de fé desses grupos.

Referências Bibliográficas

Fontes Históricas.

APEM, Habilitações de genere, Caixa 42

Cf. CÓDIGO DO DIREITO CANÔNICO. Can. 707, §1o E 2o. Ed. De Lorenzo
Migueléz Dominguez ET alii. Madrid, La Editorial Católica, 1947

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro III, Título XXIX, Da obrigação


de residirem nas igrejas todos os párocos, assim perpétuos, como anuais, § 537.

Bibliografia

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Leigas do Catolicismo na Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750 – 1820). Ed.
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Portugal e espaços atlânticos portugueses (séculos XVI a XVIII). E, OLIVAL. Fernanda
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Estudos Sefarditas, nº 4, 2004.

OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno; Honra Mercê e


Venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001.

OLIVAL. Fernanda, e MONTEIRO. Nuno Gonçalo: Mobilidade Social nas Carreiras


Eclesiásticas em Portugal (1500-1820). Análise Social, Volume XXXVII. (165). 2003.
1213-1239.

PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. 12. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1972.

415
O ENSINO DE HISTÓRIA NO PRIMEIRO
GOVERNO VARGAS (1930-1945)
Audrey Franciny Barbosa

Introdução

Os currículos educacionais são importantes ferramentas de dominação governamental e


garantem a quem detém a autoridade de organizá-los grande poder social. Segundo
Kátia Maria Abud (1998):

os programas e currículos do ensino escolar têm sido veículos fundamentais


da disseminação do discurso do poder e para a difusão da sua ideologia, um
corpus de representações e normas que fixam e preservam de antemão o que
e como se deve pensar, agir e sentir, produzindo um imaginário coletivo, no
qual os indivíduos se localizam e identificam, legitimando,
involuntariamente, a divisão social (ABUD 1998, apud SILVA 2008, p.02).

Nessa perspectiva, a educação só pode ser analisada a partir do contexto sócio, político
e cultural que a normatiza (ABUD, 1993, p. 63). Assim, o que se buscou nesse trabalho
foi problematizar a organização educacional, detendo a atenção especial aos currículos
do ensino de história, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e
analisar de que maneira o ensino de História foi arquitetado e quais objetivos visava
atingir.

Desenvolvimento

A partir da ascensão de Getúlio Vargas ao poder através da Revolução de 1930, ocorre


no cenário político brasileiro mudanças e com elas a forma de se perceber e articular a
educação. Junto com os revolucionários ascende no Brasil um novo projeto político que
via na educação um meio de se atingir as massas.

Segundo Aguiar&Silva (2009), Vargas institui no país uma nova cultura política voltada
principalmente para a promoção da identidade nacional, dando atenção estatal para os
setores educacionais e trabalhistas. No setor educacional o modelo pedagógico varguista
centralizava-se em um ensino autoritário e coletivo, abrindo mão da individualidade e
exaltando a coletividade do povo brasileiro por meio de ações que legitimavam o
governo. Logo:

No ideário do governo de Vargas o modelo pedagógico estava centrado


numa educação totalitária e anti-individual. Manipulando o saber a ser
construído, o Estado afirmava que caberia a ele imprimir à instrução pública
um cunho intelectual e disciplinador, na proposta de moldar a mentalidade
do povo por meio de um processo hegemônico. Esse modelo educativo

416
arrastava uma tradição historicamente ensinada, e necessária aos interesses
elitistas da sociedade naquele momento (AGUIAR; SILVA, 2009, p.06-07).

Para Hilsdorf (2003), o novo ensino proposto pelo Estado Novo necessitava que a
educação atendesse as novas demandas propostas pelo projeto varguista. Por isso,
segundo a autora, as linhas ideológicas que definem a política educacional do período
vão se orientando pelas matrizes constituintes do estado novo: centralização,
autoritarismo, nacionalismo e modernização (HILSDORF, 2003, p. 99).

Diante disso, o ensino formal foi um meio do governo getulista estimular na sociedade
brasileira habilidades necessárias ao seu projeto nacionalista. Um exemplo é o ensino
secundário que tinha como objetivo a formação geral dos estudantes e que durante
quinze anos sofreu duas reformas que visavam estabelecer uma organização e uma
estrutura para o ensino com regras, como: frequência, seriação, currículos e conteúdos
programáticos unificados e obrigatórios para todo o país.

Além disso, pela primeira vez os livros didáticos passaram a ser pauta legislativa de
nível nacional, tendo seu conteúdo fiscalizado pelo Estado através da Comissão
Nacional do Livro Didático (CNLD). Segundo Wendt (2015), a partir de 1938, os livros
passam a ser fiscalizados pelo órgão e selecionados respeitando critérios de ordem
político-ideológica e pedagógicos.

Ainda no que se refere as medidas legislativas, a partir de 1930 alguns projetos


educacionais se concretizam no Brasil, como a Reforma Francisco Campos de 1931.
Conforme Abud (1993), a Reforma Francisco Campos no contexto varguista pode ser
vista como “fator de coesão nacional” onde “a História era tida como disciplina que, por
excelência, formava os estudantes para o exercício da cidadania e seus programas
incorporavam essa concepção” (ABUD, 1993, p. 165).

A concepção de ensino de história que se defendia por meio da Reforma de Campos via
a disciplina como um produto acabado, positivo, que tem na escola uma função
pragmática e utilitária na medida em que ela serve à educação política e à familiarização
com os problemas que o desenvolvimento impõe ao Brasil (ABUD, 1993, p. 166).

Para Aguiar&Silva (2009), a Reforma Francisco Campos:

promoveu a centralização do Ministério da Educação e Saúde Pública e


definiu programas e instruções sobre métodos de ensino, retirando a
autonomia das escolas e posicionando exclusivamente a competência ao
Ministério, bem como, estendeu a equiparação aos colégios mantidos pelos
municípios, associações ou por particulares. Nas Instruções Metodológicas
trazidas na Reforma de 1931, que acompanhavam os programas e
currículos, estava destinada a orientação dos professores para o exercício de
sua prática pedagógica e destacava-se também a importância da História
como um instrumento para o desenvolvimento do patriotismo e do
sentimento nacional. Esse fato fica evidenciado nos livros didáticos
publicados de acordo com os programas oficiais, sobretudo nos capítulos
que tratavam especificamente da formação do sentimento nacional brasileiro
AGUIAR; SILVA, 2009).

417
Outra reforma educacional promovida no governo Vargas foi a Reforma Gustavo
Capanema (1936) ou a Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942). A ideia central da
reforma era utilizar a educação como estratégia política para a legitimação política de
Vargas e levou Gustavo Capanema (então Ministro da Educação) a organizar um
inquérito aplicado em todo o país com o objetivo de formular um Plano Nacional de
Educação (AGUIAR; SILVA, 2009, p.06).

Segundo Hilsdorf (2003), as leis orgânicas visavam a construção de um sistema


centralizado e articulado que atingiu tanto o ensino público quanto o ensino privado
mediante mecanismos de equipação, logo, as leis orgânicas visavam regulamentar o
cotidiano de professores e alunos. Assim, são visíveis no período do Estado Novo as
prescrições de padronização de programação curricular e da arquitetura escolar, do
controle do recreio e da disciplina, da adoção das classes homogêneas e do método
único de leitura, do uso do uniforme, etc (HILSDORF 2003, p. 102).

Considerações finais

A partir de tais apontamentos, podemos considerar que o projeto educacional varguista,


assim como o próprio governo de Vargas, provocaram no Brasil profundas
transformações políticas, sociais, culturais e educacionais que ainda hoje podem ser
percebidas.

Por exemplo, as normatizações criadas no governo e até hoje vigentes em muitas


instituições de ensino, como: frequência, seriação, currículos e conteúdos programáticos
unificados e obrigatórios em caráter nacional e a CNLD, que pode ser considerado um
embrião do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que hoje avalia, seleciona,
indica e disponibiliza livros didáticos para as redes básicas de ensino público.

Contudo, cabe pontuar que o presente trabalho, além de se propor a conhecer e refletir o
ensino de história e as políticas educacionais do governo Vargas, procurou também
problematizar a forma como tais políticas foram pensadas e empregadas e quais
objetivos buscava atingir. No caso das políticas varguistas, percebemos que as políticas
educacionais iam de encontro com o fortalecimento da unidade nacional e da
legitimação do governo federal.

Nessa perspectiva, vale destacar que atualmente é urgente no espaço acadêmico e no


espaço escolar a reflexão acerca das legislações que se referem a educação. Isso pois,
como pontuado no início dessa reflexão, os currículos educacionais e sua organização
ocupam espaço de disputa na esfera governamental, já que são umas das ferramentas
fundamentais para a consolidação de um determinado projeto político.

418
Referências

ABUD, Katia Maria. O ensino de história como fator de coesão nacional: os programas
de 1931. Revista brasileira de Historia. São Paulo v.13, nº 25/26 set.92/ago.93, p.163-
175.

AGUIAR, Shirley C. G. de; SILVA, Vânia. História, Ensino E Radiofusão: O Projeto


Educacional Varguista. Anais.XXV Simpósio Nacional de História – ANPUH.
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BRASIL. Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil. Decreto nº


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HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da educação brasileira: leituras. Cengage


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NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista


brasileira de História. São Paulo v.13, nº 25/26 set.92/ago.93

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História do ensino de História no


Brasil: uma proposta de periodização. História da Educação. 2012, p.73-91.

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e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo,2008.

______Imagens televisivas e ensino de história: representações sociais e


conhecimento histórico. Tese. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,
2010.

WENDT, Wanessa Tag. A República nos livros didáticos de história da era Vargas
(1938-1945). Dissertação. Pontíficia Univesidade Católica, Curitiba, 2015.

419
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERFIL DO
ALUNADO DAS ESCOLAS DA CANGO (1940-
1950): ANÁLISE DAS FICHAS CADASTRAIS
Carla Cattelan

O presente trabalho é parte da compilação da dissertação de Mestrado em Educação,


que estudou o Ensino Multisseriado e a educação primária no município de Francisco
Beltrão, 1948 a 1981. O trabalho também estuda a organização e assentamento dos
colonos pela CANGO (Colônia Agrícola Nacional General Osório) e a educação
primária desenvolvida a partir de 1948 (CATTELAN, 2014).

Por meio da política de colonização dos espaços demográficos, intitulada “Marcha para
o Oeste”, criada por Getúlio Vargas, foram instaladas Colônias Agrícolas Nacionais em
todo o Brasil, nas terras pertencentes a União. Com objetivo de assentar colonos vindos
de diversas regiões do país.

A CANGO foi instalada em 1948 em Vila Marrecas, atual Francisco Beltrão. Os


colonos vinham de diferentes regiões do Brasil em busca de melhores condições de vida
e trabalho para suas famílias. A CANGO, órgão federal, mantida pelo Ministério da
Agricultura, cadastrava os colonos e suas famílias que chegavam a sede da Colônia. Os
oferecia o lote de terra, sementes, ferramentas e até a madeira para o inicio de sua
moradia. Além dos serviços médicos, odontológicos e educacionais.

O Trânsito na Colônia era controlado, sendo uma ponte coberta o único acesso. Esta
ficava interditada nos dias de chuva para os veículos automotores e os caminhões
contendo móveis e utensílios que só adentravam a Colônia quando comprovado seu
destino.

Da mesma forma que as famílias de colonos eram cadastradas ao entrar na Colônia, os


filhos em idade escolar também eram cadastrados para frequentar as escolas que a
Colônia criava segundo demanda.

Ao analisar as fichas de nº 1 a nº 79 (Documento nº 01), salvas aleatoriamente. Foram


analisadas 36 (trinta e seis) fichas, sendo que somente estas estavam disponíveis na
Secretaria de Cultura - Museu Histórico de Francisco Beltrão. São elas por nº: 1, 2, 3,
13, 14, 19, 20, 22, 23, 24, 29, 31, 33, 34, 36, 37, 41, 42, 47, 48, 50, 53, 54, 55, 59, 60,
61, 62, 70, 63, 68, 69, 70, 74, 75 e 79. Neste interim, pude perceber que a origem dos
alunos, bem como das famílias eram de cidades localizadas no Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná. A faixa etária que ingressavam nas escolas da Colônia era
entre 7 (sete) e 16 (dezesseis) anos.

Para identificar as crianças em idade escolar, a CANGO, da mesma forma que


credenciava os posseiros que adentravam a Colônia, passou a credenciar os filhos dos
posseiros que se encontravam em idade escolar, em fichas devidamente numeradas,

420
como mostra o documento nº 01. A ficha destacada é do primeiro aluno credenciado na
CANGO em 3 de maio de 1948, a primeira aula foi ministrada pela Professora Italina
Zancan, dia 05 de maio de 1948, na sede da Colônia. A ficha mostra os dados
questionados pela Colônia ao ingresso do aluno. A avaliação dentária e as questões
voltadas à saúde eram feitas pelo dentista e médico da Colônia.

A CANGO, mediante análise das fichas de cadastramento escolar, fazia uma descrição
minuciosa do aluno ao ingressar no processo educativo. Eram colhidas informações
sobre a saúde bucal, vacinação, doenças, controle de peso e altura, características
corporais e assistência escolar. Isso porque, durante o período que estava na Colônia à
criança recebia toda a assistência a saúde, bem como, toda a sua família.

Documento nº 01: Ficha escolar da primeira aluna cadastrada pela CANGO (1948)
– (frente e verso)

421
Fonte: Acervo Memorial Histórico de Francisco Beltrão.

O quadro a seguir exemplifica, segundo as fichas analisadas, os dados levantados de


cada aluno credenciado pela CANGO.

Quadro nº 01: Características dos primeiros alunos matriculados nas escolas da


CANGO – 1948
Nº Aluno (a) Cor Cabelos Olhos Dentes Vacinas Saúde
01 Adir Julia Branca Castanho Castanhos Falta: canino Contra: varíola e Boa
Pimental liso inf. esquerdo tifo-paratifo
02 Antônio Branca Castanho Castanhos Completos Contra: tifo- Sarampo,
Derval Araujo escuro liso paratifo parotidite
epidêmica
03 Arminda Julia Branca Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Sarampo
Pimental liso tifo-paratifo
13 Leonaldo Morena Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Coqueluche
Alves da Silva tifo-paratifo
14 Luciana Branca Loiro liso Esverdead Falta: Contra: tifo- Sarampo
Tomacheski os caninos paratifo
inferiores
19 Salustiano Morena Pretos Castanhos Completos Contra: varíola e Coqueluche
Lima dos tifo-paratifo e sarampo
Santos
20 Sebastião Morena Preto Castanhos Completos Contra: varíola e Coqueluche
Fernandes da tifo-paratifo e sarampo
Silva
22 Teofilo da Branco Castanho Esverdead Completos Contra: tifo- Sarampo,
Silva os paratifo coqueluche e
varíola

422
23 Arina Neves Branca Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Coqueluche
Oliveira tifo-paratifo
24 Arêo Neves Branca Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Coqueluche
Oliveira liso tifo-paratifo
29 Wando Branca Loiro liso Esverdead Completos Contra: tifo- Sarampo
Thomacheski os paratifo
31 Antônio Pires Parda Preto liso Castanhos Falta: canino Contra: varíola e Boa
inf. Direito tifo-paratifo
33 Ana Tereza de Branca Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Sarampo
Melo tifo-paratifo
Thimoteo
34 Antônio Branco Castanho Castanhos .......... Contra: tifo- Boa
Artidor Vieira paratifo
36 Benedita Alves Morena Preto Castanhos Completos Contra: varíola e Coqueluche
da Silva tifo-paratifo
37 Bonifácio Branca Castanho .......... Completos Contra: tifo- Coqueluche
Rodrigues liso paratifo
Ferreira
41 Damazio Clara Castanho Castanhos Falta: molar Contra: varíola e Coqueluche
Gonçalves superior tifo-paratifo e sarampo
Filho
42 Domina Morena Preto Castanhos Completos Contra: varíola e Sarampo e
Carneiro tifo-paratifo coqueluche
47 Jeronimo Branca Castanho Castanhos Em Contra: tifo- Sarampo,
Vieira substituição paratifo coqueluche e
varíola
48 José Cordeiro Branca Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Sarampo e
dos Santos liso tifo-paratifo varíola
50 João Isabel Branco Preto liso Castanhos Completos Contra: varíola e Sarampo,
tifo-paratifo coqueluche e
varíola
53 João Freitas Morena Pretos Castanhos Completos Coqueluche
54 Jovina Alves Morena Pretos Castanhos Completos Contra: varíola e Coqueluche
da Silva tifo-paratifo
55 Luiz de Branca Castanho Castanhos Completos Contra: tifo- Sarampo
Almeida Lara paratifo
59 Otávio Branco Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Sarampo
Germano liso tifo-paratifo
Raldi
60 Otília Baches Branca Castanho Castanhos Completos Contra: tifo- Coqueluche
paratifo
61 Rufino Arruda Clara Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Sarampo e
Gonçalves tifo-paratifo coqueluche
62 Tereza Raldi Branca Castanho Castanhos Completos Contra: varíola e Sarampo e
liso tifo-paratifo Coqueluche
63 Silvina Arruda Clara Loiro .......... Completos Contra: varíola e Sarampo e
Gonçalves tifo-paratifo coqueluche
68 Pedro Chiruk Branco Loiro Esverdead Falta: Contra: Varíola Sarampo
os grandes
molares
69 Silvio Silveira Branco Castanho Castanhos Completos Não foi coqueluche
70 Resineles Branca Castanho Castanhos Completos Não foi Coqueluche
Silveira e sarampo
74 Darcy Honing Branco Loiro Azuis Completos Não foi Catapora
75 Asvaldina Branca Castanho Castanhos Completos Contra: varíola Coqueluche
Rodrigues de
Campos

423
79 Begair .......... .......... .......... .......... .......... ..........
Carneiro Lobo
Fonte: Fichas Cadastrais, Acervo Memorial Histórico de Francisco Beltrão, 2014.

Mediante o quadro apresentado anteriormente, como panorama geral dos primeiros


alunos credenciados pela CANGO, foi possível perceber as características gerais das
crianças que aqui viviam. A maioria das crianças eram morenas e apresentavam cabelos
e olhos castanhos. Muitas crianças tinham contraído algum tipo de doença infecto
contagiosa na infância, principalmente coqueluche, sarampo e Varíola. Praticamente
todas receberam da Colônia vacina contra varíola e tifo-paratifo. Quanto à dentição,
apresentavam dentes completos, em exceção de alguns.

Segundo análise das fichas, a maioria das crianças não tinha frequentado uma escola,
salvo alguns, que vinham de cidades que já tinham estruturado o ensino primário. A
CANGO disponibilizava materiais às crianças, tais como: caderno, lápis, cartilha e
tabuada. Foi possível perceber que a CANGO organizou e distribuiu material escolar já
no ato de cadastro dos alunos.

Ainda, as crianças que frequentavam as escolas da CANGO, não eram provenientes


somente da Colônia, mas também da pequena Vila Marrecas que se estruturava no lado
oposto do rio Marrecas (lado direito). Ao analisar este processo, e conforme afirmação
de Martins (1986, p. 20), a CANGO construiu uma escola na Vila Marrecas em 1948.
Visto que na época não existia nenhuma escola na região, nem mantida pelo Estado e
nem pelo município de Clevelândia, do qual a Vila Marrecas fazia parte. Isso nos leva a
pensar, que a CANGO assumiu bem mais do que o compromisso com a Colônia, pois
ofereceu às crianças da Vila Marrecas a oportunidade da instrução e, isso facilitou mais
tarde, enquanto município de Francisco Beltrão, a estruturar as suas próprias escolas
primárias.

Referências

CATTELAN, Carla. Educação rural no município de Francisco Beltrão entre 1948


a 1981: a escola multisseriadas. Francisco Beltrão-PR: Universidade Estadual do Oeste
do Paraná – UNIOESTE, 2014. (Dissertação de Mestrado em Educação).

MARTINS, Rubens S. Entre Jagunços e Posseiros. 1ª ed. Curitiba: 1986.

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Ficha de Cadastro: por nº: 1, 2, 3, 13, 14, 19,


20, 22, 23, 24, 29, 31, 33, 34, 36, 37, 41, 42, 47, 48, 50, 53, 54, 55, 59, 60, 61, 62, 70,
63, 68, 69, 70, 74, 75 e 79. Acervo Museu Histórico de Francisco Beltrão, 2013.

424
O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DOS
DIVINOS SABERES DOCENTES: O QUE OS
GREGOS TÊM A NOS ENSINAR?
Carlos Eduardo Ströher

Este texto propõe, com o auxílio da mitologia grega, desenrolar um fio de Ariadne pelo
percurso historiográfico do ensino de História perguntando: que histórias se ensinaram e
se ensinam ainda nas salas de aula? Que saberes e fazeres estão aí implicados?

Se entender a História que se ensina na escola, por um lado, exige compreender a


relação desta com o conhecimento histórico produzido em meios acadêmicos, por outro,
evidencia que é de fundamental importância a figura do professor que “traduz” a
narrativa histórica em sala de aula. Focamos, então, no protagonista desta história, o
professor. E são algumas das narrativas e dos personagens mitológicos que farão o
papel de Ariadne no percurso do labirinto do ensino da história, o fio condutor de uma
história que quer produzir-se ao mesmo tempo em que é contada.

Zeus e o professor historicista

Zeus é a divindade da mitologia grega que termina com o reinado dos Titãs ao armar um
ardiloso plano contra o próprio pai, Cronos, que engolia seus próprios filhos para evitar
que um deles o destronasse. As batalhas entre as divindades cessam no momento em
que Zeus e os demais deuses do Olimpo tomam o poder, imobilizando os inimigos e
reinstaurando a ordem.

O deus Zeus acredita que uma ordem justa é viável e luta para concretizá-la. O professor
Zeus coordena a disposição das coisas, classifica, esquematiza e cataloga o
conhecimento para se tornar História. É possível, então, fazer uma analogia aos
historiadores do século XIX, que buscavam desvincular a História do seu caráter
religioso.

A partir da Revolução Francesa, a organização de sistemas públicos de ensino visava


atender aos objetivos de disciplinamento e de controle das populações, formando
cidadãos adequados ao sistema socioeconômico capitalista. Tal estratégia passava pelo
fortalecimento das identidades nacionais e a disciplina histórica tinha um papel
fundamental nisso. A História, enquanto campo de conhecimento, se moldou,
sistematizando os métodos de investigação e adquirindo os contornos de ciência.

O processo de afirmação das nacionalidades e a legitimação dos poderes políticos


garantiram uma proeminência da disciplina de História no espaço escolar, pois esta
tratava de mostrar às crianças e aos jovens o passado glorioso de sua nação, os grandes
heróis e seus feitos extraordinários. Isto ocorreu durante o século XIX,

425
concomitantemente na Europa e nas nações recém-emancipadas da América, que
precisavam construir suas identidades enquanto nações, forjando um passado inteligível
e de acordo com os interesses das elites locais.

Esse método de escrita da História utiliza como fonte os documentos, sendo


considerados como tais apenas os ditos “oficiais” – atas, decretos, leis, mandatos –
proferidos por indivíduos significativos – políticos, generais, reis. Cabe ao historiador
científico resgatar os documentos do passado e realizar a sua identificação, classificação
e ordenação de acordo com critérios neutros e isentos.

Tal métier investigativo, descrito e conhecido como historicismo, está intimamente


relacionado à corrente filosófica positivista, fundada por August Comte. O positivismo
tem em sua base o evolucionismo de Darwin e acredita em que as sociedades evoluem
até chegar à ciência. Para que ocorra o progresso, é de fundamental importância o
estabelecimento da ordem.

No Brasil, a missão de elaborar uma história nacional pós-independência coube ao


Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Em termos curriculares, reproduzia-
se o modelo quatripartite francês e a História do Brasil ainda era escassa, pois carecia
de material e metodologia que a orientasse.

No período republicano, a vinculação da disciplina de História com a responsabilidade


de formar cidadãos e incutir nestes os sentimentos de civismo e nacionalidade
permaneceu, especialmente durante o primeiro governo de Getúlio Vargas e na década
de 1960, nos governos militares, quando a educação pública e os conteúdos da área das
Ciências Humanas foram alvo de visível vigilância. A História, assim, seguiu atrelada
às concepções tradicionais do historicismo – grandes personagens, datas comemorativas
e a História como ciência do passado.

A ideia de uma História que privilegia a manutenção da ordem “cósmica” remete a um


Zeus que tem senso de justiça, que se considera superior aos demais. Ele idolatra o
conhecimento histórico e vê nele somente uma verdade, a sua. Acredita fielmente na sua
capacidade de interpretação dos fatos, na sua clarividência histórica.

Héracles e o professor materialista histórico

Héracles ou Hércules, para os romanos, não é um deus, como seu pai Zeus, mas um
herói ou semideus, pois é filho de uma mortal, Alcmena. Realizador de feitos
excepcionais, com uma força incrível, uma coragem infalível e um fabuloso senso de
justiça, Héracles é aquele que deu continuidade à tarefa de Zeus, eliminando os seres
monstruosos que perturbavam a harmonia do mundo (FERRY, 2012, p. 277). Os duelos
a favor da justiça empreendidos por Héracles também são os que motivam o professor
materialista histórico. Seu objetivo é “consertar” os erros do passado, ajustando o
mundo ao seu olhar.

As bases do materialismo histórico foram elaboradas por Karl Marx caracterizam o


trabalho como o elemento diferencial da humanidade em relação à natureza, percebendo

426
que é nas relações sociais e de produção que se encontram as chaves da inteligibilidade
do processo histórico. As condições materiais de existência em sociedade somente são
possíveis através da produção dos meios que permitem ao ser humano satisfazer as suas
necessidades.

Ao analisar o funcionamento da sociedade capitalista moderna em sua obra-prima O


Capital, Marx inaugurou uma leitura economicista da História por seus seguidores – e
em alguns aspectos reducionista –, privilegiando as relações entre as instâncias infra e
superestruturais. As referências teóricas que alcançaram o professor materialista
histórico centraram-se na utilização de uma cronologia narrada através da evolução dos
modos de produção, na luta de classes e no antagonismo dominador/dominado.

O professor materialista histórico confrontou um ensino moldado pelo colega


historicista, apoiado por um regime político fechado e foi buscando, pouco a pouco,
espaço para concretizar os seus ideais. Somente em meados dos anos 1980 –
concomitantemente ao processo de abertura política e redemocratização brasileira –
novas perspectivas para o ensino de História se tornaram alvo de discussões, através de
congressos, simpósios e encontros organizados por grupos ligados aos meios
acadêmicos, como a ANPUH. As disciplinas de História e Geografia voltaram a ser
autônomas e independentes, garantindo o retorno de discussões conceituais e
metodológicas.

Enquanto Héracles batalha contra os castigos que lhe foram impostos, a luta do
professor materialista histórico é para romper com as dominações exercidas pelos
detentores dos meios de produção sobre os submetidos ao sistema capitalista de
exploração.

Antígona e o professor dos Annales

Antígona é o epílogo daquela que é considerada a maior tragédia grega, Édipo. É


também o nome da filha do rei, que teve o destino desgraçado por uma série de
infortúnios: matar o próprio pai, Laio, e cometer incesto com sua mãe, Jocasta. Já
Antígona enfrenta o dilema enterrar o corpo do irmão, Polinice, ou seguir as ordens de
seu tio, Creonte, que proibia tal atitude.

Assim como Antígona, que age contingencialmente diante de evidências,


desobedecendo às leis do passado e da tradição, o historiador do Annales quer romper
com as teorias teleológicas do século XIX e revolucionar a narrativa histórica,
introduzindo os aspectos cotidianos do ser humano no espaço em que prevaleciam as
estruturas sociais, políticas e econômicas.

Entre o final das décadas de 1980 e o início da década de 1990, justamente quando os
modelos socialistas mundiais ruíram, as propostas baseadas no materialismo histórico
passaram a dividir a atenção com outras influências historiográficas. A principal delas
foi a chamada “nova história”, ligada à renovação historiográfica francesa que vinha
ocorrendo desde meados do século XX, através da chamada Escola dos Annales.

427
Entre as diversas críticas e rupturas ensejadas por esse movimento historiográfico, está a
chamada revolução documental, questionando a interpretação historicista que
estabelecia o documento como sinônimo de prova escrita, de confirmação de um
passado com um discurso único e definitivo. Os precursores insistiam tanto na
ampliação da noção de documento, incentivando os historiadores a buscarem novas
fontes quando as escritas não fossem suficientes e duvidosas. Ao ampliar o leque de
ferramentas de interpretação, a História deixa de ter o aspecto de uma via de direção
única e se configura como uma rede, um feixe de possibilidades e de interpretações e
que pode se entrecruzar com outros tipos de discursos.

As concepções fundamentadas na crítica ao documento permitiram a incorporação de


outras tendências historiográficas, como a história das mentalidades e do cotidiano. No
contexto brasileiro, no final dos anos 1990, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN’s) lançaram a proposta de transformação dos conteúdos organizados de forma
linear em eixos, privilegiando a história cultural a partir de temáticas de estudo. As
editoras apressaram-se em produzir obras dentro desta temática, mas encontraram
resistências entre os professores, que preferiam aqueles que adotavam o modelo antigo.
Assim, as propostas diferentes tiveram baixa vendagem e foram preteridas por outras,
que até se diziam inovadoras, mas não o eram tanto assim.

O professor dos Annales revolucionou o caminho da escrita historiográfica, mas sua


trajetória passou a largo pelas escolas. Tal qual Antígona, agiu livremente, por sua
vontade, lutando por aquilo em que acreditava, convicto de seus perigos e do
julgamento fortuito de seus atos.

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ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Revista Tempo. Rio de
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Formação e Trabalho Pedagógico).

429
A DICOTOMIA ENTRE ‘COLÔNIAS DE
EXPLORAÇÃO’ E ‘COLÔNIAS DE POVOAMENTO’
E O ENSINO DE HISTÓRIA DOS ESTADOS
UNIDOS NO BRASIL
César Henrique Guazzelli e Sousa

O presente trabalho tem como problema central o modelo narrativo da História dos
Estados Unidos hegemônico nos livros didáticos brasileiros, que se sustenta na oposição
binária entre o norte – ocupado por famílias puritanas – e o sul – alicerçado nas
monoculturas de exportação escravistas. Essa oposição marca um conflito dialético
entre dois modelos de colonização, um agrícola (no sul), que se funda em grandes
propriedades rurais e trabalho escravo, outro industrial (norte) e baseado na
diversificação econômica e no trabalho livre. Após a Guerra da Secessão, na concepção
dessa matriz narrativa, o modelo do norte prevaleceu. A partir de então, o capitalismo
liberal dos Estados Unidos foi alavancado pela consolidação da unidade nacional,
expansão industrial e o enorme afluxo de imigrantes europeus e asiáticos para a
América, que serviram como mão-de-obra para alimentar o enorme surto
desenvolvimentista do país. A democracia, o igualitarismo e o liberalismo
estadunidenses, nessa perspectiva, estariam diretamente ligados à cultura puritana dos
Estados Setentrionais dos Estados Unidos, herdeiros e bons praticantes do liberalismo
político francês e do liberalismo econômico britânico. Os Estados Unidos são
apresentados para os alunos, portanto, como uma transplantação exitosa do ideal de
progresso europeu para o Novo Mundo.

A partir dessa matriz narrativa, há um elo entre a Europa e a América, entre as utopias
democráticas e libertárias do Velho Mundo – profundamente marcado pela hierarquia,
desigualdade social e pela tradição – e a percepção dos Estados Unidos como a
materialização dessas utopias. A América estaria teleologicamente enlaçada à ‘tradição
histórica e filosófica do Ocidente’, prevalecendo, portanto, a ideia de continuidade entre
o Novo e o Velho Mundo, não a de ruptura. Curiosamente, essa forma de interpretação e
significação do passado estadunidense não guarda qualquer afinidade com o que a
historiografia dos Estados Unidos nos apresenta. Fundada sobretudo no texto seminal de
F.J. Turner The Significance of The Frontier in American History, (1996), apresentado
para a Associação Histórica Americana em 1893, na cidade de Chicago, a matriz
interpretativa da historiografia estadunidense sustenta-se sobretudo na oposição entre
Leste e Oeste.

Para Turner, a existência de uma zona fronteiriça com o wilderness ao Oeste, avançando
sobre os Apalaches, o Mississipi, as Grandes Planícies e as Montanhas Rochosas, até
finalmente alcançar o Oceano Pacífico, é o elemento definidor do desenvolvimento dos
Estados Unidos. As terras livres do Oeste atraíam centenas de milhares de famílias, que
buscavam escapar do ambiente opressor do Leste. Afastados do ambiente urbano, das

430
relações de poder e hierarquia herdadas da Europa e em contato direto com a terra e a
selva, viam-se livres para buscar o seu sustento e prosperidade a partir do próprio
trabalho. Não haveria, nessa perspectiva, qualquer entrave à ascensão e êxito econômico
dos indivíduos. A democracia estadunidense, por esse ponto de vista, era sempre
fortalecida e regenerada pelo processo de expansão, já que os conflitos sociais e a
desigualdade eram escoados para as terras livres do poente. A fronteira era percebida
como uma válvula de escape para os conflitos do Leste. Por esse motivo, a hipótese
interpretativa de Turner ficou conhecida como frontier thesis ou frontier hipothesis
(AVILA, 2006).

A opção pela dicotomia entre Leste e Oeste, sobrepondo-se àquela adotada pelos livros
didáticos brasileiros – entre Norte e Sul – antes de ser um mero capricho geográfico,
traz enormes mudanças na compreensão e interpretação da História dos Estados Unidos.
A ideia defendida nos livros didáticos, de que a cultura política e as práticas econômicas
estadunidenses estão diretamente ligadas à adoção dos princípios iluministas e
pressupostos liberais que chegavam à América em livros e panfletos que atravessavam o
Atlântico, perde a sua plausibilidade quando observada à luz da hipótese de Turner.
Nela, o autor explicita a afirmação de que o caráter nacional americano foi forjado no
movimento de expansão das populações para o Oeste (

Dessa forma, quanto mais a colonização dos Estados Unidos se entranhava no


wilderness, quanto mais se afastava da civilização, da cultura herdada da Europa e do
conforto da vida urbana, mais austero e desafiador se tornava o ambiente. No embate de
domesticação desse ambiente selvagem, os colonos, isolados do contato com o Leste,
dependiam apenas do próprio trabalho e da própria diligência para sobreviver e
prosperar. Mais do que isso, as pequenas unidades e comunidades de yeoman farmers,
percebiam-se como parte de uma coletividade, porque perfaziam a mesma jornada
modal em direção às terras livres do Oeste (ANDERSON. Isso acendeu, a partir do
corpus argumentativo da frontier hipotesis, um tenaz espírito de solidariedade e
colaboração entre os colonos da região fronteiriça. Atraídos para a América e,
posteriormente, para a fronteira especialmente pelo imaginário de um novo Éden e pela
ética puritana do trabalho individual/recompensa, os colonos do oeste estavam imbuídos
de uma forte convicção igualitarista e liberal – Deus criou todos os homens à sua
imagem e semelhança e deu a eles as mesmas oportunidades e faculdades. Dessa
convicção, deriva outra, o libertarianismo - todos são livres para buscar a sua própria
felicidade e êxito; o sucesso pessoal é resultado única e exclusivamente tributado ao
esforço e empenho do indivíduo, enquanto o insucesso deve ser atribuído à leniência e
preguiça.

Essas convicções, contudo, só puderam tomar corpo na região da fronteira, onde as


relações de poder, a hierarquia e os abusos do direito de propriedade não existiam. O
colaboracionismo entre os colonos na fronteira, balizado pelo igualitarianismo, pela
ética do trabalho e pelas convicções liberais dos pioneiros, seria, portanto, a base da
democracia americana. Daí a ênfase turneriana na ideia de que a democracia
estadunidense nasceu da selva, do wilderness, provocando uma cisão fundamental com
a Europa e entregando à América as rédeas de seu próprio desenvolvimento e a
prerrogativa de narrar a sua própria história.

431
A percepção da historiografia brasileira sobre a história dos Estados Unidos (e a própria
história nacional) tomou um caminho bastante diferente; ela derivou, sobretudo, de um
esforço comparativo em que a narrativa do pretérito estadunidense foi usada como
parâmetro para se compreender o próprio Brasil. Antes de se voltarem para os autores
dos Estados Unidos, vistos como demasiadamente pragmáticos e parciais em um
período em que a crença na objetividade histórica estava na ordem do dia, os
intelectuais do Brasil buscaram na Filosofia da História da Europa continental do século
XIX – particularmente Alemanha e França – grandes modelos interpretativos que
buscavam explicar o ‘sentido da colonização’, conceito que no Brasil ficou celebrizado
com Caio Prado Jr (1995). Ora, percebe-se o absurdo dessa opção. Afinal, como
entregar ao colonizador a prerrogativa de explicar o sentido da colonização? Assim, a
escrita da história brasileira consubstanciou aquilo que ela mesma criticava e buscava
superar: a situação periférica em relação à Europa. Ao utilizar modelos de interpretação
europeus para a realidade nacional, assim como uma narrativa que enlaçava o Brasil ao
velho continente em um enleio de continuidade, nossa historiografia se negava a tomar
as rédeas de seu próprio destino e narrar a sua própria história.

Temos, assim, uma dicotomia clara entre as formas de interpretar a condição pós-
colonial da América nos Estados Unidos e no Brasil. Os autores brasileiros utilizaram
os modelos de ‘história universal’ e os autores canônicos europeus para compreender a
situação de subdesenvolvimento e ‘déficit civilizacional’ do Brasil na primeira década
do século XX. A forma mais frequente dessa matriz analítica se deu por meio da história
comparada, opondo a condição estadunidense posterior à colonização, tomada como
referência exitosa, à situação do Brasil, percebido como uma experiência malograda.
Desse modo, a historiografia norte-americana rompia com a escrita da história definida
no Velho Mundo e estabelecia como cânone um modelo narrativo da história nacional
estruturado sobre o excepcionalismo americano. No Brasil, optou-se por uma narrativa
ressentida, que creditou a Portugal a culpa pelos nossos infortúnios a partir de uma
filosofia da história europeia e não propôs qualquer alternativa programática para a
superação da realidade aludida.

Conforme aponta Leonidio (1999), esse modelo interpretativo tem como base a obra do
francês Paul Leroy-Beaulieu De la colonisation chez les peuples modernes, publicada
em 1882. O próprio trabalho de Leroy-Beaulieu, por sua vez, tem como referência
maior o alemão Wilhelm Roscher. Economistas, os dois autores escreveram em um
contexto em que o Imperialismo, e com ele o discurso civilizador, alcançava o seu
apogeu. Buscaram compreender a colonização a partir dos modelos tipológicos
‘exploração’ e ‘povoamento’. Subjaz às obras de Leroy-Beaulieu e Roscher o
argumento de que a colonização não é necessariamente ruim. Conforme os autores, a
partir de um modelo de povoamento sustentado no trabalho livre, os territórios
colonizados poderiam beneficiar-se da intervenção europeia. Enquanto a matriz colonial
de exploração, tipicamente Ibérica, era percebida como uma forma negativa, a matriz
germânica/anglo-saxônica de povoamento era percebida como positiva e desejável.

O momento em que os autores aludidos escreveram também foi marcado pela noção do
Progresso como um idolum saeculi sustentado sobretudo pela fé na ciência. Assim, os
trabalhos dos autores não eram recebidos como produtos da geschichte sujeitos à
valoração e interpretação do objeto estudado a partir de uma visão de mundo
essencialmente histórica. Eles eram compreendidos como verdades constatadas a partir

432
de estudos empiricamente guiados e, enquanto essas verdades não fossem superadas ou
refutadas pela aplicação do mesmo método, permaneciam irrefutáveis. Dessa forma, em
1903 o serjipano Manoel Bomfim, amparado nos autores supracitados, publica A
América Latina: Males de Origem, obra na qual sustenta que a atuação do estado
bragantino como ator central do processo de colonização relegou o Brasil a um “estado
de exploração parasitária”, acatando a dicotomia proposta por Leroy-Beaulieu entre
colônias de exploração e colônias de povoamento como justificativa para as
dificuldades enfrentadas pelas nações latino-americanas após a independência.

Portanto, a historiografia brasileira da história dos Estados Unidos e o ensino de


História canonizado nos livros didáticos caracteriza-se por: a.) um método comparativo,
que visou a América do Norte não com o intuito de compreendê-la como objeto, mas
como uma espécie de benchmark para a análise da experiência histórica brasileira; b.)
adesão ao modelo da ‘história universal’ europeia, que estabelece um elo intrínseco e
linear entre a Europa e a América através da premissa civilizadora; c.) fatalismo aliado a
uma valoração maniqueísta, creditando o êxito dos Estados Unidos à forma de
colonização predominante na América do Norte – povoamento – e o insucesso do Brasil
à forma de colonização predominante na América do Sul – exploração; d.) pessimismo
histórico derivado da premissa anterior, uma vez que a colonização do Brasil a partir do
modelo de exploração Ibérico nos teria herdado uma cultura burocrática, parasitária e
indolente.

Referências

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Turner (1861-1932). Porto Alegre, Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, 2006.

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brasileiro. Estudos Sociedade e Agricultura. 13 de outubro de 1999. pp. 119-138.

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Guillaumin, 1882.

PRADO Jr., Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1933.

TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American History. Nova Iorque: Dover
Publications, 1996.

433
BREVE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS
Douglas Augusto da Silva

Ao falarmos dos surdos, devemos relatar sua história na Antiguidade e para isso
pautamo-nos em Karin Strobel (2009), que relata perfeitamente a história dos surdos na
Idade Antiga, e a forma como eram tratados pelos demais cidadãos e como eram vistos
nas culturas das antigas civilizações.

Nas antigas cidades-Estado Gregas, as pessoas surdas eram considerados inválidos e


traziam certo incômodo para sociedade, sendo assim eram condenados a morte,
lançados de rochedos ou afogados. Os que sobreviviam eram escravizados ou ficavam
excluídos e abandonados na sociedade (STROBEL, 2009).

Já no Egito e na Pérsia, os não ouvintes eram tratados de forma bem diferente das
citações dos povos nos parágrafos acima. Entre os egípcios e os persas, os surdos eram
vistos como criaturas privilegiadas, nada mais eram do que enviados dos deuses, onde
nas suas crenças eles se comunicavam em segredo com os seres divinos. O povo ouvinte
os respeitava de forma geral, eram protegidos e eram adorados, porém não possuíam
uma vida ativa e jamais eram educados (STROBEL, 2009).

Na Roma Antiga, por exemplo, as pessoas que não ouviam eram consideradas
castigadas ou enfeitiçadas de alguma forma, e não havendo perdão, as crianças surdas
eram abandonadas ou jogadas em rios. Algumas crianças se salvavam, é claro, seja
sobrevivendo ao afogamento no rio, ou como seja em alguns casos, quando os pais os
escondiam. Além disso, em Roma, os surdos eram muitas vezes feitos de escravos em
moinhos de trigo (STROBEL, 2009).

Durante a Idade Média, o preconceito ainda era extremamente forte contra as pessoas
que não ouviam. Eles eram vistos como estranhos e esquisitos aos olhos da sociedade, e
objetos de muita curiosidade. Eram muitas vezes jogados na fogueira. Durante os cultos
católicos, os surdos eram proibidos de receberem a comunhão, haja vista que os
mesmos não eram capazes de se confessar. Haviam ainda decretos bíblicos contra o
casamento de duas pessoas surdas, o que só era permitido com o aval do próprio Papa,
visto que este é o líder da Igreja Católica Apostólica Romana. Haviam leis que proibiam
os não ouvintes de heranças e até mesmo de votar, enfim, não possuíam os direitos de
um cidadão (Ibidem, 2009).

Olizaroski (acesso 01/07/2016) relata que a situação de sofrimento e exclusão do povo


surdo só foi mudar ao fim da Idade Medieval, quando inúmeros estudiosos, intelectuais,
médicos e pesquisadores tentaram desenvolver métodos de educação dos não ouvintes.
Enquanto uns defendiam o oralismo, outros se dedicavam ao uso da escrita ou até
mesmo ao uso de gestos para um fácil entendimento.

Segundo relata SCHLÜNZEN et. al. (2012), a situação das pessoas surdas só foi
melhorar nesta época, pois foi justamente neste período que começaram a surgir
diversas pesquisas a respeito da surdez. Havia também muito interesse por parte do

434
clero e da nobreza. A Igreja queria promover a “caridade”, para que o surdo tivesse uma
comunicação com Deus e para que lhe fosse ensinado os sacramentos a serem seguidos,
além dos dogmas da religião, com certeza. Os nobres que possuíam herdeiros surdos
queriam entendê-los e educá-los, para que não perdessem as riquezas familiares,
integrando-os na sociedade. ”A possibilidade do Surdo falar implicava no seu
reconhecimento como cidadão e conseqüentemente no seu direito de receber a fortuna e
o título da família.” (MOURA, 2000, p. 18).

Já na Idade Moderna, uma época de renascimento cultural, uma época de nova visão do
mundo, destaca-se Girolamo Cardano (1501-1576), um médico filósofo que defendia
que os surdos mudos (como eram chamados na época) possuíam habilidade para a
razão. Girolamo Cardamo inclusive afirmava, segundo STROBEL (2009, p. 19), que “...
a surdez e mudez não é o impedimento para desenvolver a aprendizagem e o meio
melhor dos surdos de aprender é através escrita...” e que era um crime não instruir um
surdo-mudo.

(...) no século XVI, estudiosos diversos, como Cardamo (1501-1576) que


tinha interesse em ajudar seu filho surdo, desenvolveram pesquisas e
descobriram que a escrita representava idéias e pensamentos, e não somente
idéias faladas (SCHLÜNZEN et. al., 2012, p. 2).

Em relação ao uso de uma linguagem de sinais, “Os monges beneditinos, na Itália,


empregavam uma forma de sinais para comunicar entre eles, a fim de não violar o rígido
voto de silêncio.” (STROBEL, 2009, p. 19).

Foi justamente devido a essa forma de comunicação usada pelas pessoas surdas que um
monge beneditino acabou desenvolvendo a linguagem de sinais para os surdos, o monge
espanhol Pedro Ponce de Leon (1510-1584), junto a duas pessoas surdas que passaram a
viver no seu mosteiro (SCHLÜNZEN et. al., 2012). Foi Ponce de Leon quem
desenvolveu a primeira escola para surdos no seu monastério, segundo STROBEL
(2009).

Foi justamente o padre da Espanha, Juan Pablo Bonet (1579-1633), quem criou o
alfabeto manual dos surdos, usado até hoje.

Mais tarde, além destes pesquisadores, destacaram-se alguns outros que se interessavam
pela educação dos surdos, como Jacob Rodrigues Pereira (1715-1780) e Johann Conrad
Amman (1669-1724), como relata Elisa Tomoe Moriya Schlünzen, Laís dos Santos Di
Benedetto e Danielle Aparecida do Nascimento dos Santos (2012). As autoras ainda
citam Thomas Braidwood (1715-1806) que criou o método de que o alfabeto manual
dos surdos deveria ser feito com as duas mãos e fundou a primeira escola para surdos da
Inglaterra; Thomas Gallaudet (1787-1851), que fundou a primeira faculdade para os
surdos, em Washington, nos Estados Unidos da América, chamada atualmente de
Universidade Gallaudet; Charles-Michel de L’Epée (1712-1789), chamado de “pai dos
surdos”, que defendia indubitavelmente a linguagem de sinais em detrimento do
oralismo, (uma forma que segundo (SCHLÜNZEN et. al., 2012), era um método que
obrigava as pessoas que não ouviam a falarem oralmente) e ainda teve sua obra mais
importante publicada em 1776, com o “A Verdadeira Maneira de Instruir os Surdos-

435
Mudos”, que possuía regras sintáticas de linguagem de sinais, além do alfabeto manual
desenvolvido por Juan Pablo Bonet.

No ano de 1878, em Paris, na França, aconteceu a primeiro Congresso Internacional de


Surdos-Mudos, que segundo SCHLÜNZEN et. al. (2012, p. 4) “(...) se reuniu a maioria
das Instituições de Língua de Sinais para discutir qual era o melhor método para se
utilizar na educação das PS’s. Definiu-se como sendo os mais adequados a leitura labial
e os ‘gestos’.”

Porém, no ano de 1880, foi realizado o segundo Congresso Internacional de Surdos-


Mudos, realizado em Milão, na Itália, que a favor do método do oralismo, proibiria o
uso da linguagem de sinais como método educacionais para os surdos em toda Europa, e
sendo assim, em todos os países do mundo também.

Durante cem anos, os sujeitos surdos ficaram subjugados às práticas


ouvintistas, tendo que abandonar sua cultura e sua identidade surda,
obrigados a se submeterem a uma ‘etnocentria ouvintista’, sendo forçados a
imitá-los e a se esforçarem em parecer ouvintes (STROBEL, 2006, p. 6).

Segundo SCHLÜNZEN et. al. (2012), as instituições que lidavam com a educação das
pessoas não ouvintes só perceberam a falha do método do oralismo, quando depois de
décadas e mais décadas tornava-se extremamente perceptível como as tentativas eram
deveras frustradas, não tinham bons resultados.

As pessoas surdas que não desenvolviam a comunicação oral, mesmo que


minimamente, eram vistos como incapazes. Isto resultou na evasão educacional das
pessoas surdas e assim muitos deles sempre optaram por serviços braçais.
(SCHLÜNZEN et. al. 2012).

Foi somente no século XX, que acontece de fato uma revolução no sistema educacional
e comunicativo dos surdos do mundo. Um novo método de ensino agora era chamado
de Comunicação Total, que tinha como base a educação dos surdos pela língua dos
sinais, agora evidenciando sem dúvidas a sua importância para a aprendizagem dos não
ouvintes, porém ainda utilizava-se o método do oralismo. (Ibidem, 2012).

Atualmente no mundo é utilizado o método do Bilingüismo, que se utiliza da língua-


mãe das pessoas surdas, a sua língua de sinais (em cada país de uma forma) e a língua
materna escrita do país onde o mesmo vive.

A linguagem de sinais em geral propiciou para uma maior ligação entre surdos e
ouvintes, formando inclusive as chamadas comunidades surdas que,

(...) na verdade não é só de surdos, já que tem sujeitos ouvintes junto, que
são família, intérpretes, professores, amigos e outros que participam e
compartilham os mesmos interesse em comuns em uma determinado
localização que podem ser as associações de surdos, federações de surdos,
igrejas e outros. (STROBEL, 2009, p. 6).

436
No dia 26 de setembro do ano de 1857 foi fundada em território brasileiro a primeira
escola para surdos, na cidade do Rio de Janeiro, o qual foi chamado de “Imperial
Instituto dos Surdos-Mudos”, e que atualmente é denominado de “Instituto Nacional de
Educação de Surdos” (INES) e foi nesta escola que foi criada a LIBRAS (Língua
Brasileira de Sinais), que surgiu “da mistura da língua de sinais francesa com os
sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil” (STROBEL, 2009, p. 24).

Em dezembro do mesmo ano, o professor desta instituição Eduardo Huet apresentou ao


Imperador D. Pedro II e um grupo de pessoas os resultados do seu trabalho com a
LIBRAS, rendendo uma boa impressão (Ibidem, 2009).

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MEMÓRIAS EM MOVIMENTO SOBRE O ENSINO
DE TEMAS CONTROVERSOS NO PARÁ (1964 –
1985)
Edilza Joana Oliveira Fontes

Esta comunicação pretende debater o uso de repositórios institucionais em sala de aula.


O debate sobre as novas leituras da ditadura militar entrou na ordem do dia entre os
historiadores brasileiros, percebemos isto com a Criação de diversas comissões, como:
a Comissão Nacional da Verdade, as comissões das verdades dos estados e de algumas
instituições públicas, como as universidades, por exemplo. O projeto de pesquisa “Os
anos de chumbo na UFPA: memória, história, trauma e cultura educacional (1964-
1985)”, sob minha coordenação, teve como objetivo fazer o levantamento documental
no Arquivo Central da universidade, a catalogação do acervo fotográfico da Biblioteca
Central e do Museu da UFPA, bem como o registro de quarenta depoimentos, de
professores, ex-alunos, servidores, que foram atingidos por atos dos governos militares
ou das administrações superiores da Universidade Federal do Pará que provocaram
violações de direitos.

O projeto é um espaço aberto para as vozes das vítimas de violação dos direitos
humanos que tinham relações com a UFPA. Estas relações os fazem membros de uma
comunidade de interesses e estabelecem relações de pertencimento. Nesses depoimentos
podemos fazer a aproximação entre provas documentais escritas, como as já levantadas
pelos gabinetes dos reitores da universidade, e as memórias das vítimas que falam de
suas experiências e que sofreram “o mal sofrido de uma pena sem culpa” (Lafer, 2012,
p. 16). Esta relação possibilita articular história e memória, principalmente por se
estabelecer uma memória coletiva das vítimas dos governos militares na UFPA. Um dos
objetivos do projeto é construir um acervo digital com os depoimentos, para que eles
sejam fontes para a escrita de uma história da instituição que reflita sobre a relação entre
os governos militares e a universidade.

O acervo digital será publicado na página da Assessoria de Educação a Distância (AED)


da Universidade Federal do Pará. É um acervo de fontes orais e visuais. O processo de
seleção dos depoentes e os registros das memórias foram feitos com roteiro específico e
definidos de acordo com os procedimentos da metodologia de história oral. Um dos
critérios para definição dos depoentes foi registrar as memórias de pessoas que sofreram
violações dos direitos humanos e cuja história de vida expresse traumas ainda presentes.
Na universidade, desde 2010, está sendo construído um repositório multimídia no
âmbito da AED, o UFPA Multimídia, visando incentivar o uso das tecnologias da
informação e comunicação (TICS) no ensino de graduação e estabelecer um canal de
diálogo entre a produção de conhecimento o científico e a sociedade. O UFPA
Multimídia disponibiliza a produção científica desenvolvida na Universidade Federal do
Pará em linguagens multimídia (vídeo, áudio, foto, animação). A ideia é que essa

439
plataforma se torne um espaço de interação ciência-sociedade, permitindo que diversos
públicos realizem seus próprios processos de construção de conhecimento.

Nossa pesquisa parte do pressuposto de que trabalhar com memórias implica um


processo de negociação, no qual o historiador tem um papel relevante no registro destas
memórias, na medida em que as seleciona. Há, portanto, um processo de construção,
elaboração e registro de diferentes memórias. O repositório é um espaço digital e amplia
o conhecimento produzido, nesse caso sobre as memórias de educadores da UFPA, e
cria um ambiente de troca com a sociedade, ou seja, amplia o acesso às memórias,
democratizando e enriquecendo o conhecimento sobre os processos históricos (Miranda;
Eliasquevici; Sirotheau, 2012, p. 8).

O projeto de pesquisa possui depoimentos entre ex-alunos e professores dos anos 1960 e
1970, que está disponível para acesso no http://www.multimidia.ufpa.br. Por exemplo,
dois momentos chaves dos governos militares como os anos de 1964 e de 1968, podem
ser assim percebidos pela memória de nossos depoentes, eles relembram as prisões de
1964, os inquéritos policiais-militares implantados na universidade, os processos de
ocupação das faculdades em 1968, as intervenções nos diretórios acadêmicos, a não
contratação de professores por discordância do SNI (Sistema Nacional de Informação),
as mobilizações dos estudantes sobre a implantação da reforma universitária, a
reorganização do movimento estudantil na UFPA nos anos setenta, a reorganização da
União Nacional dos Estudantes (UNE), a morte do estudante César Leite por um agente
da Polícia Federal em sala de aula e a prisão de oito estudantes, acusados de atentar
contra a Lei de Segurança Nacional.

Foram organizados 5 programetes que também estão neste repositório institucional


destacando alguns momentos chaves da ditadura civil-militar na UFPA, que são: as
memórias do golpe de 64, 1968: a utopia de uma paixão, traumas e perdas do período
militar, censura e tortura na ditadura militar e a redemocratização. O professor de
História pode fazer comparações com outras fontes, debater a historiografia produzida
sobre o tema e colocar em questão temas recentes e “caros” ao conhecimento histórico,
os conceitos de memória e o tempo presente nos possibilitam construir novas
perspectivas de cidadania para o ensino de história.

Os depoimentos estão inseridos no campo acadêmico que debate o direito à memória,


para que as gerações futuras conheçam e se previnam de violações desses direitos, o
slogan da própria criação da Comissão da Verdade “o passado não pode ser modificado,
mas conhecê-lo pode mudar o futuro”, parte-se da perspectiva de existem histórias e
memórias que precisam ser lembradas para problematizarem aspectos considerados
invisíveis há 30 anos, quando se prevaleciam memórias hegemônicas sobre os governos
militares. Por exemplo, na universidade Federal do Pará o imaginário em torno do ex-
reitor Silveira Neto, que é o nome do campus do Guamá, nos lembra esta memória
construída.

O registro das memórias e seus usos na pesquisa e na construção da narrativa histórica


fazem dos testemunhos fontes especiais para o historiador, que lhes confere um estatuto
particular quando escolhe os seus depoentes e os interroga, estabelecendo fronteiras
entre o passado e o tempo presente do relato. Isso exige do historiador uma lógica nova

440
de investigação. Entre histórias e memórias dos ex-alunos e professores encontram-se
uma rica fonte de conhecimento para entender o período histórico em sala de aula.

O passado recente vai à escola como forma de construir um novo debate acerca dos
acontecimentos que ocorreram no interior de uma instituição pública no estado do Pará.
A escola assumiu um papel importante desde a redemocratização, ela se tornou um
canal de transmissão do conhecimento acerca de temas considerados controversos. O
“dever de memória” que se impõe ao professor de História, em nosso caso, requer que
se reflita sobre os apoios, as acomodações e as formas de resistência que foram
considerados a costura da trama política após os anos 60 no estado do Pará.

Segundo Anita Lucchesi (2015) devemos compreender não somente a forma como a
história está presente de forma on-line, mas a maneira como as ferramentas digitais
ajudam o profissional de História a construir uma nova relação com o conhecimento
histórico. Portanto, percebemos que com a difusão das mídias, ocorreu novas
apropriações e formas de construir o conhecimento histórico, que precisam está em
constante diálogo com os livros didáticos de História.

As tecnologias digitais e de informação (TDIC) são ferramentas digitais que precisam


ser vistas como partes integrantes do currículo escolar, pois, “não se trata de ter as
tecnologias como apêndices ou algo tangencial ao currículo e sim buscar a integração
transversal das competências no domínio das TDIC com currículo, pois este é o
orientador das ações de uso das tecnologias” (ALMEIDA, 2013). Devemos pensar a
construção de um plano de ensino que se centra na tríade tecnologias digitais, livro
didático e conhecimento histórico.

O repositório a partir de uma perspectiva da web currículo permite outras formas de


acesso ao passado, o professor de História ao construir um plano de aula pode utilizar
esta ferramenta de fácil acesso em uma plataforma digital. A História escolar precisa
estar conectada com esta forma de divulgação do passado e que possibilita ao aluno
conceber o passado não como algo pronto e acabado, mas que ele é fruto de seleções,
recortes e visão de História.

Referências Bibliográficas

ALMDEIDA, Fernando. Os limites como possibilidades de um currículo web. In:


Almeida, Maria Elizabeth, Silva, Bento Duarte da (org.). Cenários de inovação para a
educação na sociedade digital São Paulo: Edições Loyola, 2013.

ALVES, Davison; FONTES, Edilza. A UFPA e os Anos de Chumbo: A


administração do reitor Silveira Neto em tempo de ditadura (1960 - 1969). Revista
Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 10, a. 2013. p. 258 - 294.

LAFER, Celso. Justiça, história, memória: reflexões sobre a Comissão da Verdade.


In: Fico, Carlos; Araújo, Maria Paula; Grin, Mônica (org.). Violência na história:
memória, trauma e reparação. Rio de Janeiro: Ponteiro, 2013.

441
LUCCHESI, Anita. Conversas na antessala da academia: o presente, a oralidade e a
história digital pública. História Oral, v. 17, n. 1, p. 39-69, jan/jun. 2014.

MIRANDA, Fernanda; ELIASQUEVICI, Mariane K.; SIROTHEAU, Sibério. UFPA


Multimídia: uma experiência de uso das TICs para o fortalecimento do ensino de
graduação na Amazônia. Diálogos de la Comunicación (en línea), v. 85, p. 1-18, 2012.

442
LER, ESCREVER E GRAMATICA LATINA:
ASPECTOS DA INSERÇÃO DAS AULAS RÉGIAS
NO ESPAÇO POLÍTICO REGIONAL DO SUL DE
MINAS GERAIS
Edna Mara Ferreira da Silva

O objetivo do presente trabalho consiste em perceber na ação dos professores de aulas


régias uma tentativa de legitimar, no âmbito do espaço político regional do sul de Minas
Gerais, na virada do século XVIII para o século XIX, um mínimo aparato
administrativo. Considerando a precariedade da manutenção leiga do ensino das
primeiras letras, em decorrência da mudança do sistema de educação com a expulsão
dos jesuítas, a instituição das aulas régias, em 1774, não foi capaz de substituir o
modelo inaciano, embora seja possível vislumbrar, através da documentação do acervo
digital da Secretaria de Governo da Capitania (Seção Colonial) do Arquivo Público
Mineiro, o uso dos professores para qualificar os candidatos a patentes nas tropas de
ordenança.

No cenário que se descortina em fins do século XVIII, o arraial de Campanha de Santo


Antonio da Piedade do Rio Verde, elevado a condição de vila em 1798, com a
denominação de vila da Campanha da Princesa, assumiria progressivamente um lugar
de destaque, tornando-se um dos mais expressivos núcleos urbanos da região da
Comarca do Rio das Mortes, com vigorosa participação na política imperial.

Buscamos justamente relacionar a conjuntura do inicio do século XIX com o papel das
aulas régias, dentro dos incipientes mecanismos de administração no termo de
Campanha, de se adaptarem as condições surgidas das mudanças históricas.

O estabelecimento das aulas régias cumpria as determinações legais para as reformas


educacionais empreendidas no reinado de Dom Jose I, num contexto maior de reformas
administrativas e políticas.

A partir de 1759 com a expulsão dos jesuítas, o Estado assumiu a responsabilidade


diretamente pelo ensino escolar. Para financiar esse sistema de educação pública
baseado em aulas avulsas de nível primário, as chamadas primeiras letras, e ao nível
secundário (Gramática latina), distribuídas por vilas, arraiais, freguesias e cidades,
dadas isoladamente por professores pagos pela Coroa.

Nossa analise parte da leitura de dois tipos documentais: primeiro, as petições dos
professores leigos e ordenados solicitando ao governo da capitania, através do Senado
da Câmara Municipal, que assumissem o cargo de professor de primeiras letras ou de
gramática latina. Segundo, os atestados emitidos pelos professores nomeados aos
cadetes e/ou candidatos a patentes militares nas tropas de ordenança.

443
Para Campanha da Princesa o pedido de provisão para o cargo de professor para cadeira
de Gramática Latina foi feito pelo padre Francisco José de Sampaio em 1801. Padre
Francisco Sampaio apresenta a licença concedida pelo prelado juntamente ao pedido de
provisão. Essa licença datada de 1800 corrobora a informação apresentada por Ana
Cristina Lage sobre os primórdios da educação em Campanha.

Segundo a autora, a partir de relatos de memorialistas a primeira cadeira de ler, escrever


e gramatica latina teria sido criada em 1800 na Vila de Campanha e os primeiros
professores seriam os padres Manuel Coimbra e Francisco José Sampaio. (LAGE, 2007)

Nos documentos avulsos do acervo da Secretaria de Governo da Capitania do Arquivo


Público Mineiro encontramos ainda um pedido de renovação da provisão do cargo de
professor do padre Francisco Sampaio de 1816 e um novo pedido de provisão do
mesmo padre para o ano de 1817. Não encontramos petição de provisão ou renovação
de provisão do padre Manuel Coimbra nos acervos do APM – Arquivo Público Mineiro.

Consultando o (AHU) Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, temos duas menções


ao padre Manuel Coimbra, ambas juntamente com o Padre Francisco José Sampaio em
referencia a solicitação do pagamento de seus ordenados como professores.

O primeiro documento citado no catalogo do AHU é um requerimento datado de


fevereiro de 1802 dos padres Francisco José Pereira de São Paio e Manuel Joaquim
Pereira Coimbra, moradores na Vila da Campanha da Princesa da Comarca de São
João Del Rei, sendo o 1º nomeado para o ensino da gramática latina e o 2º para
ensinar a ler, a escrever e a contar. Solicitam aviso para o pagamento do seu ordenado
desde o início do dito exercício.*

E o segundo documento de 1804 é uma carta de Dom Frei Cipriano, bispo de Mariana
dirigida ao príncipe regente D. João, informando com o seu parecer sobre o
requerimento dos padres Francisco e Manuel, no qual solicitavam o pagamento dos seus
ordenados enquanto professores na vila de Campanha da Princesa.

Já sobre o professor de gramática latina da vila de Campanha, temos além dos pedidos
de renovação de provisão outro apontamento feito em ata pelos oficiais da Câmara
daquela vila em 1812, transcrito por Julio Bueno em seu Almanach do município da
Campanha de 1900:

Nesta foram apresentadas umas atestações do reverendo Padre Mestre


Francisco José de Sampaio requerendo, que a Câmara lhe fizesse passar
outros a respeito do exercício que tem de Mestre Régio de Gramática
Latina; mas os oficiais da Câmara ponderando que tendo o dito Professor
exercitado a Cadeira de onze para doze anos, e não tendo em todo esse
tempo produzido um só estudante que saiba Gramática, e por esta razão já
desenganados os pais de famílias desta Villa têm mandado os seus filhos
para outras partes, e presentemente para o Arraial da Aiuruoca aprenderem a
Gramática Latina com um Mestre particular que lá ensina de nome Esaú dos
Santos e pode acontecer, que chegando esta notícia ao Real Trono, seja Sua
Alteza Real servido mandar responder a esta Câmara, a razão de passar
atestados ao dito Reverendo Padre Mestre Sampaio, depois de ter mostrado

444
a experiência de tantos anos, que ele tem por natureza uma negação total
para instruir a mocidade nos Preceitos da Gramática Latina. Acordaram em
não assinar mais atestações; e quando o dito Padre Mestre se queixe, servirá
este acórdão para com ele se responder, ou a Sua Alteza Real por qualquer
dos Tribunais, ou ao Excelentíssimo General desta Capitania. (Atas da
Câmara de Campanha, 1812) (LAGE, 2007:54/55)

Os pedidos de renovação de provisão e de nova provisão são posteriores a essa anotação


dos oficiais da Câmara, o que nos leva a supor que frente a recusa dos senhores
vereadores em lhe permitir continuar a atividade de professor de gramática, teve que
recorrem a instancias superiores.

Por fim notamos ainda na documentação pesquisada a menção ao padre Francisco em


outro documento: um atestado passado ao Cadete João Evangelista de Alvarenga,
dizendo que este fora examinado pelo mestre em gramatica latina e se achava bem.

Atestados e requerimentos aos mestres no sentido de confirmar a frequências dos


cadetes nas aulas tanto de gramática como de primeiras letras e por vezes até de
aritmética, parece ter se tornado mais comum a partir da década de 1810. Verificamos
num levantamento preliminar cerca de 30 documentos similares no período de 1814 a
1819.

Muitas vezes os atestados inferem sobre o acompanhamento dos mestres a irmãos ou


primos candidatos a carreira nas tropas por anos. Os intervalos entre os atestados de
frequência podiam ser bimensais ou semestrais, dando conta de um real acompanhando
do aluno/cadete pelo professor.

O Padre Francisco Sampaio pode ter sido uma negação como afirmava os oficiais da
Câmara de Campanha no ensino de gramática latina a mocidade, mas servia para a
instrução elementar dos cadetes das tropas. Nesse sentido é possível pensar uma função
política e estratégica para esses professores régios na formação de postos para a tropa
que minimamente deveria ser instruída.

Nesse contexto de mudanças e acomodações pelos quais a sociedade colonial e mineira


passava em fins do século XVIII e inicio do século XIX, é possível inferir sobre um
direcionamento mais político que educacional na pratica cotidiano dos professores.
Nosso personagem o padre Francisco foi acusado pela Câmara de Campanha de não
formar a mocidade, mas serviu para atestar a condição de instrução de pelo menos um
cadete candidato a tropa.

É necessário uma análise mais detida sobre a questão do papel desses professores em
relação a instrução dos cadetes. A atuação desses mestres por longos períodos
acompanhando e preparando os cadetes corrobora a visão de que, por mais que as
chamadas aulas régias não constituíssem um sistema eficaz e abrangente de educação,
ainda assim tiveram um papel importante no contexto em que estão inseridas,
contrariando as abordagens mais tradicionais da historiografia da educação no Brasil
que consideram o ensino régio um simples retrocesso.

445
Referências Bibliográficas:

FONSECA, Thaís Nivia de Lima. O ensino régio na Capitania de Minas Gerais


1772-1814. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

LAGE, Ana Cristina Pereira. A instalação do Colégio Nossa Senhora de Sion em


Campanha: uma necessidade política, econômica e social da região sul – mineira
no início do século XX. 2007. Dissertação. Programa de Pós – graduação em Educação
da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, 2007, 289p.

RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (orgs.). História de
Minas Gerais. As Minas Setecentistas 2. Belo Horizonte: Autêntica, Companhia do
Tempo, 2007

Fonte citada:

*Arquivo Histórico Ultramarino. Catálogo de documentos manuscritos avulsos


referentes à capitania de Minas Gerais. Nº de inventário no catálogo: 11759 AHU-
Minas Gerais, cx. 161, doc. 29

446
COMEMORAÇÕES, ESCRITA, LEITURA E
ENSINO DE HISTÓRIA
Eduardo Roberto Jordão Knack

A presente comunicação objetiva realizar uma reflexão sobre a escrita e a leitura de


obras produzidas em função de comemorações cívicas. Isso implica pensar sobre a
operação historiográfica que envolve a produção de obras históricas e o
desenvolvimento de um procedimento de pesquisa sobre o universo comemorativo.
Especialmente porque escrita e aprendizagem de história sofrem forte influência de
outros meios, e o conhecimento produzido por historiadores é apenas uma, entre outras
possibilidades de relação com o passado no mundo contemporâneo.

Objetiva-se desnaturalizar as práticas comemorativas e os usos da história durante uma


comemoração. O procedimento de pesquisa apresentado não se restringe a uma pesquisa
acadêmica, também proporciona pensar práticas de ensino que levem estudantes de
diferentes níveis a a observar as construções, legitimações, significações e
ressignificações realizadas por grupos letrados nesses momentos. Concordando com
Schmidt e Cainelli (2009, p.35) no que tange ao "fazer histórico e ao fazer pedagógico,
um dos desafios do historiador é realizar a função didática da História, adequando o
conhecimento histórico aos diferentes ambientes de aprendizagem", que não estão
restritos à sala de aula.

As comemorações objetivam legitimar/desligitimar certas visões sobre o passado em


virtude de projetos, objetivos, ou mesmo concepções teóricas do presente. Perceber isso
é transcender o senso comum. O saber histórico não é um domínio exclusivo dos
historiadores, bem como sua aprendizagem. A leitura (entre outras práticas) de obras
produzidas em virtude dessas comemorações implica uma prática pedagógica que
objetiva popularizar o conhecimento de uma determinada visão sobre o passado a partir
das questões que marcam o presente. As comemorações constituem uma forma de se
relacionar com o passado fora do ambiente escolar.

A própria escola não se encontra isolada do contexto social e histórico em que está
inserida, não é uma ilha ou uma "instituição isolada", de uma forma ou de outra, "ela
influencia e é influenciada por outras instituições ou setores da coletividade." (CAIMI,
2001, p.94). Portanto, ela tem um papel importante a desempenhar nas formas como
professores e alunos percebem as comemorações, como orientam sua leitura e mesmo
sua escrita ao propor certas atividades que estão relacionadas com o que se está
celebrando.

É preciso esclarecer o papel que comemorações de aniversários municipais


desempenham para os grupos que as promovem e para a sociedade em que se
desenrolam. Para isso a escrita (produção historiográfica) e a leitura das obras
produzidas nesse âmbito, como álbuns, livros, folhetos, entre outros, deve ser
contemplada no ensino de história. Deve-se ter atenção para as justificativas e/ou

447
revisões dos projetos (políticos, econômicos, culturais) para as respectivas cidades e as
formas de construção do passado. As considerações de Certeau (2011) são fundamentais
para pensar em um procedimento de leitura e escrita de documentos produzidos em
função de comemorações. Sua definição da operação historiográfica, constituída por três
dimensões - um lugar, uma prática e uma escrita - mostra que o fazer e o escrever
história não estão dissociados de um contexto de produção.

Para Certeau (2011, p.47), toda "pesquisa historiográfica se articula com um lugar de
produção socioeconômico, político e cultural." A produção de obras históricas (o que
implica a sua escrita), está relacionada com o grupo profissional (que estabelece o que é
ou não uma obra de história) e a instituição de um saber próprio da área (que regula a
difusão do conhecimento). Essas instituições podem ser políticas, eruditas, acadêmicas,
entre outras. O lugar "permite" certos tipos de produção e "proíbe" outros, torna
possível "certas pesquisas em função de conjunturas e problemáticas comuns."
(CERTEAU, 2011, p.63). A comemoração mobiliza as instituições responsáveis pelo
saber histórico, leva esses grupos a (re)pensarem suas relações com o passado (e com o
futuro) em virtude dos problemas que emergem naquele momento.

Em relação à prática, Certeau está se referindo ao "fazer história", associado às técnicas


de pesquisa (bem como a um lugar e a um tempo). A partir das técnicas que estão
disponíveis aos historiadores, que escrevem (e leem) de um determinado lugar, o fazer
de uma obra histórica baliza a relação de uma sociedade com o passado. O fazer
envolve o estabelecimento das fontes, processo de "separar, de reunir, de transformar
certos objetos em documentos" (CERTEAU, 2011, p.69). Esse processo de transmutar
certos vestígios do passado em fontes de pesquisa é central para a escrita da história. A
noção de rastro de Ricoeur vai ao encontro dessa perspectiva, pois se o documento pode
informar sobre o passado, "é com o pressuposto de que o passado deixou um rastro
'visível no presente' como vestígio, como marca" (RICOEUR, 1997, p.200). Ao
conservar esse rastro, ele não está mais à deriva no tempo e espaço, a ação do
historiador, ou de outros profissionais (arquivistas, museólogos, etc.), o situou, o inseriu
em uma intratemporalidade (caracterizada pela databilidade, pelo lapso de tempo e pelo
caráter público que ganha esse rastro). O rastro é um "conector" entre o tempo vivido
pelos indivíduos que escreveram ou leram uma obra histórica e o tempo histórico
(RICOEUR, 1997, p.207). Tudo que informa sobre o passado é um documento em
potencial.

Porém, essa informação extraída não é natural, depende daquilo que se está perguntando
para as fontes, perguntas relativas a um lugar de produção e também às técnicas de
pesquisa, que podem limitar ou ampliar a concepção de documento. Essas perguntas
realizadas aos documentos estão relacionadas com os postulados históricos (os modelos
teóricos) de determinada conjuntura. Conceitos, como fato, acontecimento, sujeito, entre
outros que são centrais para a história influenciam decisivamente na busca pelas
informações que os rastros podem fornecer. A seleção dos documentos obedece a uma
orientação prévia sobre o que constitui o passado e qual sua relação com o presente,
caracterizando sua capacidade de "representância" ou "intencionalidade" da história,
que é "a expectativa ligada ao conhecimento histórico das construções que constituem
reconstruções do curso passado dos acontecimentos" (RICOEUR, 2007, p.289).

448
Portanto, a escrita da história está relacionada com o lugar de produção e com uma
prática de pesquisa, "não existe relato histórico no qual não esteja explicitada a relação
com um corpo social e com uma instituição de saber" (CERTEAU, 2011, p.89) e a
leitura de determinados traços que atestam o caráter verídico, real da sua narrativa. Na
esfera das comemorações, a "representação escrituraria" estreita ainda mais seus laços
com seu local de produção e a instituição de saber da qual faz parte. Isso pode ser
observado na análise de aniversários municipais, como demonstrado em outras
pesquisas (KNACK, 2015; KNACK, 2016).

Como Monteiro (2007, p.95) adverte, o conhecimento escolar é construído com uma
lógica própria e atende objetivos da sociedade onde o ensino é realizado. Esse
procedimento de análise de produções historiográficas/literária comemorativas deve ser
levado para sala de aula, pois os programas escolares incluem inúmeras atividades que
envolvem comemorações de datas, heróis e acontecimentos (BITTENCOURT, 2009,
p.54). Por isso é imprescindível pensar, planejar atividades que envolvam desvendem a
forma como o passado é escrito em função das comemorações, o que orienta a leitura
das inúmeras publicações comemorativas, permitindo aos alunos perceber o sentido que
a história assumiu (ou assume) nesses momentos.

"A construção de sentido histórico na história ensinada exige do professor um exercício


que transita entre história, oralidade, leitura e escrita." (AZEVEDO, 2015, p.133). Nesse
sentido, a leitura de obras comemorativas deve levar em consideração a operação
historiográfica, a percepção sobre o uso dos conectores com o passado e como se está
representando o passado abordado.

Referências bibliográficas

AZEVEDO, Patricia. Ensino de história, história, historiografia e produção de sentido


em práticas de letramento. In: ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO,
Rebeca. (orgs.). O ensino de história em questão: cultura história, usos do passado. Rio
de Janeiro: FGV, 2015.

BITTENCOURT, Circe. As "tradições nacionais" e o ritual das festas cívicas. In:


PINSKY, Jaime. (org.). O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Contexto,
2009.

CAIMI, Flávia Eloísa. Conversas e controvérsias: o ensino de história no Brasil (1980-


1998). Passo Fundo: UPF, 2001.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

KNACK, Eduardo Roberto Jordão. Escrita e leitura da história durante comemorações


municipais em Passo Fundo e Erechim: uma proposta de pesquisa. In: Patrimônio e
Memória. São Paulo, v.11, n.2, 2015.

449
______.Passo Fundo e a construção do imaginário de capital do planalto: comemoração,
memória, visualidade e políticas públicas. (Tese de Doutorado). Porto Alegre: PUCRS,
2016.

MONTEIRO, Ana Maria F.C. Professores de história: entre saberes e práticas. Rio de
Janeiro: Mauada X, 2007.

RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa - Tomo III. Campinas: Papirus, 1997.

______. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar história. 2. ed. São


Paulo: Scipione, 2009.

450
O ESTADO NOVO E A AFIRMAÇÃO DO ENSINO
DE HISTÓRIA COMO APARELHO IDEOLÓGICO
NACIONALISTA
Ellan Eduardo da Silva

Durante o governo constitucionalista de Vargas, as efervescências sociais eram


inúmeras: as influências do nazi fascismo e comunismo, as greves trabalhistas, a criação
da LSN (Lei de Segurança Nacional). Entretanto, poucas instituições retratavam tão
bem o paradigma vivido como a emergência da AIB (Ação Integralista Brasileira) e da
ANL (Aliança Nacional Libertadora). Apesar de antagônicas, ambas comungavam de
um mesmo ideal: o nacionalismo; isso demonstra como a construção de um ideário
nacional varonil foi atuante em quase todo o mundo no período entre guerras.

Em 1937 iniciaram-se os preparativos para a eleição presidencial. Municiados de apoio


no Exército, Vargas, aproveitando-se das agitações comunistas plantadas pela Intentona
de 1935, pelos manifestos dirigidos por Luís Carlos Prestes e pelo receio popular de
uma revolução, organizou o golpe do Estado Novo, cujo estopim foi o denominado
Plano Cohen, o qual detalhava uma revolução comunista. Contanto, o plano foi uma
produção integralista, amplamente divulgada pelo governo como uma ameaça à
soberania nacional.

Durante este período, não houve uma ruptura com os projetos educacionais, mas sim
uma afirmação com o poder ditatorial da centralização do ensino, já que, sendo a
educação uma importante ferramenta da construção da consciência, não poderia estar
nas mãos dos liberais ou dos coronelistas. Outrossim, é a massificação de conceitos
conservadores, tais como família, religião, pátria e trabalho, delegados ao ensino de
história como forma de manutenção da sociedade atuante.

Mais uma vez, o objetivo da educação e do ensino de história se volta ao nacionalismo,


o qual desempenharia um valor maior para o Estado. “A questão que se coloca é que,
servindo à nação, a educação servia ao Estado, instituidor da nação” (Hilsdorf, 2003, p.
99).

No ano de 1935, seguindo a distribuição política adotada por Vargas, outro mineiro
assumiu o comando do Ministério da Educação: Gustavo Capanema.

Capanema rodeou-se de celebridades culturais da época, como Portinari, Lúcio Costa e


Carlos Drummond de Andrade. Este último era seu chefe de gabinete e braço direito do
ministro.

Contanto, o movimento mais atuante foi durante o Estado Novo. Em 1942, Capanema
começara a decretar as “leis orgânicas” decretos-lei que reformara todo ensino
secundário e, posteriormente, o primário. A sua principal intenção foi à criação do

451
ensino industrial, como comprova a “Exposição de Motivos” do decreto-lei Nº 4.073, de
30 de janeiro de 1942:

“O primeiro dos documentos referidos é o projeto da lei orgânica do ensino


industrial, destinada a estabelecer os princípios gerais normativos da
organização dos estabelecimentos de ensino industrial e do funcionamento
dos cursos, das diferentes categorias e modalidades, que os mesmos
estabelecimentos possam ministrar.

O segundo é o projeto de regulamento dos diferentes cursos que as nossas


atuais condições econômicas estão a reclamar.”

O projeto de regulamentação do paradigma econômico citado acima é uma


demonstração da influência política (ideal da industrialização pregado no Estado Novo)
e econômica (integração de um mercado interno no capitalismo nacional) na educação.
“Para Marinete Silva, o ensino priorizado foi o secundário técnico, nas modalidades
agrícola, industrial e comercial, destinado a preparar mão-de-obra para as funções da
“era das máquinas” (HILSDORF, p. 101).

A reforma educacional ocorrida nesse período aproximou algumas figuras escolanovista


do governo, como Lourenço Filho. Isso ocorreu pelas identificações ideológicas, já que
ambos propunham o ensino com bases nacionalistas, operosidade do cidadão,
racionalidade, higienização da sociedade e trabalho educativo. (HILSDORF, p. 102)

É importante frisar o caráter formador do ensino industrial por não excluir totalmente
disciplinas humanísticas e se organizar em ciclos. Entretanto, a dicotomia entre a
educação privada e pública acirrava ainda mais a caracterização classista da educação
brasileira. O ensino de História, apesar de não ter sido extinto, sofreu com o aspecto de
inutilidade frente ao ensino técnico.

Conclusão

Analisar a construção da identidade nacional somente por uma perspectiva (no caso
deste estudo, a educação e o ensino de História) é negligenciar a complexidade da
experiência humana na formação deste ideal fundamental nas sociedades
contemporâneas. Portanto, o objetivo deste estudo é, através de um recorte temático,
tentar alcançar o que foi um importante movimento para a formação do Brasil como
nação.

Outrossim, é a heterogeneidade temporal permitida pela extensão de nosso território,


sendo que diferentes realidades compunham o país, o que torna mais laborioso a
reflexão sobre qualquer condição histórica, seja oficial ou não.

Entretanto, fica claro a intenção política e ideológica do ensino de História no decorrer


da historiografia brasileira, sobretudo para os republicanos que viam a educação como
grande arma para a transformação evolutiva do progresso brasileiro, oferecendo, assim,
o progresso dos tempos modernos (HILSDORF, p. 60). Além de que passaria pela

452
instrução, pelo sentimento de pertencimento, ou seja, identitário, construído a partir de
situarem-se em relação ao seu passado, a manutenção da ordem e do capitalismo.

Por isso, apesar de entre 1930 a 1945 o ensino cientificista estivesse intrinsicamente
ligada às elites, o ensino elementar fora demasiadamente expandido, seja para zonas
urbanas ou para rurais, abrindo aulas noturnas para atingir os trabalhadores.

É importante percebermos que os ideais nacionalistas dos escolanovista influenciaram a


revolução burguesa de 30 e fora ampliado após o fim da primeira república. Hilsdorf
concluiu que os diálogos entre educação e política faziam parte de um projeto de
controle, como ela diz:

“Liberais e católicos têm um projeto (autoritário) da Escola Nova do


exterior, não enquanto mero transplante cultural, uma imposição de ideias
estrangeiras, uma “dominação”, mas porque essa metodologia foi aceita e
considerada um mecanismo eficiente de controle social, para constituir “de
cima para baixo” o povo adequado à nação”.

Por fim, a necessidade do controle social, da ordem, da supressão das greves operárias,
do condicionamento imigrante, do avanço e garantia do capital, da aceitação política e
da firmação do Estado transformaram a educação, sobretudo o ensino de História num
instrumento ofensivo através da narração de um passado único, de homens e fatos
heroicos, para a formação da mentalidade nacionalista, cujo objetivo dos cidadãos
brasileiros era a obediência às leis e da moral para que “todos” comungassem do
progresso capitalista construído pelo trabalho da nação.

Referências:

ABUD, Katia. Formação da alma e do caráter nacional: ensino de História na Era


Vargas. Rev. bras. Hist. vol. 18 n. 36: São Paulo, 1998

FERREIRA, Rita de Cássia Cunha. A Comissão Nacional do Livro Didático durante


o Estado Novo (1937-1945). Dissertação de mestrado Universidade Estadual Paulista.
Assis, 2008.

HILSDORF, Maria Lucia Spedio. História da educação brasileira: leituras. São


Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.

E-Referências:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4073-30-janeiro-
1942-414503-133697-pe.html> acessado em 15 de fevereiro de 2017.

453
ENTRE DITADURA E DEMOCRACIA: UMA
ANÁLISE COMPARATIVA DA HISTÓRIA E
MEMÓRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE 1976 E
2016
Ellen Natucha Pedroza Bezerra

Este trabalho faz parte de uma pesquisa iniciada no Mestrado ProfHistória que visa
realizar uma análise acerca das narrativas da Ditadura Militar nos livros didáticos em
diferentes épocas. Pretendemos identificar quais sujeitos e acontecimentos são
priorizados pelos autores, bem como quais são omitidos na construção dessas narrativas.
Buscaremos também perceber se a Comissão Nacional da Verdade criada pela Lei nº
12.528/2011 está impactando de algum modo o conteúdo do Regime Militar ou até
mesmo se ela é mencionada nos livros didáticos do tempo presente, sendo que em caso
negativo, torna-se necessário problematizar o silêncio.

Nessa perspectiva, analisaremos a relação entre História e Memória a partir de


importantes reflexões teóricas metodológicas abordando distinções conceituais e
relações intrínsecas que lhes são próprias. Também pensaremos o livro didático como
possível lugar de memória, a luz de Pierre Nora, por isso, a necessidade de perceber
como as memórias do Regime Militar são evocadas na construção dessas narrativas e a
problematização das fontes.

São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e
funcional, simultaneamente, somente em graus diversos (...). É material por
seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante, ao mesmo
tempo, a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por
definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência
vividos por um pequeno número uma maioria que deles não participou.
(NORRA, 1993, p.21)

Na análise proposta, faremos um estudo das seguintes fontes: o Livro “História do


Brasil” dos autores Francisco de Assis Silva e Pedro Ivo de Assis Bastos, 1ª edição,
editora Moderna, publicada em 1976 e o livro Didático “História Global” de Gilberto
Cotrim, volume único, 11ª edição, editora Saraiva, publicada em 2016. Com isso,
realizaremos uma análise dessas narrativas de diferentes temporalidades, recorrendo ao
método da História Comparada, a partir das contribuições de Marc Bloch.

Nesse sentido, é importante estabelecer uma relação complementar, embora com


significados diferentes entre a História e a memória da Ditadura Militar, a partir das
reflexões de Catroga:

Pode-se afirmar que a historiografia exorciza a morte, introduzindo-a no


discurso, para criar, como no jogo simulador e dissimulador do culto

454
evocativo dos mortos, a ilusão da sua não existência. Daqui decorre a
necessidade de se construiu um passado para o presente, de modo a que este
se situe num processo com horizontes de futuro (...) marcar um passado, é
dar lugar aos mortos; mas é também, um modo subliminar de redistribuir o
espaço dos possíveis e indicar um sentido para a vida... dos vivos.
(CATROGA, 2001 p. 55)

Para Catroga, há três tipos de memória: a “proto-memória”, fruto, em grande parte do


hábito e da socialização, e fonte dos automatismos que tende a reduzir a distância entre
o passado e o presente; “a memória propriamente dita” que enfatiza a recordação e o
reconhecimento e a metamemória que são as representações que o indivíduo faz da
própria memória. Esses três tipos se interligam num processo estruturante de seleção,
haja vista que a memória é sempre seletiva. Ela é uma representação subjetiva criada a
partir do presente que evoca um “objeto ausente”. Porém, pode desempenhar uma
função social através de liturgia própria de reavivamento, por meios dos ritos de
recordação.

Dialogamos, portanto, com a ideia de Catroga de que a escrita da História no livro


didático tem a tarefa de exorcizar a morte do acontecimento do passado, introduzindo-o
no discurso. A escrita da História assume a função de rito de recordação que para o
tempo, a fim de fazer reviver, simbolicamente, o que já passou. Assim a historiografia
acaba por pedir emprestada alguma coisa à memória, apesar de seus métodos
racionalistas. Diante disso, Catroga concorda com Paul Veyne em relação à História ser
filha da memória. Mas, deixa claro que o contrário também é verdade, uma vez que com
a expansão dos instrumentos de ensino, típico dos tempos atuais, a memória também é
filha da historiografia.

Ao abordar a questão do livro didático, é indispensável lembrar a sua condição de


mercadoria, sujeito a regras que lhes são impostas como as leis de mercado e às normas
e diretrizes que regulamentam o ensino no Brasil. Porém, sem analisarmos o livro a
partir da simplificação de mera mercadoria, pois o entendemos também em função do
seu papel relevante que adquire no ambiente escolar de materializar nas salas de aula do
país o processo de ensino e aprendizagem. Embora não seja o único instrumento de
aprendizagem formal, diante das precárias condições da educação em nosso país, ele
acaba em muitos casos, sendo decisivo na qualidade da aprendizagem.

Para tanto, o livro didático é um produto cultural que é resultado de três instâncias: O
mercado; o Estado e o ambiente escolar. Assim, os livros didáticos assumiram a maior
parte da produção editorial no Brasil, por isso a indústria cultural tornou-se um dos
agentes que definem qual história a ensinar e como ensinar na escola. Assim,
percebemos que ocorre uma sistematização de informações selecionando textos,
ilustrações e conceitos para atuar como instrumento pedagógico que, no entanto, é
limitado e condicionado por razões econômicas e ideológicas que precisam ser
percebidas e refletidas.

O livro didático é antes de tudo uma mercadoria, um produto do mundo da


edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização
pertencente à lógica do mercado. Como mercadoria ele sofre interferências
variadas no seu processo de fabricação e comercialização (...) É importante

455
destacar que o livro didático, como objeto da indústria cultural impõe uma
forma de leitura organizada por profissionais e não exatamente pelo autor.
(BITTENCOURT, 2002, p. 71)

Analisando esses postulados teóricos acerca da historia, historiografia e memória na


dimensão do ensino escolar, buscaremos perceber essa relação no livro didático ao tratar
a ditadura militar, respondendo as seguintes questões: quem deseja recordar? Qual a
versão do passado que se registra e se preserva? O que foi esquecido ou silenciado? Por
quê? Com isso, identificaremos, por meio do comparativismo histórico, as
especificidades e diferenças das narrativas dos livros didáticos em época de Ditadura e
Democracia, indagando acerca dos fatores/elementos que as influenciaram.

Para realização da pesquisa, recorreremos ao método historiográfico da História


Comparada que consiste simultaneamente em um modo específico de “observar a
História” e a escolha de um “campo de observação” de determinado tipo que impõe um
recorte de tempo que atravessa múltiplas realidades socioeconômicas, políticas e
culturais (1966 a 2016) com a intenção de observar a realidade histórica, a partir de uma
reflexão atenta às semelhanças e às diferenças.

Com a História Comparada construiremos a pesquisa, através da confluência de


indagações como: o que observar nos livros didáticos? Quando observar? E uma terceira
questão que se desdobra das anteriores e não menos relevante: como tratar os resultados
observados?

Comparar é uma forma de propor e refletir questões, um trabalho inerente ao


historiador. Lembramos aqui a citação de Paul Veyne ao considerar que “toda História é
comparada”. Concordamos que as atividades de elencar semelhanças e diferenças,
fazendo analogias são familiares ao historiador. Porém, o método proposto de História
Comparada para esta pesquisa é um campo específico que estabelece uma modalidade
historiográfica colocando em confronto realidades nacionais distintas. Assim,
analisaremos a produção historiográfica que necessariamente parte de um lugar social, à
luz de Michel de Certeau ao longo de 60 anos, recorte temporal que perpassa por
períodos de ditadura, repressão, anistia, distensão, redemocratização até os dias atuais.

Diante destas questões, consideraremos norteadoras, para a pesquisa, as reflexões de


Mac Bloch que fixou os requisitos fundamentais da História Comparada no contexto
pós Primeira Guerra Mundial, uma modalidade de estudo muito bem exemplifica com a
obra Os Reis Taumaturgos (1993):

Estudar paralelamente sociedades vizinhas e contemporâneas,


constantemente umas influenciadas pelas outras, sujeitas em seu
desenvolvimento, devido a sua proximidade e sincronização, à ação das
mesmas grandes causas, e remontando, ao menos parcialmente, a sua
origem comum. (BLOCH, 1993, p. 19)

Utilizaremos, portanto a abordagem comparativista, a fim de submeter os diversos


livros didáticos que estão sendo analisados, ao longo de um recorte de 60 anos, a um
conjunto de variáveis políticas e sociais que se passam na conjuntura nacional e, a partir

456
daí, perceber como e por que as narrativas abordam determinados sujeitos e
acontecimentos, bem como silenciam outros.

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes (org.). O saber histórico na sala de aula.


São Paulo: Contexto, 2002.

BLOCH, Marc. Os reis Taumaturgos- o caráter sobrenatural do poder régio.


França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das letras, 1993.

CATROGA, Fernando. Memória e História in Pesavento, Sandra. Fronteira do


Milênio, Porto Alegre. Editora da Universidade, 2001.

CERTEAU, Michel. A operação historiográfica in A Escrita da História. Rio de


Janeiro. Forense Universitária, 2002.

NORA, Pierre. Entre a Memória e a História- a problemática dos lugares. Proj.


História São Paulo, 1993.

457
ENSINAR HISTÓRIA DO BRASIL COLONIAL: O
PROFESSOR DE HISTÓRIA ENTRE CHOQUES
DE PERSPECTIVAS
Estevam Henrique dos Santos Machado

Durante sessenta anos duas leituras filo-marxistas disputaram e se sucederam na busca


por uma hegemonia do pensamento, da pesquisa e do ensino do Brasil colonial. Essas
leituras paradigmáticas estavam pautadas nos pensamentos de um lado, de Caio Prado
Júnior e o seu “sentido da colonização” e de outro de Ciro Cardoso e Jacob Gorender
que na década de 70 criaram a perspectiva do “modo de produção escravista colonial”
(FRAGOSO & FLORENTINO, 2001)

Num ponto de vista teleológico, Caio Prado assinala que as características inerentes à
nação no início de seu desenvolvimento irão apontar para uma realidade específica pré-
determinada, sempre num sentido, ou como o próprio falava numa “linha mestra
ininterrupta de acontecimentos” (PRADO JÚNIOR,1977: 19) esta fadada a uma
orientação final. Logo essa interpretação vai se aliar à ideia de um sistema fechado
existente na América portuguesa de subordinação da colônia em relação à metrópole, o
que se denominou Pacto Colonial. Aliado a esses aspectos surge uma simplificação do
sistema colonial brasileiro, sendo este composto por três unidades básicas: monocultura,
latifúndio e trabalho escravo (RICUPERO, 2011: 141).

No outro lado do Atlântico, na década de 1980, a historiografia italiana tenta


(re)significar conceitos como Estado, Centralização, Poder Absoluto e Império. Pautada
tanto no marxista Antônio Gramsci como no conservador Otto Brunner, essa visão
revisionista angaria novos seguidores na península Ibérica, dentre eles os espanhóis
Bartolomé Clavero e Fernandez Albadejo e os portugueses António Manuel Hespanha,
Nuno Monteiro, Maria Fernanda Olival, Pedro Cardim, Ângela Xavier, entre outros
(HESPANHA, 2010).

No Brasil, nas décadas de 1980 e 1990 com a proliferação dos programas de pós-
graduação no país é realizada uma série de pesquisas que começam a contradizer o que
havia sido postulado pelos historiadores clássicos marxistas (FRAGOSO, 2012) As
noções como Pacto e Exclusivo colonial, assim como a tese de haver uma acumulação
exógena da riqueza criada na colônia, são refutadas baseadas na documentação, nos
textos jurídicos e na própria observação da logística do império português. Percebe-se
uma pluralidade maior de atores sociais influenciando nas tomadas de decisões e uma
metrópole “menos” absoluta.

Acrescentando ainda mais às discussões houve um retorno aos trabalhos clássicos de


brasilianistas como Boxer, Russell-Wood, Maxwell, kennedy, entre outros, que por não
estarem presos ás amarras teórica-metodológicas haviam sido postos no esquecimento
pelos historiadores marxistas. Nesse sentido o método utilizado para análise documental

458
também teve que ser problematizado, além das clássicas pesquisas seriais e
quantitativas, houve uma preocupação em estabelecer e problematizar com maior
profundidade os quadros sociais (SOUZA, 2012: 41).

Atualmente os debates não cessaram e os defensores do Antigo Sistema colonial são


apontados como membros da Escola paulista, esta marxista e radicada na USP,
seguidora ferrenha das ideias de Fernando Novais. Já os adeptos do que se configurou
como Antigo Regime nos Trópicos são chamados de Escola Carioca com seu centro de
influência a UFF e a UFRJ. Diante desse debate acalorado – que a historiografia
brasileira vem travando há alguns anos em congressos, simpósios, livros, mesas
redondas – pouco se vem debatendo de como essas novas perspectivas historiográficas
trazidas à tona pelos historiadores revisionistas, tanto os do Velho como o do Novo
mundo, podem ser tratadas em sala de aula.

A simplificação dos conteúdos é um reflexo não só da formatação das provas e seleções


de vestibulares, mas também do ensino ministrado ainda hoje no Brasil, e nesse
contexto o ensino de história que até hoje traz arraigado uma carga ideológica. É
importante repensar o papel da disciplina de história dentro do contexto escolar. Se cabe
a crítica à escola tradicional e sua forma essencialmente memorialística de trabalhar
história que sempre se remonta a datas, nomes e feitos. Dessa mesma forma cabe,
também, um esforço de problematizar e criticar a utilização de determinados esquemas
explicativos que, mesmo com sua capacidade de “simplificar” o conteúdo e, assim,
alcançar o entendimento do aluno.

Esse simplificar norteia o entendimento para outro sentido, tanto é assim que é comum
ouvir pessoas que depois de entrar num curso superior de história afirmam que o que
aprenderam na escola estava tudo “errado”. Por que elas pensam isso? Precisamos,
portanto encarar a origem dessa simplificação. André Chervel (2008) ao analisar a
gênese das disciplinas escolares e no nosso caso da disciplina de história ele percebeu
que a história ensinada na escola não é uma simplificação ou vulgarização da “história
dos historiadores”. A escola teria, então, um duplo poder de criação e de seleção daquilo
que seria passado aos alunos.

No Entender de Circe Bittencourt (2003: 28-29) ao dissociar a história dos historiadores


da história escolar Chervel acaba retirando a ação criadora do professor, colocando-o
como mero reprodutor da história produzida no ambiente acadêmico, porém realiza a
ressalva de sugerir que antes de tomar esta premissa de criação efetiva das disciplinas
escolares dentro de seu próprio circuito como verdade é necessário realizar pesquisas e
analisar caso a caso, disciplinas e conteúdos.

A história, assim como a sua disciplina escolar vivem constantemente no que Christian
Laville (1999) denominou de “guerra das narrativas”, num artigo pertinente cheio de
ilustrações históricas demonstra que o ensino de história serve a diferentes aspectos
políticos de determinada sociedade: para manter a ordem estabelecida, quando os
estados se reconstituem, para lutar contra o Estado ou para definir uma identidade
supranacional (LAVILLE, 1999: 134)

É importante destacar que nesse período de ditadura é que Fernando Novais e outros
pesquisadores marxistas vão efetivamente colocar as suas ideias na discussão nos meios

459
universitários e secundaristas e com o passar dos anos irá se realizar uma transposição
desses modelos explicativos para os livros didáticos.

No meio universitário uma rica produção está sendo constantemente realizada, tanto do
lado marxista quanto do revisionista. E que mesmo com a perda da pujança dessa
historiografia marxista, ela ainda continua relativamente forte e sustentando suas
convicções. Esse debate reverbera nos profissionais formados por esses centros
universitários e de como eles vão transpor esses ensinamentos aos seus alunos, tanto na
forma de crítica aos livros que venham com essa visão esquemática e estrutural como
também na valorização da pesquisa individual e da criação de um senso crítico efetivo.

Lana Siman (2007: 41) quando analisa o programa de história no Brasil e sua
assimilação pelos professores percebe claramente uma mudança de uma memória oficial
dos tempos ditatoriais, passando para uma história explicativa, onde enquadro Fernando
Novais e na sequência uma história-problema. Processo este repleto de rupturas e
continuações, e onde a ruptura não se deu por completo. Percebe-se ainda nos diversos
meios do saber uma forte sobrevida do pensamento marxista ortodoxo, assim como do
pensamento positivista, estes mantenedores do caráter teleológico da história
(FONSECA, 2008: 44).

A história, seu ensino e seus conteúdos devem ser colocados aos alunos como
construções históricas (CASTORIADIS, 1982). E como construções históricas estão
passíveis a criticas. Nesse sentido as críticas, interna e externa, (MARROU, s/d: 93-4),
práticas metodológicas dos positivistas podem ser uma ferramenta eficaz nesse
processo. Indagar quem escreveu o livro didático? Onde este autor se formou? Já seria
fazer uma crítica externa, por exemplo. Além disso, alguns pontos devem ser
considerados à respeito do livro didático, por ser um tema controverso.

Para alguns é necessário abolir o seu uso em sala de aula, contrário a essa ideia Fonseca
afirma que “não é possível conduzir o ensino dessas disciplinas sem o texto escrito,
principal fonte e ferramenta do processo ensino e aprendizagem de história”
(FONSECA, 2008: 44), o grande problema é a polarização, a utilização exclusiva,
unidimensional do livro didático em história.

Os livros didáticos carregam valores sutis, as vezes nem tão sutis assim, é importante
trabalhar com ideia de que o livro didático não é inquestionável, tão longe de ser apenas
ferramentas pedagógicas, os livros didáticos contém valores que são levadas às gerações
mais jovens, “nessa perspectiva, os livros, para além de se constituírem em vetores
ideológicos, são fontes abundantes, diversificadas e, ao mesmo tempo, completas, visto
que cada obra constitui uma unidade própria e coerente, com princípio, meio e fim”
(MIRANDA & DE LUCA, 2004: 131).

Jaime e Carla Pinsk (2007) afirmam que a prática docente em história deve ter quatro
aspectos, se adequada aos novos tempos, rica de conteúdo, responsável socialmente e
sem ingenuidade ou nostalgia. Alertam para a desconstrução em sala de aula, ressaltam
sua importância como método, porém deve ser utilizada com cautela, mesmo que o
professor tenha domínio das versões, o desconstrutivismo acaba gerando um vazio no
entendimento dos alunos, “é preciso que os alunos tenham acesso a algum conteúdo
histórico e que entendam sua contextualização” (PINSKY & PINSKY, 2007: 25).

460
Os autores criticam essa posição niilista de alguns profissionais e nessa sequência
apontam soluções como a do despertar o interesse do aluno a partir de temas com uma
atualidade, fazer com que eles percebam a historicidade de conceitos, etc. Tudo se
resume, de fato, a uma questão de abordagem. E essa abordagem, pode sim concatenar
diversos ramos da história, integrar a história social à história das mentalidades e do
cotidiano.

A instrumentalização do processo, proposta pelos autores de fazer analogias, trazer o


tema para o prisma atual, trabalhar conceitos e documentos nos ajuda bastante a
perceber novas possibilidades.

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria F. Disciplinas escolares: história e pesquisa. In: M. A.


T. de OLIVEIRA; S. M. F. RANZI. História das disciplinas escolares no Brasil:
contribuições para o debate. Bragança Paulista: Edusf, 2003.

CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1982.

CHERVEL, André. História das disciplina escolares: reflexões sobre um campo de


pesquisa. Teoria & Educação. Porto Alegre: Pannonica, n.2, p.117-229, 1990. Apud: O.
Cardoso. Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira de História.
São Paulo, v. 28, nº 55, 2008.

FONSECA, Selva. Didática e Prática de Ensino de História. Campinas: Papirus, 2008.

FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto. Mercado


atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia, Rio de
Janeiro, c.1790- c.1840. Civilização brasileira, rio de Janeiro, 2001.

FRAGOSO, João. Modelos explicativos da chamada economia colonial e a ideia de


Monarquia Pluricontinental: notas de um ensaio. Revista História (São Paulo) v.31,
n.2, 2012.

HESPANHA, António Manuel. A constituição do império Português. Revisão de alguns


enviesamentos correntes. In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda,
GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O antigo Regime nos trópicos: A dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII) 2ª edição. Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 2010.

HESPANHA, António Manuel. Antigo regime nos trópicos? Um debate sobre o modelo
político do império colonial português. FRAGOSO, João, GOUVÊA, Maria de Fátima,
(orgs.). Na trama das redes: Política e negócios no império, séculos XVI-XVIII.
Civilização brasileira, rio de Janeiro, 2010.

LAVILLE, Christian . A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de


História. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 19, nº 38, 1999.

461
MARROU, Henri. Do conhecimento histórico. 3ª edição. Editora Aster, Lisboa s/d.

MIRANDA, Sonia Regina; DE LUCA, Tania Regina. O livro didático de história hoje:
um panorama a partir do PNLD. IN: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº
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PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla. Por uma história prazerosa e consequente. IN: L.
Karnal (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. Editora
contexto, São Paulo, 2007

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Brasiliense, São Paulo,


1977.

RICUPERO Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. Editora Palameda,


São Paulo, 2011.

SIMAN, Lana. Um programa de História num contexto de mudanças sociopolítcas e


paradigmáticas: a voz dos professores. Revista Tempo, v11, n21, 2007.

SOUZA, George F. Cabral de. Tratos e Mofatras: O grupo mercantil do Recife colonial
(c. 1645 – c.1759). Editora Universitária UFPE, Recife, 2012.

462
EDUCAÇÃO PARA POUCOS NOS PRIMEIROS
ANOS DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Everton Aparecido Moreira de Souza
Renato Scherrer

A Independência, em teoria, seria o acontecimento que começaria a colocar as nossas


coisas nos trilhos. Com esse importante acontecimento era de se esperar que o “vazio
educacional” provocado pela saída da Companhia de Jesus fosse preenchido por uma
inteligente política nacional de fomento à educação. E parecia que isso realmente iria
acontecer. Vejamos. Dom Pedro I, em 1823, lançou um concurso que tinha como
objetivo fomentar a criação de um plano educacional a fim de “estimular o surgimento
de um Tratado Completo de Educação da Mocidade Brasileira” (SAVIANI, 2011, p.
119). Martin Francisco fez um projeto, que, contudo, não fora levado adiante, assim
como também o concurso em si não fora levado a bom termo. Com efeito, algum tempo
depois, a Constituição de 1824, no artigo 179, limitou-se a dizer que “a instrução
primária é gratuita a todos os cidadãos”.

No ano de 1827 foi outorgada a 1ª lei educacional do país. Essa lei determinava a
criação de Escolas de Primeiras Letras e adotou o ensino mútuo como metodologia de
ensino. A adoção desse método visava massificar de forma rápida a alfabetização e
escolarização básicas no país. Como o país vivia o regime político do padroado, a
religião Católica era obrigatoriamente ensinada nas escolas. A indisciplina era punida
pelos professores, configurando, assim, o “sadismo pedagógico” exaustivamente
analisado por Bittar (2009). Essa lei previa ainda a instalação de escolas “em todas as
cidades, vilas e lugares populosos” (SAVIANI, 2011, p. 129). Para um país que há
pouco tempo não passava de uma colônia de exploração, uma lei como essa sinalizava
que as mudanças rumo ao progresso estavam a caminho.

Cumpre salientar que em 1827 o Império criou dois cursos de Direito, um em São Paulo
e o outro em Recife. A criação desses dois cursos superiores visava a formação da elite
escravocrata brasileira. Esses foram os únicos cursos de direito em todo o Império
(FERREIRA Jr., 2010, p. 37). Essa educação superior contribuiu sobremaneira para a
perpetuação da hegemonia das elites e também para a conservação da unidade territorial
e ideológica no Brasil. A esse respeito, Fausto (2009, p. 184) ensina-nos de forma
categórica.

Essa homogeneidade resultaria, principalmente, da educação e da profissão


comuns. A maioria dos membros da elite era formada por gente que tinha
educação de nível superior. Esse fato, constituía [...] um elemento poderoso
de unificação ideológica por três razões. Em primeiro lugar, como muitas
poucas pessoas tinham instrução, a elite era uma ilha de letrados em um mar
de analfabetos. Em segundo lugar, por que a educação superior s
concentrava nos estudos jurídicos e fornecia assim um núcleo homogêneo

463
de conhecimentos e habilidades. Em terceiro lugar, porque as faculdades de
direito se resumiam, até a Independência, [...] às faculdades de São Paulo e
Olinda/Recife.

Contrasta fortemente com a situação brasileira, no aspecto educacional, a situação dos


países vizinhos. Segundo Fausto (Ibidem, p. 111 - 112), “a Espanha criou na América
várias universidades: a de São Domingos, em 1538, e as de São Marcos, em Lima, e da
Cidade do México, em 1551”. Portugal não seguiu o mesmo caminho porque tinha
medo de que, ao fomentar o estudo, estaria fomentando, ao mesmo tempo, a
emancipação da Colônia.

Todavia, voltando para a questão da educação básica, a abdicação de Dom Pedro I e a


instalação das regências como modos provisórios de governo viriam mudá-la de forma
drástica e abrupta.

Nesse sentido, no ano de 1834, o Ato Adicional “revogou o Inciso XXXII do Artigo
179 da Constituição de 1824, pois o governo central transferiu às províncias [hoje
estados] o encargo de financiar a criação de escolas primárias e gratuitas a todos os
cidadãos” (FERREIRA Jr., 2010, p. 39). Essa foi uma péssima jogada política para a
educação. Como cada província tinha uma saúde financeira que diferia muito das outras,
a implantação efetiva da educação básica para os brasileiros ficou refém da realidade
econômica de cada região. O correto seria que todas as províncias progredissem juntas,
no mesmo ritmo, para que o país pudesse crescer num movimento homogêneo. E, para
agravar a situação, o Brasil passava nessa época por uma grave situação financeira (a
abdicação de Dom Pedro I sinalizou isso), sendo assim, não fora dessa vez que a
educação básica pode, de fato, ser estendida para o povo brasileiro. A educação ainda
continuava a ser privilégio de poucos.

O símbolo máximo do elitismo e da exclusão da educação no Brasil foi a criação do


Colégio Dom Pedro II, no município de Neutro. Hoje, como sabemos, o certificado de
Ensino Médio pode ser tirado de várias formas. Naquela época, contudo, somente o
Colégio Dom Pedro II é que poderia conferir essa titulação a alguém. Todavia, não
obstante esse referido colégio tivesse a prerrogativa única de emissão de certificação,
isso não implica em dizer que só existia ele no período. Cumpre esclarecer que o
Colégio Dom Pedro II era público. No Brasil existiram muitas escolas de excelente
qualidade e que eram públicas. Mas, como a história nos mostra, quando há qualidade
não há massa popular. Qualidade é, em nosso caso, um atributo intrinsecamente ligado
aos que possuem poder e dinheiro. Voltando ao raciocínio anterior, além da escola
pública oficial imperial, existiam as escolas privadas. Sobre esse aspecto, Saviani (2011,
p. 141) nos ensina que

com certeza o protótipo de iniciativa particular em matéria de instrução no


decorrer do Segundo Império corporificou-se na figura de Abílio César
Borges, o Barão de Macahubas. Além de criar os próprios colégios, exercia
um verdadeiro mecenato, distribuindo, pelos quatro cantos do país, livros
por ele escritos ou traduzidos e materiais didáticos por ele inventados ou
adquiridos.

464
É evidente que, além das escolas particulares de Abílio César Borges, coexistiam outras
sob a tutela das ordens religiosas católicas. Mas se só o Colégio Dom Pedro é que podia
emitir o diploma, como ficava a situação dos estudantes que moravam longe do
município de Neutro (RJ) e que por isso precisavam frequentar os colégios particulares?
Ficavam esses discentes sem certificação? Ferreira Jr. (2010, p. 44) responde-nos a essa
questão.

Já para os jovens das elites agrárias que viviam nas províncias e tinham
como objetivo cursar o ensino superior, o processo era o seguinte: primeiro
eles frequentavam os poucos liceus e colégios particulares que existiam e,
depois, dirigiam-se à cidade do Rio de Janeiro para prestar os exames
parcelados oferecidos pelo Colégio Dom Pedro II, ou seja, um exame para
cada uma das disciplinas que compunham o currículo do ensino secundário
oficial de sete anos.

E, evidentemente, só podiam ingressar nos cursos de Direto aqueles que tivessem o


diploma de “bacharel em ensino médio”. Esse colégio não era elitista somente pelo fato
de ser um em todo o Império, mas também por sua grade curricular carregada de
disciplinas humanísticas (Cf. Ibidem, p. 45). Vê-se que a intenção não era estimular o
crescimento intelectual como um todo, mas sim fomentar o conhecimento jurídico
voltado para dominação, pela lei, dos ricos para com os mais pobres. Mais uma vez
vemos aqui a educação estruturada (acesso ao ensino secundário e depois ao
universitário) de modo a visar não o bem comum, mas sim o bem de poucos. Corrobora
essa tese, segundo Fausto (2009, p. 237), o Brasil constar com cerca de 80% de
analfabetos entre a população livre. Em linhas gerais, assim foi a educação no Império.

Referências bibliográficas

BITTAR, Marisa. História da Educação: da Antiguidade à época contemporânea. São


Carlos, SP: EdUFSCar, 2009.

BITTAR, Marisa; BITTAR, Mariluce. História da Educação no Brasil: a escola pública


no processo de democratização da sociedade. Acta Scientiarum. Education, Maringá,
v. 34, n. 2, p. 157 – 168, jul./dez. 2012.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed., 1. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2009.

FERREIRA Jr., Amarilio. História da Educação Brasileira: da Colônia ao século XX.


São Carlos, SP: EdUFSCar, 2010.

SAVIANI, Demerval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3. ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2011.

465
A ESCOLA VISTA POR DENTRO: A SITUAÇÃO
DAS ESCOLAS DO ENSINO PRIMÁRIO NA
CIDADE DE SALVADOR EM 1913
Fabiano Moreira da Silva

Esse artigo trata das condições precárias de trabalho dos professores do ensino primário
de Salvador nas primeiras décadas republicanas tendo por base a situação dos prédios e
das casas onde estavam instaladas as escolas pelos distritos da cidade. Através de
reportagens publicadas na imprensa e textos memorialísticos foi possível conhecer a
dura realidade do professorado municipal que exerciam o seu ofício em imóveis que
funcionavam, na sua maioria, em casas e prédios alugados que eram adaptados para
servirem como escola.

A regulamentação do ensino público na Bahia se deu pela Lei nº 117, de 24 de agosto


de 1895, que reafirmava no artigo 6º a competência dos municípios em criar, manter e
fiscalizar o ensino primário. O imperativo da Lei colocava para o município a
responsabilidade de administrar uma estrutura grande e custosa. Segundo Santos (2001,
p.34), a repartição municipal ligada ao ensino primário compunha-se principalmente de
professores e era aproximadamente metade dos funcionários municipais entre os anos
de 1890 a 1930.

As complexidades enfrentadas pela administração municipal na implantação e expansão


da instrução primária no município de Salvador foi assunto abordado pelos periódicos
que circulavam na cidade como o jornal Moderno que abordou o tema apresentando as
dificuldades pelas quais passavam alunos e professores.

Em 1913, entre os meses de setembro a novembro, o jornal Moderno realizou uma série
de reportagem intitulada “Outro Inquérito Útil” que se propôs a percorrer as diversas
escolas do ensino primário da capital baiana para saber em que pé se achava o ensino
municipal e quais eram as suas necessidades. Naquele ano os repórteres percorreram 18
escolas em diferentes distritos da cidade realizando entrevistas com as professoras
responsáveis pelas escolas e descreveram as condições físicas e materiais dos
estabelecimentos de ensino. Segundo Santos (2001, p.50) no magistério entre os anos de
1897 a 1920 a predominância feminina foi crescente.

Os imóveis onde funcionavam as escolas primárias visitadas pela reportagem não eram
prédios construídos para fins escolares, tratava-se de imóveis residenciais ou comercias
que eram adaptados para que fossem ministrados aulas. Essa adaptação não levava em
conta aspectos pedagógicos, conforto, adaptabilidade ou higiene, mas a disponibilidade
de um imóvel que oferecesse um mínimo de espaço para abrigar uma sala de aula e que
pudesse ser custeada pelo professor já que eram eles que faziam o papel de locatário.

A professora Emilia Lobo Vianna durante entrevista ao jornal Moderno publicada em 9


de setembro de 1913 fez uma crítica a essa situação ao informar ao repórter que pagava

466
100$000 (cem contos de réis) de aluguel em um segundo andar e um sótão onde
acomodava 190 alunas e somente recebia 50$000 (cinquenta contos de réis) de auxílio
por parte da intendência municipal (prefeitura ) tendo que complementar com seu
salário de que chamava de “ganha pão”. A reclamação em relação ao valor que a
intendência destinava para o custeio do aluguel foi recorrente entre as professoras
entrevistadas.

Nas escolas visitadas havia uma diferença entre alunos matriculados e os presentes em
sala de aula. A situação de pobreza da população e a necessidade de buscar o sustento
numa cidade que conviva com a carestia era apontado como principal motivo para a
baixa frequência escolar. Um exemplo dessa situação é descrito pela professora Maria
Augusta d’Oliveira que ao ser questionada sobre a diferença entre alunas matriculadas e
as presentes respondeu que escola possuía em sua maioria meninas pobres que faltavam
no final e início da semana porque eram os dias que os pais empobrecidos precisavam
mais de seus filhos, para os ajudarem (OUTRO INQUERITO...,1913, p.1). A pobreza
também é o motivo citado pela professora Jesuína Beatriz d’Oliveira pela diferença
entre matriculadas e frequentadores nas escolas (OUTRO INQUERITO...,1913, p.2).

Aliada a essa situação de pobreza pode-se pontuar que a escola não era atrativa tanto no
seu aspecto físico como didático. Lembra o professor Álvaro Zózimo que a escola para
o aluno iniciante era “motivo de medo e repulsa, acentuados pela figura austera e até
ameaçadora do professor, demonstrando a possibilidade de castigos corporais, tendo a
palmatória como seu maior instrumento.” (ZÓZIMO, 2000, p.21). A escola era descrita
como desconfortável em relação ao seu mobiliário muito deles envelhecidos,
improvisados e em alguns casos era necessário que os alunos levassem os seus próprios
bancos para assistirem as aulas.

Foi durante a visita numa das escolas que os repórteres do jornal testemunharam uma
situação que se aproxima das lembranças do professor Álvaro Zózimo. Após subirem
uma longa escada os repórteres chegaram à sala de aula onde se encontrava a aluna-
mestra Maria José de Figuerêdo Gesteira castigando um dos seus alunos com bolos
utilizando uma palmatória. Pedindo desculpas aos visitantes a professora suspendeu o
castigo e informou que era uma necessidade, um “ estimuluzinho ” e justificava sua
ação, alisando a cabeça do aluno dizendo que “ não é máo (sic) um bolinho”. A criança
respondeu de maneira impulsiva, “eu não gosto, não!”. Talvez não fosse somente do
castigo que a criança não gostava, mas também de estudar em uma escola próxima ao
trapiche e a zona portuária onde uma mistura de odores vinda dos depósitos de
mercadorias composta de fumo, café, couro e pescados deixavam, segundo os
repórteres, “um odor esquisito e desagradável ao orphato (sic).”(INQUÉRITO, 1913,
p.2).

A equipe do jornal Moderno publicou em 7 de novembro de 1913 a visita a escola da


professora Eufrosina Amélia de Miranda que ministrava aula para 32 alunos do sexo
masculino no distrito do Pilar em uma casa localizada em frente a um depósito de
carvão o que provocava a presença do pó negro na sala de aula, nas portas e janelas. A
professora apresentou suas queixas em relação às condições que se encontravam o
ensino e convidou os repórteres a chegarem até uma janela que dava vista para a praia e
mostrou um grupo de crianças que estavam fora da escola observando que havia mais
meninos na praia rolando nas areias , jogando pedras na água e brincando com os outros

467
do que na sua sala de aula. Para a professora a solução seria o ensino obrigatório. Talvez
a sua fala expressasse o desejo de uma maior ação do poder público já que o ensino era
obrigatório para crianças entre 06 e 14 anos de idade. Além dessa escola próxima a um
depósito de carvão houve também a visita da equipe do Moderno a uma escola, também
do sexo masculino, que estava próximo ao trapiche e que por isso convivia com um
odor desagradável na opinião dos jornalistas. Ainda havia escolas situadas em casa
pequenas, com paredes úmidas, paredes rachadas, com pouca ventilação e baixa
iluminação.

Tido como assunto relevante no projeto republicano, o ensino público estava presente
nas leis e nos discursos. Ao tratar da relevância que a educação tinha no projeto
republicano Luz (2008, p.234) afirma que a escola tornou-se o principal instrumento da
utopia de civilização para o progresso, normatização, disciplina, moralização, a
formação do cidadão cônscio do seu dever. O projeto era desafiador e de difícil
implantação porque a utopia republicana teve que se deparar com a realidade de uma
estrutura precária e com a falta de recursos que impedia a oferta de condições melhores
para prática do ensino. Ao descreverem as condições das escolas os repórteres do jornal
deixaram a certeza do quão distante os discursos estavam da realidade.

Referências

LUZ, José Augusto R. Educação, progresso e infância na Salvador Republicana:


percursos históricos. In LUZ, José Augusto R. ; SILVA, José Carlos de A. (orgs.).
História da Educação na Bahia. Salvador: Arcádia, 2008, p.233-266.

OUTRO INQUÉRITO ÚTIL. Jornal Moderno, Salvador, p.1, 14 de out de 1913

INQUÉRITO ÚTIL. Jornal Moderno, Salvador, p.2, 4 de nov. de 1913.

ZÓZIMO, Álvaro. Sempre a serviço da educação: uma experiência de vida de mais


de 80 anos. Edição do autor, 2000.

SANTOS, Mário Augusto da Silva. A República do povo: sobrevivência e tensão:


Salvador (1890-1930). Salvador: EDUFBA, 2001.

468
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS
POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
NO BRASIL
Felipe Augusto Fernandes Borges
Saulo Henrique Justiniano Silva

A formação docente no Brasil tem sido objeto de inúmeras discussões e debates,


advindos de estudiosos da educação, os quais explicitam a atual situação do ensino,
tendo por base a formação desses docentes e sua atuação enquanto educadores.

O presente artigo tem por objetivo problematizar o histórico das políticas de formação
de professores no Brasil, bem como suas transformações e mudanças.

No início dos processos de educação formal no Brasil, não houve grandes preocupações
com a formação dos professores. Esse período compreendeu “desde os colégios jesuítas
[...] até os cursos superiores criados a partir da vinda de D. João VI em 1808 [...]”
(SAVIANI, 2006, p.03). Para compreendermos melhor a situação, é válido lembrar que
a primeira escola normal, própria para a formação de professores, foi criada no Brasil
apenas em 1835, no Rio de Janeiro. Essa escola transplantava um modelo europeu de
ensino, era comandada por um diretor que também trabalhava como professor e tinha
seu currículo resumido em: “ler e escrever pelo método lancasteriano; as quatro
operações e proporções; a língua nacional, elementos de geografia; princípios de moral
cristã” (TANURI, 2000, p.64).

O pequeno número de alunos nas escolas normais denotou a falta de interesse pela
profissão docente, haja vista que, após quatro anos de funcionamento, a primeira escola
normal do Brasil havia formado apenas 14 alunos, e destes somente 11 seguiram
carreira no magistério.

Sob a interpretação de Tanuri (2000), apenas partir de 1868/70 é que aconteceram


profundas transformações ideológicas, tanto políticas como culturais. A volta de muitos
intelectuais que haviam ido estudar na Europa, sobretudo na França, impulsionou uma
renovação no ideário nacional. Segundo a mesma autora, nesse momento é que a
educação é definida como fundamental para o desenvolvimento social e econômico de
uma nação.

Se até então o número de alunos para as escolas normais fora reduzido, a partir desse
momento passou a ser procuradas por um maior número de pessoas, influenciada por
essa nova corrente ideológica, que apregoava arduamente a difusão do ensino, das
“luzes”, como eram referidas.

469
Há também nesse período uma abertura, ainda que pequena, ao público feminino para as
escolas normais, e o aperfeiçoamento do currículo até então adotado. Tanuri especifica:

Paralelamente à valorização das escolas normais, ocorre também


enriquecimento de seu currículo, ampliação dos requisitos para ingresso e
sua abertura ao elemento feminino. As primeiras escolas normais – de
Niterói, Bahia, São Paulo, Pernambuco, entre outras – foram destinadas
exclusivamente aos elementos do sexo masculino, simplesmente excluindo-
se as mulheres ou prevendo-se a futura criação de escolas normais
femininas. Aliás, mecanismos de exclusão refletiam-se mesmo na escola
primária, onde o currículo para o sexo feminino era mais reduzido e
diferenciado, contemplando o domínio de trabalhos domésticos. Nos anos
finais do Império, as escolas normais foram sendo abertas às mulheres, nelas
predominando progressivamente a frequência feminina e introduzindo-se
em algumas a co-educação (2000, p.66).

A abertura ao gênero feminino na escola normal refletiu a ideia socialmente


naturalizada de que a mulher deveria ser a responsável pela educação da infância,
entendendo-se que ela poderia ser uma extensão de sua função social doméstica: o papel
de mãe e educadora. Por outro lado, o trabalho feminino como docente resolveria o
problema da falta de mão-de-obra na escola primária, pouco procurada por homens, em
vista aos baixos salários oferecidos.

A partir da transição Império – República subentende-se que deveria também haver


modificações de âmbito educacional. Porém o novo regime, apesar de suas
transformações governamentais e jurídicas, não trouxe grandes mudanças ou mesmo
transformações no que diz respeito à formação dos professores.

As diferenças de condições no ensino vistas nos estados deixaram espaço para que
pudessem formar-se movimentos para conclamar o Governo Central a participar
ativamente da organização e estruturação da educação no Brasil. Esses movimentos se
tornaram mais sólidos a partir dos movimentos nacionalistas, que apareceram no Brasil
durante a Primeira Guerra. Chega-se “a postular a centralização de todo o sistema de
formação de professores ou a criação de escolas normais-modelo nos estados”
(TANURI, 2000, p. 68).

Apesar dos movimentos, a Primeira República não chegou a financiar ou mesmo


organizar o ensino normal, que ficou a cargo de cada estado que os organizou a partir
dos ideais de seus próprios intelectuais e/ou reformadores.

Ressalta-se, todavia, que a ausência do Governo Federal no ensino normal não


significou que este não tenha sofrido mudanças ou melhoras neste período. Destaca-se
nesse sentido a reforma ocorrida no estado de São Paulo. Esse estado havia se tornado o
principal eixo econômico do Brasil, e, a partir de 1890 os reformadores paulistas
consolidaram a reforma na instrução pública paulista (TANURI, 2000).

A reforma ocorrida em São Paulo passou a valorizar, ao contrário do primeiro modelo


da escola normal, a prática pedagógica como parte da formação docente. A implantação
da Escola-Modelo foi um salto com relação à antiga formação, que preocupava-se

470
apenas com a assimilação dos conteúdos. A partir da implantação das Escolas-Modelo
migrou-se para a teoria de que o docente também deveria ser preparado de forma
específica a transmitir tais conteúdos, ou seja, deveria ser pedagogicamente preparado.

Paralelamente à Reforma Paulista, ressalta Saviani (2006), outros estados brasileiros


passaram a enviar seus professores para observar o ensino de São Paulo, ou até mesmo
receber professores desse estado para importar o modelo. Nesse contexto, o modelo
pedagógico-didático paulista de formação docente se espalhou por todo o país.

Há também, em complemento a estas reformas na escola normal, um início daquilo que


Tanuri (2000) chama de dualidade no ensino. A partir de 1911, em São Paulo, as
chamadas escolas complementares foram transformadas em escolas normais primárias,
enquanto as de maior nível, ou de padrão mais elevado, foram denominadas escolas
normais secundárias, as quais deveriam formar professores para as escolas normais.

O movimento de “dualização” da formação docente, segundo Tanuri (2000), embora


sendo apenas um ensaio em sua origem, sugeriu uma valorização da formação, e ao
mesmo tempo uma elevação conceitual ao curso normal, seja pelo aumento nos
conteúdos, seja pela maior duração do curso. Outro avanço significativo é a maior
atenção dada à prática educativa, com a valorização da experiência desenvolvida na
escola-modelo e/ou nas escolas de aplicação anexas.

Mesmo com os grandes avanços que a reforma trouxe à escola normal, ela continuava
ainda confusa, a considerar seu objeto de trabalho e os conhecimentos que ela deveria
transmitir. Na interpretação de Vidal (2001, p.79-80), as escolas normais, pressupondo
ser, “ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falhavam
lamentavelmente nos dois objetivos”. As críticas desse porte tomaram maior força a
partir da década de 1920, principalmente quando inspiradas no movimento da Escola
Nova.

Os ideais da Escola Nova influenciaram tanto educadores como idealizadores da


educação e constitui um solo fértil para novas reformas educacionais no Brasil. O
Distrito Federal foi um dos primeiros a reformar o ensino, sob Anísio Teixeira, que
afirmava: “Se a escola normal for realmente uma instituição de preparo profissional do
mestre, todos os seus cursos deverão possuir caráter específico que lhes determinará a
profissão do magistério” (apud VIDAL, 1995, p.65). Para que esse ideal fosse
alcançado, reformulou-se totalmente o curso profissional do magistério, que agora
passou a ser a Escola de Professores. A Escola Normal do Distrito Federal tornou-se
Instituto de Educação e contou com quatro escolas: “Escola de Professores, Escola
Secundária [...], Escola Primária e Jardim-de-Infância” (TANURI, 2000, p.73).

Essas mudanças apenas ilustram uma necessidade real, presente em todo o país, àquele
momento: a necessidade de uma política nacional de educação. As reformas que
aconteciam no Brasil ajudaram também a fortalecer os movimentos de exigências a tais
políticas, que brevemente iniciariam sua consolidação. É válido também, lembrar que
estas novas ondas de reformas inspiradas no movimento da Escola Nova não
aconteceram somente no Distrito Federal, mas prosseguiram também acontecendo nos
demais estados da União, a exemplo de São Paulo, Rio Grande do Sul, Sergipe, Minas
Gerais, e outros.

471
Esse caminho de reformas levou ao desenvolvimento de uma situação favorável ao fato
marcante que acontece em 1939: a criação do primeiro curso de Pedagogia do país, na
Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, curso que pretendia dar
duas formações distintas, ou seja, uma formação de bacharéis, que atuariam como
técnicos da educação e outra formação, a de licenciados, que seriam docentes dos cursos
normais (TANURI, 2000).

Nesse momento, entretanto, ainda não houve uma política central na organização da
educação. A partir de 1942 até 1946, têm-se as Leis orgânicas do Ensino, que foram
instituídas para pormenorizar os regulamentos para a organização e o funcionamento de
todo o ensino do país. Apenas em 1961, é criada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, a chamada LDB, que conteve suas mudanças quase somente à
alterações curriculares, não trazendo nenhuma outra grande mudança que mereça
destaque. Ela previu, novamente, apenas a possibilidade de mudanças estaduais no
currículo das escolas normais.

Com o golpe militar em 1964 houve novamente reformulação das leis do ensino.
Saviani destaca:

O golpe militar de 1964 exigiu adequações no campo educacional efetivadas


mediante mudanças na legislação do ensino. Em decorrência, a Lei n.
5.692/71 [...] modificou os ensinos primário e médio, alterando sua
denominação respectivamente para primeiro grau e segundo grau. Nessa
nova estrutura desapareceram as Escolas Normais (SAVIANI, 2006, p.08).

Uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação seria aprovada apenas depois da
redemocratização. Ainda assim, a LDB 9.394/96 não correspondeu totalmente aos
interesses dos educadores, sendo permeada, como toda política pública, por interesses
de grupos específicos em torno do poder.

Esta pequena exposição visa mostrar como a formação de professores no Brasil sofre,
desde seus primórdios, com a descontinuidade de programas, projetos e ações. Tais
conclusões nos fazem compreender, ainda, que a história da educação, do ensino, e, por
que não dizer, a história da formação de professores no Brasil é um campo fértil para
estudos e debates.

Referências:

BRASIL (1971), “Lei n.5.692/71”, de 11 de agosto de 1971. Brasília, Diário Oficial de


12/08/1971.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia e formação de professores no Brasil: vissicitudes


dos dois últimos séculos. Anais do IV Congresso Brasileiro de História da Educação:
Comunicação coordenada. Goiânia-GO, 2006. Disponível em:
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/coordenada-eixo01-DS.htm. Acesso em
jun/2009.

472
TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de
Educação. Mai/Jun/Jul/Ago, n. 14, p.61-88, 2000.

VIDAL, Diana G. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de


formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Tese de
Doutorado em Educação. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 1995.

______. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação


docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Bragança Paulista:
EDUSF, 2001.

473
CONJUNTURA EDUCACIONAL DA DÉCADA DE
1980: NOVAS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS E
SUA INFLUÊNCIA SOBRE A PRODUÇÃO DE
LIVROS DIDÁTICOS
Francisco Gildevan Holanda do Carmo

O livro didático (LD) tem em seu processo de fabricação a influência de uma demanda
social, e sua análise contribui para compreender o paradigma de sociedade que se
buscou em diferentes conjunturas. A análise das transformações sociais ocorridas na
década de 1980 no Brasil nos permite compreender o processo de mudanças nas
propostas educacionais, como destaca Cunha (2005).

Em Candau (2001) e Anhorn (2001) vemos que o período foi marcado por lenta
redemocratização política e por uma crise econômica que afetou a qualidade de vida da
população. O novo quadro de crise e renegociação política entre Estado e sociedade
repercutiu no surgimento de uma variedade de grupos organizados, produtores de
subjetividades, que reivindicavam um atendimento do Estado que levasse em conta suas
especificidades sociais, étnicas, culturais. Esta nova configuração também repercute em
novas propostas educacionais e abordagens metodológicas.

No que diz respeito à educação, Candau (2001) e Anhor (2001) caracterizaram o


período como sendo marcado pelo fortalecimento de uma perspectiva multicultural, em
que se buscava construir, junto ao educando, o reconhecimento das diversidades
culturais e étnicas numa perspectiva democrática e de valorização dessas mesmas
diversidades.

Tais fenômenos se opõem ao modelo educacional implantado da década de 1970, por


exemplo. Salles (2011) destaca que por influência da ditadura militar, as pesquisas
desenvolvidas neste período, na academia, privilegiavam as temáticas sócio-
econômicas, deixando de lado os temas referentes à história cultural. Também não
houve traduções para o português de pesquisas européias sobre história cultural.

Uma forte característica da década de 80 foi o surgimento de diversos movimentos


sociais e ONGs. Como exemplo, podemos citar a maior atuação do movimento negro,
movimento feminista, os diversos grupos sindicais, estudantis, rurais (este tendo o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra como principal representante), que
passam a reivindicar direitos e garantias por parte dos poderes públicos (CARMO,
2011. p. 8).

Barreto (2005) aponta o surgimento das ONGs cívicas, na década de 80, como reflexo
de uma maior complexidade alcançada pela sociedade brasileira. Exigia-se, portanto,
uma nova postura por parte dos poderes públicos, no que diz respeito aos seus serviços
e garantias políticas. Sobre o surgimento de diversos movimentos sociais nos anos finais

474
da ditadura militar, Cunha (2005) também aponta para esta maior complexidade
alcançada pela sociedade, representando, inclusive, uma fase de mudanças nas
propostas didático-pedagógicas, criando-se um novo paradigma de educação.

Portanto, dentro de toda a riqueza de análises e debates que o período da ditadura militar
(1964-1985) suscita, observamos aqui a importância da análise direcionada à fase final
do regime autoritário, especificamente a década de 80. A lenta redemocratização
ocorreu em um contexto de transformações em diferentes setores da sociedade.
Assistimos assim ao surgimento de novos princípios norteadores da educação,
responsáveis por responder às novas necessidades de uma configuração social que se vê
em sua heterogeneidade, com múltiplos discursos, subjetividades, identidades.

Vemos que as razões que levam o historiador da educação a utilizar o LD como fonte de
pesquisa são claras, haja vista as leituras de mundo, os discursos, conceitos e
preconceitos que podem ser identificados pelo olhar do especialista. Diante disso,
podemos, e devemos, formular perguntas às produções editoriais feitas para o uso de
professores e alunos em sala de aula, a fim de compreendermos o aparecimento desses
novos princípios norteadores das práticas pedagógicas, que surgem com a abertura
política da década de 80 no Brasil, e em consequência de uma maior atuação militante
de setores representativos da sociedade.

E nessa perspectiva de produção historiográfica, o LD representa uma valiosa fonte, ou


mesmo objeto de pesquisa, visto que o fenômeno de afirmação e valorização da
diversidade sócio-cultural ainda é presente, e é critério para a escolha das obras no
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Deve-se compreender, portanto, a forma
como este material tem sido compreendido pelos seus pesquisadores.

A política do livro didático brasileiro pós-abertura política

As pesquisas sobre LDs no Brasil partem da premissa sobre o surgimento,


procedimentos e objetivos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O
programa, iniciado em 1985 e reestruturado em 1993, surgiu com o objetivo melhorar a
qualidade do livro, além de organizar bancos de livros didáticos nas escolas, como
destacam Silva (2013), Teixeira (2013) e Pacifico (2013).

Hoje, o PNLD permite uma maior intervenção do Estado sobre o conteúdo veiculado
nos materiais utilizados por professores e alunos em sala de aula, devido ao seu papel
avaliativo sobre a produção editorial. O programa caracteriza o Estado brasileiro como
o maior consumidor deste produto a nível nacional. Portanto, a boa avaliação do
material pelo programa representa, para o mercado editorial, a possibilidade de vultosos
lucros.

Para um julgamento positivo sobre a qualidade do material o MEC estabelece critérios,


como a inclusão de temas considerados importantes. Entre estes princípios, podemos
observar que

475
São exemplos desses dispositivos a história e a cultura dos africanos,
afrodescendentes e indígenas, o respeito aos direitos das crianças,
adolescentes e idosos, o combate à violência contra a mulher, o combate à
homofobia e a construção dos valores, princípios éticos e estéticos
anunciados na Constituição Federal de 1988 (GUIA do PNLD, 2014, p. 12).

Compreende-se, assim, que o PNLD está inserido em uma conjuntura de valorização da


perspectiva multicultural da educação. E tal princípio, fortemente presente na
conjuntura de redemocratização típica da década de 1980 no Brasil, ainda norteia o
paradigma da instrução formal, e consequentemente a produção de LDs. Esse dado
fortalece o uso do LD como objeto de estudo por historiadores da educação em
problematizações que busquem, por exemplo, compreender em que medida os
diferentes segmentos sociais são representados pelo material, portanto, nas narrativas
históricas escolares.

Lembramos que em trabalho anterior, analisando as representações docentes sobre o


ensino de história em comunidades rurais, foi constatada a predominância das
abordagens e narrativas dos LDs nas práticas pedagógicas dos professores em sala de
aula (CARMO, 2011, p.28). Na ocasião, os docentes entrevistados relataram a
indisponibilidade para a pesquisa em outros materiais que não a obra didática escolhida
para o trabalho na escola.

A falta de tempo e o número excessivo de turmas tornavam os docentes dependentes


deste material, ao mesmo tempo em que se distanciavam das novas abordagens e
discussões historiográficas surgidas no ambiente acadêmico. Portanto, temos assim um
forte argumento em defesa das análises sobre esse objeto de pesquisa: a predominância
de suas narrativas em sala de aula. Dito isto, se faz primordial compreender os
diferentes tratamentos e problematizações direcionadas ao material.

Em artigo intitulado O livro didático como objeto e fonte de pesquisa histórica e


educacional, Salles (2011) faz uma análise sobre as transformações pelas quais passou a
produção historiográfica ao longo dos anos. Nesse processo o autor destaca a forma
como os diferentes paradigmas historiográficos influenciaram o tratamento oferecido ao
LD pelos pesquisadores.

Por exemplo, em contraposição ao positivismo, a Escola dos Annales nos amplia a


noção de fonte de pesquisa para o historiador. Este se vê diante de maiores
possibilidades de problematização dos fenômenos sociais. Tal fenômeno repercutiu em
um aumento da variedade de fontes a serem utilizadas durante o processo produtivo dos
historiadores.

Em Cunha (2005) vemos que a análise sobre Livro Didático está inserida em um
contexto amplo, de crescimento da história cultural como campo de pesquisa nas
universidades. Dessa forma, diferente do tratamento descartável reservado ao material
fora dos muros acadêmicos, para o pesquisador da educação o livro ganha status de
fonte de pesquisa, com riqueza de informações sobre valores, ideologias, preconceitos
da sociedade em um dado recorte temporal.

476
Em Cunha (2005), vemos o LD conceituado como uma mercadoria, pois é fruto de uma
produção industrial; um objeto repositório de visões de mundo de uma determinada
sociedade; um material de auxílio pedagógico para o professor; um artefato cultural.
Assim, podemos observar que as pesquisas sobre o tema podem partir de diferentes
apreensões sobre este objeto de estudo.

Portanto, ao compreendermos o LD como um objeto da indústria cultural, por exemplo,


devemos levar em conta os fenômenos sociais que fizeram construir uma demanda, ao
longo dos anos, formada por diferentes setores da sociedade que buscavam (e ainda
buscam) representatividade nos materiais didáticos utilizados em sala de aula, através da
inclusão e problematização de determinados temas, presentes em seu cotidiano, nas
obras utilizadas pelos docentes.

Considerações Finais

As transformações políticas presentes na década de 80 se fazem sentir nos princípios


norteadores da educação formal que surgem a partir deste período (e que ainda possuem
influência sobre as propostas pedagógicas atuais). Com a militância mais presente de
diversos segmentos da sociedade (estudantes, operários, mulheres, agricultores). Assim,
observa-se facilmente que o direito à educação, assegurado pela constituição de 1988,
não se resume à oferta de vagas, mas deve corresponder a uma necessidade de
adequação às diferentes realidades culturais e sociais, conforme destaca Barreto (2005).

Entre seu uso como fonte ou objeto de pesquisa, quando compreendido em sua
complexidade, o LD passa a representar uma rica possibilidade de problematizações: as
transformações políticas e sua influência na produção dos livros didáticos, e a forma
como determinados segmentos sócio-culturais são representados no material são
algumas delas. Fica, assim, a sugestão e contribuição para futuras pesquisas.

Referências

BARRETO, Sônia Pereira. Direito à educação, movimentos sociais e ONGs:


discernindo no imbróglio semântico lógicas e atribuições do Estado e daSociedade
Civil.UFC, 2005. 16 pg.

CANDAU, Vera Maria & ANHORN, Carmen Tereza Gabriel. A questão didática e a
perspectiva multicultural: uma articulação necessária. Rio de Janeiro: PUC-Rio,
2001.

CARMO, Francisco Gildevan Holanda do. Representações Docentes Sobre o Ensino


de História no Campo: o que dizem os professores acerca das suas vivências
pedagógicas nas comunidades rurais de Mossoró?2011. 57 f. Monografia
(Licenciatura em História)- Universidade do Estado do Rio Grande do Norte- UERN,
Mossoró-RN, 2011.

477
CUNHA, André. V.C.S. A (RE) invenção do Saber Histórico Escolar: apropriações
das narrativas históricas escolares pela prática pedagógica dos professores de
histórias. Recife: UFPE, 2005. Dissertação (Mestrado em Educação), UFPE, 2005.

GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS: PNLD 2014: história: ensino fundamental: anos


finais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2013.152 p. il.

OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de/ DIAS, Margarida MariaSantos. O Ensino de


História como objeto de pesquisa. Saeculum (UFPB), João Pessoa, v. 6/7, p. 97-104,
2002.

SALLES, André Mendes. O livro didático como objeto e fonte de pesquisa histórica
e educacional. Semina (UPF), v. 10, p. 1-16, 2011.

SILVA, Paulo. V. B.; TEIXEIRA, Rozana; PACIFICO, Tânia M. Políticas de


Promoção de Igualdade Racial e Programas de Distribuição de Livros Didáticos.
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 1, p. 127-143, jan./mar. 2013.

478
CONFRONTOS POLÍTICOS EDUCACIONAIS:
CONTEXTO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DAS LEIS
DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO
NACIONAL DE 1961
Francislaine Soledade Carniel

O presente texto é desdobramento do trabalho intitulado “A concepção de “pátria” e


“nação” na construção da cidadania durante o Regime Civil-Militar: análise do livro
didático “História do Brasil – dos habitantes primitivos à Independência” de 1984” sob
orientação do Profº. Me. José F. de A. Santos.

A educação da República Populista (1945-1964) visava atender as necessidades da


crescente industrialização tardia no Brasil. Houve um confronto de concepções
educacionais distintas, que resultaram na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1961. Logo, o Estado agiu de acordo com os interesses de uma elite
dominante, a consolidação de uma burguesia emergente e a manutenção de uma massa
proletária, visando manter a ordem política, econômica e social brasileira.

A educação passou ter atenção do Estado brasileiro a partir da Constituição de 1934, e a


proposta de montar um plano nacional educacional surgiu nessa Carta Magna, a qual
propôs atribuir todos os graus de ensino e ramos educacionais.

Art 150 - Compete à União: a) fixar o plano nacional de educação,


compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e
especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território
do País; [...] Art 152 - Compete precipuamente ao Conselho Nacional de
Educação, organizado na forma da lei, elaborar o plano nacional de
educação para ser aprovado pelo Poder Legislativo e sugerir ao Governo as
medidas que julgar necessárias para a melhor solução dos problemas
educativos bem como a distribuição adequada dos fundos especiais.
(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL DE 16 DE JULHO DE 1934).

A Constituição de 1946 também tratou o assunto educação, mas sem, de fato,


estabelecer diretrizes que visassem implementar políticas públicas no quadro
educacional brasileiro. Somente em 1948 que Clemente Mariani, o então Ministro da
Educação no governo Eurico Gaspar Dutra, organizou uma comissão presidida pelo
Professor Lourenço Filho e composta por Fernando Azevedo, Alceu Amoroso Lima,
Pedro Calmon, Almeida Jr. entre outros. Este grupo refletiu acerca da preocupação com
as especificidades de cada fase escolar, objetivando a criação do Projeto Mariani.

A mais longa discussão da questão da educação em nível nacional que já


ocorreu neste país foi o debate sobre a Lei de Diretrizes e Bases. Começou

479
em 1948, quando já se discutia o Projeto Mariani; incendiou-se a questão
com o Substitutivo Lacerda; não se concluiu a polêmica com a promulgação
da lei 4.024 em dezembro de 1961. O debate assumiu um papel questionar
até 1964, quando ocorreu, com o golpe de Estado, o verdadeiro "cala a
boca" nacional. (CUNHA; GÓES, 1994, p.13).

O projeto Mariani foi arquivado em 1949. Segundo Ghiraldelli Júnior (2015),

Havia alguém bastante hábil contra ele. Graças aos esforços do então
parlamentar Gustavo Capanema, que havia ocupado o Ministério da
Educação do governo Vargas durante o "Estado Novo", o projeto de LDBN
foi barrado. Uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional seria um
desastre para Capanema, enquanto personalidade histórica, pois certamente
alteraria tudo que ele quis fazer durante sua gestão no Ministério da
Educação, cujo fruto maior, segundo ele próprio, havia sido as Leis
Orgânica do Ensino. (GHIRALDELLI JÚNIOR. 2015, p. 116).

Em 1957 “[...] reiniciou-se a discussão sobre o projeto e em 1958 a Comissão de


Educação e Cultura recebeu um súbito substitutivo” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2015,
p. 116). Foi elaborado o Substitutivo Lacerda e com isso, houve um grande confronto.
De um lado, estavam os privatistas e do outro, os educadores que defendiam a escola
pública, gratuita e laica, dando continuidade ao pensamento dos educadores da Escola
Nova.

Os privatistas combateram o projeto Mariani, e fizeram do Substituto


Lacerda a sua bandeira. Nessa trincheira ficaram os católicos sob a liderança
da AEC (Associação de Educação Católica), que deflagrou a Campanha de
Defesa da Liberdade de Ensino em oposição à Campanha de Defesa da
Escola Pública. A AEC mobilizou os colégios católicos, os Círculos
Operários, a opinião pública conservadora e pressionou o Congresso
Nacional. Esta militância católica começou a “rachar” na JEC (Juventude
Estudantil Católica) e JUC (Juventude Universitária Católica) face à posição
do movimento estudantil a favor da escola pública. A campanha de Defesa
da Escola Pública retomou o pensamento liberal norte-americano e europeu
do final do século XIX [...] mobilizou a opinião pública progressista, o
movimento estudantil, e obteve o apoio operário. (CUNHA; GÓES, 1994,
p.13).

Dentro desses pressupostos, a LDB foi redigida através de uma junção de interesses
distintos, ou seja, segundo a lei, “[...] o ensino no Brasil é tanto do poder público quanto
da iniciativa privada” (BRASIL, 4024/61 art 2º). Assim, a Lei de Diretrizes e Bases
Nacional de 1961 foi, finalmente, implantada no governo de João Goulart no dia 20 de
dezembro.

A LDB terminou sendo uma conciliação dos projetos Mariani e Lacerda.


Assim o ensino no Brasil é direito tanto do poder público quanto da
iniciativa privada (art. 2º). A gratuidade do ensino, conquista
constitucional, fica sem explicitação. Abre-se a porta para o Estado financiar
a escola privada (art. 95). Do projeto Mariani, permanece a proposta de

480
equiparação dos cursos de nível médio dentro de uma articulação flexível.
(CUNHA; GÓES, 1994, p.14).

Visando fins genéricos, aplicados a qualquer realidade, a LDB buscou: a


descentralização do MEC e da União; a desobrigação do ensino religioso; a opção de
obter o 2º grau com curso técnico; a obrigatoriedade do ensino nos quatro primeiros
anos do 1º grau, entre outros. A maior problemática da LDB de 1961 é a
“obrigatoriedade” do ensino. No artigo 27º a lei diz:

Art. 27. O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e só será
ministrado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade
poderão ser formadas classes especiais ou cursos supletivos correspondentes
ao seu nível de desenvolvimento. (LEI Nº 4.024, DE 20 DE DEZEMBRO
DE 1961).

Entretanto, no artigo 30º diz:

Art. 30. Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprego em
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público
o pai de família ou responsável por criança em idade escolar sem fazer
prova de matrícula desta, em estabelecimento de ensino, ou de que lhe está
sendo ministrada educação no lar. Parágrafo único. Constituem casos de
isenção, além de outros previstos em lei: a) comprovado estado de pobreza
do pai ou responsável; b) insuficiência de escolas; c) matrícula encerrada; d)
doença ou anomalia grave da criança. (LEI Nº 4.024, DE 20 DE
DEZEMBRO DE 1961).

Segundo Romanelli,

Com exceção do caso previsto na letra “d” [...] isentam completamente o


poder público de sua obrigação de fornecer condições para que a
obrigatoriedade seja cumprida. Aliás, este aspecto é o que deveria constar na
lei, ou seja, o da previsão das condições para que os dispostos nas letras
assinaladas não impedissem o cumprimento do que está prescrito no artigo
27. (ROMANELLI, 2003, p.181).

Compreendemos que, o Poder Legislativo Federal não propôs uma lei que visava o
acesso e permanência dos alunos nas escolas, ao contrário, “[...] resolveram oficializar
uma situação anormal existente, sem se darem o cuidado de corrigi-la ou pelo menos
atenuá-la”. (ROMANELLI, 2003, p.181). De acordo com Cunha (1994) e Freitag
(1977) que tratam do

[...] caráter “tardio da LDB, em face das novas tendências da


“internacionalização do mercado”, do caráter de seletividade que ela
consagra, da proclamação vazia da educação como direito e dever de todos,
omitindo uma “realidade social em que a desigualdade está profundamente
arraigada” E nos diz que a LDB “Traduz no seu texto a estratégia típica da
classe dominante que ao mesmo tempo que institucionaliza a desigualdade
social, ao nível da ideologia, postula a sua inexistência; [...] o sistema

481
educacional além de contribuir para reproduzir a estrutura de classes e as
relações de trabalho, também reproduz essa ideologia da igualdade.
(CUNHA; GOES, 1994, p.14 apud. FREITAG. 1977, p.59).

Desse modo, compreendemos que a LDB de 1961 foi resultado de duas concepções
educacionais opostas, representadas pelo Projeto Mariani e Lacerda. Ao embate seguiu-
se a conciliação de ambos, mas privilegiou o ideário e interesses da classe dominante
que reproduz uma falsa ideologia de igualdade, e que conseguiu consolidar seus
interesses na legislação educacional que durou até 1996, quando foi promulgada a nova
LDB (Lei 9394/96).

Referências Bibliográficas

BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 1934.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm
Acesso em 03 maio. 2016.

BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 1946.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm

Acesso em 03 maio. 2016.

BRASIL, LEI Nº 4.024, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1961. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm Acesso em: 30 abr. 2016.

CUNHA, L. A.; GÓES, M. de. O Golpe na educação. 11. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.

FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.

FREITAG, B. Escola, Estado & Sociedade. São Paulo: Editora Moraes, 1986.

ROMANELLI, O. de O. História da educação no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes,


2003.

GHIRALDELLI JÚNIOR, P. História da educação brasileira. 5 ed. São Paulo:


Cortez, 2015.

482
ANTIGUIDADE TARDIA OU ALTA IDADE
MÉDIA: O ENSINO DA DIVISÃO
HISTORIOGRÁFICA EM UMA PERSPECTIVA
CONTEMPORÂNEA
Gabriel I. Covalchuk

A história é tradicionalmente dividida em quatro períodos, História Antiga, História


Medieval, História Moderna e História Contemporânea, essa divisão foi chamada de
quadripartite. Para ensinar sobre essa divisão é necessário problematizá-la, pois, ela não
é neutra, organiza-se pela escolha de marcos históricos, o que foge da imparcialidade,
pois, trata-se de uma escolha influenciada por valores morais e políticos, de crenças, ou
seja, a divisão quadripartite é uma forma de narrar a história do mundo a partir de um
determinado ponto de vista, pois como podemos perceber, todos se referem a
acontecimentos relacionados diretamente à história da Europa Ocidental, como por
exemplo a queda do Império Romano do Ocidente; a Tomada de Constantinopla, a
Revolução Francesa.

Sabendo que todas essas divisões são estreitamente políticas e marcadas por rupturas,
buscaremos neste texto mostrar que pode-se ensinar a temporalidade histórica utilizando
outros conceitos, como discutiremos a seguir. Este debate pode ser levado em todas as
quatro divisões, mas focaremos, apenas em uma (Antiguidade Clássica e Idade Média)
entre ambas existe uma nova divisão historiográfica, vista como um período transitório,
e marcado por transformações, sendo a principal delas o cristianismo. O que até então
tinha ideia de barbárie e de trevas e acaba perdendo seu espaço no ano 1950 com o
termo Spätantike, que ainda é impreciso, mas serve como base entre 300 d.C. e 600
d.C., pois os historiadores e outros eruditos ainda não chegaram a um consenso.

Deve-se explicar que o conceito de “Antiguidade Tardia” está ligado a transição da


civilização ocidental, pois deixa de ser a civilização clássica greco-romana, mas ainda
não possui a configuração de civilização medieval, também ocorrendo dentro desse
período a vulgarização do latim, mudanças nas artes e na literatura e a propagação do
cristianismo fazendo com que muitos adorassem apenas um Deus, entendido como
onipotente, onipresente e onisciente e que ama a todos independente do status social,
etnia ou descendência.

Esse termo é mais aceito como o período que tem início com o declínio do Império
Romano do Ocidente, a partir do século III, e se estende até a conquista islâmica e a
ação do Império Bizantino na refundação da Europa Oriental. Na historiografia
contemporânea tem se desenvolvido com maior evidência esse conceito, negando
aquele preceito de “ruptura total” imposto pelo quadripartite da história. Buscamos
então ensinar a partir das transformações ocorridas nesse espaço de tempo, um período
ímpar na História, mas que não é Antiguidade Clássica e nem a Idade Média.

483
O uso do termo Antiguidade Tardia sugere, então, que há uma continuidade de
características sociais e culturais da Antiguidade Clássica que permanecem presentes até
a Idade Média. Defendendo essa visão Waldir Freitas Oliveira, conclui seu ponto de
vista utilizando uma frase:

Em 1997, o historiador francês Henri-Irénée Marrou, recentemente falecido,


deu como título á sua obra derradeira Decadência Romana ou Antiguidade
Tardia? “Nela declarando que ‘‘o que importa é que o termo Antiguidade
Tardia receba, de uma vez por todas, uma conotação positiva”. (OLIVEIRA,
1990, p. 5)

É fundamental a compreensão do período da Antiguidade Tardia para que se possa tirar


a ideia de idade das trevas, que foi considerado por muito tempo um período
catastrófico, marcado pelas invasões violentas de numerosos povos pagãos de origem
nórdica ou oriental: hunos, burgúndios, godos e vândalos, francos, alamanos e saxões,
vikings.

Ora, a instauração dos reinos governados por líderes estrangeiros no âmbito


das regiões outrora governadas por agentes do Império Romano não
redundaram necessariamente numa ruptura. Conforme esta perspectiva,
aqueles reis bárbaros foram continuadores da política romana, mantiveram
as estruturas administrativas imperiais, promulgaram leis inspiradas nas leis
romanas e tinham sua autoridade legitimada por mecanismos herdados dos
romanos. (SILVEIRA, 2011, p. 3)

Com esses ataques tem-se a mentalidade que ocorreram rupturas, mas Silveira com base
em Frighetto (1998) mostra que os reis bárbaros deram continuidade à política romana,
seguindo as suas estruturas e tudo tinha seu sustentáculo com os alicerces romanos.
Assim o conceito de “Antiguidade Tardia”, nos conduz a uma reflexão sobre a rigidez
cronológica, trazendo consigo novos questionamentos e abordagens.

Mas como citado no início do texto, este termo não é de unanimidade, alguns
historiadores preferem usar o conceito de Alta Idade Média que intitula-se como
período inicial da Idade Média, entendendo-se da queda do Império Romano do
Ocidente, em 476, até o enfraquecimento do feudalismo no início do século XI,
buscando defender a ideia de que este período está produzindo aspectos específicos e
originais permitindo enxergar os séculos iniciais da Idade Média.

Sem querer atribuir significado excessivo aos marcos cronológicos, creio


que a expressão Alta Idade Média e mais adequada do que Antiguidade
Tardia à plasticidade das sociedades romano-bárbaras que emergem a partir
dos séculos V e VI. Ela permite que se enxerguem os primeiros séculos da
Idade Média como um lócus de reinvenção da herança clássica, um espaço
da construção de fenômenos específicos e originais, por exemplo, no
domínio literário, o latim ‘alto medieval’, no domínio da história política, a
Realeza Cristã, e, no domínio da economia rural, o ‘Grande Domínio’.
(CÂNDIDO, 2008, p. 10)

484
De qualquer modo o referencial sempre será o Império Romano, para ambos, seja para
os defensores da Alta Idade Média quanto para os defensores do termo Antiguidade
Tardia, o que difere bruscamente é a ideia de ruptura.

Comumente os historiadores que adotam a nomenclatura “Alta Idade


Média” salientam a ruptura que separou a Antiguidade do período
consagrado sob a alcunha de Idade Média, enquanto os partidários da
Antiguidade Tardia insistem numa continuidade perpetrada pelos novos
agentes políticos no interior do Império. (SILVEIRA, 2011, p. 1)

Historiadores buscam achar o marco inicial para o conceito de ambos os conceitos. Em


nosso caso, para Funari o Imperador Constantino é a figura chave na antiguidade tardia
e para a posteridade (FUNARI, 2016, p. 48), sendo de grande relevância analisar o
impacto causado pela sua conversão dentro de um espaço que não teve ruptura nítida
mais sim transformações, que refletiram na mudança do cotidiano no Império. Sendo
isso pouco explorado pela historiografia essa compreensão é ainda fundamental para
que se possa concordar com historiadores como, Gibbon (2005), Oliveira (1990) entre
outros que posicionam o século IV, e dentro deste período grandes transformações,
como a conversão do Imperador Constantino e como consequência deste fato a ascensão
do cristianismo.

Entende-se que ensinar sobre a ascensão do cristianismo que está totalmente vinculada à
ideia de Antiguidade Tardia é de fundamental importância, não apenas para entender o
contexto da época e as transformações na mesma, mas também a influência do
cristianismo ao longo dos anos, e como Paul Veyne aborda em sua obra ‘’Quando nosso
mundo se tornou cristão’’:

Sou francês, nascido em 1930, que tipo de pessoa eu teria me tornado, quais
seriam hoje minhas opiniões seguiria se os nazistas tivessem vencido?
Vejamos: como imaginar o mundo atual sem o cristianismo, como poderia
ele desaparecer uma vez que existe ainda. (VEYNE, 2010, p. 168)

As opiniões e ideologias vêm da “bagagem” e espaço social, intelectual, político e


econômico que cada um tem, não podemos negar que a história do Ocidente é de total
importância, pois como ignorá-la uma vez que já existe, mas não devemos reduzir a
relevância dos povos não europeus na história universal. O quadripartite traz uma ideia
de evolução e que o presente sempre avança para melhor, e o passado é visto como
ultrapassado, esta história linear que para o historiador não serve, pois história é como
um pacote de pipocas, ela estoura uma em cada canto, algumas nem chegam a este
ponto, ou seja, enquanto um povo está com sistema de mercadoria, escravos, plantação
e colheita o outro está vivendo como nômade, baseado na caça e na pesca.

Referências

CÂNDIDO, M. Entre "Antiguidade Tardia" e "Alta Idade Média".Diálogos,


DHI/PPH/UEM, v.12, n.2/n.3, p. 53-64, 2008.

485
FUNARI, Pedro Paulo Abreu; RAMALHO, Jefferson. As representações do
imperador Constantino na estatuária e na epigrafia romanas Revista Diálogos
Mediterrânicos, Número 10 – Junho/2016

GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império Romano. Trad. José Paulo Paes. Ed.
Abreviada. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Antigüidade Tardia. São Paulo: Ática, 1990.

SIILVEIRA, Verônica da C. Reflexões sobre o conceito de “Antiguidade Tardia”.


Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.

VEYNE, Paul, 1930- Quando o nosso mundo se tornou cristão: (312-394)/Paul


Veyne; tradução de Marcos Castro. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

486
A COMPANHIA DE JESUS E A EDUCAÇÃO
BRASILEIRA NOS SEUS PRIMEIROS ANOS
Genilda Pereira Batista Lima

A Educação brasileira teve seu início com os Padres Jesuítas que aqui chegaram em
1549, com o primeiro Governador Geral Tomé de Souza, que tinham o claro objetivo de
catequisar os índios e fundar escolas para servir aos interesses da Igreja e da Colônia
portuguesa no Brasil. Neste sentido entendemos que era uma educação fora da
realidade, pois o Brasil era um país agrícola e necessitava de profissionais com
conhecimento para manuseio do plantio da terra, como relatou Pero Vaz de Caminha em
sua primeira Carta enviada ao Rei de Portugal afirmando que era a “Terra de boa
aparência em que tudo se plantando dá”. Porém, foram enviados para a nova terra vários
evangelizadores jesuítas para empreender uma ação catequista com vistas a exploração
mineral do solo brasileiro.

Os missionário/professores pertenciam a Companhia de Jesus, uma ordem religiosa que


foi fundada em 1534 por Inácio de Loyola em pleno período que marcou a
Contrarreforma. Loyola juntamente com um grupo de estudantes Universitários
professaram votos de obediência à doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana com
vista a combater o avanço do protestantismo e a difusão do catolicismo em novas terras.
Para Feitosa (1986) a Cia de Jesus representava uma

[...] instituição essencialmente destinada à propagação da Fé. Este é o


propósito que moveu Loyola a enviar seus emissários por toda a Europa, à
Ásia, à Oceania, à África e posteriormente às Américas. Este motivo explica
a instalação dos inacianos em 1540 em Portugal. Quanto ao Brasil, a
chegada dos primeiros Jesuítas em 1549 também se justifica, em parte, a
partir do interesse do Rei D. João III em difundir o Evangelho em todos os
seus domínios. Sobre o assunto, escrevia o monarca, “eu atribuo uma
importância capital”. (FEITOSA, 1986, p. 77).

Em pouco tempo os Jesuítas, estavam espalhados não só em Portugal, mas em toda


Europa, chegando até ao Novo Mundo, nesse caso as Américas. Como missionários
católicos e educadores exerceram uma influência singular na sociedade brasileira entre
os séculos XVI e XVII. Dedicaram-se ao trabalho de missões educacionais, em sua
maioria eram instrutores ou confessores dos reis. Na sua chegada ao Brasil como em
outras nações traziam em sua bandeira o firme objetivo da responsabilidade de
catequisar ou recatequisar os povos na defesa da santa Fé Católica. Como bons soldados
de Cristo, deveriam lutar com todas as armas do ensino confessional no combate ao
inimigo dessa fé. Nesta lógica, o inimigo era a Reforma Protestante ou o protestantismo
já em desenvolvimento. O qual foi um movimento religioso, reformista cristão que foi
liderado por Martinho Lutero no inicio século XVI, quando ele publicou no dia 31 de
outubro de 1517 suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg na
Alemanha. Suas indagações protestavam contra diversos pontos da doutrina Católica e

487
propunha uma reforma na Igreja, o que não ocorreu, mas proporcionou o seguimento
do movimento Religioso que foi denominado de Protestante ou Fé Reformada que
propunha a volta as origens das escrituras sagradas.

O Brasil era um país dominado pelos portugueses de Fé Católica e tão logo Portugal
aportou nessas terras em 1500, não tardou em cravar nelas uma Cruz de Malta e
celebrando a uma missa na presença dos índios, demonstrando seu poder e sua
reivindicação de posse sobre o território, a partir de então, inicia-se a educação não
escolarizada via ato religioso dominador. Não podemos deixar de ressaltar que os
símbolos religiosos católicos foram utilizados como instrumentos didáticos, pois
facilitava na ótica do conquistador uma aprendizagem mais vantajosa e rápida.

Com a chegada dos Jesuítas comandados pelo Padre Manuel da Nóbrega em 1549 a
educação brasileira seria institucionalizada. Segundo relatos da historiadora Aranha
(1989) apenas quinze dias após essa chegada, os missionários edificaram a primeira
escola elementar brasileira na cidade de Salvador, tendo como mestre o irmão Vicente
Rodrigues, que tina apenas 21 anos de idade. Irmão Vicente tornou-se o primeiro
professor nos moldes europeus e durante mais de 50 anos dedicou-se ao ensino e a
propagação da fé religiosa.

Como podemos perceber os Jesuítas chegaram ao Brasil sabendo o que queriam, pois de
1549 até 1759 criaram escolas elementares, secundárias, seminários e missões
espalhadas por todo o Brasil. Os Jesuítas souberam muito bem organizar o sistema
educacional Brasileiro, de formação rigorosa. Eles seguiam ordens e orientações seguras
previamente elaboradas e escritas por Inácio de Loyola. Todas as escolas eram
regulamentadas por um documento denominado de Ratio atque Institutio Studiorum,
chamado abreviadamente de Ratio Studiorum, Plano Educacional que foi muito bem
elaborado nos aspectos pedagógica e administrativos pelo empreendedor Manuel da
Nóbrega.

Entre os missionários/educadores que chegaram ao Brasil, o mais conhecido e talvez o


mais atuante fosse o noviço José de Anchieta, que chega à Terra Brasilis com 19 anos.
Anchieta tornou-se mestre-escola do Colégio de Piratininga; foi missionário no Espírito
Santo, Rio de Janeiro e São Vicente onde escreveu na areia os “Poemas à Virgem
Maria” (De beata virgine Dei matre Maria); Provincial da Companhia de Jesus de 1579
a 1586 e reitor do Colégio do Espírito Santo. Além disso, foi autor da Arte de
Gramática da língua mais usada na costa do Brasil.

João de Azpilcueta Navarro foi o primeiro jesuíta a aprender a língua dos índios como
também lhe coube o pioneirismo de adentrar aos sertões brasileiros em missão
evangelizadora.

Os jesuítas perceberam que não seria possível converter os índios à fé católica sem que
soubessem ler e escrever. De Salvador a obra jesuítica estendeu-se para o sul e em 1570,
vinte e um anos após a chegada, já era composta por cinco escolas de instrução
elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga)
e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia). Não se limitaram apenas ao
ensino das primeiras letras; além do curso elementar eles mantinham os cursos de Letras
e Filosofia, considerados secundários, e o curso de Teologia e Ciências Sagradas, de

488
nível superior, para formação de sacerdotes e continuidade da obra
educacional/sacerdotal da nova terra.

No curso de Letras tinha Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e no curso de


Filosofia, Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Os que
pretendiam seguir as profissões liberais iam estudar na Europa, na Universidade de
Coimbra, na Universidade de Portugal que era a mais famosa no campo das ciências
jurídicas e teológicas, e na Universidade de Montpellier, na França, a mais procurada na
área da medicina.

Por mais de dois séculos os jesuítas permaneceram como mentores da educação


brasileira, quando em 1759 foram expulsos de todas as colônias portuguesas por decisão
de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal. Ao
expulsar os Jesuítas, Marques de Pombal aniquila totalmente o sistema educacional
implantado pelos padres jesuítas que durou 210 anos. No momento da expulsão os
jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, além de
seminários menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde
havia residência da Companhia de Jesus. Com isso, a educação brasileira, vivenciou a
primeira e grande ruptura histórica de um processo já implantado e consolidado como
modelo educacional.

A expulsar os Jesuítas da educação brasileira, Pombal cria a figura de um Diretor Geral


de Estudos para coordenar a educação e pagar os professores, institui aulas régias com
professores leigos. Segundo os historiadores o caos é estabelecido, pois aulas régias,
com único professor ministrando isoladamente esfacelou a pedagogia jesuíta. Cada vez
mais mal preparados, os leigos tomavam conta das escolas e das iniciativas sem um
planejamento prévio das reais necessidades. As propostas de modernização no ensino
foram aplicadas apenas em Portugal. No Brasil sentia-se o retrocesso. Portanto, a crítica
que se pode formular, nesse sentido, e que vale para o momento atual de nossa
sociedade, e que desde as Reformas Pombalinas há frequentes descontinuidades das
políticas educacionais. No entanto, torna-se necessário enfatizar que a substituição da
metodologia eclesiástica dos jesuítas pelo pensamento pedagógico da escola pública e
laica marca o surgimento, na sociedade, do espírito moderno.

Bibliografia

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Historia da Educação. 1ª ed. São Paulo: Moderna,
1989.

BREJON, Moises. Estrutura e funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus. 19ª ed.


São Paulo, Pioneira, 1986.

FEITOSA, Aécio. Contribuições do discurso dos jesuítas à sociedade colonial


brasileira. Síntese N9 36 (1986) - Pág. 75-82.

MANACORDA, Mario Alighiero. Historia da Educação da Antiguidade aos nossos


dias. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.

489
ROMANELLI, Otailza de Oliveira. Historia da Educação no Brasil. 8ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1986.

VEIGA, Cynthia Greiv. Historia da Educação. São Paulo: Editora Ática, 1958.

490
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA CONSTRUÇÃO
DO CONHECIMENTO NOS PRIMÓRDIOS DA
FUNDAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE
PELOTAS
Heloisa Helena Campelo Rodrigues da Rocha

Este texto é parte de minhas primeiras pesquisas e pretende abordar resumidamente o


desenvolvimento da Extensão Universitária na UFPel nos primeiros anos após a
fundação da Universidade Federal de Pelotas. O Decreto-Lei no 750 de 08 de agosto de
1969, proporcionou a agregação das unidades de ensino que funcionavam em Pelotas- a
partir de faculdades da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da
Universidade Federal Rural do Rio Grande do Sul (UFRRGS), entre outros órgãos.

A Extensão Universitária leva à comunidade os saberes produzidos pela pesquisa,


trazendo numa verdadeira via de mão dupla, os anseios e necessidades da comunidade,
capazes de gerar novos projetos de pesquisa, retroalimentando o sistema. Na prática
acadêmica interliga a universidade nas suas atividades de ensino e de pesquisa se
credencia cada vez mais junto à sociedade, como espaço privilegiado de produção do
conhecimento significativo para a superação das desigualdades sociais existentes.

As primeiras atividades de Extensão após a fundação da UFPel encontram-se limitadas


às memórias daqueles que vivenciaram e fizeram parte daquele momento e alguns raros
documentos que estão no acervo da instituição ou em outros órgãos. Os trabalhos de
Maurice Halbwachs demonstraram que, talvez, o aspecto mais importante da memória
seja o seu caráter social, como um fenômeno que é construído de forma coletiva, sendo,
portanto, submetida a flutuações, transformações e mudanças constantes
(HALBWACHS, 1998).

Observa-se no panorama das atividades de Extensão das Universidades Federais uma


mudança de concepção, que se manifesta em uma nova postura para a extensão
universitária, pautando-se pelo princípio educativo, entendido por Gramsci como a
relação teórica e prática, dispondo-se em um novo pensar e fazer, capaz de desenvolver
uma concepção histórica de sujeito e sociedade. A universidade, como a extensão
universitária, ganha um novo sentido, deixando de ser redentora da sociedade e
passando a ser instrumento capaz de promover a organização política, social e cultural a
partir da relação entre a alta cultura e cultura popular, entre teoria e prática (GRAMSCI,
1989, p.131).

A institucionalização de uma extensão verdadeiramente acadêmica exige intensa


articulação interna e externa às universidades, tanto na formulação de uma política
pedagógica quando na construção de parcerias de dimensão interinstitucional e na
integração com os agentes sociais.

491
Em 1970, a Universidade Federal de Pelotas iniciava a execução do Projeto de Extensão
Universitária e Ação Comunitária (PEUAC), que proporcionou treinamento aos
estudantes e assistência a populações rurais da Zona Sul, abrangia primeiros socorros,
extrações dentárias, ornamentação do lar e criação racional de terneiros, até horta
caseira, confecção de tapetes, assistência médica, veterinária, odontológica. Durante um
mês de palestras e práticas, foram difundidos conhecimentos gerais sobre agricultura,
veterinária, higiene, profilaxia médica e odontológica, administração do lar. artes e
ofícios, sociologia e estrutura rural.

Inúmeros cursos foram ministrados sob a coordenação administrativa do Centro de


Treinamento do Sul - CETREISUL - um dos órgãos suplementares da Universidade,
que, como o CRUTAC, destina-se, especificamente, a desenvolver atividades de
Extensão Universitária, atuava realizando cursos intensivos e divulgando os resultados
da pesquisa e foi uma das células de origem de uma extensão mais voltada à
comunidade se estruturando de uma forma a atingir a área de treinamento de
conhecimento e tecnologia.

A Universidade para incentivar os filhos de agricultores que retornavam do serviço


militar a ficarem no campo começou a oferecer cursos para incentivar o retorno às suas
famílias. O CETREISUL era o órgão tido como de fazer extensão, não era um órgão
vinculado aos departamentos, organizava cursos extracurriculares para oferecer à
comunidade, principalmente a alunos egressos, cursos de atualização profissional. Essa
oferta cada vez mais se ampliava junto com o IAS (Instituto Agronômico do Sul), órgão
de pesquisa localizado junto Campos Capão do Leão que deu origem a Embrapa.

A extensão nos seus primórdios era tida como uma forma de atender os interesses da
formação do aluno e não tão preocupada com a os anseios da comunidade atendida.
Então o que se via era uma forma de prestação de serviços. Nos primeiros anos era
discutido em seminários não só regionais, mas também Nacionais os novos rumos da
extensão no Brasil. Sem o ensino não existe a universidade, sem a pesquisa a
universidade não evolui e em terceiro lugar surge a extensão formando os três pilares
que sustentam o ensino superior no Brasil, O ensino é o professor transmitindo
conhecimento de uma forma mais expositiva ou mais participativa dependendo da
noção que se desenvolver em determinadas disciplinas, a pesquisa é a geração de novos
conhecimentos. Mas afinal o que vem a ser extensão? Houve momentos que extensão na
universidade era definida assim: Tudo o que não é ensino e não é pesquisa e se faz
dentro de uma universidade é extensão. Precisava-se então aprofundamento nessa
definição.

CRUTAC - Nova visão do Ministério da Agricultura e da Educação

O professor Reitor da Universidade do Rio Grande do Norte, Dr. Onofre Lopes,


preocupado com a miséria que tinha o povo nordestino via a universidade como uma
entidade pública sustentada pelos recursos governamentais públicos e que poderia dar
um retorno para que essa sociedade saísse do caos de miséria que se encontrava. Sendo
apresentado o trabalho dele como experiência que iniciou em 1965 na UFRN ele
consegue estimular que o MEC crie o que se chamou CINCRUTAC - Comissão

492
Nacional Institucionalizada do CRUTAC no Brasil. Proporcionando que cada
universidade criasse o seu CRUTAC. Iniciou por parte do ministério da Agricultura e da
Educação uma nova visão do que era extensão, inclusive estimularem as universidades a
se organizarem para uma extensão universitária mais comprometida com a sociedade,
ou seja, começa a surgir o compromisso social da universidade frente à comunidade
onde ela esta inserida. Seminários e congressos começaram a ser organizados e
coordenados pelo Ministério da Agricultura, criando departamentos de apoio a Extensão
Rural.

O Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária da Universidade


Federal de Pelotas (CRUTAC/UFPel) era um programa que expressava uma filosofia de
interiorização da Universidade nas comunidades rurais carentes de desenvolvimento
social, cultural e econômico. Os benefícios trazidos à comunidade pelas atividades
foram nas áreas da Medicina, Odontologia, Agronomia, Veterinária, Ciências
Domésticas, Direito e Artes. A realidade que encontrada junto às comunidades e a
participação do aluno e do professor novos conhecimentos e mudanças ocorrem dentro
da universidade transformando o ensino. A UFPel começa a organizar uma nova
proposta de extensão da Universidade na comunidade, nova linguagem, uma nova
filosofia, nova característica de trabalho. A proposta visaria minimizar o
assistencialismo e desenvolver um projeto de educação para que a pessoa assistida
pudesse fazer a própria transformação.

Foi formada em 1976 uma comissão a para criação do projeto nova Pró-reitora, a de
Extensão (PRE). Criada em 1977, a Pró-reitoria de Extensão começou organizar o
trabalho de forma estruturada em sintoma com a pesquisa e a graduação. Dessa forma
passa a integrar pilares indissociáveis: Pesquisa, ensino e extensão.

Para o aluno fazer estágio é fundamental por que ele precisa aprender o que se passa lá
fora na prática além da teoria já vista em sala de aula. A proposta então era o estágio
multidisciplinar, nele envolver os múltiplos profissionais, não só dentro do curso ou de
uma disciplina, mas de uma Universidade multiprofissional. Mas bastaria um grupo se
dizendo os donos do conhecimento chegar a uma comunidade ensinando a teoria? Esse
conhecimento interessa àqueles que o estão recebendo? A extensão é comunicação,
prestação de serviço, invasão cultural ou um processo de educação. Temos que trabalhar
muito essas visões quando fizemos um projeto de extensão em nossos cursos quando
propomos uma troca de conhecimento.

O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se


julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo,
relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas
relações (FREIRE, 1977).

Pretendeu-se neste trabalho mostrar, de forma muito sintética, mas objetiva que a
Extensão Universitária vivenciou momentos extremamente importantes para sua
consolidação como o fazer acadêmico. O texto apresenta alguns marcos históricos da
Extensão Universitária da UFPel, como foi vivenciada a extensão serviço, a extensão
assistencial, a extensão como mão dupla entre universidade e sociedade e a extensão
cidadã. A conscientização das pessoas para um novo momento, uma nova proposta
adequada à realidade acadêmica.

493
Referências bibliográficas

CANDAU, Joel. Antropologia de la Memória. Trad. Paula Mahler. Buenos Aires:


Nueva Visión, 2006.

CANDAU, Vera Maria (Org.). Ensinar a aprender , Rio de Janeiro: DP e A, 2002.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. 10a edição. Rio de Janeiro; Paz e Terra.
1977.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, 1990.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura. 7a ed. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 1989

LOPES, Onofre. Crutac e Cincrutac, Treinamento Rural Universitário Prestação de


Serviço à Comunidade, UFRN, Fev 1972.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS, Revista Expressa Extensão, ano 1, vol,


Pelotas, Set 1996.

494
A CONCEPÇÃO EDUCACIONAL PARA O
“HOMEM NOVO” MOÇAMBICANO: 1975-1983
Jeferson Gonçalves Mota

A educação configura-se como um dos pontos centrais para garantia de coesão em uma
sociedade. Deste modo, Portanto:

A educação é o mecanismo através do qual uma sociedade produz os


conhecimentos necessários a sua sobrevivência e a sua subsistência,
transmitindo-os de geração a outra, essencialmente, pela instrução dos
jovens. Esta educação pode ter lugar, de maneira não institucionalizada, em
casa, no trabalho ou em área de entretenimento. Em termos gerais, ela se
desenrola em contexto de ensino organizado, naqueles lugares e estruturas
especialmente concebidos para a orientação dos jovens e para formação das
gerações mais anciãs. Os jovens são formados para adquirirem os
conhecimentos, as competências e as aptidões, das quais necessitam, tanto
para preservarem e defenderem as instituições e os valores fundamentais da
sociedade, quanto para adaptarem-nos, em função da evolução das
circunstâncias e do surgimento de novos desafios. (HABTE; WAGAW;
AJAYI, 2010, p. 817).

Sob esta ótica conclui-se, grosso modo, que a educação é algo intrinsecamente relativo
ao ser e fazer humano, assim, “toma-se o pressuposto de que a educação é uma
atividade inerente a todas as sociedades, apresentando formas diversas, e que objetiva a
formação de uma identidade” (BRAÇO; CASALI, 2007, p. 9). Juntos educação, cultura
e trabalho são categorias relacionadas inevitavelmente à prática humana que, de forma
institucionalizada ou não, está presente em cada agrupamento social de todas as
associações humanas até então conhecidas.

Em Moçambique colonial e pós-colonial, a educação formal, anunciada e levada a cabo


desde o Estado, deveria seguir os padrões ocidentais. Estruturando-se assim, um
currículo com pretensões de universalidade e que transmitia as ideias políticas e os
valores culturais dos grupos sociais hegemônicos. No período colonial, isto é, o período
compreendido entre a partilha do continente africano em 1884 até 1975 ano da
independência moçambicana, a concepção educacional que se teve em voga dizia
respeito a uma educação de caráter assimilacionista. O assimilacionismo representou
marcadamente a proposta colonialista portuguesa que visava difundir o modo de vida
europeu aos povos nativos das colônias. Sob esta alçada, a educação formal deveria
incutir nos nativos a civilidade e a segurança de ascender à categoria de assimilado.
Toda via, a educação oferecida neste período, circunscrevia uma polarização que gerou
uma excludente realidade no sistema de ensino moçambicano, fato este reforçado pelo
Estado Colonial.

495
No imediato pós-independência, mais precisamente, o momento em que os encargos
educacionais ficam sob a égide da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique),
um dos principais grupos político/militar que desencadeia ao lado da população
moçambicana, a luta armada pelo fim do jugo colonial português. Findado o domínio
colonial, a FRELIMO toma as rédeas da então nação independente. Desse modo a frente
procurará principalmente por intermédio da educação formal romper com o passado
colonial, sabidamente, com a herança euro/portuguesa que notadamente verificou-se em
Moçambique. Através da prática educacional a FRELIMO acreditou poder realizar-se
no território moçambicano as bases do projeto socialista que faria surgir um homem
novo. Livre do passado colonial, da tradição mística, e, além de tudo, patriota, este
homem novo seria o símbolo da então pretensa moçambicanidade, modelo identitário da
nova nação.

Dando mais destaque às questões relacionadas com o sistema educacional, a FRELIMO


concentrou esforços em organizar uma educação de tipo novo, que levaria os
moçambicanos a superarem todo o processo de escravidão, racismo e obscurantismo
representados pela educação colonial e educação tradicional-feudal. Para tanto, segundo
a própria FRELIMO, necessário era romper com todos os valores oriundos do
colonialismo e da tradição, que na concepção da frente atrapalhavam o despertar do
homem novo, consciente, patriota, dotado de uma iniciativa criadora formidável. Os
ideais de identidade nacional, verdadeiro referencial a ser alcançado por países que
saíram da sujeição colonial, torna-se questão per si, também em Moçambique. O projeto
da identidade nacional norteou significativamente o imaginário da frente que preterindo
as diversas identidades autóctones, realizou uma verdadeira tentativa de unificação no
mesmo território, dos mais diferenciados grupos etno- culturais.

No sistema de ensino o português continua a ser utilizado como língua oficial para
instrução dos estudantes (este fato ocorre, segundo a FRELIMO, justamente pelo fato
de não haver até aquele momento, do imediato pós-independência, uma língua
autóctone que veiculasse elos de uma unidade nacional). Pretendeu-se ampliar o sistema
de ensino e a sua democratização, para tentar suprir o enorme contingente de indivíduos
analfabetos àquela altura. Portanto, seria através da educação que o homem novo
surgiria e concretizaria a imagem da identidade nacional balizada no projeto da
moçambicanidade. Caminhando de mãos dadas com o projeto de nação, sob a égide da
FRELIMO (partido único), formando desse modo a sociedade socialista nos moldes
moçambicano. Do centro ao norte, do Rovuma ao Maputo, a divisa seria um só povo.
Não haveria mais makuas, nem chopis, nem tsongas, nem macondes, só moçambicanos.
Buscando inverter o ethos (empregamos o ethos aqui como todo repertório
sócio/cultural de um determinado povo, que traduz-se nas suas normas, valores e
costumes) tanto tradicional quanto colonial através da práxis educativa, a FRELIMO
travou uma luta no âmbito cultural, pois reconhecendo a íntima relação entre educação e
cultura, a frente compreendeu que quando “o propósito de uma práxis educativa é a
mudança do ethos de um indivíduo ou de um grupo, nesse propósito, é contra os valores
que se luta, constituindo-se numa luta contra a cultura” (GONÇALVES, 2009, p. 234).

Tendo como premissa a educação como vetor de mudanças e inculcação dos valores
propostos por quem organiza o processo educativo, a Frente de Libertação de
Moçambique introduziu algumas mudanças visando a consolidação do homem novo. O
exemplo bem sucedido da base militar de Nashingwea, Tanzânia, “laboratório

496
experimental do homem novo” (CABAÇO, 2007), deveria sobremaneira servir de
parâmetro a ser empregado nas zonas libertas e depois com o processo de
independência, implementado em todo país. “Lá, os militantes da frente
experimentavam um estilo de vida alternativo pautado pelo ideal revolucionário e assim
iam incorporando o ethos que se procurava propagar por todo o país” (WANE, 2010, p.
140).

O ano de 1975, ano independência, simbolizou outrossim, no campo educacional o


semeio de um acontecimento que vai impulsionar a revisão do currículo escolar em
Moçambique, bem como a organização do sistema de ensino e as ações norteadoras para
a prática pedagógica. Deste modo, o I Seminário Nacional de Educação, realizado na
cidade de Beira, sob a organização do Ministério da Educação (MINED) de
Moçambique, reuniu durante dez dias professores de todas as regiões do país para uma
troca de experiências fortemente marcadas pela educação nas zonas libertadas. Mas é
somente em 1981 que o MINED elabora um parecer que ampara no universo jurídico o
Sistema Nacional de Ensino (SNE), demarcando seus fundamentos legais. O texto
original é aprovado mediante a lei 4/83 de 23 de março de 1983. Quanto aos objetivos a
serem alcançados, a lei 4/83 preconiza três grandes eixos a serem levados a cabo: “1º
erradicação do analfabetismo; 2º introdução da escolaridade obrigatória; 3º formação de
quadros capazes de suprir as necessidades do desenvolvimento econômico e social da
investigação científica, tecnológica e cultural”. (MOÇAMBIQUE, 1983). Estas medidas
de certo modo representavam a preocupação da FRELIMO com o atraso no campo
educacional. Os baixos índices demonstravam que a escola para o homem novo deveria
proporcionar a busca pela mudança social e econômica. Reconhecendo-se isso
perpetuou-se uma prática educativa que valorizava os artífices da razão e o trabalho
manual como geradores da unidade e complemento do projeto em desenvolvimento que
era o da moçambicanidade.

A FRELIMO buscava inculcar por meio dos mais variados tipos de instrumento de
poder simbólico um ethos dominante que abasteceria os costumes da coletividade. Pois
é comum que na forja de uma ideia de nação baseada num ethos comunal, os valores
assumidos recaiam sob o parecer do grupo socialmente dominante dotado de um capital
seja ele econômico, cultural, simbólico, representativo etc.

Referências

BRAÇO. António Domingos, CASALI. Alípio Marcio Dias. Educação em


Moçambique: a formação da identidade sociocultural na diversidade cultural e de
saberes. In: IV Simpósio Trabalho e Educação: Gramsci, Política e Educação, 2007,
Belo Horizonte. Gramsci, Política e Educação. Belo Horizonte: Faculdade de Educação
da UFMG - Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação, 2007. v. 1. p. 1-15.

CABAÇO, José de Oliveira. Moçambique: identidade, colonialismo e libertação.


2007. 475f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2007.

497
GONÇALVES, Antônio Cipriano Parafino. “Modernidades” Moçambicanas, Crise
de Referências e a Ética no Programa de Filosofia para o Ensino Médio. 2009.
385f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação:
Conhecimento e Inclusão Social. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas
Gerais, 2009.

HABTE, Aklilu; WAGAW, Teshome ; AJAYI, J. F. Ade. Educação e mudança social.


In.: MAZRUI , Ali A ; WONDJI, Christophe. História geral da África, VIII: África
desde 1935, 2ª. ed. rev. e amp. Brasília: Unesco, 2010.

MEC, Sistema Nacional de Educação: Lei No 4/83. Maputo: MEC, 1983.

WANE. Marilio, A Timbila chopi: construção de identidade étnica e política da


diversidade cultural em Moçambique 1934-2005 (Dissertação de mestrado). Salvador,
UFBA, 2010.

498
ESBOÇOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO
BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO
José Vando Moreira da Silva

Esboços da Educação Superior no Brasil Colônia e Império

Como sabemos o Brasil foi um país formado numa miscelânea de raças com seus
costumes e tradições, assim, nativos indígenas, europeus e negros deram origem a um
país que viveu durante quase todo período colonial sob o domínio português que
empreendeu uma forte colonização de exploração marcada pela escravidão de índios e
depois de negros. Um contexto assim, marcado por uma exploração muito forte, foi
necessário para que no Brasil a sociedade patriarcal se formasse aos moldes europeus
católicos que apresentava uma educação totalmente excludente para mulher e
fortemente selecionada, não por questões de conhecimento, mais por questões sociais e
financeiras.

No início da colonização do Brasil a educação, embora não sendo uma prioridade para
Portugal, foi ligado muito fortemente a ação da Igreja Católica. Em 1549 na época do
primeiro governador geral do Brasil, Tomé de Sousa, os jesuítas iniciaram seu trabalho
que segundo Aranha (2006, p.140) “ promoveram maciçamente a catequese dos índios,
a educação dos filhos dos colonos, a formação de novos sacerdotes e da elite intelectual,
além do controle da fé e da moral da nova terra”. Era então uma educação que
transpassava os púlpitos e as missas e formavam didático e moralmente o entendimento
das pessoas. Um reflexo muito forte dessa educação nos é mostrado hoje na sociedade
brasileira com uma sociedade em grande parte patriarcal, católica e com moral muito
tradicional.

Entre os anos 1749 a 1808 observamos uma fase marcada pela expansão do ensino
secundário nos colégios, uma vez que de acordo com Aranha (2006, p.191) “o governo
de Portugal não permitia a criação de universidades na colônia”. Desta fase da História
da Educação do Brasil vale salientar aqui as reformas realizadas a partir do governo do
marques de Pombal que logo em 1759 expulsa os jesuítas do Brasil e com isso passa a
rever a situação do ensino na colônia. De forma concreta em 1772 o governo pombalino
implanta o chamado ensino oficial e foi desmembrando o sistema educacional imposto
pelos jesuítas. Assim, como primeiras e relevantes ações desse período para educação
no Brasil:

“ ... desapareceu o curso de humanidades [da época jesuíta], ficando em seu


lugar as “aulas regias”. Eram aulas avulsas de latim, grego, Filosofia e
retórica. Ou seja: os professores, por eles mesmos, organizavam os locais de
trabalho e, uma vez tendo colocado a “escola” para funcionar, requisitavam
do governo o pagamento pelo trabalho do ensino. ” (Ghiraldelli Jr. 2009,
p.27)

499
Embora o esforço tenha sido relevante o governo de Pombal, não houve uma mudança
rápida na pratica educacional na colônia, dado o fato dos valores e moral jesuíta serem
muito fortes na sociedade. Ainda assim como sugere Aranha (2006, p.193) “foram
lançadas sementes de um novo processo que iria amadurecer e aos poucos a partir do
século seguinte.

O ano de 1808 chega então com um quadro turbulento na Europa. Napoleão Bonaparte
mediante uma política de expansão e de afronta a Inglaterra, vista como potência da
época, mexeu com o tabuleiro governamental e político da época, chegando também a
alterar a colônia. Turbulências mais especificamente restritas a Portugal, levaram o rei
Dom João VI tomar uma medida, que na análise de muitos historiadores beiram os
extremos da loucura e da coragem, de transferir a Coroa para colônia. E assim se deu a
aventura da Família Real Portuguesa amparada pela marinha britânica, viajando em
condições degradantes até sua chegada na colônia que embora apresentasse uma
formatação territorial quase que idêntica a atual, não possuía uma formação nacional
muito forte.

Dom João VI chega então na colônia onde havia “ uma população analfabeta, pobre e
carente de tudo. Na cidade de São Paulo, já no governo de Dom João VI, apenas 2,5%
dos homens livres em idade escolar eram analfabetos” (SKIDMORE, 1998 apud
GOMES, 2007, p. 123). E interessante questionar aqui os motivos que levam esse
momento a ser um marco na História da Educação Brasileira com o surgimento das
atividades do Ensino Superior no Brasil.

Após chegar aqui Dom João VI além de abrir os portos para as nações amigas e
organizar várias instituições governamentais, deu início a vários cursos
profissionalizantes nos níveis médio e superior, marcando assim os primórdios na
educação superior no país. Dessa forma o ensino é organizado em primário (a chamada
“escola de ler e escrever”), o secundário (mantendo o esquema de “aulas regias”), e o
superior sendo apresentado através de uma ligação muito forte com a defesa militar e
para atender os interesses da Corte aqui instala. Assim, cursos ligados a medicina
surgiram na Bahia e no Rio de Janeiro. Cursos como de Engenharia surgem no junto
instituições militares e cursos avulsos de economia, química e agricultura também
aparecem nessa época.

A fase imperial no Brasil que aqui agora vamos tratar, inicia-se após a independência de
Portugal. Processo altamente ligado a um conflito direto entre as elites coloniais e
metropolitanas, liderada pelo filho desafetuoso de Dom Joao VI que precisou voltar
para Portugal dado o término da dominação napoleônica e uma crise que ameaçou a
perder a coroa portuguesa para grupos da elite metropolitana.

Dom Pedro I então assume o governo do país e apresenta uma Constituição em 1824,
que segundo Junior (2009, p.28) “continha um tópico especifico em relação a educação.
Ele inspirava a ideia de um sistema nacional de educação. Segundo ele, o Império
deveria possuir escolas primarias, ginásios e universidades.”. Infelizmente, esse plano
manteve-se muito bonito no papel, pois na prática problemas como falta de professores
e de encaminhamentos educacionais mais amplos não ocorreu de fato.

500
Em 1827 surge em São Paulo e Recife dois cursos jurídicos que em 1827 passam a ser
faculdades. Nessas, observamos então uma preocupação em investir nas carreiras
chamadas de liberais (advogados, e mais tarde médicos e engenheiros), e assim se
manteve em grande parte do império.

Em fins da época imperial, é importante destacar a força da corrente positivista que


ganhará muita força no pensamento europeu com a figura de August Comte que
segundo Filho (2005, p.169) pregava “o império da ciência, quando tudo teria que ser
comprovado cientificamente”. Dessa forma o ensino brasileiro no império ficou longe
de ser um projeto educacional público e voltou-se apenas para um sistema marcado por
exames e provas. Nomes como Benjamin Constant, Miguel Lemos e Teixeira Mendes
repercutiram de forma ampla o positivismo na Pedagogia.

Referências bibliográficas

JUNIOR, Paulo Ghiraldelli. História da Educação Brasileira. 4ª Edição. São Paulo:


Cortez,2009.

FILHO, Geraldo Francisco. História Geral da Educação. 2ª Edição. Campinas:


Editora Alínea,2005.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: Geral e do


Brasil. 3ª Edição. São Paulo: Moderna,2006.

GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca. 1ª Edição. São Paulo: Editora
Planeta do Brasil,2007.

501
A HISTÓRIA DA HISTÓRIA: PORQUE SE
ESTUDA A HISTÓRIA ANTIGA PRIMEIRO?
José Lúcio Nascimento Júnior

Todo o início do ano sempre me vejo frente às seguintes perguntas: O que é a História?
Para que serve? Por que devo estudar? Para solucionar a estas e outras perguntas resolvi
demonstrar para os alunos que a Ciência Histórica também possui a sua história; ou
seja, que a História não foi sempre assim como a vemos hoje, mas que havia passado
por modificações. O que proponho neste espaço consiste em uma brevíssima viagem
pela história da História (também conhecida como história da Historiografia) e a pela
definição de seus objetos e campo de pesquisa, tal como apresentada aos alunos no
início do ano letivo.

Alguns estudos atribuem a invenção do fazer da História ao filósofo grego Heródoto


(485-420 a. C). Com este pensador, a História tornava-se a investigação dos fatos. O seu
primeiro objeto de estudo foi o conjunto de guerras que os gregos se envolviam e havia
vencido ao longo do século V a. C. O seu desejo consistia em mostrar os fatores que
explicavam a vitória dos gregos sobre os persas; para tanto, Heródoto estudou o império
Persa, fazendo uma grande pesquisa através de testemunhos.

Como em História sempre há um bom debate, ainda no século V a. C, surgiu outro


filósofo que buscou explicar a realidade da Grécia: era Tucídides (460-400 a. C.). Para
esse grego, ao contrário do que preconizava Heródoto, a investigação histórica tinha que
ser feita com base em relatos para se chegar a uma verdade imparcial. Cabia ao
historiador compreender as causas e explicar os fatos de forma concisa. Desse modo,
surgia na Grécia o primeiro debate sobre o objeto, o objetivo e o modo operante da
História.

Dos primeiros historiadores gregos até o século XIX pode-se dizer que os historiadores
se preocuparam em registrar os feitos dos reis, e dos heróis de guerra e dos grandes
homens que serviriam de exemplo para a população. Da Idade Média ao fim da Idade
Moderna, a História, assim, serviria de modelo para a ação dos governantes e de
exemplo para a população. Esse modelo de História seria chamado de História Magistra
Vitae (ou História Mestra da Vida). Na Alemanha, esse modelo teria chegado ao fim do
século XVIII; para a França esse modelo teria chegado ao fim do século XIX. Isso
mostra, que em cada país as transformações no fazer História ocorreram de forma
diferente.

A História enquanto ciência teve seu desenvolvimento ao longo do século XIX. Para os
historiadores, desse período, o ofício do historiador era uma ciência seguindo o modelo
da Física (vista como a maior das ciências na época), possuindo um objeto, métodos e
técnicas de pesquisa. O primeiro historiador a mudar o olhar sobre a História foi o
alemão Leopold Von Ranke (1795-1886).

502
Para Ranke cabia ao historiador levantar o maior número de documentos escritos (fontes
primárias) para se chegar à verdade dos fatos. Tais fatos seriam apresentados sob a
forma de uma narrativa elencando os principais eventos apurados e seu desenrolar.
Além disso, Ranke defendia que a História deveria ter como objeto as relações
internacionais e a ação do Estado, daí o privilégio as fontes escritas produzidas pela
Estado ou organismos oficiais. Em um único estilo vemos a memória de dois tipos de
História: a de Heródoto e os fatos exteriores, e a preocupação com as fontes e a verdade
neutra de Tucídides.

A História, enquanto ciência, analisava a evolução da história da humanidade, do início


até os dias atuais, essa entendida como a sociedade ocidental europeia. Ou seja, pelo
surgimento e evolução da civilização europeia, tendo seu início no Oriente Próximo e
passando a se desenvolver pela experiência das sociedades greco-romanas. A História
deixava de fora as transformações ocorridas na África Subsaariana, no Extremo Oriente
e nas Américas, demonstrando como a essa ciência possuía uma visão eurocêntrica do
desenvolvimento da história humana.

Foi também no século XIX que foram divididos os períodos da História. Tal divisão
tinha por objetivo de facilitar o estudo histórico e foi estabelecido os seguintes recortes
temporais:

# Pré-história: período da história onde os povos não conheciam a escrita; assim, por
não deixar documentos escritos não seria possível estudá-los, sendo eles domínio da
Arqueologia e de outras ciências. O fim desse período passou a ser marcado pelo
surgimento da escrita na Mesopotâmia por volta do ano 3.600 a. C.

# História: seria o período em que os povos conheciam escrita; esse período seria
dividido em duas outras maneiras. A primeira pelo nascimento de Cristo (visto como
Messias das religiões cristãs, que são a maioria absoluta no ocidente); o segundo, por
períodos que refletiam o olhar e fatos marcantes na história europeia.

Esses períodos são: Antiguidade ou História Antiga (que vai de 3600 a. C., com a
Invenção da Escrita, até 476 d. C., com a Queda do Império Romano do Ocidente).
Medievo ou Idade Média (que vai 476, com a Queda de Roma ocidental até 1453,
com a Queda de Constantinopla, ou seja, Roma Oriental); Modernidade ou Idade
Moderna (que vai de 1453 com a queda de Constantinopla até 1760 com a Revolução
Industrial para os ingleses ou até 1789, marco francês, com a Revolução Francesa. O
período que se seguia era a Contemporaneidade ou Idade Contemporânea (que era o
período que se iniciou no final do século XVIII e iria até os dias atuais.

Cabe ressaltar que iniciar os estudos de História pelo surgimento do homem e pela
chamada Pré-História não é algo que ocorreu aleatoriamente. Pode e deve ser
demonstrado historicamente, até mesmo, para que nossos alunos compreendam porque
estudar sociedades que parecem tão distantes temporalmente. Tal definição se mostrou
tão forte que até hoje aparece em grande parte dos livros escolares, sendo largamente
utilizada dentro e fora dos meios acadêmicos.

Por fim, como o sentido de uma história linear nos remete ao pensamento de Ranke no
século XIX, pensamento esse que não foi de todo superado na historiografia, nem pela

503
história ensinada na escola. Destarte, ao longo do século XX foram desenvolvidas
outras formas de se fazer a História e de defini-la, seja como ciência, seja de outra
maneira. Mas, esse estudo ficará para outra oportunidade.

Bibliografia

BORGES, V. P. O que é História? SP: Brasiliense.

BURKE, P. O que é história cultural? RJ: JZE, 2005.

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo.


Belo Horizonte: Autêntica, 2014

HOBSBAWM, E. J. Sobre História – Ensaios. SP: Cia das Letras, 2004.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos


históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio, 2006.

504
CONHECENDO A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE
SURDOS: UM PASSO PARA LIBRAS (LÍNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS)
Kaíque Lessa De Souza
Siméia Teixeira Gomes de Souza Silva

O presente trabalho tem por objetivo relatar os resultados e pontos relevantes da oficina
realizado no curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado da Bahia -
UNEB, na disciplina de Estágio Supervisionado em História II Cuja temática foi:
Conhecendo a História da Educação de Surdos: um passo para Libras (Língua
Brasileira de Sinais). A perspectiva aqui adotada diz respeito aos resultados obtidos
durante a oficina do estágio para o processo de formação docente, particularmente aos
futuros professores de História que dever saber lidar com situações adversas dentro e
fora da sala de aula.

É no Estágio que começamos a ganhar experiência, entender como funciona o chão da


escola e saber que o desafio é muito maior do que imaginávamos. Procuramos
minimizar a exclusão dos educandos em relação à História, mostrando-lhes que somos
sujeitos históricos. Assim sabemos que é uma exigência da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (nº 9394/96) e o cumprimento de sua respectiva carga horária é
requisito exigido para conclusão do curso de Licenciatura em História, sendo uma
experiência social fundamental, que parece ainda insuficiente para algumas pessoas no
que tange a complexidade de lecionar. Estudar, ensinar História não é algo fácil. Muitos
não veem significado para suas vidas. Cabe aos futuros, estudantes e professores de
História, tentarem mudar essa realidade.

A oficina propôs discutir o contexto histórico da educação mundial e nacional das


pessoas surdas. Na busca de difundir conhecimento da cultura surda, suprimindo
preconceitos e estereótipos arraigados no conceito popular sobre a surdez. Assim
fizemos uma oficina voltado para esta temática com duração de 20 horas, contamos com
a participação de 25 inscritos, com faixa etária entre 13 e 18 anos de idade.

A realização deste projeto em espaço não formal foi de fundamental importância,


devido a sociedade da qual fazemos parte, possui um extenso histórico de preconceito,
exclusão ao diferente, e a constante comparação entre o que julgam “normal” e o
“anormal”. Nesta perspectiva, nós do VI semestre de História, refletimos sobre o mundo
que vivemos e chegamos a um consenso de que é pertinente seguir nessa linha de
pensamento, optando por quebrar essas barreiras de preconceito que nos rodeia.

São tantas exclusões que assistimos em nosso cotidiano, dentre todos os tipos de
assuntos considerados de pouca importância, chegamos a um tema tão antigo e ao
mesmo tempo atual. Quem nunca se deparou com um surdo? E naquele momento ficou

505
pasmo sem saber o que fazer? Surdos estão presentes desde os primórdios, porém foram
por muito tempo invisível perante a sociedade.

Nosso objetivo é conscientizar os participantes da oficina para uma História tão antiga,
porém desconhecida, almejamos demonstra para as pessoas o processo histórico de luta,
superação e desafio enfrentado por surdos, revelar como eram tratados, como eram
vistos em diversas sociedades, evidenciar onde teve início a luta dos surdos e mostrar
quais foram os pioneiros a comprometerem-se com esta causa.

Levar este conhecimento para a sociedade, vai contribuir para estreitar os laços entre os
surdos e os ouvintes, possibilitando que a população enxergue com um novo olhar os
surdos. Empenhamos a transmitir aos participantes uma noção básica sobre Libras, para
que eles possam estabelecer pequenos diálogos com os surdos, permitindo troca de
experiências entre eles e dissipando qualquer forma de preconceito sobre as pessoas
surdas.

A possibilidade de trabalhar essa temática em um espaço não formal seria essencial já


que, a escola por lei tem intérprete que os amparam, minimizando assim o bloqueio de
comunicação existente. Todavia para um bom andamento deste processo de inclusão é
necessário que o conhecimento sobre a surdez, inclusão, seja trabalhado também fora da
escola, para que mais pessoas se conscientize da necessidade de respeito a diferença.

Assim, a experiência do surdo tem ligação direta com as relações familiares e


experiências de convívio com os mais próximos podemos citar o texto de Cainelli e
Tuma, vem trazer uma forma de entender como se dar a construção do conhecimento
histórico pela criança. Partem do pressuposto que é na experiência com a família, na
sociedade, na igreja, mídia e na escola que as suas representações de realidade se
formam e que ajudaram na formação do conhecimento histórico. Na verdade, buscou se
compreender como acontece dentro do processo de ensino aprendizagem, na perspectiva
da educação histórica no processo de construção do conhecimento histórico em sala de
aula.

Diante dos estudos de Jörn Rüsen da Consciência Histórica e de Peter Lee com a
Literacia Histórica, podemos perceber a importância que a educação histórica pode
exercer na vida dos alunos, pois se antes a História era apenas a mestra da vida, com
Rüsen, a História torna-se uma prática de vida, ou seja, algo que seja útil para as
pessoas e que possa orientá-las no presente e perspectivar o futuro através da análise do
passado, é o que Rüsen chama de consciência histórica.

Para realização desse trabalho, pensamos em uma aula oficina que possibilitassem aos
ouvintes um aprendizado, partindo de seu próprio contexto social, levando-os a pensar
criticamente questões do mundo, a partir das questões políticas, sociais, culturais e
econômicas que ele vive no seu cotidiano.

Para tal, propomos uma temática pouco discutida academicamente mais que vem
ganhando destaque no meio educacional. A finalidade da oficina foi entender o contexto
histórico da educação mundial e nacional das pessoas surdas. Na busca de difundir
conhecimento da cultura surda suprimindo preconceitos e estereótipos arraigados no
conceito popular sobre a área da surdez, com o intuito dos participantes conhecerem um

506
pouco dessa história, fazendo um diálogo com os conteúdos explanados e os
acontecimentos que envolvem essa temática.

Para a concretização desta proposta, utilizamos os textos: Aula Oficina: do projeto à


avaliação de Isabel Barca e no artigo, A reconstrução de aulas de história na perspectiva
da Educação Histórica: da aula oficina à unidade temática investigativa de Lindamir
Zeglin Fernandes. Diante esses estudos, o nosso principal objetivo foi trabalhar com a
ideia de uma unidade temática investigativa, fundamentado em Barca e Braga, partindo
desse pressuposto o nosso primeiro passo foi a definição da temática de estudo na qual
optamos por desenvolver uma oficina que levassem os participantes conhecerem um
pouco da História da Educação de Surdos.

Na penúltima fase desse método fizemos uma aplicação do instrumento meta cognição
que é realizado através de perguntas para captar a verbalização dos alunos quanto à
consciência histórica e segundo Rüsen esta consciência histórica é muito importante
porque coloca em destaque as narrativas dos sujeitos sendo essa comunicação um fator
de identidade histórica tanto de quem verbaliza quanto de quem houve
(GEVAERD,2009.pg 65). Diante disso, fizemos uns questionamentos com os discentes
sobre a importância que essa oficina teve na vida deles, o que puderam aprender que vai
ajuda-los tanto no seu presente quanto no seu futuro e nesse momento tivemos uma
socialização de depoimento por parte de alunos e nossa, em relação a familiares que são
surdos, da dificuldade de se comunicar com essas pessoas e também dos problemas que
estes sofrem na sociedade. Muitos desses depoentes mudaram a forma de ver e agir para
com os surdos e perceberam que a surdez é apenas uma limitação e de modo algum
torna essas pessoas incapazes, pelo contrário estas têm muita capacidade e a maior
dificuldade destas não é a falta de audição e sim a sociedade preconceituosa.

Durante toda a nossa aula-oficina buscamos desenvolver nos participantes essa


consciência histórica para que de algum modo isso pudesse servir em suas vidas práticas
e que estes pudessem se ver dentro da história, como fazedores de história e, portanto,
perceber que suas vivências têm muita importância, afinal todos temos conhecimentos,
não somos uma folha em branco. O que nos cabe é adquirir novos aprendizados e
assimila-los ao que já possuímos.

Referências

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394/96,de 20


de dezembro de 1996.

CAINELLI, Marlene Rosa. TUMA, Magda Madalena P. História e Memória na


construção do pensamento histórico: uma investigação em educação histórica. Revista
HISTEDBR On-line, Campinas, n.34, p.211- 222, jun.2009 – ISSN: 1676 – 2584.
Artigo recebido em: 29/03/2009, aprovado para publicação em: 31/08/09.

FERNANDES, Sueli. Educação de surdos. Curitiba: Ibpex.2007.

507
LEE, Peter. Em direção a um conceito de literacia histórica. Dossiê: Educação
Histórica. Educar em Revista, Curitiba, nº especial, p. 131-150, 2006.

LIMA, Maria Socorro Lucena; PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e docência. São
Paulo: Cortez, 2004.

RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso


alemão. Práxis Educativa, Ponta Grossa, vol. 1, nº 2, jul.- dez. 2006, pp. 07-16.

FERNANDES, Lindamir Zeglin. A reconstrução de aulas Histórica na perspectiva da


Educação Histórica: da aula oficina à unidade temática investigativa.

508
O IDEAL DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO NA
GRÉCIA ANTIGA
Luiz Henrique S. Moreira

O estudo da história da educação é dado como relevante porque a partir dele pode-se
perceber a relação de várias sociedades com a educação em várias épocas distintas,
possibilitando uma reflexão mais ampla da sociedade, o porquê e o para quê se educa,
abrindo para os questionamentos de como as sociedades contemporâneas se relacionam
com a Educação. E em relação à Grécia se torna possível perceber como foi criado um
ideal de educação e pedagogia que ainda é dado como modelo contemporaneamente,
porém, antes de tratar diretamente da aretê e da paidéia na Grécia Antiga, se torna
necessário contextualizar a mesma no período, ao qual se refere, para que se torne
minimamente possível perceber as particularidades, motivações e dificuldades do
sistema de formação grego.

Localizada na Península Balcânica, que apresenta um relevo acidentado e montanhoso,


a agricultura revelou-se difícil na Grécia, o que de certa forma fez com que os gregos
passassem a habitar as ilhas próximas, em busca de locais que possibilitassem sua
subsistência. Se espalhando pelas costas dos Mares Negro e Mediterrâneo atingindo o
sul dos territórios atualmente conhecidos como Itália e França, e atingindo também o
Norte da atual África.

Segundo Jaeger (1995) toda cultura superior surge a partir da diferenciação de classes
sociais, e com os gregos não foi tão diferente, a história da formação grega começa com
o surgimento de um ideal definido de homem superior. Muitas cidades foram fundadas
na Grécia sob o conceito de pólis, sendo cada cidade-estado independente, contendo
seus próprios hábitos e regulamentos. No entanto, devido a muitos aspectos em comum,
como a língua e esse ideal de homem superior em relação aos demais povos, os gregos
passaram a enxergar a si mesmos como um só povo, o que originou algo que seria
possível de se traduzir como um sentimento nacionalista de pátria.

Devido às numerosas diferenciações que haviam de acordo com cada cidade-estado


grega, no presente texto, será usada a cidade de Atenas como base para um
aprofundamento da educação e formação na Grécia Antiga. Justifica-se tal escolha
devido a mesma ser considerada como o centro cultural da Grécia Clássica,
principalmente ao período que se refere, período em que Péricles esteve a frente do
poder (463-529 a. C.). Atenas contava basicamente com três classes sociais: os
eupátridas, conjunto de homens adultos considerados verdadeiros cidadãos e os únicos
que detinham direitos políticos para participar da democracia (Lobato, 2001), as
mulheres e crianças por mais que descendentes diretas dos mesmos não obtinham tais
direitos; os metecos eram os estrangeiros que além de não deterem direitos à
participação da vida política da cidade estavam proibidos de arrecadar terras, eram
obrigados a prestar serviço militar e a pagar impostos para viver em Atenas; e os

509
escravos que eram a maioria da população, a escravidão podia ser dada por captura,
guerra ou até por pagamento de dívidas,

Os escravos eram considerados propriedades do seu senhor, embora


houvesse leis que os protegiam contra excessos de maus tratos. Atenas era
um Estado que garantia a democracia da minoria às custas da escravidão da
maioria. (LOBATO, 2001, p. 23)

Porém deve-se ressaltar que, se abordados como uma classe social, os escravos não
chegavam a ser a camada mais baixa da sociedade como aponta Vidal-Naquet (1989, p.
88)

Na sociedade homérica ou mais exatamente naquilo que chamamos tão


impropriamente por esse nome, na sociedade evocada e imaginada pelos
poemas homéricos, há certamente escravos, mulheres raptadas, prisioneiros
de guerra, escravos adquiridos por um embrião de comércio, mas o escravo
não é o único em baixo da escala social e nem está tão mal situado. Muitos
disseram e M.I. Finley mostrou melhor do que ninguém que o miserável por
excelência não é o escravo: é o trabalhador agrícola que só dispõe de seus
braços, não tendo qualquer ligação permanente com o domínio, o oikos, é o
tete. Em suma, tanto na sociedade homérica quando na micênica, existe toda
uma gama de estatutos entre o homem livre e o escravo.

Os gregos se diferenciaram dos demais povos antigos por serem os primeiros a buscar
explicações racionais e que pudessem ser comprovadas, em detrimento com as
explicações míticas, para que pudessem progredir como seres humanos. Em Atenas a
educação formal era voltada somente para os meninos e as meninas eram obrigadas a
aprender os ofícios domésticos e os trabalhos manuais com as mães. Acreditava-se que
se cada menino pudesse desenvolver integralmente suas aptidões, se tornariam bons
cidadãos (Lobato, 2001) e a cidade estado se tornaria a mais forte.

Um garoto ateniense entrava na escola aos seis anos e ficava sob os


cuidados de um pedagogo que ensinava aritmética, literatura, música escrita
e educação física; o aluno decorava muitos poemas e aprendia a fazer parte
dos cortejos públicos e religiosos. (LOBATO, 2001, p.25-26)

Comumente ao se abordar a formação e educação na Grécia Clássica trata-se somente


da paidéia, porém não se pode utilizar a história da palavra como um fio condutor para
estudar a origem da formação grega, já que a mesma só aparece no século V com
Ésquilo. Para se remeter à formação nos tempos mais antigos têm-se o conceito de
aretê, cuja não se tem um equivalente exato à palavra em língua portuguesa, mas pode-
se traduzir a mesma com algo quase correspondente à "virtude", que carrega o ideal de
homem superior grego no qual os meninos deviam se espelhar (JAEGER, 1995, p.25).

Tratar de educação e formação na antiguidade grega sem abordar os poetas é


impossível, pois estes são os primeiros educadores, não só de sua época já que as
influências dos mesmos transpassa gerações. Ser culto na antiguidade era saber Homero
de cor e poder citá-lo em qualquer ocasião. Nos poemas homéricos, o testemunho mais
remoto da antiga cultura aristocrática helênica, é possível perceber tanto como o mundo

510
aristocrático da Grécia era formado, quanto o ideal de Homem capaz de manifestar a
aretê através de sua superioridade, nobreza, qualidades físicas e espirituais: como a
bravura, a coragem, a força e a destreza do guerreiro, a eloquência e a persuasão, e,
acima de tudo, a heroicidade. Basicamente para exprimir a aretê o homem deveria
manter o domínio de si, controlando seus instintos, desejos e paixões através da razão.
Para moldar o corpo tinha-se a ginástica e para moldar o espírito tinha-se a música, a
leitura e o recitar das obras dos grandes poetas (LOBATO, 2001, p. 27-28). Além de
formar um homem harmonioso que adquiriu o domínio de si, o programa de formação
na Grécia tinha como finalidade formar um cidadão fiel ao Estado, que compreendesse
que o mesmo só é o que é porque vive na pólis e sem ela não é nada.

Durante os séculos V e VI a. C a cultura grega sofreria alterações devido ao surgimento


de novos grupos sociais ligados ao comércio, pode-se dizer que se trato do momento em
que o ideal da aretê sai de voga, surgindo o ideal de educação conhecido como paidéia.
Não se pode traduzir o termo apenas como educação, já que esse ideal de formação
pretendia formar o homem em suas várias esferas (social, política, cultural e educativa)
e se tratava de uma formação muito mais crítica em relação ao saber religioso e mítico
se comparada com a aretê.

Enfim, a Paidéia, é a busca do conhecimento do homem, de forma


individual, para que este possa interferir na organização política e social da
pólis, a idéia principal é colocar o homem a par de todo o conhecimento
necessário para a harmonia consigo próprio e com a comunidade ao seu
redor. (LOBATO, 2001, p. 32)

Basicamente, ao se comparar a Arete e a Paideia, nota-se que a aretê tinha um ideal de


herói para moldar os meninos, ideal esse embasado nos heróis dos poemas como Ulisses
e Telêmaco, enquanto a paidéia explora mais a racionalidade e está mais ligada ao real
por assim dizer, o objetivo não era mais formar meninos heróis igual a Academia
Prometheus retratada na animação Hércules produzida pela Walt Disney em 1997,
tinha-se o objetivo de se criar um ser autônomo, dotado de uma identidade cultural e
histórica.

Referências bibliográficas

JAEGER, Werner. A Formação do Homem Grego. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes,
1995.

LOBATO, Vivian da Silva. Revisitando a Educação na Grécia Antiga: A Paidéia.


2001. Trabalho de Conclusão de Curso (Pedagogia) - Universidade da Amazônia,
Belém, 2001.

VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Trabalho e Escravidão na Grécia


Antiga. Campinas, SP: Papirus, 1989.

511
O ENSINO DE HISTÓRIA E A DITADURA
MILITAR NO SERTÃO ALAGOANO ATUAL
Luiz Santos Silva

O presente texto é parte de um projeto de pesquisa cujo tema “A Ditadura Civil e


Militar e as Representações de Estudantes, Jovens e Adultos de Escolas Públicas no
Sertão Alagoano”, surgiu a partir da minha própria experiência enquanto professor de
história da rede pública no sertão de Alagoas, bem como também que o tema ditadura
militar já foi objeto de investigação em meu trabalho monográfico intitulado: As
Origens do Golpe Civil-Militar de 1964, apresentado ao Curso de História da
Universidade Estadual de Alagoas no ano de 2012. Ao me inserir na rede regular de
ensino de municípios (São José da Tapera e Poço das Trincheiras) Estado de Alagoas, e
mediar a temática nas aulas de ensino fundamental e médio, passei a questionar: o que
eles, jovens e adultos matriculados nas series/anos da educação básica, sabem a respeito
deste assunto?

A delimitação espacial, ou seja, o sertão de alagoas, decorre da necessidade do ensino


de história está pareado com a realidade presente, que Segundo Bittencourt:

“a história do “lugar” como objeto de estudo ganha, necessariamente,


contornos temporais e espaciais. Não se trata, portanto, de proporem
conteúdos escolares da história local, de entendê-los apenas na história do
presente ou de determinado passado, mas de procurar identificar a dinâmica
do lugar, as transformações do espaço, e articular esse processo às relações
externas, a outros “lugares” (BITTENCOURT, 2004, p.172).

Sendo assim, por ser professor da localidade citada, comecei a questionar: até que ponto
a temática ditadura civil e militar possui uma relação com o contexto social dos
estudantes das escolas públicas de educação básica alocadas no sertão alagoano? Como
estes estudantes têm construído ao longo de sua trajetória escolar representações que
descortinem o que foi esse sistema político repressivo para o Brasil e para o estado de
Alagas? Como eles veem nas aulas de história as representações sociais explicitadas nas
páginas dos manuais didáticos acerca da ditadura civil e militar? Quais as dificuldades
deles em entender os conteúdos de história que marcam esse período? A ditadura civil e
militar é problematizada na sala de aula com que frequência e que recursos didáticos os
docentes fazem uso para tornar mais profícuo os encontros das aulas de história? E
quais representações e consciência histórica nacional são obtidas através do ensino de
História como forma de proporcionar uma visão crítica nos jovens na atualidade a
respeito da realidade político-social passada?

Neste cenário tomo como referencial teórico, um conceito do historiador Carlo


Ginzburg: a Circularidade Cultural. Este conceito parte do princípio que a cultura, o
conhecimento, navega tanto dos espaços sociais letrados para os setores sociais
populares e vice versa. Esse trabalho investigativo parte da compreensão das vivências e

512
representações sociais e culturais de sujeitos para o entendimento de um contexto mais
amplo.

O problema central desta investigação é: até que ponto o ensino de história na educação
básica pode ser referência para adolescentes, jovens e adultos estabelecerem relações
com a memória histórica acerca da ditadura civil e militar instituída no Brasil nos anos
de 1964 a 1985.

Ao observar in loco (conversas com eles nas aulas e reuniões com os pais) o público
objeto de pesquisa deste pré-projeto, trata-se de sujeitos moradores de diversas cidades
do sertão de Alagoas. Estudantes estes que em sua maioria convivem no meio rural,
oriundos de famílias carentes, que apesar da precária estrutura econômica social, estão
inseridos em realidades locais políticas e educacionais que influenciam na forma como
eles constroem suas representações históricas sobre os acontecimentos políticos do
presente.

O que me levou a mais inquietações diante do cenário que eles estão inseridos é
desvelar suas relações e ideias da realidade local com o contexto nacional atual nos
discussões políticas do tempo presente.

A historiografia e o ensino de história na contemporaneidade têm sido marcados por


uma diversidade e pluralidade de temas, enfoques, abordagens teóricas e metodológicas
acerca dos seus objetos. Nesse sentido, inserimos esta pesquisa nesse mosaico de novos
olhares lançados sobre os objetos, nesse entrelaçado de novos saberes e novas
abordagens que privilegiam o diálogo com os sujeitos e os objetos da história que põe
em cena a história nacional e o ensino-aprendizagem de história nos espaços escolares.

O segundo ponto a ser destacado, é a contribuição a sociedade para a discussão no que


se refere a construção das representações históricas da juventude estudantil sobre a
ditadura militar, sobre o que “realmente” eles entendem sobre essa fase da história
brasileira que não pode ser esquecida pelas gerações atuais nem tão pouco deixar de ser
objeto de estudo não só do ensino, mas, principalmente da aprendizagem. Nesse
sentido, a pesquisa visa debater o que estes jovens entendem sobre o tema estudado no
ensino médio.

Assim, propomos uma ponte, um diálogo estreito entre o Ensino de História –a ditadura
militar - e a aprendizagem desta História por parte dos alunos, cujas fronteiras são
bastante intrínsecas, porém, se não entendidas de forma adequadas podem gerar
anacronismo e esquecimentos históricos irreparáveis a sociedade atual.Para tanto,
investigaremos a postura histórica e teórica também dos professores das escolas
pesquisadas, suas análises da ditadura, que tipo de escola histórica eles seguem nas
aulas e as ideologias compartilhadas nas aulas com os estudantes.

Nesses saberes imbricam-se a escrita da história como construção de um “real”, e o


entendimento das “representações” atuais como realidade que não podem ser
dissociados, cuja materialização é possibilitada pelos debates construídos através da
narrativa em sala de aula.

513
Com isso, procuraremos entender a ditadura militar brasileira a luz da historiografia, a
grande quantidade de publicações, teses, livros, artigos, documentários de historiadores,
sociólogos e jornalistas a respeito dos governos, ações e acontecimentos durante todo o
período em que vigorou o regime ditatorial, produziram também muitas versões sobre
esta temática. Sendo assim, analisaremos as ideias do historiador Jorge Ferreira afirma
que, em consulta preliminar constatamos que há linhas historiográficas defendendo que:

“para a direita civil-militar que tomou o poder em 1964, Goulart era um


demagogo, corrupto, inapto e influenciado por comunistas. Motivos
suficientes, portanto, para o golpe. Para as esquerdas revolucionárias e a
ortodoxia marxista-leninista, o presidente era um líder burguês de massa,
uma liderança cuja origem de classe marcou seu comportamento dúbio e
vacilante, com vocação inequívoca para trair a classe trabalhadora. Portanto,
sua origem de classe teria permitido o golpe. Além disso, segundo muitas
interpretações, tratava-se de um populista”. (FERREIRA E DELGADO,
2003, P. 345 ).

Alguns estudiosos como, por exemplo, Thomas Skidmore, defende que foram os
militares os protagonistas articuladores de todos os passos da conspiração que vinha
sendo programada desde o final da Era Vargas, e que no governo de João Goulart foi o
momento certo para organizarem o levante contra o poder constitucional.

Procuraremos investigar como suporte teórico sobre a ditadura militar, as do cientista


político René Dreyfus, apresenta um longo trabalho com provas irrevogáveis que foi a
burguesia empresarial brasileira associada a multinacionais que influenciaram os
militares no processo de tomada do poder que vinha sendo orquestrado pela burguesia
nacional desde meados da década de 30, e assim articularam a derrubada do poder
democrático em 1964.

Com isso é preciso entender também como o ensino de história veio se desdobrando até
os dias atuais. É notório o debate ocorrido no Brasil, após 1985, ou seja, o período de
redemocratização do país, a respeito da necessidade de se revitalizar o Ensino de
História no Brasil, rompendo com os vícios implantados no período do Regime Militar
(1964-1985).

A partir de 1964, com o golpe de Estado e a implantação da ditadura militar no Brasil, o


ensino de História manteve seu caráter estritamente político, pautado no estudo de
fontes oficiais e narrado apenas sob o ponto de vista factual O ensino de História não
tinha espaço para análise crítica e a interpretação dos fatos. Neste contexto, o Estado
organiza um programa para controlar as instituições escolares, visando legitimar os
interesses político-ideológicos do regime. Com a lei 5692/71 o ensino centra-se numa
formação tecnicista, voltada para a preparação de mão de obra.

As disciplinas das ciências humanas são tratadas de modo pragmático, legitimadora do


modelo de nação vigente. No 1º grau a História e a Geografia foram condensadas nos
Estudos Sociais, dividindo a carga horária com a Educação Moral e Cívica. Com essas
medidas o Estado visava um maior controle ideológico sobre o corpo docente. O ensino
de História tinha como prioridade ajustar o aluno ao cumprimento dos seus deveres
patrióticos.

514
Referências bibliográficas

BERNARDO, Susana B. R. .O Ensino de História nos primeiros anos do Ensino


Fundamental: o uso de fontes. Dissertação (Mestrado em História e Ensino).

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São


Paulo: Cortez, 2004.

CAINELLI, Marlene. Educação Histórica: perspectivas de aprendizagem da


história no ensino fundamental. Educar; Curitiba, Especial, Editora UFPR: Curitiba,
2006.

DREIFUSS, René Armand. 1964,A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e


Golpe de Classe. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1981

ENELON, Déa Ribeiro. A Formação do profissional de História e a Realidade do


Ensino.

FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. São Paulo: Papirus:


1993.

FUNARI, Pedro Paulo. Ensino de História, Modernidade e Cidadania. Revista


História e Ensino, vol.5. pág, 127-137, 1999.

GINZBURG, Carlo;Prefácio/Sinais: raízes de um paradigma indiciário/ Ticiano,


Ovídio e os códigos da figuração erótica no século XVI. In: Mitos, emblemas, sinais:
morfologia e história. São Paulo: Cia. dasLetras, 1989.

LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em História. In: Barca,


Isabel.(org.). Perspectivas em educação histórica.

REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2000.

515
CAMÉLIA BRANCA: O PROCESSO DE ABOLIÇÃO
DA ESCRAVIDÃO EM SALA DE AULA
Livia Claro Pires

A presente sequência didática foi desenvolvida junto a alunos e alunas do 7º ano do


segundo segmento do Ensino Fundamental, na disciplina de História, em colégio
particular da Zona Norte do Rio de Janeiro, no ano de 2015. Nasceu de uma inquietação
da professora ao perceber que os estudantes sempre representavam a população negra
que vivia no Brasil no século XIX como escravizados.

Por ser um colégio de pequeno porte, oferece apenas o Ensino Fundamental, possuindo
poucas turmas com número reduzido de estudantes. A escola localiza-se em Engenho da
Rainha, próximo às comunidades da Pedreira e do Complexo do Alemão, atendendo a
famílias de classe média baixa residentes no entorno.

O reconhecimento que esses estudantes detinham de seu pertencimento étnico esbarrava


na negação em ser negro. Percebia-se, com clareza, essa negação. Quando perguntados,
em ocasiões diversas, sobre como se autodeclaravam, poucos afirmavam serem negros
ou negras. Declaravam-se como brancos ou morenos. Os colegas que eram identificados
socialmente como brancos, por sua vez, reforçavam essa negação.

Apesar de já terem sido introduzidos em discussões sobre racismo, na sala de aula,


percebiam este como um problema individual, uma falha de caráter, um desvio moral.
Não compreendiam o racismo como um problema social endógeno. Tal entendimento
refletia-se, muitas vezes, na maneira como entendiam o conteúdo ministrado na
disciplina.

Negros e negras na história brasileira eram vistos por esses alunos e alunas apenas como
mão de obra escravizada. Ao serem apresentados ao Segundo Reinado, era como
“escravos” que se referiam à população afrodescendente da época. Não percebiam
outras formas de existência social desses grupos para além da escravização, e, dessa
forma, naturalizavam a desigualdade contra negros e negras nessa sociedade, no
passado e no presente, e, sobretudo, entendiam esses indivíduos como agentes passivos.
Desta percepção, o plano de aula sobre o processo de abolição da escravidão no país foi
pensado para desconstruir esse entendimento.

A primeira etapa consistiu em apresentar outra interpretação acerca do papel dessa


parcela população na sociedade. Para isso, foi apresentado o poema “Sou Negro”, de
Solano Trindade. Após introdução a respeito do autor, sua biografia e contexto político-
social, a turma foi instada a discutir os versos, a partir de algumas indagações feitas pela
docente: qual o período da história do Brasil retratado pelo poeta? Qual a visão acerca
do homem e da mulher negra: positiva ou negativa? Eles tinham um papel ativo ou
passivo naquela sociedade? Aceitavam passivamente a escravização ou reagiam a ela?
Apesar de não ser um texto contemporâneo ao período de estudo, houve uma primeira
contestação, de outra fonte de saber que não a professora, a respeito das opiniões acerca

516
do negro na sociedade do Segundo Reinado. Era o início da quebra dos antigos
paradigmas trazidos pelos alunos, uma vez percebida outras narrativas acerca da história
afrodescendente no Brasil.

O passo seguinte foi a análise do livro didático utilizado pela turma. Foi feita uma
leitura coletiva do único capítulo dedicado a quase exclusivamente tratar da população
negra no século XIX – intitulado “Do trabalho escravo ao trabalho livre”. Solicitou-se
aos estudantes o destaque da forma como a população negra, sua participação social e
no processo de abolição da escravidão no país eram representadas. Houve consenso
entre os estudantes nessa etapa: o texto remetia-se exclusivamente ao negro enquanto
mão de obra escravizada, destacando o sofrimento de seu dia a dia. Apesar de afirmar,
em uma única frase, sua resistência à escravização, apenas os quilombos foram
brevemente mencionados como forma de luta. Quando abordando o processo de
abolição, a turma notou haver pouco espaço dedicado à participação de negros e negras
nos movimentos abolicionistas.

Para alimentar a discussão suscitada, foi feita a seguinte pergunta à turma: “Quem
aboliu a escravidão no Brasil?”. As primeiras respostas replicaram aquilo que
escutavam desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, ou seja, a Princesa Isabel.
Novamente, foram surpreendidos quando a professora afirmou ter sido a herdeira de D.
Pedro II a representante do Estado que assinou a lei que extinguia a escravidão. A
abolição foi explicada, assim, como um longo processo iniciado pelos principais
interessados em vê-la concretizada: os negros e negras que aqui viviam, organizados de
diversas formas, e não apenas como escravizados rebelados ou quilombolas. Destacou-
se, dessa maneira, a atuação desses indivíduos junto a organizações da imprensa e da
política, em ações afirmativas contra a permanência da escravidão nos centros urbanos
das principais capitais da época.

De posse dessas informações, a turma deveria construir as biografias de personalidades


negras da época, participantes, de diversas formas, das campanhas abolicionistas. Essa
fase do projeto consistia na pesquisa e apresentação das trajetórias das seguintes figuras
históricas, selecionadas pela professora: André Rebouças, José do Patrocínio, Luís
Gama, Maria Firmina dos Reis, Francisco José do Nascimento e Chiquinha Gonzaga;
homens e mulheres negras, cujas vivências eram desconhecidas em sua totalidade pelos
alunos e alunas.

Divididos em grupos, os estudantes escolheram livremente entre esses nomes,


pesquisaram a respeito, confeccionaram cartazes e expuseram suas conclusões à turma.
Mais uma vez, mostraram-se surpreendidos não apenas pelas trajetórias marcantes de
algumas dessas personalidades, cheias de reviravoltas dignas de uma trama ficcional,
como também pela atuação como escritoras, compositoras, jornalistas, advogados,
engenheiros. Ou, ainda, pelo enfrentamento a um sistema que os subalternizava.

Na aula consecutiva, destacou-se a Lei Áurea, assinado em 13 de março de 1888.


Colocado em um papel 40kg, o texto da lei foi pendurado na parede da sala de aula, e
lido em conjunto. Os olhares foram direcionados para os únicos dois artigos existentes,
questionando-se se essas poucas letras eram suficientes para suprir as necessidades da
população negra. Naquele instante, o objetivo do plano de aula expandia-se para além
do reconhecimento dos diferentes espaços ocupados e funções exercidas pelos negros e

517
negras na sociedade brasileira do século XIX. Fazer cada um dos discentes refletir
acerca da historicidade do racismo e o papel do poder público na sua preservação foram
horizontes construídos à medida que o projeto foi sendo aplicado, criando-se assim
novas atividades.

Com essa intenção, propôs-se a leitura de uma reportagem publicada no dia 13 de maio
de 2015, no site do Jornal do Brasil. O texto, intitulado “13 de maio: 127 após o fim da
escravidão, racismo divide a sociedade”, expunha relatos de casos de racismo sofridos
por estudantes e moradores de comunidades, em situações cotidianas ou em abordagens
policiais. Novamente, os alunos foram questionados e estimulados a comentar a respeito
do que haviam lido em sala de aula.

Da conversa tida, algumas falas surgiram. Ao lerem sobre a violência verbal cometida
por um policial negro contra uma das entrevistadas, um dos alunos questionou por que
uma pessoa negra agia dessa maneira com outra. Outra aluna, negra, de forma
espontânea, relatou à turma ser seguida por seguranças quando vai com a família a um
shopping em bairro da zona sul da cidade. Houve, ainda, a pergunta de outro aluno, que
perguntou à professora se poderia ser considerado negro. Vivências e reflexões que
podem ser tidas como evidências da internalização do conteúdo trabalhado, e da sua
ligação com o cotidiano atual dos estudantes, em suas relações pessoais e sociais.

Na última parte do projeto, a turma foi convidada a refletir sobre quais outros artigos
deveriam ser adicionados à Lei Áurea para que o racismo visto nos dias atuais fosse
combatido com mais eficácia. No mesmo papel 40kg exposto na sala de aula, cada
aluno e aluna escreveu seus complementos ao texto original. Abaixo, alguns dos novos
artigos criados:

 “Dar casas e terras pros ex-escravos”;


 “Pagar indenizações aos negros”;
 “Prender os donos de escravos”;
 “Construir escolas e cotas para que eles arranjassem emprego”;
 “Pena de morte para os racistas”.

Após a aplicação do projeto, percebeu-se que os alunos tornaram-se mais sensíveis e


reflexivos em relação às questões raciais que permeavam o seu cotidiano escolar e
social, bem como aos conteúdos da disciplina. Tornaram-se mais frequentes os relatos
de casos de racismo, tanto os que eram veiculados nas grandes mídias quanto os
presenciados em seu dia a dia. Uma das alunas, reproduzindo fala vista em programa de
televisão, disse que poderia comer biscoito a partir daquela data, pois havia um casal
famoso de atores negros fazendo propaganda de um produto na televisão. A
naturalização de relações desiguais foi sendo paulatinamente problematizada por alguns
daqueles estudantes.

518
Referências Bibliográficas

“13 de maio: 127 anos após o fim da escravidão, racismo divide o Brasil.” Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 13. Mai. 2015. <
http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/05/13/13-de-maio-127-anos-apos-o-fim-da-
escravidao-racismo-divide-a-sociedade/>

AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda Negra, Medo Branco: o negro no
imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

GONÇALVES, Maria Alice Rezende; RIBEIRO, Ana Paula Alves. “A questão étnico-
racial e o sistema de ensino brasileiro.” In GONÇALVES, Maria Alice Rezende;
RIBEIRO, Ana Paula Alves (org.). História e a cultura africana e afro-brasileira na
escola. Rio de Janeiro, Outras Letras, 2014, p. 11-23.

MUNANGA, Kabengele. “Educação e diversidade cultural”. Cadernos PENESB, Rio


de Janeiro, n. 10, jan.jul. 2008/2010, p. 10.

519
ENSINO DE HISTÓRIA PARA CRIANÇAS: LIÇÕES
DE HISTÓRIA DO BRASIL DE JOSÉ SCARAMELI
Magno Francisco de Jesus Santos

Este artigo tem como escopo compreender a escrita da história para crianças no período
entre o final dos anos 20 e o início dos anos 30 do século XX, a partir da experiência de
escrita de José Scarameli. Trata-se de um período marcado por fortes transformações
sociais, políticas e econômicas no Brasil, bem como delimita a emergência de um dos
mais importantes movimentos intelectuais da educação brasileira, com o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova (SILVA, 2013).

A discussão tem como lastro documental os livros escolares de história produzidos por
Scarameli, “Pequenas Lições de história pátria para a infância nas escolas” e “Lições de
história do Brasil para o primeiro ano do curso primário”. São as duas principais obras
de teor histórico produzidas pelo autor, voltadas para os primeiros contatos da criança
com os conteúdos históricos. Essas fontes foram cotejadas pelas ideias apresentadas em
outras obras do autor, como “Pequena Seleta de leitura moraes e cívicas” e “Escola
Nova Brasileira”. Certamente, o conjunto bibliográfico do autor elucida acerca do
pensar a construção da narrativa em articulação com as novas ideias pedagógicas.

Por meio dessas obras se torna possível problematizar as estratégias de escrita da


história para crianças no Brasil ao longo da primeira metade do século XX, além de
reforçar a necessidade de entendimento dos livros escolares como instrumento na
difusão de culturas políticas e alicerce para a edificação de culturas escolares. Nos livros
escolares de história são perceptíveis os sinais da confluência entre uma renovação da
pesquisa histórica e a influência dos embates pedagógicos. Neste sentido, a história
ensinada tornou-se uma zona propulsora de novos olhares investigativos, margeados
pelas inquietações oriundas tanto do campo pedagógico como do histórico. Por esse
motivo, os mesmos apresentam um papel relevante para as discussões acerca da história
do ensino de história no Brasil. Como salienta Kazumi Munakata “o livro didático é a
transcrição do que era ensinado, ou que deveria ser ensinado, em cada momento da
história da escolarização” (MUNAKATA, 2016, p. 124). Por esse âmbito, os livros
escolares mesmo que por si só não possibilitem a compreensão das práticas de ensino,
podem contribuir para uma leitura sobre os diferentes projetos atinentes à educação.

José Scarameli pode ser visto como um dos principais nomes da educação paulista na
primeira metade do século XX. Sua trajetória é marcada pela formação na Escola
Normal Secundária de São Paulo, entre 1914 e 1917, pela forte atuação na defesa da
renovação do ensino e por uma vasta produção bibliográfica, voltada para a
sistematização das ideias da escola nova e por livros escolares.

No tocante á produção de livros escolares é interessante perceber que os mesmos eram


voltados para um público específico: as crianças. José Scarameli tornou-se um exímio
escritor de textos didáticos para o mundo infantil, para um público que ele mesmo

520
reconhecia que “a tudo desconhecia”. Ressaltam-se entre essas obras, os textos com
uma conotação voltada para a formação cidadã, com um teor histórico e cívico. No
entender de Scarameli, discutir história implicava na discussão dos valores cívicos, na
defesa de um passado e futuro da pátria.

A história emergia com um desfile de heróis que deveriam ser vistos como exemplos
dignos de serem seguidos. Talvez, por esse motivo, ele tenha intitulado seus dois
principais livros de história de “Lições de história pátria”. A história era o instrumento
de construção do patriotismo, de fortalecimento do civismo. Além disso, era também
uma lição, uma preleção acerca de como o cidadão deveria comportar-se, realizar as
suas escolhas. Neste sentido, é perceptível uma confluência de objetivos entre os livros
de história e dos de moral e cívica. Em ambos os casos, destacava-se o propósito
formador do patriotismo.

Esses valores patrióticos permearam a escrita de seus livros escolares. O livro “O Nosso
Governo”, publicado nos idos de 1928, era tido como um “esplêndido compêndio de
educação cívica destinado aos candidatos dos exames dos ginásios do Estado”. Era uma
obra salutar para a formação de uma cultura cívica paulista, com a valorização dos
governantes nacionais e estaduais. Além disso, o livro foi adotado pelo governo do
Estado de São Paulo, para a leitura das turmas do 3º ano do ensino primário e, em 1934,
a terceira tinha sido publicada com uma tiragem de 15 mil exemplares.

Na capa e em vários momentos da apresentação e dos anúncios, os livros produzidos


por Scarameli são apontados como obras que estavam de acordo com o programa de
ensino das escolas primárias do estado de São Paulo. Neste caso, Scarameli mostrou-se
está atento às normativas do campo pedagógico e às diretrizes das políticas públicas da
Educação. Prova disso é a aprovação de seus livros para serem adotados pelo estado
para a instrução da infância, como leitura básica ou suplementar.

O segundo ponto a ser ressaltado é o caráter pedagógico. Isso se deu em dois âmbitos. O
primeiro, por meio da valorização da chamada pedagogia moderna. O livro enquadra-se
nos valores defendidos pelo próprio autor acerca da introdução das ideias da Escola
Nova no Brasil. Tratava-se de um livro escrito “com meticuloso cuidado e sob a
orientação pedagógica moderna”. A outra questão refere-se a uma especificidade. Suas
histórias foram escritas nomeadamente para crianças, pensadas como uma estratégia de
inserção do mundo infantil no universo da leitura. A narrativa histórica está atrelada a
uma pretensão de letramento, de alfabetização. Os elementos diferenciadores de uma
obra de história para crianças eram enunciadas por meio de qualificações como “de fácil
compreensão” e “fartamente ilustrado”.

Scarameli mostra-se preocupado com a possibilidade de se construir um discurso


histórico fragmentado, frágil e, por conseguinte, desprovido de sentido histórico. O seu
livro é apontado como inovador, o “único destinado a infância, que expõe os fatos
históricos relacionando-os e mostrando-lhes a sequência lógica”. Ele busca conectar os
fatos, criar uma ligação entre os diferentes episódios, atribuir um sentido à história.
Neste caso, “de sorte que a História Pátria constitui um todo”. Com isso, a pátria é
apresentada como um elemento natural, inquestionável, visível por meio da história e do
mapa do Brasil.

521
Outra questão relevante é atinente à valorização de uma perspectiva federalista.
Scarameli mostra o Brasil como um todo, o resultante de uma soma das partes (os
estados), que por sua vez era também resultado da soma dos municípios. Por esse
ângulo, a propositura descritiva do autor coaduna com a pedagogia moderna, na qual
deveria partir do conhecido para o desconhecido, da parte para o todo. O Brasil seria
então o resultado de um esforço federalista.

Contudo, neste processo somatório de integração, o livro expressa um elemento


inquietante. José Scarameli afirma que o Brasil está na América do Sul, mas não afirma
o que seria a mesma e nem elucida que o Brasil é da América do Sul. O elemento sul-
americano aparece como uma questão transitória, pois até mesmo o mapa não revela a
presença dos vizinhos, apresentados de modo amorfo. Neste sentido, o passado da pátria
é costurado ao mundo europeu, mais precisamente a Portugal. A capa do livro já elucida
essa ideia de história pátria como uma narrativa das aventuras portuguesas no mundo
americano. O Brasil é tido como a continuação da história de Portugal.

O fomento ao patriotismo é tecido por meio de uma narrativa que busca defender um
caráter lógico, associando a pátria, os brasileiros e o sentimento de amor. As lições de
amor à pátria são sintomáticas ao longo de todo o texto. Destaca-se no texto o uso do
pronome “nosso”, como instrumento de coligir um sentimento de pertença. Trata-se de
nossa terra, nossa pátria, minha pátria. O coletivo que integra o Brasil e o cultua. A
pátria cultuada e amada, também apresentava um retrato, a bandeira nacional.

A assertiva de José Scarameli mostra-se voltada para a construção de um sentimento


patriótico. Por ordem lógica, seria praticamente impossível um brasileiro não ser
patriota, não amar o seu país ou não compartilhar esse sentimento de congraçamento
sistêmico. Utilizando-se de frases breves e de um raciocínio lógico, o autor envereda
por uma ordem na qual não há espaço para a dúvida, para o questionamento. Nascer no
Brasil seria o invólucro do patriotismo. A história pátria da escola nova proposta por
Scarameli seria, paradigmaticamente, a assertiva inquestionável, inviolável e natural.

Os livros escolares de história produzidos por José Scarameli revelam questões


inquietantes acerca do método de escrita da história para crianças, da apropriação da
pedagogia escolanovista e do papel da história como uma lição na orientação e
formação do cidadão patriota. As lições mostravam um passado a ser cantado, dos
heróis-políticos que foram tomados como exemplos, bem como revelava o passado
superado, o contraponto do mundo civilizado, dos indígenas imersos nas matas não
mais existentes. Por fim, os livros também elucidaram um projeto de futuro, com um
guia que orientava as ações no presente, por meio da defesa da resistência a ditadura de
Getúlio Vargas. Os cânones da educação implementados pelo governo paulista
coadunavam com os interesses em defesa de uma cultura política bandeirante, na
edificação de um monumento chamado “lições de história pátria”.

Referências

BITTENCOURT, Circe Fernandes. Abordagens históricas sobre a história escolar.


Educação e Realidade. Vol.36, nº 1. Porto Alegre, 2011.

522
CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de
Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

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EDUFS, 2010.

MONACHA, Carlos. A Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes. Campinas-
SP: Unicamp, 1999.

MUNAKATA, Kazumi. O livro didático como indício da cultura escolar. Revista


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SACARAMELI, José. Pequenas Lições de História Pátria para a infância das escolas.
31ª ed. São Paulo: Saraiva, [1926] 1951.

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SCARAMELI, José. Lições de história do Brasil para o primeiro ano do curso


primário. 5ª ed. São Paulo: Brasileira, 1934.

SCARAMELI, José. O Nosso Governo. São Paulo: Zenith, 1928.

SCARAMELI, José. Pequena Seleta de leitura Moraes e Cívicas. São Paulo: Zenith,
1926.

SILVA, Débora Alfaro São Martinho da. José Scarameli: um bandeirante do ensino
paulista na implementação e divulgação de uma didática e metodologia da educação
nova para a infância brasileira. São Carlos-SP, 226f. Dissertação (Mestrado em
Educação), UFSCar, 2013.

ZAMBONI, Ernesta. Panorama das pesquisas no ensino de História. Saeculum: Revista


de História. Nº 6/7, João Pessoa, 2001.

523
APONTAMENTOS SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA
E QUESTÃO NO MARANHÃO
Mariana da Sulidade

Introdução

História e Ensino de História são caminhos que nem sempre se cruzam em sala de aula,
a distância estabelecida entre os conteúdos presentes no livro de história e reflexão e
produção do conhecimento histórico faz parte de uma invenção antiga que estabeleceu
um fosso entre ensino a pesquisa. Mas uma outra questão se coloca de forma
imperativa: o que pensar e refletir em sala de aula sobre o tempo, a humanidade e o
espaço, e que relação essa dinâmica estabelece com a construção do conhecimento
histórico e suas múltiplas linguagens?

O conhecimento e elaboração do mesmo em sala de aula, ora os materiais didáticos e


paradidáticos que circulam em sala de aula também são historiografia? Arrisco dizer
que uma vez que tal "escritura" dialoga com determinada produção e especificidade de
uma linguagem de conhecimento, no caso o conhecimento histórico, é sim, uma
produção historiográfica.

Compreender a prática escolar em combinação com De Certeau lança luz ao objeto que
nos interessa O ensino de História e a Questão Agrária no Maranhão, ou seja, traduzir
uma historiografia que pontue sua relevância no ensino de história na construção de
saber histórico de um lugar social, ou mesmo na perspectiva de construir uma operação
em que consiste o conhecimento histórico em ação

Como Certeau, emprego-o para designar a própria operação em que consiste


o conhecimento histórico empreendido em ação. Essa escolha de
vocabulário tem uma vantagem importante que não aparece se se reserva
esta denominação para a fase escrita da operação, como o sugere a própria
composição da palavra: historiografia, ou escrita da história. (RICOEUR,
2007, p. 148.)

No sentido de contribuir para a construção do conhecimento histórico procuramos


desenvolver um ensino de história capaz reconhecer a relevância da Questão Agrária e
dos agentes envolvidos que pese a atuação dos movimentos de luta pela terra, na
construção política e social do Maranhão e do Brasil tendo em vista as particularidades
do estado durante a Ditadura Empresarial-militar e no processo de Redemocratização, a
partir dos conflitos emergentes em torno das disputas pela terra nos anos de 1979-1988
no Maranhão.

524
Ensino de História e Questão Agrária no Maranhão: repensando o conhecimento
histórico

A problemática da Questão Agrária é crucial para compreender o caráter de mudança e


continuidade em torno da história política, econômica e social do país. Terra e poder
formam o binômio cuja permanência marcaram e marcam as relações construídas em
diferentes tempos históricos no Brasil. Impossível pensar nos desencontros políticos do
Brasil e não pensar na Questão Agrária, assim como pensar em movimentos sociais sem
pensar nas diversas atuações do movimento camponês.

O presente trabalho possui o propósito de analisar a Questão Agrária no Maranhão


envolvendo as categorias de propriedade, posse, terra, poder, trabalho, reforma agrária e
movimento camponês a partir dos conflitos emergentes em torno das disputas pela terra
na Ditadura Civil Militar nos anos de 1970-1988 no Maranhão, conferindo uma revisão
do material didático utilizado nas escolas públicas de Educação Básica.

A partir da década de 1980 o debate sobre a Questão Agrária ganha fôlego com o
processo de abertura política. A criação do MST (Movimento Sem Terra), da Comissão
Pastoral da Terra e do "alargamento" da participação da sociedade civil. A participação
política, todavia, pode ser encarada como limitada visto o modelo de transição política
negociada com permanência da tradição autoritária do Brasil verificados pelas
limitações da própria redemocratização do país.

A tarefa de repensar o ensino de História do Maranhão pautando na questão agrária está


intimamente relacionado com os conceitos de tempo histórico e sujeito histórico uma
vez que permite o conhecimento de um conjunto complexo de vivências humanas
ligadas à questão agrária do estado através do reconhecimento de diferentes relações
com a terra. É compreendendo a realidade histórica do estado que se desperta a noção
de pertencimento e de sujeito ativo, noções essas de extrema importância para o saber
histórico escolar. (PCN, 1998, p.34)

A ausência das discussões sobre a questão agrária no ensino de História, assim como
seu silêncio nos materiais didáticos contribuem de forma drástica para: a)
hierarquização de temas históricos; b) incompreensão das especificidades e da
multiplicidade da sociedade maranhense, que dificulta a percepção do aluno sobre si
como sujeito histórico e sobre a realidade que o cerca; c) dificuldade em conhecer
realidades históricas singulares, distinguindo diferentes modos de relação nelas
existentes gerando uma percepção única de uma realidade histórica múltipla
comprometendo a noção de multiplicidade do saber e do tempo histórico.

Livro Didático e A luta pela terra: apontamentos para um diálogo sobre Ensino de
História

A qualidade do livro didático tem sido significativa para construção de um material


diversificado e crítico, em que pese a historicidade desse processo, avaliamos também
um grau ainda hierarquizado na produção do saber histórico que evidencia um contexto
de homogeneização do ensino de História através da pasteurização do material didático.

525
A temática da questão agrária aparece apenas uma vez durante os ciclos do Ensino
Fundamental II referente às discussões sobre às Reformas de Base. o material não
apresenta distinção entre reforma agrária e questão agrária e sobretudo não aborda as
especificidades das lutas pela terra.

Durante o ano letivo o aluno do 9º terá contato com um texto de três parágrafos sobre
as problemáticas a respeito da Questão Agrária do país. Termos como "desapropriação",
"arrendamento" não são explicitados no texto (Projeto Aribabá, 2012, p. 210).

Na Biblioteca da Escola Modelo (instituição pública de ensino) há disponível o livro


didático História do Maranhão, que embora não utilizado na sala de aula consiste em
um dos poucos materiais didáticos sobre o Maranhão. O livro tem 102 páginas
abarcando o período colonial até o Maranhão na Nova República. A autora Maria Nadir
Nascimento (ligada a Secretaria de Educação do Governo de Roseana Sarney -2000) faz
referências às lutas camponesas de forma geral e sintética.

Sobre os territórios indígenas e outras ocupações tradicionais, estes são mencionados no


inicio do material fazendo referência ao processo de colonização.

A Ditadura Empresarial Militar é abordada em duas páginas e pela primeira vez a


autora apresenta três parágrafos sobre as condições dos camponeses no Maranhão
(FIGURA II). Nas atividades sugeridas pela autora há um enunciado que solicita o
aluno a citar "duas grandes obras do Governo Sarney". Embora a autora faça referência
de forma rápida às condições dos camponeses e as relacione ao problema da Questão
Agrária do estado, o material se faz insuficiente, não dando conta das complexas
relações entre terra e poder no período ditatorial.

FIGURA I FIGURA II

Fonte: NASCIMENTO, 2001, p. 87. Fonte: NASCIMENTO, 2001, p. 22.

As condições dos materiais didáticos apresentados e seus silenciamentos sobre a


questão agrária e as especificidades históricas do Maranhão justificam o presente
trabalho e sua validade em construir um novo conhecimento histórico a partir da
elaboração de material paradidático que contemple as contradições a respeito da
estrutura agrária no Maranhão.

526
Considerações Finais

Levando em consideração as contribuições de uma História Política (o que não é menos


importante) optamos por uma interpretação política pautada na luta de classe sobre a
atuação do Estado e das relações deste com a sociedade civil nas pautas sobre questão
agrária. Conferir uma análise histórica do Maranhão sem falar sobre as problemáticas
agrárias é impossível. Compreender o fenômeno político entre terra e poder no estado
Maranhão é o ponto nodal para se construir o conhecimento histórico sobre o Maranhão
Contemporâneo e se reconstruir enquanto sujeito histórico participante desse processo.

O relacionado dos conceitos de tempo histórico e sujeito histórico nos permite o


conhecimento de um conjunto complexo de vivências humanas ligados à questão
agrária do estado através do reconhecimento de diferentes relações com a terra. É
compreendendo a realidade histórica do estado que se desperta a noção de
pertencimento e de sujeito ativo, noções essas de extrema importância para o saber
histórico escolar.

Referências

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo.


Cortez, 2004.

______. Livros didáticos entre textos e imagens. In: O saber histórico na sala de
aula. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2010.

CERRI, Luis Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica. Implicações


didática de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro. FGV, 2011.

CERTEAU, M. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

MELANI, Maria Raquel Apolinário. Projeto Araribá: História. São Paulo: Moderna,
2010.

NASCIMENTO, Maria Nadir. História do Maranhão. São Paulo: FTD, 2001.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da


UNICAMP, 2007.

RÜSEN, Jörn. História Viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento


histórico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Ensino Fundamental. História


Brasília: MEC, 1998.

527
O POSITIVISMO E O CONTROLE DOS CORPOS
NAS ESCOLAS PAULISTAS DOS SÉCULOS XIX E
XX
Munir Abboud Pompeo de Camargo
Vinicius Carlos da Silva

Os ideais de desenvolvimento e progresso são temas recorrentes em pesquisas


científicas desde o final do século XVIII. Algumas vezes tidos como protagonistas,
outras como coadjuvantes, tais conceitos trataram de debater fundamentalmente uma
questão: a relação entre progresso e evolução, com o intuito de estabelecer entre ambos
os conceitos uma relação do tipo causa e efeito, ao serem aplicados em questões
sociais, políticas, econômicas, sob um viés biológico.

Contudo, mesmo apresentando uma questão norteadora, a concepção dos ideais de


desenvolvimento e progresso não raramente foi adaptada às pesquisas dos grandes
pensadores do período, adequando-se ao conteúdo estudado e aos pontos de vista
apresentados pelo pesquisador. Assim, de forma mais ou menos nítida, esses conceitos
podem ser localizados nos escritos dos mais diferentes pensadores de distintas áreas do
saber, desde biólogos como Charles Darwin (1809-1882), passando por filósofos como
Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Ludwig Feuerbach, (1804-1872), até chegarmos da
recém “criada” sociologia do século XIX com Georg Hegel (1770-1831) e Karl Marx
(1818-1883), para citar alguns. Todavia, é nas pesquisas do filósofo Condorcet (1749-
1794) e do sociólogo Augusto Comte (1798-1857) que este debate toma forma.

Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, também conhecido como marquês de


Condorcet, foi um matemático e filósofo francês que se dedicou, dentre outras coisas, a
estudar o progresso espiritual da humanidade; o progresso do espírito humano. Assim,
em sua obra Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano, o
filósofo definiu o progresso como “uma lei da história da humanidade que, na medida
em que adquire mais conhecimentos e em que aperfeiçoa seus meios técnicos, adquire
também mais riquezas, mais felicidade e mais segurança.” (CONDORCET,1993, p.65),

Tal concepção conceitual surgida na obra de Condorcet logo passou a compor as


pesquisas sociológicas de outro intelectual, Augusto Comte, importante influência para
os pensadores do Brasil de duas centúrias atrás. Em seu trabalho mais famoso,
Discurso sobre o espírito positivo, o pensador dividia a Sociologia em duas frações: a
estática e a dinâmica. A primeira preocupa-se com a “harmonia que prevalece entre as
diversas condições da existência: estuda a sociedade em repouso. Estuda as leis de
harmonia social, a sua hierarquia, manifestadas na coexistência e ordenação das classes
e dos indivíduos” (CONDORCET,1993, p.80), enquanto a segunda,

[...] por sua vez, estuda o desenvolvimento ordenado da sociedade, de

528
acordo com leis sociais naturais, isto é, a sociedade em movimento, o
próprio desenvolvimento histórico da humanidade. É na história que se
processa a evolução humana, fazendo com que o homem se torne cada vez
mais humano, isto é, realize a sua natureza humana, que nela se revela.
(CONDORCET,1993, p.80),

O conceito de progresso para Comte tornou-se o norte de sua atenção, resposta para a
sua própria convicção da História e de seu sentido. Desta forma, nas palavras do
próprio Comte

[...] com a concepção de que há um desenvolvimento histórico da


sociedade, um progresso na evolução humana, um progresso, entretanto,
que em momento algum prescinde da ordem ou carrega em si a
possibilidade de alterar os elementos estáticos da sociedade. Sem ordem
não há progresso, que não é senão “o desenvolvimento da própria ordem””
(COMTE, 1878, p.26 apud (CONDORCET,1993, p.81).

O autor francês é considerado o pai do positivismo que encontrou terreno fértil no


Brasil ao ponto de ser adaptado como lema da bandeira nacional já no período
republicano. Da frase original “L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès
pour but” (O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim) restou-nos
o lema Ordem e Progresso, sugerido pelo matemático republicano Raimundo Teixeira
Mendes ideologia para a nova nação que surgia, que tomou corpo na bandeira criada
por Décio Villares, ou, melhor dizendo, na adaptação da bandeira monárquica para a
bandeira republicana.

O positivismo encontrou terreno fértil no Brasil e adentrou ao século XX com muita


força, em especial na cidade de São Paulo, que já despontava como principal centro
econômico do Brasil. Unido a esses processos, os ideais de raça e nação se
desenvolviam cada vez mais. Era louvável a busca por um processo de
aperfeiçoamento da população. Embora os ideais de raça já vinham desde o século
anterior, como é notório no artigo de Jorge Miranda, irmão de Francisco Glicério,
publicado na Gazeta de Campinas em 1871:

A educação brasileira foi sempre péssima. A raça latina, que em nossa


humilde opinião, não prima pela energia, mas distingue-se pela notação; é
pouco amorosa ao desenvolvimento do gérmen de virilidade, que é
coexistente á todas as raças, notadamente a saxônia; a raça latina dizemos,
em nosso país, não desmentiu a sua face característica, distinguindo-se,
como na Espanha e na Itália, por uma reverencia estólida e sacrílega ao
culto de prejuízos e preconceitos sociais e religiosos, que formavam e
ainda formam os pontos cardeais do ensino jesuítico daqueles, cuja divisa
é lograr fortuna á custa da ignorância. (Gazeta de Campinas, 26/11/1871)

É traçada uma crítica em relação a educação no império. Apesar de diversas


contradições, a ideia de que a instrução no segundo império era falha se manteve
quando proclamada a república. Porém o ponto que se deve observar é o ataque unido a
determinadas crenças em relação à raça, processo que encontrava respaldo na ciência
do período.

529
Uma das ideias mais comuns era a de higiene. De acordo com Vigarello o conceito
passa a ocupar um lugar inédito no século XIX: “Higiene já não é o adjetivo que
qualifica a saúde (hygeinos, em grego, significa ‘o que é são’), mas o conjunto de
dispositivos e saberer que favorecem sua manutenção. É uma disciplina específica
dentro da medicina” (VIGARELLO,1996, p.186). Com isso, o médico também adquire
novo papel, um político, ele passa a intervir nos locais públicos e no comportamento,
passando a carregar poder perante a vida cotidiana. Ainda na mesma obra, o autor
aponta que a partir de 1845 diversos tratados de higiene voltados aos extratos que não
compunham as elites começam a se tornar cada vez mais comuns. Dessa forma, a
escola passa também a ser foco desse material, “pois um povo amigo da limpeza logo o
será da ordem e da disciplina” (VIGARELLO,1996, p.216).

Em São Paulo, criou-se o serviço de Inspeção Médica Escolar (IME), em 1911. Era
ligado ao Serviço Sanitário de São Paulo, porém foi transferido em 1916 para a pasta
da Instrução Pública.

O órgão foi criado para realizar inspeções médicas nas escolas, pois eram ambientes
considerados propensos a ocorrer infecções contagiosas. Essa institucionalização, de
acordo com ROCHA (2015), pode ser considerada uma das dimensões da difusão do
movimento higienista em âmbito internacional. A autora ainda aponta que o órgão era
responsável por orientar a construção de escolas, mobiliário, métodos de ensino,
posições e atitudes escolares, horário escolar, vacinação e exames de saúde de alunos,
docentes e funcionários.

A questão do exame físico, chegava a determinar a permanência da criança na escola e


o tipo de trabalho que poderiam desempenhar. Com isso, foram estabelecidos padrões a
partir daquilo que era chamado de grau de robustez. Era tentado produzir indivíduos
fortes, robustos e aptos ao trabalho. Ponto que se afasta da ideia de que a imigração em
finais do XIX seria para miscigenar a população brasileira para facilitar a marcha ao
progresso. O período era marcado por teorias raciais que apontavam que o país que
tivesse predominância de raças consideradas inferiores estaria condenado. Dessa forma,
a escola foi um campo fértil para o processo de controle dos corpos e a disseminação
das teorias raciais dos séculos XIX e XX.

Referências

ALARCÃO, Isabel. Escola Reflexiva e Nova Racionalidade. Porto Alegre: Artmed,


2001.

BEHRENS, Marilda Aparecida. "Projetos de Aprendizagem Colaborativa num


Paradigma Emergente". In. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. São Paulo.
Papirus, 2002.

______. O Paradigma Emergente e a Prática Pedagógica. 3.ed. Curitiba:


Champagnat, 2003.

530
BEKIN, Saul Faingaus. Endomarketing: como Praticá-lo com Sucesso. São Paulo:
Makron Books, 2004.

BERNA, Vilmar. Como fazer educação ambiental. São Paulo: Paulus, 2001, 78-94.

BEZERRA, Maria do Carmo; RIBAS, Otto. Desafio da gestão ambiental urbana.


SENAC Nacional, 2005.-bl. 3.

BLOCH, Marc. Apologia da história: ou o ofício de historiador. Zahar, 2002.

CONDORCET, Jean-Antonio-Nicolas de Caritat. Esboço de um quadro histórico dos


progressos do espírito humano, trad. CAR Moura, Campinas, SP, Unicamp, 1993.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração de Recursos Humanos. 7ª. ed. Barueri:


Manole,2008.

DIAS, Genebaldo Freire. Iniciação à Temática Ambiental. SP. Global Editora, p.63,4.
2ªed. 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da terra. São Paulo: Petrópolis, 2000.

Gazeta de Campinas, 1871-1872.

MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete


transversalidade. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São
Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em:
<http://www.educabrasil.com.br/transversalidade/>. Acesso em: 23 de out. 2016.

ROCHA, H.H.P. Entre o Exame do Corpo Infantil e a Conformação da Norma


Racial: aspectos da atuação da Inspeção Médica Escolar em São Paulo. História,
Ciências, Saúde-Manguinhos, v.22, p. 371-390, 2015.

VIGARELLO, G. O limpo e o Sujo: uma história da higiene corporal – São Paulo:


Martins Fontes, 1996.

531
ANÁLISE DOCUMENTAL HISTÓRICA DA
EDUCAÇÃO (1952 – 2016): BREVES
CONSIDERAÇÕES SOBRE ELEMENTOS DA
PEDAGOGIA TRADICIONAL NO ENSINO ATUAL
Patrícia Hadlich
Marjorie Sansigolo
Valéria Cristina Turmina
Carla Cattelan

Introdução

O presente trabalho constitui-se de uma pesquisa realizada no Centro de Memórias


do Sudoeste do Paraná - CEMESP localizado na instituição de ensino superior
Universidade Paranaense – Unipar – Campus de Francisco Beltrão. Como trabalho da
discíplina de Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino de História, ministrada
pela professora Carla Cattelan. O qual tem por objeto de pesquisa, analisar e refletir
sobre documentos educacionais históricos regionais (fontes primárias) devidamente
selecionados.

Como objeto de investigação, selecionamos atividades produzidas pelos alunos na


década de 1950 em Francisco Beltrão e atividades recentes do ensino fundamental séries
iniciais de 2016. O objetivo foi refletir e analisar as atividades desenvolvidas em ambas
as épocas, no que compete ao ensino de Matemática e Língua Portuguesa, traçando
breves considerações a respeito da Pedagogia Histórico-Crítica.

Análise histórica das atividades escolares: atividade década de 1950 e atividade de


2016

Diferente da visão positivista, o estudo da história no contexto educacional, vem se


utilizando recentemente de diferentes fontes históricas, não que as fontes normativas e
burocraticas deixaram de fazer parte deste itinerário, mas foram vistas com “outros
olhos” pelos pesquisadores. Como frisa Vinão (2008) na teoria do “Olho Móvel”, tudo
depende da posição que se adota aquele que esta olhando e o lugar de onde se esta
olhando, “[...] o lugar de onde se olha condiciona não somente o que se vê, mas também
como se vê o que se vê” (VINÃO, 2008, p. 15).

532
Assim, procuramos observar duas fontes históricas produzidas pelos alunos, uma em
1952, em uma escola da Colônia Agrícola Nacional General Osório – CANGO e uma
de 2015, de uma escola municipal de Francisco Beltrão. Os “cadernos escolares”, bem
como os registros feitos pelos alunos e também pelos professores, são elementos
essenciais para o entendimento da organização escolar de um período ou época. São
vestígios da história.

Segundo Vinão (2008) os cadernos escolares são “produtos da cultura escolar”, sendo o
caderno caracterizado como, “[...] um documento que, a despeito de seu carater
disciplinado e regulado, permite entrever, em ocasiões, a “personalidade” do aluno,
além de incluir referencias a si mesmo, a seu mundo familiar e a seu entorno social
(VINÃO, 2008, p.16)”.

A fonte histórica analisada é uma atividade que foi desenvolvida em 1952, em uma das
escolas da Colônia Agrícola Nacional General Osório. Segundo Cattelan (2014), a
cartilha que era utilizada como suporte pedagógico era a “Cartilha do Povo”. Segundo a
autora, esta, produzida por Lourenço Filho, atingia uma camada social emergente, que
era a classe popular rural. Além de expressar atividades com escopo no método
tradicional de ensino (p. 204). A seguir, a cartilha representada.

Documento 1: Cartilha do Povo

Fonte: FILHO, Cartilha do Povo, 1947.

O documento a seguir representa atividades desenvolvidas em 1952 por alunos das


escolas da CANGO, que expressam a forma com que foi utilizado como instrumento
avaliativo pelo professor e produzido pelo aluno. Quanto a esta questão, Vinão (2008),
acrescenta que, os cadernos escolares representam informação, sobretudo, pela redação
e composições escritas. Além disso, proporcionam pistas sobre os manuais que foram
utilizados em sala de aula e o uso, pelo professor e pelos alunos.

533
Documento 2: Exercício de Língua Portuguesa e Matemática - 1952

Fonte: CEMESP, 2016.

O documento 2, apresenta um “cabeçalho” que discrimina o local e o ano em que foi


desenvolvido, lê-se: “Colônia Agrícola Nacional General Osório – Rio “Jaracatiá”- 12
de dezembro de 1952”. Bem como, o nome da aluna e sua respectiva série, 1º ano. As
atividades possivelmente integram os chamados “Exames Finais”, que eram avaliações
realizadas pelos alunos para ver se estavam aptos para serem conduzidos ao próximo
ano, ou repeti-lo.

De acordo com o documento 2, foi possível perceber que o ensino da época,


possívelmente apresentava resquícios da pedagogia tradicional, uma vez que esta
baseava-se na repetição, “decoreba” e memorização. Onde possívelmente as atividades
são ditadas; ou cópias.

Pareceu-nos que a primeira linha feita á lápis, poderia ser a letra do professor, e a aluna
solicitada a fazer a cópia dos mesmo; ou simplesmente requisitadas pelo professor. Ex:
“Escreve o alfabeto completo” e/ou “escreva os numerais de 1 a 10”. Percebe-se por
meio das rasuras e no desgaste da folha que a aluna ficou em dúvida em alguns
momentos, e que o erro permaneceu em alguns casos. Certamente a aluna não estava
alfabetizada.

No documento, ainda, é possível observar, fragmentos de possíveis correções efetuadas


e nota 3 (três), possívelmente 30 (trinta) em uma escala de 0 a 10, emitida pelo
professor, juntamente com uma assinatura em caneta na margem superior. Conforme o
documento 1, percebemos que o professor usou o método de repetição para que o aluno
desenvolvesse assim o aprendizado. Com o exercício proposto pelo educador, o aluno
acaba decorando o delineado das letras e números.

534
Segundo Vinão (2008) os cadernos representam o uso da escrita e do espaço gráfico,
pelo qual as sucessivas gerações, assimilaram e aprenderam as pautas reguladoras deste
método.

Assim, buscamos outra fonte de pesquisa para poder analisar como era o ensino nos
anos 1952 e na atualidade, visando melhor compreender o processo de evolução do
ensino. Através da análise feita nas atividades realizadas pelos alunos do 1°, 2° e 5°ano
do ensino fundamental dos anos 2015/16 foi possível perceber o quão semelhante são as
atividades com o ensino de 1952, em Francisco Beltrão.

Documento 3: Atividade desenvolvida em 2015.

Fonte: Aluno A, 1°ano do 1°ciclo, 2015.

Podemos perceber que a mesma metodologia utilizada pelos professores a 64 anos atrás
(cabeçalho, repetição de numerais etc) ainda é utilizada pelos educadores da atualidade.
Mesmo hoje, com uma nova pedagogia em vigor, as metodologias de ensino continuam
baseadas no tradicionalismo, no qual os alunos precisam decorrar, treinar a escrita para
aprender.

Segundo Azevedo (2013), o ensino:

[...] tem se pautado na mera transmissão de conhecimentos, na ênfase á


preparação instrumental do professor privilegiando a transmissão/recepção
de conhecimentos teóricos descontextualizados e o desenvolvimento de
atividades manuais [...] de forma descontextualizada, sendo os futuros
professores normalmente submetidos a um modelo de reprodução acrítica
dos ensinamentos de seus formadores. (p.69-70).

Levando em consideração a citação acima, percebemos que mesmo estando, a escola,


“adepta” a Pedagogia Histórico-Crítica, esta não se efetiva na prática dos exercícios. E
ainda normatizamos na produção dos materiais escolares atuais, alguns elementos da
pedagogia tradicional. Principalmente no que compete a alfabetização e letramento.

535
Sendo assim, o que nos chama a atenção nos documentos 2 e 3, é que, as atividades
desenvolvidas no ano de 1952, são as mesmas dos anos atuais. Em sua organização,
método e possivelmente finalidade.

Segundo Saviani (2009), a mudança dessas perspectivas

Parte-se da crítica á pedagogia tradicional (pedagogia bancária),


caracterizada pela passividade, transmissão de conteúdos, memorização,
verbalismo etc. E advoga-se uma pedagogia ativa, centrada na iniciativa
dos alunos, no diálogo (relação dialógica), na troca de conhecimentos. (p.
61).

A partir destas informações acreditamos que uma mesma atividade, ou que apresente o
mesmo objetivo, pode sim ser desenvolvida por vários anos, pois se ela apresenta um
resultado significativo, é porque ainda pode ser desenvolvida.

A breve análise documental, nos permite pensar sobre a produção do conhecimento e as


complexidades do ensino. Que possuem uma história, e que esta ainda se materializa
nos dias atuais.

Referências:

AZEVEDO, O. H. H. Educação Infantil e formação de professores: para além da


separação cuidar-educar.1 ed. Sçao Paulo:Unesp,2013.

CATTELAN, Carla. Educação rural no município de Francisco Beltrão entre 1948


a 1981: a escola multisseriada. Dissertação de Mestrado, p. 249 Francisco Beltrão,
2014.

FILHO, Lourenço. Cartilha do Povo: para ensinar ler rapidamente. 156 edição. São
paulo, 1947.

SAVIANI, D. Escola e Democracia. 41 ed. Campinas, SP: Autores associados, 2009

VINÃO, Antônio. Os cadernos escolares como fonte histórica: aspectos metodológicos


e historiográficos. In: MIGNOT, Ana C. V. (Org.). Cadernos à vista: escola, memória
e cultura escrita. Rio de Janeiro, RJ: EDUERJ, p. 15-29, 2008.

536
A FORMAÇÃO DO CIDADÃO NOS PRIMEIROS
ANOS DA REPÚBLICA: O LIVRO DIDÁTICO
“NOSSA HISTÓRIA”
Paula Lorena C. A. da Cruz
Maria Inês S. Stamatto

A escola se tornou no início do século uma das principais vias de disseminação das
ideias republicanas, lugar de práticas responsáveis por forjar nas novas gerações o
sentimento de pertença à nação, práticas essas que podiam ser percebidas claramente
através das disciplinas e do cotidiano da escola.

Desde o Império percebemos, uma preocupação com a produção de materiais didáticos


e isso inclui o ensino da História. Foram surgindo cartilhas, compêndios e livros
didáticos da área. A disciplina se tornou o carro chefe dos interesses políticos por ser
considerada “a legitimadora da tradição nacional, da cultura, das crenças, da arte, do
território” (BITTENCOURT, 2004, p. 43).

Nos primeiros anos da República, encontramos um dos livros didáticos de História


Pátria que foi direcionado para a escola primária, a saber: Nossa Pátria de Rocha
Pombo.

O autor era jornalista, pertencente ao partido conservador. Tornou-se escritor de livros


literários e históricos. Defendia em seus trabalhos a concepção de progresso, atribuindo-
o não apenas ao desenvolvimento material, mas intelectual e moral. (VIANNA, 2009).

O livro Nossa Pátria teve sua primeira edição lançada em 1917, tendo várias outras
reedições ao longo anos. Essa obra foi a mais reeditada de Rocha Pombo. O livro
continha cerca de 150 páginas.

No próprio prefácio que remonta a primeira edição de 1917, o autor dedica a produção
às “crianças e homens simples do povo” (POMBO, 1947). Tinha por objetivo “ criar e
nutrir o sentimento da pátria pelo conhecimento das suas grandes tradições e de seus
novos feitos” (POMBO, 1947). Podemos perceber que o livro comungava com os ideais
de sua época e, portanto, era uma obra apta ao ensino dos jovens do período,
fomentando nesses o “amor à pátria”. A preocupação em formar nos alunos o
sentimento patriótico é visto nitidamente em todo obra, com a exposição dos símbolos,
heróis e eventos que eram apresentados como manifestação de toda a população.

Logo em suas primeiras páginas vemos a preocupação com a formação do nacionalismo


através do estudo do símbolo maior da nação: a bandeira. O autor faz uma retrospectiva,
apresentando todas as bandeiras que existiram no país: Bandeiras da Era colonial;
Principado, Reino e Império e por fim, Bandeira do Brasil referente a República. A

537
última dedica um gráfico explicativo, dado a importância que tal estudo tinha para
época. Segundo Pombo (1949, p. 8), “A nossa bandeira nos lembra o nosso passado, nos
une no presente e nos encoraja para o futuro”. Pensamento que direcionava ao sentido
patriótico de unidade a um futuro que se chamava república.

As formas geométricas, bem como a posição das estrelas na circunferência


representando as constelações do Cruzeiro do Sul, Escorpião e o Triângulo
Austral; apresentando tamanhos, distâncias e nomes das estrelas, nos revela
que não era simplesmente mostrar a Bandeira Nacional, mas ministrar aulas
sobre o assunto, no intuito de que os alunos internalizassem o símbolo
estudado (CRUZ, 2015, p. 132-133).

A respeito dos personagens históricos, são referenciados como heróis. Os capítulos


dedicados a esses, são descritos enaltecendo as personalidades e suas ações. A
personificação de heróis nacionais se fazia necessário para a formação do nacionalismo,
legitimação do novo regime, pois

heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos


de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos
eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da
legitimação de regimes políticos (CARVALHO, 1990, p. 55).

Os personagens da elite brasileira eram os que mais tinham ênfase no livro. Contudo, o
maior destaque não pertencia a elite. Tiradentes, pertencente à Colônia, foi o escolhido
para ser herói nacional, atribuindo-lhe as ideias de nacionalismo, liberdade, coragem,
unidade, para além disso, mártir, pois mesmo com o Estado laico, o herói republicano
brasileiro representava a religiosidade do povo. Logo, a figura de Tiradentes criou
aspectos de um novo Cristo, o salvador da pátria, tornou-se um Herói cívico-religioso
(CARVALHO, 1990, p.10).

Este é um homem dos mais dignos entre os que figuram a nossa história
como exemplos de amor à Pátria. Também, soube ele morrer com o seu
silêncio, a sua coragem e a sua resignação cristã, aquela tirania que pesava
sobre os povos da colônia como uma grande mão de ferro (POMBO, 1947,
p. 90-91).

Além da construção de uma História Pátria, a partir da imagem de uma nação com
heróis, encontramos a preocupação com a formação do imaginário da unidade nacional
através do estudo da constituição do povo brasileiro. Era importante apresentar a
unidade entre as etnias, em vista da construção da ideia de Nação. Isso já aparecia desde
meados do século XIX e adentrou o início do século XX.

O branco, o índio e o negro, a composição do povo brasileiro precisava ser explicada e


colocada como colaboradora da construção nacional, apresentando-os de forma
homogênea, sem conflitos e com papéis definidos.

O branco já possuía “seu lugar” na História representado por personagens de origem


europeia, com a obrigação de levar a civilização aos demais povos (CRUZ, 2015). Aos
índios, dedicava-lhes apenas um capítulo, no qual era explicado que o indígena acolhia

538
a ideia de incorporação da superioridade europeia (VIANNA, 2009) e que os costumes
dos indígenas eram próprios da ignorância, pois o autor explicava para os leitores que
“Estes [índios] ainda estavam muito atrasados quanto à civilização”. Pombo defendia o
relacionamento do branco com índio como algo homogêneo e salvador:

Ao lugar do desembarque deu Cabral o nome de Porto Seguro; e celebrou-se


ali a cerimônia que foi muito festiva e tocante. Ergue-se na praia uma
grande cruz de madeira e, junto a ela, um altar onde se cantou a primeira
missa em terra da nossa América. Diante de tudo aquilo, os índios
mostraram-se muito espantados, imitando os portugueses em tudo o que
estes faziam. Houve um velho, entre os índios, que no seu espanto apontava
para o alto da cruz, como sentindo-se arrebatado de alegria à vista daquele
estranho sinal que lhe falava ao coração (POMBO, 1947, p. 22).

Em relação ao negro, também existia um capítulo dedicado a este. Contudo, o autor não
se deteve na cultura africana, nas resistências e desafios no novo continente, mas
buscava amenizar a violência da escravidão, justificando que tal prática era comum na
África entre as tribos. Buscava-se formar uma imagem de harmonia entre as duas etnias,
brancos e negros conviviam bem, os que fugiam era por maltrato de alguns senhores.

A preocupação com a formação do nacionalismo através do ensino de História pode ser


observado no livro de Rocha Pombo nos eventos históricos do país, como foram
retratados na obra. O momento dedicado a Guerra do Paraguai é apontada como um
grande feito de heroísmo dos brasileiros, como se todo o povo tivesse se envolvido e
quisesse ter lutado pela nação brasileira.

Os nossos marinheiros deram provas inexcedível de heroísmo. Combateu-se


durante quase um dia inteiro. Até que os navios de Lopez que se puderam
salvar, puseram-se em fuga [...]. É este o mais notável feito de armas da
nossa pátria. (POMBO, 1949, p. 121).

A própria proclamação da República é apresentada pelo autor como necessária,


explicando que com a enfermidade de D. Pedro II, a princesa Isabel assumiria o Império
e isso não era visto com bons olhos pelo povo. Então, os homens que desejavam a
república, juntamente com o exército decidiram que era tempo de proclamá-la e logo
“tudo seguiu bem. A ordem era tão perfeita...”. Tal fato era explicado ao leitor como
necessário ao progresso, pois era algo a longo tempo pensado para o país e que de forma
tranquila conseguiu se consolidar.

Considerações finais

Por fim, ao estudarmos o ensino de História no Brasil durante o início do século XX


através do livro didático de Rocha Pombo, pudemos perceber como essa área do
conhecimento foi se constituindo e se tornando o carro chefe importante na busca de se
formar o cidadão republicano. O uso da História serviu para legitimar o novo governo,
através de um passado glorioso e de um futuro embasado no progresso, formar uma

539
sociedade republicana, que amasse a sua pátria e que comungasse com ideário que se
pretendia divulgar.

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe. As 'Tradições Nacionais" e o Ritual das Festas Cívicas. In.:


PINSIKY, Jaime. O ensino de História e a criação do fato. 11 ed. São Paulo: Contexto,
2004.

CRUZ, Paula Lorena C. A. da. A educação como instrumento na construção do


imaginário republicano: Grupo Escolar Barão de Mipibu (1909-1920). 2014.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
2014.

POMBO, Rocha. Nossa Pátria: narração dos fatos do Brasil através da sua evolução. 81
ed. São Paulo: Melhoramentos, 1947.

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no


Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

VIANNA, Juliana Golin Xavier. A produção didática de Rocha Pombo: análise de


História da América e Nossa Pátria. 2009. Monografia (Curso de História) – UFPR,
2009.

540
O CARÁTER PEDAGÓGICO DA OBRA DOUTRINA
PARA CRIANÇAS (C. 1274-1276) DE RAMON
LLULL
Priscila Viegas dos Santos

O século XIII foi considerado segundo alguns autores como o século do apogeu do
Ocidente medieval (LE GOFF, 2007), pois nele ocorreram significativas transformações
sociais que contribuíram para a formação da Europa que conhecemos hoje. Este
crescimento social e cultural ocorreu a partir dos centros urbanos, isto é, as cidades.
Para além do crescimento urbano, o Ocidente medieval teve êxito no comércio, na
questão do saber com a criação das escolas e das universidades e, por fim, na criação as
ordens mendicantes, “que formam a nova sociedade e remodelam profundamente o
cristianismo que ela professa” (LE GOFF, 2005: 144).

A elite intelectual era formada majoritariamente por religiosos, pois na Idade Média “a
maior parte das escolas e das universidades do Ocidente foram instituições eclesiásticas
ou controladas pela Igreja” (VERGER, 1999: 144). A ordem dos frades mendicantes
surgiu, nesse contexto, do nascimento das universidades. Os frades mendicantes saiam
às ruas e pregavam a palavra do Senhor. Um dos assuntos mais recorrentes foi o tema
sobre o inferno e o martírio que inspirou muitos cristãos a saírem pelo mundo pregando
a palavra de Deus. “Por esse motivo, o século XIII foi definido como “o século do
otimismo” (COSTA, 2006: 4).

O período de transição da Idade Média para a Idade Moderno é considerado o momento


em que os humanistas passaram a se interessar por um modelo de pedagogia. Da
Antiguidade ao medievo a educação das crianças era dividida em etapas: primeira era a
etapa materna que compreendia do momento do nascimento até completar sete anos,
nessa face cabia a mãe o cuidado com o corpo da criança, protege-la de doenças e de
qualquer deformidade no corpo da criança nos primeiros dias de vida. Decorrido algum
tempo, a mãe preparava seu filho para o batismo, momento que a criança é apresentada
a sociedade e em que os pais assumiam diante de todos os presentes o compromisso de
dar instruções sobre os fundamentos da fé católica. (PRIETO, 2012: 92).

Sobre o batismo, Prieto escreveu que, o batismo era um momento de festa em honra a
criança, os familiares costumavam fazer banquetes em que os convidados pudessem
beber, comer e dançar, outras famílias montavam torneios e jogos. Mas houve aqueles
que tinham opinião contraria a esse tipo de confraternização. O autor destaca a posição
do autor maiorquino Ramon Llull que aconselhou que esse momento fosse para
dedicação a oração, perdão de dividas do próximo e oferecer esmolas aos pobres.
(PRIETO, 2012: 93).

A segunda etapa da educação da criança era da idade dos sete aos quatorze anos, nela as
meninas e os meninos recebem instruções diferenciadas:

541
Niños y niñas reciben una educación diferente desde que cumplen siete
años. La de los varones está orientada a formarles física e intelectualmente
conforme a las reglas de la caballería, mientras que la de las doncellas se
encamina a formarlas como esposas y madres ideales. (PRIETO, 2012: 98)

Na etapa paterna, fase essa em que a criança passa a assimilar as coisas, aos pais era
dada a tarefa de ensinar os princípios morais de natureza cristã e os princípios sociais. O
pai deve disciplinar o menino quando ele estiver com seu caráter formado e caso viesse
a praticar algum mal, o pai deveria disciplina-lo para que ele aprendesse a permanecer
no caminho do bem.

Essa fase era o momento em que os meninos eram encaminhados as escolas e


universidades. A educação se dava por dois interesses: o religioso e o social. Os
interesses religiosos se misturavam com o político, um dos motivos é o fato da Igreja ter
sido uma instituição de grande influência social, pois segundo Verger (1999) colocou
que, as instituições de ensino do ocidente em sua maioria eram eclesiásticas ou sob o
controle da Igreja. Nesse viés, podemos entender que a educação cristã que o pai
deveria passar para seu filho pode ser compreendida como elemento pedagógico tanto
para a formação religiosa como social.

Ramon Llull foi um dos primeiros escritores peninsulares a adotar esse caráter
pedagógico em seus escritos. Podemos observar isso nos quatro livros que escreveu para
seu filho Domingo: “Doctrina pueril (1275), Blanquerna (1283), Libre de meravelles
(1286) o Arbre de la ciencia (1292)” (PRIETO, 2012: 11). Segundo Palou, o livro
Doutrina para Crianças assume o caráter pedagógico, pois sua finalidade é claramente
educativa. É também um dos livros do filosofo mais conhecidos e citados justamente
por ter essa característica, tal condição que levou Ramon Llull a ser conhecido como um
dos primeiros “pedagogos cristianos” (PALOU: 1).

Em seu livro Doutrina para Crianças Ramon Llull escreveu sobre os mandamentos,
sobre a Igreja, os dons do Espírito, Santa Maria, as Virtudes, sobre o pecado, Paraíso,
Inferno e vários outros temas da fé cristã divididos em capítulos. Mas Llull não abordou
apenas assuntos de caráter religioso, escreveu sobre as sete artes liberais, sobre a
gramática, astronomia, a medicina, as artes mecânicas e outros assuntos sobre o que o
homem deve ter conhecimento.

Em a Doutrina Llull descreveu sobre os mais diversos assuntos para que seu filho
conhecesse as coisas de Deus, mas que também tivesse conhecimento sobre as ciências
do homem. No entanto, o mais importante que ele tentou ensinar para seu filho foi sobre
a necessidade de não perder tempo com coisas desnecessárias, mas dedicar seus dias ao
louvor do Senhor, pois entendia que era importante que o pai mostrasse para seu filho
como cogitar o Paraíso e o inferno, e assim ele “se acostumará a amar e temer a Deus,
conforme os bons ensinamentos” (LLULL, 5). Ensinando o caminho do bem, aquele
que levaria a salvação a seu filho, podemos observar que Llull segue o principio bíblico
de ensinar a criança no caminho que deve andar como está escrito nas escrituras no livro
de Provérbios: “Ensina a criança no caminho que deve andar, e mesmo quando for
velho não se desviará dele.” Pv 22: 6.

542
Para Llull, o pai deveria mostrar para seu filho primeiro as coisas gerais do mundo para
que depois ele pudesse entender as coisas especiais, assim também o pai deveria ensinar
a criança a soletrar o que aprendeu em língua vulgar sobre os princípios e partindo da
linguagem simples a crianças aprenderia sobre a gramática e o que era mais complexo.
O livro Doutrina para crianças que Ramon Llull dedicou para seu filho Domingo, nele
Llull escreveu sobre tudo que creditava que seu filho deveria saber sobre as ciências e a
natureza de Deus, alentou que tudo que seu filho aprendesse não deveria ser maior e
mais importante que ter o entendimento de Deus e conhecê-lo. Não apenas um manual
pedagógico religioso, mas um livro que tratou das mais diversas temáticas sobre a
ciência produzida pelo homem para que assim ele pudesse escolher qual caminho
seguir.

Fonte:

Bíblia de Jerusalém. Edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus Editora, 2003.

Doutrina para Crianças (1274-1276), Ramon Llull (Trad. Prof. Dr. Ricardo da Costa-
UFES). Disponível em:
http://www.ricardocosta.com/sites/default/files/pdfs/doutrina.pdf

Referências bibliográficas:

COSTA, Ricardo da. Las definiciones de las siete artes liberales y mecánicas en la obra
de Ramón Llull. Anales del Seminario de Historia de la Filosofía. Vol. 23 (2006):
131-164

COSTA, Ricardo da. A experiência religiosa e mística de Ramon Llull; a Infinidade


e a Eternidade divinas no Livro da contemplação (c. 1274). Disponível em:
http://www.ricardocosta.com/artigo/experiencia-religiosa-e-mistica-de-ramon-llull-
infinidade-e-eternidade-divinas-no-livro-da, 2006.

LE GOFF, Jacques. A formação da cristandade (séculos 11-13). In.: ______. A


civilização do ocidente medieval. Bauru: Edusc. 2005.

PAlOU, S. Carcias. ;Que ano escribio Ramon Llull la "Doctrlna Pueril"?.

PRIETO, Josué Villa. La educación de los niños pequeños en el âmbito familiar


durante la Edad Media tardía: aspectos teóricos. Tiempo y sociedad Núm. 6, 2011-
2012, pp. 79-122

VERGER, Jacques. Homens e saber na Idade Média. Bauru, SP: EDUSC, 1999.

543
GYMNASIO AMAZONENSE PEDRO II:
PROSOPOGRAFIA DO CORPO DISCENTE (1930-
1933)
Rodolpho Luiz Almeida Vieira

Uma pesquisa inicializada no início de 2016 procurou fazer um levantamento utilizando


de um método ainda pouco conhecido: a Prosopografia. O trabalho com os resultados
foi apresentado na modalidade de Trabalho de Conclusão de Curso de graduação,
defendido no mesmo ano. O levantamento prosopográfico dos alunos do antigo
Gymnasio Amazonense Pedro II no período de 1930 a 1933, na cidade de Manaus/AM.

Os documentos utilizados são primordialmente os Históricos de Vida Escolar e Livros


de Matrícula do período que se encontram no acervo histórico do Colégio Amazonense
D. Pedro II. Utilizando-se da prosopografia, a pesquisa é uma contribuição à História da
Educação no Amazonas, buscando apresentar em seus resultados um mapeamento
geracional, com as origens familiares e as principais características do corpo discente da
instituição no período analisado.

A prosopografia ainda é considerada por muitos como um método novo a ser aplicado a
História, porém bem vista e considerada como de grande ajuda para a interpretação de
grandes grupos sociais atuantes na construção histórica. Um ponto interessante dito por
Almeida, diz respeito a pesquisas históricas: “a prosopografia hoje é exercida na
pesquisa histórica, mas não é só isso, mudaram-se as expectativas e os objetivos ligados
à prosopografia como método aplicado a pesquisa histórica” (ALMEIDA, 2011, p.8).

O objetivo era tentar compreender quais eram os grupos sociais a que pertenciam os
alunos da instituição no período, e buscar responder quais as principais características
desse corpo discente, tentando perceber quais as influências da política educacional
vigentes no Brasil e em específico na educação amazonense do período em vista.

Levantaram-se algumas indagações, como por exemplo: a que tipo de sociedade fazia
parte o grupo de alunos analisados? O que pode ser apresentado de informação que nos
possibilite reconhecer os vestígios do tipo de educação d a época? O que as fontes que
nos permitem visualizar a respeito da vivência destes alunos dentro da escola?

Trabalhamos com fontes encontradas no porão do atual Colégio Amazonense Dom


Pedro II, localizado na Av. Sete de Setembro, Centro Histórico de Manaus, que no
período estavam sendo organizadas, catalogadas e higienizadas através do projeto
“Colégio Amazonense Dom Pedro II: memória, patrimônio e fontes históricas”, que
possibilitou a consulta para fins de pesquisa.

O recorte temporal da pesquisa se relaciona às transformações da educação brasileira no


período. A História da educação no Brasil atravessa vários períodos, passando por
várias alterações. Antes de entrar no objetivo da pesquisa, para que possamos chegar a

544
entender como se conformava o ensino no Amazonas, faz-se necessário o prévio
conhecimento da educação a nível nacional.

De acordo com o que Saviani (2008) apresenta, iniciando ainda no século XIX, a
educação brasileira acompanha os modelos internacionais. Já no século XX, as décadas
iniciais vêm acompanhados de rupturas, adaptações e inovações nunca antes
experimentadas. O modelo de educação no século XX já não é o mesmo do que pode
ser visto antes da instalação da República brasileira. Saviani fala que do “início do
período republicano com a criação dos grupos escolares, até o final da Primeira
República o ensino escolar permaneceu praticamente estagnado...” (SAVIANI, 2008, p.
150).

É durante este período inicial da década de 1930 que começarão a surgir as inovações e
avanços na educação que deveriam chegar a todos os estados do Brasil. Sentimos a
necessidade de voltar os olhares para a sociedade amazonense e como esta estava
organizada dentro da educação e principalmente no interior das escolas com os alunos.

Alguns poucos estudos locais vêm se dedicando à história da educação no Amazonas de


forma a pontuarem especificamente determinado grupo social. Geralmente o que se vê
são generalizações voltadas a contar os fatos sobre a maioria ou mesmo um todo. Mota
(2015) em sua tese de doutorado, voltada para a educação no Amazonas, ressalta a
importância da Escola Normal do Amazonas entre os anos de 1889 a 1945.

A referida autora faz um levantamento da documentação existente em museus, arquivos


públicos, jornais locais, afim de seguir o rastro das fontes que falam da Escola. (MOTA,
2015).

A autora reserva algumas páginas de sua dissertação para contextualizar o ano de 1930 a
1945 como anos da Era Vargas, ressaltando o desenrolar do contexto educacional
refletida nas políticas governamentais locais. Pode ser comprovada a movimentação e
repercussão das alterações pela quantidade de decretos oficiais emitidos nos cinco
primeiros anos do novo governo brasileiro. O alvo de Mota explicitamente volta-se para
a movimentação da Escola Normal e sua trajetória; de grande valia, toma-se sua
observação para estabelecer a escola em questão no modelo educacional local
colocando também em pauta o entendimento e inserção do Gymnasio (MOTA, 2015).

O recorte espacial está pautado em virtude da localização das fontes encontradas na


escola. A nomenclatura é um dos principais meios de verificar-se e afirmar-se este
processo que vem se alastrando desde as transformações provinciais em decorrência do
contexto histórico que vai desde o século XIX com o Lyceu Provincial Amazonense
(1887), seguido de Gymnasio Amazonense (1893).

Já no século XX, o período que mais foram feitas alterações nominais, iniciando por
Gymnasio Amazonense Pedro II (1925) que será o foco principal na pesquisa,
antecedendo Gymnasio Amazonense (1938), Colégio Estadual do Amazonas (1943),
Unidade Educacional Colégio Estadual do Amazonas (1971), Colégio Amazonense
Dom Pedro II (1975), Escola de 1º e 2º Grau Dom Pedro II (1980), Colégio
Amazonense Pedro II (1981) e Colégio Amazonense Dom Pedro II (1982).

545
A este ponto, já se deve ter ficado claro de acordo com o apresentado o motivo da
escolha da delimitação temática. Longe de querer transformar o trabalho em mais uma
reunião de informações que se somará a tantas outras já existentes, imagina-se que a
contribuição deste fará com que um novo olhar seja levantado para este lugar que é um
dos principais referenciais de Manaus como formador da elite local de acordo com
Mota: “Apesar dos inúmeros acontecimentos, o Gymnasio Amazonense Pedro II
tornou-se um referencial, contribuindo para a formação de pessoas renomadas na cidade
de Manaus” (MOTA, 2012, p. 789).

Ficando ainda uma parte deste trabalho de análise voltado para relacionar possíveis
novas contribuições para a História da Educação no Amazonas, tendo como base as
mesmas fontes consultadas que guia sobre o estabelecimento da organização. Há
também que estabelecer que o recorte pode ser muito mais aprofundado, discutido e
refletido partindo dos novos resultados inseridos.

A exemplificar, apenas dois questionamentos que podem dar novos rumos: não constam
ainda informações sobre notas das disciplinas cursadas no ensino secundário tendo em
vista que existem fontes que direcionem para a resposta. Outro ponto que no futuro
certamente poderá ser apresentada é a questão das notas escolares e conceitos aplicados
aos alunos.

Referências

ALMEIDA, Carla Beatriz de. A prosopografia ou biografia coletiva: limites, desafios e


possibilidades. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo,
jul. 2011.

MOTA, Assislene Barros da. A Escola Normal do Amazonas: a formação de uma


identidade (1889-1945). 2015. 147 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de
Sorocaba, Sorocaba, 2015.

______. História e Memória da Educação na Cidade de Manaus (1889-1930). In: IX


SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE
E EDUCAÇÃO NO BRASIL”, 2012, João Pessoa. Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-
7745-551-5. João Pessoa, 2012.

SAVIANI, Demerval. História da História da Educação no Brasil: um balanço prévio e


necessário. EcoS – Revista Científica, São Paulo, v. 10, n. especial, p. 147-167, 2008.

546
ENSINO DE HISTÓRIA NAS ORIENTAÇÕES
CURRICULARES – EXPECTATIVAS DE
APRENDIZAGEM DA REDE MUNICIPAL DE
ENSINO DE SÃO PAULO (2005-2012)
Roper Pires de Carvalho Filho

Introdução

Essa comunicação tem o objetivo de analisar os documentos referentes à proposta


curricular de História produzida pela rede municipal de ensino, entre os anos de 2005 e
2012, período em que a gestão da capital paulista foi liderada pela coalizão PSDB-
DEM, representados respectivamente pelos prefeitos José Serra e Gilberto Kassab.

Em específico, proponho analisar uma coletânea de textos dirigidos especialmente aos


professores – “Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência
leitora e escritora no Ciclo II – Caderno de Orientação Didática de História” (São Paulo,
Município: SME/DOT, 2006); “Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental e
proposição de Expectativas de Aprendizagem – Ensino Fundamental II – História” (São
Paulo, Município: SME/DOT, 2007) – organizados em cadernos, e que veiculavam
sugestões de conteúdos, de atividades de ensino e orientações didáticas para trabalhar
com os seus alunos.

Em relação aos “cadernos”, busquei focalizar a concepção de História, os processos de


seleção dos conteúdos históricos e os construtos sobre ensino-aprendizagem que buscam
subsidiar a construção do currículo da disciplina.

Concepções de História, de ensino e seleção dos conteúdos no Referencial de


Expectativas de aprendizagem e nas Orientações Curriculares

Em 1998, a historiadora Circe Bittencourt publicou um balanço do conjunto das


propostas curriculares da área de História elaboradas por diversos estados e municípios
brasileiros no período 1985-1995. De acordo com a autora, tais propostas compunham
uma relação de textos dignos de “reflexões atentas em virtude das diferenciações nela
contidas, caracterizados pela heterogeneidade quanto aos aspectos constitutivos da
disciplina História” (1998, p. 127).

Com base na definição de currículo formal oferecida por Jean Claude Forquin, Ivor
Goodson e Antonio Flavio Moreira, a autora analisa o importante acervo constituído
pelas orientações curriculares provenientes das esferas oficiais no período, para nele
buscar “identificar o alcance de tais propostas no que se refere às mudanças do
conhecimento histórico escolar” (op. cit., p. 27).

547
Bittencourt observa que ao longo do processo de produção e implantação, as propostas
curriculares são perpassadas por contradições, pois os sujeitos envolvidos na sua
elaboração têm diferentes percepções a respeito do “papel dos professores e alunos na
construção do conhecimento escolar da disciplina” (p. 128). Tais contradições se
inserem no âmbito das discussões sobre a natureza da História ensinada, em que está em
jogo definir o lugar do conhecimento histórico na partitura do currículo escolar.

No período que medeia o estudo de Circe Bittencourt e a elaboração e publicação das


“Orientações Curriculares”, na rede municipal de ensino de São Paulo, entre 2005 e
2007, passaram-se quase duas décadas. Nesse período, o currículo e a História escolar
sofreram alterações que impactaram os processos de escolarização nas redes de ensino
brasileiras, e a própria configuração da disciplina nesse currículo, como a implantação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), que passaram a referenciar as propostas
curriculares para as disciplinas do currículo escolar e a ênfase no estudo da História do
Brasil a partir da diversidade assentada nas matrizes indígena, africana e européia,
expressa no parágrafo 4º da LDB 9394/96, reafirmada na Lei 11.645, de 10/03/2008,
que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena no ensino
fundamental e médio.

Os documentos mencionados acima expressam uma perspectiva histórica de


universalização do direito à educação e oportunidade de acesso aos bens culturais para
toda a população brasileira, notadamente dos setores economicamente desfavorecidos.
Se a instituição escolar é o lugar por excelência da transmissão da cultura, cabe
perguntar, quais conhecimentos melhor representam essas perspectivas e como
organizá-los de modo articulado, salvaguardando seus significados? Como articular
esses conhecimentos aos temas consagrados pela historiografia? Essas questões, que
desde a década de 1980 perpassaram diversas propostas curriculares, foram
parcialmente respondidas com os PCNs, por meio da organização do conhecimento
histórico em eixos temáticos, pela criação dos temas transversais e pelo diálogo
interdisciplinar com as demais disciplinas do currículo.

A opção por organizar os conteúdos em eixos temáticos, uma das principais marcas
dos PCNs, também está presente nos documentos curriculares publicados nas gestões
Serra/Kassab, o que evidencia o alinhamento da proposta curricular elaborada nessa
gestão aos referidos PCNs. As Orientações Curriculares incorporaram, além das
mudanças na configuração do conhecimento histórico escolar proporcionado pela
discussão acerca das articulações entre o presente e o passado e a ampliação do conceito
de fonte histórica, que já faziam parte do discurso curricular dos PCNs, a preocupação
em oferecer ao professor uma orientação sobre os “usos pedagógicos” dos conceitos
históricos e a ênfase no desenvolvimento das competências relacionadas à leitura e
escrita, como atribuições da área.

Essa preocupação é expressa principalmente no caderno de “orientação didática de


História” (São Paulo, Município: SME/DOT, 2006b), que tem como finalidade levar ao
professor sugestões de abordagem dos conteúdos a partir de diferentes gêneros textuais.
Já na apresentação, é evidenciada a articulação entre os objetivos específicos do ensino
de História e os procedimentos visando à abordagem dos referidos gêneros textuais,
visto que o

548
desenvolvimento da competência leitora e escritora é responsabilidade de
toda a escola – ensina-se a ler contos, poemas, propagandas, informes
científicos, pesquisas e relatos históricos, biografias, enunciados de
problemas matemáticos, fórmulas, tabelas, imagens etc. O que delimita o
trânsito dos gêneros de texto entre as diferentes áreas de conhecimento são
os conteúdos e objetivos específicos de cada uma delas, e isso implica
procedimentos didáticos distintos, de acordo com o que se vai ler (op. cit., p.
7).

O esforço em alinhar o ensino de História às competências leitoras e escritoras é


traduzido pela apresentação de seqüências didáticas construídas a partir da consideração
das necessidades de aprendizagem dos alunos, obtidas por meio de diagnósticos
periódicos promovidos pela escola, bem como os resultados obtidos em avaliações
externas como a Prova Brasil e a Prova São Paulo. Dessa maneira seria possível
identificar em quais esferas discursivas os alunos apresentam maior dificuldade e definir
quais áreas do conhecimento teriam melhores condições de implementar o trabalho com
elas junto aos alunos.Outro aspecto relacionado à abordagem histórica por meio de
diferentes gêneros textuais, diz respeito à existência de um roteiro prévio indicando
diferentes possibilidades de diálogo entre o leitor e os textos sugeridos nos cadernos. A
intertextualidade, conceito formulado por Bakhtin (1992), para se referir à
multiplicidade de vozes que se encontram presentes no texto, possibilita o diálogo entre
o tempo presente, vivido pelo aluno, e recortes do passado, fixado em um texto de
época, uma fotografia ou outros tipos de fonte histórica.

As reflexões de Bakhtin remetem à compreensão como processo ativo e criativo em que


aquele que compreende participa do diálogo, completando a obra com a criação do seu
interlocutor, acrescentando-lhe novos significados. Nos documentos curriculares
analisados, os textos também são fontes e, ao mesmo tempo, conteúdos com
informações veiculadas por meio de diferentes linguagens e suportes: charges, crônicas,
artigos de jornal, gráficos e tabelas, veiculados em livros didáticos ou paradidáticos, na
tela do computador. Construir uma narrativa que articule a linguagem, conteúdo e
procedimentos para explorar as potencialidades oferecidas pelo texto pressupõe um
leitor ativo, que faça a

associação entre os procedimentos de leitura e os conteúdos das aulas de


História aponta referências metodológicas de trabalho com documentos. As
obras registram, nas diferentes formas que assume, os contextos das épocas
em que foram produzidas, seja no estilo, no vocabulário, na maneira de
interpretar acontecimentos, de abordar o tema. Os estilos de texto mudam
com as épocas; assim, podem ser estudados os modos como eram lidos em
outros contextos, quais informações estavam disponíveis no passado, qual a
maneira de pensar ou quais as ideias propagadas no período (op. cit., 1997,
p. 24).

Por esse raciocínio, fica pressuposto que a aprendizagem histórica depende das leituras
que se faça dos textos, daí a necessidade do professor orientar os alunos sobre os
procedimentos de análise, interpretação e compreensão dos textos, de maneira a
interagir com eles. Assim, a leitura passa também a ser um conteúdo procedimental, à
medida que proporciona a apropriação de informações que contribuem para a formação

549
do pensamento histórico pelos alunos. Nessa perspectiva, “os diferentes textos e obras
estudados deixam de ser apenas ilustrações de épocas ou substitutos do real e se
transformam, pela mediação do professor, em documentos históricos para serem
questionados, confrontados, comparados e contextualizados” (p. 10).

De acordo com as “Orientações Curriculares” (São Paulo, Município: SME/DOT,


2007), o professor é chamado a selecionar os conteúdos e escolher os métodos de
análise, de acordo com o que considerar adequado à concepção de escola, teorias de
ensino e às finalidades do ensino de História. As escolhas do professor implicam na
seleção de materiais pedagógicos e das fontes que irão “alimentar” o processo ensino-
aprendizagem. É recomendado ao professor, além de explorar diferentes linguagens,
utilizar fontes que se referem à História de culturas e sociedades ausentes na maioria
dos livros didáticos e guias curriculares, caso das culturas latino-americanas e da
História da África, bem como da História regional e local.

Outro aspecto relacionado aos conteúdos, destacado nas Orientações Curriculares (op.
cit.), diz respeito à importância do professor adotar uma perspectiva interdisciplinar
quando abordá-los no trabalho com os alunos, de modo a possibilitar romper o
“paradigma da especialização” (p. 35).

De acordo com Circe Bittencourt,

É fundamental o professor ter profundo conhecimento sobre a sua


disciplina, sobre os conceitos, conteúdos e métodos próprios do seu campo
de conhecimento, para poder dialogar com os colegas de outras disciplinas.
Os recortes de conteúdos de acordo com problemáticas comuns, a seleção
dos conceitos para serem ampliados e aprofundados, enfim, a organização e
sistematização de informações que possam se integrar e fornecer aos alunos
uma visão de conjunto do objeto do conhecimento são possíveis apenas se
houver domínio por parte dos especialistas (2011, p. 256).

A ordenação dos conteúdos em eixos temáticos é outro pressuposto das Orientações


Curriculares. De acordo com o documento, o critério de seleção dos conteúdos nos
eixos temáticos é a possibilidade de articular

problemáticas históricas gerais, com a realidade brasileira e local vivida


pelos estudantes no presente, com a especificade do público escolar a quem
se destina, com pressupostos pedagógicos de acordo com a faixa de idade
dos alunos, com o nível escolar que irão cursar e o tempo da disciplina na
grade. Na organização e escolha dos conteúdos históricos, o eixo temático
desdobra-se em temas de relevância social e histórica, dos quais fazem parte
as tradições escolares (como a colonização do Brasil, da Revolução
Francesa), que pretendem dar conta de estudos de suas complexidades no
tempo (op. cit., p. 39-40).

A seleção dos conteúdos também é orientada em relação às expectativas de


aprendizagem. Eles são distribuídos de acordo com alguns critérios de pertinência,
como a

550
relação entre as especificidades do saber histórico, com sua diversidade de
recortes e abrangências, e o que a psicologia cognitiva indica a respeito dos
processos de aquisição dos conhecimentos pelos estudantes nessa faixa de
idade.

Como indicam as pesquisas de Piaget e Vygotsky, os alunos do Ciclo II começam a


amadurecer suas noções em direção a conceitos, sujeitos fatos e idéias, e a pensar
relações entre hipóteses, fazendo inferências mentais a partir delas (ibid., p. 64).

O trabalho com eixos temáticos pressupõe a ruptura com a percepção de tempo baseado
no quadripartismo histórico, linear e progressivo, identificado com a narrativa
cronológica que explica o passado como uma sucessão de acontecimentos submetidos a
uma relação da causa e efeito. As Orientações curriculares sugerem problematizar essa
noção de tempo por meio da introdução da idéia de duração ao se trabalhar o
conhecimento histórico com os alunos. Discutir com o aluno as mudanças e
permanências na vida coletiva ou os diferentes ritmos do tempo na vida cotidiana,
apresentar exemplos de sociedades que utilizam (ou utilizaram), diferentes formas de
organização temporal, permite a ele relacionar essas formas aos contextos sociais que as
produziram.

Referências

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso (1952-1953). In.: Estética da criação verbal.


Trad. Maria Ermantina Galvão Gomes e Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p.
277-326.

BITTENCOURT, Circe Maria. F. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas


curriculares de História. In: BITTENCOURT, Circe M. F. O saber histórico na sala de
aula, p. 11-27. São Paulo: Contexto, 1998.

______ Ensino de História: Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 4ª edição,


2011.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


História. Brasília: MEC, 1998.

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

BRASIL. Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm

SÃO PAULO (MUNICÍPIO). Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento


da Competência Leitora e Escritora no Ciclo II: caderno de orientação didática de
História. São Paulo: SME/DOT: 2006.

551
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). Orientações Curriculares e Proposição de
Expectativas de Aprendizagem para o Ensino Fundamental: ciclo II – História.
São Paulo: SME/DOT: 2007.

552
VERDADES ETERNAS DAS SAGRADAS LETRAS:
HSTÓRIA, EDUCAÇÃO E IMPRESSOS
PROTESTANTES NO NORDESTE BRASILEIRO
(SÉC XIX-XX)
Sandra Cristina da Silva

Em meados do século XV, o continente europeu já havia sido tocado por ventos
contrários à religião principal, ou seja, o catolicismo. Alguns dissidentes, ou hereges
haviam sido condenados à fogueira; outros, exilados, procuravam viver sua concepção
de fé em um lugar diferente, mais tolerante que parte dos países da Europa.

O que aconteceu, então, para que a Reforma Protestante, cujo marco oficial é o dia 31
de outubro de 1517, pudesse vingar num continente que já provara do doce amargor da
Inquisição, das punições do Tribunal do Santo Ofício? Por que os reformadores como
Lutero, Calvino e outros não foram levados à fogueira ou ao exílio como seus
predecessores?

Uma das hipóteses que elencamos é que esses reformadores dos séculos XVI e XVII
não foram mortos devido às redes de influência nas quais estavam inseridos. Apesar de
terem sofrido perseguições e sanções (como a excomunhão de Lutero, o exílio de
Calvino), não fora a proteção de alguns nobres alemães, no caso de Lutero, é provável
que o mesmo tivesse sofrido punições mais severas – ou mesmo sido morto.

Um dos maiores legados da Reforma é, sem dúvida, a busca por levar os neófitos à
leitura - quer das Sagradas Letras, quer de outras literaturas.

Sendo uma das prerrogativas da nova fé o acesso ao Divino por meio da Palavra,
tornou-se urgente educar nas primeiras letras, ao menos, os conversos, a fim de que eles
pudessem exercer o sacerdócio universal, no qual cada ser, individualmente, era
responsável por sua religação com Deus.

Estudiosos constataram, posteriormente, que essa atitude para com a palavra impressa
terminou por influenciar outras áreas de forma inconteste, chegando muito deles a
alegar que os países que abraçaram o protestantismo tornaram-se mais desenvolvidos
econômica e politicamente. Naqueles que continuaram adeptos do catolicismo ocorreu
justamente o contrário.

Verifica-se, também, uma conexão direta entre a difusão do protestantismo e o


desenvolvimento da imprensa. Mesmo que outros movimentos tenham se valido dela,
de um modo geral é lugar-comum a percepção de que o protestantismo, em relação à
imprensa, tenha se constituído o primeiro a explorar de forma eficiente o potencial da
impressa como meio de acesso às massas. (EISENTEIN, 1998).

553
Não é a Reforma, no entanto, que inaugura os prelos; estes lhe são anteriores, tendo ela,
inclusive, amparado-se neles para se estabelecer. A repercussão, o alcance e as
consequências em pouco tempo, das teses luteranas, podem ter surpreendido inclusive o
próprio reformador, uma vez que sua intenção primeira não foi criar uma nova Igreja e
sim trazer à tona discrepâncias que existiam entre as Escrituras e o agir dos sacerdotes,
da Eclésia, de modo geral.

Não apenas a nova proposta cristã se propagou como levou consigo (pela Europa e para
fora dela) o texto impresso marcando, de forma perene, a nova estrutura que se
propunha para a nova Igreja, em discordância com a antiga em matérias diversas como:
a confissão auricular, o celibato sacerdotal, o culto às imagens e aos santos, a cobranças
pelas indulgências, dentre outras questões. Porém, a grande diferença – que termina por
ter eco nas demais – diz respeito à (re)descoberta da graça divina, única responsável
pela salvação do fiel.

O cuidado com a escrita e a leitura, presentes desde os primórdios da Reforma,


reverberou na quantidade e na qualidade dos impressos protestantes que circulavam em
nações protestantes -ou naquelas que foram influenciadas, como alguns países
americanos, via países europeus. Os Estados Unidos são um exemplo disto. E, o Brasil,
bebeu da fonte norte-americana pois grande parte dos que implantaram o protestantismo
em terras brasileiras vieram daquele país – apesar de termos ciência da permanência e
atuação de europeus, principalmente nos estados do Sul e Sudeste.

Nesta pesquisa, trabalhamos principalmente a vertente do protestantismo conhecida


como Presbiterianismo, tendo sua ligação direta com Calvino – o que levou os adeptos
desta corrente a serem identificados como Calvinistas.

A proposta educativa de João Calvino, reformador francês, mas cuja atuação se deu a
partir de Genebra, na Suíça, foi mais direcionada às questões espirituais, como a
educação teológica. Porém, teve repercussões na educação primária. Aliás, as
reivindicações acerca da obrigatoriedade deste nível de ensino e seu subsidio pelo
Estado, é uma das consequências da Reforma cujas bandeiras foram levantadas ainda no
século XVI e perpetuadas nos seguintes.

Ter mestres bem preparados para o ensino foi, talvez, a maior das preocupações de
Calvino nessa área. No entanto, podemos indagar como um povo inculto em áreas
diversas iria absorver as novas verdades eternas das sagradas letras? Assim era
preciso, inicialmente, instruir adultos e crianças. Ou seja, se não se educasse os que
receberiam as boas novas a compreensão destas estaria comprometida, da mesma forma
que missão evangelística como um todo. (CAMPOS, 2000).

Podemos inferir, então, que desde o início da organização do arcabouço teológico


protestante, houve o cuidado com o ensino, a educação das primeiras letras, cuja
intenção era formar cidadãos, homens e mulheres, aptos para o Reino de Deus mas,
também, para as lides terrenas.

A influência de algumas mulheres, neste contexto, bem como de sua relevância para o
crescimento e estabelecimento do protestantismo no Brasil, particularmente da vertente
presbiteriana, permitiu o estabelecimento desta pesquisa. Nosso objetivo foi identificar

554
os modelos sugeridos ou negados ao elemento feminino, as prescrições explícitas – ou
não – divulgados na imprensa confessional, no que concerne ao nordeste brasileiro, de
forte influência católica, na transição do século XIX-XX.

Observando o panorama brasileiro, do século XIX, poderíamos considerar, a priori, a


impossibilidade do estabelecimento de uma cultura impressa, face aos altos índices de
analfabetismo que grassavam nesta margem do Atlântico. Todavia, é justamente nos
Oitocentos que emergem redes de sociabilidades nos movimentos de matriz reformada
no Brasil – mas também em outros países, como Portugal. Os adeptos destes
movimentos erguem escolas – de primeiras letras, ao lado das igrejas – e tipografias –
para divulgar seus impressos nas mais diversas regiões – disseminando, assim, a cultura
protestante, eminentemente expressa no papel, nos impressos, na imprensa.

Organizam-se publicações de vários estilos: livros para adultos e crianças, novelas


históricas, biografias, traduções, versões, etc, e circulam impressos nas duas margens do
Atlântico - tanto no Brasil quanto em Portugal, elo facilitado pela língua comum.

Dialogando com nosso objeto de estudo, procuramos compreender os estereótipos


recorrentes nos impressos confessionais verificando, ainda, se o presbiterianismo
conferiu, de fato, um lugar à mulher distinto do qual ela esteve vinculada durante grande
parte da história cristã ocidental, sob o viés do catolicismo.

A fim de dar suporte às fontes, apoiamo-nos teórico-metodologicamente na Nova


História Cultural, de onde podemos pensar conceitos como Configuração,
Interdependência (ELIAS, 1993, 1994) e Representação (CHARTIER, 1990), lançando
luz em documentos até então pouco trabalhos na história da educação: os impressos
protestantes.

Por identificarmos poucos estudos que investigam a relação entre os impressos


confessionais e educação protestante no Brasil e, em particular no Nordeste, optamos
por circunscrever nossa pesquisa aos Estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte. A
escolha pelos referidos Estados justifica-se a partir da constatação da relação entre eles
na difusão do protestantismo, na vertente presbiteriana – confissão à qual estavam
vinculados os impressos avaliados – na atual Região Nordeste brasileira.

Os periódicos analisados foram O Século e o Norte Evangélico entre 1895 e 1920. Estes
impressos circulavam no Rio Grande do Norte e em Pernambuco, respectivamente,
tendo sido observados sob a lente da Nova História Cultural.

Conseguimos identificar três modelos difundidos ao elemento feminino que se


destacaram na proposta reformada: a educação cristã, propriamente dita, a educação
doméstica, cujos referenciais de maternidade e cuidado com o próximo estavam
presentes e, por fim, a educação para o espaço público, com maior ênfase para o
exercício do magistério.

Recordemos que esta pesquisa tem como pretensão apresentar uma versão de educação
feminina, não formal, via impressos protestantes no Brasil. Porém, não se pretende
unívoca ou definitiva, e sim busca proporcionar um espaço de encontro – e desencontro,

555
talvez – na busca humana e histórica de se dar a conhecer uma realidade, num espaço-
tempo delimitado e específico.

Referências

EISENTEIN, Elisabeth L. (1998). A revolução da cultura impressa: os primórdios da


Europa Moderna. Trad. Osvaldo Biato. São Paulo: Editora Ática.

CAMPOS, Heber Carlos de (2000). A Filosofia Educacional de Calvino e a fundação da


Academia de Genebra. Fides Reformata, Mackenzie, 1, 1-15.

CHARTIER, Roger (1990). A história cultural: entre práticas e representações. 2. ed.


Lisboa: Difel.

ELIAS, Norbert (1993). O processo civilizador: formação do estado e civilização. Trad.


Ruy Jurgman. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

ELIAS, Norbert (1994). O processo civilizador: uma história dos costumes. Trad. Ruy
Jurgman. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

556
A PÓLIS COMO EDUCADORA DA HÉLADE NA
GRÉCIA ANTIGA
Silvana Bollis

Pensar a educação na perspectiva da paideía grega significa interrogar o sentido da vida


coletiva, do éthos, do mundo da cultura, esfera da criação instituinte e normativa, diz
respeito ao âmbito da liberdade e da autonomia pensadas pela primeira vez na história,
como forma grega de participação efetiva nas decisões sobre as questões da pólis
democrática.

Mais do que um aglomerado de pessoas, a pólis é constituída por um


espírito de pertencimento ao grupo, elo de ligação entre os cidadãos da
hélade, (conjunto de póleis gregas unidas por laços de etnia, — baseada na
crença de que os gregos descendiam dos deuses, essa genealogia era
contada por meio de algumas lendas da mitologia — pela identidade da
língua, por costumes, ritos, mitos e santuários comuns aos deuses) que
instaura a igualdade perante a lei e a unidade entre eles, regulando o
conflito que é constitutivo da vida na comunidade. É o sentimento de
coletividade que caracteriza a grandeza de alma dos gregos, na vigilância
constante própria de uma vida social que busca o equilíbrio por meio da
justiça, combatendo a injustiça causadora de contendas entre os cidadãos
(BOLLIS, 2013, p. 21).

Na Grécia, o nascimento da pólis inicia uma época de mudanças na interpretação da


realidade pelo desenvolvimento do pensamento racional à medida que o lógos substitui
gradativamente as explicações mítico-religiosas.

Se queremos proceder ao registro de nascimento dessa Razão grega, seguir


a via por onde ela pôde livrar-se de uma mentalidade religiosa, indicar o
que ela deve ao mito e como o ultrapassou, devemos comparar, confrontar
com o background micênico essa viragem do século VIII ao século VII
em que a Grécia toma um novo rumo e explora as vias que lhe são
próprias: época de mutação decisiva que, no momento mesmo em que
triunfa o estilo orientalizante, lança os fundamentos do regime da pólis e
assegura por essa laicização do pensamento político o advento da filosofia
(VERNANT, 2004, p.11)

A organização do regime da pólis é um fato decisivo na história do pensamento grego e,


consequentemente, da cultura ocidental. O nascimento da pólis e da filosofia são
acontecimentos solidários, imbricados.

Aristóteles (Política, 1252 a) observa “que toda a cidade é uma certa forma de
comunidade e que toda a comunidade é constituída em vista de algum bem. E que, em
todas as suas ações, todos os homens visam o que pensam ser o bem”. Para o filósofo, a
pólis é a koinonía, a associação mais perfeita, pois engloba todas as demais e por ser

557
“aquela que toma a forma de uma comunidade de cidadãos” é justamente, a que busca o
bem mais elevado.

Na Grécia do período clássico os gregos buscam o télos, o fim, da formação do homem


para a realização da comunidade justa, em que a isegoría, liberdade de expressão e a
isonomía, igualdade de direitos garantem a participação plena dos atenienses na
ekklesía, assembleia geral de todos os cidadãos que, reunidos na agorá, debatem e
decidem os rumos da pólis.

“A interrogação arrazoada sobre o que é bom e o que é mau, sobre os próprios


princípios em virtude dos quais podemos afirmar, superando as trivialidades e
preconceitos tradicionais, que uma coisa é boa ou má, nasceu na Grécia”
(CASTORIADIS, 1987, p. 268). Por esse motivo, a paideía grega ainda se apresenta
como referencial que permite pensar radicalmente as questões da existência humana da
atualidade.

A formação do homem grego não acontece separada da pólis; ao contrário, a pólis é


uma experiência de pensamento. É na convivência orientada pelo espírito de philía,
amizade, que a paideía se realiza como interrogação da vida coletiva. Há uma primazia
da esfera do público sobre os interesses particulares e as vontades individuais.

Só na pólis se pode encontrar aquilo que abrange todas as esferas da vida


espiritual e humana e determina de modo decisivo a sua estrutura. No
período primitivo da cultura grega, todos os ramos da atividade espiritual
brotam diretamente da raiz unitária da vida em comunidade. [...] Descrever
a cidade grega é descrever a totalidade da vida dos gregos (JAEGER,
2003, p. 107).

A instituição do regime da pólis é decisiva na história do pensamento grego e


consequentemente, da cultura ocidental “fenômeno único, cuja explicação cabal ainda
não foi dada” (PEREIRA, 1967, p. 132). O advento da pólis grega se deu por conta das
características geográficas do seu território montanhoso, que compartimentava as terras,
as dificuldades de comunicação entre as regiões, a “insegurança posterior à invasão
dórica e a falta de um poder central forte que defendesse os homens” (PEREIRA, 1967,
p. 133). A identidade da língua, os costumes, a religião, enfim, todo um sistema de
cultura, um modo de vida orientado no espírito de philía, amizade, sentimento de
pertencimento ao grupo dos cidadãos foi constitutivo da essência da pólis.

O ideal da paideía é a areté, virtude que promove a elevação espiritual dos gregos, ou
seja, a formação ética, cultural e cívica, visando o homem excelente para a realização da
politeía perfeita — reunião de cidadãos num certo território e sob o jugo da lei —.
Diferentemente da sociedade atual, onde se prioriza o indivíduo e seus interesses
particulares acima do público. A paideía é constitutiva da humanidade do Homem, que
diz respeito ao âmbito da cultura, da vida em comum, pela busca da excelência, da
virtude necessária à realização da eudaimonía, felicidade, que na compreensão dos
gregos, não é estado psicológico, mas pertence ao plano da universalidade, da vida
coletiva, o que significa que a plenitude da humanidade só é realizável em sua forma
mais perfeita de existência, ou seja, na pólis, tà politiká, campo da vida pública.

558
Os atenienses do tempo de Platão e Aristóteles entendiam o nómos ordenador como o
único soberano capaz de reger a vida coletiva. A possibilidade de alcançar o bem
comum exige que o krátos, o poder, a autoridade soberana, seja posta nas mãos da lei.
“O éthos como lei é, verdadeiramente, a casa ou a morada da liberdade” (LIMA VAZ,
2013, p. 16) que o homem constrói por meio da sua ação ética e consciente. A prâksis é
a ação mediadora na elaboração e reelaboração do mundo da cultura, sempre aberto e
jamais terminado. Nessa perspectiva, a educação se faz paideía na busca sempre
inconclusa do aperfeiçoamento do espírito humano que, ao criar e recriar o universo da
cultura humaniza e recria o seu próprio ser na periagogé, na conversão ao Bem.

Referências

ARISTÓTELES. Política. Trad. e notas Antônio Campelo Amaral e Carlos de Carvalho


Gomes. Lisboa: Vega, 1998.

BOLLIS, Silvana. Paideía Filosófica [manuscrito]: O sentido da formação n’A


República de Platão. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Educação, 2013.

CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do labirinto II: Os domínios do homem.


Trad. José Oscar de Almeida Marques. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, v. 54.

JAEGER, Werner. Paideia: A formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 4.


ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LIMA VAZ, Henrique C. Escritos de filosofia II: Ética e cultura. 5. ed. São Paulo:
Loyola, 2013.

PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de História da Cultura Clássica. 2. ed.


Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1967, v. 1.

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. Ísis Borges B. da


Fonseca. 14. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2004.

559
DITADURA CIVIL- MILITAR NAS
UNIVERSIDADES: ESTUDO DE CASO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Vânia Farias Ferreira

Introdução

A Ditadura Civil-Militar no Brasil constitui-se no período de 1964 a 1985, em que o


país foi governado pelos militares, caracterizando-se pela falta de democracia, extinção
dos direitos constitucionais, censura, perseguição política e coibição a todos aqueles que
se opunham ao regime militar.

É importante compreender como o regime militar, com sua política autoritária,


provocando imensuráveis impactos sobre a estrutura social do país, atingiu o ensino
público superior por meio de drásticas mudanças resultantes da Reforma Universitária
(Lei 5540/1968) que preceituou novos parâmetros para adequar a educação às ideias e
necessidades do Regime Militar.

No que toca especificamente às universidades, a modernização conservadora implicou:


racionalização de recursos, busca de eficiência, expansão de vagas, reforço da iniciativa
privada, organização da carreira docente, criação de departamentos em substituição ao
sistema de cátedras, fomento à pesquisa e à pós-graduação. Para viabilizar a desejada
modernização, sobretudo durante o período inicial do regime militar (1964-68),
enfatizou-se a adoção de modelos universitários vindos dos países desenvolvidos, em
particular dos Estados Unidos. No eixo conservador, o regime militar combateu e
censurou as ideias de esquerda e tudo o mais que achasse perigoso e desviante – e,
naturalmente, os defensores dessas ideias; controlou e subjugou o movimento
estudantil; criou as ASIs para vigiar a comunidade universitária; censurou a pesquisa,
assim como a publicação e circulação de livros; e tentou incutir valores tradicionais por
meio de técnicas de propaganda, da criação de disciplinas dedicadas ao ensino de moral
e civismo e de iniciativas como o Projeto Rondon (MOTTA,2014, p.15).

Essa nova fase da educação superior brasileira propiciou grandes modificações nas
estruturas organizacionais dentro das universidades, pois ao mesmo tempo em que
editou medidas repressivas e autoritárias, a Reforma provocou várias mudanças, dentre
as quais, eliminou a figura do professor catedrático e criou os departamentos.

Vítimas preferidas e indefesas dos novos ocupantes do poder, professores e


administradores universitários pagaram com a perda de seus cargos a acusação de serem
“comunistas” ou simplesmente suspeitos de adotar “ideias exóticas” ou “alienígenas”
(CUNHA, 2007, p. 39).

Reforçando esta tendência, surgiu o Decreto-Lei 477/1969, que impedia qualquer


manifestação dos docentes, discentes e servidores de estabelecimentos de ensino

560
público. Dentre as proibições estavam: a confecção e a divulgação ditas como “material
subversivo”, bem como a organização de manifestações. Os que infligissem a lei
seriam punidos, sendo que funcionários e professores poderiam ser demitidos e alunos
expulsos.

Além das cassações (de reitores e professores), outro instrumento amplamente utilizado
pelos militares foram os Inquéritos Policial-Militares (IPM). Vários IPMs foram abertos
ainda no mês de abril de 1964, para investigar entidades associativas, como a União
Nacional dos Estudantes (UNE), instituições de ensino e pesquisa, como o Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), e partidos, como o PCB. Na 144ª Sessão
Extraordinária do Conselho Universitário da Universidade Federal do Ceará (UFC), em
2 de maio de 1964, os conselheiros discorreram sobre um telegrama originário do
Ministério da Educação e Cultura entregue à reitoria em 28 de abril, cujo assunto era
uma portaria que determinava a instauração de inquéritos nas universidades para
investigação de atividades subversivas. Nas universidades, as comissões de inquérito
eram designadas pelos reitores (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, Relatório,
V.II, Texto 6, p. 269)

A cidade de Pelotas também foi atingida pela repressão e, ao final do primeiro mês do
regime de exceção, encontravam-se detidas 19 pessoas, consideradas “subversivas”,
conforme notícia destacada no Diário Popular, dia 01/05/1964.

Houve, também, durante o governo Jango, diversos segmentos organizados atuantes na


cidade, que posteriormente ajudarão, no contexto da ditadura civil-militar, a resistir ao
golpe: estavam organizados os trabalhadores, estudantes, comunidades eclesiais de base
da igreja, vereadores da Câmara Municipal, os partidos políticos (mesmo os
clandestinos), entre outros. (DELLAVECHIA, SILVEIRA. Almanaque Bicentenário de
Pelotas. Volume 3).

E foi com esse pano de fundo, que em 1969, foi criada pelo Decreto-Lei 750, a
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), resultante da transformação e incorporação da
antiga Universidade Federal Rural do Rio Grande do Sul, e das Faculdades de Direito,
Odontologia e Instituto de Sociologia e Política, da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, agregando também as unidades particulares de ensino superior como o
Conservatório de Música de Pelotas, a Escola de Belas Artes “Dona Carmem Trápaga
Simões” e a Faculdade de Medicina Instituição Pró-Ensino Superior do Sul do Estado
(IPESSE), sendo estruturada pelo Decreto 65.881, de dezembro de 1969, que aprovou
seu Estatuto.

Assim o principal objetivo dessa pesquisa é investigar o cenário político local,


analisando sua influência sobre as unidades fundadoras da UFPel, bem como os fatos e
seus impactos na criação e trajetória da Instituição, no período da Ditadura Civil-
Militar, tendo em vista a escassez de pesquisas locais relacionadas à temática.

561
Metodologia

Considerando não haver ainda documentação suficientes disponibilizada à pesquisa


sobre os acontecimentos em sua totalidade, no período da Ditadura Civil-Militar, e por
se tratar de um assunto difícil e delicado, pois relata experiências marcantes e traumas
ainda não esquecidos, utilizar-se-á, como aliada principal a metodologia da História
oral, valorizando a memória dos protagonistas que vivenciaram esse cenário dentro da
Instituição.

A História oral embora diga respeito – assim como a Sociologia e a Antropologia – a


padrões culturais, estruturas sociais e processos históricos, visa a aprofundá-los, em
essência, por meio de conversas com pessoas sobre suas experiências e memórias, bem
como por meio do impacto que estas tiveram na vida de cada uma. A História oral tende
a representar a realidade não tanto como um tabuleiro em que todos os quadrados são
iguais, mas como um mosaico ou colcha de retalhos, em que os pedaços são diferentes,
porém forma um todo coerente depois de reunidos. PORTELLI (1997, p. 13-33).

Paralelamente, se dará um esforço contínuo pela busca de informações, coerentes ao


período da pesquisa, através de análise da documentação oficial da Universidade,
conservada em seus arquivos, de cunho administrativo, constituída por atas,
correspondências, estatutos, memorandos, ofícios e regimentos internos, fontes externas
também serão consultadas, como jornais e publicações locais.

Resultados e discussão

Para esta pesquisa, será de grande relevância constituir uma fonte importante, que se
encontra reunida na memória do grupo de pessoas que participaram da vida universitária
dessa época. Será feita coletas de depoimentos desses protagonistas, mediante roteiro de
entrevista e gravação, articulando-os a uma análise das narrativas e a uma análise
documental.

Uma amostragem preliminar permitiu constatar a riqueza do uso da metodologia da


História oral, para preencher as lacunas existentes na história da instituição.

Nessa amostragem, buscaram-se entrevistas com dois protagonistas, de importante


participação no cenário da universidade, com visões e opiniões divergentes sobre os
fatos ocorridos à época. Essa divergência de visões denota a complexidade e a
dificuldade nesta abordagem sobre os acontecimentos, pois estas memórias estão ainda
longe de serem neutras, mesmo decorridos mais de 50 anos. Releva também, o quão
fundamental será trazer novos relatos, pois a lembrança individual de um fato, num
determinado tempo e lugar, compõe uma história, ainda mais interessante quando esta
coincide com a de outra pessoa ou de um grupo de pessoas, mas não menos reveladora
quando, em vez de coincidir, diverge.

Toma-se como exemplo o depoimento 1. Em sua visão, o regime militar não cruzou os
portões da Universidade. As manifestações estudantis eram pacíficas e direcionadas
somente a problemas acadêmicos, desconhecendo repressões e perseguições políticas à

562
comunidade. Segundo esse depoimento, a UFPEL não atravessaria crises políticas ou
administrativas.

Já o depoimento 2 retrata um quadro totalmente inverso, em que a universidade estaria


tomada por repressões, perseguições a alunos, professores e funcionários não adeptos às
ideias do regime. Segundo este relato, a contratação de servidores seria feita através de
entrevistas, em que a avaliação seria determinada por sua ideologia.

Conclusões

Em 2 de outubro de 2012, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) enviou ofício aos


reitores de universidades solicitando os seguintes dados: lista com nomes completos de
todos os professores, servidores e funcionários cassados, aposentados
compulsoriamente, mortos ou desaparecidos por motivação política referente ao período
de 1964 a 1985. Das cinquenta respostas enviadas pelas instituições de ensino, apenas
oito apresentaram dados. As demais universidades responderam que não tinham acervo
ou dados sobre o assunto, como foi o caso da UFPel.

Deste modo, o levantamento de dados dessa pesquisa pretende contribuir de alguma


maneira com novas revelações que possam preencher as lacunas que pairam sobre o
marco inicial e tão determinante da história da UFPel, de sorte que a Instituição e seus
atores, num só espaço de tempo e memórias, conte sua própria história, uma história
ainda não contada, evitando-se que caia em um irreversível esquecimento.

Referências bibliográficas

BRASIL. Decreto-lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações


disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de
estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras providências. Disponível
em < www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965- 1988/Del0477.htm>. Acesso em
08/04/2015.

. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de


organização e funcionamento de ensino superior e sua articulação com a escola média e
dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5540.htm.>
Acesso em 08/04/2015.

BRASIL.Comissão Nacional da Verdade - RELATÓRIO FINAL: VOLUME II –


TEXTOS TEMÁTICOS - Texto 6 - Violações de direitos humanos na universidade

CUNHA, Luiz Antônio. A Universidade Reformanda. São Paulo: Unesp, 2007.

DELLAVECHIA Renato, SILVEIRA Marília. O golpe civil-militar em pelotas e suas


consequências a partir de 1964. Almanaque Bicentenário de Pelotas. Volume 3.

JORNAL DIÁRIO POPULAR, Edição de 01/05/1964, p. 14

563
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o Regime Militar. Rio de Janeiro:
Zahar, 2014

PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões


sobre a ética na história oral. In: Projeto História nº 15. São Paulo, PUC, 1997, p. 13-
50.

564
AS DATAS COMEMORATIVAS NO CONTEXTO
ESCOLAR: UMA REFLEXÃO
Viviane Alice de Oliveira

Em momentos distintos na História do Brasil, as datas comemorativas foram


interpretadas de diversas formas, como importantes instrumentos de difusão para a
criação e estruturação da nação, imposição de hábitos e costumes e disseminação de
uma ideologia. Portanto, sendo muitas vezes instrumentos, seja do poder
governamental, seja do poder religioso, elas sempre tiveram fundamental importância
para a construção da identidade da sociedade brasileira, pois, estiveram ligadas ao
tempo, marcando diretamente a vida das pessoas, pois como afirma Bittencourt,
“Queiramos ou não, as datas são suportes da memória” (BITTENCOURT, 2012, p. 11).

As memórias apontam para as identidades que moldam as ações dos sujeitos que as
narram. Assim, são lembranças organizadas com a finalidade de defesa de um conjunto
de valores a inculcar, a instituir. São dessa forma, elementos das relações sociais de
poder. Foi com atenção para as identidades e esquecimentos da memória que nos
lançamos na pesquisa sobre as comemorações escolares, pois a memória tem suas
formas especificas de preservar tradições, logo são formas de poder. Ao escolher as
lembranças e os esquecimentos no construto das comemorações as memórias podem
funcionar como [...] “um apanágio dos conservadores e ainda mais dos nacionalistas,
para quem a memória é um objetivo e um instrumento de governo” (LE GOFF, 2013, p.
424).

No Brasil, desde a Primeira República, e principalmente durante a Era Vargas, as


escolas ensinam através das comemorações. Pensando com Cândido (2007), os rituais e
discursos nas festas e comemorações, inculcavam principalmente para os adultos, pais e
professores, um contexto social, a nova ordem que o país estava inserido, inclusive a
educação estética, como a sociedade deveria ser e estar naquele momento.

As comemorações enquanto eventos escolares merecem atenção, pois compõem o


calendário escolar, dando a ele uma dimensão pedagógica mais diversificada. Em sua
maioria, as escolas têm certa autonomia na escolha de “o que comemorar”, porém,
algumas datas são impostas pelas Secretarias de Educação e variam de acordo com as
regiões. Há, portanto, uma inquietação, sobre como essas datas são transpostas em sala
de aula, pois muitas vezes os eventos acontecem como eventos em si e para si, não têm
diálogo com o planejamento das aulas, não entram no currículo, são organizados,
comemorados no sentido do cumprimento do calendário, de forma descolada do
pedagógico.

As comemorações são práticas sociais, políticas, culturais e religiosas que, se analisadas


na perspectiva histórica, podem apontar para a própria história dos sujeitos nelas
envolvidos. No caso das comemorações escolares esses sujeitos são os professores,
alunos e demais funcionários, os mesmos que pensam e praticam o ensino.

565
Presumimos que tais comemorações não encontram lugar de ensino e aprendizagem no
cotidiano da sala de aula. Como ocorre em quase todos universos escolares, o cotidiano
do ensino de História na sala aula segue o ritmo proposto pelo currículo contido nos
materiais didáticos adotados. As comemorações sejam elas políticas, religiosas ou
culturais, dificilmente interferem no currículo proposto. Elas ocupam lugar de
apêndices, ou seja, próximo às comemorações o conteúdo de História que seria ensinado
é interrompido e os preparativos para as comemorações tomam o tempo na sala de aula.
Raramente há reflexões teóricas e metodológicas sobre a atividade desenvolvida.
Quando muito, os alunos são incitados a procurarem em jornais, revistas ou em sites da
internet as informações sobre essa ou aquela data a comemorar. A reflexão histórica que
possa gerar conhecimentos históricos significativos a partir da comemoração fica
ausente do currículo.

Visando o melhor aproveitamento do trabalho comemorativo pensamos as


comemorações como instrumentos de aprendizagem, pois, se despertarmos os
envolvidos para as possibilidades de aprendizagem nessas festividades, as mesmas
poderão se tornar momentos de ensino, uma grande oportunidade de aprendizado
histórico, e não apenas uma interferência esporádica no curso do ano letivo, ou seja, as
relações das comemorações com o currículo deixarão de contar apenas como
cumprimento do cronograma.

Assim como são instrumentos de aprendizagem, as comemorações são também


instrumentos de socialização, no entanto, devemos estar atentos quanto à comemoração
enquanto expressão da cultura local, pois muitas vezes comemora-se na escola datas que
estão muito distante da realidade dos alunos, por isso faz-se necessário que a
investigação dessas características comemorativas sejam ligadas ao contexto social da
escola, ligadas à cultura escolar, que na opinião de Forquin (1993), é um conjunto
organizado de saberes de diferentes tipologias, a partir dos quais agem gestores,
professores e alunos, ou seja, o que acontece na escola dialoga com o que acontece em
seu entorno. Dessa forma as datas comemorativas escolares devem levar os alunos a
compreenderem mais de si mesmos, suas vidas, imaginários, ou seja, devem expressar
sua cultura.

Atualmente algumas comemorações escolares estão diretamente ligadas ao consumo, ao


presentear, ou seja, assumem um sentido mais econômico que pedagógico como afirma
Tonholo (2013):

É inegável o fato de que, hoje em dia na sociedade, algumas datas


comemorativas são impulsionadas por questões comerciais. Muitas vezes,
tal ideia é incorporada na escola sem maiores questionamentos. Por isso,
se faz necessário partir do pressuposto de que é preciso refletir sobre a
forma como são trabalhadas as datas comemorativas dentro da instituição
escolar, deixando de ser apenas uma transmissão de conteúdos,
apresentação de trabalhos para os pais, ou como uma forma de instigar o
consumo (TONHOLO, 2013, p. 186).

O que se percebe é que há uma mobilização em torno das comemorações, de todos os


sujeitos envolvidos na comunidade escolar. Os alunos se agrupam para ajudar em vários
momentos desde a organização até a execução, mobilizam outros setores da

566
comunidade, e é inegável que há uma forma de aprendizado nesses momentos de
interação, no entanto o que apresentamos, é que se há a autonomia para a escolha da
comemoração, há uma mobilização da comunidade escolar e há um aprendizado, então
podemos contar com todas essas possibilidades e contribuir ainda mais com um
aprendizado histórico significativo, desde que haja um planejamento que envolva o
conteúdo proposto pelo currículo, um tempo de exploração em sala de aula, para quando
acontecer a culminância do evento ele esteja revestido de sentido.

Trabalhar datas comemorativas na escola pode envolver mais do que alguns membros
que constroem o calendário, é preciso que haja um planejamento interdisciplinar, pois
nesses momentos toda a comunidade escolar está envolvida, por isso é importante uma
reflexão sobre a continuidade em relação a algumas dessas comemorações, no sentido
de pensar: quais delas se revestem de significados para os alunos e quais apenas se
repetem? Se estas respeitam a diversidade cultural da comunidade envolvida e se
promovem a inclusão? E dentro dessas perspectivas lançadas abordarem o aprendizado
histórico que estará acontecendo, ao passo que se desdobra esse novo olhar.

Referências

BITTENCOURT, Circe (org). Dicionário de Datas da História do Brasil. 2ºed. São


Paulo: Contexto 2012.

CÂNDIDO, Renata Marcílio. Cultura da Escola: as festas nas escolas públicas


paulistas (1890-1930). 2007.154f.Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.

FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento


escolar. Tradução: Guacira Lopes Louro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão (et. al.). Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2013.

TONHOLO, Thamiris Bettiol. Revista eletrônica pro-docência/UEL. Edição nº04, vol.


1, jul-dez. 2013. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/prodocenciafope>. Acesso
em: 15 de out. 2016.

567
EDUCAÇÃO, ESCOLARIZAÇÃO E REPÚBLICA: AS
PRIMEIRAS REFORMULAÇÕES NO ENSINO NO
PARÁ REPUBLICANO (1890-1897)
Wanessa Carla Rodrigues Cardoso

O novo regime assume como foco principal conduzir o país rumo ao progresso e a
civilização. A República proclamada de cima para baixo, vai necessitar das classes
populares como forma de afirmação do regime. Assim, entre as estratégias de
legitimação e divulgação de seu corpo ideológico, a educação e a escola assumem um
lugar especial, um importante meio de consolidação e legitimação.

O início do século XX foi marcado no Brasil por intensa campanha de


divulgação dos valores decorrentes da universalização do acesso ao
sistema escolar. De certa forma a República procurava plasmar uma
identificação com a educação. Este processo, na verdade, estava associado
a alguns valores específicos, dentre os quais se destacavam o civismo e o
moralismo patriótico. Assim, vamos encontrar nos primeiros decênios do
século passado um efetivo trabalho desenvolvido por uma plêiade de
intelectuais que peregrinaram pelo país na defesa da constituição de um
processo de conformação ideológica consentânea com as premissas
republicanas em consolidação. (TAMBARA; ARRIADA, 2009, p.
279,280).

Com esse intento, a instrução torna-se uma das bandeiras da Primeira República, e a
escola um veículo importante de transmissão das novas ideias que configurariam a nova
nação republicana. Ampliam-se o número de grupos escolares, de produção de livros ou
manuais didáticos, e de estratégias de ensino e formação ou homogeneização do
professorado aos novos preceitos, com vias a superar o atraso e a degradação herdada
do Império.

A educação republicana tinha essencialmente uma preocupação com a formação moral e


cívica da população, que resultaria na formação do caráter nacional e do cidadão
patriótico, este homem instruído, com independência e liberdade de ações, e que
estivesse qualificado para contribuir e disseminar o progresso.

O regime republicano no Brasil, ao restringir o direito de voto aos


alfabetizados, colocou a escola em posição destacada para a constituição
do direito político dos cidadãos brasileiros. A escola formava os futuros
eleitores, mas, na medida em que a concepção de cidadania não se
restringia apenas ao direito político, estendendo-se o status de cidadão aos
trabalhadores e possibilitando o acesso destes, em princípio, aos direitos
sociais, a educação escolar deveria ainda completar a formação do cidadão
brasileiro. Ser cidadão, com determinados direitos garantidos, significava

568
também cumprir obrigações e estar de acordo com valores ditados pelo
poder constituído, sendo que estas normas estabelecidas integravam uma
das aprendizagens fundamentais para o aluno. (BITTENCOURT, 2011, p.
56,57).

Em Belém, os modelos europeus, que influenciaram sobremaneira o processo de


modernização da cidade, alcançaram a questão educacional, por meio das formulações e
discursos dos intelectuais e autoridades empenhadas em reorganizar a Instrução Pública.

A reforma do ensino primário esteve entre as primeiras iniciativas dos governos


republicanos no âmbito educacional, engendradas pelo governo provisório (1889-1891)
de Justo Chermont do qual José Veríssimo fora Diretor da Instrução Pública. Segundo
os estudos empreendidos por Moraes (2011), já neste primeiro momento implementa-se
“uma concepção político educacional republicana”, pois:

Neste governo, se empreendeu a reforma completa do ensino primário,


formulando-se novo regulamento, a descentralização da administração da
instrução pública, a modificação curricular do ensino primário, a adoção
de novos métodos de ensino e a preocupação com a formação dos
professores primários. A partir dessa reforma, se implementa uma
concepção político-educacional republicana, algo já propugnado pelos
republicanos paraenses nas páginas do “A República”, a partir de 1886, e
sistematizado no pensamento educacional de José Veríssimo. (MORAES,
2011, p. 86).

José Veríssimo, como Diretor de Instrução Pública no período de 1890 e 1891,


implementou a primeira reforma no âmbito educacional no Pará republicano, através do
decreto 149 de 7 de maio de 1890, com o intuito de modernizar a educação e de deixar
para trás os males herdados do Império, responsáveis pelo fracasso educacional
brasileiro, segundo a crença de republicanos históricos como Justo Chermont e Lauro
Sodré.

Nesse sentido, a proposição de uma educação republicana é pensada como


antítese da educação imperial, isto é, se afirma uma educação republicana
a partir da negação da imperial, que considera que a formação de
professores, o ensino primário, os métodos pedagógicos, a instrução
popular e feminina, sigam os ditames da moderna ciência pedagógica,
adotada nos países civilizados. Com vistas de superar o atraso provocado
pela instrução pública imperial, a educação republicana propugnada
pretender formar o professor, a criança, a mulher e o indivíduo autônomo,
que contribuam para o progresso e civilização do Estado. (MORAES,
2011, p. 51).

As escolas primárias passariam, por esse decreto, a ser divididas entre elementar e
popular. O ensino primário elementar, com duração de três anos, priorizava uma
formação geral de leitura e escrita, Aritmética e Geografia. Já o primário popular,
compreendia um período de seis anos no qual o aluno passava por três etapas, o curso
elementar, médio e superior. Somente nestes seis anos do primário popular, segundo o
decreto 149, é previsto o ensino de noções gerais de História geral e do Brasil, noções

569
de direito pátrio e cultura cívica e moral, além das disciplinas prescritas para o ensino
primário elementar.

José Veríssimo, em sua administração, reformulou as orientações pedagógicas e os


métodos de ensino, reestruturou o currículo de acordo com os pressupostos da
Pedagogia moderna, incluiu no ensino primário a Geografia Pátria e a História Pátria, o
professor ganhou importância como grande concretizador das transformações no ensino
e reforçou a fiscalização.

A proposta da reforma de instrução primária procurou, como era comum


entre os gestores, atacar os problemas crônicos advindos de administrações
passadas, como a falta de professores qualificados, a abertura da Escola
Normal que se encontrava fechada, criação de um Conselho Superior de
Ensino, criação de um Conselho de Ensino em cada município, a exigência
do ensino obrigatório, um fundo publico para financiar a educação, a
reorganização da Secretaria Geral de Instrução Pública, e a criação de
mecanismos eficientes sobre os dados estatísticos escolares. (BARROSO,
2005, p. 98).

Lauro Sodré, assume o governo constitucional no período de 1891-1897, com a


responsabilidade de levar a frente as reformas já inicialmente instituídas por Veríssimo.
Seu governo empreendeu duas reformas na instrução pública, a reforma de julho de
1891, pelo decreto 372, e de janeiro de 1897, decreto 403. No entanto, apesar da
continuidade em relação as preocupações com a formação de professores e com a
instrução popular, seu foco deixa de ser o ensino primário e passa a ser o secundário e
profissional.

Como a reformulação curricular e dos métodos de ensino fora feita na administração de


Veríssimo, o governo de Lauro Sodré, preocupado com uma instrução popular que
atenda as necessidades do regime e esteja dentro dos preceitos da Pedagogia moderna,
vai reorganizar instituições educacionais importantes, implementando a reforma do
Lyceu Paraense, da Escola Normal, do Instituto Paraense e cria o Lyceu Benjamim
Constant. Outras instituições com fins educacionais e científicos também foram
reorganizadas, como a Biblioteca Pública e o Museu Paraense, hoje Emílio Goeldi.
(BARROSO, 2005; MORAES, 2011).

Gradativamente, ao longo do processo de consolidação da República no Pará, houve


uma ampliação do número de vagas no ensino público, graças a inúmeras inaugurações
e reformas de vários estabelecimentos de ensino. Reformas como a do Lyceu Paraense,
já nesse momento equiparado ao Ginásio Nacional, e da Escola Normal, passam a ser
um símbolo da modernização da cidade e da instrução pública no Estado, como
instituições importantes para promover, segundo a ótica da intelectualidade local, a
regeneração social e elevação moral dos cidadãos pátrios republicanos.

570
Referências

BARROSO, Wilson da Costa. Educação e cidadania no republicanismo paraense: a


instrução pública primária nos anos de 1889-1897. 2005. 134f . Dissertação (Mestrado)
– Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Educação, Universidade Federal
do Pará, Belém, 2005

BITTENCOURT, Circe M. F. As “tradições nacionais” e o ritual das festas cívicas. In:


O Ensino de História e a criação do fato/ Jaime Pinisky (autor e organizador). 14 ed.
São Paulo: Contexto, 2011

CARDOSO, Wanessa Carla Rodrigues. “Alma e Coração”: o Instituto Histórico e


Geográfico do Pará e a Constituição do Corpus Disciplinar da História Escolar no Pará
Republicano (1900-1920). 2013. 129f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Belém:
UFPA, 2013.

MORAES, Felipe Tavares de. A educação no Primeiro Governo de Lauro Sodré


(18861897): os sentidos de uma concepção político-educacional republicana/Felipe
Tavares de Moraes. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) – Instituto de
Ciências da Educação, Universidade Federal do Pará, 2011.

TAMBARA, Elomar; ARRIADA Eduardo. Civismo e educação na Primeira República


- João Simões Lopes Neto. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n.
27 p. 279 292, Jan/Abr 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe.

571
OS INTELECTUAIS DO IHGP E A HISTÓRIA
ENSINADA NO PARÁ REPUBLICANO (1900-
1920)
Wanessa Carla Rodrigues Cardoso

Tratar da constituição da História como saber no Pará, nas primeiras décadas do século
XX, é remeter-se inevitavelmente ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará como
lugar de memória, considerando-o locus agregador da intelectualidade local, e como
lugar de pesquisa, elaboração, sistematização e divulgação de uma História regional na
Primeira República no Pará.

O Instituto Histórico e Geográfico do Pará foi fundado inicialmente em 1900, e


refundado em 1917. Sua refundação em 1917 foi parte integrante de um conjunto de
ações planejadas por um grupo de intelectuais, o chamado comitê patriótico, para a
comemoração do tricentenário da fundação da cidade de Belém, entre eles estavam
Theodoro Braga, Américo Santa Rosa, Palma Muniz e Ignácio de Moura, com grande
adesão da intelectualidade local, inclusive entre aqueles que já figuravam como sócio
fundador em 1900, como Hygino Amanajás.

Saudada por intelectuais e políticos paraenses, em sua grande maioria republicanos


históricos, logo essa agremiação serviu na afirmação do ideário civilizacional
republicano, preocupação esta que é possível observar nas suas revistas (RIHGP), lócus
privilegiado de divulgação das ideias da intelectualidade local.

Esses intelectuais, que transitavam entre os mais diversos campos e saberes, tinham no
IHGP um lugar de sociabilidade privilegiado para pensar e produzir a História da
Amazônia e do Brasil, necessários a constituição de uma identidade nacional, e de uma
nação que caminhasse rumo ao progresso. Preocupados com uma educação cívico-
patriótica, esses intelectuais se engajaram no projeto político republicano de construção
de uma nacionalidade, em que a História Pátria ganhou lugar fundamental em suas
ações, seja como político, historiador, divulgador e educador (CARDOSO, 2013).

A escola republicana era uma das vias principais de transmissão desses valores,
preocupados com a formação moral e cívica da população, e na formação do cidadão
verdadeiramente republicano e patriótico. A disciplina História viria, assim como o
ensino da Geografia, responder a essa necessidade. Dentre seus vários objetivos: formar
o cidadão brasileiro e patriota, e aproximar a nação cada vez mais dos padrões de
“civilização”.

A História acadêmica e escolar, que começa a se delinear no Brasil em torno de duas


principais instituições, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Imperial
Colégio de D. Pedro II, já nasce sob a tutela do Estado e com o intuito de servir à
nacionalidade

572
A representação coletiva da História nacional se realiza por meio de um projeto
orientado e dirigido para a construção de identidade da nação. Desse modo, era
imprescindível criar um conhecimento histórico no qual a nação fosse associada as
ideias de progresso e modernidade, e se reconhecesse como tal (GOMES, 2009; 2010).

Esse saber construído, portanto, recortado, selecionado com base em perspectivas


nacionalistas, enfatizava a construção de uma memória positiva da nação, de um
passado glorioso, como vias de garantir a unidade, a grandeza, e progresso nacional.
Nesse aspecto, verificamos a vinculação clara entre os conteúdos de História,
direcionados pelo Estado, e os projetos nacionalistas, cuja apresentação na literatura
didática se fez sob o signo da memória histórica.

Ao lado do reconhecimento do valor da História, pelo Estado e pela intelectualidade,


como um saber importante para a sociedade como um todo, vieram as preocupações na
divulgação deste conhecimento, através de ações do Estado no plano da legislação, de
festejos cívicos patrióticos, e da elaboração de livros e manuais didáticos e sua inserção
na educação formal (BITTENCOURT, 2004; 2011).

Diversos intelectuais do Instituto Histórico e Geográfico do Pará estiveram ocupados na


elaboração de manuais didáticos no Pará republicano, produzindo livros de História
Pátria, Geografia Pátria e Língua Pátria, entre eles podemos destacar, Arthur Vianna,
Vilhena Alves, Paulino de Brito, Virgílio Cardoso de Oliveira, Ignácio Moura,
Raymundo Cyriaco Alves da Cunha, Theodoro Braga, Hygino Amanajás e outros.

Entre os livros escolares adotados e distribuídos no ensino primário no Pará na Primeira


República, podemos citar Alma e Coração de Hygino Amanajás (publicado em 1900 e
reeditado em 1905), e Apostilas de História do Pará de Theodoro Braga (1915). Sendo
ambos de profissionais do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, o primeiro
participou de sua criação em 1900 e refundação em 1917, e o segundo foi secretário da
instituição após 1917. Os dois autores coadunavam com discussões comuns à época,
sobre o papel e a importância da educação, como vias de ensinar a disciplina moral e
patriótica ao povo, conhecendo e valorizando as tradições nacionais, especialmente as
republicanas.

Alma e Coração é claramente um livro voltado para o uso escolar, primeiro por ser um
livro de leitura, seguindo as recomendações de políticos e intelectuais do período, como
José Veríssimo, que desaconselhavam o uso de compêndios de História do Brasil para o
ensino primário, sendo os livros de leitura os mais indicados para os alunos, recheados
de ensinamentos cívico-morais, e com narrativas que atraiam o público leitor. Segundo,
por ter sido inspirado no livro amplamente conhecido no Brasil do século XIX, e
utilizado nas escolas de então, Coração de De Amicis. Adotando a estrutura narrativa do
livro Italiano, em forma de missivas. E terceiro, pelo conteúdo dos aconselhamentos e
prelações do professor, claramente preocupado em cultivar nos alunos virtudes ligadas a
preceitos morais-religiosos (AMANAJÁS, 1905).

Estimula nos alunos o amor a pátria e o estudo de História Pátria, necessários para
conhecer o passado da nação, seus principais acontecimentos, e o conhecimento de seus
heróis com conduta patriótica exemplar, a quem a mocidade deveria se inspirar, por
suas ações grandiosas e abnegadas em favor da nação. Recheado de intenção educativa,

573
cívica, patriótica e social, o livro Alma e Coração atribui grande valor a família, a escola
e ao trabalho, necessários a conduta social do cidadão republicano

O livro de Theodoro Braga, por outro lado, elaborado 15 anos após Alma e Coração,
momento em que já havia um forte clamor entre a intelectualidade local por temas
regionais, na tentativa de demarcar nossas singularidades e especificidades, aborda
assuntos de “História Pátria regional”, como alerta o autor em prefácio, demarcando as
origens da cidade de Belém e seu passado colonial (BRAGA, 19015).

Apostilas de História do Pará, apesar de esta direcionada aos dois públicos, a alunos e
professores primários, pelos assuntos abordados e pela forma de abordá-los, podemos
inferir que há um objetivo claro de formação do professorado local, ao tratar da origem
do ensino primário no Pará, a importância do mestre-escola e o papel da mulher na
educação.

Ao retratar os marcos de origens da cidade de Belém, suas origens históricas, buscava


demarcar nossa identidade, dando a unidade necessária para a continuidade de uma
trajetória gloriosa, amparada pelo progresso e pela civilização. A educação, os
conhecimentos de História Pátria, das nossas narrativas históricas, seus feitos e heróis,
seriam fundamentais neste processo.

O saber de história escolar, construído pelos autores, pode ser caracterizado pelas
escolhas dos assuntos, selecionando conhecimentos dignos de serem veiculados,
construindo se uma memória histórica positiva da nação; pela forma de abordá-los, em
uma busca incessante de conhecer o passado, e seus heróis, para que exemplarmente ele
pudesse ser utilizado no presente; pela estrutura simples e objetiva da narrativa; e pela
finalidade educativa por meio da História Pátria presente em ambas as obras, com
conteúdo de supervalorização do patriotismo, para a conformação dos ideais nacionais,
legitimadas pela História.

Assim, determinados fatos e heróis são valorizados em detrimentos de outros,


inventando-se tradições nacionais, característica comum à literatura didática do período
em estudo. Esses conteúdos foram intencionalmente construídos e legitimados pelo
Estado, que direcionavam, neste contexto, o que deveria ser veiculado por livros e
ensinado por professores, através de um mecanismo de controle e avaliação dos livros
que poderiam ser aprovados e adotados pelo Conselho Superior de Instrução Pública.
Alma e Coração e Apostilas de História do Pará, deste modo, com o aval oficial, vão
contribuir para validar um tipo de História e um tipo de narrativa histórica, tida neste
momento como ensinável, condizente com projeto político patriótico republicano.

Referências

AMANAJÁS, Hygino. Alma e Coração. Belém: Typ. da Imprensa Oficial,1905.

BITTENCOURT, Circe M. F. Autores e editores de compêndios e livros de leitura.


Educação e Pesquisa. São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004.

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________________________ As “tradições nacionais” e o ritual das festas cívicas. In:
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São Paulo: Contexto, 2011

BRAGA, Theodoro. Apostilas de História do Pará. Belém: Imprensa Official, 1915.

CARDOSO, Wanessa Carla Rodrigues. “Alma e Coração”: o Instituto Histórico e


Geográfico do Pará e a Constituição do Corpus Disciplinar da História Escolar no Pará
Republicano (1900-1920). 2013. 129f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Belém:
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_________________________História, ciência e historiadores na Primeira República.


In: Ciência, Civilização e República nos Trópicos/Alda Heizer, Antônio Augusto
Passos Videira (Org.)- Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2010.

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