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A metáfora do “pé de feijão”


Bion ensina que metáforas ajudam na abstração; assim, um grão de feijão pode ajudar
na realização da ideia e da função da imersão, que como entendo é: mergulhar, potencializar e
brotar.

Um grão de feijão esquecido no tempo acaba por secar e apodrecer. Ou seja, o


ambiente arejado, por si só, não é suficiente para o feijão aproveitar toda sua potencialidade;
fica estéril e murcha. Mergulhe-o, então, na água e em pouco tempo ele começará a germinar.

Mas, como feijão não é peixe, não posso deixá-lo dentro d’água indefinidamente.
Coloco-o, então, num ambiente mais favorável que vai alimentá-lo com aquilo que necessita.
No algodão com água, acrescido de ar, luz e calor, ele passa a se desenvolver. Depois de algum
tempo, esse meio também se torna precário quando se trata de aproveitar toda a
potencialidade do grão de feijão. Transfiro-o, então, para terra, lugar em que as raízes podem
receber os nutrientes necessários e fazer crescer o pé de feijão. No devido tempo ele é colhido
para ser consumido. Observa-se que existe a necessidade do elemento água, ao longo de todo
o processo, em momentos de maior ou menor imersão, sem a qual, o feijão não resistiria.

Considerando-se os quatro momentos do grão de feijão:

(1) feijão na água;

(2) feijão no algodão;

(3) feijão na terra;

(4) feijão com arroz,

pode-se traçar um paralelo com o que acontece na relação humana – considerado a partir do
ponto de vista do feijão.

A imersão básica assemelha-se ao primeiro momento do feijão, no qual é vital estar


mergulhado em contato com a água ou, no caso do ser humano, com alguém que vai cuidar,
humanizar, libidinizar para que o ser em grão possa vir a ser, ganhar corpo erógeno e assim
usufruir de toda sua potencialidade. Esse papel de missigenação é próprio da sexualidade
materna que funda a ligação que vai estar na base das futuras relações. Ela – elemento
feminino – é o protótipo do “porto-seguro” ou da experiência de descansar em paz. É uma
imersão de intimidade que revitaliza e faz surgir o novo, como acontece no setting analítico,
quando a dupla mergulha na experiência de troca afetiva e aguarda para ver o que surge. Ela é
fundante, mas o próprio desenvolvimento leva a outras demandas.

No segundo momento, apoiado no algodão (ambiente), outros elementos


fundamentais (ar, luz e calor) passam a interagir com o grão de feijão para seu crescimento.
Assim também o é na relação analítica em que o paciente coloca o analista em diversas
posições, e este vai interagindo a partir daí, contendo as ansiedades e oferecendo cuidados,
sem descuidar dos níveis mais simbióticos (feijão dentro d’água) que estão sempre presentes.
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No terceiro momento, o grão que recebeu os elementos básicos, passa a necessitar de


outro ambiente (terra) com uma nova qualidade de alimentos para prosseguir seu
crescimento.

Da mesma forma, o analista passa a se destacar cada vez mais com sua subjetividade
própria até que o paciente se vê relacionando-se com alguém muito diferente dele, mas já sem
os traumas do início, que foram sendo elaborados. Esse novo tipo de relação permite um
trabalho que pode ser muito fértil, sem, contudo, prescindir da imersão na água.

Por último, temos o grão de feijão em seu estado pleno: imerso em um caldinho bem
temperado misturado com arroz ou quem sabe com farofa. Ainda a imersão, mas agora na
presença de calor que realça o sabor no contato com os outros ingredientes. Se ele falasse,
provavelmente diria, “ser feijão vale a pena”.

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