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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Educação
Curso de Pedagogia

Lorena Mara de Jesus Sodré

RELAÇÕES ENTRE ESCOLAS E FAMÍLIAS EM QUE OS ESTUDANTES VIVEM


COM AVÓS:
perspectivas dos sujeitos

Belo Horizonte
2018
Lorena Mara de Jesus Sodré

RELAÇÕES ENTRE ESCOLAS E FAMÍLIAS EM QUE OS ESTUDANTES VIVEM


COM AVÓS:
perspectivas dos sujeitos

Monografia apresentada ao Curso de


Pedagogia da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientadora: Prof.ªDrª Tânia de Freitas


Resende

Belo Horizonte
2018
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 4

2. FUNDAMENTOS CONCEITUAIS .................................................................... 7

2.1. Concepções de família e dinâmicas familiares na sociedade


contemporânea ................................................................................................. 7
2.2. As famílias das classes populares ....................................................... 11
2.3. A sociologia das relações família-escola.............................................. 16
3. METODOLOGIA ............................................................................................ 19
4. SUJEITOS DA PESQUISA ............................................................................ 23
4.1. Alunas, avós e familiares ..................................................................... 23
4.1.1. Suelen e Dulce ..................................................................................... 23
4.1.2. Kelly e Sílvia ......................................................................................... 26
4.2. Professoras .......................................................................................... 27
4.2.1. Aline, professora de Suelen ................................................................ 27
4.2.2. Luíza, professora de Kelly ................................................................... 28
5. AS PERSPECTIVAS DOS SUJEITOS........................................................... 29
5.1. As perspectivas das avós ..................................................................... 29
5.1.1. A relação avós e netas ......................................................................... 29
5.1.2. Visão sobre a escola ............................................................................ 32
5.1.3. Interações com a escola e projetos de futuro ...................................... 34
5.2. As perspectivas das professoras ......................................................... 39
5.2.1. Visão sobre as famílias ........................................................................ 39
5.2.2. Interações com as famílias ................................................................... 44
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 50
ANEXOS ........................................................................................................ 54
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1. Introdução

Esta pesquisa é fruto das diversas indagações que me foram suscitadas após a
realização de estágio obrigatório do curso de Pedagogia em uma creche-escola e
também, depois da minha participação na disciplina Relação família-escola: questão
social e problema sociológico, ministrada pela professora Tânia de Freitas Resende,
por meio da qual foi possível conhecer melhor essa temática tão relevante para os
estudos da Sociologia da Educação. Ambas as experiências me trouxeram diversas
inquietações acerca de como se dão as relações entre família e escola,
principalmente quando essas famílias trazem configurações ou dinâmicas que não
correspondem aos padrões socialmente dominantes.

Durante o estágio, em conversas com algumas professoras da creche, eram


recorrentes as citações de casos de crianças que não moravam com suas mães
e/ou pais, estando sob a guarda, oficial ou não, de tios, irmãos, padrinhos, avós,
entre outros integrantes de seus círculos familiares ou pessoas próximas. A essas
crianças frequentemente eram atribuídas, no discurso dos profissionais,
características como “problemáticas”, “indisciplinadas”, “sem educação”,
normalmente ligadas ao fato de não serem “criadas” por seus progenitores e assim
fazerem parte de famílias, pela visão desses profissionais, “desestruturadas”. As
professoras, muitas vezes em tom piedoso, falavam que tais parentes se esforçavam
para educar as crianças, mas a falta de recursos financeiros, conhecimento ou até
mesmo a idade dos cuidadores - como era o caso dos avós - não favorecia, aos
olhos dessas profissionais, a realização de um trabalho educacional bem sucedido.
A escola muitas vezes não sabia a quem recorrer nos casos em que precisava da
mediação da família, pois, mais de uma pessoa se apresentava como responsável
pela criança, mas nem sempre se encontrava alguém disponível para esse contato.
Reforçava-se, então, a ideia de que as crianças estariam “jogadas”.

A minha participação na disciplina optativa Relação família-escola: questão social e


problema sociológico propiciou a leitura de textos de diversos estudiosos da relação
família-escola, por meio dos quais foi possível ter um ponto de partida teórico para a
5

escrita deste trabalho. Através das leituras e das discussões realizadas durante as
aulas, pude elaborar melhor as inquietações que surgiram durante a experiência
vivenciada no estágio, possibilitando à proposição desta pesquisa.

Passei então a interrogar: qual seria a visão das famílias acerca do tratamento
dispensado pelos professores a essas crianças e adolescentes no ambiente
escolar? Em que medida essas famílias se sentem acolhidas em suas
especificidades? Qual a receptividade da escola, e principalmente do professor, em
relação a elas? Como se dão os seus contatos? A partir desses questionamentos,
resolvi então investigar como se dá a relação entre as escolas e as famílias, em
caso nos quais as crianças ou adolescentes estão sob a guarda (oficial ou não) de
outros familiares, como avós, tios, irmãos, ou até mesmo de pessoas que não são
de seus círculos familiares.

Durante o levantamento bibliográfico a respeito do tema, foi possível notar a


escassez de trabalhos que abordem especificamente essa temática, fato que
justifica a importância da presente pesquisa, uma vez que as escolas acabam
adotando padrões normativos de paternidade e maternidade, tendendo a excluir os
que não atendem a esses padrões (OLIVEIRA JUNIOR; LIBÓRIO E MAIO, 2015),
gerando dificuldades nessa relação. É necessário conhecer e compreender melhor
as dinâmicas existentes, aprofundando assim um debate que poderá contribuir para
que a convivência entre essas instituições ocorra de maneira a favorecer a vida
escolar dos estudantes envolvidos.

Então, o objetivo geral da pesquisa foi compreender como se estabelece a relação


entre famílias e escolas, em casos nos quais as crianças vivem sob a
responsabilidade de outros adultos que não as mães e/ou os pais. Para tanto, foram
delineados os seguintes objetivos específicos: caracterizar os perfis demográficos
das famílias analisadas; caracterizar a dinâmica da família na relação educativa com
a criança; analisar o envolvimento das famílias com a escola no cotidiano,
identificando concepções, projetos, estratégias e desafios na relação com a
escolaridade das crianças; caracterizar a percepção das famílias quanto à
receptividade maior ou menor da escola em relação a suas especificidades como
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grupo social; analisar a relação que a professora de classe estabelece com essas
famílias, caracterizando o seu discurso e suas estratégias com relação a elas.

Partiu-se da hipótese de que as relações entre as famílias e a escola, nesses casos


específicos, em que os alunos não residem com seus pais, não ocorrem sem
alguma espécie de conflito, uma vez que vários estudiosos (PEREZ, 2009;
ROMANELLI, 2009, 2013; OLIVEIRA JUNIOR; LIBÓRIO E MAIO, 2015)
apresentam, através de seus trabalhos, as dificuldades enfrentadas por grupos
familiares que não se encaixam no modelo nuclear de família, apesar de esta ser
uma instituição que vive em constantes transformações ao longo do tempo.

Para viabilizar a realização da pesquisa no contexto de um trabalho de conclusão de


curso de graduação, optou-se por abordar o tema na perspectiva dos sujeitos - no
caso, responsáveis por estudantes do ensino fundamental que não vivem com o
pai/a mãe e professoras desses estudantes. Para isso, foram realizadas coletas de
dados através de entrevistas semiestruturadas com os sujeitos, selecionados a partir
do contato com uma escola pública municipal de Belo Horizonte. Por contingências
que serão melhor detalhadas no capítulo referente à Metodologia, o estudo acabou
focalizando casos de avós que cuidam de netas, o que não era a intenção inicial.
Isso levou a uma ampliação da pesquisa bibliográfica para contemplar os trabalhos
já existentes sobre essa realidade.

O trabalho está organizado em seis capítulos, sendo o primeiro, a introdução. O


segundo capítulo apresentará os conceitos teóricos que nortearam essa pesquisa,
tais como a concepção da família na sociedade contemporânea, as especificidades
das famílias das classes populares e a compreensão da relação família-escola. O
terceiro capítulo consistirá na descrição da metodologia adotada na pesquisa de
campo, bem como a justificativa de sua escolha para esse trabalho. O quarto
capítulo apresentará os sujeitos da pesquisa, trazendo informações relevantes para
a pesquisa. No quinto capítulo será realizada a análise dos resultados obtidos,
apresentando as percepções dos sujeitos envolvidos. O sexto capítulo é dedicado às
considerações finais, que trará questionamentos surgidos ao longo do percurso.
7

2. Fundamentos conceituais

2.1. Concepções de família e dinâmicas familiares na sociedade


contemporânea

Ao se pensar em família, geralmente a representação que se tem é da família


nuclear moderna e ocidental, composta por marido, mulher e filhos, tendo a relação
conjugal como o elo mais forte e mais importante (BRUSCHINI, 1989). Ao se
retroceder um pouco na história da família, descobre-se que esse modelo de família
nem sempre prevaleceu na sociedade. Essa análise da transformação da família ao
longo do tempo se faz necessária, uma vez que serão abordadas, no presente
trabalho, configurações familiares que não se caracterizam como nucleares. É
preciso compreender a importância das transformações dos arranjos familiares que
vêm ocorrendo na sociedade ocidental.

Ariès (1986) apresenta a transformação da família ao longo do tempo, desde a era


medieval até os tempos modernos. De acordo com o autor, a família se modifica a
partir do momento em que as relações com as crianças de transformam.
Anteriormente essas crianças eram mantidas junto ao seu núcleo familiar até os sete
ou nove anos, quando então eram enviadas para outras famílias, com o objetivo de
aprenderem coisas importantes para sua vida em sociedade, ao passo que essas
famílias que enviavam suas crianças, também recebiam crianças alheias. O hábito
de entregar as crianças às famílias estranhas era difundido em toda a Europa,
segundo aponta Ariès. As crianças deixavam muito cedo as suas famílias, e nem
sempre retornavam quando mais velhas; esses fatos faziam com que não se
nutrisse um sentimento profundo entre pais e filhos. “A família era uma realidade
moral e social, mais do que sentimental” (ARIÈS, 1986, p. 231).

Nesse período citado por Ariès não existia uma separação clara entre o público e o
privado; a casa grande desempenhava uma função pública, sendo que nela os
amigos, clientes, parentes e protegidos podiam se encontrar para conversar. Não
eram apenas visitas corriqueiras, mas também profissionais. “Vivia-se em salas,
onde tudo se fazia.” (ARIÈS, 1986, p. 259). O sentimento familiar não se
desenvolvia, pois a todo tempo não havia intimidade possível entre os integrantes da
8

família. Conforme Ariès, a partir do século XVIII começam as transformações; a


família passa a manter a sociedade afastada, ficando confinada em um espaço
próprio, separando a vida pública da vida privada. Ao se separar do resto do mundo,
a família moderna passa a ser um grupo solitário, dos pais e dos filhos, onde todos
os esforços passam a ser em prol das crianças.

Sánches (2001), ao referir-se ao período tratado por Ariès, declara que o fato da
vida até o século XVII transcorrer em público, não fazia com que a família não
existisse de fato, pois “seria paradoxal negá-la, mas não existia como sentimento ou
valor” (SANCHES, 2001, p. 51). Conforme Sánches, a partir do momento em que se
inicia o dualismo da consciência ocidental de separação entre o público e o privado,
a família, que até então vivia em um único espaço, a sociedade inteira, passa a viver
nesses dois espaços distintos.

A partir dessa divisão entre o público e privado, passam a ocorrer mudanças na


composição das famílias. Dentre essas alterações, o modelo nuclear, composto pelo
pai, mãe e filhos, surge como uma espécie de padrão ideal de família. Esse modelo
de família patriarcal, no qual o pai detinha o poder soberano sobre o grupo familiar,
até mesmo de vida e de morte sobre todos os membros (AMAZONAS E BRAGA,
2006), contava com papéis claramente delimitados conforme o gênero: a mulher
adulta era a responsável pelos assuntos internos da família, cabendo a ela o papel
de esposa, dona de casa e principalmente mãe; já o homem era considerado o líder
“instrumental” do grupo, geralmente estando fora, trabalhando (BRUSCHINI, 1989,
p.2). Segundo Segalen (1999, p. 327) “esse modelo familiar, baseado em um
casamento monogâmico estável e com papéis sexuais rigorosamente repartidos
entre os cônjuges”, fruto da industrialização, passou a ser considerado como a forma
final dessa instituição nas décadas de 1960 e 1970, a qual deveria ser
universalizada como padrão mundial familiar, baseando-se em valores de liberdade
e individualismo.

Conforme Sánches (2001), tal modelo era defendido explicitamente por Talcott
Parsons, representante do funcionalismo, em seu livro La estructura social de La
família. Para Parsons, o sistema familiar ocidental é o mais eficaz em seu papel
socializador, pois a menina deve aprender cedo “as funções de dona de casa” e o
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menino deve saber pelo pai ausente, geralmente por motivos laborais, a dureza da
vida, e que não deve ser meigo e passivo como a irmã; assim, ambos se
preparariam para os papéis de pai provedor e mãe estabilizadora do lar. Na
avaliação de Sánches, esse modelo familiar não teria espaço para o conflito ou a
transformação, pois seus personagens desempenham seus papéis de forma
harmônica e complementar. Os funcionalistas supunham um modelo familiar “eterno
e universal”, não considerando o fato de a família não ser uma instituição estática,
mas em constante transformação (BRUSCHINI, 1989).

Ao longo do tempo, outras vertentes de pensamento se opuseram a esse modelo


familiar defendido pelos funcionalistas. No caso dos marxistas, apesar da família não
ter sido um tema privilegiado em seus escritos, estudos realizados no âmbito do
movimento feminista europeu e norte-americano, a partir da década de 1970,
levantaram a questão como um problema teórico do marxismo, através da questão
do trabalho doméstico, como destaca Bruschini (1989):

Segundo essa vertente do marxismo, a família seria um grupo social voltado


para a reprodução da força de trabalho, no qual os membros do sexo
feminino se encarregariam da produção de valores de uso na esfera
privada, cabendo aos homens a produção de valores de troca, através da
venda de sua força de trabalho no mercado. Dentro da família dar-se-ia
tanto a transformação das mercadorias adquiridas no mercado em produtos
consumíveis individualmente pelos elementos do grupo, quanto a formação
ou produção de novos e futuros trabalhadores. (BRUSCHINI, 1989, p.3).

Outra vertente da Sociologia, a Escola de Frankfurt, considerava a família um local


de socialização, onde a personalidade do indivíduo se forma, desenvolvendo uma
linha de reflexão oposta ao funcionalismo, criticando o papel conservador desse
grupo social e o “elemento de dominação nele presente, cujo mecanismo central
esmagador é a autoridade do pai sobre o filho” sendo a família o “lugar de
adestramento, para a adequação social”, onde a criança “aprende a relação
burguesa com a autoridade” (BRUSCHINI, 1989, p.3).

Ao contrário do que pregavam os funcionalistas, a família não possui um modelo


único e estático, ao qual seja possível adaptar todos os grupos familiares. Ela não é
pensada da mesma maneira em todos os lugares, pois a noção de família varia
conforme a categoria social e as condições socioeconômicas e culturais vivenciadas
10

por cada grupo familiar. Perrenoud (2001) afirma que a família nuclear, entre os
diversos arranjos familiares, seria apenas mais um modelo, sendo difícil dar uma
definição simples de família.

É preciso ter em conta a diversidade das estruturas familiares, das famílias


monoparentais às comunidades alargadas de diversos tipos. Como o
constatam tanto os sociólogos da família como os legisladores, é difícil dar
uma definição simples de família, de tal modo se diversificam as formas de
coexistência entre as crianças e adultos cujos laços biológicos, jurídicos,
econômicos e sentimentais cada vez menos se deixam encerrar numa
fórmula única: a família nuclear “clássica”, formada por um casal casado e
com filhos, não é senão, uma forma entre outras. (Perrenoud, 2001, p. 59)

Segundo estudiosos, a família significa coisas diferentes dependendo da classe


social: para as elites, prevaleceria a ideia de família como linhagem, orgulhando-se
de seu patrimônio; para as camadas médias, a família estaria ligada ao modelo
nuclear, o qual abraçam e colocam em prática; já para as camadas populares,
família se sustentaria nas atividades domésticas do dia-a-dia e nas redes de ajuda
mútua. (FONSECA, 2005; ROMANELLI, 2009).

Conforme Goldani (1993), a percepção da família na sociedade constantemente se


alterna de maneira antagônica, ora sendo reconhecida como uma instituição de
grande confiabilidade, ora como instituição em desagregação/crise. Para a autora,
alterações que vêm ocorrendo ao longo do tempo nos modelos familiares muitas
vezes são vistas de forma negativa, como resultado de perdas em geral, mas a
autora enfatiza que tal como qualquer outra instituição, a família também está sujeita
a mudanças importantes, o que não significa que ela esteja desaparecendo. Entre
os fatores responsáveis por essas mudanças no modelo familiar na sociedade
contemporânea, pode-se citar a diminuição no número de casamentos; a
diversificação dos arranjos familiares; o declínio na taxa de fecundidade; novos
padrões de sociabilidade e relações de gênero; a maior participação da mulher no
mercado de trabalho (GOLDANI, 1993; NOGUEIRA, 2006).

Embora o modelo familiar burguês, nuclear, biparental e monogâmico, não seja o


único modelo possível de família e encontre-se constantemente questionado,
frequentemente tal modelo, imposto pelas instituições, pela mídia e até mesmo por
profissionais, é considerado o jeito “certo” de se viver em família, tratando-se
11

aqueles que não conseguem alcançar esse ideal como incompetentes e inferiores
(GOMES, 1988 apud SZYMANSKI, 2005). Essa construção do ideal de modelo
familiar fortalece o discurso preconceituoso, que desqualifica as famílias não
nucleares/biparentais. Isso faz com que qualquer problema dos membros desses
grupos seja justificado sob a perspectiva de que essas famílias seriam
“desestruturadas” (PEREZ, 2009).

O caput do Art. 226 do Capítulo VII da Constituição Federal Brasileira de 1988 traz o
seguinte enunciado “A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.” Os parágrafos posteriores do capítulo discorrem sobre os direitos da família
perante o Estado. Ao realizar a leitura desse capítulo, é possível indagar: a qual
família a CF/88 se refere e que o Estado tem o dever de proteger? Ao longo dos
últimos anos, a família brasileira tem se transformado. Apesar do grupo familiar
nuclear, composto por pai, mãe e filhos, formado pela união de homem e mulher,
através do casamento ou união estável1, ser o prevalecente, outros arranjos
familiares são reconhecidos como famílias.

Dias (2016), em seu Manual de Direito das Famílias, afirma que quando se trata da
família constitucionalizada, ou seja, a família que a Constituição visa resguardar, já
não cabe mais o modelo de família no qual essa sirva apenas para a procriação. A
partir da CF/88, diversas entidades familiares passam a ser contempladas e
reconhecidas, tais como as famílias homoafetivas e monoparentais, por exemplo.
Para a autora, as mudanças ocorridas na sociedade, bem como o progresso dos
comportamentos, trouxeram novas configurações para a conjugalidade e a
parentalidade, fazendo com que arranjos familiares antes marginalizados e
considerados informais, passassem a ter assegurados seus direitos como família.

2.2. As famílias das classes populares

1 CAPÍTULOVII
Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso
(Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
[...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
12

Este trabalho terá como foco famílias de classes populares, sendo necessário
considerar de modo particular esse grupo, que possui características específicas em
suas configurações familiares. Sarti (1996), em seu livro A família como espelho,
descreve um estudo realizado entre as décadas de 1980 e 1990com famílias de
classes populares de um bairro de São Paulo. . Nesse trabalho, ela apresenta
alguns elementos importantes para refletir acerca dos arranjos familiares
identificados nesses meios sociais. De acordo com a autora, para os pobres, a
família vai além da afetividade:

A família não é apenas o elo afetivo mais forte dos pobres, o núcleo da
sobrevivência material e espiritual, o instrumento através do qual viabilizam
seu modo de vida, mas é o próprio substrato de sua identidade social. [...]
Sua importância não é funcional, seu valor não é meramente instrumental,
mas se refere à sua identidade de ser social e constitui o parâmetro
simbólico que estrutura sua explicação no mundo. (SARTI, 1996, p. 33)

Ao longo do texto, a autora discorre sobre a diferenciação dos papéis sociais dos
membros conforme o gênero e lugar na família. Nas famílias pesquisadas por Sarti,
quando o homem estava presente, esse era considerado a autoridade, o chefe da
família, cabia a ele o papel de provedor. O homem era então considerado e tratado
como chefe da família, tendo a incumbência de fazer a mediação desta com o
mundo exterior, ele possuía a autoridade moral. Já a mulher era considerada a chefe
da casa, cabendo a ela manter a unidade do grupo e controlar o dinheiro da família
(SARTI, 1996). Essas características vão ao encontro do que foi abordado
anteriormente, a respeito das famílias nucleares consideradas como grupo familiar
ideal pelos funcionalistas (AMAZONAS E BRAGA, 2006; BRUSCHINI, 1989;
SEGALEN, 1999).

Sarti (1996) aborda, ainda, a vulnerabilidade conjugal encontrada em famílias


pobres, quando as expectativas dos papéis dos cônjuges não são cumpridas (do
homem como provedor e da mulher como a mantenedora da unidade do grupo
familiar). Para a autora, devido a essa vulnerabilidade, algumas famílias “dificilmente
passam pelos ciclos de desenvolvimento do grupo doméstico, sobretudo pela fase
da criação de filhos, sem rupturas, o que implica alterações muito frequentes nas
unidades domésticas” (SARTI, 1996, p. 45). Santana e Matos (2013) ressaltam o
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fato das famílias das camadas menos favorecidas no Brasil serem as mais atingidas
pelas “consequências de um modelo sócio-político-econômico da acumulação do
capital” (SANTANA E MATOS, 2013, p. 4), ficando assim mais frágeis e vulneráveis,
sofrendo com as descontinuidades e as rupturas em face da falta de suportes de
ordem socioeconômica.

As rupturas e descontinuidades dessas famílias, que podem se dar por morte,


desemprego, separações, entre outros motivos, acabam ocasionando certo
desamparo, principalmente financeiro, que gera a necessidade de outros membros
da parentela, que não estão ligados à unidade doméstica, mobilizar-se em relação
aos familiares mais carentes naquele momento. É importante frisar que, mesmo
quando as famílias estão organizadas de forma nuclear, a rede familiar mais ampla
não se desfaz com o casamento, mantendo ativas as obrigações entre seus
membros:

A família ultrapassa os limites da casa, envolvendo a rede de parentesco


mais ampla, sobretudo quando se frustram as expectativas de se ter uma
casa onde realizar os papéis masculinos e femininos. Nestes casos comuns
entre os pobres, pelas dificuldades de atualizar o padrão conjugal de
família, ressalta a importância da diferenciação entre a casa e a família para
se entender a dinâmica das relações familiares. (SARTI, 1996, p. 44)

As famílias das classes populares se estruturam através das obrigações morais e,


em momentos de necessidades e rompimentos nos vínculos conjugais, essa rede de
parentesco serve de apoio ao membro necessitado. Conforme afirma Sarti (1996, p.
49) “a família pobre não se constitui como núcleo, mas como rede com ramificações
que envolvem a rede de parentesco como um todo”.

Durantes as crises e instabilidades familiares, sejam causadas por morte de um


genitor, separação conjugal, ou de ordem econômica, como já citadas
anteriormente, a responsabilidade pelas crianças deixa de ser exclusiva dos pais e
passa a ser da rede familiar envolvida. Diante de necessidade extrema, essas
crianças seriam, então, realocadas entre os membros do círculo familiar, ou até
mesmo entre pessoas sem parentesco, a fim de garantir os meios necessários para
sua subsistência.
14

Nas famílias desfeitas, por morte ou separação, no momento de expansão e


criação dos filhos, ocorrem rearranjos no sentido de garantir o amparo
financeiro e o cuidado das crianças. Embora se conte fundamentalmente
com a rede consanguínea, as crianças podem ser recebidas por não
parentes, dentro do grupo de referência dos pais. (SARTI, 1996, p. 55)

Fonseca (2006) utiliza a expressão “circulação de crianças” para designar a


transferência de crianças entre uma família e outra, seja com a guarda temporária
ou não. Em diversos trabalhos em que trata da circulação de crianças, Fonseca
(1995, 2002, 2006) apresenta resultados de pesquisas realizadas com famílias de
bairros de classes populares de Porto Alegre. Entre esses resultados, é possível
perceber a grande frequência de casos em que as crianças, em diversos momentos,
necessitam deixar os pais para serem “criadas” por outros. Em uma de suas
pesquisas, por exemplo, ela cita o fato de que, entre as 120 famílias que estava
acompanhando, havia pelo menos uma centena de pessoas que em algum
momento da vida viveu em outro lar, separadas de pai e mãe (FONSECA, 2006).

Dentre os diversos motivos que levam a essa circulação de crianças, conforme a


autora, muitas vezes estão situações de crises, nas quais os pais não são mais
capazes, ou não estão presentes na criação dos filhos, tornando necessário seu
deslocamento entre os demais membros do círculo próximo. Entretanto, segundo
Fonseca, essa transferência entre os lares pode também ocorrer de forma
voluntária, ou seja, muitas vezes as próprias crianças e adolescentes escolhem
morar longe dos pais, pelos mais variados motivos.

As meninas vão trabalhar “numa casa de família” ou “fazer companhia” a


uma senhora de idade, os meninos partem em busca da fortuna. Um
aterrissa na casa de uma madrinha, outro na da avó. Ainda outros acabam
na casa de pessoas não aparentadas e, nesse caso, não é raro as
imaginações correrem soltas sobre Fulano, recebido como filho numa
“família de ricos”, ou Beltrano “feito escravo” por tutores gananciosos.
(FONSECA, 2002, p. 57)

Quando essa transferência de crianças ocorre de maneira voluntária, sem drama,


“pode produzir laços duradouros entre uma família e outra.” (FONSECA, 2006, p.23).

Dentro dessa dinâmica familiar, a figura masculina não aparenta ser muito presente.
São as mulheres que acabam decidindo se vão receber outras crianças em suas
casas e são elas que confiam os filhos para outras pessoas criarem, sendo que
15

geralmente “a criança será confiada a outra mulher, normalmente da rede


consanguínea da mãe” (SARTI, 1996, p. 55). Essas outras mulheres muitas vezes
são as avós, tanto maternas quanto paternas, de modo que as crianças mantêm o
laço com sua linhagem consanguínea.

As avós passam, então, a cumprir funções de cuidados com seus netos, muitas
vezes em tempo integral, deixando de lado o papel exclusivo de avós e passando a
substituir as figuras materna e paterna (SHULER, 2015). Apropriam-se dessas
atribuições, pelo fato de os pais estarem impossibilitados para assumirem a criação
dos filhos, como por morte, gravidez na adolescência, divórcio e separações, falta de
emprego, instabilidade econômica, novas relações conjugais, dentre outros (SARTI,
1996; FONSECA, 2002; MOTA-MAUÉS, 2004; DIAS, AGUIAR e Hora, 2010;
SHULER, 2015).

Ao assumir a criação de seus netos, os avós não passam ilesos por essa relação.
Diversos desafios são enfrentados, tanto pelos avós, quanto pelos netos, podendo
ser emocionais, sociais e financeiros (COELHO e DIAS, 2016). Segundo Mainetti e
Wanderbroocke(2013), avós criarem seus netos pode trazer consequências
positivas e negativas. Entre as positivas é possível destacar “sentimento de
renovação pessoal, oportunidade de ter companhia e gratificação por estarem
provendo uma nova geração com cuidados e ensinamentos” (MAINETTI E
WANDERBROOCKE, 2013, p. 88). Já em relação aos aspectos negativos, as
sobrecargas financeiras, queda na qualidade da saúde física e emocional, estão
entre os impactos causados.

As mulheres que cuidam de seus netos se constituem, em muitos casos, como as


chefes da família, por cuja provisão se tornam, também, responsáveis. Essas
mulheres, geralmente oriundas das classes populares, enfrentam a vulnerabilidade e
a fragilidade financeira, apresentando dificuldades de se inserirem no mercado de
trabalho formal, devido principalmente ao fato de grande parte delas não terem
concluído os estudos. Submetem-se às longas jornadas de trabalho, dividindo seu
tempo entre o trabalho externo e o doméstico, recebendo, muitas vezes,
rendimentos insuficientes para suprir os gastos da família (SCARPELLINI e
CARLOS, 2011; SANTANA E MATOS, 2013).
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2.3. A sociologia das relações família-escola

A relação família-escola pode ser caracterizada como “todo tipo de ligação e


interação entre os atores familiares e escolares” (RESENDE E SILVA, 2016, p. 34).
As interações entre escola e família, que anteriormente eram menos frequentes,
geralmente restritas às questões de comportamento e desempenho escolar dos
educandos, intensificaram-se a partir da segunda metade do século XX, passando
então a ser alvo de políticas públicas educacionais, com o objetivo de incrementar a
cooperação entre as duas instituições (NOGUEIRA, 2006; RESENDE, 2009).

Segundo Resende e Silva (2016), essas interações entre a família e a escola podem
ocorrer em diferentes níveis, que variam conforme a intensidade do envolvimento.
No primeiro nível, a relação se estabelece a partir do momento em que os pais
matriculam a criança na escola; no segundo nível, os pais são receptores das
informações provindas da escola, através de bilhetes, comunicados ou
comparecimento em momentos de solicitações e festejos; o terceiro nível ocorre
através da maior interação entre família e escola, por meio de reuniões, eventos,
projetos, entre outros; o quarto nível é o de maior aprofundamento da relação, em
que os familiares participam e se integram de forma mais institucionalizada na vida
da instituição escolar, através da atuação em associações, colegiado, conselhos,
etc.

Tanto a família quanto a escola são duas instituições que se caracterizam pela
heterogeneidade em suas estruturas, possuindo ambas, formas específicas de
funcionamento e de reprodução social (ROMANELLI, 2009). É na família que
acontece a vida privada de seus sujeitos, onde há a manutenção do bem-estar dos
que dela fazem parte, na qual são providos os cuidados básicos como a
alimentação, moradia, os cuidados com sua saúde, educação, lazer (ROMANELLI,
2009; 2013). À família é atribuída a transmissão de aspectos culturais básicos que
se relacionam à linguagem, costumes, valores, padrões de comportamento. A
escola, por sua vez, se configura como um ambiente social formal, especializado na
formação e na educação das gerações mais novas, sendo um espaço de educação
que se diferencia da família e da comunidade. Ela se apresenta com o intuito de
17

produzir e reproduzir uma homogeneidade cultural (PEREZ, 2009; ROMANELLI,


2009).

As mudanças econômicas, sociais, culturais que têm ocorrido nos últimos anos
permitiram o reconhecimento de uma variedade de arranjos familiares, como por
exemplo, as famílias reconstituídas, monoparentais, homoafetivas, entre outras
diversas maneiras de se constituir família. Há uma tendência a maior
democratização e menor hierarquização nas relações internas ao grupo familiar,
bem como de respeito e valorização da individualidade de seus integrantes. Apesar
dessas mudanças, a importância das funções educativas da família se manteve, e
pode-se afirmar até mesmo que se alargou, pois na sociedade contemporânea os
pais passam a ser vistos como responsáveis pelos fracassos ou sucesso dos filhos.

As famílias contemporâneas mobilizam o maior número de estratégias para que os


filhos obtenham mais chances de sucesso na sociedade. Dentre essas estratégias, a
escolarização passa a ter grande relevância (NOGUEIRA, 2006). Conforme Zago
(2012), as formas de acumulação de capital têm se alterado ao longo do tempo,
fazendo com que a transmissão de herança aos filhos não ocorra mais apenas da
maneira tradicional, através de terras, negócios familiares, nos quais os filhos,
geralmente, herdavam também a profissão dos pais. Essas mudanças fizeram com
que, cada vez mais, as camadas médias dependessem do sistema escolar para
garantir a reprodução/ascensão social, uma vez que as hierarquias sociais se
multiplicaram tanto no setor privado quanto no público, exigindo, assim, percursos
escolares mais longos. Já no caso das famílias de classe popular, é notório que
também valorizam a educação escolar dos filhos, acreditam que uma educação de
qualidade trará a garantia de um futuro melhor para a prole, podendo ser um agente
pelo qual poderá vir a melhoria em suas condições de vida (PEREZ, 2009;
MATEUS, 2016).

De modo concomitante às mudanças nas famílias, o sistema escolar também foi alvo
de importantes transformações, a partir do estabelecimento de novos valores
educacionais, os quais passam a preconizar a individualidade e autonomia dos
estudantes, conforme é apontado por Nogueira (2006). Para a autora, alguns fatores
18

têm sido muito importantes para a transformação do sistema escolar e dos


processos de escolarização:

[...] as legislações de extensão da escolaridade obrigatória, as políticas de


democratização do acesso ao ensino, a complexificação das redes
escolares e a diversificação dos perfis dos estabelecimentos de ensino, as
mudanças internas nos currículos, nos princípios e métodos pedagógicos, é
todo o funcionamento das instituições escolares que passa a influenciar
intensamente o dia-a-dia das famílias (NOGUEIRA, 2006, p. 161).

Conforme a autora, a escola assume papéis que antes eram atribuídos às famílias,
deixa de ater-se apenas ao desenvolvimento cognitivo dos alunos e passa a se
responsabilizar também pelo “bem estar psicológico e pelo desenvolvimento
emocional do educando” (NOGUEIRA, 2006, p. 162). A escola passa então a deter
para si informações mais íntimas da vida familiar dos alunos, sob a premissa de que
é necessário conhecer mais o estudante para realizar ajustes em suas ações
pedagógicas. A família, por outro lado, “passa a reivindicar o direito de interferir no
terreno da aprendizagem e das questões de ordem pedagógica e disciplinar. Não há
mais uma clara delimitação de fronteiras” (NOGUEIRA, 2006, p.164). Porém, apesar
do discurso de cooperação entre família e escola, essa relação não deixa de ser
conflituosa e ambígua. Há uma espécie de culpabilização mútua entre as duas
esferas, principalmente quando se trata de questões de indisciplina e baixo
desempenho escolar dos alunos (RESENDE, 2009).

Embora a tendência das instituições de ensino seja igualar e nivelar os estudantes,


muitas vezes esses alunos são tratados de maneira diferenciada e hierarquizada,
“tanto em função de características individuais referidas à capacidade de
aprendizado e à forma de relacionamento com professores e colegas quanto em
função das condições sociais das famílias” (ROMANELLI, 2009, p. 379). Segundo o
autor, essas diferenciações entre os alunos vão além da competência para aprender
ou do seu comportamento em sala de aula, ocorrendo também devido às questões
de gênero, raça/etnia, ao segmento social do qual fazem parte.

Esse tratamento diferenciado conferido ao educandos, por parte da escola, pode ter
relações, ainda, com o perfil familiar dos alunos. Da mesma forma que, na
sociedade em geral, existe um ideal de família, para a escola também existe um
19

ideal familiar considerado propício para o desenvolvimento satisfatório dos


estudantes, com condições favoráveis para a participação, tais como disponibilidade
de tempo para as demandas frequentes da escola, contar com um adulto disponível
com essa disposição de educar, que geralmente é a mãe - como pontua Carvalho
(2004), em seu texto que trata dos modos de educar das famílias e sua relação com
a escola. Esse modelo tradicional da classe média, no qual a mãe geralmente está
disponível para tratar dos assuntos relacionados à educação dos filhos, “não
corresponde mais às condições de vida da maioria das famílias pobres,
trabalhadoras, e está desaparecendo na própria classe média, com o ingresso das
mulheres em ocupações remuneradas” (CARVALHO, 2004, p. 47).

Assim, da mesma maneira que as famílias que não correspondem ao modo


considerado “certo” de se viver são tratadas como “diferentes”, “menos do que são”,
“incompetentes” (GOMES, 1988 apud SZYMANSKI, 2005, p. 25), as famílias que
não correspondem ao modelo idealizado de participação na vida escolar dos filhos
costumam ser rotuladas como “pouco envolvidas, omissas ou pouco participativas”
(RESENDE, 2009, p. 79), sendo até mesmo consideradas desestruturadas e sem
limites. Quando os agentes escolares se utilizam de tais generalizações em relação
ao conjunto de famílias, homogeneizando e normatizando, geram dificuldades para
“a construção de uma atitude propositiva da escola, a partir de um efetivo diálogo
com as famílias” (RESENDE, 2009, p. 81). O sistema educacional que recebe
sujeitos de diferentes origens culturais e adota um único modelo cultural acaba
sendo um produtor do fracasso escolar (CARVALHO, 2004).

3. Metodologia

Esta pesquisa buscou compreender a relação entre escola e famílias, em casos


específicos em que as crianças e adolescentes, estudantes do ensino fundamental,
estão sob a responsabilidade de adultos que não são seus pais2. Tendo em vista
tratar-se de uma monografia de graduação, decidimos nos concentrar nas
perspectivas dos sujeitos (responsáveis e professoras) a respeito dessa relação, isto
é, em suas crenças, opiniões, percepções. Assim, o trabalho foi baseado em uma

2
A palavra pais está sendo utilizada neste trabalho de maneira genérica, para se referir a pai e/ou
mãe, biológico ou adotivo.
20

investigação de natureza qualitativa, na qual a coleta dos dados ocorreu através de


entrevistas semiestruturadas, realizadas com familiares responsáveis por estudantes
e também com professoras das turmas desses alunos.

Conforme Gaskell (2002), a entrevista semiestruturada é uma forma de entrevista


qualitativa que pode ocorrer com um único respondente ou um grupo, que tem como
objetivo trazer a compreensão dos mundos da vida dos entrevistados e de grupos
sociais especificados. Para o autor, a entrevista qualitativa “fornece os dados
básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores
sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças,
atitudes, valores e motivações em relação aos comportamentos sociais específicos”
(GASKELL, 2002, p. 65).

A seleção das famílias a serem entrevistadas ocorreu através da escola em que


realizei estágio obrigatório do curso de Pedagogia (no caso, o estágio em gestão
educacional). Trata-se de uma escola municipal, localizada na região da Pampulha,
em Belo Horizonte, a qual atende alunos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental,
possuindo, em 2018, aproximadamente 708 estudantes matriculados. O público da
escola é composto, principalmente, de alunos moradores da região, provenientes de
famílias das classes populares. A escola possui dois pavimentos, com treze salas de
aulas, biblioteca, quadra, auditório, refeitório, sala de informática, além de outras
salas onde são realizadas atividades como oficinas de dança, inglês e bordado, que
são oferecidas para toda a comunidade. O motivo da escolha dessa escola como
campo de pesquisa foi a facilidade de acesso/obtenção de autorização para a
investigação, por já estar inserida na instituição como estagiária.

Apresentei a minha proposta de pesquisa para a vice-diretora, que permitiu que eu


fizesse contato com as famílias através da instituição. Juntamente com a secretária
da escola e com a coordenação, foi feito um levantamento de alunos que em seu
cadastro tivessem outros responsáveis que não a mãe e/ou pai. De posse desse
levantamento, selecionamos dez responsáveis que seriam convidados a participar
da pesquisa. Essa seleção foi realizada a partir de conversas com a coordenação da
escola, que tinha informações a respeito de algumas famílias; por exemplo, alguns
casos em que, embora constasse o nome de outro responsável que não o pai ou a
21

mãe, a coordenação sabia que a criança residia com os pais e que estes não
assinavam como responsáveis por motivos de trabalho/tempo, situação em que a
família não foi selecionada por não atender ao perfil desejado. Aconteceu também
de a coordenação impedir o contato com algumas famílias que faziam parte do perfil
desejado, alegando que elas não seriam receptivas, pois os alunos eram
indisciplinados e problemáticos, e que a escola tinha dificuldades com os
responsáveis.

O auxílio da escola para a realização do trabalho, por um lado, foi de extrema


importância para a sua efetivação, principalmente como facilitador para o contato
com as famílias e professores. É necessário destacar, entretanto, que realizar a
pesquisa através da escola constituiu, por outro lado, um fator limitador, pois apesar
de pequena, houve a interferência direta da coordenação quanto à escolha das
famílias, no momento em que impediram o contato com algumas delas, o que de
certa forma pode ter interferido diretamente nos resultados, pois não sabemos o
quanto tais famílias poderiam, ou não, colaborar para o trabalho final.

O desenho inicial da pesquisa previa a realização das entrevistas com famílias de


estudantes do primeiro e do segundo ciclo (6 a 11 anos), pelo fato de que durante
esse período as interações entre família e escola ocorrem de forma mais direta e
frequente. Porém, dados os limites para a seleção das famílias, acabamos incluindo,
no levantamento, estudantes até o 9º ano do ensino fundamental (14-15 anos).

Os convites para a participação na pesquisa foram enviados por escrito, através dos
alunos, para que os interessados pudessem deixar também a forma de contato.
Após o envio dos convites, apenas três famílias deram resposta positiva para
participar da pesquisa. Uma, entretanto, não se encaixava no perfil desejado e foi
excluída. A família em questão era composta por um casal homoafetivo feminino,
que estava em processo de adoção de uma menina. Conforme ressaltado
anteriormente, para esta pesquisa os pais/mães adotivos estão na mesma categoria
dos pais biológicos, não sendo, portanto, nosso público alvo. A família acabou sendo
selecionada em um primeiro momento, pois como a adoção estava em processo de
execução, os nomes dos pais biológicos constavam no registro da escola, no qual
22

figurava uma das mães adotivas da aluna como sua responsável, só sendo
constatado o equívoco após o contato com a responsável, que explicou o caso.

O planejamento inicial era de realizar entrevistas com responsáveis por quatro


alunos e seus respectivos professores. Entretanto, devido à baixa taxa de respostas
aos convites enviados, além do tempo restrito e limitações de um trabalho de
monografia, foram realizadas, então, entrevistas com duas avós – responsáveis,
respectivamente, por uma aluna do 5º ano e outra do 9º ano – e com duas
professoras, cada uma da turma de uma das estudantes. O mesmo tipo de vínculo
observado nas duas famílias (avós criando netas) não foi proposital, tendo decorrido
do fato de que tais responsáveis foram as que se disponibilizaram para a entrevista.

Apesar de não possuir os dados referentes à quantidade de alunos da escola que


têm avós como seus responsáveis, conforme o levantamento de literatura, na
ausência dos pais, os avós geralmente tornam-se os principais substitutos, uma vez
que esses seriam os sucessores naturais daqueles quanto à importância nos papéis
familiares. Os avós são mobilizados nos momentos de crise das famílias, assumindo
naturalmente o papel de cuidadores de seus netos (MAINETTI e
WANDERBROOCKE, 2013; RIBEIRO e ZUCOLOTTO, 2015).

Após o envio dos convites às avós e a confirmação da participação na pesquisa,


entrei em contato com elas através dos telefones que tinham informado. Nos dois
casos as entrevistas ocorreram nas residências das famílias, por sugestão das
próprias participantes. Com a devida autorização, as entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas em sua totalidade, para a realização da análise dos dados
obtidos.

As entrevistas tiveram como objetivo compreender a perspectiva dos sujeitos sobre


o modo como se estabelece a relação entre a escola e as famílias em que as
crianças e adolescentes estão sob a responsabilidade de outros adultos que não os
pais - no caso, de avós. A partir desse objetivo, foi elaborado um roteiro de
entrevista semiestruturada3, que buscou analisar:

3
Roteiro em anexo.
23

 O perfil demográfico da família;


 A dinâmica da relação educativa dos membros da família em relação ao
aluno;
 O envolvimento da família com a escola no cotidiano;
 A percepção da família quanto à receptividade da escola em relação às suas
especificidades.

Tendo sido realizado apenas um contato (entrevista) com cada família, foi possível
perceber que seria necessário um aprofundamento maior das questões, para que os
resultados pudessem ser mais significativos e conclusivos. As entrevistas ocorreram
sem contratempos e apenas as avós se encontravam na casa no momento de sua
realização.

Para a realização das entrevistas com as professoras, solicitei auxílio das


coordenadoras, a fim de que intermediassem o contato. O roteiro de entrevista4 para
os professores teve, entre seus objetivos, analisar a relação que eles estabelecem
com as famílias tratadas nesse trabalho, bem como seu discurso e suas estratégias
em relação a elas. As entrevistas com as duas professoras foram realizadas na
própria escola.

No próximo item, apresentam-se os sujeitos entrevistados, para então se passar à


discussão do conteúdo propriamente dito obtido nas entrevistas.

4. Sujeitos da pesquisa5

4.1. Alunas, avós e familiares.

4.1.1. Suelen e Dulce

Suelen tem 14 anos e cursa o nono ano do ensino fundamental. Mora com a avó
paterna, Dulce, desde que nasceu. Dulce tem aproximadamente 50 anos6 e cursou

4
Roteiro em anexo.
5
Ao longo do texto foram utilizados nomes fictícios.
24

até o 8º ano do ensino fundamental. O pai de Suelen é filho de Dulce, tinha 17 anos
quando a filha nasceu. A mãe da garota engravidou aos 12 anos e por esse motivo
foi morar na casa de Dulce. Um ano após o nascimento da menina, a mãe faleceu
em um acidente e a avó Dulce ficou com a guarda de Suelen. Dulce afirma que
desde o nascimento de Suelen ela já havia pleiteado a guarda, devido ao fato da
mãe da menina ser muito nova. Com a morte da mãe, a família materna solicitou a
guarda, porém Dulce acabou ficando em definitivo com a garota:

“Já tinha entrado na justiça para pegar a guarda, porque ela era muito
novinha, aí eu peguei, porque ia ser uma criança olhando outra criança, era
como se tivesse brincando de boneca, onde já se viu menina de 12 anos
cuidando de menino. Sabe nem o que que é. Então eu entrei na Justiça e
peguei.” (Dulce, avó de Suelen, entrevista de pesquisa).

O pai de Suelen mora na casa ao lado, porém, de acordo com a avó, ele não é muito
presente na vida da filha e costuma ajudar pouco financeiramente. Quando
questionada a respeito da presença do filho na vida da neta, Dulce é enfática: “Não,
e eu nem empato meu tempo com isso”. Quanto aos familiares maternos, Dulce
afirma que a neta não mantém mais contato, desde que ela ficou com a guarda da
menina.

As duas residem sozinhas em uma casa localizada em uma vila próxima à escola,
na região da Pampulha, em Belo Horizonte. A residência fica nos fundos de outras
casas, no início da vila. A avó é costureira e declarou ter renda mensal em torno de
dois salários mínimos, dinheiro com o qual mantém todas as despesas da casa e da
neta. A avó comprou a casa faz mais ou menos quatro anos, com dinheiro que
juntou ao longo do tempo; antes pagava aluguel, residindo em várias casas antes de
se estabelecerem em local fixo.

Antes mesmo de conhecer a região em que elas moram, eu já havia ouvido falar da
vila e um pouco sobre seus moradores, em conversas com as coordenadoras,
durante o estágio realizado na escola. Muitas vezes elas falavam que os pais das
crianças que moravam nessa vila eram “barraqueiros”, “briguentos”, e que sempre
arrumavam problema quando eram chamados à escola. Havia certa “fama” negativa

6
A entrevistada não informou a idade exata.
25

na escola em relação aos moradores do local. Sempre que algum menino morador
da região cometia algum ato de indisciplina na escola, já falavam, “Fulano é da vila,
por isso ele fez isso”, e outras coisas do tipo. Foi perceptível por parte da
coordenação certo juízo em relação a essas famílias, principalmente ligado ao
território em que residem.

Ao chegar à residência de Dulce, ela falou que havia acabado de voltar, pois tinha
levado os outros dois netos, filhos de outra filha, que também residem na vila, à
creche. Embora eles não morem com Dulce, ela é responsável por levá-los e buscá-
los todos os dias para que sua filha possa trabalhar. Ao adentrar a residência, foi
possível perceber que havia outros cômodos, aparentemente, sala, cozinha,
banheiro e quartos, além de um espaço que ela usa para costurar. A casa
apresentava certa desordem e odor um pouco desagradável, com muitas roupas
sobre os móveis da sala. Havia dois cachorros dentro do cômodo e pude ver que
havia outros do lado de fora, no pátio da casa.

Durante a entrevista, Dulce mostrou-se um pouco desconfiada para responder


algumas perguntas, principalmente as de cunho mais pessoal, não permitindo o
aprofundamento de detalhes em relação à família materna de Suelen e às
circunstâncias e intensidade de envolvimento dela com o pai. Já em relação às
questões relacionadas à escola, respondeu sempre de maneira positiva, nunca
externando percepções negativas.

Dias após a realização da entrevista, eu soube acidentalmente de uma informação


sobre Dulce que não foi mencionada por ela durante a entrevista: o fato de ela
trabalhar como faxineira para uma das coordenadoras da escola. Eu fazia estágio na
sala da coordenação pedagógica quando, em uma conversa informal entre as
coordenadoras, uma delas reclamou de sua faxineira, dizendo que era
desorganizada, que não estava gostando do trabalho e que iria dispensá-la por isso.
A coordenadora contou que certo dia seu filho tinha tirado uma foto mostrando que
ela (a coordenadora) estava cozinhando e a faxineira estava parada conversando
com ela, sem trabalhar. O filho havia tirado a foto para mostrar aos irmãos e “zoar” a
faxineira. A coordenadora, então, mostrou a foto no celular às colegas e, para minha
surpresa, percebi que se tratava de Dulce. Considerei importante mencionar aqui
26

esse episódio porque passei a me perguntar até que ponto esse tipo de relação
entre Dulce e funcionários da escola poderia influenciar sua opinião quanto à
instituição. Não sendo possível, com os dados coletados, mensurar essa possível
influência, torna-se necessário, pelo menos, registrar essa hipótese.

4.1.2. Kelly e Sílvia

Kelly tem 14 anos e está no 5º ano do ensino fundamental. Ela e o seu irmão de 18
anos moram com a avó Sílvia, assim como a namorada do rapaz, de 17 anos, que
estava grávida na época da entrevista e foi morar com a família por causa da
gravidez. Sílvia é a avó materna de Kelly, tem 52 nos e cursou até o 4º ano do
ensino fundamental. A avó cuida da menina desde que essa tinha 1 ano e 9 meses e
seu irmão, 5 anos.

Kelly e seu irmão foram morar com a avó quando a mãe, que estava com um tumor
no cérebro, morreu atropelada por um ônibus. A avó cuida dos netos sozinha, eles
não possuem contato com parentes paternos, e Silvia relata que nem mesmo
conhecem os pais. Ela afirma que nunca tiveram ajuda, nem mesmo sabe quem são
os pais dos netos, mas ela considera que foi melhor para eles não os conhecer:
“Não e eu acho é bom porque eu nem sei quem é. É melhor pra gente cuidar.”.

De acordo com a avó Sílvia, tanto ela quanto o neto estavam desempregados, tendo
como renda mensal o auxílio que recebem no valor de um salário mínimo,
necessitando de ajudas de terceiros para complementarem o sustento da família -
ajudas essas que não foram especificadas durante a entrevista. A casa em que a
família reside está localizada ao lado da escola. Essa proximidade permite que Kelly
possa participar com mais frequência dos projetos realizados na instituição. No dia
da entrevista, apenas a avó estava na casa. Ela me recebeu na sala, que estava
muito organizada. A entrevista ocorreu sem contratempos, contando com a
disposição de Sílvia para responder aos questionamentos.

Kelly possui deficiência intelectual, atestada em laudo médico, o que ocasiona


atraso em seu desempenho cognitivo e desenvolvimento pedagógico, não estando
ainda alfabetizada. Conforme relato da avó, Kelly só começou a falar entre os 9 e 10
27

anos, período em que frequentava uma escola para alunos especiais em Uberaba,
cidade em que moravam. Após a vinda da família para Belo Horizonte, Kelly passou
a frequentar a escola regular, na qual está há 3 anos.

4.2. Professoras

4.2.1. Aline, professora de Suelen

O projeto formulado para esta pesquisa previa a realização de entrevistas com


professores das alunas, a fim de captar a perspectiva desses sujeitos a respeito da
relação com as famílias. Como não tinha contato com os professores do turno da
manhã, no qual Suelen estuda, necessitei que a coordenação indicasse qual
professor seria mais adequado para a realização da entrevista. A coordenadora
pediu então que eu comparecesse na escola durante a parte da manhã para que
conversasse com um professor.

Ao chegar à escola, fui apresentada a um professor de educação física, que de


acordo com a coordenadora já era professor de Suelen há alguns anos e tinha muito
contato com ela. O professor se dispôs a participar da entrevista em seu horário de
planejamento, porém, no decorrer da conversa, quando eu expliquei resumidamente
o tema da pesquisa, passou a se mostrar resistente em participar, indicando que
outros professores seriam mais adequados para responder às questões propostas.
Procurei novamente a coordenadora relatando o fato, ela então me apresentou à
professora Aline, que também estava em horário de planejamento e se dispôs
prontamente a participar da pesquisa.

A professora Aline possui 36 anos, está na escola há quatro anos e leciona língua
portuguesa para alunos do terceiro ciclo do ensino fundamental. É formada em
Letras e trabalha há mais de dez anos nessa área. A entrevista ocorreu na sala de
professores, com outros docentes próximos, uma vez que a professora não se
dispôs a ir a outro local. Porém, esse fato não chegou a prejudicar a entrevista,
sendo apenas desconfortável pelo barulho que envolveu o local e a presença de
outras pessoas.
28

Durante a conversa com a docente, foi possível perceber que ela possui um grande
envolvimento com seus alunos. Tem conhecimento de fatos pessoais e familiares
deles, sempre buscando conversar e auxiliar em casos mais sérios.

4.2.2. Luíza, professora de Kelly

O contato com a professora Luiza também ocorreu na escola, tendo como


intermediária a coordenadora, que autorizou a realização da entrevista na instituição.
A entrevista foi realizada no horário de “projeto”7 da professora. No dia da entrevista,
a professora já aguardava e buscou uma sala mais tranquila para conversarmos. Ao
longo da conversa, expliquei o tema da pesquisa. Ela de imediato demonstrou
interesse e começou a relatar a respeito de outros casos, em suas turmas, de
estudantes que não moram com os pais, evidenciando que conhecia bem seus
alunos e suas trajetórias.

A professora Luiza tem 50 anos, possui formação em Pedagogia e pós-graduação


em Educação Especial e em Metodologia do Ensino Superior. Trabalha há 30 anos
na mesma escola, e se aposentará no próximo ano. De acordo com a professora,
nunca solicitou transferência para outra escola, por se sentir feliz onde trabalha,
sendo essa uma instituição muito acolhedora, tanto para os alunos, quanto para os
professores.

Ao longo da conversa, a professora Luiza falou muito sobre o cotidiano de seus


alunos, suas famílias e também sobre o funcionamento da escola e as mudanças
que ela presenciou ao longo do tempo. Relatou fatos pessoais, como o falecimento
de sua filha aos 7 anos, e como isso influenciou sua vida como docente. Ao longo da
entrevista a docente fez com que eu fosse até sua sala, para que pudesse assistir
uma de suas alunas tocando violino. A professora relatou o orgulho que tinha de
seus alunos, sempre apontando suas qualidades individuais.

7
O horário de Projeto seria referente à Hora Atividade, que é o período garantido pela lei nº
11.738/2008, que garante aos professores o tempo para realização de atividades extraclasse, como
planejamento, organização das aulas, avaliação de atividades, etc.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm
29

5. As perspectivas dos sujeitos.

5.1. As perspectivas das avós

Apresentarei, a seguir, a análise da perspectiva das avós sobre o trabalho de


cuidado de suas netas e a relação com a escolarização delas. Será analisada a
relação entre avós e netas, trazendo como foco os motivos pelos quais as duas
mulheres tornaram-se responsáveis pelas netas, os impactos da substituição das
figuras maternas e/ou paternas, bem como suas concepções de futuro em relação
às crianças. A seguir será abordada a visão das avós em relação à escola, como
enxergam o trabalho dos professores, finalizando com a análise de como se
desenvolve mais concretamente, no dia-a-dia, a relação dessas avós com a escola.

5.1.1. A relação avós e netas

Durante o levantamento bibliográfico, foi possível encontrar diversos motivos pelos


quais os netos podem passar a ser cuidados pelos avós, dentre eles gravidez na
adolescência, morte dos progenitores, separações, desemprego, vícios, dentre
outros. Motivos esses que fazem com que, por um período temporário ou de modo
definitivo, os avós necessitem reconfigurar seus papéis, passando a se ocupar de
novas demandas e obrigações. Segundo Silva (2012), o fenômeno da ocorrência de
netos sendo criados por avós não é um fato recente, sendo recorrente em outras
épocas, nos mais diversos locais; e, embora mais notado nas camadas populares,
não é uma exclusividade dessa classe social. Coutrim et. al. (2018) indicam que
esse fenômeno tem ganhado novas proporções e contornos na sociedade
contemporânea, em função de mudanças como o aumento da monoparentalidade e
a maior longevidade, que ampliam o tempo de convivência entre as gerações e
demandam novas formas de negociação e de apoio entre elas.

No estudo de Ribeiro e Zucolotto (2015), as autoras realizaram uma pesquisa a


respeito do lugar dos avós na sociedade contemporânea, em que apresentam
sujeitos que deixaram o lugar de serem os responsáveis por apenas mimar os netos
ou serem seus contadores de histórias, passando também a serem os responsáveis
pela socialização, auxílio à educação, auxílio financeiro e, como ocorre em muitos
30

casos, os responsáveis por criarem os netos, seja de forma temporária, auxiliando


em necessidades específicas dos filhos, ou de maneira definitiva, quando passam a
ocupar o lugar dos pais nas vidas dos netos.

Nos dois casos retratados na presente pesquisa, as avós tornaram-se responsáveis


por suas netas de forma definitiva, devido à morte das mães e também à ausência
da figura paterna. As avós passaram a ocupar o lugar de mães, a fim de suprir as
necessidades dessas netas. No caso da aluna Suelen, a avó já esperava ser a
responsável pela neta desde a gravidez precoce da mãe da menina, aos 12 anos.
Quando a neta nasceu, a mãe dela também ficou morando na casa de Dulce até o
seu falecimento no ano seguinte.

Porque na época a mãe dela tinha 12 anos então assim, e minha menina
também tinha 12 anos. Eram três crianças dentro de casa e meu filho tinha
17. Então foi indo, tudo crianças. Aí todo mundo cresceu, desembolou e ela
ficou. (Dulce, avó de Suelen, entrevista de pesquisa).

Outros trabalhos que trataram de avós responsáveis por seus netos trouxeram à
tona consequências para esses avós, que acabam tornando-se responsáveis e
desempenhando os papéis de figuras paternas e/ou maternas de seus netos.
Mainetti e Wanderbroocke (2013), ao tratarem do tema, pontuam que entre os
fatores negativos para os avós criarem os netos estariam a “queda na qualidade de
saúde física e emocional das avós, com incidência de depressão e baixa saúde
percebida, interferência na vida social e familiar, cansaço e esgotamento emocional”.
Por outro lado, as autoras apontam também aspectos positivos dessa convivência
entre netos e avós, dentre eles o sentimento de renovação pessoal decorrente da
"oportunidade de ter companhia e gratificação por estarem provendo uma nova
geração com cuidados e ensinamentos” (MAINETTI E WANDERBROOCKE, 2013,
p. 88).

Ao assumirem o papel de mães de seus netos, as avós podem se deparar com


diversos sentimentos controversos, como satisfação e prazer, mas também raiva,
culpa e o medo de falharem nesse papel (DIAS, COSTA e RANGEL, 2005). Os
avós, ao mesmo tempo em que educam seus netos, são de alguma maneira
educados por eles, passando a aprender e ressignificar suas vivências. Sílvia,
durante a entrevista, externou alguns desses sentimentos, principalmente o de
31

impotência por considerar não estar fazendo o melhor para a neta Kelly, devido aos
parcos recursos da família e às necessidades específicas da menina. De acordo
com a avó, Kelly necessitaria de atendimentos especializados, como psicólogos e
fonoaudiólogos, para que seu desenvolvimento ocorresse de maneira mais
satisfatória, porém isso parece estar fora da realidade da família. O sentimento de
impotência fica evidente quando é questionada a respeito do que poderia fazer para
ajudar a neta a se desenvolver:

A gente vai tentando, fazer uma coisa aqui, uma coisa ali, mas ser correta
mesmo no termo de poder ajudar ela mesmo, eu não tenho condição pra
isso, não tem como. Por exemplo, nem estudo eu tenho, se eu tivesse mais
estudo eu poderia saber como ajudar ela melhor. Só isso mesmo. (Sílvia,
avó de Kelly, entrevista de pesquisa)

No trabalho de Mainetti e Wanderbroocke (2013), aparece também outro temor dos


avós em relação aos netos: o de morrerem e os netos não terem com quem ficar ou
se perderem. Silvia externa esse temor em relação à neta, a respeito da incerteza do
que pode acontecer em seu futuro, quando questionada sobre suas dificuldades com
os netos:

É, é a maior dificuldade minha com eles, e até com a Kelly, principalmente


com ela, por ela não entender bem as coisas, eu tenho medo de acontecer
alguma coisa com ela. Tenho até medo às vezes de eu morrer e ela ficar,
sabe assim, sem rumo. A gente fica nessa “questionação” assim. Mas Deus
sabe de todas as coisas, nesse ponto aí, não tem como não. (Sílvia, avó de
Kelly, entrevista de pesquisa)

Ribeiro e Zucolotto (2015) destacam, também, o ponto de vista dos avós acerca das
dificuldades afetivas na relação com os netos, principalmente relacionadas com a
ausência paterna ou materna. De acordo com as autoras, alguns avós afirmam que
nunca conseguirão suprir a falta da mãe e do pai, mas que tentam fazer o máximo
para tentar amenizar e suprir essa ausência. Sílvia e Dulce relataram os sentimentos
das netas em relação à falta da presença materna, que nem sempre é expressa
verbalmente, mas também no comportamento:

Falar assim coisa não, mas a gente sente que ela sente assim um
pouquinho de falta, eu acho que é diferente. Não sei expressar pra você o
que seria, o que é, mas eu creio que ela sente falta. Igual ela vê muitas
meninas saindo com as mães, e eu... a gente não é a mesma coisa, assim,
entendeu? (Sílvia, avó de Kelly, entrevista de pesquisa).
32

Ela não teve contato assim com a mãe, não. Não teve contato. Agora que
ela tá grande é que ela fala ‘eu queria ter minha mãe’. (Dulce, avó de
Suelen, entrevista de pesquisa).

Foi notória, durante a entrevista com a Sílvia, sua insatisfação com a condição
financeira da família. A falta de recursos faz com que não consigam atender
satisfatoriamente às necessidades especiais de Kelly, que precisaria de ajuda
especializada para se desenvolver mais efetivamente do ponto de vista cognitivo, o
que tem prejudicado seu resultado na escola. Cabe acrescentar que, além dos
parcos recursos financeiros, possivelmente, devido à baixa escolaridade da avó e à
falta de conhecimento, ela não saiba como buscar alternativas para auxiliar Kelly,
como através do SUS, por exemplo. Observa-se, portanto, que se trata da falta de
recursos de diferentes tipos; nos termos de Bourdieu (1998), provavelmente a posse
de maior capital econômico, cultural (especialmente o informacional) e mesmo
social8 permitisse a Silvia maior sucesso nessa empreitada.

5.1.2. Visão sobre a escola

No que tange à escola, bem como à recepção por parte dos funcionários e
professores, as avós disseram ser sempre bem recebidas na instituição. Dulce diz
gostar da escola, achar os funcionários prestativos, afirmando que, sempre que
precisou deles, foram atenciosos. Sílvia, quando questionada a respeito da recepção
por parte da escola, também apresenta uma visão positiva, afirmando que o
tratamento por parte dos funcionários é bom e sempre que necessita de algum
auxílio ou de tirar alguma dúvida, eles estão disponíveis.

Quando questionadas se percebem algum tipo de diferenciação, por parte da escola,


pelo fato de as netas serem criadas pelas avós, sem a presença dos pais, as duas
entrevistadas apresentaram falas parecidas, dizendo que se sentem muito bem

8 Segundo Bourdieu, a posição social de uma família e suas possibilidades diante do sistema de
ensino são em grande parte decorrentes da posse de quatro tipos de capitais: econômico (bens
materiais, recursos financeiros), cultural (acesso a bens culturais socialmente legitimados, nível de
escolarização, posse de informações sobre o sistema de ensino, etc.), social (rede de relações
potencialmente rentáveis em determinado campo) e simbólico (prestígio e reconhecimento
decorrentes de determinados pertencimentos sociais) (BOURDIEU, 2003; NOGUEIRA e NOGUEIRA,
2004).
33

recebidas quanto a isso, sendo que o tratamento é tão bom quanto se fossem mães
das alunas:

Não, pelo contrário, dão mais atenção, mais carinho. Têm mais dedicação.
(Dulce, avó de Suelen, entrevista de pesquisa).

Não, pra eles nem parece que eu sou vó, é a mesma coisa de eu tá mãe.
Eles nem lembram às vezes que eu sou avó dela. É como se fosse mãe
mesmo. Ela me chama de mãe, né, ela não fala vó. Eu não consigo falar
mãe pra ela, sempre avó que eu falo. Mas a convivência com escola com
ela está sendo boa aqui em casa. Não estou tendo problema com a escola
não. (Sílvia, avó de Kelly, entrevista de pesquisa).

Essa visão positiva das avós entrevistadas em relação à escola vai no mesmo
sentido da opinião das professoras, como será exposto mais à frente. Porém, essa
perspectiva favorável em relação ao tratamento dado pela escola aos avós
cuidadores dos netos não se apresenta em todas as situações, conforme a literatura.
Coelho (2018), em seu trabalho que trata sobre a relação entre avós, netos e escola,
relata ter presenciado, durante as observações nas escolas, momentos nos quais as
avós, ao solicitarem informações aos funcionários, eram tratadas com rispidez e
indiferença. Essas situações não podem ser tomadas como gerais, pois poderão
variar conforme a instituição e atores envolvidos nos fatos observados ou relatados.
Uma importante direção para a pesquisa, que não pode ser devidamente
aprofundada neste estudo, seria justamente compreender quais os fatores
explicativos e/ou condicionantes dessas variações.

Nas entrevistas que realizei, as avós associam o bom relacionamento com os


funcionários da escola à qualidade da instituição, estando sempre presentes
aspectos como “atenção” e “carinho”, em suas avaliações. No trabalho de Sá (2017),
que realiza uma pesquisa a respeito dos sentidos da escolarização para mães de
criação que vivem em territórios vulneráveis, um dos fatores que mais influenciam a
avaliação delas em relação à escola é o fato dos professores serem ou não
carinhosos, cuidadosos, receptivos com a criança e atenciosos com a família.
Também Paixão (2005), investigando os significados da escolarização para um
grupo de dez mães catadoras de um lixão no Grande Rio de Janeiro, identifica que a
avaliação da escola, por essas mães, está muito mais ligada a questões afetivas e
relacionais do que às pedagógicas e cognitivas, pela própria dificuldade de avaliar
essas últimas, em função da baixa escolaridade. Assim, os dados obtidos nesta
34

pesquisa corroboram essa literatura, Esse fato denota certa tendência na maneira
pela qual as famílias das classes populares avaliam as escolas e professores.

5.1.3. Interações com a escola e projetos de futuro

Quanto a esse último aspecto, isto é, as interações cotidianas entre as duas avós
(Dulce e Síliva), suas netas e a escola, as situações são bem contrastantes. Dulce
costuma comparecer à escola apenas em reuniões ou quando há algum tipo de
solicitação; não costuma participar de eventos, como festas juninas, festa da família.
Disse que foi algumas vezes ao Programa Escola Aberta9, mas também parou de ir,
pois geralmente está trabalhando. De acordo com ela, a neta também não gosta de
participar desses eventos. Já Silvia tem o costume de procurar a escola para tirar
dúvidas a respeito da neta, também participa das reuniões e frequenta os eventos
da escola, pois a neta gosta de estar presente:

Quando tem eu vou. Vou lá, fico um pouco com ela, tiro foto, as professoras
tiram foto com a gente. É muito bom, a convivência é boa.(Sílvia, avó de
Kelly, entrevista de pesquisa).

A avó de Kelly destaca a importância, para a neta, das atividades que a escola
oferece, principalmente pelo fato de não terem muito recursos para realizar outros
passeios e também por sua saúde fragilizada:

É importante pra ela, ela gosta, traz os bilhetes pra mim assinar, ela fica
empolgada com excursão, essas coisas. Ela fica doida pra passear, porque
ela não sai, aqui em casa fica mais eu mesmo e ela. Então ultimamente eu
ando muito doente, também não tenho saúde. Aí fica assim. Em algum
ponto ela fica prejudicada, porque ela poderia ter outras atividades pra
fazer, entendeu , e não tem. (Sílvia, avó de Kelly, entrevista de pesquisa).

Sílvia relata que costuma acompanhar os deveres de casa da neta. Quando Kelly
tem alguma dúvida ela recorre à professora ou a auxiliar que a acompanha em sala.

9
“O Programa Escola Aberta incentiva e apoia a abertura, nos finais de semana, de unidades
escolares públicas localizadas em territórios de vulnerabilidade social. A estratégia potencializa a
parceria entre escola e comunidade ao ocupar criativamente o espaço escolar aos sábados e/ou
domingos com atividades educativas, culturais, esportivas, de formação inicial para o trabalho e
geração de renda oferecidas aos estudantes e à população do entorno.”
Fonte: http://portal.mec.gov.br/observatorio-da-educacao/195-secretarias-112877938/seb-educacao-
basica-2007048997/16739-programa-escola-aberta.
35

Sempre tem a menina lá que ajuda ela fazer, mas sempre que ela traz a
gente ajuda eu participo com ela pra fazer. Alguma coisa que eu não sei
que às vezes tem umas coisas que eu não entendo ai eu deixo para a
professora ensinar ela.

Com relação ao acompanhamento das atividades escolares em casa, como Suelen


está no nono ano do ensino fundamental, a avó diz não ter necessidade de auxiliá-
la, ela mesma já sendo capaz de buscar alternativas para suas dúvidas. Para a avó,
a aluna não costuma dar problema na escola, porém nesse ano ela teve algumas
dificuldades:

No começo desse ano ela deu uma balançada, agora ela equilibrou de
novo, mas sempre né, muito nova também. Então, pra mim tá indo bem,
não tenho do que queixar dela não. (Dulce, avó de Suelen, entrevista de
pesquisa)

A avó diz que é muito rígida com a neta e, quando questionada se já foi chamada
alguma vez na escola por causa da jovem, ela diz: “Fui. Eu dei um couro nela, lá
dentro mesmo.” (Avó Dulce).

Quanto às suas pretensões para o futuro da neta, Dulce diz que isso vai depender
da menina, que ela tem vontade de continuar estudando, mas diz não saber como
isso vai ocorrer:

Eu espero dela formar, até porque a ideia dela é essa, até continuar. Eu
quero que ela estuda né, mas vão ver né, esse povo depois que cresce... é
difícil. Eu acho que ela vai até o final. Eu acho né, não sei. [...] Em relação
aos estudos ela está indo muito bem, só Deus sabe o final, a gente só
espera que completa tudo, mas... A escola é muito boa, os diretores, os
funcionários também, então não tenho nada a reclamar. (Dulce, avó de
Suelen, entrevista de pesquisa).

Sílvia, em relação à Kelly, destaca a grande importância da escola para seu


desenvolvimento, relatando sua melhora desde a entrada na instituição:

Como eu te falei, é normal, o comportamento dela na escola é tranquilo,


com os professores, com os alunos, por ela ter essa dificuldade dela, eu
acho que ela é tranquila, todo mundo lá gosta dela, convive bem, se tiver
que fazer alguma coisa eles mandam pra mim. Ela gosta muito da Marisa
que tem lá, a menina que trabalha, elas se dão muito bem, então assim, não
tenho que reclamar. Eu fico querendo mudar daqui e tudo, mas eu me
apego mais na escola, porque é pertinho, eu buscava e levava ela, agora eu
36

já deixo ela atravessar, já ir, porque faz parte dela crescer, igual a psicóloga
falou pra mim na época né, que eu tenho que deixar ela desenvolver um
pouco. Porque ela tinha medo até de atravessar a rua, daqui pra aqui, ela
tinha medo. Então ela está se desenvolvendo mais, fazendo as coisas,
convivendo lá com os meninos. Já conversa, tem as meninas pra ela
conversar. (Sílvia, avó de Kelly, entrevista de pesquisa).

Quanto às pretensões em relação à escola, o maior desejo de Sílvia é que Kelly


aprenda a ler, pois esse é o maior desejo da menina, que de acordo com a avó,
costuma pegar os livros e balbuciar como se estivesse lendo de verdade. Assim, a
alfabetização de Kelly é a maior aspiração de futuro dela:

Igual eu te falei, o que eu esperava dela na escola mesmo é ela aprender a


ler. Ela é doida pra aprender a ler, entendeu. Ela quer aprender a ler. É a
maior dificuldade dela, em termos da escola. (Sílvia, avó de Kelly, entrevista
de pesquisa).

A maneira com que as famílias lidam com a escolarização das crianças e


adolescentes pode variar conforme as expectativas que vislumbram para o futuro
dos filhos. Nas classes populares, a baixa expectativa e a incerteza de futuro quanto
à escolarização são frequentes. A fala das duas avós entrevistadas nesta pesquisa,
quando questionadas a respeito do futuro das netas, evidencia esse fato. Apesar de
reconhecerem a importância da escola, não conseguem mensurar ou expressar de
maneira assertiva objetivos ou estratégias mais claros a respeito do assunto.

No trabalho de Sá (2017), a autora constata que as mães acreditam ter uma missão
moral para com seus filhos de criação, sendo necessário fazer com que estudem
para terem melhores futuros, entretanto, diante das incertezas e resultados não
satisfatórios de alguns, elas acabam aceitando com certa resignação o fato de não
irem bem na escola, relacionando isso a escolhas, gostos e disposições individuais:

Na fala das mães, “há aqueles que têm e aqueles que não têm cabeça boa
para a escola”, “há aqueles que escolhem gostar da escola e os que não
escolhem”, ou ainda, “há aqueles que estão dispostos a se esforçar e
aqueles que não estão dispostos”. As escolhas são vistas como individuais
e como algo, em última instância, incontrolável pelas famílias ou mesmo
pelos sujeitos. (SÁ, 2017, p.220)

No caso desta pesquisa, Dulce diz esperar que a neta termine os estudos,
entretanto, fica clara a incerteza em sua fala, sendo essa expectativa (além de vaga,
37

no sentido de não especificar qual o nível de formação pretendido) apresentada


como algo que pode ou não acontecer, dependendo muito do porvir. Já em relação à
Silvia, além dos fatores citados acima, soma-se também o fato da neta possuir
deficiência intelectual, apresentando dificuldades da aprendizagem e ainda não ser
alfabetizada. Isso faz com que as expectativas sejam ainda mais limitadas, pois a
prioridade torna-se o desenvolvimento da menina e sua alfabetização 10.

Em sua pesquisa sobre os processos de escolarização nos meios populares, Zago


(2008; 2012) afirma que as famílias pesquisadas reconhecem a importância da
educação, principalmente quanto às exigências do mercado de trabalho ou como
forma de romper com a pobreza familiar, entretanto, o grupo também vê na escola
um local de socialização e proteção dos filhos em relação ao contato com a rua, com
o mundo da droga, etc., indo além das questões meramente da instrução ou
preparação para o mercado de trabalho.

Essa tendência dos membros das classes populares associarem a escolarização a


melhores posições e empregos futuros apresenta-se também no trabalho de Sá
(2017). Dentre as famílias pesquisadas, algumas consideram que a maior
escolaridade permite conseguir melhores empregos e melhores condições de vida,
fazendo com que essas famílias usem a estratégia de escolarização como meio
principal de ascensão financeira. No caso de outras famílias, entretanto, embora
também reconheçam o valor dessa escolarização, a maneira de lidar com ela vai
variar conforme as condições financeiras e a situação da família no momento, a qual
pode ser tão precária que dificulta até a própria frequência à escola:

O que é evidente na relação da família com a escola é que, quando as


condições de vida estão melhores, a escola tem um lugar de destaque na
família. Já quando as condições pioram, como na época dos primeiros
meses em que se mudaram para o barraco, a família mal conseguia pensar
na vida escolar, só falavam em sair daquela situação e suas energias em
relação à escolarização eram para conseguir fazer com que a criança
frequentasse a escola com dignidade, o que nem sempre era possível, pois
as roupas não secavam e quando chovia não dava para descer o “escadão”
de lama, resultando em faltas na escola. Quando as condições estão
austeras, há rupturas e descontinuidades na educação da criança. No caso
dos adultos, os planos de retomar a escolarização permanecem, de maneira

10
Para uma análise mais efetiva quanto às expectativas das famílias em relação ao futuro de alunos
com necessidades especiais, seria necessária a realização de uma pesquisa mais específica a
respeito do tema, a qual não foi possível no âmbito deste trabalho.
38

branda, e são postos em prática quando as condições de vida permitem.


(SÁ, 2017, p. 134).

Lahire (1997), através do estudo de diferentes perfis familiares em meios populares,


sustenta a posição de que, independente da situação escolar da criança, geralmente
os pais reconhecem a importância da escola, bem como manifestam o desejo de
que seus filhos possam alcançar empregos e posição melhor que a deles,
manifestando a expectativa de que a escola permita que esses estudantes possam
conseguir melhores empregos no futuro, menos mal remunerados e menos sujos
dos que os dos pais. Para Perez (2009), mesmo com a democratização do ensino,
nas camadas populares “a escola tende a ser vista como um meio de ascensão
social e de qualificação para o trabalho” (PEREZ, 2009, p 385), diferente das classes
dominantes, nas quais pode ser considerada um meio de formação intelectual e
acadêmica.

Zago (2008; 2012), ainda ressalta que em algumas famílias das classes populares, a
mobilização familiar se volta à necessidade de sobrevivência. Algumas famílias, por
reconhecerem a importância dos estudos, principalmente para alcançarem melhores
postos de trabalho no futuro, tentam manter os filhos o máximo de tempo na escola,
entretanto, muitos necessitam, até mesmo de forma precoce, conciliar o trabalho
com o estudo. Assim, em alguns casos o abandono dos estudos ocorre de forma
definitiva, ou retornam mais tarde, enfrentando interrupções e desafios. Conforme a
autora, apesar das famílias alimentarem a crença de um futuro melhor através da
escolarização, devido às limitações das condições materiais, os projetos de futuro
são limitados, sem uma real perspectiva de mudança.

Um aspecto importante, apresentado por Lahire (1997), diz respeito à maneira pela
qual as famílias irão expressar a importância que dão à escola. Quando cita os pais
que batem em seus filhos que vão mal na escola, ele deixa evidente – mesmo
considerando a problemática da violência – que, ao tomarem essas atitudes, tais
pais estão demonstrando a importância conferida à escola, o que vem ao encontro
do ato de Dulce, que diz ter batido na neta quando foi chamada na escola por causa
dela.
39

E o que dizer dos pais ou mães que batem nos filhos quando os resultados
são ruins ou quando as cadernetas mostram que brincaram em aula? O que
quer que se possa pensar da eficácia pedagógica dessa política disciplinar,
tais fatos provam que os pais não são indiferentes aos comportamentos e
aos desempenhos escolares: para bater nos filhos, é também necessário
julgar que isso vale a pena e conferir à escola um mínimo de importância e
de valor. (LAHIRE, 1997, p. 334-335).

5.2. As perspectivas das professoras

A perspectiva das professoras sobre a relação com as famílias se apresentará


através das entrevistas realizadas, fundamentada a partir da bibliografia estudada.
Na primeira parte serão apresentadas as concepções das professoras a respeito das
famílias atendidas pela escola, focalizando na realidade das alunas pesquisadas.
Após serão analisadas as perspectivas das professoras sobre as interações
cotidianas com as famílias.

5.2.1. Visão sobre as famílias

Assim como as avós, as professoras também apresentaram uma visão positiva da


forma como a instituição escolar pesquisada costuma lidar com as famílias. A
professora Luiza, que trabalha há 30 anos na escola, justifica nunca ter pedido
transferência para outra instituição, pelo fato da mesma ser uma escola acolhedora,
que respeita as diferenças, as famílias dos alunos e também os professores. O
depoimento da professora Aline corrobora o de Luíza, ao dizer que a escola é
acolhedora, e muito sensível aos casos dos alunos que não residem com os pais, ou
que necessitam de algum acompanhamento mais próximo:

Eu vejo que a escola aqui tem um acolhimento muito grande em relação a


esses meninos, a escola é sensível a essa realidade dos meninos, aqui na
escola ela tem isso. A escola aqui é preocupada com essa questão, a gente
já teve casos aqui da direção ir à casa dos alunos, e eu vejo que isso é uma
preocupação porque é importante para o rendimento deles. (Aline,
professora de Suelen, entrevista de pesquisa).

Segundo os depoimentos das professoras, há alguns anos a escola realizava festas


de “dia das mães” e “dia dos pais” separadamente, inclusive com o futebol dos pais,
mas devido às mudanças que vêm ocorrendo e à maior sensibilidade quanto às
diferenças familiares dos alunos, a instituição optou por comemorar apenas a “festa
da família”, para que todos se sintam representados, sem a distinção daqueles que
40

não se encaixam na configuração familiar nuclear. Inclusive as professoras relatam


que grande parte de seus alunos não fazem parte de uma família com pai, mãe e
filhos, muitos fazem parte de famílias monoparentais, moram com os avós, tios,
padrinhos, famílias homoafetivas, uma série de arranjos familiares diversos.

Essa adaptação das atividades da escola em favor das mudanças ocorridas na


estrutura familiar é importante, tendo em vista a diversidade dos grupos. Perrenoud
(2001) afirma que existem FAMÍLIAS:

Numa palavra, existem FAMÍLIAS, diversas pela sua composição e


estrutura, e mais ainda pelas suas condições de vida, pelos seus valores e
modo de funcionamento; sobre esta diversidade de famílias a escola não
teria nunca efeitos homogêneos. (Perrenoud, 2001, p. 59-60)

Para a professora Luiza, o fato de um aluno não fazer parte de uma família nuclear,
não impede que ele tenha sucesso escolar. Ela acredita que o mais importante,
nesse caso, não é a configuração familiar, mas o fato desse aluno ter alguma
pessoa que se interesse por sua vida, seus estudos:

Eu acho que a gente tem que fazer o melhor que for pelo aluno. Então às
vezes, ele não mora nem com a mãe nem com o pai, mas ele mora com
uma avó carinhosa, com um avô preocupado, então ele tem seguimento. Às
vezes ele mora com uma mãe, mas a mãe também não está preocupada
com o rendimento do filho, ela está preocupada com ela, com ela sair, e o
menino cai. Então, na minha cabeça não tem aquela formação de família
perfeita, eu acho que tem que ser uma família harmoniosa, onde que o
menino possa crescer, com alguém preocupado com ele. Eu sempre falo,
eles não são sozinhos, tem sempre um responsável, então que esse
responsável seja uma pessoa confiante pra poder caminhar com essa
criança. Então eu não me preocupo se é o pai ou mãe com os filhos, eu
acho que sim, tem que ser aquela pessoa, que vai direcionar um caminho
que seja pelo menos viável para essa criança (Luíza, professora de Kelly,
entrevista de pesquisa).

Nesse sentido, a concepção apresentada pela professora Luíza corrobora a


definição de Perrenoud (2001, p. 81) a respeito da família do aluno, considerando-a
como “o grupo no qual ele vive e no seio do qual se encontra pelo menos um adulto
reputado responsável pela sua educação e pela sua escolaridade”.

Embora considere que o arranjo familiar do aluno não interfira diretamente em seu
sucesso ou fracasso escolar, a professora Luíza argumenta que a família em si é a
41

responsável por acompanhar os resultados do estudante, relacionando a indisciplina


deste à falta de zelo dos familiares:

Às vezes aqueles que já são indisciplinados, estão faltando maior zelo desses
familiares. A gente percebe também até pelo olhar do caderno do filho, que
muitas vezes tem menino que não faz nada, e você vê que a família não está
percebendo. Porque se seu filho chega todo dia sem ter nenhuma atividade
no caderno, a família tem que vir cá pra saber o que está acontecendo.
(Luíza, professora de Kelly, entrevista de pesquisa).

Nesse sentido, para as duas professoras, um dos desafios é aproximar-se das


famílias cujos alunos são mais indisciplinados, ou possuem maiores dificuldades:

O desafio é você trazer para a escola aqueles pais dos meninos que estão
realmente precisando. Eles só vêm quando tem ocorrência, ou quando a
diretora chama. (Suelen, professora de Kelly, entrevista de pesquisa).

Para Perez (2009), a escola de maneira equivocada confere aos pais papéis que
não fazem parte suas atribuições, responsabilizando-os por problemas que seriam
da competência da instituição escolar. Segundo Perrenoud (2001), do ponto de vista
da escola e professores, as famílias devem educar as crianças para que sejam
capazes de cumprir o papel de alunos. Para o autor, os papéis dos pais não se
limitam às “prescrições regulamentares e legais”:

Na prática, é suposto aos pais facilitarem por todas as vias a escolaridade


do seu filho, em particular dando-lhe uma boa educação, inculcando-lhe o
respeito por certas normas, preparando-o para entrar na escola e para se
comportar correctamente, vigiando o seu trabalho, a forma de se
apresentar, os seus horários, o seu material escolar. (Perrenoud, 2001 p.
101)

Para Romanelli (2009), a escola tende a avaliar de maneira negativa as famílias que
não acompanham os deveres dos alunos, ou não estão presentes nos eventos e
reuniões, ligando isso ao fato de uma suposta desestruturação familiar. Conforme
Sigolo (2009, p.398), a demasiada ênfase dada à participação parental na escola,
por parte dos legisladores, gestores e professores, transmite a ideia de que essa “é
uma condição crítica para o sucesso acadêmico”.

A respeito dos alunos que não vivem com os pais, a professora Aline, acredita que
isso impacta de maneira negativa sua escolaridade, pois esses poderão ficar sem
42

uma referência, o que faria com que seus resultados e escolhas de futuro possam
ser comprometidos:

Não tem como não impactar, isso é determinante. A família, ela é uma
referência, tanto uma referência positiva, quanto negativa. Muitos têm
exemplos excelentes em casa e são maus alunos, que a gente sabe que
também há exceções, mas via de regra, uma família estruturada, uma
família que acredita no menino, ele tende a buscar os desafios e vencê-los.
A parceria com a escola se faz sim, muito presente, aqui na nossa escola
nós temos algo assim muito presente, que eu vejo, a gente chama muito a
família, só que comumente nós somos entristecidos por essa família,
porque às vezes nós chamamos porque o comportamento é X, o
comportamento ruim, por exemplo, e a família apoia o menino, ao invés de
nos apoiar, porque a gente quer ajudá-los, mas ela não enxerga isso. Então
a gente vê uma superproteção, vê uma falta de referência, no sentido assim
de mostrar para o menino, de respeito, vários outros valores que a gente vê
assim, indo por água abaixo por meio dessa geração. (Aline, professora de
Suelen, entrevista de pesquisa).

Para ilustrar seu ponto de vista, a professora Aline relata ainda o caso de um aluno
que mora com avó, pelo fato do pai estar preso e a mãe tê-lo abandonado. Segundo
a docente, o aluno possui um significativo histórico de indisciplina e grandes
dificuldades de aprendizagem, os quais ela relaciona à situação familiar do garoto:

A gente tem um caso muito crítico aqui do Vinícius, que é um aluno que é
muito indisciplinado. Inclusive com os próprios colegas ele tem problema de
relacionamento, atualmente todo mundo na sala dele, a maioria está a fim
de bater nele. Ele é criado pela avó, acho que o pai está preso, a mãe
entregou o menino e falou assim “eu não quero esse menino”, então você
vê assim que ele é totalmente perdido. Ele privilegia o lado social com a
indisciplina porque ele quer mostrar que ele está bem, mas a gente sabe
que ele sofre, não tem como ele não sofrer. É uma forma dele se igualar.
‘Eu não dou conta de estudar, mas eu sou super social, me envolvo bem.’ É
onde eles tentam suprir com o convívio, com essas questões de
relacionamento com os colegas. (Aline, professora de Suelen, entrevista de
pesquisa).

A fala da professora Aline traz alguns elementos para dialogar com a literatura sobre
o tema. Segundo Perez (2009, p. 388), os professores reproduzem uma
representação discriminatória a respeito das famílias das camadas populares,
contrapondo o estereótipo de “família ideal supostamente coesa das camadas
médias”, ao “estereótipo de família desestruturada da população pobre”. Para
Resende (2009), o estereótipo segundo o qual a família desestruturada, que não
impõe limite aos filhos, seria causadora de problemas na escola, é recorrente entre
os educadores escolares; entretanto, segundo a autora, esse discurso seria
simplificador e reducionista, uma vez que, para ela, a “(in)disciplina escolar é um
43

processo complexo e desafiador, relacionado a diversas causas, inclusive a


processos macrossociais, bem como a fatores ligados à própria atuação da escola.”
(RESENDE, 2009, p. 82). Perez (2009) afirma, ainda, que essa construção de um
modelo ideal de família faz com que esse discurso preconceituoso desqualifique as
famílias não nucleares. Para a autora, “a consequência desse discurso é justificar
qualquer dificuldade dos membros dos grupos com arranjos diferenciados que
passam a ser identificados como famílias desestruturadas.” (PEREZ, 2009, p. 384)

Quando os educadores escolares reproduzem a ideia da família ideal, fazem com


que aquelas que não se encaixam nesse perfil se afastem do ambiente escolar,
conforme pontuado por Oliveira Junior, Libório e Maio (2015, p. 275):

A manutenção dessa postura segue na contramão das próprias estratégias


educacionais que objetivam integrar a família à escola, uma vez que tende a
afastar aquelas que por ela são consideradas desordenadas.
Consequentemente, o processo de ensino e aprendizagem torna-se
comprometido pela desintegração desses institutos vitais ao processo de
formação do ser social. (OLIVEIRA JUNIOR; LIBÓRIO E MAIO, 2015, p.
275)

De acordo com os autores, a escola precisa se atentar para as mudanças, buscando


integrar as famílias de forma singular, evitando as generalizações que padronizem
as formas de ser família.

Tal cuidado é premente, pois é no cotidiano escolar que se presenciam uma


gama de práticas excludentes daqueles/as que desatendem padrões
normativos, ao privilegiar em seus ritos escolares um estilo particular de
exercício de paternidade. (OLIVEIRA JUNIOR; LIBÓRIO E MAIO, 2015, p.
276)

A argumentação desenvolvida pela professora Aline, entretanto, bem como o


exemplo apresentado por ela, parecem sugerir que não seria o fato em si de viver
com a avó que impacta a escolarização do aluno, ou seja, não seria a configuração
familiar em si, mas sim todo o processo que levou a essa situação, processo esse
frequentemente marcado por rupturas sociais, abandono, rejeição. Ou seja, a
entrevista faz indagar até que ponto se trata de preconceitos e estereótipos da
profissional em relação à família e até que ponto é necessário atentar para
processos que de fato conturbam a experiência da escolarização. No caso desta
44

pesquisa, dados o pequeno tempo em campo e os contextos das entrevistas, não foi
possível aprofundar suficientemente esse entendimento.

5.2.2. Interações com as famílias

Neste subtópico, abordarei em específico a respeito da perspectiva das professoras


em relação às alunas e famílias estudadas no presente trabalho. Ao serem
questionadas sobre elas, as professoras forneceram dados importantes para que
seja possível compreender a maneira com que as famílias lidam com a
escolarização dessas estudantes.

Em relação à Kelly, de quem Luíza é professora pelo segundo ano consecutivo, ela
deixa explícitas as dificuldades da menina em relação aos demais alunos da sala.
Kelly, que tem 14 anos e possui déficit intelectual, está atrasada em relação aos
seus colegas do 5º ano, tanto no que se refere à idade, quanto ao aprendizado.

A professora Luiza considera a falta de tempo um empecilho para auxiliar mais


efetivamente a aluna. Como Kelly ainda não sabe ler, suas atividades precisam ser
adaptadas, sendo acompanhada durante as aulas por uma monitora de inclusão:

Você não consegue acompanhar as atividades das salas, então às vezes a


gente elabora algumas atividades na sala pra ela, mas são atividades de
meninos mais inferiorizados. Às vezes teria que adaptar essas atividades
pra ela, mas muitas vezes a falta de tempo e o que os meninos exigem da
gente às vezes não dá pra esse atendimento, porém ela tem a monitora de
inclusão que toma conta dela e de mais dois, ela tem uma monitora na sala
que auxilia nas atividades, mas nas atividades diferenciadas, algumas são
iguais, mas a maioria é diferenciada. (Luíza, professora de Kelly, entrevista
de pesquisa).

A professora conta que, quando a aluna chegou à escola, ela era muito tímida e
retraída, em muitos momentos parecendo estar triste, mas ao longo do tempo vem
se socializando com os colegas. A professora destaca a participação de Kelly em
eventos, como festa junina, Escola Aberta e também as aulas de balé oferecidas
pela escola.
45

Ela considera a avó bastante presente na vida escolar da aluna, sempre que
possível está presente nas atividades da escola junto com a menina. Destaca a
participação da garota nas festas juninas da escola, em que ela sempre se
apresenta a caráter, com todo o esforço da avó, para alugar as roupas, por exemplo.
A professora Luíza enfatiza que possui bom relacionamento com as famílias de seus
alunos em geral, colocando-se disponível sempre que possível para conversar.
Quanto à avó de Kelly, ela disse nunca ter tido nenhum tipo de problemas, sendo até
“amiga” em redes sociais.

Em contrapartida ao depoimento da professora Luíza, a professora Aline trouxe uma


visão diferente da família de Suelen. Segundo a docente, ela mantém um bom
relacionamento com os seus alunos, fato que faz com que frequentemente a
procurem para conversar sobre a vida pessoal. Por causa dessa proximidade com
os alunos, ao falar de Suelen, ela indica conhecer a garota. Ela diz que é uma
menina que demonstra certa carência afetiva, já tendo mencionado sentir falta da
mãe e do pai. Ela diz que costuma conversar com os alunos para amenizar esse tipo
de situação:

Às vezes ela chama a gente para conversar e diz que não está bem por
causa disso, de questões familiares. Mas o que a gente pode fazer em
relação a essas questões, é realmente, assim, conversar com o aluno a fim
que aquele momento seja atenuado, e exigir da mesma forma, porque ele
precisa vencer essa ausência, esse problema não é maior do que ele, muito
pelo contrário, ele dá conta. Então a gente tenta fazer isso com o aluno,
pelo menos é o que eu faço com os meus. (Aline, professora de Suelen,
entrevista de pesquisa).

A professora diz nunca ter tido contato com a avó ou pai da menina, e acredita que
há uma falta de referência e apoio familiar, que acaba resultando nas dificuldades
escolares que ela apresenta:

Então assim, a gente vê claramente no caso da Suelen uma


desorganização, uma falta de propósito, uma falta de empenho, uma falta
de referência para quem dar essa explicação, essa referência. É como se a
avó, ainda que desse tudo o que ela precisa, não fosse a pessoa a quem
ela devesse dar essa responsabilidade, esse feedback, que todos os alunos
sentem, que eles devem a referência a alguém. Você vê que ela fica meio
perdida mesmo, como se estivesse livre para fazer o que quiser e as
consequências não fossem tão complicadas assim. (Aline, professora de
Suelen, entrevista de pesquisa).
46

A professora considera, de maneira geral, que a falta de acompanhamento gera nos


alunos uma falta de perspectiva, pela ausência de uma família presente. O que gera
o desinteresse pela escola:

Hoje eu acredito que a minoria deva ter um lar verdadeiramente assim


completo, com todas as referências familiares, principalmente nas questões
de valores. A gente vê isso muito ausente no comportamento, na disciplina
em si, que incide na questão dos estudos. A maioria não tem seriedade, a
maioria não tem uma cobrança familiar que os impulsione a crescer ou
almejar por alguma coisa. Muitos deles têm uma autoimagem pejorativa, e
que é difícil tirar e mudar isso, porque isso é muito consolidado pra eles,
“professora eu sou burro, professora eu não posso, eu não consigo”, e a
gente vê que isso é uma falta de referência. Porque os alunos que têm
empenho eles não mencionam essas coisas. Eu acho que é uma tipificação
que começa em casa e culmina aqui na escola de acordo com os
relacionamentos e as escolhas que eles fazem. (Aline, professora de
Suelen, entrevista de pesquisa).

Em relação à Suelen, a professora diz que ela foi suspensa algumas vezes por
indisciplina. Afirma que quando conversa com a aluna, ela apresenta uma leve
melhora no comportamento, mas que logo ela volta à indisciplina:

Mas a Suelen especificamente, assim, eu converso, ela tem uma leve


melhora, mas logo ela... Além disso, ela tem dificuldade de aprendizagem, o
cognitivo dela é prejudicado, ela precisaria de um apoio, de estar
trabalhando com um psicopedagogo, além de tratar essas questões
emocionais, mas que a ajudasse também na compreensão dos conteúdos,
porque ela não tem organização pra isso, nem facilidade. Ela precisaria de
um acompanhamento, mas eu nunca tive a oportunidade de falar com a
avó. (Aline, professora de Suelen, entrevista de pesquisa).

Na fala das duas professoras em relação às alunas, de certa maneira é possível


notar um contraste entre as duas realidades. Por um lado a professora Luíza diz não
ter problema com a avó de Kelly, uma vez que a mesma costuma ser participativa
nos eventos. Porém, observa-se que essa presença da avó na escola não é
suficiente para construir estratégias diante das dificuldades de aprendizagem da
garota, que persistem, especialmente no que tange à alfabetização. No caso de
Suelen, a professora Aline mais uma vez associa características familiares
(configurações das famílias ou a ausência delas à escola) ao desempenho dos
alunos, trazendo um elemento que não apareceu na entrevista com a avó de Suelen
- as dificuldades desta na escola.
47

Essa visão das professoras quanto às famílias parece reforçar o fato das escolas
idealizarem um perfil familiar para os alunos a partir da presença física na escola. No
caso da aluna Kelly, apesar dela morar com a avó e possuir as dificuldades de
aprendizagem, Sílvia costuma ser participativa nas atividades da escola, acompanha
a rotina da neta, o que faz com que a professora tenha uma visão mais favorável da
família. Por outro lado, no caso de Suelen, além da menina apresentar dificuldades
de aprendizagem e indisciplina, a avó não é presente fisicamente na escola e isso
faz com que a professora relacione o comportamento da aluna à ausência e falta de
referência familiar.

O discurso da necessária aproximação entre a escola e a família apresenta-se na


fala das professoras, entretanto, é possível notar que muitas vezes esperam que
essa aproximação parta da família em relação à escola, não o contrário. Entretanto,
a escola teria a obrigação legal de realizar essa articulação com a família, como
ressalta Resende (2009, p. 77):

No que se refere à escola, a obrigação legal vai além: o artigo 12 da


atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996)
atribui aos estabelecimentos de ensino as incumbências de “articular-
se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração
da sociedade com a escola” e de informar os pais sobre a frequência,
o rendimento do aluno e a execução da proposta pedagógica.”
(RESENDE, 2009, p. 77)

Para Sigolo (2009), a escola avalia o envolvimento da família com a escolarização


dos filhos através “de evidências de auxílio nas tarefas de casa e pelo
comparecimento às reuniões, sendo assim valorizadas as ações passíveis de
observação direta” (SIGOLO, 2009, p. 404). Assim, a escola idealizaria uma forma
de participação das famílias, com base em um modelo que corresponde apenas a
algumas delas (RESENDE, 2009). Para Lahire (1997), alguns professores
consideram que a ausência da família na escola explicaria o fracasso escolar,
tornando necessário fazer com que os pais participem das reuniões e eventos.
Porém, o autor argumenta que esse tipo de incentivo à participação parental pode
estar mais relacionado com “a gestão social das populações, com a integração
moral e simbólica dos meios populares nas instituições legítimas” (pág. 336) do que,
propriamente, com o sucesso ou o fracasso escolar. O caso de Kelly parece apontar
48

nessa direção, uma vez que a presença da avó na escola não se converte em
solução para suas dificuldades no processo pedagógico.

6. Considerações Finais

A presente pesquisa teve como tema a relação entre a escola e as famílias das
crianças e adolescentes que estão sob a guarda (legal ou não) de outros familiares,
como avós, tios, irmão, bem como demais responsáveis sem parentescos, como
padrinhos. Faz-se necessário conhecer e compreender de maneira mais consistente
a temática, uma vez que educadores e demais agentes escolares, em muitas
ocasiões, adotam padrões normativos de família, excluindo aquelas que não se
encaixam nesses padrões. É preciso aprofundar esse debate que poderá contribuir
para que a convivência entre essas instituições ocorra de maneira a favorecer a vida
escolar dos estudantes envolvidos.

Diante disso, a pesquisa teve como objetivo geral compreender como se estabelece
a relação entre famílias e escolas em casos nos quais as crianças vivem sob a
responsabilidade de outros adultos que não as mães e/ou os pais. Para viabilizar o
estudo, optou-se por focalizar as perspectivas dos sujeitos (responsáveis e
professoras) a respeito dessa relação. Em decorrência da situação encontrada na
pesquisa de campo, a investigação acabou se concentrando nos casos de duas
avós responsáveis pelas netas, o que levou à busca de bibliografia mais específica
concernente a essa relação (avós como cuidadores de netos).

O trabalho possibilitou avançar no sentido da compreensão pretendida, embora


ainda seja necessário efetuar novos estudos na mesma direção, dados os limites da
pesquisa realizada. Constatou-se que, conforme aponta a literatura, estão presentes
na escola, com maior ou menor intensidade, estereótipos a respeito das famílias,
que são especialmente acionados quando se trata de explicar casos de indisciplina e
de mau desempenho escolar. Porém, os resultados mostraram que em uma mesma
instituição é possível ter diferentes posições relacionadas às famílias, já que uma
das professoras desenvolve um discurso mais maleável em relação àquelas,
independente de sua configuração, quando a outra já apresenta uma posição mais
49

rígida, considerando o perfil familiar como responsável pelos comportamentos dos


alunos.

No que se refere aos perfis das famílias analisadas e às suas dinâmicas educativas
com relação às meninas, verificou-se que apenas as avós se responsabilizam pelas
funções de cuidar e educar, algo que se tornou natural para elas, uma vez que não
possuem ajuda de outros nessa tarefa. Foi possível constatar a percepção das avós
quanto à escola, sendo que se sentem bem atendidas nas suas especificidades, não
tendo apresentado queixas em relação à instituição e a seus educadores e
funcionários.

Diante do que foi exposto acima, é importante tecer algumas considerações. Para
que os resultados dessa pesquisa fossem mais conclusivos, seria necessária a
ampliação do número de famílias e professores participantes, bem como a inserção
de novos atores, o que não foi possível neste estudo, dada a limitação de um
trabalho de conclusão de curso. Dentre esses novos atores, seria importante trazer o
ponto de vista da coordenação, visto que, geralmente, são os(as) coordenadores(as)
que mantêm maior contato com as famílias, recebendo de forma mais direta as
demandas que elas trazem, intermediando o contato dos professores com os
responsáveis. A visão dos alunos, filhos dessas famílias, também seria importante,
uma vez que geralmente o ponto de vista do estudante não é considerado nos
estudos da relação família-escola. Além disso, eles serão os verdadeiros impactados
na maneira como virá a se estabelecer esse contato entre família e escolas, além de
serem mediadores do mesmo contato.

O estudo suscitou questões que necessitam ser aprofundadas e analisadas com


maior atenção. Dentre essas, destaco as questões de gênero, relacionadas ao perfil
daquelas que “criam” essas crianças e adolescentes na ausência de mãe e pai.
Seria interessante, também, em pesquisas semelhantes, verificar a possibilidade de
buscar alternativas para alcançar as famílias, não apenas por intermédio da escola,
mas também através de outros locais em que essas famílias possam estar
presentes, como os CRAS, as igrejas e Centros de saúde, por exemplo. As questões
relacionadas à escola também precisam ser aprofundadas, sendo necessário
50

estabelecer quais agentes escolares seriam importantes para estabelecer suas


contribuições.

Enfim, esse trabalho gerou importantes questionamentos, a cujo desenvolvimento


pretendo dar continuidade em minha futura pesquisa de mestrado.

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Anexos

Anexo 1

Roteiro de entrevista
Família

Perfil familiar

● Nome dos responsáveis e da(s) criança(s)sob seus cuidados.


● Idade dos integrantes da família.
● Quantas pessoas moram na casa (adultos e crianças).
● Ocupação dos responsáveis pelo sustento financeiro da família (e de outros adultos
que moram na casa, quando houver)
● Renda familiar.
● Escolaridade dos responsáveis pela(s) criança(s) e dos demais moradores da
residência.
● Grau de parentesco ou relação dos responsáveis em relação à(s) criança(s).

Dinâmica familiar em relação à criança


55

Tópico Perguntas

Motivos e tempo pelos quais - Qual o motivo de N estar morando com vocês?
as crianças estão sob os
- Há quanto tempo N está com vocês?
cuidados dos atuais
responsáveis. - Essa situação de N é permanente ou temporária?

Relação da criança com os - As demais pessoas que moram em sua casa


demais membros da família. aceitaram bem a vinda de N?

- Houve alguma resistência quanto à vinda de N para


sua casa?

- Como é atualmente o relacionamento de N com os


demais moradores da casa? [Se dão bem? Há
conflitos? De que tipo?]

Relação da criança com os pais - Os pais de N mantêm algum tipo de relação com
(se há ou não contato). ele?

- Os pais de N costumam procurá-lo ou visitá-lo?

- Os pais de N costumam estar presentes nas


atividades cotidianas da vida dele?

- N pergunta pelos pais ou aparenta sentir a falta


deles?

Ajuda (financeira/material) - Os pais de N contribuem de alguma forma com o


por parte dos pais. sustento de N?

- Quem costuma comprar as coisas que N precisa?

Responsável pela educação da - Quem se responsabiliza pela educação de N (em


criança. geral e escolar)?

Envolvimento dos pais em - Os pais se preocupam com a educação de N?


relação à educação da criança
- Se sim, como ocorre esse envolvimento?
(em geral e escolar).
56

Responsável pela participação - Alguém costuma participar das reuniões da escola


das reuniões escolares? de N? Quem?

- Os pais de N costumam se interessar/participar


dessas reuniões?

Acompanhamento por parte - N costuma trazer deveres para fazer em casa?


dos responsáveis em relação
- Alguém costuma acompanhar N nos deveres de
ao ensino/aprendizagem da
casa? Quem?
criança.
- Há alguma dificuldade em relação a esse
acompanhamento?

- Vocês conseguem compreender tudo o que é


solicitado pelo professor nos deveres de casa?

- Quais outras dificuldades vocês possuem quanto ao


ensino de N?

- E quanto aos materiais escolares, alguém


acompanha? Se estão completos, em bom estado, se
é preciso repor? Alguém olha a mochila de N? Com
que frequência?

Expectativas em relação ao - O que vocês esperam de N na escola?


futuro acadêmico das
- Vocês imaginam o futuro de N ou nem pensam
crianças.
nisso ainda?

- Em caso positivo: o que esperam ou imaginam para


o futuro de N? O que gostariam que acontecesse?

- Em que medida a escola seria importante para esse


futuro?

- Que expectativa têm em relação ao futuro escolar


de N?

- Acham que N tem correspondido a suas


expectativas?
57

Família x Escola

Tópico Perguntas

Envolvimento das famílias em - A sra. Costuma participar das reuniões realizadas


relação aos eventos e pela escola?
atividades realizadas pela
- Sem contar as reuniões a sra. costuma participar de
escola
outros eventos e atividades realizadas pela escola
(escola aberta, festa da família, festa junina, etc.)?

- Como se sente nesses momentos? Fica à vontade


na escola? Sente-se bem acolhida?

Os responsáveis costumam - Quando a escola solicita sua presença, a sra.


recorrer à escola para tratar comparece?
assuntos relacionados ao
- A sra. já procurou a escola por algum motivo em
desenvolvimento escolar da
relação a N?
criança? Ou acessam a escola
apenas quando são - A sra. costuma procurar a escola para saber como N
solicitados? está na sala de aula?

Percepção dos responsáveis - Como a sra. se sente quando vai à escola por
em relação ao atendimento qualquer motivo? Gosta de ir? Sente-se à vontade?
/recepção da escola Por quê?
(professores, coordenação.
- Em geral a sra. é bem tratada pela equipe da
escola?

- Percebe diferenças entre os profissionais quanto a


esse tratamento?

- Quando a sra. solicita alguma coisa na escola, em


geral acha que é bem atendida?

- Já houve alguma vez em que ficou insatisfeita com


o tratamento que recebeu na escola? Como foi essa
58

situação?

- N gosta das professoras? N se sente bem acolhido


na escola? O que N comenta a respeito disso?

- Como a escola lida com o fato de N não viver com


os pais? A sra. acha que para a escola isso é
Percepção das famílias quanto
tranquilo? Já houve algum comentário ou situação
à receptividade maior ou
diferente em relação a isso?
menor da escola em relação a
suas especificidades como - Existe na escola algum tipo de comemoração pelo
grupo social Dia das Mães ou Dia dos Pais? Como são essas
situações para vocês [os responsáveis e N]?

- N já se queixou alguma vez de se sentir “diferente”


das outras crianças por não viver com os pais? Como
foi a situação? Como vocês encaminharam?

- O fato de N não viver com os pais traz alguma


dificuldade para vocês [os responsáveis] quanto ao
acompanhamento da vida escolar? Qual(is)? - Em sua
opinião, a escola compreende essas dificuldades?
Vocês se sentem apoiados pela escola?
59

Anexo 2

Roteiro de entrevista

Professores

● Nome do(a) entrevistado(a)

● Formação

● Função na escola

● Tempo de experiência na educação, tempo na escola e tempo nessa função.

● Como você avalia a relação com as famílias nesta escola? Em geral, as famílias são
envolvidas com a escolaridade dos filhos? Costumam acompanhar em casa?
Costumam participar das reuniões e eventos na escola? Quando chamadas, em geral
comparecem? Solicitam reuniões e atendimentos dos profissionais da escola para
conversar sobre as crianças?

● Quais os maiores desafios na relação com as famílias?

● Como é a configuração das famílias na escola de modo geral? Há muitos modelos


diferentes de família? Na sua percepção, existe alguma situação mais comum? Como
é isso na sua turma?
60

● Na sua turma existem crianças que não vivem com os pais? [Você tem acesso a essa
informação?] Quantas?

● Na sua avaliação, o fato de não viver com os pais tem algum impacto na escolaridade
da criança? Qual (is)? Fale a respeito. [As crianças provenientes dessas famílias
encontram maiores dificuldades do que as demais? Quais os motivos atribuídos para
essas possíveis dificuldades?]

● Você percebe diferenças entre o acompanhamento dessas famílias e o das demais?


Como você lida com isso? [Quando a escola faz alguma solicitação, como é a
receptividade da família?] Quais os maiores desafios, no caso dessas famílias? [As
diferenças entre as famílias podem ser atribuídas à configuração (ausência dos pais)
ou a outros fatores?]

● A escola costuma promover algum tipo de comemoração no Dia das Mães ou no Dia
dos Pais? Se sim, como vocês lidam com a situação dessas crianças? Já houve algum
incidente a esse respeito?
● Como você percebe a relação dessas crianças com as demais? O fato de não viverem
com os pais traz algum tipo de impacto para essa relação? Sentem-se discriminadas
de alguma forma ou não?

● No caso específico da NNNN, como você percebe a participação da família na vida


escolar da menina? [A avó é participativa?] Costuma estar presente nas reuniões e
nos eventos? E o pai, já esteve presente alguma vez? Você percebe alguma
dificuldade específica? Qual? Como você se relaciona especificamente com essa
família?

● Na entrevista a avó relatou que se sente bem recebida [e apoiada] pela escola. Isso é
uma política ou proposta da escola? Vocês têm reuniões em que discutem o
acolhimento às famílias? Ou é uma característica de alguns profissionais? Como vê
isso?
61

Anexo 3 –

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