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Assim como os pés, as mãos também podem ser usadas como um pólo
irradiador de tensões musculares ou, ao contrário, podem reproduzir um
determinado estado corpóreo, principalmente pelo uso dos dedos.
O élan é o que impulsiona o ator à ação, seu sopro de vida, “é traduzido para o
português como impulso, arremesso, arrebatamento, movimento apaixonado, ardor,
entusiasmo, ímpeto” (BURNIER, 2001, p.40), é o impulso que precede a ação. Cria-
se uma diferença de potencial no corpo gerando energia que, pronta para ser
OLIVEIRA, Joevan. Memorial homens ocos: Registro de uma experiência performática.
Memorial apesentado à II Especialização em Representação Teatral do Departamento de Teatro
da UFPB. João Pessoa – PB, 2009.
utilizada deve ser projetada para fora (BURNIER, 2001). Fizemos muitos exercícios,
relacionados à criação e utilização do impulso; raiz, piston, lançamentos. De início,
partimos de um trabalho com a raiz, exercício para fincar os pés no chão e manter o
equilíbrio.
Para andar, primeiramente, afundávamos o pé no chão, começando pelo
dedão, até que todos estivessem no chão, tentando mantê-los completamente
abertos. Enterrados no chão, íamos gradativamente baixando o resto do pé,
deixando só a ponta do calcanhar levemente levantado, dando condições para na
hora de fazer a transferência de peso de um pé para outro, conseguirmos um micro
impulso. Nessa transferência de peso, cria-se uma oposição entre a base, puxando
o corpo para baixo, e a cabeça puxando para cima.
O exercício de raiz nos levou a criar um impulso maior, em que projetávamos a
perna, dando passos maiores, nas mais diversas direções. Observamos que quanto
maior for a base, ou seja, quanto mais os joelhos estiverem flexionados, maior será
a sensação que o piston pode produzir. Num terceiro momento, esse impulso nos
levou ao salto. Se antes apenas fazíamos transferência de peso, de um pé para o
outro, agora usávamos esse impulso para saltar. Do salto passamos para o
lançamento, primeiramente, com os braços e mãos e depois com várias partes
diferentes do corpo. Nesse momento, deveríamos direcionar o impulso dado pela
raiz para uma parte do corpo e assim lançar.
Já nessa fase do exercício criamos uma sequência de quatro lançamentos,
atentando para as etapas que o constituem:
1. Preparação para o salto, trabalhando a raiz e criando o impulso a partir dos
pés;
2. Direcionamento do impulso, de maneira a deixar claro que parte do corpo
está lançado;
3. Aterrisagem que, por meio do trabalho com a raiz e da contração do
abdômen, deve ter leveza e precisão.
Minha sequência iniciava-se com um impulso arremessando o dedo em
diagonal para frente; no chão, antes de aterrissar completamente, dou um giro de
180° e finco os pés no chão. Transfiro o peso para o pé direito, em raiz, e com o
impulso, arremesso o joelho direito para cima aterrissando no mesmo local. Transfiro
o peso para o pé esquerdo e salto em diagonal, no alto, as mãos vão para trás da
OLIVEIRA, Joevan. Memorial homens ocos: Registro de uma experiência performática.
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é algo que se tem mais quando jovens, menos quando ficamos mais
velhos. Obviamente é possível prolongar a organicidade lutando
contra os hábitos, contra as imposições da vida cotidiana,
quebrando, eliminando os clichês do comportamento” (GROTOWSKI
apud FERRACINI, 2006, p. 70).
Outro exercício em dupla, muito marcante, era o trabalho com impulsos, contra
impulsos, precisão, objetivo procurando criar uma organicidade e consistia em tocar
uma determinada parte do corpo do companheiro e esse responderia com outro
impulso partindo do local tocado para retribuir o companheiro. Com o tempo, a
mesma coisa era feita só que a distância, sem tocar um ao outro. A medida que o
exercício prosseguia, podíamos fazer isso de diferentes distancias, revezando
impulsos e contra impulsos que dávamos e recebíamos em níveis, intensidades e
ritmos diversos, utilizando diferentes partes do corpo.
Outro importante componente do ator é a ação vocal, intrinsecamente ligada à
ação física. Por ação vocal, consideremos “o texto da voz”. A voz é um
prolongamento do corpo, com ela podemos agredir, aproximar, rejeitar, acariciar,
dividir ou unir, ela também é impulso. O uso da voz com fins representativos
corpo. “Há muitas vezes em que a posição dos pés determinam a força e a nuança
da voz do ator” (BARBA E SAVARESE, 1995, p.130).
Nos exercícios realizados, procurávamos deixar que os sons e sonoridades
fossem saindo de maneira espontânea, sempre procurando trabalhar a partir dos
parâmetros já citados. Muitas vezes, durante o processo de despertar o corpo, num
determinado momento do exercício, o orientador ia sugerindo imagens a serem
trabalhadas e dessas imagens muitas vezes produzíamos determinadas
sonoridades.
Num dos ensaios, enquanto trabalhávamos com o corpo, ele começou a nos
pedir para variar a intensidade da movimentação, até a imobilidade. A partir daí ele
nos propôs a imagem de um animal e mandou-nos trabalhar a mesma
movimentação tendo em mente esse animal. Comecei a colocar mais peso em
minha movimentação, o corpo encurvava e comecei a emitir sons guturais, que
variavam em intensidade e duração. Durante o exercício começamos a dialogar com
nossos sons, variando os volumes de som que, junto as diferentes alturas e timbres
que cada um criou, nos possibilitou brincar de criar uma paisagem sonora.
Sempre que trabalhávamos os elementos técnicos procurávamos acrescentar-
lhes possibilidades sonoras. Nesse processo, muitas vezes um levantar produzia um
som agudo, ou mesmo o contrário. Se usávamos as mãos para cortar,
experimentávamos fazer o mesmo com a voz, ou, muitas vezes, os sons produzidos
iam de encontro ao que a movimentação sugeria.
Outras vezes, nosso aquecimento vocal era feito com a utilização e repetição
de um mantra em sânscrito: “on mani padme hum”1, que era repetido alternando
grave e agudo. Inicialmente, cada um parado e deitado ou sentado e dele dávamos
início ao processo de despertar o corpo.
A utilização desses princípios dentro do nosso treinamento pré-expressivo
busca uma técnica que em cena, nos possibilitará recriar um comportamento físico
que, de alguma forma, está num espaço “entre”, que acredito ser, exatamente, o
momento de criação. Isso porque ele não é só mecânico e formalizado, nem
tampouco somente orgânico, vivo, e sem forma. Não é cotidiano, nem só extra
1
É um dos mantras do Budismo; o mantra de seis sílabas do Bodisatva da compaixão: Avalokiteshvara. De origem indiana, de
lá foi para o Tibete. É o mantra mais entoado pelos budistas tibetanos. Disponível em <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Om_mani_padme_hum >
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