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À equipe da Duo Editorial: Marcela Bertelli, Ana Paula Sena, Elaine Vignoli,
Isabel Brant, Tatiana Cavinato e Diego Ribeiro, pela confiança e pelo esmero
nos detalhes.
Aos grupos Corpo e Uakti, à banda Pato Fu, ao crítico de arte Marcelo Castilho
Avellar, ao Teatro do Sesi do Rio Vermelho, à Rádio 98 FM, realizadora do Pop
Rock Brasil, e ao Conselho Nacional do Redemoinho, pela cessão de docu-
mentos preciosos reproduzidos neste livro.
Sumário
Prefácio 19
Apresentação 21
OMinCde Gil 42
Perspectivas de profissionalização 68
Re1nuneração do trabalho de produção 79
O nó da produção 91
Distribuição 249
In'l.previstos 253
Relatórios 273
Realização de eventos e1n espaços públicos e locais sen1 alvará pern1anente 379
Segt1ros 382
Logística 426
Qualidade 430
Programação de um centro cultmal 448
Referências 473
Profissão Cultura
Felizes os novos produtores e agentes culhtrais que, hoje, no Brasil, podem desfrutar
de uma bibliografia, cada vez mais extensa, sobre o fazer cultural. Melhor dizendo,
sobre as nuances da produção cultural nas suas mais variadas dir11ensões.
Curiosamente, a Ctilhu·a ainda é vista como 1m1 apêndice i10 ca1npo das políticas
públicas e dos investimentos privados, estes então quase sempre tributários de incen-
tivos fiscais, quer municipais, estaduais e/ ou federais, ei15ejadores, para o ben1 ou
para o mal, de vícios e benefícios.
Título mais do que acertado, O Avesso da Cena apresenta ao leitor o denso e multi-
facetado universo dos bastidores culturais, pela perspectiva de Romulo Avelai; um
dos mais preparados profissionais do setor.
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Livro denso, que exige fôlego e atenção do leit01~ o sumário indica bem o rol de
assuntos e dicas de produção, projetos, planejamento, planilhas, estrutura de
eve11tos, de11tre outros, acompanl1ado de exemplos práticos e e11trevistas co1n gente
de relevância do mêtier cultural que sabe o que diz porque sabe o que faz.
Aliás, isso resume tudo, um livro feito por quem sabe os caminhos e os percalços
de se viabilizar iniciativas culturais de diversos formatos e padrões, do lado de
cá ou de lá do balcão, e que não esconde o jogo. Pelo contrário, generosamente e
delicadamente mostra con10 vencer os obstáculos e os temores, com u1na boa dose
de sabedoria, imaginação e persistência.
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. -
'Nnresentação
Hoje, em minhas divagações, pergunto-me todo o tempo: por que não de um país?
Essa idéia pode soar tun tanto anacrônica, nrun tempo em que a ordem é viver o
imediato. Pode parecer sem lugal" em meio a tantas diretrizes econômicas áridas e
excludentes. Mas ainda teimo em acreditar que é possível pensar o Brasil numa pers-
pectiva 1nais hwnana. Quero crer que,. na condução dos nossos destinos, as políticas
meramente tecnicistas muito em breve cederão 111gar a olhares mais abertos a um
dos nossos maiores diferenciais estratégicos: a riqueza cultural.
Nesse sentido, é claro que ainda temos muito a avançar. Embora a expansão do setor
cultural seja notável e ocorra em velocidade acelerada, o sinal permanece vermelho
para muitos que escolheram esse caminho. Exemplos de ações bem-sucedidas na
área multiplicam-se de norte a sul, promovendo pequenas revoluções pontuais, mas
persistem entraves na esfera pública, além de certo despreparo entre produtores e
gestores culturais. A capacitação de pessoal para atuação nesse contexto, que se mos-
tra cada vez mais dinâmico e seletivo, é um grande desafio.
Nos últimos tempos, entretanto, o improviso vem cedendo espaço para práticas me-
nos empíricas. Percebe-se, no meio c11ltural, que é imprescindível dominar 011tras
linguagens e buscar informações complementares àquelas assimiladas no dia-a-dia.
Por outro lado, o aumento do volume de recursos aplicados na cultura passou a
atrair tun número crescente de profissionais de outros segmentos e estudantes ávi-
dos por oportunidades de realização pessoal. Ocorre, porém, que grande parte da-
queles que se aproximam não estão suficientemente preparados para o trabalho nos
bastidores da cultura.
A carência de registros de experiências nesse campo é um fato para o qual sempre es-
tive atento, desde os tempos de aluno da Ecoar, a primeira escola de produção cultural
21
*nota
criada no país, em 1990, resultado de parceria das Faculdades Cândido Mendes* com
Atual Universidade Cândido Mendes a Fundição Progresso, no Rio de Janeiro. Àquela época, já era evidente a necessida-
de de preenchimento dessa lacuna. Desde então, muitos foram os títulos publicados
sobre temas como política cultural, leis de incentivo à cultura, economia da cultura,
marketing e patrocínio cultural. Entretanto, foram poucas as publicações sobre as prá-
ticas da produção e da gestão cultural. Daí o impulso de registrar a soma de minhas
pesqtúsas e vivências profissionais.
Na produção deste livro, não foi outra a preocupação que não a de colocar no papel
um conhecimento presente na cabeça de produtores e gestores culturais, mas sobre o
qual o ordenamento ainda é incipiente. Tive como norte os questionamentos e dúvi-
das de alunos dos vários cursos que tenho ministrado pelo país. São eles - estudan-
tes e pessoas que desejam compreender a dinâmica dos empreendimentos culturais
- meu alvo principal. A opção por falar diretamente a esse público foi determinante
para a definição do escopo desta publicação. Tenho como meta proporcionar a essas
pessoas alguma familiaridade com o contexto da cultura, numa perspectiva diferen-
ciada daquela que tem o espectador comum. Falo sobre o avesso da cena, no intuito
de oferecer a um leigo os pontos de vista daqueles que concebem e realizam projetos
culturais.
Com esse público em mente, optei por apresentar uma visão panorâmica e abran-
gente do campo de trabalho dos produtores e gestores culturais e das inúmeras ativi-
dades envolvidas em seu cotidiano, mesmo que, em diversos tópicos, a abordagem
possa se mostrar superficial. É fato que cada um dos capítulos deste livro poderia,
perfeitamente, ser objeto de várias outras publicações, e que muito ainda deve ser
discutido e registrado sobre a matéria.
No esforço pela sistematização desse conteúdo, o primeiro desafio foi o de dar forma
a muitas idéias que venho amadurecendo ao longo do tempo, a partir da observação
do trabalho de terceiros e das minhas próprias experiências como produtor, colabo-
rador de empresas privadas e gestor em instituições públicas. Cedo, percebi o óbvio:
as informações disponíveis eram absolutamente insuficientes e frágeis para a cober-
tura do espectro temático que julgava necessário a um livro dessa natureza. Seria
preciso aprofundar-me em pesquisas, principalmente naqueles terrenos nos quais
nunca havia transitado, mas que considerava imprescindível abordar. Foi assim que
decidi adotar uma metodologia de trabalho que incluiu o estudo da bibliografia
disponível, a análise de incontáveis matérias e artigos publicados na imprensa sobre
o tema, a coleta de casos dignos de registro, dias inteiros de navegação pela Internet
e o principal: entrevistas presenciais com 53 profissionais da área, que tiveram o
desprendimento de co1npartilliar seus conhecimentos e relatar, com franqueza, suas
práticas e impressões sobre o assunto.
O leitor irá perceber que esses depoimentos ocupam espaço de destaque na estrutura
do livro. São relatos e opiniões de pessoas de diferentes perfis, trajetórias e origens
geográficas, reunidos com o intuito de oferecer uma visão plural e multidisciplinar
do universo da cultura. O tom coloquial da fala dos entrevistados foi mantido, como
medida de preservação da essência e das sutilezas dos depoimentos.
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Outro aspecto relevante nesta publicação é a referência constante ao Grupo Galpão.
Nada mais namral, face à minha condição de colaborador do Grnpo desde 1999.
Entretanto, os motivos para essa presença ostensiva vão bem além do vinculo profis-
sional e afetivo: são muitas as soluções encontradas pelo Galpão para a gestão de seu
dia-a-ilia que merecem ser compartilhadas, por sua inventividade e eficácia.
Àqueles que chegam para amar como empreendedores culmrais, dou- as boas-vin-
das. Espero que este livro atenda ao propósito de revelar um pouco do mundo que
encontrarão pela frente. Aos que nele já transitam, desejo um caminho com menos
percalços e que estes apontamentos, somados às reflexões dos entrevistados, ajudem
a torná-lo mais seguro. A todos, convido à construção de um mercado de trabalho
solidário, no desejo de que sejamos cada vez mais capazes de compartilhar conheci-
mentos e de modificar para melhor a realidade à nossa volta. Temos nas mãos a arte
e a cultura como instrumentos, mas é necessário manejá-las com responsabilidade e
ética. A transformação do país passa, certamente, pelo acréscimo ao nosso cotidiano
de boas doses de compromisso com o coletivo.
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- Persnectivas nara o setor cultural em âmfüto munâial
Outro indicador do vigor desse universo está presente 11as conclusões da Conferência
das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, que, em junho de 2004,
revelaram que 7% do PIB mundial são gerados pelas chamadas indústrias criativas.
O valor da movimentação financeira mundial de produtos culturais saltou de US$ 95
bilhões para US$ 380 bilhões, somente no período de 1980 a 1998. Esse tipo de indústria
cresce em rihno superior ao de outros setores da econo11lia mw1dial, e a expectativa
para as próximas décadas é de uma expansão média de cerca de 10% ao ano.
Economia criativa pode ser definida como o ciclo que engloba a criação,
produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a
criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos. (... ) a
economia criativa é uma área vasta e heterogênea que abrange desde os pro-
dutos artesanais até as artes cênicas, artes visuais, os serviços audiovisuais,
multimídia, indústrias de software etc. Seus principais subgrupos são: música
e indústria fonográfica; cinema, rádio e televisão; teatro e dança; pintura e
escultura; edição e publicidade; indústria digital e jogos de computador; e
desenho em geral, que vai desde a arquitetura ao desenho industrial e à moda.
(Disponível em <http://Www.culturaemercado.eom.br/setor.php?setor=4&pid=438>. Acesso em 5 de
março de 2007)
26 OAvesso da Cena
quando se traduz para o português fica indústria criativa. Indústria criativa
existe e é tudo aquilo que é replicado em massa, tem direitos de propriedade
intelectual etc. Televisão, cinema, design, todas essas coisas são indústrias
criativas. Para o hemisfério sul, no entanto, essas coisas não são as chaves
de desenvolvimento, porque, para nós, a chave do desenvolvimento está no
•
micro, está no local. Você não vai ter desenvolvimento se tiver uma indústria
fonográfica forte com cinco grandes selos. Você vai ter desenvolvimento se
tiver cem pequenos selos, que vão ser produzidos de uma outra forma, que
provavelmente terão interface com uma gestão de economia solidária.
O Brasil é um modem por natureza. É muito curioso: nós temos essa função
no cenário internacional e vamos ter, provavelmente, cada vez mais. Onde
existem dinâmicas de relacionamento entre países, há um brasileiro no meio,
que acaba fazendo a diferença. Eu acho que a nossa maior riqueza é o que
eu tenho chamado de cult tech, um contraponto à high tech, ou seja, são
as tecnologias culturais, tecnologias do intangível e tecnologias relacionais.
Todos os grandes problemas do mundo são de relacionamento, e nós te·
mos a "manha" de trabalhar com isso, porque sabemos como transformar
diferença em solução e não em problema. O brasileiro tem essa habilidade
de criar a partir das diferenças, e não de gerar animosidade a partir delas. O
Brasil vai ter um grande papel aí.
28 OAvesso da Cena
De lá para cá, entretai1to, n1uita coisa 111udo1t. Por todo o país, con1eçaram a florescer
i11iciativas de valorização dos traços locais e de n1obilização das comunidades pela
preservação de seus saberes e fazeres. A cultura passou a gerar postos de trabalho
ntrm rit1no cada vez n1ais acelerado. E1nbora ainda não se possa falai· da existência
de 1nercados consolidados, grai1des foram os avanços nesse sentido. O êxodo
•
compulsório de intelectuais e profissionais da culhrra dilninuiu consideravehnente
en1 cidades co1no Fortaleza, Recife, Sal,rador, Belo Horizonte, Brasília, Belén1,
Curitiba e Porto Alegre. Mesmo outras capitais de menor porte e cidades do interior
experin1entan1 11ovos tempos, ein que se tor11a possível a un1 artista, produtor 011
gestor desenvolver seu trabalho sein a necessidade de afu·mação prévia ein 1m1
grande centro.
• a receita líquida movimentada pelo setor passou de R$ 165,3 bilhões, em 2003, para
R$ 221,9 bilhões, em 2005;
• forai11 criadas 52.321 en1presas, órgãos da ad1ninistração pública e ei1tidades sen1
fi11s lucrativos no setor culttrral, que representaran1 tm1 au1ne11to de 19,4%, passan-
do de 269.074 para 321.395, nesse período;
Outros dados interessantes foram apontados pela Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios - PNAD, em 2006:
• de 2005 para 2006, a população ocupada no Brasil cresceu 2,4%, enquanto nas ocu-
pações ou atividades relacionadas à cttlhtra verificou-se um crescimento de 5,4%;
• em 2004, do total de pessoas ocupadas no Brasil, 4,5% exerciam ocupações relacio-
nadas às atividades culturais. Em 2006, esse percentual subiu para 4,8%. (Disponí-
vel em <http://www.ibge.gov.br /home /presidencial noticias/ noticia_visualiza.
php?id_noticia=1059>. Acesso em 12 de janeiro de 2008)
Boom cultural
30 OAvesso da Cena
nos últin1os ru1os. É o caso de con1paiiliias de dança como Corpo, Prin1eiro Ato e
Mimulus, de grupos teatrais con10 Galpão e Giran1m1do, e musicais como Uakti, li
Skank, Pato Fu e jota Quest, que se tornaram referências de qualidade no mercado
brasileiro. Na esteira de seu sucesso, diversos outros grupos têm se profissionalizado,
conquistando paulatinamente o público e ganhando espaço na mídia.
Salvador é outro grande exemplo de afirmação ocorrida a partir dos anos 1990.
Impulsionada pela explosão da axé 11111sic e pela espetacular expansão da indústria
do carnavat a cidade conseguiu ro1nper definitivamente com a polarização do
eixo Rio-São Paulo e ganhar dinânúca própria. Seu movimento cultural - que vai
muito além da música destinada ao consumo de massa - ganhou peso a partir da
valorização das cores locais e da associação con1 o h1risn10. Com infra-estruhu·a de
produção invejável, a cidade se abre, de inodo arrojado, à discussão e à reflexão
sobre caminhos e alternativas para a cultura brasileira.
O gestor cultural Ruy César, da Casa Via Magia, responsável pela realização do
evento, discorre sobre o processo de expansão do setor:
Eu acho que demos um salto e, hoje, as regiões têm uma produção extrema-
mente rica, com uma autonomia de criação que não existia antes. No entanto,
ainda temos problemas de distribuição. Se pegamos, por exemplo, o caso de
Minas, vamos encontrar uma produção espantosa. Fora os grupos de teatro
e de dança e os artistas mais consagrados, existem, pelo menos, quarenta a
cinqüenta novos músicos, artistas de alta qualidade, que poderiam estar em
qualquer palco do mundo, mas que não são conhecidos. Ninguém sabe, no
Brasil, quem são esses artistas. Como organizar, como tornar isso visível?
Como sistematizar a oferta dessa produção, para que ela se torne acessível?
Nós citamos Minas, mas esse pode ser o caso de qualquer outro estado bra-
sileiro. Você vai encontrar a mesma situação, com algumas variações e dife-
renças, mas sempre com muita criatividade. Como colocar essa produção em
movimento e como distribuir out e ín? Se você organizar tudo numa mostra
da produção mineira contemporânea, com a releitura das raízes, com as con-
gadas, os tambores e os reisados, mostrando de onde vem a base da cultura
do estado, e também as experimentações que vêm sendo feitas em torno
disso, você, fatalmente, atrairá o olhar de diretores de festivais, de formadores
Ruy César afirma que talvez seja mais fácil distribuir a produção brasileira para fora
distribuição
do país do que para o mercado interno, e que a grande questão que se coloca nos
p. 249
dias de hoje é a da circulação entre os estados.
Esse foi um desafio que tomamos pelas mãos, com a criação do Mercado
Cultural. Tentamos cuidar de três aspectos: organizar a oferta; promover e dar
visibilidade; e mover, colocar em movimento e distribuir. Essas são questões-
chave que temos hoje para o desenvolvimento da produção cultural brasileira.
Todo mundo perde com o problema do estrangulamento em determinadas
regiões. Se todos querem se apresentar no Sudeste, há uma sobrecarga na re-
gião. Mesmo os artistas e produtores de lá saem perdendo. Há uma produção
maravilhosa no Rio e em São Paulo que tem que ser distribuída no Brasil. Se
não há mecanismos, se não há teatros e produtores competentes, trabalhando
em rede, como você vai conseguir isso?
O fortalecimento da área cultural é percebido com clareza por todo o país. Fabrício
Nobre e Leo Bigode, sócios da Monstro Discos, empresa que realiza os festivais Goiâ-
11.ia Noise e Bai1anada, confir1nam a te11dê11da. Para Bigode, esse crescimento é iútido.
Nos últimos dez anos, nós avançamos bastante. Se olharmos para trás, vamos
ver uma diferença grande. É só ver os festivais que existiam há cinco anos e os
leia+ que existem hoje. E mais, os que teremos daqui a dois anos. A própria Abrafin
Abrafln -Associação Brasileira de Festivais Independentes - é um sinal de organiza-
p. 111 ção e de profissionalização da área. Há dez anos não sabíamos como é que
mandávamos um cartaz para a gráfica, não sabíamos qual era o melhoram-
plificador. Ninguém sabia. Não tínhamos acesso a nada em Goiânia. A cidade
é super nova, e somos da primeira geração de goianienses urbanos. Hoje nós
sabemos mais das coisas e conhecemos todas as dimensões do negócio.
32 OAvesso da Cena
Eduardo Cherem, em matéria publicada no jornal Estado de Minas, revela alguns
indicadores de creschnento do setor:
• pirataria física;
• estagnação do co11Stu110; e
• crescente competição com outras mídias e formas de lazer.
A pesquisa tan1bém revela que o rnercado musical brasileh·o ven1 sofrendo w11 ataque
crescente da pirataria on-line, principalmente pelo compartilhamento de arquivos
digitais via Internet. Ainda não existem levantamentos estatísticos sobre as vendas
on-line no país, apesar de ter sido registrada a abertura de novas lojas virtuais.
Por outro lado, um aspecto digno de registro, identificado pelo estudo da ABPD, foi
o fato de que 76% do total das vendas de 2005 foram de produtos de artistas brasi-
leiros. Esse percentual, que se n1antén1 no mesn10 patan1ar de anos anteriores, é uin
dos mais altos do mundo.
A Cauda Longa
Chris Andersen, editor chefe da revista Wired, publicou, em 2006, o livro A Cauda
*nota
Longa*, no qual lança luzes sobre o novo e vasto mercado da diversidade, que e1ner-
A leitura do livro A Cauda Longa é bastante ge de forn1a vigorosa, en1 contraposição à era dos grandes sucessos e das grandes
recomendável a todos aqueles que atuam
audiências.
na distribuição de produtos culturais.
(... )embora ainda estejamos obcecados pelo sucesso do momento, esses hits
já não são mais a força econômica de outrora. Mas para onde estão deban-
dando aqueles consumidores volúveis, que corriam atrás do efêmero? Em vez
de avançarem como manada numa única direção, eles agora se dispersam ao
sabor dos ventos, à medida que o mercado se fragmenta em inúmeros nichos.
(Andersen, 2006, p. 2)
Andersen cita a queda drástica das vendas de álbW1S musicais e a perda de público
pelas grandes redes de televisão como indicadores de que algo realmente está mu-
dando em ritmo acelerado. O broadcast, com sua capacidade de levar um programa
a milhões de pessoas, é confrontado pela Inter11et, que faz exatamente o co11trário:
leva um milhão de programas para cada pessoa. Embora ainda exista demanda para
a culhtra de n1assa, os inún1eros mercados de nicho, somados, ganham volu1ne
suficiente para fazer frente aos grandes hits. O público exige cada vez mais opções e
abraça a diversidade, abrindo espaço para o surgimento de um grande mosaico de
"minimercados e microestrelas".
34 O Avesso da Cena
A expressão que dá titulo ao livro foi tomada emprestada da área de estatística pelo
autor e designa um tipo de curva de demanda denominado distribuição de cauda
longa, pois se11 prolongamento húerior é in11ito comprido en1 relação à cabeça, con-
forme pode ser observado na Figura 1.1.
-
Cabeça
~-Cauda Longa
-------
Figura 1.1-A cauda longa Produtos
O gráfico de ca11da longa represe11ta o que, de fato, ocorre 11os mercados conven-
cionais. Grande parte das vendas está concentrada na pritneira seção, a cabeça da
curva, situada próxima ao eixo vertical. Ali se encontram os grandes hits, que res-
pondem, boa parte das vezes, pela quase totalidade do faturamento.
Esse modelo, válido pai·a o con1ércio con\rencional, não se aplica com a n1esma
intensidade quando se trata do varejo on-line. Em uma loja virtual, o catálogo de
prod11tos não se lin1ita aos grandes sucessos tuna vez que os custos de estoque
1
não mais existen1. Pelo contrário, avança sobre a cauda, onde se enco11tram pro-
d11tos obscuros e etiquetas desconhecidas, outrora inacessíveis ao gra11de público
pela impossibilidade de concorrer por espaço nas prateleiras com os grandes hits.
Para o comércio eletrônico, o que importa é o fatura111ento final, q11e pode ser con1-
posto, em parte, pelas vendas elevadas de determinados produtos populares, mas
também pela soma de pequenos pedidos de uma infinidade de outras mercadorias
alternativas. En1 suas pesquisas, surpreendentemente Andersen descobriu q11e
1
cerca de 98% dos títulos disponíveis nas lojas virtuais registram pelo menos uma
ve11da a cada trimestre. Esse fato as estimula a expandir indefinida1ne11te seu catá-
logo, 11ma vez que os custos de comercialização são os mesmos e não existe o risco
de encalhe de estoque.
36 O Avesso da Cena
O que aconteceu com um grande número de artistas foi que seus shows per-
deram conteúdo. Nós assistimos ao fim da cultura do ídolo, mas até hoje tem
gente pensando que o nosso problema é econômico e que as pessoas estão
é sem dinheiro. Eu acho que, pelo contrário, quando você está sem dinheiro
procura o Jazer porque quer espairecer. Aí você vai tomar sua cerveja ou vai
•
a um espetáculo.
Hoje eu entendo que os projetos de grandes eventos precisam ter algo mais de
conteúdo. É preciso incorporar sutilezas que possam gerar impactos na visão de
mundo das pessoas. É fundamental que a ação seja realmente transformadora.
O produtor Lúcio Oliveira, da Artbhz, de Belo Horizonte, também fala sobre esse
momento de mudanças e defende a necessidade de se trabalhar de forma criativa:
Eu não acho que tenha havido uma queda no show business brasileiro. Existe,
sim, uma fórmula que está decadente. Eu me lembro que, alguns anos atrás,
fechávamos uma turnê de vinte shows com um artista e partíamos para o in-
terior. Fazia-se um pacote, que ficava viável para as duas partes. Essa fórmula
está definitivamente aposentada. O produtor tem que ser criativo, no sentido
de pensar em novas possibilidades. Quando se faz a coisa com criatividade,
ela tem sucesso. A simples possibilidade de ver um espetáculo com um artista
já não atrai tanto as pessoas como antigamente. Eu não posso mais pegar
o show do artista, colocar um cartaz na rua, colocar na televisão e esperar
pela venda de ingressos. Eu tenho que fazer um evento, uma festa, que tenha
como atração esse artista. Aí vai funcionar. As expectativas do público hoje
são outras. Você tem que ter o show e o pós-show unidos no mesmo evento.
A pessoa assiste ao show, mas tem uma pista de dança, uma área de alimen-
tação bacana ou outra atividade atrelada. Isso é o que tem dado certo hoje. É
por isso que você não vê mais turnês nacionais como antigamente.
Crescimento e má distribuição
O setor culh1ral vive ta1nbén1 sob os efeitos das grai1des discussões que se lançam
sobre o problema da desigualdade social brasileira. Uma questão cada vez mais
re1eva11te entre as organizações é a da responsabilidade social. A iniciativa privada
ven1 sendo chamada a participar das grandes questões nacionais e a tratar com
O patrocínio à cultura, con10 conseqiiência, vem sendo cada vez mais utilizado con10
ferramenta de aproximação das organizações co1n seus públicos, num n1ovimento
que se potencializa ainda mais pela aplicação das leis de incentivo que se multipli-
cara1n pelo país. Tais n1ecanismos de renúncia fiscal, en1bora passíveis de inúmeras
críticas, apresentam-se con10 um atrativo a n1ais pai·a as e1npresas injetarem recursos
significativos na área cultural.
Tais nún1eros podem ser e11carados, por n1uitos, con10 i11otivo de desencanto. Por
outro lado, podem ser tomados como um grande desafio para os produtores e gesto-
res culturais brasileiros, pois denotam a existência de un1a enorme faixa de público
a ser sensibilizada e conquistada.
38 OAvesso da Cena
A lição de Guaramiranga
1
Romulo Avelar
Toda noite, as longas filas às portas dos teatros de Guaramiranga denunciam que algo diferente
acontece por aqui. Há no ar um misto de inquietação, alegria, prazer e curiosidade. Um pouco mais
de observação e de conversa e a constatação de que se trata de um público absolutamente hetero-
gêneo. São jovens vindos de Fortaleza, atores de grupos do interior do Ceará e de vários estados do
Nordeste e, claro, moradores da própria Guaramiranga e das cidades vizinhas.
Mas o grande momento vem a seguir: lá dentro dos teatros acontece uma programação que, a des-
peito dessa heterogeneidade, não faz concessões e não se rende ao caminho do fácil. Ao final de
cada espetáculo, a comprovação de que a direção é correta vem na forma de aplausos calorosos de
um público que realmente viveu uma experiência reveladora.
Assim, Guaramiranga vai dando uma grande lição ao Brasil. Uma cidade de cinco mil habitantes e
dois teatros, num país onde 84,5% dos municípios não dispõem de nenhuma sala de espetáculos.
Um grande exemplo a ser multiplicado neste país doente, que concentra 70% dos recursos de seu
Ministério da Cultura em uma única região, sem levar em conta suas dimensões continentais. Eque,
pior, faz muito pouco para mudar esse quadro perverso. Guaramiranga avança, pois, na contramão
da pobreza cultural que marcha sobre o Brasil.
Mas qual será a receita para tamanha vitalidade? Mesmo na condição de estrangeiro recém-che-
gado, deixo de lado a tradicional prudência de meus conterrâneos para arriscar algumas prováveis
respostas.
Na esteira do sucesso do Festival, que parte para a realização de sua décima edição em 2003, sur-
giram os festivais de jazz e de gastronomia, que consolidaram na cidade um invejável calendário de
eventos. Guaramiranga repete, desse modo, a fórmula de inúmeras cidades européias, que fazem
da cultura sua grande ferramenta de estímulo ao turismo. Um caminho que grande parte dos políti-
cos brasileiros ainda teima em ignorar, a despeito da imensa riqueza cultural deste país.
Há que se destacar ainda a ação da Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga -Agua, que
vem se empenhando, nos últimos dez anos, na sensibilização e formação artística e na manutenção
de grupos na própria cidade e nas comunidades vizinhas, valendo-se da cultura como veículo de
promoção social, desenvolvimento do espírito crítico e crescimento econômico. Guaramiranga é
hoje uma cidade que projeta seu futuro com um grau de consciência raro no Brasil.
Por tudo isso, para quem acredita no poder transformador da cultura, estar aqui, parado em frente
ao Teatro Rachel de Queiroz, é puro deleite. É poder constatar, ao vivo, numa simples fila diante
de uma casa de espetáculos, que é possível mudar a face deste país pelo investimento na arte e
na promoção social.
Artigo publicado no jornal OPovo, de Fortaleza/CE, em 19 de setembro de 2002
O que teria acontecido em Guaramiranga para que o grande salto se tornasse pos-
sível? O que a diferencia das milhares de outras cidades brasileiras - algumas bem
maiores - onde não existe qualquer tipo de ação estruturada nesse campo? Alguns
vão dizer que se trata de uma cidadezinha charmosa e bonita, reduto da burguesia
cearense nos finais de semana e que, portanto, é tnn local onde circula dinheiro. Isso
pode ser uma verdade, mas que enseja outra pergunta: quantas são as cidades char-
mosas, bem cuidadas e ricas do país que não têm sequer uma pequena porção do
movimento cultural de Guaranúranga? Outros podem creditar o êxito da progra-
mação da cidade ao apoio do Governo do Estado às suas iniciativas. Naturalmente,
tan1bém este pode ser un1 fator, assim co1no vários outros não tão explícitos.
Entretanto, existe um ponto que certamente foi decisivo nesse processo: a própria
mobilização da comunidade. A trajetória de expansão do movimento local tem como
origem a criação da AGUA-Associação dos Amigos da Arte de Guararniranga, em
1992. Naquele momento, tratava-se apenas de um grupo de pessoas interessadas no
desenvolvime11to de atividades artesanais, artísticas e educacionais no município,
co1no tantos outros existentes pelo país. Entretanto, sua visão aberta para o mundo
logo se colocou como um grande diferencial. Guara1niranga não tentou "reinventar
a roda". Pelo contrário, foi buscar o conl1ecimento actm1ulado por inúmeros artis-
tas, produtores e gestores culturais convidados para as diversas edições do Festival
Nordestino de Teatro.
A partir das técnicas e informações absorvidas nas várias oficinas, debates e cursos
realizados na cidade seus n1oradores souberam construir trma estr11tura cultural
1
in1pressionante que incltli três teatros cinco grupos teatrais, u1n grupo de dai1ça,
1 1
uma escola de 1núsica, un1a escola de comunicação, corais, grupos musicais e un1
calendário de eventos de tirar o fôlego, no qual figura ainda um Festival Internacio-
nal de Jazz, que acontece durante o Carnaval. Souberam também atrair recursos do
40 OAvesso da Cena
Governo do Estado do Ceará e de várias outras fontes, que dinamizaram a economia
da cidade. A vida em Guaramrranga tem na produção cultural um grande lastro, o
li
que caracteriza m11 caso único i10 Brasil. A cidade figura, desse n1odo, co1no un1a
grande provocação a tantas 011tras, que permanecen1 acon1odadas, esperando que
as soluções venham de fora.
Segundo o mitústro Gil, o Programa Cultura Viva pode ser traduzido como "uma es-
pécie de 'do-in' antropológico, massageando po11tos vitais, mas mome11tanean1ente
42 O Avesso da Cena
desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país" (Catálogo Cultura Viva,
2004, p. 21).
Pronac
Os Fundos de Investimento Cultural e Artístico, por sua vez, não saíram do papel.
Tais instrume11tos poderian1 se colocar a serviço de iniciativas da indústria cultural
brasileira, n1as permanecem sem regulan1entação.
900~--~·----------------------~
à~
800 -
- ~-
721,7
700 ·- - -
600 - - - · -
509,5
500 ~
400
289,5
367,9
- 344,4
·- -
430,5
·- -
300 -
200 - -
100 - ~·- -·
o '
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Figura 1.2 - Lei Federa! de Incentivo à Cultura
Captação Nacional de Recursos/Ano {Em milhões de reais) Fonte: Ministério da Cultura
Nos íiltin1os anos, até mesn10 o MinC foi surpreendido com a explosão do nú1nero
de propostas apresentadas ao Mecenato por proponentes do país inteiro. O cresci-
111ento exponencial do volurne de processos acabou por dei-xar expostos os 1in1ites
44 OAvesso da Cena
estruturais da pasta. Hoje, o quadro funcional do Ministério revela-se insuficiente
para a tramitação dos milhares de projetos encaminhados anualmente à Lei de
Ince11tivo. Tal situação acarreta dificuldades e aborrecimentos freqiientes para os
seus usuários e se apresenta corno um desafio para o minish·o e toda a sua equipe.
•
Perspectivas
Estamos aqui porque queremos que esse diagnóstico fique para trás. Por-
que acreditamos que, por meio destes programas e planos de longo prazo
apresentados aqui, estamos aprofundando a responsabilidade social de um
Estado democrático, e vamos moldar um país onde esse acesso não será
exclusivo de uma minoria. Esse é o sonho que nos tem movido.
Entre as várias ações anunciadas corno parte do programa Mais Cultura, destacam-
se a ampliação da rede de Pontos de Cultura (dos atuais 640 para 20.000 unidades),
eliminação do déficit de bibliotecas públicas no Brasil, apoio à edição de publicações
e livros a preços populares, capacitação de mão-de-obra especializada, linhas de cré-
dito para empresas culturais e criação do vale-cultura.
Sem dúvida, o Mais C11lt11ra é uma itúciativa ousada e de proporções inéditas. Sua
implementação pode consolidar a posição do Ministério da Cultura como articu-
lador de políticas de desenvolvimento social para o país, desde que os problemas
estruturais e orçamentários da pasta sejan1 realmente superados.
46 O Avesso da Cena
.. Produtor e gestor: definindo os nanéis
Os diagramas apresentados nas figuras 2.1 e 2.2 buscam lançar um pouco de luz
sobre essas questões. Neles estão representados os diversos agentes envolvidos
no processo: os artistas e demais profissionais da cultura, respo!1Báveis pela criação
e pela execução de ações culturais; as enipresas patrocinadoras, que incentivam
projetos; o Poder Público, a quem cabe a formulação e a implementação de políticas
para o fomento e o financiamento do setor; a mídia, que promove a difusão das
realizações; os espaços culturais, que abrigam o que é produzido; e o próprio público,
beneficiário das ações empreendidas. Vale observar que são universos diferentes
· entre si, com particularidades divergentes e realidades freqüentemente conflitantes.
Cada u1n desses setores tem sua li11guagem própria, muitas \rezes incompree11sível
para pessoas que pertençam ao outro universo. Como exen1plo, é possível citar as
enormes dificuldades que os artistas têm para compreensão da lógica empresarial e
vice-e-versa.
O produtor cultural é um agente que deve ocupar a posição central nesse processo,
desempenhando o papel de interface entre os profissionais da cultura e os demais
segmentos. Nessa perspectiva, precisa atuar como "tradutor" das diferentes lingua-
gens, contribuindo pa.Ta que o siste1na funcione harmoniosan1e11te. Sua prhneira
ft111ção é a de cuidar pai·a que a comunicação e a troca entre os agentes ocorran1 de
modo eficiente.
50 OAvesso da Cena
•
Assin1 como ocorre com o produtor, ao gestor cultural também cabe, com freqüência,
o papel de interface. Isso acontece quando ele se propõe a desenvolver projetos
de ctmho coletivo ou administrar grupos, instituições ou empresas culturais que
tenhan1 que lidar, em seu dia-a-dia, com artistas, outros profissionais da cultura e
patrocinadores públicos ou privados. No entanto, o gestor cultural pode estar presente
tan1bém en1 outros contextos, como contratado de u111a ernpresa para o trato das
questões relativas ao patrocínio à cultura, como agente vinculado a órgão público
ou como administrador de um espaço culhrral privado, público ou pertencente a
organização não-governamental.
Se, por um lado, essa função de "tradução" de linguagens está bastante presente
nas rotinas de trabalho dos produtores e gestores, por outro, també1n se destacan1
as atribuições cotidianas inerentes ao campo da administração. É preciso observar
que produção e gestão cultural são atividades essencialmente administrativas. A
consciência desse fato é ponto prin10rdial para o sucesso de qualquer empreen-
dimento na área. Infelizmente, ainda hoje existe certo pudor, notadamente entre
os artistas, de reconhecer a importância de utilizar técnicas e princípios da admi-
nistração em be11efício de seu trabalho. Persiste o preco11ceito de que a estruturação
das atividades de prod11ção e gestão en1 bases profissionais provoca, necessaria-
n1ente.r conflitos com o processo de criação. Na verdade, a experiência tem mostrado
que, ao contrário, a correta utilização de tais técnicas abre 11ovas perspectivas para
os criadores, tuna vez que os liberta de uma série de amarras de ordem operacional
e burocrática. A equipe de criação do Grupo Corpo, por exemplo, pode se dedicar
integralmente às suas funções diretamente relacionadas com a dança, porque dispõe
de uma sólida base administrativa. A profissionalização da produção e da gestão da
Companhia, desde os seus primeiros tempos, na década de 1970, foi certamente um
dos aspectos que tornaran1 possível o sucesso de sua trajetória.
Profissional que cria e administra diretamente eventos e projetos culturais, intermediando as rela-
ções dos artistas e demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras,
os espaços culturais e o público consumidor de cultura.
Gestor cultural
Profissional que administra grupos e instituições culturais, intermediando as relações dos artistas e
dos demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços cultu-
rais e o público consumidor de cultura; ou que desenvolve e administra atividades voltadas para a cul-
tura em empresas privadas, órgãos públicos, organizações não-governamentais e espaços culturais.
Outras definições
"O produtor cultural cria e organiza projetos e produtos artísticos e culturais, como espetáculos de
teatro, dança e música, produções cinematográficas e televisivas, festivais, mostras e eventos. Ele
cuida de todas as etapas do processo, da captação de recursos à realização final. Pode trabalhar
tanto com artistas quanto em organizações e empresas voltadas para a área cultural.
Como produtor executivo, faz o orçamento do projeto, define cronogramas e busca recursos para a
montagem da obra. Em instituições e empresas, traça a política de investimentos no setor, analisa
as propostas de patrocínio cultural que lhe são encaminhadas e verifica se são adequadas ao perfil
da empresa. Atua aínda no gerenciamento de instituições e órgãos públicos culturais, elaborando
políticas públicas para a arte e a cu/tura.n !Guia do Estudante. Disponível em <httpJ/guiadoestudante.abri!.com.br/
profissoes/no_73114.shtml>. Acesso em 27 de dezembro de 2007).
----- ---------- ---------------
52 OAvesso da Cena
Segw1do Rubim (2007, p. 18), a predominância do termo produtor é sintoma das
próprias singularidades da organização da cultura no Brasil.
Apesar de ser possível falar em políticas culturais no Brasil, desde os anos 30,
com base nos experimentos de Mário de Andrade e de Gustavo Capanema,
não se pode afirmar o desenvolvimento de uma tradição de atenção e mesmo
•
de formação na área da gestão cultural. Esse descuido das políticas culturais
inibiu a valorização da gestão, seu reconhecimento e a conseqüente circu-
lação entre nós da noção de gestão cultural.
R11bin1 també1n atribui esse processo à forte presença das leis de incentivo i10 cenário
cultural brasileiro, que determinou a prevalência do mercado sobre o Estado na
orgarúzação do setor.
Eu acho que o gestor se coloca uma oitava acima do produtor. Quando eu falo
isso, não estou me referindo a uma questão de mérito, mas de função e de
recorte. O produtor é, no meu entender, alguém que está preocupado com o
produto, como diz o próprio nome, e o gestor é alguém que está mais ligado
com processos. O produtor tem uma tarefa clara: há uma coisa que não existe
e precisa passar a existir, e que precisa funcionar direito. O gestor tem esse
desafio também, só que com um "antes" e um "depois': Ele tem que garantir
a continuidade do trabalho. É ele quem pensa: O que fazer com o conhe-
cimento que temos? Como vamos sistematizar esse conhecimento? Como
vamos pensar o futuro? Que tipo de parcerias iremos articular? O produtor
produz coisas em linha. Tem um trabalho mais linear, com começo, meio e
fim. Já o gestor funciona em rede. Ele cria um tecido de sustentação para
aquilo que está fazendo e, portanto, tem uma formação mais complicada. A
formação do produtor, embora tenha muita coisa em comum com a do ges-
tor, no meu entender, não é a mesma.
54 O Avesso da Cena
de chefia, o sujeito começa sua carreira nos restaurantes, necessariamente
cortando batatas, lavando o chão, servindo no balcão, passando por cada uma
das funções, trabalhando de verdade. Ele faz um estágio em cada uma delas,
porque tem que entender toda a linha de produção e a influência de uma
Ili
função sobre a outra. Assim, aprende como um negócio se desenvolve, pelo
estreito contato que estabelece com todas as áreas inerentes à atividade da
empresa. Isso vale também para a formação de um gestor na área cultural. Ele
tem que passar pela prática. Por outro lado, o produtor cultural precisa ter a
noção de como funcionam as coisas no sistema público e nas empresas.
Nessa discussão percebe-se con1 n.itidez que, a despeito de existir uma grande área de
interseção entre os conhechnentos e habilidades necessários a produtores e gestores,
a disfu1ção de suas funções e dos lugares que ocupam no mercado é fato irreversível,
que resulta do próprio amadurecimento da área. Enquanto os produtores buscam a
viabilização de prod11tos e eventos, os gestores se ocupan1 con1 o dese11volvimento
de programas e atividades essenciais ao :ftmcionan1ento de gr11pos, empresas e
instituições ligadas ao fazer cultural.
Além de todos esses conhecimentos, o CRA-SP destaca diversos outros que se colo-
cam como complementares à formação do administrador cultural e que se apresentam
como temas opcionais, em função da área específica com a qual ele esteja envolvido.
Os conhecimentos complementares são apresentados no Quadro 2.2.
56 OAvesso da Cena
--------------------------·-~clusão)
Conhecimentos sobre regionalismo, sociologia Música popular
urbana e rural
Conhecimentos sobre mitologia, danças, música, Diferenças básicas sobre música popular para
Ili
festas e manifestações regionais propaganda, filme, teatro, clipe e documentário
Conhecimentos básicos sobre a resultante da Música erudita
fusão de influências exercidas pelas culturas
trazidas pelas imigrações com a cultura local de
cada região brasileira
Costumes e heranças indígenas e suas Diferenças básicas entre música erudita e
situações de permanência e extinção na cultura popular
brasileira
Técnicas de lazer Música erudita brasileira
Criação Noção geral sobre condições normais de uma
sala de concerto
Produção de arte Noção sobre técnicas de pesquisa e
restauração de partituras antigas
Editoração Audiovisual
Técnicas gráficas Fotografia
Técnicas de relações públicas Televisão
Geografia física - ecossistema Artes cênicas
Geografia política - antropologia e etnologia Cinema
Turismo
------------- ----------------
Fonte: Conselho Regional de Administração de São Paulo
(continua ... )
• Montagem de exposições
Design
Funcionamento do SATEO - Sindicato dos
Artistas e Técnicos em Espetáculos de
Diversões
Transporte de cargas (nacional e internacional)
Ern11reendedorismo
O trabalho no âmbito cultural envolve certos riscos, talvez pelo fato de lidar direta-
mente com as i11certezas inere11tes ao ato da criação. Some-se a isso o fato de se tratar
de um novo campo de trabalho, que exige dos produtores e gestores determinação
e capacidade de abrir caminhos. Assim, dentre os vários traços de personalidade
e11runerados no Quadro 2.4, faz-se i1ecessário destacar o perfil empreendedor.
58 O Avesso da Cena
Segundo Dolabela, empreendedorismo é um neologismo derivado da livre h·adução
da palavra e11treprene11rsldp e utilizado para designar os estudos relativos ao empreen-
dedor. Pode ser definido como a capacidade de tomar iniciativas e buscar soluções li
inovadoras 11a cond11ção de projetos, pesquisas e negócios.
1
Aluízer Malab, gestor cultural e empresário da banda Pato Fu, de Belo Horizonte,
acredita que o atributo mais importante no perfil de um produtor é a visão do todo.
A atividade de coordenação exige essa visão, que só pode ser obtida com o
domínio de conhecimentos gerais e com experiências práticas diversificadas
que vão se acumulando ao longo do tempo. Outra característica essencial
nesse profissional é o empreendedorismo. O produtor é aquele que "monta
o circo" para que o espetáculo aconteça. Além disso, ele deve ter algo de
psicólogo, para estabelecer uma relação saudável com os membros da equi-
pe. Isso é fundamental para que as coisas fluam de maneira harmônica. O
papel do líder está muito ligado à capacidade de organizar, mas também à
habilidade de extrair das pessoas aquilo que elas têm de melhor. É preciso
"cuidar da galinha, para que ela continue botando ovos': Um produtor tem
que gostar de gente.
Para Rosa Villas-Boas, gestora culhrral e diretora do Teatro do Sesi do Rio Vermelho, em
Salvador, o profissio11al da área tem que dominar ferramentas de gestão, mas precisa
ter também "o outro lado", que é a sensibilidade para o trabalho con1 culh1ra.
A grande questão é unir esses dois lados. O mercado cultural é diferente, não
é como produzir e vender qualquer produto. Não basta ser um gestor com
formação administrativa apenas. É preciso também conhecer a área cultural.
Isso é que é complicado na questão da produção da cultura.
Cláudio Costa, produtor do grupo Uakti, também de Belo Horizonte, afirma que um
atributo essencial é a confiabilidade.
Se um produtor quiser fazer tudo do seu jeito, vai encontrar muita dificuldade e
talvez não sobreviva. Tem muita gente que não consegue ter "jogo de cintura':
Não tem o perfil que a profissão exige, em minha opinião.
Para Ana Luísa Lima, da Sarau Agência de Cultura Brasileira, do Rio de janeiro, são
múltiplos os ah'ibutos parn ser um produtor culhual.
Para Ruy César, gestor cultural e diretor da Casa Via Magia, de Salvador, responsá-
vel pela realização do evento Mercado Culhtral, os atributos necessários ao trabalho
na área n1udaram n1uito.
60 O Avesso da Cena
Alguns anos atrás, todo mundo queria ter acesso à carteira de contatos dos
produtores que faziam as grandes turnês. O produtor era algo misterioso e
tinha os contatos só para ele. Atualmente, esse tipo de informação está dispo-
nível para qualquer um. Você acha tudo na Internet e também os sistemas de
acesso às empresas e às fundações estão mais transparentes.
Eu acho que o gestor e o produtor, hoje, precisam ter essa visão mais ampla.
A não ser que ele seja apenas um produtor executivo, com uma função bem
específica. Mas se ele vai levantar um projeto, precisa ter a visão do local, da
rua, do bairro, da cidade, e não pode perder de vista o país e o planeta, porque
tudo, hoje, se articula em escala global.
A agenda do produtor
O trabalho de produção pode receber diversos tipos de créditos. Vários termos são
empregados para designar aqueles que criam e administram eventos e projetos
culturais. Os inais freqüentes são os seguil1tes:
1..•
.
do trabalho. Assume os riscos do empreendi.J11ento, inclusive sob o ponto de vista
financeiro. Pode ser tanto o mentor do projeto quanto um profissional convidado
pelo artista ou grupo para desenvolvê·lo. Uma alternativa bastante usual para o
crédito de produtor é diretor de produção. Nesse caso, o termo diretor visa conferir
status equivalente ao do dh·etor artístico.
• Produtor executivo: Embora possa parecer o contrário, o produtor executivo é
subordinado ao produtor ou diretamente ao artista. É o profissional que executa a
produção de terceiros, sem o peso da responsabilidade pela obtenção dos recursos
e sem o risco financeiro.
• Assistente de produção: Trata-se de um profissional que dá suporte ao trabalho de
um produtor ou produtor executivo. Esta função geralmente é desenvolvida por
pessoas que ainda não estão suficienten1ente preparadas para enfrentar, sozinl1as,
a complexidade de tuna produção.
• Estagiário de produção: É um aprendiz na área, que oferece sua força de trabalho
em troca de conl1ecin1entos práticos.
• Empresário: Trata-se de um profissio11al que administra a carreira do artista.r pla-
nejai1do e direcionando s11as atividades. Esse profissio11al assume, gerahnente,
a posição de linha de frente daquele que o contrata, protegendo seus interesses,
filtrando as demandas do público, da imprensa e dos contratantes, cuidando de
sua agenda de co1npromissos e dos detalhes adnlinistrativos, jurídicos e comer-
ciais de seu trabalho.
• Secretário de produção: Esse crédito é encontrado principalmente na área tea-
tral, para designar o profissio11al que cuida dos aspectos operacionais de uma
te1nporada, após a estréia.
E o produtor musical?
62 OAvesso da Cena
iniciativa privada e no tercei.To setor, as oportlmidades se 1nultiplicain rapidame11te,
atraindo muitos interessados. A seguir, algtms dos can1pos de atuação para esses
profissio11ais são enumerados. É preciso observar q11e as áreas de audiovisual, TV, Ili
rádio e produção editorial não foram abordadas porque não fazem parte do foco
temático desta publicação.
l!!ii.
fl·
trocinadoras, amplia-se também a demanda por profissionais habilitados para o
desenvolvimento e a gestão de projetos próprios e programas de patrocínio, e para
o trato das relações com artistas, produtores e gestores públicos.
• Gestão cultural em organizações não-governamentais: Um campo de trabalho
que se expande rapidamente é o do terceiro setor. As oportunidades de atuação
de gestores em Ongs que se valem das atividades culturais para a promoção so-
cial multiplicam-se em todo o país, abrindo perspectivas profissionais bastante
promissoras.
0 Animação cultural: O desenvolvimento de atividades culh1rais voltadas para o
público interno das empresas ou mesmo para as comunidades por elas atendidas
é outro segmento bastante próspero para os produtores e gestores culhmlis. No
universo en1presarial, é cresce11te a percepção da conveniência de se utilizar ati-
vidades artísticas como ferrame11tas para a integração dos colaboradores e para
a abordagem de ternas específicos de seus an1bientes iI1ter11os, como seglll·m1ça,
qualidade, saúde, limpeza, redução de desperdícios etc.
• Consultoria: É crescente tan1bé1n o núrnero de empresas que descobrem i1as
atividades culturais um canal eficiente de comunicação com se11 público-ai''º·
Muitas delas têm recorrido ao trabalho de consultores especializados em produção
e gestão cultural para o desenvolvimento de seus projetos. Esse tipo de demanda
tai11bém é crescente entre Íl1stihtições pítblicas e do terceiro setor que promovem
atividades artísticas e culhtrais. Nahtralmente, como e1n qualquer outra área, o
trabalho de consultoria pressupõe vasta experiência do profissional contratado no
trato das questões específicas do setor.
• Pesquisa: Com a expansão da á.Tea cultural, tor11a-se cada vez n1ais necessário
o suporte de pesquisas, co1no ocorre e1n qualquer outro setor. Estudos sobre a
econonlia da culhua e sobre a diI1âmica da área tendem a se tornar cada vez mais
freqüentes, exigindo, en1 sua aplicação e a11álise, profissionais con1 conhecin1entos
específicos em gestão culhual.
• Ensino: Co1n o surgin1ento de cursos de produção e gestão cultural en1 várias
cidades brasileiras e a crescente demanda por formação de agentes culhuais em
cidades do interior, abre-se u1n 11ovo e pronlissor campo de trabalho para os pro-
fissionais da área. A cada dia são recrutados, para essa atividade, produtores e
gestores capazes de sistematizar e transnlith· seu conhecimento.
64 OAvesso da Cena
a montagem de equipes com conhecimentos multidisciplinares e habilidades
complementares. O tempo do "bloco do eu sozinho" vai chegando ao fim.
Esse problema acaba por se tornar crítico às vésperas das estréias, lançamentos ou
apresentações dos produtos finais ao público. Essas ocasiões são exatamente aquelas
que exigem maior concentração e dedicação dos artistas ao seu trabalho e também
que obrigam os produtores a se dividirem entre incontáveis demandas da eqtúpe
envolvida, dos patrocinadores, dos convidados e do público em geral. Quase sempre,
o artista-produtor se vê em reais dific1tldades para cond11zir atividades tão diversas
e em volume tão grande.
•Falta de profissionalismo.
Ainda nesse n1esn10 diagnóstico, vale tan1bén1 apo11tar algt111s problemas levantados
pelos próprios produtores:
Uma idéia na cabeça parece ser suficiente para que esses produtores deci-
dam bater na porta de empresários, esperando que profissionais atarefados
66 OAvesso da Cena
tenham tempo e paciência para ouvir as suas "viagens': Normalmente, não
fazem um projeto bem montado, em que explicam os objetivos daquele even-
to, o que as partes envolvidas ganham com o patrocínio, que público visa a
atingir, cronograma, enfim, detalhes fundamentais para o convencimento do
li
potencial patrocinador.
...
( )
Despreparo
Se a classe dos produtores ainda enfrenta restrições em ftmção de seu próprio despre-
paro, o problema se estende também aos gestores de boa parte dos espaços cultw-ais
públicos do país. Mesmo grandes instihtições, muitas vezes, são admirush·adas de
maneira an1adora, por pessoas qtte possue1n apenas o gosto pela arte, ou 11e1n n1esmo
isso. É comu1n enco11trar diretores de cenh·os culturais e até secretários de cultura
sem nenhrnna vivência no setor e sem conhecimentos de adminish·ação. Isso talvez
explique boa parte dos fracassos dessas instituições, tanto para a captação e a gestão
de recursos quanto para o próprio desempenho de suas atividades.
Segundo Rubi.ln (2005, p. 13), a atividade de produção cultural parece agora se tornar
visível para a sociedade brasileira.
De fato, embora de maneira fugaz, o "efeito Maria Clara" trouxe certa visibilidade para
os produtores cultmais. Oportunidades como esta são bem-vindas, pois valorizam
uma atividade restrita aos bastidores e quase nunca percebida pelo público. Os avanços
no sentido da profissionalização da categoria são muitos e se fazem notar a partir de
lan1pejos de reconhecin1ento con10 o descrito por Rubin1.
68 O Avesso da Cena
claros a serem vencidos, do ponto de vista da formação, estimula o surgimento de
inúmeros cursos, debates, e11contros, se1llii1ários e palestras sobre o ten1a.
Para a produtora cultural Ana Luisa Lima, da Sarau Agência de Cultura Brasileira,
não é mais suficiente, para a formação de um produt01; o aprendizado na prática.
•
Ele tem que dominar determinadas técnicas. Gosto da comparação com um
aluno de odontologia. Ele tem as matérias teóricas e os princípios, mas tem
também as disciplinas nas quais aprende a lidar com os equipamentos, usar
as massinhas, o laser... Se ele não tiver a técnica, não pode ser dentista. Com
o produtor cultural não é diferente. Ele precisa ter o domínio da técnica. Tem
que saber formatar um projeto, entender as etapas de produção, montar um
cronograma de trabalho e um orçamento, conduzir a produção de material
gráfico. Tudo isso é técnica. Não é prática. Nós já deixamos para trás a fase do
"a prática vai me ensinar':..
Andréa Alves, também da Sarau, chama a atenção para outro aspecto interessante
relacionado à formação dos profissionais da área cultural:
Captação de Recursos
Articultura
São Paulo - SP
Duração: 18 aulas de 3horas154 horas-aula) www.articultura.com.br
Produção de Eventos Artísticos e Culturais (Cursos Livres/ Comunicação e Arte/ Arte e Cultura)
Senac São Paulo
São Paulo - SP
Duração: 24 horas-aula www.sp.senac.br
Cursos de Marketing Cultural, Produção Executiva, Oficinas de Lei Rouanet, Captação de Recursos
Manufatura da Cultura
São Paulo- SP e Rio de Janeiro-RJ
Duração: 4 a 8 horas-aula cada www.manufaturadacultura.art.br
70 O Avesso da Cena
~~- ----·---
•
Belo Horizonte -MG
Duração: 36 horas www.galpaocinehorto.com.br
Cursos.técnicos e de especialização
Gestão Cultural
Universidade Cândido Mendes
Rio de Janeiro - RJ
Duração: 429 horas-aula www.ucam.edu.br
Gestão Cultural
UNA- Centro Universitário/ Fundação Clóvis Salgado
Belo Horizonte - MG
Duração: 360 horas-aula www.una.br/Cmi/Pagina.aspx?968
Economia da Cultura
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Ciências Econômicas
Porto Alegre - RS
Duração: 12 meses e (465 horas-aula) www.ppge.ufrgs.br/cultura
Economia da Cultura
Fundação Joaquim Nabuco
Recife- PE
Duração: 12 meses e (465 horas-aula) www.lundaj.gov.br
72 O Avesso da Cena
Produção Cultural
Universidade Federal Fluminense - UFF
Niterói -RJ
Cursos de graduação
•
Duração: 7 a 12 meses www.coseac.uff.br
Cursos de m_estrado
Geralmente a duração de curso_s de mestrado é de 2 anos.
Cursos de doutora<:Io
a
Gerálmente duração de.cursos de doutorndo é de 4 anos.
74 OAvesso da Cena
Quando um profissional se forma de uma maneira empírica, por melhor que
ele seja, alguma lacuna há de ficar. A faculdade permite que ele tenha uma
formação mais sólida, mais consistente. a
O professor apresenta tan1bém os priI1cípios que r1ortearam a estruhiração do curso:
Gilberto Gouma faz ainda um breve balanço dos resultados obtidos pelo curso desde
sua criação:
Ângela relata também a preocupação em aliar a teoria e a prática, para que a formação
oferecida tenha consistência e aplicabilidade no mundo real:
76 OAvesso da Cena
produções. O n1ercado de trabalho para produtores e gestores enconh·a-se, dessa
forma, bastai1te aq11ecido. •
Eu acho que esta não é "uma" das profissões mais promissoras, mas "a': Hoje
existe no mundo uma falta enorme de modems, de conectores, porque o tra-
balho acontece cada vez mais em rede. A função do produtor e do gestor
cultural é de ser conector, é de ser modem, de fazer a interface entre mundos
diferentes, entre linguagens diferentes. E se vemos a evolução da informática
e das comunicações, por exemplo, percebemos que elas avançaram porque
foi inventado o modem. Se não existisse essa pecinha que traduz uma coisa
na outra, que faz a conexão, não haveria tanta evolução. Não dá para querer
que o artista fale a linguagem do empresário ou o empresário fale a lingua-
gem do artista. Cada um é um. É preciso existir uma pessoa cuja função seja
colocar esses universos em contato.
E ela vai ser ainda mais necessária porque, sob o ponto de vista da globali-
zação, a territorialidade mudou completamente. Não há mais essa idéia de
nações, territórios e espaços. As coisas vão acontecer, cada vez mais, fora
dos espaços geográficos e aí, novamente, essa conexão será necessária.
As negociações internacionais vão ocorrer cada vez mais. Provavelmente,
numa visão de futuro, as nações deixarão de existir. Então, a função de
gestor vai ser cada vez mais necessária. Dentro dos acordos internacio-
nais, temos um problema muito sério, porque não há quem saiba fazer
isso. Você tem as pessoas da área de relações exteriores, por exemplo,
que são diplomatas e que não conhecem absolutamente nada do mundo
real da produção. Você tem pessoas do Direito que conhecem as leis, mas
também não conhecem nada do mundo real. Você tem ainda as pessoas
do comércio, que conhecem muito do mundo real e nada do simbólico.
Então, você precisa ter alguém que conheça um pouco de cada uma des-
sas coisas, e esse é o gestor cultural.
Uma coisa que é meio base no meu trabalho é a percepção de que a cultura
é a interseção entre a natureza e a história. Eu venho da biologia e, por isso,
sempre tive essa visão sistémica. O que eu percebo é que, assim como na
primeira metade do século XX nós precisamos começar a lidar com a ecologia
porque a natureza estava em risco, agora os desafios principais que enfrenta-
mos, assim como as principais soluções, são de caráter cultural. Hoje, o que
vale mais é o intangível, e não o tangível. As disputas de território e as coisas
da colonização se dão no campo do intangível. Para podermos lidar com essas
dificuldades, que vão desde as coisas étnicas até as éticas, teremos que atuar
de forma sistémica. Não haverá como separar a cultura da política, da econo-
mia e da antropologia. Essas coisas vão ter que se articular em uma única esfe-
ra, em um único campo. Então, provavelmente, nós veremos o nascer de uma
nova disciplina, que é a ecologia cultural. Aí, quem serão os ecólogos desse
ecossistema? Aqueles que conseguirem fazer as conexões. O gestor cultural é
justamente quem tem essa visão sistémica, integrada. É aquele que entende
um pouco de cada coisa.
Ruy César afirma que há muito espaço para a criação de novos mecanismos de gestão,
organização, sistematização, oferta e distribuição da produção. Chama a atenção
para a existência de muitas oporttuúdades para produtores e gestores cultm·ais na
área de educação e na área de desenvolvimento social.
Assim, se quisermos entrar pelo caminho que ainda está fechado, ir em direção
ao que está faltando, teremos muitas oportunidades para gestores e produtores.
78 OAvesso da Cena
Andréa Alves e Ana Luisa Lima, da Sarau Agência de Culhua Brasileira, também
consideram promissoras as perspectivas de trabalho para os profissionais da área:
li
O mercado cultural já cresceu muito, mas temos ainda um mundo para ser
explorado, que não sabemos nem bem o que é. É uma questão de maturidade
do setor. Ainda é preciso investir bastante na formação de produtores, mas o
mercado que temos pela frente é muito bom. [Andréa Alves}
Essa porcentagem é de mais ou menos dez ou quinze por cento, embora isso
não seja uma coisa fixa. Analisamos o grau de dificuldade do projeto e tam-
bém nosso interesse em fazer o trabalho. Levamos também em conta nosso
desejo de fazer a produção, pelo que será oferecido à cidade e pela admiração
que temos por aquele artista ou grupo. Há uma série de fatores que nos levam
a "pegar" um serviço. Não é só o dinheiro. [Juliana Sevaybrickerl
Na Bahia, hoje, nós não temos uma tabela. Nós sentamos, dimensionamos o
serviço e estabelecemos as condições de pagamento. Discutimos o assunto,
dentro de uma realidade de mercado que conhecemos, mas nada é preestabe-
lecido.Talvez ainda falte uma associação de produtores que possa criar tabelas,
definir condições mínimas de trabalho. Esse é um problema da nossa área.
É necessário refletir sobre alguns pontos para se chegar ao valor a ser cobrado.
Em primeiro lugar, é preciso pensar sobre qual é o nível de risco envolvido.
Não apenas o risco físico, econômico, mas também o de imagem. É im-
portante avaliar o impacto que a realização de um determinado projeto ou
evento possa ter na imagem do produtor ou de sua empresa. Uma pergunta
que sempre deve ser feita é se é prudente produzir um evento que traga
conflitos com a própria marca. Talvez nem por uma boa remuneração valha
a pena realizá-lo.
80 O Avesso da Cena
executiva, na qual simplesmente se viabiliza a idéia de outras pessoas. Via de
regra, o trabalho de produção executiva é remunerado em até 20% da recei-
ta total obtida com o projeto ou do seu custo total. Esta é uma espécie de
convenção do mercado, que funciona tanto para empresariamento artísti-
li
co quanto para a realização de eventos culturais. O percentual, entretanto,
nunca deve ser inferior a 10%, para que o profissional não seja desvalo-
rizado. Tecnicamente, é praticamente inviável manter-se no mercado com
percentuais inferiores a este.
Aluízer Malab, gestor cultural e empresário do Pato Fu, tem a seguinte opinião
sobre o assunto:
Para Ana Luisa Lima e Andréa Alves, da Sarau Agência de Cultura Brasileira, o
parâmetro para a cobrança dos serviços de produção deve ser o bom senso.
Se você tem o diretor ganhando tanto, você vai ganhar muito mais do que
ele? Ou muito menos? Eu acho que o orçamento deve ter um equilíbrio quase
emocional. Os pares têm que se remunerar de maneira equilibrada, para que
não surjam problemas no dia-a-dia da produção. Eu sei que isso envolve cer-
ta subjetividade, mas a nossa remuneração deve se pautar pelo bom senso.
[Ana luisa lima}
Mesmo quando foi você quem elaborou o projeto, ficou dois anos pesqui-
sando, convidou todo mundo, viabilizou o negócio e vai realizar, ainda existe
um pudor de ganhar adequadamente. Geralmente o artista convidado ganha
mais do que o produtor. Isso acontece. {Andréa AJvesJ
Nós ainda vamos precisar, como muitas outras carreiras têm, de conselhos
ou órgãos reguladores da profissão. Aí, sim, teremos parâmetros. Inclusive,
porque há produtores com atitudes inadequadas que queimam o mercado
inteiro. Nós ainda sofremos com isso. [Ana luisa UmaJ
82 O Avesso da Cena
O produtor e tecladista Rodrigo Simão, responsável pela coluna Produção Musical do
site And Heavy Metal for All, escreveu sobre a ilusão do sucesso fácil:
Para quem pensa que uma "banda de garagem" pode ser descoberta por um
"caça-talentos" e que essa mesma figura mitológica vai colocar os sortudos
no palco do Rock in Rio num passe de mágica ... ESQUEÇA! Se você não for
ganhador da MegaSena acumulada, vai ter mesmo que somar: talento, força
de vontade, organização, boa música e sorte. (Disponível em <http://www.andheavy-
metalforall.com.br>. Acesso em 8 de junho de 2007)
À so1na proposta por Sin1ão é possível acrescentar outros fatores essenciais: bon1
trato das questões de produção e equilíbrio nas relações internas da equipe.
São recorre11tes, assim, os casos de produções marcadas por disp11tas de podei~ que
colocam em posições antagônicas produtores e artistas. Alguns projetos até fracassam
por esse motivo. Por 011tro lado, são também ll1contá\reis as sih.1ações de êxito, em
que essa convivência se ll1stala de mai1eira equilibrada. Aexistê11cia de possibilidades
tão diverge11tes enseja algun1as discussões importantes sobre as relações de poder
que se estabelecem em tnn en1preendimento cultt.1ral, sobre os lintites de atuação das
partes envolvidas e, en1 última instância, sobre ética profissional.
O produtor Lúcio Oliveira, da Artbhz, vê essas relações como un1a questão bastante
delicada.
Hoje, eu não sou mais produtor de artista. Eu produzo eventos. Nesse sentido,
a minha relação com o artista acaba sendo eventual e muito boa. É bem dife-
rente de quando você faz parte do dia-a-dia, gerenciando uma carreira.
86 O Avesso da Cena
Observando-se con1 cuidado un1a série de e11tidades e projetos culturais be111-
sucedidos ao longo do ten1po, é possível extrair alg11ns traços converge11tes, con10
habilidade técnica e criatividade das pessoas envolvidas; complementaridade de
co1npetências dentro da equipe; capacidade de processa111ento de informações; li
eficiê11cia na captação e no gerencian1e11to de recursos; capacidade de geração de
diferenciais; e busca pern1a11ente de ganl1os de qualidade. Entreta11to, 111n aspecto
fundamental e que gera reflexos diretos sobre todos os outros é a existência de uma
base harmônica nas relações interpessoais. A longevidade de um projeto ou de
u1n grupo no inercado exige a consolidação de tuna parceria verdadeira da equipe
de produção co1n os artistas, seja q11al for o vínculo l1ierárquico estabelecido entre
as partes.
São vários os acordos profissionais possíveis, que ''ão desde a adoção de pactos de
h·abalho informais até a opção por relações patronais regidas pela CLT. Algumas
dessas possibilidades são enumeradas a seguir.
É importante perceber que, qualquer que seja o tipo de acordo firmado entre artistas
e produtores, a subserviência de 11ma parte à outra tem que ser evitada a todo
custo. O sucesso de mn en1preendimento cultural condiciona-se pela existência
de dignidade nas relações, respeito mútuo e espaço para a realização profissional
de todos os envolvidos. Feliz é o artista que pode contar com o respaldo de um
Abordadas essas premissas, cabe lançar a seguinte pergunta: Até que ponto o
produtor deve interferir na condução do processo criativo?
Eis uma questão que suscita polêmicas. São muitas as pessoas que refutam qualquer
tipo de interferência desse profissional na criação. Numa linha divergente, há aqueles
que chegam a defender ampla liberdade ao produtor para alterai· o trabalho artístico,
em nome dos interesses do mercado. São posições naturalmente antagônicas,
que rendem discussões e desgastes freqüentes. Na verdade, ao defenderem uma
linha ou outra, as pessoas se guiam pelo estereótipo e pela imagem quase sempre
distorcida que têm da figura do produtor. Enxergam-no a partir de sua ótica
pessoal, desconhecendo a existência de uma enorme pluralidade de perfis entre os
profissionais que atuam na área.
Aluízer Malab, empresário da banda Pato Fu, de Belo Horizonte, alerta para a
existência de um perigo na interferência desse profissional nas questões aTtísticas:
Carlos Konrath, diretor da Opus Promoções, de Porto Alegre, expõe certa confusão
de papéis que ocorre com freqüência na área cultural.
Há muito produtor querendo ser artista e muito artista querendo ser produtor.
Cada um precisa saber dos seus limites. São duas funções que se completam
perfeitamente, mas é fundamental que um respeite o trabalho do outro. Se
não há limites entre os papéis de cada um, são grandes as chances de conflito.
Nas questões artísticas, a palavra final deve ser do artista e, na produção, do
produtor.
88 OAvesso da Cena
Fernanda Vidigal, Juliana Sevaybricker e Karla Guerra, da Agentz Produções, de
Belo Horizonte, defendem a posição de que o produtor pode e deve interferir no
processo criativo, desde que isso ocorra com prudência.
li
Ele deve interferir, e muito, mas não de uma forma arbitrária. O produtor
não pode ficar apenas como o chato da história, aquele que cobra e que fala
não. A partir do momento em que participa do processo, ele começa a com-
preender as necessidades da produção. Todo mundo começa a se entender.
[Fernanda Vidigal]
É compreensível o receio dos artistas de que sua arte seja desvirtuada por
uma produção oportunista ou descuidada. Eu até entendo esse medo dos
artistas, porque um produtor pode realmente mutilar o trabalho. Tem gente
completamente sem noção das coisas em nossa área. Até por ser uma profis-
são muito nova, há muitas pessoas equivocadas trabalhando com produção.
Mas tem um outro lado nessa história. Para o artista abrir a criação para o
produtor, tem que existir, em primeiro lugar, uma relação de confiança, senão
a coisa não funciona. Se ele confia e abre a criação, diminui bastante a pos-
sibilidade de acontecerem erros ou de se desvirtuar aquilo que é o desejo do
grupo. /Juliana SevaybrickerJ
Um produtor precisa ter noção de onde está. É preciso assistir a muitos espe-
táculos, conhecer a área. Se eu estou produzindo teatro, eu preciso ter uma
compreensão mínima desse universo. Não apenas do ponto de vista técnico,
mas também dos papéis de cada um e da história do teatro. JFernandaVidigaJJ
Como se pode percebei; a definição dos limites de atuação entre produtores e artistas
é um ponto que gera contr·ovérsias. O equilíbrio de forças é sempre delicado e exige,
das partes ei1volvidas, autocrítica, transparê11cia e generosidade. É necessário que se
estabeleça um ambiente de confiança e parceria, que permita ao artista expandir seu
universo e se entregar de corpo e aln1a às suas divagações criativas, na certeza de
contar com a base segura de uma produção eficiente e investida de postura crítica.
Se, por 1u11 lado, existem pessoas equivocadas atuar1do como produtoras, m11tila11do
projetos ou avançando sobre funções para as quais não estão devidamente prepa-
radas, por outro, há artistas que não con1preenden1 con1 clareza certos limites de
fm1ções. Insistem em tratar seus produtores con10 "boys de ltlXo", ou seja, subor-
dinados mantidos sempre por perto para resolver quaisquer problemas de nah1reza
operacional.
Nós brincamos com essa história de babá, mas ela realmente acontece. Dentro
dos grupos de teatro, isso ocorre menos, porque todos têm mais clareza quanto
a sua função. Mas, às vezes, você pega uma produção e vai ter que cuidar de
qualquer pepino, mesmo pessoal, para que tudo aconteça bem. Além disso,
o ator sai de cena e não se dispõe a organizar seu material, a cuidar de seu
figurino, a guardar sua maquiagem. Isso é quase uma exploração. E você fica
pensando: eu não estou aqui para isso. Essa não é a minha função. É preciso
que essas pessoas entendam que, como artistas, elas têm outras funções além
de atuar. Existem outras funções pelas quais elas têm que se responsabilizar.
[Juliana Sevaybricker]
90 OAvesso da Cena
De fato, o tratan1ento dispe11Sado por algtulS aTtistas a seus colaboradores não é nada
estin1ulante. Não surpreende o fato de que essas pessoas difici1mente conseguen1
reter talentos para o trato das questões de produção.
0 nó da nroâução •
Muitos artistas, na tentativa de viabilizar suas carreiras, acumulam tarefas típicas
da produção. Alguns deles, inclusive, conseguem se sair bem nas duas funções, por
possuírem um rol de competências 1nais an1plo. Entretanto, o que se vê, na maioria
das vezes, são pessoas n1uito con1petentes e1n sua vertente artística, mas inábeis
para tocar con1 eficiência o trabalho de prod1ição. São incontáveis os casos de artistas
tale11tosos que abando11an1 suas carreiras e de grupos que se desfazen1 por não
conseguiren1 se inserir no mercado. O fracasso, na maioria das vezes, é n1otivado
exatamente pela incapacidade de desatar o nó da produção e da clistribuição.
Caso essa via 11ão se inostre a mais convenie11te, resta outra boa alternativa. Todo
artista ou grupo é cercado por anúgos interessados en1 seu trabalho. A reflexão a
ser feita é simples: será que, dentre essas pessoas próximas, há alguém com perfil
adequado para se tornar um produtor? Vale registrar que, muitas vezes, a resposta
a essa pergw1ta é imediata, pois essa pessoa sempre esteve por perto, e con1 tuna
gra11de var1tagem: já é conl1ecida do artista, confiável e con1pro1netida com seu
trabalho.
92 O Avesso da Cena
Políticas BÚolicas para a cultura
Políticas públicas são linhas de orientação que um governo estabelece para o trato
de determinada matéria de interesse da sociedade. A escolha de alguns caminhos em
detrimento de outros espelha, na verdade, os princípios ideológicos da base política
que sustenta os governantes. As prioridades dependem dos valores e da visão
de mundo daqueles que ocupam os cargos de primeiro escalão de um governo, e
também da capacidade de articulação dos setores organizados.
Ao longo da história brasileira, a cultura quase sempre esteve nessa última condição.
A omissão em relação à área marcou a atuação de sucessivos governos federais,
estaduais e municipais, à exceção de alguns poucos que se propuseram a estabelecer
determinadas políticas. A discussão do tema se linútou, por muito tempo, aos círculos
acadêmicos e às "rodas de botequim". Era grande a dificuldade de transposição,
para o mw1do real, das reflexões sobre caminhos possíveis. Intelectuais e dirigentes
de órgãos públicos quase nunca co115eguiam traduzir em ações concretas suas
convicções e divagações filosóficas. Faltavam, na verdade, à grande maioria, ca-
pacidade administrativa, senso prático e coragem para o estabelecimento de
prioridades, talvez por simples despreparo para o desempenho de suas funções ou
então por receio de assumirem, perante a opinião pública, que certo tipo de ação
devesse ser priorizado em relação a outro. Os riscos políticos de uma opção explícita
por determinado caminho acabavam pesando na decisão de "deixar correr o barco"
e de tratar a gestão dos poucos recursos destinados à cultura de forma aleatória e
eventual.
Hoje, ainda não se pode dizer que essa prática seja um problema superado. Entre-
tanto, exemplos de gestões públicas bem estruturadas e de políticas consistentes
começam a surgir aqui e ali, nnm prenúncio de novas posturas do Estado em relação
às suas obrigações constitucionais para com a cultura.
96 OAvesso da Cena
dentre outros, os seguintes: liberdade de manifestação; liberdade de expressão
da atividade artística; liberdade do exercício profissional artístico; liberdade de
associação artística, inclusive de natureza sindical; propriedade, transmissão
hereditária e poder de fiscalização sobre as criações do intelecto, bem como
sobre a imagem, a representação, a interpretação, a voz e coisas análogas;
proteção do patrimônio histórico e cultural como bem de natureza difusa, ou
seja, pertencente a cada um dos brasileiros( ... ); o lazer cultural; a educação( ... );
paridade e reconhecimento jurídico do trabalho intelectual relativamente aos
demais tipos( ... ). (p. 26)
(... )
•
(... ) estabelecer um plano de cultura, integrar a comunidade na gestão cul-
tural, destinar recursos para a cultura, estabelecer inventários, registros, vi-
gilância, tombamento e desapropriação, e outras formas de acautelamento
e preservação do patrimônio cultural, guarnecer os documentos públicos,
são essencialmente elementos garantidores dos direitos culturais declarados
como fundamentais. Algumas dessas garantias podem ser modificadas ou
até eliminadas, desde que sejam substituídas por outras, tão ou mais eficien-
tes à concretização dos direitos que protegem, sem o que haverá agressão
aos princípios regentes de nosso regime de direitos fundamentais. (p. 27)
Algumas definições
Política cultural
"( ...) a política cultural é entendida habitualmente como programa de intervenções realizadas pelo
Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer
as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações
simbólicas. Sob este entendimento imediato, a política cultural apresenta-se assim como o conjunto
de iniciativas, tomadas por esses agentes, visando promover a produção, a distribuição e o uso da
cultura, a preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático
por elas responsável" (Teixeira Coelho, 1999, p. 293).
"Por política cultural estamos considerando um conjunto ordenado e coerente de preceitos e objetivos
que orientam linhas de ações públicas mais imediatas no campo da cultura" (Calabre, 2005, p. 9).
"Por política cultural pode-se entender, inicialmente, o conjunto de intervenções dos poderes
públicos sobre as atividades artístico-intelectuais ou genericamente simbólicas de uma sociedade,
embora deste âmbito se encontre habitualmente excluída a política de educação ou de ensino
formais. Ela abrange tanto o arcabouço jurídico de tributos incidentes, de incentivo, e proteção
a bens e atividades, quanto, de maneira concreta, a ação cultural do Estado, freqüentemente
seletiva, e na qual se incluem: organismos ou estruturas administrativas; princípios, regras e
métodos de atuação; gerenciamento ou formas de apoio a instituições, grupos, programas ou
projetos; manutenção ou difusão de obras e de processos artístico-intelectuais; preservação e
uso de bens patrimoniais" (Cunha, 2003, p. 511 ).
O caráter in1ediatista se1npre esteve presente en1 grande parte das ações desen-
volvidas pelo Estado brasileiro na área de cultura, tanto no plano federal quanto
no ân1bito das secretarias e fundações estaduais e municipais. Ainda é incipie11te no
país o trabalho com planejamento aplicado ao setor. Em geral, a atuação dos órgãos
responsáveis pela gestão cultural na esfera pública se dá de modo fragmentado
e lhnitado à din1ensão do evento. Isso faz com que i11vestimentos em ações de
formação, de estímulo ao desenvolvimento do espírito crítico, de manutenção de
entidades e grupos e de preservação do patrin1ô1lio sejam, muitas vezes, deixados
em segundo plano ou sequer cogitados nessas instfu1cias.
Não se trata aqui de negar a importância dos eventos. Pelo contrário, há que se
reconhecer alguns aspectos que lhes conferem relevância. Em primeiro lugar,
precisa ser levado em conta, como fator positivo, seu enor1ne poder de mobilização
e socialização. Os eventos são a porção visível de grande parte das ações culturais e
podem funcionar como oportunidades para a veiculação de idéias e de campanhas
em defesa da cidadania, agregando novas referê11cias e conhecimentos ao público e
a toda a cornu1tldade envolvida. Isso sem tocar, naturahnente, na sua conveniência
como fonte de entretenin1ento.
É preciso perceber que existe uma limitação natural nos eventos, pelo fato de
sere1n finitos e não terem perspectivas de conti11uidade. São, muitas vezes, ações
instantâneas e efê1neras, que não deixam para a con1unidade resíduos incorporáveis
como ganhos de crescin1ento. "Evento é vento", alguén1 já disse. Assim1 a ação do
Estado não pode se pautar apenas por algo que, pela sua própria natureza, tende a
se dissipar no ar.
Não são raros os casos de prefeihuas e mesmo de governos estad11ais que aplicam
os poucos recursos públicos destinados à cultura na contratação de atrações de apelo
popular e consumo fácil, pagando cachês milionários, ao mesmo tempo em que
deixam à míngua o patrimôrúo, os artistas e as entidades culturais locais. Oferecem à
população exatamente aquilo que ela já tem a sua disposição na programação diária
da TY. Boa parte dessas iniciativas, longe de proporcionar algum tipo de informação
diferenciada para o público, presta-se apenas ao propósito de promover candidatos
ou partidos políticos.
98 OAvesso da Cena
danosa para a cultura, bem co1no para qtialquer 01itro setor econô1nico. No Brasil,
freqüentemente a área cultural se vê refén1 de interesses contraditórios e da vontade
das autoridades públicas.
Às vezes você formula como gestor público uma cesta de projetos com deter-
minados objetivos. No entanto, mesmo se eles forem bons e tiverem alcance,
poderão ser jogados na lata de lixo, se politicamente mudar o jogo. O que
vemos acontecer com freqüência é que não interessa manter a marca do go-
verno anterior. Isso é muito triste e mostra a visão tacanha de alguns homens
públicos brasileiros, pouco preocupados com o bem público e mais ligados
a sua própria carreira ou a seu partido. Por conta dessas questões, você vê
grandes projetos serem descontinuados.
Há, portanto, que se en1preender esforços no sentido de conferir base legal para as
políticas be1n-sucedidas, a fin1 de que tenhan1 maiores chances de permanência. O
respaldo do legislativo é imprescindível para que as idéias testadas e aprovadas, nos
três níveis governamentais, tenham perspectivas de longevidade.
•
de mercado. Nós temos experiências de empresas que aplicam muito bem
esses recursos. Nós também sabemos que o Estado pode fazer essa máqui-
na funcionar bem. Mas, se a nossa sociedade perdeu a sensibilidade daquilo
que é indecoroso, é um problema de base. Nós não conseguimos constituir
uma comissão para avaliar projetos de mérito público, porque essa comissão
não vai ter uma boa percepção dessas questões. Mas não é problema dela: a
sociedade não tem essa percepção.
Nós perdemos o senso de qual é o papel do Estado. Nós não temos uma
consciência pública do que esperar dele, mas eu acho que o Brasil está indo
pelo caminho certo: em primeiro lugar, multidimensionar a visão de cultura,
estabelecer redes, constituir uma organização social capaz de reconstruir o
modelo. A opção que o Estado brasileiro assumiu não vai se resolver em uma,
duas ou três gestões. Eu acho também que o Governo está fazendo certo ao
propor o empoderamento da sociedade, abrindo essa discussão.
A questão da contrapartida
leia+
A polêmica teve origem na Medida Provisória nº 1.589, de 24 de setembro de
1997, editada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, Lei Federal de Incentivo
p. 403
que introduziu na Lei Federal de Incentivo à Cultura a possibilidade de dedução
de 100% do valor das doações ou patrocínios a projetos de artes cênicas; livros
de valor artístico literário ou l1un1a1ústico; n1úsica erudita ou instru1nental;
1
*nota
circulação de exposições de artes plásticas; doações de acervos para bibliotecas
públicas e para museus*. A legislação brasileira pode ser obtida
nos sites de busca da Internet, basta rido
digitar a categoria do instrumerito desejado
(lei, decreto, medida provisória etc.) e o
respectivo riúmero.
A Relação com o Poder Público 101
Mais tarde, por meio da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, a
lista das áreas beneficiadas com a isenção de qualquer contrapartida da empresa
incentivadora foi ampliada, passa11do a vigorar con1 a segt1iI1te abrangência:
artes cênicas; livros de valor artístico, literário 011 humanístico; n1úsica erudita
ou instru111ental; exposições de artes visuais; doações de acervos para bibliotecas
públicas, museus, arquivos públicos e cine1natecas, betn como treina1ne11to de pessoal
e aquisição de equipamentos para a n1a11utenção desses acervos; produção de obras
cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação
e difusão do acervo audiovisual; e preservação do patrimônio cultural material e
imaterial.
Outro problema existente em parte das leis de incentivo à cultura é a falta de critérios
qualitativos para aprovação de projetos. As comissões de análise ficam impedidas
de avaliar o mérito daquilo que é proposto pelo empreendedm; devendo ater-se
exclusivamente à adequação do projeto aos termos da lei, pelo me11os teorican1ente.
Em alguns casos, como o da Lei Federal de Incentivo à Cultura, esse impedimento
ocorre de fato e acaba por gerar certas distorções. Ai1a Carla Fonseca Reis, no livro
Marketing Cultural e Fi11a11cia111e11to da Cultura, tece os seguintes comentários a res-
peito dessa limitação:
De acordo com a maioria das leis em vigor, a comissão de avaliação dos pro-
jetos deve analisar sua viabilidade técnica (orçamento, cronograma} e sua
adequação aos termos da lei, mas não seu mérito qualitativo, entendido como
sua real contribuição à cultura da comunidade. Entretanto, isso transfere à
iniciativa privada a total responsabilidade pela garantia da qualidade artística
dos projetos que serão financiados com recursos públicos. Se um determinado
•
• exemplaridade e mérito da ação proposta .
.
.
Em 29 de agosto de 1999, o crítico de arte Marcelo Castilho Avellar publicou, no
jornal Estado de Minas, um artigo que aborda a questão das políticas públicas para
a culhira com clareza e objetividade. O mote para o artigo foi a polêmica surgida
no meio cultural de Belo Horizonte, por ocasião da divulgação dos resultados de
um dos editais da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. A situação é recorrente em
todo o país, podendo perfeitamente ser transposta para outros contextos.
Oprincípio constitucional é claro - o Estado deve garantir o pleno exercício dos direitos culturais.
A Lei municipal de incentivo à cultura provoca polêmica. Alguns meses antes, fora a vez da corres-
pondente estadual virar discussão. Será que todas as leis de incentivo estão erradas, ou que todas
as comissões que julgam os projetos que se candidatam ao incentivo têm ataques de demência?
Pouco provável. Overdadeiro problema é que faltam, às primeiras e conseqüentemente às últimas,
uma lista de prioridades.
Eo que seria esta lista de prioridades? O Estado brasileiro, em suas três esferas de decisão - União,
estados, municípios - tem sistematicamente sido acusado pelos agentes culturais de não propor
uma política para as artes. E uma política é, exatamente, o estabelecimento de prioridades na
administração, que obedeçam a princípios gerais pré-determinados, e um conjunto de ações com
o objetivo de transformá-las em realidade. Os princípios existem - estão na Constituição Federal e,
com um pouco mais de detalhamento, são expressos também nas leis máximas de todos os estados
e da maioria dos municípios. As ações também existem, mesmo se ao sabor do comportamento
das finanças públicas ou do humor dos patrocinadores e do público. O problema é que a equação
"princípios+ações" não constitui uma política - o não estabelecimento de prioridades nivela e iguala
todas as ações, e atira todos os princípios num limbo caótico onde qualquer iniciativa é evento e não
movimento, onde não há uma precedência lógica ou cronológica dos procedimentos que poderiam
levar à plena realização dos princípios previstos na Carta Magna, que podem ser resumidos num
único conceito: exercícío pleno dos direitos culturais pelas pessoas.
Tomemos como exemplo concreto o assunto que mais provocou polêmica na recente seleção de proje-
tos à lei municipal, a manutenção de salas de espetáculos. Oprincípio constitucional é claro- o Estado
deve garantir o pleno exercício dos direitos culturais, o que, no caso da música e das artes cênicas,
representa criar condições para a existência e funcionamento do máximo possível de espaços para
estas artes. As ações também são claras- criar e manter espaços estatais e/ou garantir maneiras de
a iniciativa privada criá-los e mantê-los, buscando sempre a excelência nas condições de funciona-
mento (recursos técnicos e humanos) e a variedade de tamanhos, formatos e localizações.
Num detalhamento maior, teremos programas específicos para a manutenção dos espaços públicos
já existentes e criação de novos, de financiamento para a aquisição de equipamento e formação/
aperfeiçoamento de mão-de-obra, leis que estimulem empresários e população a investirem nos
teatros privados, projetos que permitam a formação e a educação do público.
Onde entra a questão das prioridades? Também no setor de música e artes cênicas, realizar o mesmo
princípio significará produzir e apoiar a produção de espetáculos diretamente ou através de leis de
Vão aqui algumas sugestões para possíveis prioridades, a serem detalhadas no jogo político entre os
diversos sujeitos do processo artístico: público, empresários, produtores e trabalhadores culturais:
1) A criação e manutenção de espaços sempre precedem a produção e realização dos eventos que
nele se realizam.
2) Projetos a longo prazo, que caracterizam movimentos, têm precedência sobre aqueles a curto
prazo, que se esgotam em si mesmos.
3) Projetos de caráter infra-estrutural - como aquisição de equipamento, formação e aperfeiçoamen-
to de mão-de-obra - e os que têm objetivo de atrair para o público consumidor ou patrocinador
pessoas e empresas ausentes do mercado cultural precedem os que buscam mero aproveitamento
dos recursos já existentes ou o mercado já consolidado.
4) Os projetos da iniciativa privada têm precedência sobre projetos da administração pública direta
ou indireta.
5) Entre as áreas da produção, aquelas em que a produção local tem enfrentado condições adver-
sas de concorrência com produtos de outros lugares (fácil circulação do produto alienígena, sua
chegada aqui já pago em outros lugares, pouco conhecimento pelo público da produção local) têm
precedência sobre aquelas em que a criação local concorre em pé de igualdade.
6) Eventos que estimulem a inserção de comunidades carentes no mercado cultural, ou que proponham
o acesso gratuito ou a baixo custo dos espectadores aos bens culturais têm precedência sobre os
destinados a comunidades capazes de adquirir por conta própria os bens ou que pratiquem preços
de mercado.
"Barbaridade"
•
Ainda me impressiona saber o montante de verbas destinado a essas repro-
duções da broadway. Quando eu fico sabendo, por exemplo, do caso Cirque Du
Soleil, essa coisa que virou escândalo, ou mesmo de outras megaproduções
que, no meu entendimento, não têm relevância, fico revoltada. Para produ-
ções com cunho explicitamente comercial, deveriam ser direcionados apenas
recursos privados. Se alguma empresa se interessa em patrocinar essas pro-
duções, deve fazê-lo com verba própria, e não com dinheiro de isenção fiscal.
Como é que o seu fulano de tal, da empresa tal, pega recursos públicos, com
o nosso consentimento, e vai colocar num trabalho desse tipo? Está difícil a
nossa situação.
Eu considero que, nos últimos anos, o que houve de mais feliz nessa área
foi a Lei de Fomento. No próprio texto dessa lei, está colocada a questão da
continuidade e da pesquisa. Os trabalhos contemplados são continuados e
podem levar tempo para serem desenvolvidos, sem essa visão do marketing
das empresas. Interessam a profundidade e o que vai haver de retorno para
a sociedade. É claro que essa lei precisa de lapidação e, para isso, existe uma
discussão permanente em São Paulo.
Depois disso, foram anos de reuniões e discussões, até que veio a frase: "O
que nos une é o modo de produção coletiva': A partir dessa máxima, a lei co-
meçou a tomar um caminho e foi para o lado do teatro de grupo, do teatro de
pesquisa. Mesmo pessoas que não se incluíam no modo de produção coletiva
reconheciam que é no projeto de grupo que está a renovação do teatro, tanto
no aspecto estético quanto nos aspectos político, social e de construção da
cidadania.
Quando essa opção foi feita, muita gente que participava das reuniões ficou
de fora e saiu revoltada. Mas a maioria das pessoas pertencia a grupos e foi
esse o elemento agregador. Nós fizemos uma escolha, que parece ter sido
acertada.
A Lei já está com cinco anos. Se você for à prefeitura, há um mapa na sala da
gestora do Fomento, em que fica clara a descentralização da produção teatral
na cidade. Você vê bandeirinhas em todas as regiões. A Lei provocou essa
inversão geográfica. Ela descentralizou o acesso e a própria produção. De
certa forma, ela é estruturante e estruturadora. Ela faz com que os grupos se
perguntem: "Até que ponto nós somos um grupo? Até que ponto nós temos
um projeto? Até que ponto discutimos a nossa própria função? Até que ponto
queremos montar uma peça e nos dar por satisfeitos e começar tudo de novo?
Até que ponto um espaço físico é necessário ou não? O que um espaço físico
nos proporciona? O que uma publicação dentro de um grupo proporciona? O
que uma conferência, um ciclo de palestras, um determinado tipo de oficina
representa?':
Depois de cinco anos de vigê11cia, a Lei de Fon1ento é avaliada positiva1nente por boa
parte do setor culhu·al, en1bora, vez por outra, surjan1 polêinicas em torno do próprio
princípio de defesa da continuidade, da inexistência de categorias, da limitação dos
recursos dispo1úveis e da ausência de prestações de contas financeiras. Talvez a
conh'ibuição mais importante do programa seja a de apontar um caminho alternativo
para a construção de um modelo em que as instituições e grupos brasileiros tenham
maior estabi1idade do ponto de vista financeiro, e se tornen1 nlenos dependentes da
1
Representação setorial
Os artistas, prod11tores e gestores culturais são nluitos, são ruidosos, são combativos
e tê1n a mídia quase sempre a seu favor quando se trata de defender os i11teresses
1
Enquanto isso, os caras do automóvel sabem que a indústria, seja pneu, asfal-
to, carro ou painel, é uma coisa só. Eles conseguem se unir e, quando alguém
se refere a um setor forte, fala da indústria automobilística. E a cultura, que é
muitas vezes mais forte que a indústria automobilística, fica parecendo cereja
e não bolo, porque nós não nos organizamos e porque não existe essa visão
integrada. Nós somos um setor, mas não nos organizamos como tal, porque
trabalhamos em cima das diferenças, e não das semelhanças.
Eu acho que isso é um paradoxo. A classe artística tem muita força, até pela
própria atividade que desenvolve, que é relevante do ponto de vista da cria-
tividade. Por isso, está sempre nas manchetes de jornais, sempre em des-
taque quando se trata de opinião pública. No entanto, nós somos absoluta-
mente desarticulados. Esta é a explicação que eu tenho para que a cultura no
Brasil tenha menos de 1% do orçamento e para que a questão da meia-entrada leia+
esteja no pé que está hoje. Nós precisamos urgentemente ter consciência de meia-entrada
classe, e mais representatividade do ponto de vista formal. p. 387
Hoje nós temos algumas instituições como a Abrape e a Abeart*, que repre- *nota
sentam os promotores de eventos e os empresários artísticos. Eu acho que Abeart-Associação Brasileira de
o setor ainda é desarticulado, mas conseguimos nos fortalecer e convergir Empresários Artfsticos
bastante nos últimos dez anos. Conseguimos, inclusive, ter mais voz diante
do Poder Público, uma coisa que não existia antes. Ultimamente, nós tivemos
Recurso público não é para sustentar artista e agente cultural. Recurso público
é para a população. Nós somos meio, e não fim. O beneficiado último tem
que ser o cidadão. Temos o direito de receber o cachê por uma apresentação,
receber um salário razoável dentro de um projeto, mas a nossa produção deve
chegar às pessoas. A cultura tem que fazer parte da cesta de formação decida-
dania da população brasileira, seja no município, no estado ou na federação.
Entidades e redes
Entidades representativas
Instituição Referência
Brant Associados
Drummond & Neumayr Advocacia
Duo Informação e Cultura
Instituto Pensarte
O Toque - Música Independente do Brasil
www.brant.com.br
www.direitoecultura.com.br
www.duo.inf.br
www.culturaemercado.com.br
www.otoque.com.br
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Overmundo www.overmundo.com.br
Revista Marketing Cultural www.marketingcultural.com.br
Redes
Rede Referência
Para Fabrício Nobre, presidente da Abrafin e diretor dos festivais Goiânia Noise e
Bananada,. a e11tidade é mna iniciativa importante para o fortalecin1e11to desse tipo
de eve11to no Brasil.
Grande parte dos nossos festivais vem sendo realizada com recursos de bi-
lheteria e, muitas vezes, nós temos até prejuízo. Precisamos então fortalecer
esse circuito de festivais independentes de música. O melhor de tudo é que,
em dois anos, o grupo já se encontrou oito vezes para discutir os problemas
comuns. Organizamos um calendário em que nenhum festival se choca com
outro. Na Europa e nos Estados Unidos os lançamentos dos discos e dos
novos produtos das bandas são programados a partir dos circuitos de festi-
vais. Vamos tentar fazer alguma coisa parecida.
Redemoinho
Redemoinho é uma associação brasileira de grupos que mantêm ou disputam espaços de criação,
compartilhamento e pesquisa teatral. Criada em 2004, funcionou até seu terceiro encontro como
1. Pela criação de condições sociais, políticas e econômicas para construção de um país que
alimente a utopia de uma sociedade na qual a arte e a cultura sejam compreendidas como afir-
mação da vida e direito universal.
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2. Pelo direito de produzir teatro entendido não como veículo de marketing institucional nem como
instrumento de pseudo-inclusão social, mas como elaboração, na esfera do simbólico, do nosso
depoimento crítico sobre a experiência de viver numa sociedade em que a cultura é mercadoria
a serviço da dominação e por isso tem a função de alimentar os valores da concorrência, da
acumulação ou concentração de renda, do preconceito e da exclusão.
3. Pelo reconhecimento, por parte do Estado, do direito à cultura, entendida como exercício crítico
da cidadania e, conseqüentemente, do nosso direito de criar um teatro que corresponda a essa
definição.
Há muitos anos o Estado Brasileiro vem se omitindo de suas obrigações constitucionais para com
a cultura. O atual modelo neoliberal tem nas leis de incentivo seu principal instrumento de trans-
ferência de recursos públícos para a área cultural.
O Redemoinho não reconhece a Lei Rouanet como uma política pública para a cultura, uma vez
que ela é privatizante, antidemocrática, excludente.
Por atender a interesses privados, norteados pelos departamentos de marketing das empresas, a
lei se mostra concentradora de renda e submete a esfera da produção simbólica aos interesses
mercantis. Ao considerar que a política cultural do país está privatizada, o Redemoinho propõe
que o Estado retome suas responsabilidades na formulação e execução de políticas realmente
públicas para a cultura.
Nossas Reivindicações
Para fazer frente a esta necessidade reivindicamos um PROGRAMA PÚBLICO DE CESSÃO, GESTÃO
E CONSOLIDAÇÃO DE ESPAÇOS PARA O TEATRO DE GRUPO.
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O Redemoinho propõe também que a gestão do FUNDO NACIONAL OE CULTURA seja transparente,
democrática e pautada por critérios que contemplem a diversidade cultural, sobretudo as práticas
que se caracterizem por processos continuados.
Como ação imediata, propõe ainda a aprovação do PROJETO OE LEI FEDERAL PRÊMIO DE FOMENTO
AO TEATRO BRASILEIRO como início da retomada do papel do Estado na formulação e execução de
políticas públicas para a cultura.
O Redemoinho afirma, em consonância com grande parte dos movimentos sociais, a necessidade
urgente de que a valorização da Cultura se expresse no aumento da dotação ao MinC para no mínimo
1o/o do orçamento geral da União.