You are on page 1of 5

Prova escrita de PORTUGUÊS

Ano: 11.º | Turma: A | Escola Secundária da Lixa


Duração: 90 min | 5 de fevereiro/2019

Grupo I - A
Lê atentamente o excerto de Amor de Perdição que se segue.

Às onze horas da noite, ergueu-se o académico e escutou o movimento interior da casa:


não ouviu o mais ligeiro ruído, a não ser o rangido da égua na manjedoura. Escorvou 1 de
pólvora nova as duas pistolas. Escreveu um bilhete sobrescrito a João da Cruz, e juntou-o à
carta que escrevera a Teresa. Abriu as portadas da janela do seu quarto, e passou dali para a
5 varanda de pau, da qual o salto à estrada era sem risco. Saltou, e tinha dado alguns passos,
quando a fresta, lateral à porta da varanda, se abriu, e a voz de Mariana lhe disse:
– Então adeus, senhor Simão. Eu fico pedindo a Nossa Senhora que vá na sua companhia.
O académico parou, e ouviu voz íntima que lhe dizia: – “O teu anjo da guarda fala pela
boca daquela mulher, que não tem mais inteligência que a do coração alumiado pelo seu
10 amor”.
– Dê um abraço em seu pai, Mariana – disse-lhe Simão – e adeus… até logo, ou…
– Até ao Juízo Final… – atalhou ela.
– O destino há de cumprir-se…. Seja o que o Céu quiser.
Tinha Simão desaparecido nas trevas, quando Mariana acendeu a lâmpada do santuário, e
15 ajoelhou orando com o fervor das lágrimas.
Era uma hora, e estava Simão defronte do convento, contemplando uma a uma as janelas.
[…]
Às quatro horas e meia, ouviu Simão o tinido de liteiras2, dirigindo-se àquele ponto.
Mudou de local, tomando por uma rua estreita, fronteira ao convento. […]
Momentos depois, viu Simão chegar à portaria Tadeu de Albuquerque, encostado ao braço
20 de Baltasar Coutinho. O velho denotava quebranto e desfalecimento a espaços. O de Castro
Daire, bem composto de figura e caprichosamente vestido à castelhana, gesticulava com
aprumo de quem dá as suas irrefutáveis razões, e consola tomando a riso a dor alheia.
– Nada de lamúrias, meu tio! – dizia ele. – Desgraça seria vê-la casada! Eu prometo-lhe
antes de um ano restituir-lha curada. Um ano de convento é um ótimo vomitório3 do coração.
25 Não há nada como isso para limpar o sarro4 do vício em corações de meninas criadas à
discrição. Se meu tio a obrigasse, desde menina, a uma obediência cega, tê-la-ia agora
submissa, e ela não se julgaria autorizada a escolher marido.
– Era uma filha única, Baltasar! – dizia o velho, soluçando.
– Pois por isso mesmo – replicou o sobrinho. – Se tivesse outra, ser-lhe-ia menos sensível
30 a perda, e menos funesta a desobediência.
CASTELO BRANCO, Camilo, 2016. Amor de Perdição.
Porto: Porto Editora (Capítulo X, pp. 112-114) (1.ª ed.: 1862)

1. deitou pólvora na escorva (orifício destinado à pólvora nas armas antigas);


2. antigos veículos sem rodas, sustentados por dois varais compridos, conduzidos por homens ou por animais de carga;
3. substância/medicamento que provoca o vómito e limpa o organismo (figurado);
4. crosta.
Apresenta as tuas respostas ao questionário de forma bem estruturada.
1. Interpreta os pensamentos de Simão no momento em que é surpreendido por Mariana.
2. Considerando os sete primeiros parágrafos, aponta dois dos traços caracterizadores de
Mariana. Justifica a tua resposta com elementos textuais.
3. Atenta no momento em que se descreve a chegada de Tadeu e Baltasar.
Interpreta a expressão com que o narrador conclui a sua observação de Baltasar: “gesticulava
com aprumo de quem dá as suas irrefutáveis razões, e consola tomando a riso a dor alheia” (ll.
21-22).
B
81 E ainda, Ninfas minhas, não bastava
79 Olhai que há tanto tempo que, cantando
Que tamanhas misérias me cercassem,
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
Senão que aqueles que eu cantando andava
A Fortuna me traz peregrinando,
Tal prémio de meus versos me tornassem6:
Novos trabalhos vendo e novos danos:
A troco dos descansos que esperava,
Agora o mar, agora exprimentando
Das capelas7 de louro que me honrassem,
Os perigos Mavórcios1 inumanos,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Qual Cánace2, que à morte se condena,
Com que em tão duro estado me deitaram!
Nua mão sempre a espada e noutra a pena;
82 Vede, Ninfas, que engenhos de senhores8
80 Agora, com pobreza avorrecida,
O vosso Tejo cria valerosos,
Por hospícios3 alheios degradado;
Que assi sabem prezar, com tais favores,
Agora, da esperança já adquirida,
A quem os faz, cantando, gloriosos!
De novo, mais que nunca, derribado;
Que exemplos a futuros escritores,
Agora, às costas4 escapando a vida,
Pera espertar engenhos curiosos,
Que dum fio pendia tão delgado,
Pera porem as cousas em memória,
Que não menos milagre foi salvar-se
Que merecerem ter eterna glória!
Que pera o Rei judaico5 acrecentar-se.
Os Lusíadas, Canto VII

1. de Marte, da guerra; 2. Cânace escreveu ao irmão uma carta de despedida segurando com a outra mão a espada com que
iria suicidar-se; 3. regiões; 4. nas costas (junto das quais o poeta naufragara); 5. Ezequias, a quem Jeová concedeu quinze
dias de vida, após o dia em que deveria morrer; 6. dessem; 7. coroas (destinadas a glorificar os poetas); 8. grandes senhores
de Portugal.

4. Expõe sucintamente o conteúdo das estrofes 79 e 80, referindo o seu caráter autobiográfico.

5. Explica o sentido dos vv. 5-8 da estrofe 82, relacionando-os com o conteúdo da estrofe
anterior.
GRUPO II

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.


Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

Lê o texto.
Os olhos que nos veem lá do fundo
Nos nossos rostos estavam já os traços deste rosto que o espelho reflete com nitidez
humana. Nas nossas vozes, antes de ilusões e desilusões, antes da erosão, estava já esta voz.
É muito fácil esquecermo-nos de quando podíamos ser tudo.
Fazíamos escolhas entre o que esperavam e o que não esperavam de nós. À nossa
5 frente, estavam todas as possibilidades, apreciávamos essa distância. Aquilo que já estava
definido impedia-nos de muito pouco.
E aconteceu o que as escolhas sempre pressupõem: tivemos de responder por elas e
tivemos de viver com elas. O tempo foi marcado por esses dois tempos. Ao responder pelas
escolhas que fizemos, fomos tecendo uma longa manta de autojustificações.
10 Primeiro, precisámos de defender as nossas escolhas; depois, precisámos de defender o
argumento que usámos para justificá-las; depois, precisámos de defender o argumento que
usámos para justificar esse argumento; depois, um longo etc., tão longo que, a partir de certa
altura, deixámos de ser capazes de identificar onde começou.
Por outro lado, na passagem dos dias e das estações, ao vivermos com as escolhas que
15 fizemos, fomo-nos convencendo de que éramos apenas aquilo, de que somos apenas isto.
Fomos rejeitando possibilidades até deixarmos de considerá-las.
Ainda assim, lá do fundo, há uns olhos que nunca deixaram de nos ver. Interrogam-nos
em silêncio, observam-nos com a mesma pureza do seu presente. O brilho que sustentam não
se extinguiu, apenas deixámos de reparar nele.
20 Sem o medo de perder o que julgamos ter alcançado, ainda podemos tudo. Não é fácil
voltar a acreditar depois de todos os erros que cometemos e que, por autopreservação,
atribuímos à ingratidão do mundo. Ainda assim, ao longo destes anos, o planeta mudou muito
menos do que queremos imaginar quando repetimos que não há nada a fazer.
Há tudo a fazer. Esta é a constatação que mais nos desanima porque, debaixo dos
25 gestos e das palavras, temos muito medo. Quando não suportamos sequer considerar esse
medo, preferimos negá-lo. No entanto, não é dessa maneira que conseguimos fazê-lo
desaparecer.
E assim, lá do fundo, no silêncio a que o tempo os obriga, há esses olhos que continuam
a ver-nos. Seguem cada pensamento, respiram sempre que enchemos o peito de ar. No nosso

30
rosto, na nitidez crua e fria deste espelho, estão ainda os traços desses rostos, faces de pele
lisa, sem rugas ou cicatrizes. Nesta voz, naquilo que tem de mais limpo, estão ainda essas
vozes que quase deixámos de reconhecer.
José Luís Peixoto. “Os olhos que nos veem lá no fundo”. In Notícias Magazine, 20-12-2015.
1. O tema do texto “Os olhos que nos veem lá do fundo” é
(A) a cobardia que nos impede de fazer as escolhas apropriadas.
(B) a importância das escolhas individuais no nosso crescimento.
(C) o impedimento social perante a liberdade de escolha individual.
(D) a ausência de responsabilidade perante as escolhas que fazemos.

2. De acordo com a leitura do texto, o título “Os olhos que nos veem lá do fundo” representa
a
(A) a forma como a sociedade nos vê.
(B) a consciência de cada de um de nós.
(C) aquilo que a família espera de nós.
(D) as nossas origens.

3. Na oração “Aquilo […] impedia-nos de muito pouco” (linhas 5 e 6), o pronome pessoal
desempenha a função sintática de
(A) sujeito.
(B) complemento indireto.
(C) complemento direto.
(D) complemento oblíquo.

4. Na afirmação “Ao responder pelas escolhas que fizemos, fomos tecendo uma longa
manta de autojustificações” (linhas 8 e 9) está presente
(A) metáfora.
(B) hipérbole.
(C) metonímia.
(D) anáfora.

5. Os elementos linguísticos “Primeiro” (linha 10) e “depois” (linha 11) contribuem para
assegurar a coesão textual
(A) temporal.
(B) frásica.
(C) interfrásica.
(D) lexical.

6. Quanto ao seu processo de formação, a palavra “autopreservação” (linha 21) é formada


por
(A) derivação.
(B) composição.
(C) parassíntese.
(D) amálgama.
7. Nas frases “quando repetimos que não há nada a fazer” (linha 23) e “Esta é a
constatação que mais nos desanima” (linha 24), a palavra “que” pertence,
respetivamente, à classe
(A) dos pronomes relativos.
(B) das conjunções subordinativas causais e completivas.
(C) das conjunções subordinativas.
(D) das conjunções subordinativas completivas e dos pronomes relativos.

8. Identifica a função sintática do elemento “Nas nossas vozes” em “Nas nossas vozes,[…],
estava já esta voz.” (linha 2).

9. Identifica e classifica a oração subordinada presente em “[…] respiram sempre que


enchemos o peito de ar.” (linha 29).

10. Indica o antecedente do pronome pessoal que ocorre em ≪até deixarmos de considera-
las.≫ (linha 16).

GRUPO III

Redige uma exposição bem estruturada, de cento e cinquenta a duzentas e cinquenta


palavras, na qual apresentes uma reflexão sobre o equilíbrio entre a liberdade e os desejos
individuais e as normas sociais.

FIM

COTAÇÕES
Grupo
Cotação (em pontos)

1. 2. 3. 4. 5.

I 20 20
20 20 20
pontos 100
pontos pontos pontos
pontos

1 a 10
II
10 x 5 pontos 50

III Item único


50

TOTAL 200

You might also like