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UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA

DEPARTAMENTO DE DIREITO

O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ANGOLANO


AS GARANTIAS DOS PARTICULARES NO CONTENCIOSO
ADMINISTRATIVO ANGOLANO

MESTRADO EM DIREITO
VARIANTE EM CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

CANDIDATO: MANUEL PEREIRA DA SILVA


ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR PAULO NOGUEIRA DA COSTA

Lisboa, Outubro 2015


À minha querida esposa Maria de Fátima da Silva, a
todos os meus filhos, netos e à sagrada memória do meu
pai (em memória) e da minha mãe, pela disponibilidade
temporal concedida e fonte da minha inspiração.

1
AGRADECIMENTOS

Sempre que me propus a agradecer, tive a consciência de saber que apresentar agradecimentos
e reconhecimentos não é tarefa fácil porque, em princípio e mesmo contra a nossa vontade,
corremos o risco do possível esquecimento de alguém a quem deveríamos ter agradecido e
não o fizemos. Porém, perfeitamente consciente deste risco, insisto contudo em deixar
registados alguns reconhecimentos e agradecimentos.

Agradeço e reconheço publicamente a todos que directa ou indirectamente, implícita ou


explicitamente, tenham contribuído para a elaboração e conclusão da presente dissertação. O
meu reconhecimento pessoal ao incansável e sempre presente Mui Digno orientador Professor
Doutor Paulo Nogueira da Costa, na orientação metodológica que permitiu a elaboração da
presente dissertação.

Reconheço o apoio essencial e incondicional prestado pelo Departamento de Direito da


Universidade Autónoma de Lisboa, superiormente dirigida pela Mui Digna Professora
Doutora Maria Constança Urbano de Sousa, pelo privilégio concedido em aceitar a minha
candidatura.

Uma outra palavra especial de reconhecimento pessoal vai para todos os colegas e vogais do
Conselho Superior da Magistratura Judicial de Angola.

Outrossim, reconheço igualmente o apoio incondicional e indispensável, concedido pelos Mui


Dignos Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial
de Angola – Doutor Manuel da Costa Aragão, Venerando Juiz Conselheiro Presidente da
Comissão Nacional Eleitoral de Angola – Doutor André da Silva Neto, Venerando Juiz
Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional de Angola – Doutor Rui Ferreira e a
manifestação de incentivo pessoal, transmitido pelos meus Mui Dignos Professores Doutores
Diogo Leite de Campos, Stela Barbas, Carlos Maria Feijó, Pedro Trovão do Rosário, André
Ventura e Miguel dos Santos Neves.

Por último, reconheço e agradeço pessoalmente aos meus amigos respectivamente os


Senhores Doutores José Carlos Coelho e família, Luís Machado e Jesus Maiato, pela ajuda
incondicional por vós prestada.

2
RESUMO

A presente dissertação tem o intuito de analisar as garantias dos particulares no contencioso


administrativo angolano, devidamente enquadradas no contencioso administrativo angolano
no geral e comparadas com as garantias dos particulares no contencioso administrativo
português, atenta a histórica proximidade entre os dois ordenamentos jurídicos.

Faremos uma análise dos três Textos Constitucionais Angolanos (1975, 1992 e 2010), no que
concerne à génese da consagração constitucional do princípio da tutela jurisdicional efectiva,
princípio fulcral para a salvaguarda dos direitos e interesses dos particulares e respectivas
garantias.

A criação de tribunais administrativos efectivamente especializados, não de dupla


especialização (administrativa e cível), será objecto do nosso estudo, porquanto tal hipótese
seria muito importante para a boa administração da justiça administrativa em Angola.

Concluindo, pretendemos com o presente trabalho contribuir para o melhor entendimento e


eventual melhoramento do contencioso administrativo angolano, nomeadamente no que
respeita à sua estrutura, à garantia dos direitos e liberdades dos particulares e aos meios
processuais ao alcance daqueles para fazerem valer os seus direitos.

Palavras-chave: Contencioso administrativo;


Garantias dos particulares;
Meios processuais.

3
ABSTRACT

This thesis aims to analyze the of individual guarantees in Angolan administrative litigation,
properly framed in the Angolan administrative litigation in general, compared with
the individual guarantees in Portuguese administrative litigation, taking into account the
historical closeness between the two legal systems.

We will make an analysis of the three Angolan Constitutional Texts (1975, 1992 and 2010),
regarding the genesis of the constitutional consecration of the principle of effective judicial
protection, basic principle to safeguard the rights and interests of individuals and their
guarantees.

The creation of administrative courts, effectively specialized, and not of dual specialization
(administrative and civil), will be the subject of our study, since such a situation would be
very important for the proper administration of administrative justice in Angola.

In conclusion, we intend with this work to contribute to a better understanding and possible
improvement of the Angolan administrative litigation, particularly with regard to its structure,
to guarantee the available rights and freedoms and procedural means of individuals to assert
their rights.

Key words: Administrative litigation;


Individual guarantees;
Procedural means.

4
ÍNDICE

Introdução 9
CAPÍTULO I - O contencioso administrativo em Portugal 10
1. Resenha histórica 10
2. Os Tribunais Administrativos e Fiscais 13
3. As garantias dos particulares 14
3.1. O princípio da tutela jurisdicional efectiva 14
3.2. A acção administrativa 21
3.2.1. As partes 21
3.2.2. A acção administrativa comum 24
3.2.3. A acção administrativa especial 25
3.3. Providências cautelares 26
3.3.1. Espécies de providências cautelares 28
3.3.2. Pressupostos processuais 30
3.3.3. Decretamento provisório de providências cautelares 30
3.3.4. Proibição de executar o acto administrativo 32
3.3.5. Critérios gerais de atribuição de providências cautelares 32
3.3.6. Regimes especiais de atribuição de providências cautelares 34
3.4. Recursos jurisdicionais 36
3.4.1. Classificação dos recursos jurisdicionais 37
3.4.1.1. Classificação do CPTA 37
3.4.1.2. Classificação doutrinária 38
3.4.2. Legitimidade para recorrer 39
3.4.3. Competências para apreciar e decidir 41
3.4.4. Decisões que admitem recurso 42
3.4.5. Decisões que não admitem recurso 45
3.4.6. Efeitos dos recursos 46
3.4.7. Prazo, forma e tramitação do recurso 48
3.4.8. Julgamento ampliado do recurso 51
3.4.9. Recursos ordinários 52
3.4.9.1. Recurso de apelação 52
3.4.9.2. Recursos de revista 54
3.4.9.3. Recurso para uniformização de jurisprudência 59
3.4.10. Recurso extraordinário 62
3.4.10.1. Recurso de revisão 62
4. A revisão legislativa do CPTA e do ETAF 65
CAPÍTULO II - A justiça administrativa em Angola 68
1. Abordagem histórico-jurídica 68
2. Modelos de contencioso administrativo 72
3. Organização e competências dos Tribunais Administrativos 74
3.1. Resenha histórica 74
3.2. Na ordem jurídica angolana 80

5
4. Princípios gerais de acesso aos Tribunais 84
4.1. O princípio da tutela jurisdicional efectiva 84
4.2. O princípio da proibição da denegação de justiça 87
5. Meios processuais de acesso à justiça 87
CAPÍTULO III - As garantias dos particulares 92
1. Abordagem conceptual das garantias 92
2. As garantias no contexto jurídico angolano 93
2.1. Tipologia das garantias 93
2.1.1. Garantias graciosas 93
2.1.1.1. Garantias petitórias 93
2.1.1.2. Garantias impugnatórias 95
2.1.2. Garantias contenciosas ou jurisdicionais 99
2.2. O poder judicial como garantia dos direitos e interesses dos particulares 103
3. O problema da inexecução dos acórdãos e das sentenças dos tribunais angolanos face às
garantias dos particulares 105
CAPÍTULO IV - O Juiz e o contencioso administrativo em Angola 108
1. O perfil do Juiz no contexto jurídico angolano 108
1.1. Resenha histórica 108
2. Os princípios estruturantes da actividade jurídico-decisória administrativa em Angola 109
3. Os problemas do patrocínio judiciário como meio de realização das garantias dos
particulares 113
CAPÍTULO V - Conclusões 114
1. Do contencioso administrativo português 114
2. Do contencioso administrativo angolano 117
Bibliografia/Webgrafia 121

6
Lista de Siglas

I. Portuguesas

BMJ: Boletim do Ministério da Justiça


CEDH: Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CPC: Código de Processo Civil
CPTA: Código de Processo nos Tribunais Administrativos
CRP: Constituição da República Portuguesa
ETAF: Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
MP: Ministério Público
PIDCP: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
STA: Supremo Tribunal Administrativo
TAC: Tribunal Administrativo de Círculo
TCA: Tribunal Central Administrativo

II. Angolanas

CRA: Constituição da República de Angola


LC: Lei Constitucional
LIAA: Lei da Impugnação dos Actos Administrativos
LNPAA: Lei das Normas de Procedimento e da Actividade Administrativa
LSEAA: Lei da Suspensão da Eficácia do Acto Administrativo
RPCA: Regulamento do Processo do Contencioso Administrativo
TS: Tribunal Supremo

7
Lista de Abreviaturas

Ac.: Acórdão
Acs.: Acórdãos
Art.º: Artigo
Art.ºs.: Artigos
Cfr.: Conforme
D.L.: Decreto-Lei
D.R.: Diário da República
Ed.: Edição, editorial
Ibidem: Mesmo livro, mesma página
I.e.: Isto é
N.º: Número
P.: Página
Pp.: Páginas
Ss.: Seguintes

8
INTRODUÇÃO

As garantias dos particulares no contencioso administrativo angolano é um tema tão


interessante, quanto dinâmico, uma vez que se movimenta em torno da Constituição da
República de Angola e uma panóplia de legislação avulsa, por vezes de difícil interligação.

Começaremos, por fazer uma abordagem ao contencioso administrativo português, dando um


especial enfoque, como não poderia deixar de ser, às garantias dos particulares e aos recursos
jurisdicionais, meios de reacção por excelência do particular, ora contra as decisões da
Administração, ora contra as decisões dos Tribunais. Não obstante, considerando que o nosso
trabalho já se encontrava em fase muito adiantada de concepção aquando da publicação do
D.L. n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, o qual introduziu alterações ao Código de Processo
nos Tribunais Administrativos e no Estatuto dos Tribunais Fiscais e Administrativos
portugueses, estas não foram por nós por ora contempladas, mantendo, por isso, os textos
legais em vigor à data da conclusão da presente dissertação.

Seguidamente, partiremos para o estudo do contencioso administrativo angolano,


designadamente das já mencionadas garantias dos particulares, começando por fazer uma
resenha histórica do mesmo, quer a nível interno (em Angola), quer a nível europeu
(contencioso administrativo francês), a fim de compreendermos melhor a estruturação do
primeiro.

Posteriormente, passaremos pelos modelos de contencioso administrativo em geral e de


Angola em particular, bem como para a organização e competências dos tribunais
administrativos angolanos.

O princípio da tutela jurisdicional efectiva merecerá um devido enquadramento


constitucional, referindo-nos à sua evolução face às revisões da Constituição da República de
Angola.

De seguida, entraremos no estudo das garantias dos particulares, nomeadamente analisando os


diversos tipos e as formas como os particulares as podem utilizar.

Por fim, produziremos uma análise crítica do papel do juiz no contencioso administrativo
angolano, essencialmente enquanto garante da boa administração da justiça, in casu
administrativa.

9
Capítulo I – O contencioso administrativo em Portugal

1. Resenha histórica

A doutrina considera decisiva para marcar a história do contencioso administrativo a


instauração, na época liberal, do princípio da separação de poderes e, com ele, do princípio da
legalidade administrativa, não obstante a aceitação desse marco inicial não nos dispensa de
lembrar a existência de uma época “pré-histórica” da justiça administrativa, em que se
desenvolveram – nos contextos próprios do Estado de Justiça (medieval), primeiro, e do
Estado Moderno e do Estado de Polícia, depois – mecanismos e processos destinados a
garantir a justiça nas decisões ou a defesa dos direitos e interesses dos administrados perante
os poderes públicos1.

Com efeito podem distinguir-se três grandes fases na evolução do contencioso administrativo
tendo em conta a configuração do modelo organizativo, consoante as entidades competentes
para a decisão dos litígios suscitados pela actividade administrativa.

Uma primeira fase, que corresponde à época liberal, de 1832 a 1924, é habitualmente
associada à época francesa do modelo administrativista da “justice retenue”. Ao nível local,
verifica-se a existência daquilo que designamos por um modelo judiciarista ou quase-
judicialista.

Uma segunda fase correspondente ao período autoritário-corporativo, que vai desde


1930/1933 até 1974/1976, em que se desenvolve um sistema de “tribunais administrativos”,
que representou, para uns, um modelo quase-judicialista e, para outros, um modelo
judicialista mitigado.

E uma terceira fase que se inicia com a actual Constituição da República Portuguesa, quando
se institui um modelo judicialista, de contencioso integralmente jurisdicionalizado, atribuído a
uma ordem judicial autónoma, embora de competência especializada.

1
ANDRADE, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, 13.ª ed., Coimbra, Almedina, 2014, pp. 23-24.

10
Em rigor, como entende VIEIRA DE ANDRADE, a evolução do contencioso administrativo
português deu-se a partir de um modelo administrativista mitigado, que transitou para um
modelo quase-judicialista e, finalmente, para um modelo judicialista puro de competência
especializada2.

Especificando, e seguindo TERESA VIOLANTE3, no que concerne aos recursos


jurisdicionais em concreto podemos afirmar que “Tradicionalmente, nos termos da Lei
Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (LOSTA)4, a secção de contencioso
administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA) conhecia, em primeira instância,
dos recursos contenciosos de actos dos órgãos da administração directa e indirecta do
Estado”.

Ou seja, o STA funcionava igualmente como instância única de recurso relativamente às


decisões dos auditores administrativos que, nos termos do artigo 820.º do CA, tinham
competências relativamente aos recursos de órgãos da administração local bem como
relativamente às acções administrativas em geral, i.e., que não estivessem, por disposição
legal, atribuídas à competência de outro tribunal.

Continua a autora propugnando que “ao pleno do STA competia julgar os recursos interpostos
das decisões proferidas pelas secções daquele Tribunal em primeira instância. Para além do
conhecimento destes recursos, o tribunal pleno funcionava ainda como instância última
relativamente aos acórdãos proferidos pelas secções em recursos das decisões dos auditores
sempre que os fundamentos invocados fossem a inconstitucionalidade da lei aplicada ou a
contradição com caso julgado sobre a mesma questão de direito em decisão proferida por
qualquer uma das secções nos três anos anteriores”.

Na década de oitenta do século passado, mais concretamente em 1984, o Estatuto dos


Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)5, alterou significativamente o modo de repartição
de competências na jurisdição administrativa. Foram criados os tribunais administrativos de
círculo (TAC´s) cuja competência contemplava os recursos de actos administrativos dos

2
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., pp. 25-28.
3
VIOLANTE, Teresa – Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, O DIREITO, Ano 139,
IV, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 842-843.
4
D.L. n.º 40768, de 8 de Setembro de 1956.
5
D.L. n.º 129/84, de 27 de Abril, alterado pelo D.L. n.º 229/96, de 29 de Novembro (ETAF de 1984).

11
directores-gerais e de outras autoridades da administração central, dos órgãos de serviços
públicos dotados de autonomia administrativa e dos órgãos da administração pública regional
e local.

Com efeito, o ETAF foi alterado pela primeira vez pelo D.L. n.º 229/96, de 29 de Novembro,
tendo o legislador procedido, como afirma TERESA VIOLANTE6, “(…) à criação do
Tribunal Central Administrativo (TCA) que passou a ter competência, em primeira instância,
para conhecer dos recursos contenciosos de actos dos membros do Governo relativamente ao
funcionalismo público. Em sede de recurso, a competência do TCA restringia-se aos recursos
jurisdicionais interpostos das decisões do TCA proferidas em primeiro grau de jurisdição bem
como os interpostos das decisões dos TAC´s em matérias da competência destes e não
compreendidas na esfera do TCA”.

Deste modo, o sistema jurídico-administrativo português revestia-se de alguma complexidade,


dispondo de três graus de jurisdição (os TAC´s, o TCA e o STA), efectuando-se a respectiva
distribuição de competências não apenas em razão da hierarquia mas igualmente em razão do
autor do acto administrativo controvertido e matéria sub judicio. Assim, cada uma daquelas
ordens de tribunais poderia funcionar como primeira instância.

A reforma do contencioso administrativo de 2003, designadamente com a entrada em vigor,


de um novo ETAF7, como advoga a referida autora “(…) operou profundas transformações no
que concerne à repartição de competências entre os diversos órgãos de jurisdição
administrativa aproximando-a significativamente da ordem judicial comum. Em suma, o STA
e os TCA´s deixaram de funcionar como tribunais de primeira instância, para exercerem as
competências que são próprias de tribunais superiores”, ou seja “a competência de primeira
instância dos tribunais superiores é (…) diminuta e residual, passando os TAC´s a figurar
como regra neste domínio.

6
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 844.
7
Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na sua redacção actual (ETAF em vigor).

12
2. Os Tribunais Administrativos e Fiscais

De acordo com o artigo 209.º da CRP, além do Tribunal Constitucional, existem, na vigente
ordem jurídico-constitucional portuguesa, as seguintes categorias de tribunais: o Supremo
Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e segunda instância; o Supremo
Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; e o Tribunal de
Contas, ou seja para além do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas, a CRP
consagra a existência, na ordem jurídica portuguesa, de uma dualidade de jurisdições,
porquanto existem duas ordens de tribunais: os tribunais judiciais, cujo órgão de cúpula é o
Supremo Tribunal de Justiça; e os tribunais administrativos e fiscais, cujo órgão de cúpula
é o Supremo Tribunal Administrativo.

A este propósito refere AROSO DE ALMEIDA8, entendimento que acompanhamos, que esta
bipartição de tribunais na organização judiciária portuguesa é confirmada “(…) pela simetria
com que, nos seus artigos 210.º (e 211.º) e 212.º respectivamente, a CRP regula (…) cada uma
das jurisdições e, em particular, pelo modo como, por um lado , no artigo 210.º, n.º 1, a CRP
estabelece que o ‘o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais
judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional’; e, por outro lado,
no artigo 212.º, n.º 1, estabelece que ‘o Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior
da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, sem prejuízo da competência própria do
Tribunal Constitucional”, isto é o legislador fez questão de individualizar, face à sua génese, a
competência própria do Tribunal Constitucional.

Com efeito, prescreve o artigo 57.º do ETAF que: “Os juízes da jurisdição administrativa e
fiscal formam um corpo único e regem-se pelo disposto na Constituição da República
Portuguesa, por este Estatuto e demais legislação aplicável e, subsidiariamente, pelo
Estatuto dos Magistrados Judicias, com as necessárias adaptações”.

Por seu turno, o n.º 3, do artigo 212.º da CRP determina que: “Compete aos tribunais
administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por
objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais”,

8
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual de Processo Administrativo, 1.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 53-
54.

13
consistindo, assim, na administração da justiça em nome do povo nos litígios cuja resolução
dependa da aplicação de normas de Direito Administrativo ou Direito Fiscal9.

Como efeito, como sucede com os tribunais judiciais, também os tribunais administrativos e
fiscais se encontram organizados em três níveis: os tribunais de primeira instância (tribunais
administrativos de círculo), os tribunais de segunda instância (tribunais centrais
administrativos – do Norte e do Sul, com sede em Lisboa e no Porto, respectivamente) e o
Supremo Tribunal Administrativo.

Entende AROSO DE ALMEIDA10, opinião com que concordamos, que “A agregação dos
tribunais administrativos e fiscais em tribunais de competência mista, com secções
especializadas em matéria administrativa e em matéria fiscal, tanto na primeira instância (…),
como nos tribunais superiores (…), não compromete a identidade própria de cada um dos dois
ramos desta jurisdição”, porquanto “Cada secção tem (…) os seus próprios juízes e
funcionários”.

3. As garantias dos particulares

3.1. O princípio da tutela jurisdicional efectiva

O princípio da tutela jurisdicional efectiva tem sido analisado à luz das disposições
vinculativas da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem (CEDH), aplicáveis por força e nos termos do artigo 8.º da CRP11.

Ora, precisamente o artigo 20.º da CRP, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectiva”, designadamente no n.º 1, prescreve que: “A todos é assegurado o
acesso ao direito e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por
insuficiência de meios económicos”.

9
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 54.
10
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 58.
11
VIOLANTE, Teresa, op. cit., pp. 844-846.

14
Com efeito, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é, ele mesmo, um
direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção dos direitos
fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito. Consiste essencialmente
no facto de ninguém pode ser privado de levar a sua causa (relacionada com a defesa de um
direito ou interesse legalmente protegido e não apenas de direitos fundamentais) à apreciação
de um tribunal. Deste modo, o artigo 20.º da CRP consagra um direito fundamental,
independentemente da sua recondução a direito, liberdade e garantia ou a direito análogo aos
direitos, liberdades e garantias12.

Na mesma linha, que corroboramos, JORGE MIRANDA13 ensina que o n.º 1 do artigo ora em
análise assegura a todos os cidadãos o acesso ao direito, dado que “Só quem tem consciência
dos seus direitos consegue usufruir os bens a que eles correspondem e sabe avaliar as
desvantagens e os prejuízos que sofre quando não os pode exercer ou efectivar ou quando eles
são violados ou restringidos”.

Com efeito, o n.º 5 do artigo 20.º da CRP determina que: “Para defesa dos direitos,
liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil
contra ameaças ou violações desses direitos”.

A este propósito, concordamos com GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA14 quando


afirmam que “Na epígrafe e no n.º 5 a Constituição alude ao direito à tutela jurisdicional
efectiva (epígrafe) ou ao direito à tutela efectiva (n.º 5)”. Porém, como defendem os autores,
“Não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de acção. A tutela
através dos tribunais deve ser efectiva. O princípio da efectividade articula-se, assim como
uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre
direitos fundamentais e organização e processo de protecção e garantia. Não obstante
reconhecer o direito à protecção de direitos e interesses, não é suficiente garantia o direito de
acção para se lograr uma tutela efectiva. O princípio da efectividade postula, desde logo, a
existência de tipos de acções ou recursos adequados (…), tipos de sentenças apropriados às

12
CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª
ed. revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 408-409.
13
MIRANDA, Jorge – Manual de Direito Constitucional, Tomo 4, 5.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p.
254.
14
CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital, op. cit., Vol. I, pp. 416-417.

15
pretensões de tutela deduzida em juízo e clareza quanto ao remédio ou acção à disposição do
cidadão (cfr. as formas de processo […] consagradas no Cód. Proc. Trib. Admin., arts. 35.º e
ss.)”.

Sustentam estes autores que “O princípio da tutela judicial efectiva encontra outras refracções
no texto constitucional”, propugnando que “Os exemplos porventura mais importantes são o
direito à tutela jurisdicional efectiva em sede de justiça administrativa (art. 268º-415), onde é
visível a superação do contencioso administrativo como simples meio contencioso de
impugnação de actos administrativos e se dá decisivo relevo às acções de reconhecimento de
direitos e interesses (…)”.

Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA16 “O direito de acesso aos tribunais e


à tutela judicial efectiva não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição.
Discute-se em que medida o direito de acesso aos tribunais incluiu o direito ao recurso das
decisões judiciais, traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição”. Entendem estes autores
que “Não existe (…) um preceito constitucional a consagrar a «dupla instância» ou o duplo
grau de jurisdição em termos gerais (cfr. Acs TC n.ºs. 31/8717, 65/8818, 163/9019, 259/9720 e
595/9821)”. Não obstante, entendem também os autores que “(…) o recurso das decisões
judiciais que afectem direitos fundamentais, designadamente direitos, liberdade e garantias,
mesmo fora do âmbito penal, pode apresentar-se como garantia imprescindível destes direitos.
Em todo o caso, embora o legislador disponha de liberdade de conformação quanto à
regulação dos requisitos e graus de recurso, ele não pode regulá-lo de forma discriminatória,
nem limitá-lo de forma excessiva”.

Comungam também de opinião semelhante JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS22, ao


entenderem que “A plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da juridicidade e da

15
Artigo 268.º, n.º 4 da CRP: “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a
impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação
da prática de actos administrativos legalmente devidos e adopção de medidas cautelares adequadas”.
16
CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital, op. cit., Vol. I, p. 418.
17
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870031.html.
18
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19880065.html.
19
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19900163.html.
20
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970259.html.
21
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980595.html.
22
MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui – Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 1.ª ed., Coimbra,
Coimbra Editora, 2005, p. 200.

16
igualdade postulam um sistema que assegure a protecção dos interessados contra os próprios
actos jurisdicionais, incluindo um direito de recurso”, todavia “É jurisprudência firme e
abundante do Tribunal Constitucional que o direito ao acesso aos tribunais não impõe ao
legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de
jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de
limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema
judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso
do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos
diversos «patamares» de recurso (Acórdãos n.ºs. 72/9923 e 431/0224)”. Deste modo, concluem
os autores que “(…) a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem
limites ou ad infinitum (Acórdão n.º 125/9825).

Ensinam os autores26 que “(…) o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na
conformação do direito ao recurso, podendo regular diversamente a possibilidade e o modo
de impugnação das decisões jurisdicionais, designadamente em função da natureza do
processo, do tipo e objectivos das acções, da relevância das causas, da importância das
questões (Acórdãos n.ºs. 501/9627, 125/9828 e 77/0129)”.

De qualquer forma, defendem os autores que “A lei não pode (…) ignorar que a Constituição
pressupõe a recorribilidade das decisões dos tribunais ao aludir a instâncias (artigos 210.º,
n.ºs. 1, 3, 4 e 5 e 211.º, n.º 2). E, num Estado de Direito, a plenitude de acesso à jurisdição e
os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a protecção
dos interessados contra os próprios actos jurisdicionais – a garantia da via judiciária,
constitucionalmente consagrada, incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra
actos jurisdicionais (Acórdão n.º 287/9030)”. Assim sendo, preconizam os autores que “É
possível (…) fundar constitucionalmente um genérico direito de recorrer das decisões
jurisdicionais”, encontrando-se “As limitações ou restrições ao direito de recurso (…)
sujeitas aos limites constitucionais gerais e, de modo especial, aos princípios da igualdade e

23
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19990072.html.
24
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020431.html.
25
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980125.html.
26
MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, op. cit., p. 201-202.
27
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19960501.html.
28
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980125.html.
29
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010077.html.
30
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19900287.html.

17
da proporcionalidade, pelo que as diferenciações legais não podem ser arbitrárias e as
medidas restritivas do direito de recorrer não devem ser excessivas”.

A CRP não se limita, no artigo 20.º, a firmar o direito de acesso aos tribunais e a um processo
equitativo. A epígrafe do artigo refere-se à tutela jurisdicional efectiva. E, se é certo que, no
articulado, o direito a uma tutela efectiva só é referido expressamente no artigo 20.º, n.º 5, a
propósito da defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, e no artigo 268.º, n.º 4, em
relação à justiça administrativa, a verdade é que, quer a inserção na epígrafe do artigo 20.º,
quer a própria teleologia do direito de acesso aos tribunais, impedem que se dissocie a
garantia da via judiciária do direito a uma tutela jurisdicional efectiva31.

Como defende TERESA VIOLANTE32 “(…) não existe qualquer norma constitucional ou
internacional que consagre um princípio geral do duplo grau de jurisdição, cabendo a tarefa
conformadora e concretizadora à lei ordinária a qual definirá, respeitando os princípios da
proporcionalidade e da igualdade, quais os tipos, requisitos e graus de recurso nos vários
campos do direito”.

Não obstante, de acordo com o preceituado nos artigos 209.º a 212.º da CRP, a organização
dos tribunais prevê a existência de tribunais de primeira e de segunda instância, quer no que
diz respeito aos tribunais judiciais, quer em sede da justiça administrativa.

Por sua vez, VIEIRA DE ANDRADE33 ensina a este propósito que “Apesar da Constituição
pôr o acento tónico na garantia dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
administrados, limitando a própria garantia de recurso de anulação aos titulares dessas
posições jurídicas subjectivas, tal não deve ser interpretado com imposição constitucional de
um modelo estritamente subjectivista de justiça administrativa. A Constituição quis
estabelecer as garantias dos administrados – com a intenção de assegurar uma protecção plena
perante a Administração dos seus direitos e interesses legalmente protegidos – mas não
pretendeu impor um modelo processual determinado”. No entendimento do autor, “A
concretização desse modelo compete ao legislador, que, no uso da sua liberdade constitutiva,
pode optar entre diversas fórmulas de instituição da justiça administrativa, desde que respeite

31
MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, op. cit., p. 203.
32
VIOLANTE, Teresa, op. cit., pp. 845-846.
33
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., pp. 39-40.

18
o quadro constitucionalmente estabelecido – concretamente, o modelo organizatório
judicialista e a protecção efectiva dos direitos dos administrados”. Propugna o autor, e bem
entendemos nós, que “(…) o artigo 268.º da Constituição, até pelo seu lugar sistemático, não
pretende estabelecer uma regulamentação global da justiça administrativa, mas apenas definir
as garantias dos administrados nas suas relações com a Administração – em especial, o
princípio da justiciabilidade dos actos da Administração, assegurado por um direito
fundamental específico de acesso aos tribunais administrativos, um direito a um
procedimento”.

Por fim, ainda no que concerne ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, ora
em análise, parece-nos também muito pertinente a opinião de JOÃO TIAGO SILVEIRA34
que entende que no que concerne ao “(…) contencioso administrativo em particular, existem
duas disposições destinadas a garantir a tutela jurisdicional. Assim, o n.º 4 do art. 268.º
garante a existência de meios processuais para reconhecimento de direitos ou interesses,
impugnação de actos administrativos, determinação da prática de actos devidos e a existência
das medidas cautelares adequadas. O n.º 5 do mesmo artigo determina que ‘Os cidadãos têm
... direito de impugnar ... normas administrativas ...’”.

Refere também o autor, à semelhança de outros autores aqui por nós citados, que “Tanto o art.
20.º como o n.º 4 do art. 268.º garantem a possibilidade de o cidadão apelar para uma decisão
jurisdicional acerca de uma questão que o oponha à Administração. Não é, no entanto,
suficiente que a lei assegure essa possibilidade, há que garantir os meios necessários para que
a garantia em cause seja efectiva. De facto, de nada vale que a lei preveja a possibilidade de
recurso contencioso de um acto administrativo se, por exemplo, os pressupostos de
recorribilidade dos mesmos forem de tal forma apertados que inibam a possibilidade de
recurso na grande maioria das situações em que o particular se tenha por lesado pela
Administração. A necessidade de criar as condições necessárias para que o cidadão possa
obter uma decisão jurisdicional resulta do Princípio da Tutela Judicial Efectiva, que se deve
considerar consagrado nas disposições mencionadas”.

34
SILVEIRA, João Tiago – O princípio da tutela jurisdicional efectiva e as tendências cautelares não
especificadas no contencioso administrativo, disponível em
http://www.mlgts.pt/xms/files/Publicacoes/Artigos/2012/O_principio_da_Tutela_Jurisdicional_Efectiva.pdf

19
Com efeito, como afirma o autor “O n.º 4 do art. 268.º reflecte, quanto ao contencioso
administrativo, uma das garantias que resultaria já do princípio mencionado, pois a
enumeração dos meios contenciosos é clara enunciativa (‘... incluindo, nomeadamente...’).
Assim, existirá sempre um meio contencioso apto a satisfazer as pretensões do administrado,
ou seja, nunca este poderá ver o seu direito não satisfeito com base na existência de meio
processual adequado para o fazer valer. Consequentemente, o tribunal administrativo não
poderá declarar-se incompetente em dada matéria quando, por exemplo, não exista acto
administrativo de que se possa recorrer ou a acção para reconhecimento de direito ou interesse
legítimo não possa ser utilizada. Haverá que criar uma ’acção atípica’ de modo a que a tutela
do seu direito possa ser efectivamente assegurada”.

Conclui o autor, entendimento que acompanhamos, que a CRP “(…) acolhe o Princípio da
Tutela Judicial Efectiva nos seus arts. 20.º e 268.º-4, dado que as garantias aí consagradas
nada significam se não forem criadas as condições para que possam operar. E, além disso,
houve o cuidado de realçar, no art. 268.º uma das consequências deste princípio no
contencioso administrativo”.

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA35 referem que os direitos previstos no artigo


268.º da CRP “(…) garantem o cidadão fundamentalmente como direitos procedimentais e
direitos processuais”. No entendimento dos autores, “Em rigor, estas garantias jurídicas
perante a administração constituem uma expressão do reconhecimento do indivíduo como
pessoa: o particular é, perante a administração, um sujeito num processo comunicativo e não
objecto de decisões autoritárias unilaterais dos poderes públicos. O facto de estarem aqui
previstos direitos procedimentais e processuais de natureza análoga a direitos, liberdades e
garantias, pretende significar o seu carácter autónomo relativamente aos direitos inscritos na
Parte I” da CRP. Esclarecem os autores que “Esse carácter autónomo radica na sua reforçada
componente procedimental que, além de cumprir a função defensiva típica dos direitos e
liberdades e do princípio do Estado de direito, assegura também a transparência e a abertura
do funcionamento das administrações exigidas pelo princípio democrático republicano.

35
CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª
ed. revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 820.

20
Os mesmos autores36 ensinam também que os n.ºs. 4 e 5 deste artigo 268.º da CRP “(…)
constituem o coroamento de uma notável evolução da justiça administrativa em Portugal”.
Dado que “Em articulação com o art. 20º, onde se prevê o direito geral de acesso à tutela
jurisdicional efectiva, e com o art. 212º, onde se estatui a competência dos tribunais
administrativos e fiscais para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham
por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico-administrativas, os n.ºs. 4 e 5
deste preceito concretizam o direito à tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses
dos particulares na específica relação destes com a administração”.

Em suma, conforme acabámos de demonstrar ainda que de forma provavelmente exaustiva,


mas nossa opinião necessária à boa compreensão deste princípio, é posição unânime da
doutrina portuguesa que o princípio da tutela jurisdicional efectiva encerra em si mesmo um
dos pilares do estado de direito democrático português, consubstanciado no facto de ser dada
aos particulares a faculdade de, em geral, fazerem vingar em tribunal os seus direitos e
interesses legalmente protegidos, e em particular, aqueles que dizem respeito ao Direito
Administrativo, ou seja aos litígios emergentes do relacionamento do particular com a
Administração Pública.

3.2. A acção administrativa

3.2.1. As partes

As partes num processo declarativo são os sujeitos jurídicos que nele constam como autor e
como demandado. O autor é quem desencadeia o processo, formulando a pretensão perante o
tribunal, e o demandado é aquele ou aqueles contra quem a acção foi proposta e que foram
citados para contestar a petição do autor.

Em regra, os processos administrativos são desencadeados por particulares: pessoas privadas,


singulares ou colectivas, que se dirigem aos tribunais administrativos alegando a ofensa de
um direito subjectivo ou de um interesse legalmente protegido por parte de uma entidade
pública. Sendo esta indiscutivelmente a mais relevante das dimensões da litigiosidade
administrativa, tanto do ponto de vista quantitativo, como do ponto de vista qualitativo. Do
ponto de vista quantitativo, na medida em que, estatisticamente, corresponde à esmagadora

36
CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital, op. cit., Vol. II, pp. 827-828.

21
maioria das situações; e do ponto de vista qualitativo, por ser aquela que se reveste de maior
importância, na medida em que envolve o exercício, por parte de alegados lesados, do seu
direito fundamental de acesso à justiça administrativa37.

Com efeito, conforme anteriormente por nós abordado, os tribunais administrativos são
competentes para dirimir os litígios de natureza administrativa, cujo julgamento depende da
aplicação do Direito Administrativo. Ora, devê-lo-ão fazer independentemente da natureza
jurídica das partes.

A este propósito, ensina AROSO DE ALMEIDA38 que quanto a saber quem pode ser
demandado no processo administrativo, “(…) decorrem duas importantes consequências
(…)”:

“(…) (i) Por regra, as acções de processo administrativo são intentadas contra entidades
públicas, na medida em que, na esmagadora maioria dos casos, essas acções dirigem-se a
obter, reagir contra ou procurar impedir decisões ou providências adoptadas ou a adoptar por
essas entidades, no exercício das funções que o Direito Administrativo lhe confere. Mas nem
todas as acções dirigidas contra entidades públicas são necessariamente propostas nos
tribunais administrativos: isso depende da aplicação dos critérios materiais de delimitação do
âmbito da justiça administrativa.

(ii) Nem todas as acções propostas nos tribunais administrativos são, contudo, intentadas
contra entidades públicas. Cumpre, desde logo, sublinhar que à conduta da entidade pública
demandada estão frequentemente associados particulares que também têm de figurar, ao lado
daquela, como demandados no processo. É desde logo assim quando há particulares que são
beneficiários da decisão tomada pela entidade pública, cujos interesses se opõem aos do autor
que se insurge contra essa decisão, ou que, em todo o caso, viram a sua situação jurídica
definida pela decisão, pelo que esta só pode ser posta em causa num processo em que lhe seja
reconhecida a possibilidade de participarem. Nestes casos, demandados têm de ser, tanto a
entidade pública, como os interessados particulares, que a lei designa como contra-

37
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), pp. 58-59.
38
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 62-63.

22
interessados (cfr. artigos 10.º, n.º 1, 57.º e 68.º, n.º 2 [do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos - CPTA39])”.

Não obstante, o processo administrativo pode ter apenas sujeitos privados como partes. Seja
porque se trata de um particular que reage contra a conduta de outro particular a quem foi
confiado o exercício de poderes públicos e que, por isso, pratica actos que a lei equipara a
actos administrativos (cfr., designadamente, os artigos 51.º, n.º 2, e 100.º, n.º 3 do CPTA);
seja porque se trata de um particular que reage contra a violação ou a ameaça de violação, por
parte de outro particular, de deveres que para ele resultam de normas, actos ou contratos
administrativos, sem que as autoridades administrativas competentes, solicitadas a intervir,
tenham adoptado as providências adequadas para impedir ou pôr cobro a tal situação (cfr.
artigos 37.º, n.º 3 e 109.º, n.º 2 do CPTA40.

No que concerne à personalidade e capacidade judiciárias das partes, o CPTA faz suceder a
um primeiro capítulo de disposições fundamentais, um segundo capítulo dedicado às partes
(cfr. artigos 9.º e ss.).

Não obstante, tal como nos outros domínios, o Código não regula aí os aspectos em relação
aos quais, em processo administrativo, não se configuram especialidades de maior e em que,
por isso, é, sem mais, aplicável o regime do CPC41.

Destarte, é o que sucede com os pressupostos da personalidade e da capacidade judiciárias,


que, por conseguinte, se regem essencialmente pelo disposto nos artigos 11.º e ss. do CPC,
deste modo, em princípio, a personalidade e capacidade judiciárias coincidem com a
personalidade e a capacidade jurídicas, ou seja podem ser partes em acções e estar, por si
próprios, em juízo no âmbito da acção, os sujeitos jurídicos capazes, como tal dotados de
personalidade jurídica e de capacidade de exercício de direitos.

39
Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na sua redacção actual.
40
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 63.
41
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 216.

23
3.2.2. A acção administrativa comum

Tal como sucede em processo civil, também no contencioso administrativo vale o critério de
que o processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, sendo o
processo comum aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial, de
acordo com o disposto no artigo 546.º, n.º 2, do CPC.

Deste modo, de acordo com o preceituado no artigo 37.º, n.º 1 do CPTA, todos os processos
que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição
administrativa e que, nem no CPTA, nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação
especial são tramitados segundo a forma de processo que o CPTA designa como acção
administrativa comum. Como resulta dos artigos 35.º e 37.º, n.º 1, seguem, portanto, a forma
da acção administrativa comum – e, por conseguinte, o processo comum do contencioso
administrativo – todos os processos em que não seja deduzida nenhuma das pretensões para as
quais o CPTA estabelece um modelo especial de tramitação e que são aquelas que o Código
especificamente prevê, por um lado, no artigo 46.º – pretensões a que o artigo faz
corresponder a forma da acção administrativa especial – e, por outro lado, nos artigos 97.º,
100.º, 104.º e 109.º - pretensões a que cada um destes quatro artigos fazem corresponder uma
forma específica de processo (urgente).

Desta forma, poderemos afirmar, que a acção administrativa comum assume a forma de
processo comum do contencioso administrativo.

Com efeito, conforme o estipulado no artigo 43.º do CPTA, os processos da acção


administrativa comum seguem a forma ordinária, sumária ou sumaríssima, do processo
comum de declaração do CPC, consoante o respectivo valor, fixado nos termos dos artigos
31.º e ss. do CPTA.

Em princípio, os processos nos tribunais administrativos de primeira instância são decididos


por juiz singular, ao qual compete o julgamento, tanto da matéria de facto, como da matéria
de direito, de acordo com o previsto no artigo 40.º, n.º 1, do ETAF.

Porém, da conjugação do disposto no artigo 42.º, n.º 2, do CPTA com o disposto no artigo
40.º, n.º 2, do ETAF resulta, que nas acções administrativas comuns que sigam a forma do

24
processo ordinário pode haver lugar a julgamento da matéria de facto pelo tribunal colectivo,
quando tal for requerido por qualquer das partes e desde que nenhuma delas requeira a
gravação da prova.

3.2.3. A acção administrativa especial

A acção administrativa especial encontra-se consagrada no artigo 46.º do CPTA. Sendo esta a
forma de processo, i.e., o modelo de tramitação que devem seguir os quatro tipos de
pretensões enunciados no n.º 2 deste artigo 46.º:

“a) Anulação de um acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência


jurídica;
b) Condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido;
c) Declaração de ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito
administrativo; [como, por exemplo, a impugnação de normas regulamentares]
d) Declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida
ao abrigo de disposições de direito administrativo [Como, por exemplo, a declaração da
ilegalidade por omissão de normas regulamentares legalmente devidas].

Ou seja, assumem a forma de acção administrativa especial os processos relativos às


pretensões emergentes da prática ou da omissão de actos administrativos ou de disposições
normativas de direito administrativo, de acordo com o preceituado no artigo 46.º, n.º 1 do
CPTA, admitindo o legislador vários tipos de pedidos referidos no n.º 2 desta disposição
legal, cada um deles com aspectos específicos no que concerne ao regime processual.

Destarte, advoga VIEIRA DE ANDRADE42, que “No que respeita aos actos administrativos,
mantêm-se os processos impugnatórios, com os pedidos de anulação ou declaração de
nulidade ou inexistência de actos administrativos, mas consagra-se o novo pedido de
condenação à prática de acto legalmente devido, principalmente dirigido às situações de
omissão ou de indeferimento de pretensões dos interessados”.

Já no que concerne aos regulamentos, concomitantemente com o pedido de declaração de


ilegalidade de normas com força obrigatória geral, admitem-se pedidos de declaração de

42
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., pp. 185-186.

25
ilegalidade de normas em casos concretos e a declaração de ilegalidade por omissão do
regulamento.

3.3. Providências cautelares

Este instituto encontra-se consagrado nos artigos 112.º a 134.º do CPTA.

No entendimento de AROSO DE ALMEIDA43, que acompanhamos, “Num processo cautelar,


o autor num processo declarativo, já intentado ou ainda a intentar, pede ao tribunal a adopção
de uma ou mais providências, destinadas a impedir que, durante a pendência do processo
declarativo, se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos de tal forma
gravosos que ponham em perigo, no todo ou pelo menos em parte, a utilidade da decisão que
ele pretende obter naquele processo”.

Assim, de acordo com o preceituado no artigo 112.º, n.º 1, do CPTA, o processo cautelar
dirige-se à obtenção de providências adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir
num processo declarativo.

Ademais, os processos cautelares não têm autonomia, pois consubstanciam um momento


preliminar do processo declarativo (o processo principal), cujo efeito útil visam assegurar.

Destarte, o processo cautelar e as providências a cuja adopção ele se dirige pautam-se por
“(…) traços da instrumentalidade, da provisoriedade e da sumariedade”, extraídos do CPTA.

Neste sentido entende AROSO DE ALMEIDA44, por nós acompanhado, que “A


instrumentalidade (em relação a um processo declarativo: o processo principal) transparece,
desde logo, do facto do processo cautelar só poder ser desencadeado por quem tenha
legitimidade para intentar um processo principal e se definir por referência a esse processo
principal, em ordem a assegurar a utilidade da sentença que nele virá a ser proferida (artigo
112.º, n.º 1)”. Sendo “(…) claramente afirmada no artigo 113.º, n.º 1, onde se assume que ‘o
processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito”. (destacado
nosso)
43
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 437.
44
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), pp. 437-439.

26
Quanto à provisoriedade, afirma o autor que “(…) transparece da possibilidade do tribunal
revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou
recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das
circunstâncias inicialmente existentes (artigo 124.º, n.º 1), designadamente por ter sido
proferida, no processo principal, decisão de improcedência de que tenha sido interposto
recurso com efeito suspensivo (artigo 124.º, n.º 3)”.

A título exemplificativo, demonstrativo dos efeitos das providências cautelares, poderemos


citar o mesmo autor quando afirma que “(…) se o interessado pretende que, no processo
principal, lhe seja reconhecido o direito a ser admitido num concurso, o tribunal pode, a título
cautelar, determinar a sua admissão provisória, permitindo-lhe, desse modo, participar do
concurso em condições precárias, até que, no processo principal, se esclareça se lhe assiste ou
não esse direito (cfr. artigo 112.º, n.º 2, alínea b))”.

Não obstante, a providência cautelar não pode antecipar, a título definitivo, a constituição de
situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar, em tais condições
que essa situação já não possa ser alterada se, no processo principal, o juiz chegar, a final, a
conclusões que não consintam a sua manutenção. Por conseguinte, se o interessado pretender
a obtenção de uma licença para demolir um imóvel ou de autorização para realizar uma sessão
de fogos de artifício, o tribunal não pode impor, como providência cautelar, que a licença ou a
autorização sejam concedidas.

No que concerne à sumariedade, o autor45 afirma que “Como o que está em causa em sede
cautelar é obviar, em tempo útil, a ocorrências que possam comprometer a utilidade do
processo principal, para decidir se se confere ou não tutela cautelar, o tribunal deve proceder a
meras apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar,
evitando antecipar juízos definitivos, que, em princípio, só devem ter lugar no processo
principal”.

45
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 443.

27
Ou seja, a providência cautelar confere ao lesado o direito de salvaguardar as consequências
para si nefastas que pode vir a ter a sentença proferida em sede da acção principal, claro está
considerando os limites legalmente impostos.

3.3.1. Espécies de providências cautelares

Seguindo o entendimento de AROSO DE ALMEIDA46, podemos afirmar que o artigo 120.º,


n.º 1 do CPTA adopta a classificação das providências cautelares em duas categorias:
providências conservatórias e providências antecipatórias, associando-se relevantes
consequências de regime à distinção entre cada uma destas duas categorias.

Aliás, é pacifico no seio doutrinal que a contraposição, constante do artigo 120.º, n.º 1 do
CPTA, entre providências conservatórias e providências antecipatórias deve ser interpretada
num sentido funcional, e, desse modo, associada à contraposição que, no plano dos processos
declarativos, também resulta de modo muito evidente no CPTA, entre os casos em que se
procura “a tutela de situações jurídicas finais, estáticas ou opositivas e aqueles em que se
procura a tutela de situações jurídicas instrumentais, dinâmicas ou pretensivas – entendendo-
se por situações jurídicas finais, estáticas ou opositivas aquelas em que a satisfação do
interesse do titular não depende de prestações de outrem, pelo que ele apenas pretende que os
demais se abstenham da adopção de condutas que ponham em causa a situação em que está
investido, e por situações jurídicas instrumentais, dinâmicas ou pretensivas aquelas em que,
pelo contrário, a satisfação do interesse do titular depende da prestação de outrem, pelo que
ele pretende obter a prestação necessária à satisfação do seu interesse”. Pelo que, “A tutela
cautelar das situações jurídicas finais, estáticas ou opositivas passa, assim, pela adopção de
providências conservatórias; e a tutela cautelar das situações jurídicas instrumentais,
dinâmicas ou pretensivas passa pela adopção de providências antecipatórias”. (destacado
nosso)

Assim sendo, as providências conservatórias correspondem a situações em que o interessado


pretende manter ou conservar um direito em perigo, evitando que ele seja prejudicado por
medidas que venham a ser adoptadas.

46
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), pp. 445-446.

28
Conforme refere AROSO DE ALMEIDA47, há lugar “(…) à adopção de regulações
provisórias conservatórias (…)” quando, por exemplo, ocorre “(…) a intimação da
deslocação de certos bens do local onde se encontram para o outro local, para assegurar que
eles não pereçam ou se deteriorem e, portanto, garantir a respectiva conservação”. Considera
o autor, posição que acompanhamos, que “Do ponto de vista estrutural, é evidente que este
tipo de providências não se concretiza precisamente na manutenção do statu quo, na medida
em que introduz uma modificação da situação existente; mas, do ponto de vista funcional, que
é o que aqui se deve relevar, atento o critério normativo do artigo 120.º, n.º 1, por força do
qual tertium non datur, é indiscutível que desempenha a função de assegurar a conservação da
situação do requerente, e não de antecipar qualquer utilidade de que ele não seja titular”.

Por sua vez, no que concerne ao “(…) segundo dos domínios enunciados [providências
antecipatórias](…)” entende o autor48 que “(…) envolve as situações em que o interessado
pretende obter uma prestação, a adopção de medidas, que podem envolver ou não a prática de
actos administrativos. Neste tipo de situações, em que, no processo declarativo, o interessado
aspira à obtenção de um efeito favorável, a tutela cautelar concretiza-se na intimação cautelar
à adopção das medidas necessárias para minorar as consequências do retardamento da decisão
sobre o mérito da causa”.

Aliás, como salienta o autor, “Em muitos casos, é necessário (…) antecipar, a título
provisório, o resultado favorável pretendido no processo principal, mediante, por exemplo, a
inscrição provisória numa Universidade, a admissão provisória num concurso (artigo 112.º,
n.º 2, alínea b)), a permissão provisória da utilização de um bem, a atribuição provisória de
uma bolsa (cfr. artigo 112.º, n.º 2, alínea c)), a permissão provisória da prática de determinado
horário de comércio (cfr. artigo 112.º, n.º 2, alínea d)) ou a atribuição provisória de uma
pensão ou de uma bolsa (cfr. artigo 112.º, n.º 2, alínea e ))”.

Podemos afirmar, deste modo, que consoante a pretensão do autor, as providências cautelares
serão conservatórias ou antecipatórias, seguindo a classificação legal acima abordada.

47
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 447.
48
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), pp. 447-448.

29
3.3.2. Pressupostos processuais

De acordo com o definido no artigo 114.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares tanto
podem ser requeridas em momento anterior, como simultaneamente ou em momento posterior
à propositura da acção principal, não existindo, por isso, qualquer prazo dentro do qual a sua
adopção possa ser requerida.

Não obstante, nos casos em que a propositura da acção principal estiver sujeita a prazo e a
mesma não tenha sido proposta dentro desse prazo, o processo cautelar já não pode ser
intentado, devendo ser liminarmente rejeitado o correspondente requerimento, ao abrigo do
disposto no artigo 116.º, n.º 2, alínea d), e, se o processo cautelar já se encontrar pendente, por
ter sido intentado como preliminar, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, e 114.º, n.º 1, alínea a), a
jurisprudência49 tem estendido o âmbito de aplicação do regime do artigo 123.º, n.º 1, alínea
a), para o efeito de declarar extinto o processo cautelar.

3.3.3. Decretamento provisório de providências cautelares

Nos termos do artigo 131.º do CPTA, é admissível que, quando as circunstâncias o


justifiquem, o tribunal conceda a providência cautelar, a título provisório, imediatamente após
a apresentação do correspondente requerimento.

No entendimento de AROSO DE ALMEIDA50, que acompanhamos, “Este instituto funciona


como uma espécie de tutela cautelar de segundo grau, destinada a evitar o periculum in mora
do próprio processo cautelar, prevenindo os danos que, para o requerente, possam resultar da
demora deste processo”.

Com efeito, o decretamento provisório é determinado no início do processo cautelar, em


momento anterior à decisão do mesmo, perdurando apenas durante a pendência do processo
cautelar, até ao momento em que este venha a ser decidido. Pretende-se, deste modo,
antecipar, a título provisório, para pôr cobro a situações de especial urgência durante a

49
Acórdãos do STA (Pleno) de 12 de Dezembro de 2006, Proc. n.º 528/06, e de 6 de Fevereiro de 2007, Proc. n.º
598/06, e do TCA do Sul de 7 de Abril de 2005, Proc. n.º 655/05, e de 20 de Abril de 2006, Proc. n.º 1328/06,
disponíveis em www.dgsi.pt.
50
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 452.

30
pendência do processo cautelar, devendo-se posteriormente aquilatar se também perdurará
durante a pendência da acção.

Este autor51 levanta uma relevante questão sobre o incidente de decretamento provisório de
providências cautelares, a qual se relaciona com os critérios em que deve assentar o
decretamento provisório, havendo que distinguir as duas fases em que a tramitação do
incidente se desdobra.

Deste modo, o autor socorre-se de dois critérios:

a) Critério de decisão na primeira fase - De acordo com o artigo 131.º, n.º 3 do CPTA o
decretamento provisório tem lugar quando “a petição permita reconhecer a possibilidade de
lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia invocado ou outra situação de
especial urgência”.

Porém, parece-nos ser de admitir que a fórmula utilizada possa ser excessivamente limitativa,
disso se ressentindo a jurisprudência que sobre ela se tem firmado. Com efeito, a principal
dificuldade de interpretação que este dispositivo legal coloca tem a ver com a necessidade de
se densificar a expressão utilizada em último lugar: “outra situação de especial urgência”.

Destarte, entendemos que tal densificação deve passar por uma interpretação do artigo 131.º,
n.º 3 na sua plenitude. Deste modo, o preceito prevê dois tipos de situações em alternativa,
sendo mais preciso na identificação da primeira (“possibilidade de lesão iminente e
irreversível do direito, liberdade ou garantia invocado”), do que da segunda (“outra situação
de especial urgência”). Assim, a utilização da fórmula “outra situação de especial urgência”
dá a entender que o legislador reconhece, desde logo, que existe uma “especial urgência”
quando existe a possibilidade da lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade ou
garantia e pretende estender o mesmo regime de protecção a outras situações do mesmo tipo,
que lhe sejam comparáveis, ou seja, a outras situações em que exista a possibilidade da
consumação de uma “lesão iminente e irreversível”.

51
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 455.

31
Outro critério, como ensina o autor52, por nós seguido, é o “b) Critério da decisão na segunda
fase (artigo 131.º, n.º 6) – (…) o juiz do decretamento provisório não deve deixar de atender,
na decisão que lhe cumpre proferir no âmbito do artigo 131.º, n.º 6, aos critérios que lhe
cumpre aplicar na própria decisão do processo cautelar”. Segundo o autor “A tal não se opõe
(…) a circunstância de, no âmbito deste processo, o juiz poder não dispor de todos os
elementos, circunstância que (…) apenas deve determinar um acréscimo da sumariedade e,
portanto, da perfunctoriedade do juízo a formular, o que, atenta a gravidade dos interesses do
requerente que, neste domínio, estão em jogo, deve levar a que o decretamento provisório só
seja levantado em situações de evidência desfavorável ao requerente que possam resultar do
contraditório entretanto promovido”.

3.3.4. Proibição de executar o acto administrativo

Conforme o preceituado no artigo 128.º, n.º 1 do CPTA, “Quando seja requerida a suspensão
da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, uma vez recebido o
duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante
resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução
seria gravemente prejudicial para o interesse público”.

Porém, suscita dúvidas a qualificação do regime previsto no artigo 128.º como per si um
incidente do processo cautelar. Porquanto, em rigor, este regime pressupõe a instauração de
um processo cautelar, no entanto a disciplina que introduz parece ser inteiramente extra-
judicial, só se prevendo, de acordo com o preceituado no n.º 4, que o mesmo possa ser
jurisdicionalizado quando o requerente cautelar venha pedir ao juiz cautelar a declaração de
ineficácia de eventuais actos de execução indevida53.

3.3.5. Critérios gerais de atribuição de providências cautelares

Os critérios de que depende o decretamento das providências cautelares encontram-se


definidos no artigo 120.º do CPTA, que determina os critérios pelos quais o juiz se deve reger
para a tomada de uma decisão que envolve a possibilidade de adoptar os mais diversos tipos
de providências cautelares.

52
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 457.
53
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), pp. 459-460.

32
Destarte, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 120.º do CPTA prevêem critérios diferenciados,
conforme se trate de conceder providências conservatórias ou providências antecipatórias.

Com efeito, em alguns dos preceitos do artigo 120.º e, seguidamente, no capítulo sob o título
“disposições particulares” que se desenvolve pelos artigos 128.º a 134.º, o CPTA estabelece
alguns regimes especiais no que concerne aos critérios de que depende o decretamento das
providências cautelares.

Assim sendo, AROSO DE ALMEIDA54, ancorado nesta imposição legal, enuncia os diversos
critérios:

i) Afirmando que “Tal como sucede em processo civil, o primeiro e o mais importante
dos critérios de que depende a atribuição de providências cautelares é o [critério do]
periculum in mora, que o CPTA entende existir, segundo dispõe o artigo 120.º, n.º 1, alíneas
b) e c), quando ‘haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou
da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente’ visa
assegurar (alínea b)) ou pretende ver reconhecidos (alínea c)) no processo principal. Deste
modo, “À fórmula tradicional do ‘prejuízo de difícil reparação’, que era utilizada na
legislação precedente, o CPTA acrescentou a referência ao ‘fundado receio da constituição de
uma situação de facto consumado’”. Salientando o autor que “Esta referência visa clarificar
que, para além das situações em que, anteriormente, se admitia o risco da ‘produção de
prejuízos de difícil reparação’, as providências cautelares também devem ser concedidas
quando exista o ‘fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado’”.
(destacado nosso)

ii) Critério da aparência de bom direito

Propugna o autor que “A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda
que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente fez
valer no processo declarativo”. Por isso, “O juiz deve (…) avaliar o grau de probabilidade de
êxito do requerente no processo declarativo”, devendo tal afirmação “(…) conservar-se dentro

54
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 474.

33
dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o
juízo de fundo que caberá formular no processo principal”. Salienta ainda o autor que “O
tribunal deve tomar também em linha de conta o comportamento, judicial e extrajudicial, que
o requerido tenha, entretanto, assumido, na medida em que tal comportamento também possa,
pelo seu lado, fornecer indícios de adopção de uma atitude de desrespeito pela legalidade”.

iii) Critério da ponderação de interesses

Ensina o autor55, a propósito deste critério, que “A atribuição das providências cautelares não
depende apenas do preenchimento alternativo da previsão das alíneas b) ou c) do artigo 120.º,
n.º 1, e, portanto do preenchimento cumulativo dos requisitos do periculum in mora e da
aparência de bom direito (…). Com efeito, o artigo 120.º, n.º 2, estabelece que, ainda que se
preencha a previsão de qualquer daquelas duas alíneas, as providências ainda podem ser
recusadas ‘quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença,
os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar
da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras
providências’”, pelo que “A atribuição da providência não está (…) exclusivamente
dependente da formulação de um juízo de valor absoluto sobre a situação do requerente –
como sucederia se apenas dependesse da aplicação dos critérios do artigo 120.º, n.º 1, alíneas
b) e c) –, mas ainda depende da formulação de um juízo de valor relativo, fundado na
comparação da situação do requerente com a dos eventuais titulares de interesses
contrapostos”.

Ou seja, a aplicação destes três critérios, que abarcam três realidades diferentes, revela-se
deveras importante para a concessão, ou não, de uma providência cautelar, constituindo o
verdadeiro suporte à justa decisão do tribunal.

3.3.6. Regimes especiais de atribuição de providências cautelares

i) Evidência da procedência do processo principal

Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, alínea a) do CPTA “As providências cautelares são
adoptadas quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no

55
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 479.

34
processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto
manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto
idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”.

É de salientar o carácter meramente exemplificativo das situações elencadas, todas


exclusivamente referentes a processos impugnatórios de actos administrativos, mas que
apenas pretendem ilustrar o que está em causa neste domínio, recorrendo-se, para isso, ao
elenco das situações mais comuns, extraídas da experiência do recurso contencioso de
anulação.

Destarte, quando o juiz cautelar considere ser evidente a procedência da pretensão formulada
ou a formular pelo requerente no processo principal, deve conceder a providência sem mais
questões.

Porém, a jurisprudência56 tem-se firmado no sentido de que só existe evidência, para efeitos
do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º, em situações notórias ou patentes, em que a
procedência da acção principal seja perceptível sem necessidade de se colocar indagações,
quer de facto, quer de direito.

ii) Suspensão do pagamento de quantia certa

Determina o artigo 120.º, n.º 6 do CPTA que “Quando no processo principal esteja apenas
em causa o pagamento de quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências
cautelares serão adoptadas independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.º
1, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária”.

Deste modo, podemos afirmar que a prestação de garantia permite prescindir dos critérios das
alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 120.º, já que o interesse contraposto ao do requerente é
assegurado pela garantia, no caso de a posição do requerente se vir a revelar inconsciente.

56
Acórdãos do STA (Pleno) de 11 de Dezembro de 2007, Proc. n.º 210/07, do TCA Norte de 11 de Dezembro de
2008, Proc. n.º 1038/08, e do TCA Sul de 23 de Abril de 2009, Proc. n.º 4319/08, e de 7 de Maio de 2009, Proc.
n.º 4970/08, disponíveis em www.dgsi.pt.

35
Não obstante, o n.º 1 do artigo 120.º não afasta expressamente a aplicação do critério do n.º 2
do mesmo preceito, pelo que não se afigura liminarmente de excluir, no plano teórico, a
possibilidade da sua aplicação, embora seja difícil de conceber uma hipótese em que, estando
em causa apenas o pagamento de quantia certa, a concessão da providência mediante
prestação de garantia possa provocar danos desproporcionados ao interesse da entidade
requerida em obter a quantia certa57.

3.4. Recursos jurisdicionais

A matéria dos recursos jurisdicionais encontra-se prevista nos artigos 140.º a 156.º do CPTA e
nos artigos 24.º, 25.º, n.º 1 e 37.º do ETAF.

Podemos dizer que o recurso é um meio de garantia que consiste na impugnação feita perante
o Tribunal Administrativo competente, de um acto administrativo ou de um regulamento
ilegal, a fim de obter contenciosamente a respectiva anulação.

No âmbito dos recursos jurisdicionais assume especial importância prática a figura da alçada,
designadamente do respectivo valor, a qual revela-se em dois momentos diversos: na
tramitação processual e na recorribilidade das decisões judiciais.

Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 142.º do CPTA, admitem recurso as decisões que
tenham conhecido do mérito da causa, em processos de valor superior à alçada do tribunal de
que se recorre.

Destarte, nos termos do artigo 140.º CPTA: “Os recursos ordinários das decisões
jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei
processual civil, com as necessárias adaptações, e são processados como os recursos de
agravo, sem prejuízo do estabelecido na presente lei e no Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais”. (destacado nosso)

Porém, no entendimento de TERESA VIOLANTE58, que acolhemos, “A remissão operada


para o processo civil não poderá no entanto deixar de ser analisada com especiais cuidados de

57
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 487.
58
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 852.

36
forma a manter-se sempre no horizonte do intérprete e aplicador do direito a teleologia
própria inerente ao direito processual administrativo, enquanto direito adjectivo ou
instrumental do direito administrativo”.

Note-se, porém, que a remissão do artigo 140º para a tramitação dos recursos de agravo
encontra-se actualmente prejudicada pelo facto da figura do recurso de agravo ter sido
eliminada pela reforma do CPC operada pelo D.L. n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não tendo
sido “ressuscitada” pela mais recente reforma operada pela Lei. n.º 41/2003, de 26 Junho.

Desta forma, é entendimento da doutrina e jurisprudência portuguesas que os recursos


ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos devem ser
processados, com as necessárias adaptações, de acordo com as formalidades exigíveis em
sede de recurso de apelação em processo civil.

3.4.1. Classificação dos recursos jurisdicionais

3.4.1.1. Classificação do CPTA

Ensina a este propósito VIEIRA DE ANDRADE59 que “A lei do processo administrativo


distingue formalmente entre recursos ordinários – entre os quais refere a apelação, os
recursos de revista e o recurso para uniformização de jurisprudência – e o recurso de
revisão.” (destacado nosso) Este último, extraordinário.

Com efeito, propugna o autor que “Em face da regra do duplo grau de jurisdição, talvez
possamos distinguir, no processo administrativo:

a) recurso ordinário comum – na grande maioria dos casos, será o recurso interposto
das decisões dos TAC para os TCA, que (…) se pode designar de ‘apelação’;
b) recurso ordinário especial – que constitui o recurso de revista per saltum dos TAC
para o STA;
c) recursos ordinários excepcionais – que serão o recurso de revista dos TCA para o
STA e o recurso para uniformização de jurisprudência, a interpor para o Pleno do STA;

59
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., p. 399.

37
d) recurso extraordinário – que será o recurso de revisão”.

Aqui explicitamente ressalvamos que consideramos, como este autor, o recurso para
uniformização de jurisprudência um recurso ordinário, com o argumento, que nos parece
válido, sustentado ma própria sistematização do CPTA. Não obstante, AROSO DE
ALMEIDA60 considera que “Ao contrário do que a organização sistemática do CPTA parece
sugerir (…)”, o recurso para uniformização de jurisprudência não é “(…) um recurso
ordinário, mas extraordinário (cfr. artigo 676.º, n.º 2, do CPC61), pois é um recurso que se
interpõe de decisões já transitadas em julgado”.

3.4.1.2. Classificação doutrinária

Seguindo novamente os ensinamentos de VIEIRA DE ANDRADE62, podemos afirmar que


“Os recursos jurisdicionais não têm todos a mesma natureza, nem seguem um único regime,
sendo, nessa medida, objecto de classificações doutrinais”.

Assim sendo, em função dos poderes do tribunal para o qual é interposto o recurso (tribunal
ad quem), podem distinguir-se os recursos substitutivos dos recursos cassatórios ou
rescindentes.

Nos recursos substitutivos, até pela nomenclatura, o tribunal ad quem, caso entenda dar
provimento ao recurso, vai substituir a decisão impugnada por aquela que entenda ser
adequada.

Por sua vez, nos recursos cassatórios ou rescidentes o tribunal ad quem limita-se a verificar
a legalidade da decisão recorrida e, em caso de procedência, a cassá-la, ou seja, a proceder à
sua revogação ou rescisão, remetendo posteriormente o processo ao tribunal competente, em
regra, ao tribunal a quo, para nova decisão.

Realce-se que a prática processual portuguesa, que se confirma também no processo


contencioso administrativo, vai no sentido de os recursos serem, em regra, substitutivos.

60
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual (…), p. 425.
61
Actual artigo 627.º, n.º 2 do CPC/2013.
62
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., p. 398.

38
Porém, VIEIRA DE ANDRADE ensina que “Esta classificação – que se funda na existência
ou inexistência dos poderes dispositivos do tribunal superior – não se identifica (…), apesar
de algumas correlações fortes, com a que distingue entre os recursos de reexame e os
recursos de reponderação ou de revisão – que respeita ao alcance desses poderes”.
(destacado nosso)

Advoga a este respeito o autor que “É certo que, no recurso de cassação, como o tribunal visa
apenas verificar o cumprimento da lei pelo tribunal a quo, não poderá, pelo menos em regra,
senão rever ou reponderar a decisão recorrida com base na prova, nos factos e no direito
existentes à data em foi proferida. Mas, já no caso do recurso substitutivo, tanto pode
entender-se que o tribunal de recurso julga de novo o mérito da causa – devendo, então poder
fazer um reexame da questão, isto é, da relação jurídica controvertida, eventualmente com
base em novas provas e atendendo às alterações de facto e de direito que tenham ocorrido até
à decisão do recurso –, como se limita a reponderar a decisão tomada, na exacta medida em
que foi impugnada.

3.4.2. Legitimidade para recorrer

Postula o artigo 141.º CPTA que:

“1 — Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal
administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido
proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais.
2 — Nos processos impugnatórios, considera-se designadamente vencido, para o efeito do
disposto no número anterior, o autor que, tendo invocado várias causas de invalidade contra
o mesmo acto administrativo, tenha decaído relativamente à verificação de alguma delas, na
medida em que o reconhecimento, pelo tribunal de recurso, da existência dessa causa de
invalidade impeça ou limite a possibilidade de renovação do acto anulado.
3 — Ainda que um acto administrativo tenha sido anulado com fundamento na verificação de
diferentes causas de invalidade, a sentença pode ser impugnada com base na inexistência de
apenas uma dessas causas de invalidade, na medida em que do reconhecimento da
inexistência dessa causa de invalidade dependa a possibilidade de o acto anulado vir a ser
renovado”.

39
Assim, da interpretação conjunta do disposto no n.º 2 do artigo 95.º do CPTA e no n.º 2 do
artigo 141.º, considera-se vencido, o autor que, tendo invocado várias causas de invalidade
contra o mesmo acto administrativo tenha decaído relativamente à verificação de algumas
delas, na estrita medida em que a procedência das mesmas possa impedir ou limitar a
renovação do acto.

Do mesmo modo, nos termos do n.º 3 do artigo 141.º do CPTA, reconhece-se igualmente
legitimidade à Administração, ou a qualquer contra-interessado, para recorrer parcialmente de
sentença anulatória que tenha impugnado acto administrativo com fundamento na verificação
de diferentes causas de invalidade, centrando-se o objecto do recurso em causas cuja
inexistência possa conduzir à possibilidade de renovação daquele.

A este propósito VIEIRA DE ANDRADE63 ensina que “(…) também se considera vencido
para efeito de recurso o autor que, apesar de ter obtido a anulação peticionada, não viu
reconhecida pela sentença anulatória uma causa de invalidade que impeça ou limite a
possibilidade de renovação do acto (ou da norma) anulado64; tal como se admite um recurso
parcial da sentença anulatória, se a procedência nessa parte em que se recorre da sentença for
suficiente para excluir ou limitar tal renovação (artigo 141.º, n.ºs. 2 e 3)”, podendo-se, desta
forma, recorrer “(…) apenas da parte da sentença que anulou o acto com fundamento em
vícios de conteúdo”. (destacado nosso)

Com efeito, o Ministério Público tem legitimidade para a interposição do recurso, nos termos
do artigo 141.º, n.º 1 do CPTA, “se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições
ou princípios constitucionais ou legais”, ou seja sempre que esteja em causa o superior
interesse da defesa da legalidade”.

Ademais, o MP é notificado para intervir no processo, de acordo com o determinado no artigo


146.º, n.º 1 do CPTA, emitindo parecer sobre o mérito dos recursos interpostos pelas partes,

63
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., pp. 407-408.
64
“Por exemplo, se, tendo sido invocados vícios formais e vícios de conteúdo, o acto tiver sido anulado pelo
tribunal apenas com base nos vícios formais, em termos que não impeçam a Administração de praticar novo
acto, com o mesmo conteúdo, embora expurgado dos vícios declarados – e o mesmo vale para as normas, apesar
de a lei se lhes não referir expressamente”.

40
em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e de interesses públicos especialmente
relevantes ou valores comunitários constitucionalmente protegidos.

Por seu turno AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA65, defendem que “Tem
legitimidade para recorrer de uma decisão jurisdicional, em primeiro lugar, ‘quem nela tenha
ficado vencido’, subentendendo-se que se trata de quem tenha figurado no processo como
parte principal”. Considerando-se “(…) partes no processo os autores ou réus originários,
ainda que intervenham em coligação (…), o que inclui os contra-interessados, e, bem assim,
os que tenham intervindo, defendendo um interesse igual ao do autor ou do réu, a título de
intervenção espontânea ou de intervenção provocada (…). Salientam os autores que “O
chamado que não tenha intervindo no processo, mas relativamente ao qual a sentença faça
caso julgado, (…), dispõe igualmente de legitimidade para recorrer da decisão desfavorável,
por ser, apesar de revel, directamente prejudicado pela decisão”. (destacado nosso)

Assim, no que concerne ao conceito de parte vencida, poderemos afirmar que é aquela a
quem a decisão causa prejuízo e, deste modo, a parte relativamente à qual a decisão se mostra
desfavorável, independentemente de, sendo réu, ter ou não deduzido oposição.

3.4.3. Competência para apreciar e decidir

Seguindo o exemplo do que ocorre nos tribunais judiciais, os recursos são, por regra,
interpostos para os tribunais superiores, que, em matéria administrativa, são tribunais de
recurso.

Com efeito, os Tribunais Centrais Administrativos, nos termos do disposto no artigo 37.º,
alíneas a) e b), do ETAF são a instância normal de recurso de apelação das decisões dos
tribunais de primeira instância e dos tribunais arbitrais.

Por sua vez, para o Supremo Tribunal Administrativo, só é possível recorrer das decisões
proferidas em primeiro grau de jurisdição pelos Tribunais Centrais Administrativos, de acordo
com o preceituado no artigo 24.º, n.º 1, alínea g), do ETAF e, em certas circunstâncias,
interpor recurso de revista: recurso per saltum das decisões dos tribunais de primeira instância

65
ALMEIDA, Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Alberto Fernandes – Comentário ao Código de Processo
nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed. revista, Coimbra, Almedina, 2010, p. 917.

41
e recurso das próprias decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos em
recurso de apelação, conforme o disposto nos artigos 24.º, n.º 2, do ETAF e 150.º e 151.º do
CPTA.

Para além disso, o STA também conhece dos recursos para uniformização de jurisprudência,
que resultem da existência de oposição entre acórdãos, de acordo com o estipulado no artigo
152.º do CPTA.

Destarte, a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


funciona também como Pleno.

Nos termos do artigo 25.º, n.º 1, do ETAF, o Pleno da Secção conhece dos recursos dos
acórdãos que tenham sido proferidos pela secção, através de subsecções, em primeiro grau de
jurisdição, nos casos em que, excepcionalmente, o Supremo é competente para o efeito (alínea
a)).

3.4.4. Decisões que admitem recurso

As decisões que admitem recurso encontram-se elencadas no artigo 142.º CPTA, que
determina que:

“1 — O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do


mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal do qual se
recorre.
2 — Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se incluídas nas decisões
sobre o mérito da causa as que, em sede executiva, declarem a existência de causa legítima
de inexecução, pronunciem a invalidade de actos desconformes ou fixem indemnizações
fundadas na existência de causa legítima de inexecução.
3 — Para além dos casos previstos na lei processual civil, é sempre admissível recurso, seja
qual for o valor da causa, das decisões:
a) De improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e
garantias;
b) Proferidas em matéria sancionatória;
c) Proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo;

42
d) Que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa.
4 — O recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo só é admissível nos casos
e termos previstos no capítulo seguinte.
5 — As decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso
que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos de subida imediata previstos
no Código de Processo Civil”. (destacado nosso)

Com efeito, no CPTA vigora a regra geral do direito ao recurso, embora nem todas as
decisões judiciais admitam recurso. Podemos assim afirmar, seguindo TERESA
VIOLANTE66 que “Como princípio geral, o CPTA estabelece a recorribilidade das decisões
que, em primeiro grau de jurisdição, conheçam do mérito da causa em processos de valor
superior à alçada do qual se recorre”.

O artigo ora em análise abrange apenas recursos de apelação, ou seja, aqueles que incidem
sobre o mérito da causa.

Aliás, como se pode constatar, a admissibilidade do recurso de revista, de acordo com o


previsto no n.º 4, é remetida para o capítulo II, deste mesmo título (VII) do CPTA.

Deste modo, não podemos deixar de concordar com TERESA VIOLANTE67 quando afirma
que o rol de decisões constante do artigo 142.º, n.º 2 CPTA inclui “(…) aquelas que, em sede
executiva, declarem a existência de causa legítima de inexecução, pronunciem a invalidade de
actos desconformes ou fixem indemnizações fundadas na existência de causa legítima de
inexecução”. Compreende a autora “(…) esta solução na medida em que se trata ainda de
decisões respeitantes a incidentes de natureza declarativa”.

É de salientar que a previsão do artigo 142.º, n.º 1 do CPTA abrange as sentenças finais, as
decisões arbitrais e os despachos saneadores que conhecem do mérito da causa, incluindo as
decisões que, nos termos do artigo 579.º do CPC, julguem da procedência ou improcedência
de excepções peremptórias.

66
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 856.
67
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 856.

43
Assim como que o n.º 3 do artigo 142.º introduz desvios à regra geral estipulada no n.º 1,
elencando várias situações em que, independentemente do valor da lide, é sempre admissível
recurso.

Refira-se, ainda, que de acordo com o preceituado no artigo 147.º CPTA o recurso é também
admissível nos processos urgentes, cautelares ou principais.

No que diz respeito às alçadas dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, determina o
artigo 6.º do ETAF que a alçada dos tribunais administrativos de círculo corresponde àquela
que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de primeira instância (n.º 3), por seu
turno a alçada das secções de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo
e do Supremo Tribunal Administrativo, nos processos em que exerçam competências de
primeira instância, corresponde à dos tribunais administrativos de círculo (n.º 5).

Assim, de acordo com o artigo 142.º, n.º 1 do CPTA, as decisões sobre o mérito da causa que
os tribunais administrativos de círculo, o Tribunal Central Administrativo e o Supremo
Tribunal Administrativo profiram em primeiro grau de jurisdição apenas são passíveis de
recurso jurisdicional se o valor da causa a que se reportam, a fixar por aplicação dos critérios
estabelecidos nos artigos 32.º a 34.º, for superior ao valor da alçada dos tribunais
administrativos de círculo.

Com efeito, nos processos em que exerçam competências de primeira instância, o STA e o
TCA têm a alçada correspondente à dos TACs, ou seja que se encontra estabelecida para os
tribunais judiciais de primeira instância, fixada em € 5 000.

Deste modo, poderá ser interposto recurso, independentemente do tribunal que tiver proferido
a decisão de mérito, se o valor da causa for igual ou superior a € 5 000,01, o que, conforme já
referido, corresponde à alçada dos tribunais de primeira instância, acrescido de € 0,01, nos
termos e para os efeitos do preceituado nos artigos 6.º, n.ºs. 3 e 5, do ETAF e 31.º, n.º 1 da
LOFTJ.

44
3.4.5. Decisões que não admitem recurso

HELENA RIBEIRO68 elenca uma panóplia de exemplos de decisões irrecorríveis, que, dada a
sua pertinência, passamos a citar:

“— decisões em que caducou o direito a interpor o recurso; (…)


— decisão de mero expediente, que nos termos do artigo 156.º, n.º 4, do CPC69, são aqueles
que se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de
interesses entre as partes, desde que proferidos de acordo com a lei — Exemplos:
a) despacho que designa, para cada dia de inquirição, o número de testemunhas que
podem ser inquiridas (artigo 628.º do CPC70);
b) despacho que adia a audiência de julgamento por impossibilidade de constituição do
tribunal colectivo e nenhuma das partes prescindir de julgamento pelo mesmo.
— despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário do juiz (situações em que a
lei atribui ao juiz a livre escolha quer da oportunidade da sua prática, quer da solução a dar ao
caso concreto) — Exemplos:
a) despacho de requisição de informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias ou
outros documentos (artigo 535.º do CPC71);
b) despacho que determina a realização de inspecção judicial (artigo 612.º, n.º 172);
c) despacho que ordena a notificação de uma determinada pessoa, não oferecida como
testemunha, para prestar depoimento (artigo 645.º, n.º 173);
— decisões em que o valor da causa não seja suficiente para justificar os custos da
intervenção do tribunal superior;
— despacho que manda citar os Requeridos (artigo 234.º do CPC74 ex vi artigo 140.º do
CPTA);
— despacho que se pronúncia sobre o requerimento de prorrogação do prazo para contestar
(artigo 486.º, n.º 6, do CPC75);

68
RIBEIRO, Helena – A nova justiça administrativa (trabalhos e conclusões do seminário comemorativo do 1.º
ano de vigência da reforma do contencioso administrativo), Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 194-195.
69
Actual artigo 152.º, n.º 4 do CPC/2013.
70
Actual artigo 507.º do CPC/2013.
71
Actual artigo 436.º do CPC/2013.
72
Actual artigo 490.º do CPC/2013.
73
Actual artigo 526.º, n.º 1 do CPC/2013.
74
Actual artigo 926.º, n.º 1 do CPC/2013.
75
Actual artigo 569.º, n.º 5 do CPC/2013.

45
— despacho que indefere o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma da
sentença;
— decisões de decretamento provisório de providências cautelares para a protecção de
direitos, liberdades e garantias — situação do artigo 131.º, n.º 5, do CPTA”.

Parece-nos, assim, muito pertinente e ilustrativa de casos que não admitem recurso esta
elencagem, atenta a sua abrangência, isto é atenta a sua diversidade.

3.4.6. Efeitos dos recursos

Prescreve o artigo 143.º do CPTA que:

“1 — Salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão


recorrida.
2 — Os recursos interpostos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias
e de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente
devolutivo.
3 — Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto
consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para
os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal
para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4 — Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de
danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar
esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos
mesmos.
5 — A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que
dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição,
sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a
evitar ou minorar esses danos”.

Destarte, os recursos têm efeito suspensivo, devidamente salvaguardado o consagrado em lei


especial (n.º 1).

46
Encontram-se previstas no n.º 2 as situações em que os recursos têm efeito meramente
devolutivo.

Contemplam os n.ºs. 3, 4 e 5 do artigo 143.º, a ponderação em concreto dos efeitos


decorrentes da atribuição do efeito devolutivo ou suspensivo do recurso jurisdicional,
possibilitando a alteração do efeito-regra mediante o preenchimento de certos requisitos face à
eventual verificação do periculum in mora.

Assim, a requerimento do interessado, o tribunal ad quem pode atribuir efeito meramente


devolutivo ao recurso sempre que a suspensão dos efeitos da sentença recorrida possa originar
situações de fato consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte
vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos76.

Já AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA77 ensinam que “O n.º 3 [do artigo 143.º do
CPTA] permite que, quando a suspensão dos efeitos da sentença durante a pendência do
recurso jurisdicional seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de
prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses por ela
prosseguidos, o recorrente peça ao tribunal para o qual recorre que afaste o efeito suspensivo
do recurso e lhe atribua um efeito meramente devolutivo. Está, portanto, a referir-se à
possibilidade de alteração, a requerimento da parte interessada, do efeito suspensivo do
recurso que é atribuído, em regra, nos termos do n.º 1. Se a pretensão for deferida, a sentença
passa a ser exequível e a dever ser imediatamente cumprida pela parte vencida, não obstante a
pendência do recurso”.

Quanto aos n.ºs. 4 e 5 deste preceito legal, os autores defendem que o previsto nos mesmos
“(…) pressupõe que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao
recurso, nos termos do n.º 3”. Não sendo, desta forma, “(…) aplicável às situações de efeito
devolutivo por determinação da lei, que directamente decorrem do disposto no n.º 278”.

Com efeito, para o juiz atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso terá que proceder à
ponderação constante do artigo 143.º, n.º 5, do CPTA.

76
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 859.
77
ALMEIDA, Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, op. cit., p. 943.
78
Cfr. “(…) acórdão do TCA Norte de 18 de Junho de 2009, Processo n.º 1411/2008”, disponível em
www.dgsi.pt.

47
Pelo que, não se justifica admitir que, quando a providência cautelar tenha sido recusada, o
recurso jurisdicional tenha efeito suspensivo, com a possibilidade de lhe vir a ser atribuído um
efeito meramente devolutivo mediante a apreciação dos mesmos critérios que já anteriormente
foram considerados79.

3.4.7. Prazo, forma e tramitação do recurso

O prazo e a forma do recurso encontram-se consagrados no artigo 144.º do CPTA,


designadamente nos n.ºs. 1 e 2, os quais determinam que:

“1 — O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação


da decisão recorrida.
2 — O recurso é interposto mediante requerimento que inclui ou junta a respectiva alegação
e no qual são enunciados os vícios imputados à sentença”. (destacado nosso)

Por sua vez, os n.ºs. 3 e 4 deste preceito determinam que:

“3 — Salvo o disposto no número seguinte, do despacho que não admita o recurso ou o


retenha pode o recorrente reclamar para o presidente do tribunal que seria competente para
dele conhecer, segundo o disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações.
4 — Do despacho do relator que não receba o recurso interposto de decisão da Secção de
Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo para o pleno do mesmo
Tribunal, ou o retenha, cabe reclamação para a conferência e da decisão desta não há
recurso”.

Deste modo, recebido o requerimento, deverá a secretaria promover oficiosamente a


notificação do recorrido ou recorridos para apresentação de contra-alegações no prazo de 30
dias, de acordo com o definido no artigo 145.º, n.º 1 do CPTA.

Porém, esta norma tem suscitado na doutrina algumas dificuldades de interpretação atenta à
redacção do artigo 144.º, n.º 3, nos termos do qual se admite reclamação do despacho que não

79
ALMEIDA, Mário Aroso de – O Novo (…), p. 284.

48
admita ou retenha o recurso para o presidente do tribunal que seria competente para dele o
conhecer.

Com efeito, no entendimento de TERESA VIOLANTE80 “Não se percebe bem se a


intervenção do juiz a quo deve ocorrer logo que seja recebido o requerimento de interposição
do recurso e respectivas alegações ou apenas após apresentação das mesmas (ou uma vez
decorrido o respectivo prazo) por parte do recorrido”. Afigura-se, por isso, à autora que “À
primeira vista, as duas normas parecem ‘inconciliáveis’”. Destarte, entende a autora que “(…)
a solução que melhor tutela todas as variáveis em cauda é a propugnada por Aroso de
Almeida e Carlos Cadilha, nos termos da qual o despacho sobre admissão do recurso apenas
deverá ter lugar após junção das contra-alegações ou uma vez decorrido o respectivo prazo”.

No que concerne à forma do recurso, como já vimos, o n.º 2 do artigo 144.º CPTA preceitua
que: “O recurso é interposto mediante requerimento que inclui ou junta a respectiva
alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à sentença”.

Assim, incidindo agora a nossa atenção numa questão iminentemente prática, como afirma
HELENA RIBEIRO81 “Decorre literalmente desta expressão que o requerimento de
interposição de recurso tem de incluir ou de vir acompanhado das respectivas alegações.
Sendo assim, não se exige que o requerimento e as alegações constituam uma única peça
processual”.

Com efeito, como refere HELENA RIBEIRO, “(…) o requerimento pode não incluir as
alegações e antes vir delas acompanhado. Não obstante, o busílis da questão é o de “(…)
saber como proceder perante um requerimento de interposição de recurso que não inclui as
respectivas alegações nem vem delas acompanhado na data em que é apresentado em tribunal,
sendo que nessa data está ainda em curso o prazo de que a parte dispõe para recorrer”.

Conforme refere a autora, “Há dois entendimentos: Há quem entenda que perante uma
situação destas (…) se está perante uma situação em que o recorrente não exprimiu de forma
eficaz a sua intenção de recorrer, o que conduz à imediata deserção do recurso interposto, pelo

80
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 861.
81
RIBEIRO, Helena, op. cit., pp. 202-203.

49
que a secção deverá fazer o processo imediatamente concluso ao juiz a fim de o mesmo
declarar deserto o recurso”.

Porém, no entendimento da autora, “(…) esta não é a melhor interpretação, nem conduz à
decisão mais justa em nome do princípio da tutela judiciária”, pois “Se conforme decorre do
disposto no n.º 2 do artigo 144.º o requerimento de interposição de recurso e as alegações
podem constituir duas peças processuais distintas, então também podem ser admitidas em
separado e, consequentemente, ser apresentadas em momentos temporais diferentes. Assim, o
melhor procedimento será o de se aguardar o decurso do prazo de que o recorrente dispunha
para recorrer e só decorrido esse prazo sem que o mesmo tenha entretanto junto as respectivas
alegações é que a secção deverá concluir o processo ao juiz a fim de ser declarado deserto o
respectivo recurso”. Aliás, “Este entendimento tem sido sustentado pelo STJ82 relativamente
aos recursos das decisões proferidas no foro laboral, cujo regime de interposição previsto no
artigo 81.º do CPT83, é muito semelhante ao previsto no foro administrativo”.

É de referir que nos processos urgentes, os prazos, incluindo o de interposição do recurso e da


apresentação de alegações, são reduzidos a metade, nos termos do preceituado no artigo 147.º
CPTA.

No que concerne à intervenção do Ministério Público (MP) nos recursos jurisdicionais, o


mesmo intervém para se pronunciar sobre o mérito do recurso, de acordo com um critério
semelhante ao previsto no artigo 85.º do CPTA, para a acção administrativa especial.

Tal intervenção sucede nos processos em que o MP não se encontra na qualidade de


recorrente ou de recorrido.

No que concerne aos processos desencadeados pelo MP no exercício da acção pública, nos
termos dos artigos 40.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea c), 55.º, n.º 1, alínea b), 68.º, n.º 1, alínea
c), e 73.º, n.º 2 do CPTA ou em que tenha intervindo no exercício do patrocínio judiciário do
Estado ou de outras pessoas ou entidades, conforme estipulado no artigo 11.º, n.º 2 do CPTA,
o MP actua como parte ou como representante processual de parte, sendo da sua competência

82
Acórdão do STJ de 10-02-1983, in BMJ, n.º 324, p. 493.
83
Artigo 81.º, n.º 1 do CPT: “O requerimento de interposição de recurso deve conter a alegação do recorrente
(…)”.

50
exercer os respectivos poderes processuais, de entre os quais se inclui o de interpor recurso
quando tenha saído vencido e o de contra-alegar no recurso interposto pela parte contrária.

3.4.8. Julgamento ampliado do recurso

De acordo com o preceituado no n.º 1, do artigo 148.º do CPTA “O Presidente do Supremo


Tribunal Administrativo ou o do Tribunal Central Administrativo podem determinar que no
julgamento de um recurso intervenham todos os juízes da secção, quando tal se revele
necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência, sendo o
quórum de dois terços”. (destacado nosso)

Com efeito, o julgamento ampliado do recurso, nos termos do n.º 2 deste preceito, pode
também “(…) ser requerido pelas partes e deve ser proposto pelo relator ou pelos adjuntos,
designadamente quando se verifique a possibilidade de vencimento de solução jurídica em
oposição com jurisprudência anteriormente firmada no domínio da mesma legislação e sobre
a mesma questão fundamental de direito”. (destacado nosso)

Com efeito, o julgamento ampliado do recurso distingue-se do recurso para uniformização de


jurisprudência na medida em que terá por objecto uma decisão ainda não transitada em
julgado. É de salientar a este propósito que a reforma de 2004 do CPTA manifesta especiais
preocupações com a uniformidade da jurisprudência administrativa, prevendo vários
mecanismos que têm exactamente por escopo a promoção dessa uniformidade. O julgamento
ampliado do recurso é precisamente um desses mecanismos, a par do recurso para
uniformização de jurisprudência, consagrado no artigo 152.º do CPTA, e o reenvio prejudicial
para o STA, previsto no artigo 93.º84.

Aliás, o recurso para uniformização de jurisprudência, embora seja estruturado em moldes


diferentes daqueles que caracterizavam o clássico recurso de oposição de acórdãos, vem
suceder a este na resolução de conflitos efectivos entre acórdãos que se contradigam a
propósito de uma mesma questão fundamental de direito.

84
VIOLANTE, Teresa, op. cit., pp. 862-863.

51
Contrariamente, o que está em causa no artigo 148.º do CPTA é permitir que, a título
preventivo e, deste modo, para evitar a multiplicação de decisões contraditórias, os
Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo ou do Tribunal Central Administrativo
determinem que o julgamento de determinados recursos jurisdicionais seja efectuado com a
intervenção de todos os juízes da secção, sendo o quórum de dois terços. A iniciativa pode
partir das partes, de acordo com o estipulado no artigo 148.º, n.º 2 do CPTA, e o acórdão que
venha a ser proferido será publicado no Diário da República, conforme o consagrado no n.º 4
da mesma disposição legal.

3.4.9. Recursos ordinários

3.4.9.1. Recurso de apelação

O recurso de apelação encontra-se consagrado no artigo 149.º CPTA.

Neste tipo de recurso o tribunal ad quem conhece tanto da matéria de facto como da de
direito. De acordo com o preceituado no artigo 149.º, n.º 1 do CPTA, ainda que declare nula a
sentença, o tribunal de recurso profere nova decisão, substituindo e revogando a anterior,
havendo eventualmente lugar a nova produção de prova e atendendo a alterações de
circunstâncias de facto e de direito que tenham ocorrido entretanto, conforme o n.º 2 da
mesma norma.

Ou seja, a apelação apresenta-se não como um mero recurso cassatório ou rescindente, mas
sim como um recurso substitutivo ou de reexame.

No entanto, segundo TERESA VIOLANTE85, “Tal não significa (…) como salientam Aroso
de Almeida e Carlos Cadilha, que esteja afastada a possibilidade de delimitação subjectiva e
objectiva do âmbito do recurso, nos termos do disposto no artigo 684.º do CPC86”. Salienta a
autora que “A este propósito, Vieira de Andrade alerta para o facto de a questão do âmbito do
recurso no contencioso administrativo dever ser entendida e analisada à luz dos princípios
próprios deste ramo de direito, designadamente o princípio do favorecimento do processo

85
VIOLANTE, Teresa, op. cit., pp. 863-867.
86
Actuais artigos 644.º e ss. do CPC/2013.

52
consagrado no artigo 7.º do CPTA. Nos termos do n.º 4 do artigo 684.º do CPC87, a sentença
recorrida faz caso julgado relativamente às questões que não tenham sido objecto de recurso.
De acordo com aquele Autor, esta solução não pode ser transposta, sem mais, para o
contencioso Administrativo. Entende, assim, que nesta matéria (à semelhança do que sucede,
designadamente, nas acções de impugnação de actos administrativos88), o juiz não se encontra
limitado ao princípio ne eat iudex ultra vel extra petita partium”.

Com efeito, tendo em consideração que recurso é um recurso de reexame, impende sobre o
tribunal administrativo de segunda instância o poder-dever de conhecer novamente sobre o
mérito da causa, eventualmente ordenando a renovação da prova ou a realização de novas
diligências probatórias, e não se encontrando, por isso, restringido pela delimitação do objecto
do recurso que for efectuada pelas partes, uma vez que a decisão deverá manter ou substituir a
sentença recorrida, não se consubstanciando, desta maneira, na pura análise da sentença
recorrida na forma como surge delimitada pelas partes por via das alegações e contra-
alegações de recurso.

Isto é, na apelação pode haver lugar ao conhecimento de questões novas, seja porque o
tribunal recorrido não se pronunciou sobre o seu conteúdo, seja porque as mesmas apenas
foram formuladas no tribunal de segunda instância.

Não obstante, o conhecimento de questões novas pode levantar alguns problemas no que diz
respeito à reapreciação das mesmas em sede de recurso. Daí, a doutrina dividir-se, enquanto
que Aroso de Almeida e Carlos Cadilha entendem que o direito ao recurso face à sua
configuração constitucional se satisfaz com a simples possibilidade que as partes têm de
assegurar a intervenção do tribunal superior, já Vieira de Andrade manifesta algumas reservas
nomeadamente quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias dos particulares ou
decisões proferidas no âmbito de matéria sancionatória.

Destarte, a este propósito concordamos com o entendimento de Aroso de Almeida e Carlos


Cadilha, porquanto nos parece que de facto a consagração constitucional do recurso,

87
Actuais artigos 644.º e ss. do CPC/2013.
88
“Nos termos do artigo 95.º, n.º 2 do CPTA o juiz não só se deve pronunciar sobre todas as causas de
invalidade suscitadas pelo autor contra o acto impugnado, como deve ainda identificar, sendo caso disso, outras
invalidades diversas, respeitado o princípio do contraditório”.

53
preenche-se com a faculdade que é dada aos particulares de recorrerem de sentença proferida
por tribunal inferior para um tribunal superior.

Em suma, o artigo 149.º CPTA ao definir os poderes de cognição do TCA em sede de recurso
de apelação, qualifica este tipo de recurso como um recurso substitutivo, o qual pressupõe o
reexame das questões que constituíram o objecto do litígio, e não como um mero recurso
rescindente ou cassatório, o qual apenas possibilita a revisão da decisão recorrida, tendo em
vista a averiguação da correcção do julgado quanto às questões suscitadas no recurso89.

Destarte, o CPTA opta pela possibilidade de o TCA funcionar como um real segundo grau de
jurisdição, julgando de novo o mérito da causa, dado que o tribunal ad quem, se julgar
procedente o recurso, vai substituir a decisão impugnada por uma outra decisão que se lhe
afigura ser a legal, visto ser aquela que deveria ter sido logo proferida na primeira instância90.

3.4.9.2. Recursos de revista

Os recursos de revista para o Supremo Tribunal Administrativo encontram-se consagrados


nos artigos 150.º e 151.º CPTA.

Encontramo-nos perante quer um recurso de revista de decisões proferidas em segunda


instância pelo Tribunal Central Administrativo (previsto no artigo 150.º do CPTA), que, pela
primeira vez, abre a porta à existência de um duplo grau de recurso no contencioso
administrativo português, quer um recurso per saltum de decisões proferidas em primeira
instância pelos tribunais administrativos de círculo limitado à apreciação de questões de
direito (previsto no artigo 151.º do CPTA).

i) Recurso de revista

De acordo com o preceituado no artigo 150.º CPTA, “1 — Das decisões proferidas em 2.ª
instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o
Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que,
pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a

89
Neste sentido, cfr. acórdão do STA de 2 de Agosto de 2006, Processo n.º 571/06, disponível em www.dgsi.pt.
90
ALMEIDA, Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, op. cit., pp. 968-969.

54
admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 —
A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual”.

Com efeito, como refere TERESA VIOLANTE91 o artigo 150.º estabelece “(…) a
possibilidade de um recurso de revista das decisões proferidas em segunda instância pelo
TCA”. Consagrando esta norma, no entendimento da autora, “(…) uma ‘válvula de segurança
do sistema’, permitindo a reapreciação da causa pelo STA sempre que se verifique (…)” um
dos casos previstos no n.º 1, do artigo 150.º CPTA.

Atentos os pressupostos de admissão deste tipo de recurso, previstos no já mencionado n.º 1,


do artigo 150.º CPTA, entende a autora que os mesmos “(…) apresentam-se (…) elencados
por meio de conceitos indeterminados o que reserva alguma margem de manobra ao STA na
admissão, em concreto, deste tipo de recurso”.

Este tipo de recurso carece de uma decisão prévia de admissão, proferida nos termos do n.º 5,
do artigo 150.º CPTA que determina que “A decisão quanto à questão de saber se, no caso
concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal
Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma
formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso
Administrativo”.

Afirma a autora que “A primeira decisão92 de admissão de um recurso de revista nestes


termos foi proferida a propósito do caso ‘Túnel do Marquês’93, em que o Tribunal qualificou a
questão sub judice como socialmente relevante em termos de ser conhecida naquele âmbito”.

Destarte, de acordo com o previsto no artigo 150.º do CPTA, o recurso de revista para o STA
das decisões proferidas pelos TCA em segunda instância é qualificado como um recurso
excepcional, na medida em que vai implicar um terceiro grau de jurisdição, ainda que

91
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 868.
92
“O apontado requisito da ‘relevância social’ e, por consequência, da ‘importância fundamental’ da
mencionada questão radica no facto de o forte congestionamento do tráfego inerente à paralisação das obras
nesse túnel, localizadas numa das mais importantes artérias de Lisboa, ser causa evidente, notória, de grave
perturbação na vida quotidiana de milhares de pessoas (…), situação que implica consequências altamente
negativas de natureza económica e social”, crf. Acórdão do STA, de 19 de Outubro de 2014, P. 01011/04,
disponível em www.dgsi.pt.
93
Acórdão do STA, de 24 de Novembro de 2004, P. n.º 1011/2004, www.dgsi.pt.

55
limitado a questões de direito94, tendo que se fundamentar na “violação da lei substantiva ou
processual”.

É de salientar que uma das especificidades do recurso de revista previsto no artigo 150.º do
CPTA é que a sua admissibilidade não é determinada segundo um critério quantitativo, isto é
em razão da alçada, mas segundo um critério qualitativo, ou seja quando esteja em causa a
apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de
importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para
uma melhor aplicação do direito95.

O recurso de revista mantém-se, assim, como recurso rescindente ou cassatório quando se


verifique alguma das nulidades previstas no artigo 731.º, n.º 1, do CPC96, ou quando se
justifique a ampliação da matéria de facto ou a eliminação de contradições na decisão de
facto. No primeiro caso, o legislador entendeu que a garantia do duplo grau de jurisdição,
particularmente evidente no caso de omissão de pronúncia ou falta de fundamentação, deve
continuar a prevalecer sobre as exigências de celeridade que estão subjacentes à regra de
substituição do tribunal recorrido, já no segundo caso, o regime cassatório é justificado pelas
limitações inerentes à intervenção de um tribunal no que concerne à fixação da matéria de
facto97.

Com efeito, o recurso de revista apresenta-se como um recurso de reexame ou substitutivo,


sendo jurisprudência firmada98 que o tribunal de revista pode conhecer de questões que não
foram apreciadas na decisão recorrida, o que implica, tratando-se de um recurso de decisões
proferidas em 2.ª instância, como é o caso do recurso previsto no artigo 150.º do CPTA, que,
neste recurso, os recorrentes não possam suscitar questões que não tenham sido abordadas nas

94
A jurisprudência tem entendido que constituem matéria de facto a valoração das provas para efeitos do
preenchimento em concreto pelo juiz do conceito de “periculum in mora”, bem como a ponderação de interesses,
previstas no artigo 120.º do CPTA no quadro dos critérios de decisão das providências cautelares, estando, por
isso, excluídas da cognição pelo Pleno do STA – cfr. o Acórdão do STA de 01/07/2010, P. 1217/09. Por essa
razão, e ainda porque se trata de regulação provisória da situação, o STA tem sido muito restritivo na admissão
de revista quanto a decisões em processos cautelares – cf. Acs. STA (FAP), de 13/01/2011 (P. 933/10 e 977/10),
acórdãos disponíveis em www.gdsi.pt.
95
O acórdão do TC n.º 480/08 não julgou inconstitucional a norma do artigo 150.º, n.º 1, na interpretação
segundo a qual não se considera como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito a admissão de
recurso excepcional de revista em que se invoquem nulidades do acto administrativo impugnado ou a violação
de normas inconstitucionais, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080480.html.
96
Actuais artigos 671.º e ss. CPC/2013.
97
ALMEIDA, Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, op. cit., p. 986.
98
Decidiu neste sentido o acórdão do STJ de 12 de Dezembro de 2001, Processo n.º 3047/01, disponível em
www.dgsi.pt.

56
instâncias anteriores, nem possam recolocar questões que tenham sido analisadas pela 1.ª
instância, mas abandonadas no recurso de apelação.

ii) Recurso de revista per saltum para o STA

O recurso de revista per saltum para o STA encontra-se previsto no artigo 151.º CPTA.

Quando o objecto do recurso se restrinja a questões de direito, e o valor da causa seja superior
a três milhões de euros ou indeterminável, o recurso de revista sobe directamente para o STA,
salvo se disser respeito a questões de funcionalismo público ou segurança social.

Aliás, prevê-se no artigo 151.º do CPTA a possibilidade de determinadas causas transitarem


directamente da primeira instância para aquele superior Tribunal, sem passagem pelo TCA
competente.

Alerta, porém, TERESA VIOLANTE99 para o facto de não decorrer claramente da letra do
artigo 151.º do CPTA o regime de interposição do recurso. Por isso, a autora socorre-se do
entendimento de outros autores para clarificar esta dúvida. Deste modo, invoca a autora Aroso
de Almeida e Carlos Cadilha, os quais defendem que depende de requerimento das partes
dirigido ao TAC que proferiu a decisão recorrida, na esteira do regime que vigora na lei
processual civil. No entanto, invoca também Vieira de Andrade, o qual entende que se trata de
um mecanismo de funcionamento oficioso.

Perante tal dicotomia de opiniões, a autora entende que “(…) não obstante se tratar de um
mecanismo oficioso, nada impedirá igualmente que o interessado possa formular
requerimento dirigido ao juiz a quo pedindo a admissão da revista per saltum”.

Para nós o entendimento da autora parece-nos o mais sensato, já que efectivamente na letra da
lei nada se encontra que impeça, ainda que se trate de um mecanismos de carácter oficioso,
que o recorrente possa solicitar ao juiz a quo a admissão do tipo de recurso ora em análise.

99
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 871.

57
Por sua vez, no entendimento de VIEIRA DE ANDRADE100 “O recurso de revista de uma
decisão de mérito do TAC para o STA (não é, pois, admissível nos casos em que não haja
uma decisão de mérito – como acontece, por exemplo, na generalidade dos processos
cautelares) é, de algum modo, um recurso ordinário, na medida em que se trata de apreciar,
num segundo grau de jurisdição, uma sentença ainda não transitada em julgado”.

Assim sendo, este tipo de recurso pode considerar-se um recurso especial, não tanto por
incidir apenas sobre questões de direito, situação pacífica num recurso de revista, mas sim por
não ser deduzido para o tribunal imediatamente superior e sobretudo por não ser admissível
na generalidade dos processos, uma vez que se exige que o pedido tenha um valor
particularmente elevado da causa, não sendo admissível quando o pedido tenha a ver com
matérias de funcionalismo público e de segurança social.

Pelo que, o mesmo autor afirma que “A razão de ser deste salto, que se inspira directamente
na legislação do processo civil101, estará na preocupação em garantir, logo na segunda
instância, uma decisão ao mais alto nível, quando a causa é de grande valor e estejam em
litígio apenas questões de direito – o valor justificará a importância da causa, a circunstância
de a questão em litígio ser unicamente de direito justificará a intervenção do tribunal
supremo”.

Como refere AROSO DE ALMEIDA102, não existindo, neste tipo de recurso, “(…) discussão
sobre a matéria de facto, que se considera fixada, justifica-se evitar a apelação e avançar, de
imediato, para a revista perante o Supremo. Quando, pelo contrário, haja matéria de facto a
discutir, haverá apelação para o Tribunal Central Administrativo, que também decidirá as
questões de direito”.

Assim sendo, sempre que o STA considere ser este último o caso e, deste modo, que
determinada questão que lhe tenha sido submetida pela via do recurso per saltum ultrapassa o
âmbito da revista, determinará, “mediante decisão definitiva, que o processo baixe ao
Tribunal Central Administrativo, para que o recurso aí seja julgado como apelação”, de
acordo com o preceituado no artigo 151.º, n.º 3 do CPTA.

100
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., pp. 400-401.
101
Artigo 678.º do CPC.
102
ALMEIDA, Mário Aroso de – O Novo (…), p. 293.

58
Destarte, o recurso não é admitido quando a orientação constante do acórdão impugnado
estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal
Administrativo, conforme previsto no artigo 152.º, n.º 3 do CPTA, e que a sentença que
verifique a existência da contradição alegada anula a sentença impugnada e substitui-a,
decidindo a questão controvertida, nos termos do n.º 6 deste artigo 152.º. É de referir também
que, de acordo com o estipulado no n.º 4 da mesma disposição legal, o correspondente
acórdão é publicado na I.ª Série do Diário da República.

Por sua vez, ensinam AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA103, “O recurso per
saltum justifica-se, precisamente, por não estar em discussão a matéria de facto. Encontrando-
se fixada a matéria de facto, sem qualquer controvérsia entre as partes a seu respeito, justifica-
se evitar a apelação e avançar, de imediato, para a revista perante o Supremo. Quando, pelo
contrário, haja matéria de facto a discutir, haverá apelação para o TCA, que também decidirá
as questões de direito104”.

3.4.9.3. Recurso para uniformização de jurisprudência

O recurso para uniformização de jurisprudência encontra-se consagrado no artigo 152.º do


CPTA. Para que seja admitido é necessário, conforme se extrai da lei que:

i) Sobre a mesma questão fundamental de direito


ii) exista contradição entre acórdão do TCA e acórdão anteriormente proferido pelo mesmo
tribunal ou pelo STA ou entre dois acórdãos do STA,
iii) desde que a orientação perfilhada no acórdão recorrido não esteja de acordo com a
jurisprudência mais recentemente consolidada neste último tribunal.

103
ALMEIDA, Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, op. cit., p. 998.
104
“Neste sentido, no acórdão do STA de 11 de Maio de 2005 (Processo n.º 427/2005) firmou-se o seguinte
entendimento: ‘o recurso de revista per saltum para o STA é restrito a questões de direito, pelo que, havendo
matéria de facto a discutir, o recurso é de apelação para o TCA, mesmo que os pontos do facto sob controvérsia
sejam escassos e a discussão não aparente grande dificuldade’”, disponível em www.dgsi.pt.

59
Em bom rigor, a preocupação, ao longo do CPTA, com a intenção de alcançar a uniformidade
jurisprudencial administrativa, reflecte-se, segundo TERESA VIOLANTE105, “(…) nos
seguintes mecanismos de ordem preventiva:

- em primeira instância: possibilidade de, nos termos do artigo 93.º, existir reenvio prejudicial
ao STA para que este emita pronúncia vinculativa sobre ‘uma questão de direito nova que
suscite dificuldades sérias e possa vir a ser suscitada noutro litígios’. De realçar que a
pronúncia emitida pelo STA nestes termos, apesar de obrigatória para o tribunal de primeira
instância, não vincula aquele alto tribunal relativamente a novas pronúncias que venda a
emitir no futuro sobre a mesma matéria.
- em sede de recurso: por um lado, possibilidade de existir julgamento ampliado de recurso do
STA ou TCA, quando tal se demonstre necessário ou conveniente para assegurar a
uniformidade da jurisprudência, nos termos do artigo 148.º; e, por outro, o recurso para
uniformização de jurisprudência”.

É de referir que, à semelhança do que sucede com as decisões proferidas em sede de


julgamento ampliado de revista no âmbito do STA, estes acórdãos são publicados na I série
do Diário da República.

Com efeito, reza o n.º 6, do artigo 152.º do CPTA que “A decisão que verifique a existência
da contradição alegada anula a sentença impugnada e substitui-a, decidindo a questão
controvertida”, pelo que podemos afirmar que estamos perante um recurso de tipo
substitutivo.

Destarte, o facto de a decisão em causa estar já transitada106, significa que os efeitos de caso
julgado, embora produzidos e verificados serão, nos termos desta própria norma, anulados
pela prolação de um novo juízo decisório sobre a causa.

No que concerne à celeuma que pode gerar a classificação deste tipo de recurso, VIEIRA DE
ANDRADE107 afirma que “O artigo 152.º incluiu, entre os recursos ordinários (…) o recurso
para uniformização de jurisprudência, que de algum modo substitui o antigo recurso por

105
VIOLANTE, Teresa, op. cit., p. 872.
106
Pressuposto de admissibilidade do próprio recurso.
107
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., p. 403.

60
oposição de julgados – uma qualificação discutível, tendo em conta que se admite a
impugnação de uma decisão judicial transitada em julgado”.

Por sua vez, ROSENDO DIAS JOSÉ108 propugna que “A uniformização de jurisprudência
não fica dependente de um juízo de necessidade ou conveniência, mas do pressuposto
objectivo de existir contradição de decisões do TCA ou do STA sobre a mesma questão
fundamental de direito, salvo se existir sobre a matéria jurisprudência consolidada e recente
do STA”.

No entendimento do autor, “A questão fundamental de direito é a questão da definição,


interpretação e aplicação do quadro jurídico aplicável a uma situação da vida de modo a
conferir-lhe a solução juridicamente correcta e tutelar em conformidade com as partes
envolvidas e os respectivos interesses”. Para o autor, “Existe contradição na solução de uma
questão deste tipo, quando situações de facto idênticas quanto aos elementos relevantes e
configurando idênticas questões jurídicas receberam soluções opostas, desde que não tenha
havido alteração do quadro legal aplicável. É por isso que o n.º 2 do artigo 152.º, estabelece
que o recorrente tem de identificar de forma precisa e circunstanciada os aspectos de
identidade que determinem a contradição”.

Levanta ainda o autor uma questão de todo pertinente que não podemos deixar de trazer ao
nosso estudo. Tal questão prende-se com o efeito do acórdão recorrido em sede deste tipo de
recurso. Desta forma, considera o autor que “(…) tem o efeito de caso julgado até que
eventualmente seja revogado (…) e substituído por nova decisão da questão controvertida,
decisão substitutiva que tem de ser proferida no próprio recurso para uniformização de
jurisprudência (…)”.

A propósito deste tipo de recurso, ensinam AROSO DE ALMEIDA e CARLOS


CADILHA109, designadamente no que concerne “(…) à caracterização da questão
fundamental sobre a qual deverá existir a contradição, afiguram-se de manter os critérios
jurisprudenciais já firmados no domínio da LPTA: (a) deve haver identidade da questão de
direito sobre que incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos

108
JOSÉ, Rosendo Dias – A nova justiça administrativa (trabalhos e conclusões do seminário comemorativo do
1.º ano de vigência da reforma do contencioso administrativo), Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 233-234.
109
ALMEIDA, Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, op. cit., pp. 1011-1012.

61
respectivos pressupostos de facto110; (b) a oposição deverá emergir de decisões expressas, e
não apenas implícitas111; (c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os
acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas
contiverem regulamentação essencialmente idêntica112; (d) as normas diversamente aplicadas
podem ser substantivas ou processuais113; (e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser
invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam
soluções antagónicas sejam distintas114”.

Somos de acordo com esta posição dos autores, na medida que a mesma sustenta-se no
entendimento jurisprudencial acerca desta matéria, isto é são os critérios elencados aqueles
que devem presidir à caracterização da questão fundamental sobre a qual existe contradição
de acórdãos.

3.4.10. Recurso extraordinário

3.4.10.1. Recurso de revisão

Prescreve o n.º 1, do artigo 154.º CPTA que: “A revisão de sentença transitada em julgado
pode ser pedida ao tribunal que a tenha proferido, sendo subsidiariamente aplicável o
disposto no Código de Processo Civil, no que não colida com o que se estabelece nos artigos
seguintes”. Optando o legislador, deste modo, por fazer uma remissão para o CPC no que
concerne à regulação do regime deste tipo de recurso.

110
“Neste sentido, o acórdão do STA(P) de 5 de Maio de 1992 (AP-DR de 29 de Novembro de 1994, pág. 421) e
ainda o acórdão do STA(P) de 23 de Março de 1993 (AP-DR de pág. 128), em cujo o sumário se afirma: ‘I – A
unidade da questão jurídica só verdadeiramente se descobre na perspectiva da específica finalidade deste recurso
em contencioso administrativo que é, apenas, a uniformização da jurisprudência do tribunal no sentido de
impedir o tratamento desigual de casos iguais e não a uniformidade de interpretação da lei; II – Não é possível
determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, simultânea às questões de direito
e às situações de vida’”.
111
“Acórdão do STA(P) de 28 de Maio de 1987 (AP-DR de 30 de Novembro de 1988, pág. 443), de 21 de
Fevereiro de 1989 (AP-DR de 30 de Maio de 1990, pág. 119) e de 29 de Setembro de 1994 (AP-DR de 6 de
Agosto de 1996, pág. 432)”.
112
“Acórdão do STA(P) de 5 de Maio de 1992, in AP-DR, de 29 de Novembro de 1994, pág. 426. Nesta linha de
orientação, consideram-se não proferidos no domínio da mesma legislação acórdãos em cujo intervalo de
publicação haja sido introduzida uma modificação legislativa que interfira directa ou indirectamente na resolução
da questão de direito controvertida (acórdão do STA(P) de 27 de Junho de 1995, in AP-DR, de 10 de Abril de
1997, pág. 483)”.
113
“Acórdão do STA(P) de 26 de Janeiro de 1995, in AP-DR, de 31 de Março de 1997, pág. 30”.
114
“Acórdão do STA(P) de 26 de Janeiro de 1995, in AP-DR, de 31 de Março de 1997, pág. 137. Sobre todos
estes aspectos (…), acórdão do STA (Pleno) de 27 de Novembro de 2008, Processo n.º 790/08”

62
Por seu turno, o n.º 2, do artigo 154.º do CPTA admite a possibilidade de cumulação deste
recurso com o pedido de indemnização pelos danos sofridos. Infirmando-se que esta
possibilidade de ampliação do pedido a aspectos indemnizatórios justifica-se face à redacção
do artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do ETAF, que inclui no âmbito da jurisdição dos tribunais
administrativos as questões atinentes à responsabilidade civil extracontratual pelo exercício da
função jurisdicional.

Os fundamentos do recurso de revisão encontram-se no artigo 696.º do CPC, acrescendo uma


situação decorrente do alargamento da legitimidade para recorrer a quem, não tendo tido a
oportunidade de participar no processo, tenha sofrido ou esteja em vias de sofrer a execução
da decisão a rever, nos termos do disposto no n.º 2, in fine, do artigo 155.º.

Têm também legitimidade para interpor recurso de revisão, para além das partes, do MP, e de
quem não tendo sido citado no processo o devesse ter sido obrigatoriamente (contra-
interessados), quem, não tendo sido citado nem o devesse ter sido obrigatoriamente demonstre
que a execução da sentença o prejudicou ou está em vias de prejudicar. Abrangendo-se, deste
modo, não só os contra-interessados que, não tendo sido chamados ao processo, o deveriam
ter sido, mas também todas as pessoas que venham a ser “afectadas pela decisão proferida”.

O requerimento de interposição de recurso é dirigido ao tribunal que proferiu a decisão


impugnada. No que concerne ao prazo de interposição aplica-se a regra do artigo 697.º do
CPC, nos termos da qual se fixa o prazo geral de caducidade de 5 anos após o trânsito em
julgado da sentença, e um prazo específico de 60 dias após o conhecimento do facto
determinante que fundamenta a legitimidade.

Saliente-se, também, que de acordo com o disposto no artigo 697.º, n.º 6 do CPC, as decisões
proferidas na revisão admitem ainda os recursos ordinários a que estariam sujeitas no decurso
da sentença em que foi proferida a sentença a rever.

63
Entende a este propósito VIEIRA DE ANDRADE115 que “Além dos recursos ordinários, a lei
admite o recurso de revisão das sentenças transitadas em julgado, remetendo o respectivo
regime para os termos da lei do processo civil, com algumas especialidades relevantes116”.

Já quanto aos fundamentos, é de aplicar o disposto no artigo 696.º do CPC, que, para além dos
três casos já anteriormente previstos na legislação processual administrativa (falsidade de
documento especial, documento novo decisivo e falta ou nulidade da citação) permite às
partes e ao Ministério Público o pedido de revisão em outras situações, designadamente
quando a decisão “resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções”, ou
quando a sentença “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional
de recurso vinculativa para o Estado português”117.

Para além disso, o CPTA admite ainda um outro tipo de revisão. Uma espécie de oposição de
terceiro, com fundamento na falta de citação de quem devesse ter sido citado, ou na falta de
oportunidade de intervenção de quem tenha sofrido ou esteja em vias de sofrer a execução da
sentença, de acordo com o preceituado no n.º 2, do artigo 155.º, n.º 2.

Conforme resulta do disposto no n.º 1, do artigo 154.º CPTA, a revisão de sentença deve ser
pedida ao tribunal que a proferiu, isto é o recurso deve ser interposto perante o TAC, se a
decisão recorrida for uma decisão de 1.ª instância proferida por esse tribunal, e perante o TCA
ou o STA, se se tratar de uma decisão proferida em primeiro grau de jurisdição ou em sede de
recurso, por qualquer um desses tribunais.

Do ponto de vista prático, o recurso corre por apenso ao processo em que foi proferida a
decisão recorrida, razão pela qual o tribunal competente para dele conhecer terá de avocar o
processo ao arquivo onde ele se encontre, como determinado no artigo 156.º, n.º 1 do CPTA.

Em suma, o recurso de revisão funciona como uma verdadeira acção a que corresponde um
duplo objectivo:

115
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., pp. 404-405.
116
Como seja “(…) a possibilidade de cumulação do pedido de revisão com o de indemnização pelos danos
sofridos (artigo 154.º, n.º 2), aproveitando a competência dos tribunais administrativos para conhecer as questões
de responsabilidade pelos danos decorrentes do exercício da função jurisdicional (artigo 4.º, n.º 1, alínea g), do
ETAF)”.
117
Cfr. o preâmbulo do D.L. n.º 303/2007.

64
i) O de verificar a existência de algum vício na decisão transitada ou no processo a ela
conducente (juízo rescindente);
ii) O de substituir a decisão proferida, através da repetição da instrução e julgamento da acção
(juízo rescisório).

Com efeito, os fundamentos que constituem condições de admissibilidade do recurso de


revisão transformam-se, no momento da prolação da sentença rescindente, em motivos de
procedência do recurso118.

4. A revisão legislativa do CPTA e do ETAF

O CPTA e o ETAF, conforme já referido, foram revistos, nos termos constantes do D.L. n.º
214-G, de 2015, de 2 de Outubro, que procede também à alteração de outros diplomas
irrelevantes para o nosso trabalho.

A) Do Código de Processo nos Tribunais Administrativos

Era expectável que o CPTA teria que ser alterado, uma vez que a Lei n.º 15/2002, de 22 de
Fevereiro, que o aprovou, previa, no artigo 4.º, que o mesmo deveria ser revisto no prazo de
três anos, a contar da data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2004.

Não obstante, embora tenha ocorrido em 2007 uma discussão pública com vista à recolha de
elementos para se atingir tal desiderato, designadamente para proceder à identificação das
situações que careciam de alteração, o que é certo é que só agora, em 2015, é que
efectivamente a revisão do CPTA ocorreu.

Por outro lado, o legislador teve também o cuidado em que esta revisão fosse ao encontro da
recente reforma do CPC (2013) e da entrada em vigor de um novo Código do Procedimento
Administrativo (Abril de 2015).

Tentaremos, desta forma, abordar as alterações produzidas que maior impacto poderão ter nas
matérias objecto do nosso trabalho.

118
ALMEIDA, Mário Aroso de e CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, op. cit., pp. 1018-1019.

65
Assim, os aspectos mais relevantes desta revisão do CPTA têm que ver com as formas do
processo e o respectivo regime.

Com efeito, visou esta revisão o abandono do modelo dualista que o CPTA consagrava,
extinguindo-se a forma da acção administrativa comum e reconduzindo-se todos os processos
não urgentes do contencioso administrativo a uma única forma de processo, a que foi
atribuída a designação de “acção administrativa”, a qual é submetida ao regime que, até aqui,
correspondia à acção administrativa especial, porém com as alterações que decorrem da sua
harmonização com o novo regime do CPC.

Destarte, é precisamente no regime da nova “acção administrativa” que de forma clara se


reflectem as implicações no CPTA da já alvitrada recente reforma do CPC.

A título exemplificativo, é de referir, a propósito desta alteração, o regime do novo artigo


78.º-A, que visa reforçar a tutela da posição do autor perante o encargo que lhe é imposto de
indicar os contra-interessados na petição inicial, e a revisão do artigo 85.º, que visa prever um
regime mais coerente no que respeita à intervenção do MP nos processos em que não é parte.

Também no que concerne às formas do processo, é consagrada nos artigos 97.º e 99.º uma
nova forma de processo urgente, tendente a dar resposta célere aos litígios respeitantes a
procedimentos de massa, em áreas como as dos concursos na Administração Pública e da
realização de exames, com um elevado número de participantes.

Destaca-se também, em sede desta revisão, o novo regime do artigo 73.º, em matéria de
impugnação das normas regulamentares, procedendo-se à respectiva simplificação e
clarificação, concretamente no que diz respeito às situações de dedução do incidente da
invalidade de normas regulamentares em processos cujo objecto principal não lhes diz
respeito.

No regime das providências cautelares foram introduzidas inovações de relevo.

66
Com efeito, nos n.ºs. 4 e 5, do artigo 113.º foi introduzida a previsão da possibilidade da
modificação objectiva ou subjectiva da instância, por alteração superveniente das
circunstâncias ou por substituição do MP ao requerente primitivo.

Dentro deste instituto das providências cautelares, destacam-se as alterações que tiveram por
objectivo agilizar os processos cautelares desprovendo-os da necessidade de produção
injustificada de prova, eliminando-se para tal, por exemplo, o critério de atribuição de
providências cautelares que se encontrava previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º, aliás
objecto da nossa análise na presente dissertação.

No que concerne ao regime dos recursos jurisdicionais (artigos 140.º e ss.), procedeu o
legislador à harmonização com o novo regime do CPC e à clarificação de um conjunto de
aspectos, em matéria de legitimidade para recorrer (artigo 141.º), sucumbência (artigo 142.º),
despacho de admissão de recurso (artigos 144.º e 145.º), extensão dos poderes de cognição
dos juízes de apelação e possibilidade da produção de prova no tribunal de recurso (artigo
149.º), extensão dos poderes de pronúncia do tribunal de revista (artigo 150.º), e flexibilizam-
se os pressupostos do recurso curso per saltum (artigo 151.º) com vista a ampliar o âmbito da
sua aplicação.

B) Do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais

No que concerne às alterações decorrentes da revisão do ETAF, procedeu-se à clarificação


dos termos da relação que se estabelece entre o artigo 1.º e o artigo 4.º, no que respeita à
determinação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, e, por outro lado, deu-se mais
um passo com vista a fazer corresponder o âmbito da jurisdição aos litígios de natureza
administrativa e fiscal que por a mesma devem ser abrangidos.

Quanto ao funcionamento dos tribunais em concreto, eliminou-se, no artigo 40.º, as excepções


à regra que determina que os tribunais administrativos de círculo funcionam com juiz
singular, bem como procedeu-se a alguns ajustamentos na estrutura do STA e no regime dos
concursos para tribunais superiores, procedendo-se também à redefinição do regime aplicável
aos presidentes dos tribunais de primeira instância.

67
Capítulo II – A justiça administrativa em Angola

1. Abordagem histórico-jurídica

No período posterior à independência de Angola, proclamada a 11 de Novembro de 1975,


imperou em Angola o sistema socialista decorrente das opções filosófico-políticas, no âmbito
do qual os juízos ecléticos dominavam as resoluções119.

Não obstante, com as alterações profundas de que foi alvo a Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro,
foram criadas premissas constitucionais para a consagração do Estado democrático de Direito,
que veio alargar o reconhecimento e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos
cidadãos, possibilitando aos particulares a garantia da salvaguarda dos seus direitos e
interesses legalmente consagrados. É de salientar que a mesma perspectiva é reafirmada na
CRA de 2010, publicada no D.R., I.ª Série, n.º 23, de 5 de Fevereiro.

Porém, a construção do contencioso administrativo angolano começou a ser evidenciada com


a entrada em vigor da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro, que aprova a Lei da Impugnação dos
Actos Administrativos (LIAA), do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, que aprova
[a Lei das] Normas de Procedimento e da Actividade Administrativa (LNPAA), do Decreto-
Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril, que regulamenta o Processo Contencioso Administrativo
(RPCA) e, ainda, com a Lei n.º 8/96, de 19 de Abril, que aprova a Lei da Suspensão da
Eficácia do Acto Administrativo (LSEAA) 120.

Com efeito, uma das obrigações do Estado democrático de Direito para com a sociedade é a
concessão ao cidadão de meios processuais que lhe possibilitem o respeito dos seus direitos
ou interesses legalmente protegidos, através de uma estrutura judicial credível que ponha ao
seu dispor meios adequados para a resolução de litígios.

Assim sendo, tais meios processuais devem ter como objectivo o alcance da tutela
jurisdicional efectiva, partindo do consagrado na CRA, para a jurisdição administrativa, e
apoiada em teorias do conceito de tutela jurisdicional efectiva que materializam a garantia

119
DAMIÃO, João – A Precedência Obrigatória no Contencioso Administrativo Angolano. 1.ª ed. Coimbra:
Almedina, 2014, pp. 31-32.
120
DAMIÃO, João, op. cit., pp. 31-32.

68
efectiva dos particulares através do acesso directo e de forma imediata aos tribunais, com a
protecção dos direitos e interesses legítimos dos particulares por via de um processo justo e
célere121.

Neste sentido, o artigo 43.º da Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro, que aprova a CRA,
preceituava o seguinte: “Os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos tribunais,
contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente Lei Constitucional
e demais legislação em vigor”.

Por sua vez, o artigo 121.º dispunha que “Os tribunais garantem e asseguram a observância
da Lei Constitucional, das leis e demais disposições normativas vigentes, a protecção dos
direitos e interesses legítimos dos cidadãos e das demais instituições e decidem sobre a
legalidade de actos administrativos”.

Logo, é de fácil entendimento que a CRA procurou sedimentar no ordenamento jurídico


angolanos a tutela jurisdicional efectiva, de forma a garantir aos cidadãos uma protecção
efectiva do recurso aos tribunais.

Com efeito, apesar da evolução legislativa que a justiça administrativa angolana tem sido
alvo, parece não haver dúvidas de que a situação actual do contencioso administrativo
angolano, e em harmonia com as orientações da Constituição, obriga a que se proceda a uma
reforma profunda, a qual deve passar pelo compromisso do poder político em assumir a
responsabilidade de construir um novo modelo de justiça administrativa adequado, de modo a
concretizar as directrizes da Constituição da República de Angola”122, é de salientar que
subscrevemos este entendimento na integra e sem qualquer tipo de reserva.

Sem prejuízo da resenha histórica do contencioso administrativo português por nós já


delineada anteriormente na presente dissertação, a qual se afigura de manifesto interesse, uma
vez que o nosso trabalho assenta, entre outras vertentes, numa análise do direito comparado
(contencioso administrativo português vs. contencioso administrativo angolano), parece-nos
efectivamente pertinente seguirmos a abordagem efectuada por JOÃO DAMIÃO sobre a

121
DAMIÃO, João, op. cit., pp. 32-33.
122
DAMIÃO, João, op. cit., p. 34.

69
génese e as linhagens profundas do contencioso administrativo à escala europeia,
precisamente ao contencioso administrativo francês.

Deste modo, afirma o autor123, seguindo Vasco Pereira da Silva, que para se “(…) perceber
muitos dos problemas que vive actualmente (…) o Contencioso Administrativo [angolano]”, é
necessário olharmos para “(…) os acontecimentos históricos que rodeiam o surgimento e
desenvolvimento do Direito Administrativo (…)”.

Assim sendo, refere o autor que “Vasco Pereira da Silva, no seu exercício de psicanálise
jurídica, realça duas principais ‘experiências traumáticas’, ou da sua ligação originária a um
modelo de contencioso dependente da Administração e das circunstâncias que estão na base
da afirmação da sua própria autonomia enquanto ramo do Direito”.

Com efeito, prossegue JOÃO DAMIÃO afirmando que “A primeira dessas experiências ou
acontecimentos traumáticos realçados decorre do surgimento do Contencioso Administrativo
na Revolução Francesa, concebido como ‘privilégio do foro’ da Administração, destinado a
garantir a defesa dos poderes públicos e não a protecção dos particulares, tendo protagonizado
o surgimento do princípio da separação de poderes, retirando aos órgãos da Administração o
privilégio de se julgarem a si próprios, o que criava uma autêntica confusão entre a função de
administrar e de julgar”.

Por sua vez, “A segunda experiência ou acontecimento traumático prende-se com as


circunstâncias em que foi afirmada a autonomia do Direito Administrativo ou foi verificada a
preocupação com a garantia da Administração do que a protecção dos particulares teria de
ser”.

Com efeito na óptica de Vasco Pereira da Silva, são três as fases principais da evolução do
contencioso administrativo:

i) A fase do “pecado original”, que corresponde ao período do seu nascimento e que passa por
distintas configurações até chegar ao sistema da “justiça delegada”, o qual se impôs como
paradigma do modelo do Estado Liberal;

123
DAMIÃO, João, op. cit., p. 42-43.

70
ii) A fase do “baptismo”, ou de plena jurisdicionalização do Contencioso Administrativo, com
o seu auge na transição dos séculos XIX para o XX;
iii) A fase do “crisma” ou da “confirmação”, caracterizada pela reafirmação da natureza
jurisdicional do contencioso administrativo, acompanhado da respectiva dimensão subjectiva,
destinada à protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares124.

Assim, afirma JOÃO DAMIÃO125 que “O Contencioso Administrativo, na história da


humanidade, começa a ser evidenciado a partir dos acontecimentos históricos da Revolução
Francesa, onde o princípio da separação de poderes ganha relevância pelo facto de (…) servir
para estabelecer a organização do Estado. É a fase que Vasco Pereira da Silva designa de
‘pecado original’ do Contencioso Administrativo: a criação de um Contencioso privativo da
Administração”.

Destarte, em França, no início da segunda metade do séc. XX, mais concretamente com a
reforma de 1953 que criou os tribunais administrativos regionais para substituir os antigos
Conselhos de Prefeitura, completou-se a reforma do contencioso administrativo francês,
criando-se, assim, a duplicidade de justiça, uma comum ou ordinária e a outra administrativa,
fundamentada no facto de o Direito Administrativo ser um direito especial, razão pela qual
impunha-se a existência de uma jurisdição especial com juízes especializados126.

Apresenta-se como consequência da evolução do contencioso administrativo, com


acolhimento em textos constitucionais de vários países, o facto de aquele passar a ser visto
mais como um direito dos particulares e cada vez menos como um direito da Administração
Pública, uma vez que à medida que os Estados foram criando parâmetros constitucionais
tendentes à prossecução de um Estado de Direito Democrático, foram, concomitantemente,
sendo redimensionados, para mais, o reconhecimento e a garantia dos direitos e liberdades
fundamentais dos cidadãos. Dito de outra forma, os particulares passam a ser vistos como
verdadeiros sujeitos nos litígios nos quais havia, de um lado, os particulares e, do outro, a
Administração Pública127.

124
DAMIÃO, João, op. cit., p. 43.
125
DAMIÃO, João, op. cit., p. 44.
126
DAMIÃO, João, op. cit., p. 46.
127
DAMIÃO, João, op. cit., pp. 46-47.

71
No que concerne concretamente ao contencioso administrativo angolano, a sua existência,
dever ser compreendida considerando três períodos distintos:

1.º) O período da primeira República, proclamada a 11 de Novembro de 1975;


2.º) O período do emergir da segunda República, de 16 de Setembro de 1992 a 5 de Fevereiro
de 2010, data da promulgação e publicação da CRA;
3.º) De 5 de Fevereiro de 2010 até à actualidade.

Destarte, o emergir da segunda República trouxe consigo premissas constitucionais, que


conduziram à ampliação do reconhecimento e da garantia dos direitos e liberdades
fundamentais dos cidadãos, sustentadas nas normas constitucionais constantes da Lei n.º
23/92, de 16 de Setembro, que aprovou a Lei Constitucional da segunda República de Angola.

Seguidamente, com a entrada em vigor da LIAA, foram confirmados os primeiros sinais da


existência do contencioso administrativo na ordem jurídica angolana. Ademais, com a entrada
em vigor da Constituição da terceira República de Angola, de 5 de Fevereiro de 2010, ficou
mais clara a salvaguarda das posições subjectivas dos particulares, sendo retomada a posição
do Estado angolano, a defesa dos direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como
indivíduo, quer como membro de grupos sociais organizados, e assegurado o respeito e a
garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e
instituições, e ainda por todas as pessoas singulares e colectivas128.

2. Modelos de contencioso administrativo

Na apreciação dos modelos do contencioso administrativo, impõe-se compreender-se a


relevância da vinculação da Administração Pública à lei e ao Direito. Ou seja, tem que se
compreender a divisão dos poderes entre o legislador, a Administração e o juiz, bem como a
sujeição da Administração Pública e a garantia dos direitos e interesses do administrado.

Podemos, deste modo, afirmar que a função do contencioso administrativo no modelo


objectivista consubstancia-se na defesa da legalidade e do interesse público. Pelo que, o

128
DAMIÃO, João, op. cit., p. 47-48.

72
interesse público é o epicentro das ponderações deste modelo e os tribunais, no exercício da
sua actividade, limitam-se a declarar a invalidade dos actos administrativos.

Por outro lado, no modelo subjectivista é o interesse dos particulares que tem um papel
relevante.

Ensina CREMILDO PACA129 que “(…) ao tratarmos dos sistemas do contencioso


administrativo, releva sobremaneira o prisma processual e a função do contencioso
administrativo de um dado país, até porque qualquer país tem uma certa organização
jurisdicional; para o caso angolano, tenha-se como paradigma o artigo 121.º da Lei
Constitucional [de 1992]”.

Assim, há que ter em consideração quando nos propusermos a tipificar o modelo de


contencioso administrativo de determinado sistema judicial, o facto do mesmo proteger mais
a “legalidade subjectiva (os particulares)” ou a “legalidade objectiva (a Administração
Pública)”.

Com efeito, o sistema objectivista ou de tipo francês caracteriza-se pela existência de um


contencioso administrativo que se traduz na existência de tribunais administrativos subtraídos
à lógica dos tribunais comuns. Ou seja, a organização jurisdicional administrativa concretiza-
se na apreciação dos diferendos em que seja parte a Administração Pública, não pelos
tribunais comuns, mas por tribunais administrativos e por aplicação de normas do Direito
Administrativo130.

Efectivamente este sistema pauta-se por um regime processual demasiado focado na defesa da
legalidade e dos interesses públicos, remetendo para um plano secundário os direitos
subjectivos e os interesses legalmente protegidos dos particulares, ou seja verifica-se uma
maior protecção dos interesses públicos em detrimento das garantias dos particulares.

Por sua vez, o sistema subjectivista ou de tipo alemão, diferentemente do sistema


objectivista, caracteriza-se pela prevalência dos aspectos subjectivistas, que consistem na

129
PACA, Cremildo – Direito do Contencioso Administrativo Angolano. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 41.
130
PACA, Cremildo, op. cit., p. 42.

73
maior protecção ou garantia dos direitos e interesses dos particulares, sustentada numa maior
densificação material e procedimental da fiscalização judicial da actividade administrativa.

Com efeito, este tem implícita a ideia de uma protecção judicial efectiva, apresentando como
seu baluarte a defesa dos interesses dos cidadãos em detrimento da defesa da Administração
Pública, i.e., tem como função a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares.

Ora, é nosso entendimento que este sistema (subjectivista) é o que materializa na plenitude o
princípio da tutela jurisdicional efectiva, porquanto trata os particulares como “actores
principais”, proporcionando-lhes a possibilidade de fazerem valer os seus direitos e interesses
legalmente protegidos na sede própria, ou seja recorrendo aos tribunais.

Em suma, neste sistema não faz sentido estabelecer a definitividade do acto como requisito
para a interposição do recurso contencioso. Bastando, por isso, que o acto seja lesivo, para ser
possível desencadear os meios que se encontrarem à disposição dos particulares, de modo a
que possam ter acesso à justiça administrativa. Isto é, este sistema não condiciona o recurso
contencioso à definitividade do acto131.

3. Organização e competências dos tribunais administrativos

3.1. Resenha histórica

O período do início do século XIX até ao ano de 1930 caracterizou-se por uma grande
instabilidade da organização judiciária administrativa. Neste período já se verificou que as
funções jurisdicionais em matéria administrativa estiveram, em algumas alturas, cometidas
aos tribunais judiciais132/133.

Destarte, a organização judiciária administrativa no período de 1924-1930 era da incumbência


de um tribunal especial, o Supremo Tribunal Administrativo, e de tribunais judiciais, no

131
PACA, Cremildo, op. cit., p. 44.
132
DAMIÃO, João, op. cit., p. 109.
133
“Nessa altura, os dispositivos legais aprovados para vigorar na Monarquia Portuguesa eram extensivos às
respectivas colónias e, com base no Decreto n.º 19 271, de 24 de Janeiro de 1931, foi atribuída competência
penal ao Supremo Tribunal de Justiça e aos tribunais e autoridades aos quais era atribuída a organização
judiciária e os demais diplomas que vigoravam”.

74
período de 1892-1895, ou órgãos administrativos com funções de contencioso, os quais,
muitas vezes, apenas tinham poder consultivo, sendo-lhes, por isso, retirado qualquer poder
de decisão independente, como foi o caso do Conselho de Estado 1845-1870, ou do Supremo
Tribunal Administrativo que, a partir de 1886, assumiu funções consultivas e contenciosas134.

Ainda assim, embora num curto período (1870-1886), a justiça administrativa foi entregue a
tribunais próprios, sendo atribuídas aos conselhos de distrito e ao Supremo Tribunal
Administrativo apenas funções contenciosas. Porém, com a entrada em vigor do Decreto n.º
18 017, de 28 de Fevereiro de 1930, os tribunais administrativos voltam a ser separados dos
tribunais comuns, sendo criadas as auditorias administrativas.

É de salientar que nem a CRA de 1975, nem as sucessivas revisões constitucionais de que foi
alvo, deram a devida dignidade constitucional à justiça administrativa angolana. Aliás, o
funcionamento dos órgãos do Estado constituía o garante da ordem jurídica tendente ao
socialismo. Em rigor, o controlo jurisdicional dos actos do poder público era inexistente,
confundindo-se os órgãos jurisdicionais com os demais órgãos do Estado, atenta a ausência
manifesta do princípio da separação de poderes e funções do Estado135.

Com efeito, a Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro, na qualidade de Lei Orgânica sobre o
Sistema de Justiça, definiu a divisão e hierarquia judicial, prevendo, no artigo 6.º que “os
Tribunais estão divididos de acordo com a seguinte hierarquia: Tribunal Supremo, Tribunais
Provinciais e Tribunais Municipais”, ou seja em pirâmide o Tribunal Supremo é o topo e os
Tribunais Municipais a base.

Posteriormente foi aprovada a Lei n.º 17/90, de 20 de Outubro, que no artigo 27.º preceitua
que para “a apreciação de questões contenciosas que digam respeito à Administração
Pública, bem como à fiscalização dos actos que envolvam nomeação ou contratação de
funcionários da Administração Pública serão competentes as Salas e a Câmara dos Tribunais
Provinciais e do Tribunal Supremo”. Refira-se que estas Salas e Câmara dizem respeito, de
acordo com a Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro, à Câmara e Sala do Cível e Administrativo
quer do Tribunal Supremo, quer do Tribunal Provincial.

134
DAMIÃO, João, op. cit., p. 110.
135
PACA, Cremildo, op. cit., p. 47-48.

75
Podemos, assim, afirmar que, ainda que tenuemente, as referidas Leis n.º 18/88, de 31 de
Dezembro e n.º 17/90, de 20 de Outubro, constituem a génese do contencioso administrativo
angolano.

Destarte, a “constitucionalização da justiça administrativa” em Angola só foi possível com a


entrada em vigor da CRA de 1992, que inaugura a segunda República e institucionaliza o
Estado de direito democrático. Sendo possível analisar-se esta constitucionalização em em
três domínios:

i) Os órgãos do Estado angolano e a Administração Pública, em particular, passam a


subordinar-se ao princípio da legalidade, o qual encontra-se consagrado na alínea b), do artigo
54.º da CRA de 1992, e no n.º 2, do artigo 1.º da Lei n.º 17/90, de 20 de Outubro, nos termos
dos quais “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à lei”;

ii) A CRA de 1992 consagrou um elenco de direitos fundamentais dos cidadãos, entre os
quais se destaca o “direito à tutela jurisdicional efectiva”, previsto no artigo 43.º,
consubstanciado no direito dos cidadãos impugnarem e recorrerem aos tribunais contra todos
os actos que violem os seus direitos estabelecidos na CRA e demais legislação.

iii) Contemplou-se a possibilidade de criação de tribunais administrativos, autónomos dos


tribunais comuns136.

Destarte, a CRA de 1992 não foi inovadora, uma vez que não previu uma instância judiciária
administrativa autónoma, que não se subordine ao Tribunal Supremo, dado que, apesar de
comportar no n.º 3 do artigo 125.º a possibilidade de criação da ordem jurisdicional
administrativa, a verdade é que se limitou, apenas, a consolidar a opção feita pela Lei-quadro
sobre o sistema de justiça. Desta forma, não criou uma norma constitucional, como tal
imperativa, que obrigasse à criação de uma ordem jurisdicional administrativa autónoma,
antes deixando esta possibilidade ao livre arbítrio do legislador ordinário, podendo o mesmo
não a efectivar se a lógica da sua criação residir sempre na ausência ou insuficiência de
condições logísticas e humanas para o efeito137.

136
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 49-50.
137
PACA, Cremildo, op. cit., p. 58.

76
Advoga CREMILDO PACA138, posição por nós acolhida, que “(…) a função jurisdicional
administrativa está plasmada no duplo grau de jurisdição ou instância, cometendo ao
Tribunal Supremo e aos Tribunais Provinciais a competência de conhecer os recursos de
anulação de actos administrativos e as acções derivadas de contratos administrativos. Refira-
se (…) que a orgânica das instâncias judiciais administrativas em Angola é vista no quadro da
ordem jurisdicional comum, ou seja, a Lei 18/88, de 31 de Dezembro, integra a Câmara do
Cível e Administrativo do Tribunal Supremo e as Salas do Cível e Administrativo dos
Tribunais Provinciais na jurisdição comum”.

Porém, saliente-se que a Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro, foi revogada pela novel Lei n.º
2/15, de 2 de Fevereiro, parecendo-nos que esta em nada inova ao que diz respeito à ordem
jurisdicional administrativa angolana, uma vez que mantém a Sala do Cível e Administrativo
(cfr. artigo 50.º), presumindo-se que manterá também a Câmara do Cível e Administrativo do
Tribunal Supremo (TS), necessitando, porém, de esperarmos pela Lei Orgânica do TS (cfr.
artigo 36.º, n.º 2).

Com efeito, o Tribunal Provincial que inclui a Sala do Cível e Administrativo (cfr. artigo 18.º
da Lei n.º 2/94) funciona como tribunal de 1.ª instância e compete-lhe conhecer:

“a) Dos recursos dos actos administrativos dos órgãos locais do poder do Estado, abaixo do
Governador Provincial, das pessoas colectivas de direito público e das empresas gestoras
dos serviços públicos de âmbito local;
b) Das acções derivadas de contratos de natureza administrativa, celebrados pelos órgãos e
organismos referidos no número anterior;
c) De outros recursos e acções que lhe sejam cometidos por lei”.

Já o Tribunal Supremo, cuja Câmara do Cível e Administrativo, de acordo com o preceituado


no artigo 17.º da Lei n.º2/94 funciona como instância de recurso de decisões administrativas
proferidas pelos Tribunais Provinciais. Não obstante, é também da competência do TS
conhecer em 1.ª instância:

138
PACA, Cremildo, op. cit., p. 59.

77
“a) Dos recursos actos administrativos dos membros do governo, dos governadores
provinciais e das pessoas colectivas de direito público de âmbito nacional;
b) Das acções derivadas de contratos de natureza administrativa, celebrados pelos órgãos e
organismos referidos no artigo 1.º. [Órgãos da administração central e local do Estado e
órgãos de direcção das pessoas colectivas de direito público, entendendo-se como pessoas
colectivas de direito público os serviços personalizados do Estado e os estabelecimentos
públicos]
c) De outros recursos e acções que lhe sejam cometidos por Lei”.

No que concerne à propalada competência especializada (em matéria de contencioso


administrativo) da Câmara do Cível e Administrativo (artigo 17.º da Lei n.º 2/94), e da Sala
do Cível e Administrativo (artigo 18.º do mesmo diploma legal), levantam-se algumas dívidas
e, por isso, é alvo de reflexão, como seja a concebida por CREMILDO PACA139, quando
afirma, a este respeito, que “(…) a organização jurisdicional administrativa angolana, prevista
na Lei 18/88 e desenvolvida pela Lei 2/94, através da Câmara e Salas do Cível e
Administrativo, não está estruturada e muito menos funciona como uma jurisdição
especializada”. Refere, também, o autor, posição que merece a nossa concordância, que “É
demasiado ambígua e prolixa a formulação legal para aferirmos que a Câmara e as Salas do
Cível e Administrativo têm natureza especializada. Que especialidade é esta que faz um
‘casamento’ – até que a reforma os separe (…) – entre o cível e administrativo e do qual
resulte a Câmara ou a Sala (...) [do] ‘cível e administrativo’?”. Na opinião do autor, que
avocamos, “Trata-se de uma união a contragosto da verdadeira vocação da jurisdição
administrativa, de tal maneira que as questões administrativas controvertidas são apreciadas
por juízes da jurisdição ordinária comum, quando de facto, requerem a especialização de
matérias e do seu corpo aplicador”140.

É também nosso entendimento que a “coabitação” de competências cíveis com competências


administrativas que ocorre na Câmara e nas Salas do Cível e Administrativo, efectivamente
não abona em favor da especialização dos juízes em qualquer uma das matérias em causa,
nomeadamente, no que concerne à matéria objecto do nosso trabalho, não existe, como
deveria, especialização dos magistrados em matéria administrativa.

139
PACA, Cremildo, op. cit., p. 61.
140
O autor faz uma adequada citação de Sérvulo Correia que entende que “a especialização do juiz contribui
decisivamente para a qualidade da justiça”, entendimento que, diga-se, somos fervorosos defensores.

78
Prova disso é a posição de CREMILDO PACA, que socorrendo-se das afirmações de Sérvulo
Correia e de Jean-François Hertegen, sustenta que não é raro em Angola, “(…) encontrar
processos judiciais decididos por juízes de sensibilidade civilística, o que prejudica a
adequada ‘especialização de competências para as causas administrativas141’, aduaneiras e
fiscais”. Existindo, neste caso, “(…) um dos desafios do contencioso administrativo angolano,
porquanto haveremos, inevitavelmente, de atender à máxima, segundo a qual ‘julgar a
administração é específico142’”.

Podemos, assim, afirmar que o sistema processual do contencioso administrativo angolano é


de tipo objectivista, pois existe um recurso do contencioso administrativo por natureza, um
contencioso que trata dos actos administrativos, cujas regras resultam do RPCA.

No que concerne à construção do modelo do contencioso administrativo angolano, atento o


respectivo quadro jurídico-constitucional, CREMILDO PACA143 segue a opinião de Carlos
Feijó, que nós também acompanhamos, para o qual existem duas teses antagónicas, “A
primeira, tese das opções, segundo a qual o legislador constitucional deixou ao critério do
legislador ordinário a faculdade de opção, ou seja, o legislador ordinário tem poder
discricionário na construção do modelo de contencioso administrativo. Para os defensores
desta tese, o artigo 43.º da Lei Constitucional [de 1992] consagra a tutela jurisdicional
efectiva (protecção jurisdicional sem lacunas) indiciando a construção dum modelo
essencialmente subjetivista.

Por outro lado, “A tese da não efectividade (ou da não execução do direito à tutela
jurisidicional efectiva), segundo a qual o artigo 43.º da LC atribui dignidade constitucional ao
direito à impugnação contenciosa como direito fundamental. A tutela jurisdicional efectiva,
como direito fundamental, implica a concretização do seu conteúdo preceptivo mínimo, de tal
modo que se pode dizer que o modelo angolano não deu execução à lei fundamental ou não
extraiu a máxima efectividade do artigo 43.º da LC, porquanto o legislador ordinário apenas
prevê o contencioso dos actos e dos contratos administrativos (não prevendo o contencioso

141
Citação de Sérvulo Correia, efectuada pelo autor.
142
Citação de Jean-François Hertegen, também efectuada pelo autor.
143
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 65-66.

79
regulamentar, para as acções de responsabilidade civil nem para as acções de reconhecimento
de um direito)”. (destacado nosso)

É nosso entendimento que a “tese das opções” é aquela que mais se adequa à implementação
de um modelo de contencioso administrativo subjectivista, pelo que é que defendemos.

3.2. Na ordem jurídica angolana

Nos termos do artigo 174.º, n.º 1 da CRA, “Os tribunais são o órgão de soberania com
competência de administrar a justiça em nome do povo”, porém a inexistência de tribunais
especializados em função da matéria na ordem jurídica angolana, no âmbito da jurisdição
administrativa, contrariamente ao que acontece em outros sistemas judiciais, como por
exemplo o português, arrasta como nefasto corolário a impossibilidade de resolver quer os
problemas de congestionamento do volume de processos endereçados à jurisdição
administrativa, em função de a priori enfrentar o vício de desdobramento funcional, quer de
dar resposta perfeita e satisfatória aos litígios em matéria de função pública, uma vez que o
tribunal não é de competência especializada nesta matéria144”.

Com efeito, actualmente, provêm da Administração Pública a maior parte dos processos da
justiça administrativa, pelo que o excesso de expediente dirimido por um só tribunal, atenta a
ausência de tribunais especializados nesta matéria (funcionalismo público), exponencia o
risco de não se resolver os casos intentados naquele tribunal, constituindo, deste modo, uma
fonte de obstáculos aos particulares que legitimamente pretenderem fazer prevalecer os seus
direitos e interesses legalmente protegidos.

Com efeito, podemos afirmar que desde a CRA de 1976 até às revisões produzidas pela Lei
n.º 1/86, de 1 de Fevereiro, e pela Lei n.º 2/87, de 31 de Janeiro, o contencioso administrativo
em Angola era uma realidade inexistente, como meio de garantia dos particulares e do
respeito dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana.

144
DAMIÃO, João, op. cit., p. 112.

80
Destarte, a orgânica judiciária gizada na Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro, propiciou a
fragmentação do sistema judiciário angolano, procedendo à divisão dos tribunais levando em
consideração a prevista no artigo 6.º deste diploma legal, nos seguintes termos:

i) Tribunal Popular Supremo;


ii) Tribunais Populares Provinciais;
iii) Tribunais Populares Municipais.

Não obstante, em momento posterior, a Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro, veio estabelecer
uma nova orgânica judiciária dos tribunais angolanos, em que o “Tribunal Popular Supremo”
deixou de existir, tendo sido criado o “Tribunal Supremo”, o qual se encontra estruturado por
Plenário, Câmaras e Salas, de acordo com o disposto na alínea c), do artigo 125.º, da CRA de
1992. O TS, com sede em Luando, capital do país, exerce a sua jurisdição em todo o território
nacional.

Por seu turno, á Lei n.º 18/88 de 31 de Dezembro prevê que para apreciação de questões
contenciosas, é competente a Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Popular
Supremo e a Sala do Cível Administrativo do Tribunal Provincial, e a Lei n.º 17/90, de 20 de
Outubro, preceitua no artigo 27.º, que para apreciação de questões que digam respeito à
Administração Pública serão competentes as Salas e Câmaras dos Tribunais Provinciais e do
Tribunal Popular Supremo.

De uma forma vanguardista, dizemos nós, JOÃO DAMIÃO145 afirma que “(...) tendo em
conta a Constituição da República de Angola – 2010, de 5 de Fevereiro, e das anteriores leis
constitucionais deve ser actualizada a Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro, do Sistema
Unificado de Justiça, que, até ao presente momento146, se tornou menos unificado em relação
à sua construção primitiva”, o que se veio a efectivar com a entrada em vigor da
anteriormente referida Lei n.º 2/2015, de 2 de Fevereiro.

Com efeito, a entrada em vigor da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro (LIAA), começou-se a trilhar
a história do contencioso administrativo angolano, verdadeiro baluarte da protecção geral dos
cidadãos contra erros, excessos ou abusos dos órgãos públicos, consequência da tomada de

145
DAMIÃO, João, op. cit., p. 130.
146
Não se esqueça que a obra do autor, por nós citada, tem data de edição de Junho de 2014.

81
decisões executórias ou deliberações da Administração Pública em violação do estabelecido
na CRA, na demais legislação em vigor, e ainda dos princípios gerais de direito
administrativo.

Podemos, assim, afirmar, acompanhando JOÃO DAMIÃO147, que “Começou a ser evidente o
esforço do Estado angolano na tomada de medidas tendentes a consolidar o Estado
democrático de Direito, adoptado a partir da Revisão Constitucional de 1992, e reafirmado na
Constituição da República de Angola – 2010, de 5 de Fevereiro.

Deste modo, a 1.ª instância da jurisdição administrativa angolana é a Sala do Cível e


Administrativo do Tribunal Provincial, nos termos do artigo 18.º da LIAA, que dispõe que
compete a este tribunal conhecer:

“a) dos recursos dos actos administrativos dos órgãos locais do poder do Estado, abaixo dos
Governadores Provinciais, das pessoas colectivas de Direito Público e das empresas gestoras
de serviços de âmbito local;
b) das acções derivadas dos contratos de natureza administrativa celebrados pelos órgãos e
organismos referidos na alínea anterior;
c) outros recursos e acções que lhe sejam cometidos por lei”.

É entendimento de Carlos Feijó e Lazarino Poulson, citados por JOÃO DAMIÃO148 e por nós
seguidos que “(…) o âmbito da actuação da jurisdição especializada da Sala do Cível e
Administrativo do Tribunal Provincial é muito vasto, não podendo determinar ainda as
entidades que podem ser demandadas nesta alçada, o legislador optou, simplesmente, por uma
formulação genérica”.

Em 2.ª instância, compete à Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, nos


termos do artigo 17.º da LIAA, conhecer:

“a) dos recursos dos actos administrativos dos membros do Executivo, dos Governos
Provinciais e das pessoas colectivas do Direito Público de âmbito nacional;

147
DAMIÃO, João, op. cit., p. 131.
148
DAMIÃO, João, op. cit., p. 134.

82
b) de acções derivadas de contratos de natureza administrativa, celebrados pelos órgãos e
organismos referidos na alínea a anterior;
c) de outros recursos e acções que lhe sejam cometidos por lei”.

Destarte, os actos administrativos do Primeiro-Ministro, dos Ministros, dos Secretários de


Estado e dos Vice-Ministros, e dos Directores Nacionais são demandados em primeira
instância na Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo.

Por sua vez, o Plenário do Tribunal Supremo, que constituiu a última instância jurisdicional
administrativa angolana, é a quem compete conhecer em primeira instância, nos termos do
consagrado nos artigos 15.º e 16.º, alínea b) da LIAA:

a) Os actos administrativos do Presidente da República, do Presidente da Assembleia


Nacional, do Governo, do Chefe do Governo e do Presidente do Tribunal Supremo;
b) Conhecer as demais espécies de recursos previstos na lei.

Assim sendo, o Plenário do Tribunal Supremo constitui a última instância da jurisdição


administrativa, tendo competência, nos termos do artigo 16.º, alínea a) da LIAA, para
conhecer dos recursos dos acórdãos proferidos pela Câmara do Cível Administrativo em 1.ª
instância e dos recursos previstos na lei.

Por sua vez, no que concerne ao âmbito da jurisdição administrativa, afirma CREMILDO
PACA149, que “A lei substantiva do contencioso administrativo angolano trata esta questão no
artigo 8.º da Lei 2/94, de 14 de Janeiro, ao estabelecer as exclusões e, deste modo, ficam de
fora da competência da jurisdição administrativa, nos termos do seu n.º 1, os actos
administrativos proferidos em processo de natureza disciplinar, laboral, fiscal ou aduaneira ou
de natureza política (trata-se duma delimitação negativa dos actos recorríveis
contenciosamente). Também o objecto do recurso contencioso incide sobre as decisões
materialmente administrativas, ou melhor, tomadas em matéria administrativa e visam a
produção de efeitos jurídicos numa situação individual, num caso concreto (artigo 63.º do
Decreto-Lei 16-A/95)”. Abarcando-se “(…) aqui os actos não organicamente administrativos,
praticados por órgãos estranhos à Administração Pública”.

149
PACA, Cremildo, op. cit., p. 67.

83
Já quanto aos limites da jurisdição administrativa dividem-se em materiais e funcionais.

No que concerne aos limites materiais, na jurisdição administrativa, são relevantes as


relações “jurídico-administrativas inter-subjectivas”, entre sujeitos de direito.

Pelo que, devem ser preteridas as “relações jurídico-administrativas intra-orgânicas”, ou seja,


entre órgãos ou entre órgãos e titulares da mesma pessoa colectiva pública, considerando que
nada obsta a que, nos termos do disposto no artigo 43.º da CRA de 1992, um órgão impugne
um acto administrativo de eficácia externa de outro órgão da mesma pessoa colectiva pública,
considerado lesivo de direitos de outro órgão. É precisamente nesta situação que é admissível
que um presidente de um órgão colegial impugne um acto ilegal praticado pelo respectivo
órgão150.

A propósito dos limites funcionais, é de salientar que, atento cariz objectivista do sistema do
contencioso administrativo angolano, a jurisdição administrativa congrega limites funcionais
quanto ao conteúdo dos poderes dos juízes, os quais apenas têm um papel fiscalizador,
limitando-se a anular ou a declarar nulo, não tendo competência para condenar a
Administração na prática do acto administrativo devido, como acontece no sistema
subjectivista151.

4. Princípios gerais de acesso aos tribunais

4.1. O princípio da tutela jurisdicional efectiva

A CRA de 1992 confirmou as alterações estabelecidas no artigo 43.º, consagrando o direito


dos particulares impugnarem e de recorrerem aos tribunais contra todos os actos que violem
os seus direitos estabelecidos constitucionalmente e na demais legislação em vigor.

Porém, e aqui reside o problema, o legislador ordinário, nessa altura, não se socorreu de
instrumentos de tutela que salvaguardassem a defesa dos direitos e interesses legítimos dos
particulares através do contencioso administrativo, promovendo, como se impunha, a

150
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 67-68.
151
PACA, Cremildo, op. cit., p. 68.

84
implementação de um modelo de contencioso administrativo consonante com o modelo
subjectivista, visando que o recurso à jurisdição administrativa pelos particulares para a
garantia dos seus direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares se processasse
sem qualquer obstáculo.

Outrossim, a CRA de 2010 reveste-se de grande significado, pelo menos em tese, para a
ordem jurídica angolana sedimentando a garantia atribuída aos cidadãos, ao assegurar-lhes o
acesso ao Direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, e ao estabelecer a proibição da justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos.

Com efeito, de acordo com o previsto no artigo 29.º da CRA, o princípio da tutela
jurisdicional efectiva garante os direitos e interesses juridicamente protegidos dos particulares
na relação com a Administração Pública.

Concretizando-se, desta forma, no foro constitucional, o reforço da posição dos particulares


face à actuação da Administração Pública, devendo esta garantir àqueles de modo eficaz o
acesso livre e célere à justiça administrativa (cfr. n.º 5, do artigo 29.º da CRA).

Deste modo, afigurasse-nos congruente afirmar, acompanhando JOÃO DAMIÃO152, que “A


consagração constitucional do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva na
Constituição da República de Angola – 2010, de 5 de Fevereiro, fundamenta a evidência de
um avanço significativo, pelo facto de consagrar de forma expressa que, para a defesa dos
direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil
contra ameaças ou violações desses direitos, conforme estabelece a CRA no n.º 5 do artigo
29.º”.

Destarte, parece-nos pertinente encetar uma abordagem concretizadora da evolução do texto


constitucional angolano, na perspectiva do alcance da consagração do direito de acesso à
justiça e à tutela jurisdicional efectiva por parte dos cidadãos.

152
DAMIÃO, João, op. cit., p. 65.

85
Assim sendo, a CRA de 1975 plasmou as aspirações do povo angolano constantes do discurso
do primeiro Presidente de Angola, Dr. António Agostinho Neto, onde se declarou a República
Popular de Angola como Estado soberano, independente e democrático, cujo primeiro
objectivo era “(…) a total libertação do povo angolano do jugo e sinais coloniais e da
dominação e agressão do imperialismo’ e a construção de um país próspero e democrático,
completamente livre de qualquer exploração do homem, em que fosse dado aos particulares
o direito de materializar as suas aspirações”. (destacado nosso)

Porém, o texto constitucional ora em análise, conforme já referido, embora fazendo referência
ao direito dos particulares materializarem as suas aspirações, não prevê de forma clara a tutela
jurisdicional efectiva como um direito fundamental ao alcance dos mesmos para fazerem
valer os seus direitos e interesses legalmente protegidos. Ainda assim, realce-se que os
particulares podiam fazer valer os seus direitos e interesses legalmente protegidos junto dos
órgãos de soberania, socorrendo-se de garantias políticas, concretizadas na apresentação de
queixas, petições e reclamações para os órgãos de soberania, que, em bom rigor, tinham um
carácter gracioso sem, no entanto, merecerem uma regulação clara e sistemática, como,
dizemos nós, se imporia.

Posteriormente a revisão da CRA, operada pela Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro, introduziu
profundas modificações no sistema político e económico de Angola, as quais criaram as bases
constitucionais tendentes à ampliação, reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais
dos cidadãos, concretamente plasmados no artigo 43.º, da Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro
que consagrou a constitucionalização da tutela jurisdicional efectiva, nos seguintes termos:
“Os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos tribunais, contra todos os actos
que violem os seus direitos estabelecidos na presente Lei Constitucional e demais
legislação”.

Destarte, é nosso entendimento que a previsão constitucional do direito à tutela jurisdicional


efectiva veio responsabilizar o legislador ordinário, na medida em que na produção de
diplomas ordinários tem o dever de garantir a não violação do texto constitucional, sob pena
de inconstitucionalidade dos mesmos.

86
Ainda a propósito deste princípio basilar, JÓNATAS MACHADO, PAULO NOGUEIRA DA
COSTA e ESTEVES HILÁRIO153, ensinam que “(…) o mesmo pretende assegurar aos
particulares uma ampla protecção jurídica, através das actividades legislativa, administrativa e
jurisdicional”. Com efeito, defendem os autores que “O direito de acesso aos tribunais é um
corolário, desde logo, da primazia e efectividade dos direitos fundamentais, os quais
dependem da possibilidade de os cidadãos poderem contestar judicialmente, de forma clara e
concreta, todo e qualquer acto, público ou privado, que atenta contra o seu âmbito de
protecção”, deste modo, “Em termos mais restritos, o mesmo tem com subprincípio a tutela
jurisdicional efectiva, que implica a subordinação dos tribunais à Constituição e à lei (art.
175.º da CRA), a reserva de juiz (art. 174.º da CRA), a independência dos tribunais (175.º da
CRA), o acesso às vias judiciais e o direito a patrocínio judiciário e a auxílio judiciário (art.
29.º da CRA)”.

4.2. O princípio da proibição da denegação da justiça

Este princípio encontra-se consagrado no artigo 174.º, n.º 5 da Constituição da República de


Angola (CRA), que dispõe que: “Os tribunais não podem denegar a justiça por insuficiência
de meios financeiros”.

Encontra-se directamente relacionado com o princípio da tutela jurisdicional efectiva e com o


direito ao patrocínio judiciário que abordaremos mais à frente com detalhe.

No fundo, este princípio é um catalisador do mais elementar que pode existir na ordem
jurídica de qualquer Estado de Direito, que é a não denegação de justiça por falta de meios
económico-financeiros de quem à mesma necessita de recorrer.

5. Meios processuais de acesso à justiça administrativa

Importa debruçarmo-nos agora sobre os meios processuais através dos quais é possível
alcançar a dimensão de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado na CRA,
de acordo com a jurisdição administrativa angolana.

153
MACHADO, Jónatas E. M., COSTA, Paulo Nogueira da e HILÁRIO, Esteves Carlos – Direito
Constitucional Angolano, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 100-101.

87
Conforme já anteriormente referido, podemos afirmar que o direito de impugnar e recorrer
aos tribunais contra os actos que violem os direitos e legítimos interesses dos particulares,
consagrado no artigo 29.º da CRA, visa garantir aos mesmos o acesso ao Direito e à tutela
jurisdicional efectiva, dito de outra forma, quando os particulares recorrem à via judiciária na
procura de uma solução para o seu diferendo, materializa-se a plena consagração deste direito
essencial.

Com efeito, a propósito do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva remetemos não
só para a análise que fizemos no ponto anterior, como também para a análise supra efectuada
em sede do capítulo sobre o contencioso administrativo português.

Porém, o legislador ordinário não estabeleceu na justiça administrativa angolana o mesmo


direito, isto é, a previsão constitucional deste direito devia ter sido introduzida na jurisdição
administrativa.

Com efeito, a protecção constitucionalmente consagrada de direitos e interesses legítimos dos


cidadãos, terá o respectivo corolário na sentença proferida pelo Tribunal e concomitantemente
na sua execução, pelo que, com vista ao cumprimento das decisões ou acórdãos judiciais,
compete ao Estado fornecer todos os meios jurídicos e materiais necessários e adequados para
que tal desiderato se efective.

Deste modo, em 1988 foi criado o Sistema Unificado de Justiça, através da Lei n.º 18/88, de
31 de Dezembro, que instaurou na ordem judiciária angolana a Câmara do Cível e
Administrativo junto do Tribunal Supremo e as Salas do Cível e Administrativo dos Tribunais
Provinciais, competentes para dirimir litígios decorrentes das relações jurídico-
administrativas.

Assim, parece-nos seguro afirmarmos que a Lei n.º 18/88 constituiu a géneses da criação da
jurisdição administrativa em Angola, não obstante, os condicionalismos de natureza política e
ideológica não permitiam aos particulares o uso comum deste meio para fazer valer os seus
direitos.

88
Consequentemente, como já vimos, a revisão da CRA, operada pela Lei n.º 23/92, de 16 de
Setembro, consagrou a constitucionalização da tutela jurisdicional efectiva.

Destarte, como propugna JOÃO DAMIÃO154, o sentido e o alcance do artigo 43.º da CRA de
1992 “(…) não foram concretizados pela legislação ordinária, na Lei n.º 2/94, de 14 de
Janeiro, [LIAA], e no Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro [LNPAA], que estabelece,
no seu artigo 10.º, o princípio do acesso à justiça, garantindo aos particulares o acesso à
justiça administrativa na perspectiva de fiscalização contenciosa dos actos da Administração,
para tutela dos seus direitos ou interesses legítimos”.

Por outro lado, o RPCA determina que têm direito a accionar a iniciativa processual para o
recurso contencioso de impugnação do acto administrativo o particular ou o representante do
MP que tenha intervindo no procedimento administrativo de reclamação ou recurso
hierárquico que o antecede, de acordo com o preceituado no artigo 39.º.

Não obstante, determina a alínea d), do n.º 1, do artigo 45.º do RPCA que o juiz deve lavrar
despacho ou acórdão preliminar ou ainda exposição no prazo de 10 dias do qual conste o
comprovativo do cumprimento da precedência do procedimento administrativo de reclamação
e recurso hierárquico, previsto no artigo 12.º da LIAA.

Destarte, como aliás já sobejamente demonstrámos, a CRA de 2010 contempla uma


perspectiva de garantia dos direitos e interesses dos particulares bastante evolutiva, de acordo
com o previsto no artigo 29.º, que determina o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva,
garantindo e assegurando a todos os cidadãos o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa
dos direitos e interesses legalmente protegidos, proibindo, deste modo, a denegação da justiça
por insuficiência dos meios económicos.

Não obstante, o particular para salvaguardar os seus direitos e interesses, em sede de Direito
Administrativo, tem que primeiro recorrer à via graciosa, sem a qual não tem acesso à via
contenciosa, pois a tutela jurisdicional efectiva já prevista, como vimos, na CRA de 1992 e
devidamente reforçada na CRA de 2010, não se encontra concretizada, ao contrário do que
acontece no contencioso administrativo português, pelo legislador ordinário.

154
DAMIÃO, João, op. cit., p. 75.

89
Também assim entende JOÃO DAMIÃO155, quando afirma que “(…) tanto o recurso a vias
graciosas estabelecidas na [LIAA], como a vinculação do juiz na apreciação prévia do
cumprimento da precedência obrigatória do procedimento administrativo, previsto no artigo
12.º [do mesmo diploma legal], para proferir o despacho ou acordo preliminar, conforme o
estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 45.º do [RPCA], limitam o acesso ao Direito e à
tutela jurisdicional efectiva, para que os particulares façam valer os seus direitos e interesses
legalmente protegidos, conforme o previsto no artigo 29.º da Constituição”.

No que concerne aos meios de impugnação contenciosa, propugna CREMILDO PACA156,


entendimento que acompanhamos, que “Cada pretensão dirigida aos tribunais administrativos
deve adoptar um determinado meio processual, isto é, uma forma tipificada de a veicular, sem
o que não pode ser recebida no tribunal”, entendendo-se “(…) por meios processuais, o
conjunto de mecanismos criados pela ordem jurídica, à mercê dos particulares e através dos
quais estes acedem aos tribunais, para a efectivação das suas garantias”. Estes meios podem
ser classificados em principais e acessórios”. Citando João Caupers, o autor afirma que “São
principais, ‘quando são autónomos, isto é, o seu uso não está dependente de qualquer outro, e
acessórios, quando ocorre tal dependência’”. (destacado nosso)

Podemos, deste modo, afirmar que o recurso consiste no pedido de impugnação feito perante
um tribunal, com o intuito de se obter a anulação de um acto administrativo ou ainda de um
regulamento ilegal, ou seja, consiste no pedido de reapreciação jurisdicional de uma decisão
administrativa. Com efeito, no contencioso administrativo angolano, ao contrário do
português, o recurso é contra o acto administrativo, sendo, por isso, tradicionalmente
designado por recurso contencioso de anulação. Não obstante, é possível também pedir-se ao
tribunal a declaração de invalidade ou inexistência.

Destarte, a Lei angolana, designadamente o artigo 10.º do Decreto-Lei 4-A/96, possibilita um


ataque tanto ao acto administrativo considerado de forma expressa (facere), como também aos
actos tácitos, neste caso quando haja uma omissão da Administração (non facere).

155
DAMIÃO, João, op. cit., p. 76.
156
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 71-72.

90
No que concerne à acção, consiste no pedido feito ao tribunal, com o intuito de uma primeira
definição do direito aplicável a um litígio que oponha a Administração a um particular. Desta
forma, a acção contenciosa, para além da principal sobre contratos administrativos, pode ter
como motivo o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. Ou seja,
consiste na propositura de uma acção declarativa pelo particular para o reconhecimento de um
seu direito.

91
Capítulo III - As garantias dos particulares

1. Abordagem conceptual das garantias dos particulares

A este propósito advoga JOÃO DAMIÃO157, entendimento que merece a nossa concordância,
que “A Administração Pública, na rotina da sua actividade quotidiana com vista à
prossecução do interesse público, que é efectivado por intermédio dos seus agentes e órgãos
que estão incumbidos de fazer funcionar a máquina administrativa, pode causar danos, com
maior ou menor dimensão, à esfera jurídica dos particulares”, podendo inclusivamente, em
certos casos, modificar “(…) os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares”.
Não obstante, “Quando tal acontece, os particulares podem fazer valer os seus direitos e
interesses legalmente protegidos junto dos órgãos competentes”.

Seguindo Marcello Caetano, o autor158 afirma a este propósito que “A finalidade das
garantias são imediatas e impeditivas, ou seja, são todos os meios criados pela ordem jurídica
com a finalidade imediata de prevenir ou remediar as violações do Direito Objectivo vigente
(garantias de legalidade) ou as ofensas dos direitos subjectivos ou interesses legítimos dos
particulares (garantia dos administrados) ”.

Como ensina Marcelo Rebelo de Sousa159, também citado por JOÃO DAMIÃO, “(…) ‘as
garantias dos administrados constituem direitos subjectivos que visam primordialmente
proteger um bem consistente na prevenção ou sanção da violação de direitos e interesses
legalmente protegidos desses administrados, provocados por comissão ou omissão da
Administração Pública’”.

Destarte, em Angola, a Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro, que aprovou a Lei Constitucional,
consagrava no seu artigo 142.º, a figura do Provedor de Justiça como um órgão público
independente, que tem por objecto a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos,
através de meios informais, junto da Administração Pública. Aliás, esta posição é reafirmada
na CRA de 2010, ao prever uma secção específica com instituições essenciais à administração
da justiça, como órgãos independentes, que têm por missão a defesa dos direitos, liberdades e

157
DAMIÃO, João, op. cit., p. 78.
158
DAMIÃO, João, op. cit., p. 78-79.
159
DAMIÃO, João, op. cit., p. 79.

92
garantias dos cidadãos, acautelando, através dos meios informais, a justiça e a legalidade da
actividade da Administração Pública. Por exemplo, no que concerne ao Provedor de Justiça e
ao exercício da advocacia (Cfr. artigos 192.º a 197.º).

Não obstante, embora consagrada na Lei n.º 23/92, a figura do Provedor de Justiça apenas foi
realmente criada com a publicação da Lei n.º 4/06, de 28 de Abril, que aprova o Estatuto do
Provedor de Justiça, assim como a entrada em vigor da Lei n.º 5/06, de 28 de Abril, que
aprova a Orgânica da Provedoria de Justiça. Porém a respectiva actividade encontra-se
constitucionalmente delimitada, pois é independente dos meios graciosos e contenciosos
estabelecidos pela ordem jurídica angolana.

2. As garantias no contexto jurídico angolano

2.1. Tipologia das garantias

As garantias dos particulares podem ser: graciosas e contenciosas.

2.1.1. Garantias graciosas

2.1.1.1. Garantias petitórias

A este propósito CREMILDO PACA160, socorrendo-se dos doutos entendimentos de Freitas


do Amaral e João Caupers, que acompanhamos, afirma que “As garantias petitórias são
aquelas que não pressupõem a existência de um acto administrativo prévio que o particular
impugna ou contesta, mas que se destinam a levar ao conhecimento da Administração Pública
uma pretensão, uma vontade dos particulares”. Isto é, “Uma vez desencadeadas, apenas
corporizam um pedido, um facto ou uma situação que os particulares queiram levar ao
conhecimento da Administração e incluem:

a) O direito de petição, que se traduz no pedido feito à Administração, no sentido de


praticar um certo acto; ou como define João Caupers, ‘a faculdade de solicitar aos
órgãos da Administração Pública providências que se considerem necessárias’.

160
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 20-23.

93
b) O direito de representação administrativa ocorre também antes da prática do acto, nos
casos em que o subalterno alerta o órgão administrativo relativamente à possibilidade
de tal prática vir a configurar um acto ilegal ou ilícito.
c) (…) O direito de queixa respeita à circunstância de alguém tomar conhecimento de um
facto ou situação e levar ao conhecimento do órgão que tem poderes para apurar a
responsabilidade disciplinar do funcionário ou agente da Administração.
d) (…) O direito de denúncia é mais lato e, por seu turno, consiste no direito de o
particular levar a uma autoridade pública o conhecimento ou a ocorrência de um facto.
Perante uma denúncia, a autoridade da Administração tem a obrigação ou o dever de
investigar e apurar a veracidade da denúncia. Não poucas vezes, essa actividade de
investigação é exercida por dever de ofício – dever de agir diante de uma ocorrência”.
e) (…) O direito de oposição administrativa é também exercido pelos particulares, junto
da Administração Pública, sendo definido [por João Caupers] como ‘a faculdade de
contestar uma decisão que um órgão da Administração Pública projecta tomar, seja
por sua iniciativa, seja dando satisfação a pedidos que lhe tenham sido dirigidos por
particulares’”.

É de salientar que o direito de oposição administrativa caracteriza-se, principalmente, pela


possibilidade de os particulares levarem ao conhecimento da Administração um conjunto de
considerações sobre actos que a Administração pretende praticar, não havendo, em rigor, a
prática prévia de um acto administrativo. Ou seja, reconhece-se ao particular o direito de
protestar contra uma decisão que um órgão da Administração Pública tome ou pretenda
tomar.

Com efeito, os particulares não contestam directamente os actos administrativos, pois caso o
fizessem, não estaríamos perante uma garantia petitória, mas sim uma garantia impugnatória.

Em suma, aquilo que se pretende antes da tomada da decisão é que os particulares se


pronunciem sobre as virtualidades, mérito ou demérito da solução da Administração Pública.

Pelo que, quando os argumentos aduzidos pelos particulares forem fortes, podem, em rigor,
fazer com que a Administração mude o sentido da decisão, revendo a decisão ou o projecto a
executar.

94
2.1.1.2. Garantias impugnatórias

Como ensina CREMILDO PACA161, “Se nas garantias petitórias ainda não estamos diante
dum facere, dum acto administrativo, pelo contrário, aqui [nas garantias impugnatórias] já
existe uma acção ou omissão, uma decisão administrativa, perante a qual o particular reage,
pedindo a reapreciação, uma nova valoração factual e/ou jurídica dessa decisão
administrativa”.

Dispõe a este propósito o artigo 100.º, do D.L. n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, que “aos
particulares assiste o direito de solicitar a revogação ou a modificação dos actos
administrativos”. Destarte, o animus desta norma consubstancia-se na possibilidade da
Administração rever a sua decisão, rectificando-a, alterando-a, revogando-a ou substituindo-a
por outra.

i) A reclamação

Nos termos da alínea a), do artigo 9.º da Lei n.º 2/94, a reclamação traduz-se na apresentação
de um pedido de reapreciação do acto administrativo ao autor do mesmo. Assim, podemos
afirmar que reclamar é dirigir um pedido, uma contestação, ao órgão autor do acto
administrativo objecto de reclamação para que o modifique ou revogue. Em bom rigor, a
reclamação pressupõe o pedido de uma nova valoração da decisão, feito ao próprio autor do
acto, com o intuito de o convencer que decisão foi mal tomada ou, se for caso disso atento os
novos factos aduzidos pelo reclamante, a decisão seja alterada pelo seu autor.

Com efeito, este instituto jurídico, no ordenamento jurídico angolano, encontra-se consagrado
no artigo 100.º, n.º 1, alínea a), do D.L. n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro (LNPAA), nos
termos do qual: “Aos particulares assiste o direito de solicitar a revogação ou modificação
dos actos administrativos, nos termos regulados neste diploma”. Prescrevendo o n.º 2, alínea
a), do mesmo preceito legal, que poderá fazê-lo “(…) mediante reclamação para o autor do
acto”.

161
PACA, Cremildo, op. cit., p. 23.

95
Já o artigo 102.º, n.º 1 da LNPAA, dispõe que: “Têm legitimidade para reclamar ou recorrer
os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem
lesados pelo acto administrativo”.

Por seu turno, o artigo 9.º, alínea a), da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro (LIAA), determina que:
“A impugnação dos actos administrativos pode ser feita por meio de reclamação, dirigida ao
órgão de que dimana o acto; e o artigo 12.º, alínea a), do mesmo diploma legal, dispõe que:
“O recurso contencioso é obrigatoriamente precedido de reclamação, quanto aos actos
administrativos de membros do governo, governadores provinciais e administradores
municipais;”.

Assim sendo, importa referirmo-nos à sã controvérsia gerada na doutrina angolana sobre a


abordagem à reclamação consagrada nas NPAA e na LIAA.

Assim, no entendimento de CREMILDO PACA162, que acompanhamos, colocam-se-nos, a


este propósito, duas questões, “A primeira diz respeito à necessidade de indagarmos se o
[direito angolano] consagrou a reclamação necessária, aquela que a lei estabelece que só após
esgotados os mecanismos graciosos ou administrativos se obtenha um acto administrativo
definitivo, do qual se pode recorrer contenciosamente, ou seja, aquela que traduz um meio de
impugnação necessário, no sentido de constituir condição sine qua non do recurso
contencioso ou, se, pelo contrário, o direito angolano consagrou a reclamação facultativa, isto
é, se, diante de uma conduta pública ilegal e abusiva, é possível partir para o contencioso
administrativo, sem percorrer a etapa da reclamação”. Entende o autor que “A Lei 2/94, de 14
de Janeiro, no seu artigo 12.º, ao dizer que ‘o recurso contencioso é obrigatoriamente
precedido de reclamação’, parece inculcar a ideia de reclamação necessária”. Não obstante, o
autor, como nós, preconiza que “(…) o desejável seria o direito angolano consagrar o carácter
facultativo da reclamação”.

Referindo-se à possível inconstitucionalidade do preceito referido no parágrafo anterior, o


autor socorre-se, e bem, da opinião de Carlos Feijó, o qual “(…) chega a duvidar da
constitucionalidade dessa norma, ao obrigar à precedência da reclamação e do recurso
hierárquico, se tivermos em conta o princípio da lesividade eficaz e imediata, cujo critério,

162
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 26-27.

96
entende-se hoje, deve ser o da lesão que resulta do conteúdo essencial do princípio da tutela
jurisdicional efectiva [já abordado na nossa dissertação], previsto no artigo 43.º da Lei
Constitucional [de 1992], de modo que se permita a impugnação contenciosa directa ou
imediata”.

É nosso entendimento, salvo melhor, que a impugnação contenciosa directa da decisão da


Administração Pública, como tal sem a necessidade de apresentação prévia de reclamação,
como actualmente ocorre no ordenamento jurídico-administrativo português, é uma real mais-
valia, uma vez que potencia a celeridade do alcance do direito ou de interesse legalmente
protegido de que o particular é titular.

ii) O recurso hierárquico

O recurso hierárquico encontra-se consagrado no artigo 108.º do D.L. n.º 16-A/95, de 15 de


Dezembro, nos termos do qual: “Podem ser objecto de recurso hierárquico todos os actos
administrativos praticados por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos”.

Este meio de reacção graciosa é dirigido ao superior hierárquico do autor do acto


administrativo ou da entidade donde foi emanado o acto recorrido, pretendendo-se que o
superior hierárquico o revogue, substitua ou modifique, a fim de se sanar os efeitos lesivos
que tenha provocado ao recorrente. Isto é, o recurso hierárquico é o meio de impugnação de
um acto administrativo praticado por um órgão subalterno perante o respectivo superior
hierárquico, a fim de obter a revogação, a modificação ou a substituição do acto recorrido.

iii) O recurso hierárquico impróprio

Este tipo de recurso encontra-se consagrado no artigo 118.º do D.L. n.º 16-A/95, de 15 de
Dezembro, que no n.º 1 dispõe que: “É considerado impróprio o recurso hierárquico
interposto para um órgão que exerça poder de supervisão sobre outro órgão da mesma
pessoa colectiva, fora do âmbito da hierarquia administrativa”.

Este recurso apelida-se de “impróprio”, uma vez que é interposto para uma entidade que não
tem uma relação de hierarquia com a entidade autora do acto administrativo objecto do
recurso.

97
Em sede deste recurso, é permitido ao recorrente reclamar de um acto administrativo emanado
de uma entidade administrativa junto de outra entidade administrativa, ou de outro órgão, não
existindo qualquer relação de hierarquia entre o órgão recorrido e o órgão autor do acto.

Não obstante, apesar de não haver essa relação hierárquica, a entidade administrativa deve
receber o recurso interposto e analisá-lo, revogando ou modificando o acto administrativo
objecto do recurso, através do poder de supervisão de que é detentora.

iv) O recurso tutelar

Encontra-se consagrado no artigo 119.º, n.º 1, do D.L. n.º 16-A/95, que determina que: “O
recurso tutelar tem por objecto actos administrativos praticados por órgãos de pessoas
colectivas públicas sujeitas à tutela ou superintendência".

Este tipo de recurso consubstancia-se na impugnação de um acto administrativo praticado por


uma entidade sujeita à tutela ou superintendência de outra. Tem carácter excepcional, só
podendo ser exercido quando a lei expressamente assim o prever, conforme previsto no n.º 2
do artigo 119.º, n.º 1, do D.L. n.º 16-A/95.

Sintetizando, no que concerne a este desiderato (garantias graciosas), advoga JOÃO


DAMIÃO163, por nós corroborado, que “(..) ao se materializarem junto dos órgãos da
Administração, conferem ao particular o direito de solicitar a revogação ou modificação do
acto da administração que viole os seus direitos e interesses legalmente protegidos, direito
este que é exercido de várias formas (cfr. artigo 110.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de
Dezembro):

a) mediante reclamação para o autor do acto administrativo. A reclamação consiste no


pedido de reapreciação do acto administrativo dirigido ao seu autor (conforme o artigo
103.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro); No mesmo sentido a alínea a)
do artigo 9.º da [LIAA], estabelece a reclamação como modalidade dos actos
administrativos; João Caupers considera que as garantias graciosas ou impugnatórias

163
DAMIÃO, João, op. cit., pp. 84-86.

98
se consubstanciam em meios de ataque ao comportamento da Administração Pública;
(destacado nosso)
b) Mediante recurso hierárquico, que consiste no pedido de reapreciação do acto
administrativo dirigido ao superior hierárquico do autor do acto administrativo (cfr.
108.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro); No mesmo sentido, a alínea b)
do artigo 9.º da [LIAA], estabelece o recurso hierárquico como modalidade de
impugnação dos actos administrativos; (destacado nosso)
c) Conforme as situações, o recurso hierárquico pode desdobrar-se em recurso
hierárquico impróprio e recurso hierárquico tutelar (cfr. 118.º e 119.º, ambos do
Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro)”.

2.1.2. Garantias contenciosas ou jurisdicionais

As garantias jurisdicionais ou contenciosas são aquelas que se invocam perante os tribunais,


ou seja, é estritamente necessária a intervenção dos tribunais.

Destarte, o contencioso administrativo, alicerçado na aplicação de normas de Direito


Administrativo (substantivas e procedimentais), mais não é do que o conjunto de litígios entre
a Administração Pública e os administrados dirimidos pelos tribunais.

Ademais, é de referir, como aliás já anteriormente vimos, que a organização judicial angolana
não comporta tribunais administrativos, no entanto comporta Salas ou Câmaras especializadas
para questões administrativas.

Não obstante, se por um lado existem Salas ou Câmaras especializadas em questões


administrativas, por outro, esta especialização é partilhada com questões iminentemente
cíveis, o que no nosso entendimento, como alias já referimos, não confere a esses tribunais
uma especialização propriamente dita, ou seja uma especialização própria em contencioso
administrativo, como no nosso entendimento se impõe face ao princípio da boa
administração da justiça.

Com efeito, as garantias contenciosas ou jurisdicionais, inserem-se no âmbito mais alargado


do direito fundamental, já abordado na presente dissertação, da tutela jurisdicional efectiva,
pelo que, quando for caso disso, deve ser interpretado e integrado em harmonia com a

99
Declaração Universal dos Direitos do Homem [DUDH]164, com a Carta Africana dos Direitos
dos Homens e dos Povos [CADHP]165”, e com o PIDCP, de 16 de Dezembro de 1966.
Assim sendo, determina o artigo 8.º da DUDH que: “Toda a pessoa tem direito a recurso
efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra actos que violem os direitos
fundamentais reconhecidos pela Constituição e pela Lei”.

Por sua vez, nos termos do artigo 28.º do mesmo texto internacional, “Toda a pessoa tem
direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem jurídica capaz de
tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na Declaração Universal
e na legislação interna dos Países”.

Na mesma linha legislativa, preceitua o artigo 14.º, n.º 1, primeira parte, do PIDCP, que
“Todos são iguais perante os tribunais de justiça, todas as pessoas têm direito a que a sua
causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente e imparcial,
estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria
penal dirigida contra elas quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de
carácter civil”.

No que concerne aos acervos legislativos africanos a respeito do direito de acesso à justiça,
determina o artigo 7.º da CADHP que: “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja
apreciada. Este direito compreende:

a) O direito de recorrer aos tribunais nacionais competentes de qualquer acto que viole
os direitos fundamentais que lhe são reconhecidos e garantidos pelas convenções, as
leis, os regulamentos e os costumes em vigor.
b) (…);
c) o direito de defesa, incluindo o de ser assistido por um defensor da sua escolha;
d) o direito de ser julgado num prazo razoável por um tribunal imparcial”.

Salienta a este propósito JOÃO DAMIÃO166 que a CADHP “(…) estabelece, para além das
leis e regulamentos, que se deve consagrar a garantia de acesso ilimitado aos tribunais”. Pelo

164
Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na Resolução n.º 217-A (III), de 10 de Dezembro de
1948.
165
Adoptada pela XVIII Conferência dos Chefes de Estado e do Governo, em Junho de 1981.
166
DAMIÃO, João, op. cit., p. 95.

100
que, “(…) a salvaguarda dos direitos e interesses legalmente protegidos determina que se
confirme em diversos diplomas legais a garantia de acesso à justiça, o recurso aos costumes
vigentes”. (destacado nosso)

De qualquer forma, a consagração constitucional do direito de acesso à justiça não é bastante,


pois mais do que isso é preciso que aos cidadãos seja dada a garantia real do exercício desse
direito.

Com efeito, o direito de acesso à justiça é o corolário do Estado de Direito, não sendo
possível falar em Estado de Direito quando aos cidadãos não lhes é permitido o direito de
acesso aos tribunais de modo eficaz e em condições de igualdade, a fim de salvaguardarem as
suas posições jurídicas subjectivas.

Destarte, podemos afirmar que os Estados de Direito Democrático necessitam de observar no


respectivo ordenamento jurídico este direito de acesso à justiça, muitas das vezes
“importando” normas consagradas em diplomas internacionais.

Em Angola, o contencioso administrativo tem por função a defesa da legalidade e do interesse


público, ao ponto da jurisdição administrativa não ter plena jurisdição face à actuação da
Administração Pública.

A prova disso é que, em Angola, o tribunal não tem competência para de forma coerciva
obrigar a Administração Pública à prática de um comportamento devido, limitando-se a
proceder à anulação do acto administrativo caso seja ilegal, deixando, por isso, para plano
secundário os direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos de que os particulares
são titulares. Ou seja, a razão de ser do recurso à justiça ou jurisdição administrativa
fundamenta-se no acto administrativo ilegal praticado pela Administração, não estando
directamente relacionado com a violação do direito e interesses legítimos dos cidadãos.

Pelo que, impõe-se uma alteração do quadro legislativo a este respeito, no sentido do tribunal
passar a ter competência para coercivamente obrigar a Administração à prática de um acto
devido.

101
Citando Aroso de Almeida, entendimento que corroboramos, JOÃO DAMIÃO167 escreve que
“A plenitude da actuação dos tribunais na prática jurisdicional administrativa deve garantir
que todo o tipo de pretensão possa ser deduzida em juízo e o direito ao acesso ao Direito e à
tutela jurisdicional efectiva compreenda a possibilidade de fazer executar as decisões
proferidas pelos tribunais administrativos desde que, por um lado, se reconheça aos juízes
administrativos o poder de emitirem todo o tipo de pronúncias correspondentes aos diferentes
tipos de pretensões deduzidos e, por outro, se lhes outorgue o poder de promoverem a
execução forçada das respectivas decisões”.

Com efeito, a função jurisdicional administrativa em Angola é levada a cabo pelas Salas do
Cível e Administrativo dos Tribunais Provinciais, na Câmara do Cível e Administrativo do
Tribunal Supremo e no Plenário do Tribunal Supremo, devendo os tribunais administrativos,
o que não acontece em Angola, assegurar a execução das suas sentenças, nomeadamente
aquelas que proferem contra a Administração, ora através de sentença que produza os efeitos
do acto administrativo devido, quando a prática e o conteúdo deste acto sejam estritamente
vinculados, ora diligenciando no sentido de que efectivamente haja uma concretização
material daquilo que foi sentenciado.

É de referir que a actividade da Administração Pública, exercida pelos seus órgãos e agentes,
na salvaguarda incessante do interesse público, é susceptível de causar danos, de maior ou
menor monta, na esfera jurídica dos particulares, podendo inclusivamente, em certos casos,
modificar os direitos e interesses legalmente protegidos dos mesmos. Não obstante, quando
isso ocorre, é reconhecida aos particulares a possibilidade de fazerem valer os seus direitos e
interesses legalmente protegidos junto das instâncias competentes para o efeito.

Seguindo Marcello Caetano, JOÃO DAMIÃO168 afirma a este propósito que “A finalidade
das garantias são imediatas e impeditivas, ou seja, são todos os meios criados pela ordem
jurídica com a finalidade imediata de prevenir ou remediar as violações do Direito Objectivo
vigente (garantias de legalidade) ou as ofensas dos direitos subjectivos ou interesses
legítimos dos particulares (garantia dos administrados) ”.

167
DAMIÃO, João, op. cit., p. 100.
168
DAMIÃO, João, op. cit., p. 78-79.

102
Como ensina Marcelo Rebelo de Sousa169, também citado por JOÃO DAMIÃO, “(…) ‘as
garantias dos administrados constituem direitos subjectivos que visam primordialmente
proteger um bem consistente na prevenção ou sanção da violação de direitos e interesses
legalmente protegidos desses administrados, provocados por comissão ou omissão da
Administração Pública’”.

Destarte, aliás como anteriormente já abordado, a Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro, que
aprova a CRA, consagrava no artigo 142.º, a figura do Provedor de Justiça como um órgão
público independente, que tem por missão a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos
cidadãos, através de meios informais, junto da Administração Pública.

Aliás, a figura do Provedor de Justiça é sedimentada na CRA de 2010, designadamente sendo


prevista numa secção específica ode constam instituições essenciais à administração da
justiça, como órgãos independentes, que têm por finalidade a defesa dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, visando assegurar, por meios não graciosos nem contenciosos, a
justiça e a legalidade da actividade da Administração Pública. Especificando no que concerne
ao Provedor de Justiça e ao exercício da advocacia, encontram-se consagrados nos artigos
192.º a 197.º da CRA.

Em suma, as garantias procedimentais estão directamente relacionadas com a possibilidade


dos particulares poderem defender os seus direitos e interesses legitimamente protegidos
perante a Administração Pública, i.e. perante as entidades e os órgãos que têm e exercem o
poder administrativo.

2.2. O poder judicial como garantia dos direitos e interesses dos particulares

Propugna JOSÉ ALEXANDRINO170, entendimento por nós seguido, que "O papel dos
tribunais na protecção dos direitos fundamentais está desde logo associado às origens dos
direitos fundamentais e à origem do Estado constitucional: por um lado, há muito se
desenvolveu a ideia de que o primeiro direito fundamental tenha sido histórica e

169
DAMIÃO, João, op. cit., p. 79.
170
ALEXANDRINO, José Melo – O novo constitucionalismo angolano, Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2013, pp. 96-97, disponível em
http://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_constitucionaliosmoangolano_2013.pdf.

103
materialmente o habeas corpus (isto é, a garantia proporcionada pela decisão de um tribunal
contra a prisão arbitrária, em defesa da liberdade física da pessoa); por outro lado, e
consequentemente (…)”, (citando [o autor] Nuno Piçarra), ‘o gozo efectivo deste direito só
estará objectivamente assegurado havendo um órgão estadual capaz de garantir a
aplicação imparcial da lei existente ao caso concreto, mediante processo jurídico
regular. Esse órgão só pode ser um tribunal independente, vinculado apenas a um critério
normativo de decisão previamente estabelecido e insusceptível de ser alterado em função do
caso concreto’”. (destacado nosso)

Entende, deste modo, o autor que “É assim visível que esse primeiro direito fundamental (Ur-
Grundrecht) surge com o simultâneo reconhecimento da separação de poderes e da
independência do poder judicial e que se vislumbra, logo nesse instante fundador de finais do
século XVII na Inglaterra, que, [citando novamente Nuno Piçarra], ‘os direitos fundamentais
só têm real eficácia se houver um órgão do Estado capaz de os sobrepor aos actos lesivos
de outros órgãos’”. (destacado nosso)

Destarte, e continuando o autor a citar Nuno Piçarra “(…) esse papel dos tribunais viria a
alcançar um patamar mais elevado a partir do momento em que, em certos ordenamentos, os
juízes passaram a poder declarar nulas as leis que contrariassem a Constituição, donde
decorreram duas extraordinárias consequências: a primeira foi a de que o poder legislativo, o
poder executivo e o poder judicial passaram a estar em pé de igualdade; a segunda foi a de
que o poder judicial não podia continuar a ser concebido, como pretendia Montesquieu, como
um poder nulo”. “O terceiro momento na caminhada da relação entre os direitos fundamentais
e o poder judicial dá-se com a criação dos Tribunais Constitucionais e com a progressiva
transformação destes em ‘tribunais dos direitos fundamentais’”, de acordo com a opinião de
Catarina Santos Botelho, citada pelo autor.

Ora, transpondo os presentes entendimentos para o contencioso administrativo, afigura-se-nos


que o Tribunal competente (Sala ou Câmara do Cível e Administrativo), constitui
efectivamente o garante dos direitos e interesses dos particulares, como corolário do, já
analisado, princípio da tutela jurisdicional efectiva, trave mestra de qualquer Estado de
Direito Democrático, embora com as vicissitudes já demonstradas.

104
3. O problema da inexecução dos acórdãos e sentenças judiciais dos tribunais angolanos
face às garantias dos particulares

No que concerne à executoriedade das decisões dos Tribunais transitadas em julgado,


proferidas em sede de contencioso administrativo, o ordenamento jurídico angolano, concede
à Administração o direito de não as executar sempre que se verifiquem as seguintes situações:

a) Ser impossível a execução;


b) Existir grave prejuízo para o interesse público;
c) Existirem circunstâncias de ordem, segurança e tranquilidade públicas que obstem à
execução.

Com efeito, há lugar à suspensão das decisões judiciais quando a pronta execução de uma
sentença judicial (proferida em sede de contencioso administrativo) transitada em julgado, for
susceptível de causar prejuízo grave para o Estado. Podendo, nos termos do disposto no artigo
2.º da LSEAA, o órgão da Administração ou a pessoa colectiva de Direito Público a quem
compete executá-la, requerer ao tribunal a suspensão da sua execução por um período
máximo de seis meses.

Destarte, um processo começa com a entrada de um requerimento em tribunal e termina com


uma sentença, que consubstancia o acto final do processo, a qual, como já vimos, pode ser
alvo de recurso. Deste modo, o tribunal pode negar provimento ao recurso, nos casos em que
o recorrente não tem razão, ou, caso tenha, conceder tal provimento indo, assim, de encontro à
pretensão do recorrente.

A este respeito importa dizer que a sentença tem efeitos processuais e substantivos. No que
concerne aos efeitos processuais da sentença anulatória, há que ter em consideração o caso
julgado formal e o caso julgado material, consagrados nos artigos 671.º e 672.º do CPC,
referindo-se essencialmente ao caso julgado, como tal insusceptível de recurso ordinário.

Por seu turno, no que diz respeito aos efeitos substantivos, os mesmos variam em função do
tipo de sentença, i.e., consoante a sentença der, ou não, provimento ao recurso. Na primeira
situação, o tribunal aceita o pedido ou concede provimento ao recurso, produzindo efeitos
declarativos, nos casos em que a sentença declara a nulidade ou inexistência do acto, ou

105
efeitos confirmativos, nos casos em que o tribunal, por via da sentença que profere, rejeita o
pedido, nega provimento ao recurso, confirmando, deste modo, a validade do acto
administrativo objecto de recurso judicial.

Deste modo, como é óbvio, a sentença que conceda provimento ao recurso tem um efeito
executório, facto este que se traduz na obrigação ou o dever da entidade recorrida arcar com
os efeitos jurídicos da anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto, surgindo o
dever de executar a sentença.

Porém, no entendimento de CREMILDO PACA171, que corroboramos, “O chamado dever de


executar que impende sobre a Administração Pública para o cumprimento da sentença, seja
ela declarativa ou de anulação, é de difícil exequibilidade, aliás bastante complexa e está
conexionada com a maturidade jurídica do próprio Estado, por razões que se prendem, desde
logo, com o facto de ser a própria Administração a executar uma decisão contra a qual está
em desacordo;”, com efeito, “(…) o contencioso administrativo angolano é, essencialmente,
virado para o contencioso de anulação, um contencioso que, somente, tem em vista a
anulação dos actos. O tribunal limita-se a anular o acto e nada mais”. (destacado nosso)

Com efeito, após a decisão judicial, a entidade demandada pode, no prazo de 15 dias a contar
da notificação, suspender a execução da decisão judicial ou promover a sua inexecução, de
acordo com o estipulado no artigo 108.º do RPCA, devendo o tribunal avaliar e decidir sobre
a verificação dos pressupostos invocados. Em caso de inexecução, se o tribunal considerar os
pressupostos invocados precedentes, o particular tem o direito a ser indemnizado pelos
prejuízos que a inexecução lhe causar, de acordo com o definido no artigo 4.º da LSEAA.

No que concerne às causas de inexecução ilícita das sentenças por parte da Administração,
nos termos em que a Administração Pública se recusa a executar uma sentença sem nenhuma
causa de justificação de inexecução, o ordenamento jurídico angolano prevê a eventual
responsabilidade disciplinar, civil e criminal dos titulares com deveres de executar.

Destarte, o artigo 7.º da Lei n.º 21/90, de 22 de Dezembro, que tem por objecto os crimes
cometidos por titulares dos cargos de responsabilidade, determina que “o titular de cargo de

171
PACA, Cremildo, op. cit., p. 116.

106
responsabilidade que, no exercício das suas funções, não acatar ou se opuser à execução de
decisão do tribunal transitada em julgado, que por dever de cargo lhe caiba, será punido
com prisão e multa correspondente”. Constituindo, como é bom de ver, uma forte garantia
contra a contra a inexecução ilícita da sentença condenatória.

Ademais, o incumprimento de uma decisão judicial encerra um evidente atropelo do sistema


jurídico e do princípio do Estado de Direito, acarretando todas as nefastas consequências que
dai podem advir.

107
Capítulo IV – O Juiz e o contencioso administrativo em Angola

1. O perfil do Juiz no contexto jurídico angolano

1.1. Resenha histórica

Como ensina ANTÓNIO HOMEM172, “A compreensão do estatuto dos juizes não pode ser
dissociada da nova teoria legal. O Code Civil de 1804 (art. 4.º) determina que o juiz que se
recuse a julgar com o fundamento no silêncio, obscuridade ou insuficiência da lei será punido
como culpado de denegação de justiça”.

Destarte, o MP foi também uma criação do liberalismo. Apesar dos precedentes históricos,
esta instituição tem matriz francesa. Foi dotada de um estatuto próprio e funções
heterogéneas, como garante da legalidade, nomeadamente pela acção da fiscalização dos
tribunais. Competindo-lhe o exercício da acção penal, visando a imparcialidade dos juizes que
não mais deveriam ser igualmente acusadores, a tutela os menores e o aconselhamento do
governo173.

Fruto do colonialismo português, deve-se salientar, como propugna JORGE MIRANDA174


que “A Constituição de 1933, Constituição de regime autoritário, vem aí trazer duas
modificações importantes. Deixa de falar em poder judicial, ou poder judiciário (aliás deixa
de considerar a existência de poderes do Estado, passa a falar em órgãos de soberania). Em
segundo lugar e em contrapartida, e um pouco em reacção contra aquilo que tinha sido o
constitucionalismo anterior, vem inserir no âmbito da função jurisdicional todos os tribunais
de qualquer ordem, de qualquer categoria, como órgãos de soberania”, sendo certo porém que
“(...) uma parte significativa da doutrina, encabeçada por Marcelo Caetano, continuava a
defender que os tribunais administrativos não eram órgãos do poder judicial ou verdadeiros
tribunais. Mas essa tese, pelo menos no final do tempo da vigência da Constituição de 1933,
era fortemente contestada por largos sectores da doutrina”.

172
In HOMEM, António Pedro Barbas, PINTO, Eduardo Vera-Cruz, SILVA, Paula Costa e, VIDEIRA, Susana
e FREITAS, Pedro – O perfil do juiz na tradição ocidental. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 64.
173
In HOMEM, António Pedro Barbas, PINTO, Eduardo Vera-Cruz, SILVA, Paula Costa e, VIDEIRA, Susana
e FREITAS, Pedro, op. cit., p. 65.
174
In HOMEM, António Pedro Barbas, PINTO, Eduardo Vera-Cruz, SILVA, Paula Costa e, VIDEIRA, Susana
e FREITAS, Pedro, op. cit., p. 272.

108
2. Os princípios estruturantes da actividade jurídico-decisória administrativa em Angola

No que concerne aos princípios gerais do processo contencioso, vertidos no RPCA, podemos
afirmar que as normas processuais administrativas traduzem, no seu conjunto, um rol de
princípios, que por sua vez são o suporte daquelas. Com efeito, as normas jurídicas ancoram-
se em princípios gerais de direito, consubstanciando o desenvolvimento dos mesmos. Sendo
de salientar que esta premissa, como não poderia deixar de ser, aplica-se também ao Direito
do Contencioso Administrativo.

Preconiza CREMILDO PACA175, posição por nós acolhida, que “Existem vários critérios
para classificar estes princípios”, seguindo a classificação preconizada por Vieira de Andrade,
“(...) que adopta os seguintes critérios: quanto à promoção ou iniciativa processual; quanto
ao âmbito do processo; quanto à prossecução processual; quanto à prova ou instrução e
quanto à forma processual”. (destacado nosso)

Deste modo, quanto aos princípios relativos à promoção processual, a iniciativa processual
compete aos particulares interessados nos actos administrativos a impugnar, desencadeando o
processo (princípio do dispositivo, artigo 2.º RPCA), i.e., este direito que os particulares têm
de dar o impulso processual, traduz o princípio da iniciativa ou promoção particular.

Com efeito, o artigo 3.º do RPCA determina que, em regra, têm legitimidade para demandar
no contencioso administrativo as partes interessadas, não obstante, nem sempre assim é, uma
vez que em algumas situações a iniciativa pode ser de terceiros co-interessados (cfr. alínea c)
desta norma).

Afirma CREMILDO PACA176, que o princípio da iniciativa ou promoção particular “(...)


desdobra-se em três sub-princípios, a saber: princípio do dispositivo – cabe aos particulares
desencadear ou despoletar o processo; princípio da oficiosidade ou do acusatório – a
iniciativa é pública e o Ministério Público é obrigado a demandar por se violar a Lei
Constitucional (inconstitucionalidade) e a lei ordinária (ilegalidade); acção popular – que
abrange todo o cidadão, independentemente de ser lesado ou não (...).

175
PACA, Cremildo, op. cit., p. 77.
176
PACA, Cremildo, op. cit., p. 78.

109
Quanto aos princípios relativos ao âmbito do processo ou da neutralidade judicial, no
entendimento de CREMILDO PACA177 há que ter em conta três princípios:

O princípio da vinculação do juiz ao pedido, “Conhecido também por princípio da


congruência entre a decisão e o pedido, em princípio deve haver correspondência entre o
pedido e a decisão que há-de ser tomada. Este princípio pode ser analisado em duas
dimensões: uma positiva e outra negativa. Na primeira, o tribunal tem a obrigação de apreciar
todas as questões que lhe são solicitadas – artigo 21.º [do RPCA]. Interessa aqui,
fundamentalmente, a dimensão negativa que pretende a proibição do excesso judicial. Nesta
última dimensão, o tribunal não pode apreciar ou decidir no processo senão aquilo que lhe é
solicitado pelas partes. É o pedido a causa de pedir que hão-de determinar o âmbito do
processo e o juiz não pode sair fora do que lhe é pedido”.

O princípio da limitação do juiz pela causa de pedir, de acordo com o qual, como refere o
autor, “Ao decidir (...) o tribunal pode unicamente basear a sua decisão em factos invocados
no processo”, ou seja “(...) só as razões de facto e de direito alegadas pelas partes podem
constituir fundamento da decisão que há-de ser tomada”. Porém, existem excepções, já que
“Se forem apresentados fundamentos de anulabilidade, o juiz pode, igualmente, conhecer da
nulidade, pelas mesmas razões de interesse público, por poderem ser invocados a todo o
tempo e o seu conhecimento pode ser oficioso”, aliás “Só no Processo Civil vigora até ao
extremo o princípio do dispositivo”.

E, por fim, o princípio da estabilidade objectiva da instância, em sede do qual, como afirma o
autor, “(...) o pedido inicialmente efectuado e a causa de pedir invocada devem manter-se até
à decisão final, porque delimitam a instância. O pedido e a causa de pedir que são
determinados logo no início do processo, na petição inicial ou requerimento inicial, mantêm-
se até à decisão final”. Contudo, contempla também excepções, por exemplo quando “(...) no
requerimento inicial, o demandante não alega um determinado facto, em virtude de não o
conhecer ou, então, pela circunstância de o mesmo não se ter ainda verificado (facto
superveniente). Admitindo que, no decurso do processo, o demandante vem a tomar
conhecimento desse facto, é de admitir que o possa ainda invocar”.

177
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 78-80.

110
Ora os juízes, no exercício da sua actividade, deverão observar estes princípios, como forma
de alicerce de uma decisão justa e equitativa.

No que diz respeito aos princípios relativos à tramitação do processo, CREMILDO


PACA178 aponta três princípios relativos ao decurso, condução e extinção do processo:

O princípio da tipicidade da tramitação processual, sobre o qual o autor afirma que “(...)
impõe que os trâmites e a sequência dos actos processuais devam ser fixados por lei”, i. e.,
“(...) os trâmites e a respectiva sequência devem ser determinados por lei”.

O princípio do dispositivo, em observância do qual, como entende o autor, “O nascimento,


desenvolvimento e morte do processo ficam ao critério do interesse das partes ou à sua
responsabilidade”, ou seja, “(...) compete às partes interessadas na dinamização do processo”.
Importa também “(...) excepções em que o Ministério Público tem que prosseguir com o
processo, mesmo que as partes tenham a pretensão de desistir do processo – tudo isso tem
como fundamento o interesse público – artigos 13.º, 136.º/4 e 18.º [todos do RPCA] (auto-
responsabilidade das partes)”.

E o princípio do contraditório, que se concretiza, na óptica do autor, que acompanhamos, no


facto de todos os interessados deverem “(...) participar activamente no processo, para que se
tenha uma decisão fundada, pelo que a intervenção das partes, no processo, deve ser plena, de
modo a permitir uma decisão fundamentada”. Em bom rigor, sustenta-se no direito das partes
serem ouvidas, contraditarem.

Também estes três princípios se revelam de extrema importância à boa administração da


justiça pelos tribunais, mais concretamente pelos juízes.

Já quanto aos princípios relativos à instrução processual, refere-se CREMILDO PACA179 a


três princípios:

178
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 80-81.
179
PACA, Cremildo, op. cit., pp. 82-83.

111
O princípio da investigação, que, segundo o autor, se concretiza “(...) em circunstâncias
específicas, dele decorrendo, basicamente, que os fundamentos da decisão do juiz não têm de
se limitar aos factos invocados pelas partes, uma vez que prevalece a verdade material sobre a
verdade formal”, deste modo, “(...) o juiz pode ordenar ou sugerir as diligências que achar
convenientes para a busca da verdade material (artigo 51.º [do RPCA])”. Não obstante, este
princípio tem limites, “(...) sendo que o juiz não pode violar o princípio da tipicidade da
tramitação processual e o âmbito do processo, previamente fixado pelo pedido e pela causa de
pedir”.

O princípio da limitação dos meios de prova, que configura, no entendimento do autor, que
acompanhamos, “(...) outra excepção ou desvio ao princípio do inquisitório ou da
investigação. Aqui, o juiz também está limitado quanto aos meios de prova aceitáveis”. Com
efeito, “Não se admitem todas e quaisquer provas, pelo que as provas que ofendam os direitos
fundamentais ou contrariem preceitos constitucionais não são permitidas, tais como as escutas
telefónicas não autorizadas”.

E o princípio da repartição do ónus da prova objectivo, no âmbito do qual para o mesmo


autor “Num determinado processo contencioso administrativo não funciona o ónus subjectivo,
isto é, não se consideram só os factos alegados e provados por uma das partes”.
Efectivamente, “Reparte-se o ónus da prova objectivo, o que pressupõe a repartição adequada
dos encargos e alegações, de modo a repartir o risco da falta de prova, ao invés do processo
civil em que vigora o ónus da prova subjectiva e são considerados os factos que uma das
partes prova. Pelo contrário, o juiz administrativo deve contrabalançar os factos alegados por
uma e outra parte”.

No que concerne a estes três princípios, estão directamente relacionados com a marcha do
processo, com as diligências tendentes ao apuramento da verdade material.

Por fim, no que concerne aos princípios relativos às formas processuais, CREMILDO
PACA defende180, e bem, estamos perante “(...) princípios relativos à forma e à publicidade
das decisões. Quanto ao primeiro, no contencioso administrativo não tem importância
nenhuma o princípio da oralidade, porque o processo contencioso administrativo assume

180
PACA, Cremildo, op. cit., p. 83.

112
sempre a forma escrita (artigo 105.º [do RPCA])”, não seguindo “(...) a regra da audiência,
discussão e julgamento, nem o princípio da imediação”. Por outro lado, “Quanto ao segundo
(...) as decisões dos tribunais devem ser notificadas às partes e dadas a conhecer
publicamente”. Pelo que, “Em qualquer processo, as partes devem ser notificadas dos actos
judiciais que as afectam directamente ou que lhes são destinados. Os actos judiciais que põem
fim ao processo devem ser publicados (artigo 58.º [do RPCA])”.

3. O problema do patrocínio judiciário como meio de realização das garantias dos


particulares

Conforme já acima abordado, o artigo 29.º, n.º 1 da CRA determina que: “A todos é
assegurado o acesso ao direito e aos Tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios
económicos”.

Com efeito, este direito deve ser encarado como um direito fundamental do cidadão, não lhe
podendo ser negado, apenas porque não possui os meios económicos exigidos para propor ou
contestar uma acção perante um tribunal.

À proteção jurídica do cidadão na dupla modalidade de “consulta jurídica” e “apoio


judiciário” está subjacente uma preocupação igualitária, visando banir, ou pelo menos
minorar, a situação de desvantagem em que se encontram todos quantos, cultural e sobretudo
economicamente, são mais desfavorecidos, isto no tocante ao acesso à justiça e ao direito.

Não obstante, em Angola, apesar da existência de uma Lei sobre a Assistência Judiciária
(D.L. n.º 15/95, de 10 de Novembro), o patrocínio judiciário junto dos mais necessitados não
é uma realidade efectiva, pelo que defendemos que o apoio judiciário, quer na figura da
nomeação de patrono, quer na figura da isenção total ou parcial de custas judicias, é um
campo que carece de evolução no sentido de se tornar realmente efectivo, proporcionando,
desta forma, o recurso aos tribunais a qualquer cidadão, independentemente da sua condição
sócio-económica.

Com efeito, a evolução do patrocínio judiciário que aqui defendemos deverá passar não só por
alterações legislativas, como também pelo investimento estatal em meios humanos e
logísticos que tornem real este desiderato, factor deveras importante num Estado de Direito
Democrático.

113
Capítulo V - Conclusões

1. Do contencioso administrativo português

I. A doutrina considera decisiva para marcar a história do contencioso administrativo em


Portugal a instauração, na época liberal, do princípio da separação de poderes e, com ele, do
princípio da legalidade administrativa.

II. A evolução do contencioso administrativo português deu-se, nos seus traços fundamentais,
a partir de um modelo administrativista mitigado, que transitou para um modelo quase-
judicialista e, finalmente, para um modelo judicialista puro de competência especializada.

III. Para além do Tribunal Constitucional, existem, na vigente ordem jurídico-constitucional


portuguesa, as seguintes categorias de tribunais: o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais
judiciais de primeira e segunda instância; o Supremo Tribunal Administrativo e os demais
tribunais administrativos e fiscais.

IV. O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é, ele mesmo, um direito
fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção dos direitos
fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito, razão pela qual este
princípio encerra em si mesmo um dos pilares do estado de direito democrático português.

V. As partes num processo declarativo são os sujeitos jurídicos que nele constam como autor
e como demandado. O autor é quem desencadeia o processo, formulando a pretensão perante
o tribunal, e o demandado é aquele ou aqueles contra quem a acção foi proposta e que foram
citados para contestar a petição do autor.

VI. Em regra um processo de contencioso administrativo põe frente-a-frente a Administração


Pública e particular, não obstante pode ter apenas sujeitos privados como partes, porque, por
exemplo, se trata de um particular que reage contra a conduta de outro particular a quem foi
confiado o exercício de poderes públicos e que, por isso, pratica actos que a lei equipara a
actos administrativos.

VII. Tal como sucede em processo civil, também no contencioso administrativo vale o
critério de que o processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, sendo
o processo comum aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial.

114
VIII. O processo cautelar dirige-se à obtenção de providências adequadas a assegurar a
utilidade da sentença a proferir num processo declarativo, não possuindo, por isso, autonomia,
e funcionando como um momento preliminar ou como um incidente do processo declarativo,
cujo efeito útil visa assegurar e, deste modo, ao serviço do qual se encontra.

IX. O processo cautelar e as providências a cuja adopção ele se dirige pautam-se por três
características: instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade.

X. As providências cautelares são conservatórias ou antecipatórias, havendo consequências do


regime face à distinção entre cada um destes tipos.

XI. O princípio do duplo grau de jurisdição postula que, em nome de uma efectiva garantia de
melhor justiça e protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, todas
as causas judiciais devem beneficiar da possibilidade de reexame por um tribunal superior.

XII. O CPTA distingue formalmente entre recursos ordinários: o recurso de apelação, os


recursos de revista (revista e revista per saltum para o STA) e o recurso para uniformização
de jurisprudência; e recurso extraordinário: o recurso de revisão.

XIII. A classificação doutrinária dos recursos jurisdicionais classifica-os em: recursos


substitutivos versus recursos cassatórios ou rescindentes; e recursos de reexame versus
recursos de reponderação ou de revisão.

XIV. Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal
administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido
proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais.

XV. Parte vencida é aquela a quem a decisão causa prejuízo e, por isso, a parte relativamente
à qual a decisão se mostra desfavorável, independentemente de, sendo réu, ter ou não
deduzido oposição.

XVI. No CPTA vigora a regra geral do direito ao recurso das decisões que, em primeiro grau
de jurisdição, conheçam do mérito da causa em processos de valor superior à alçada do qual
se recorre, pelo que nem todas as decisões judiciais admitem recurso.

XVII. Nos processos em que exerçam competências de primeira instância, o STA e o TCA
têm a alçada correspondente à dos TACs, que, por sua vez, é a que se encontra estabelecida

115
para os tribunais judiciais de primeira instância, estando, como tal, fixada em € 5 000.
Havendo lugar a recurso, independentemente do tribunal que tiver proferido a decisão de
mérito, se o valor da causa for igual ou superior a € 5 000,01, o que corresponde à alçada dos
tribunais de primeira instância, acrescido de € 0,01 (artigos 6.º, n.ºs. 3 e 5, do ETAF e 31.º, n.º
1 da LOFTJ).

XVIII. Os recursos têm efeitos suspensivos, devidamente salvaguardado o consagrado em lei


especial. Podendo também, atento o circunstancialismo, ter efeito meramente devolutivo.

XIX. O recurso, no prazo de 30 dias após a notificação da decisão recorrida, é interposto por
meio de requerimento, dirigido ao tribunal que a proferiu, no qual se indica a espécie, o efeito
e o modo de subida do recurso interposto e, se for caso disso, o respectivo fundamento.

XX. O MP intervém nos recursos jurisdicionais para se pronunciar sobre o mérito do recurso,
segundo um critério análogo ao previsto no artigo 85.º do CPTA.

XXI. O julgamento ampliado do recurso distingue-se do recurso para uniformização de


jurisprudência, na medida em que terá por objecto uma decisão ainda não transitada em
julgado.

XXII. No recurso de apelação o tribunal ad quem conhece tanto a matéria de facto como de
direito, constituindo-se não como um mero recurso cassatório ou rescindente mas sim como
um recurso substitutivo ou de reexame.

XXIII. O recurso de revista de decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal


Central Administrativo traduz-se na existência de um duplo grau de recurso no contencioso
administrativo português; O recurso de revista per saltum, consiste num recurso, tal como o
de revista também sobre matéria de direito, de decisões proferidas em primeira instância pelos
tribunais administrativos de círculo directamente para o STA, quando o valor da causa seja
superior a três milhões de euros ou indeterminável, salvo se disser respeito a questões de
funcionalismo público ou segurança social.

XXIV. O artigo 152.º do CPTA incluiu entre os recursos ordinários o recurso para
uniformização de jurisprudência, que de algum modo substitui o antigo recurso por oposição
de julgados tendo em conta que se admite a impugnação de uma decisão judicial transitada
em julgado.

116
XXV. Para além dos recursos ordinários, a lei admite o recurso de revisão das sentenças
transitadas em julgado, remetendo o respectivo regime para os termos da lei do processo civil,
devidamente salvaguardadas as respectivas especialidades.

XXVI. O CPTA e o ETAF foram revistos, nos termos constantes do D.L. n.º 214-G, de 2015,
de 2 de Outubro, que ainda não entrou em vigor. Não obstante, em alguns institutos, como
sejam por exemplo o das formas do processo e o respectivo regime ou o regime das
providências cautelares, as alterações são significativas.

2. Do contencioso administrativo angolano

I. A construção do contencioso administrativo angolano começou a ser evidenciada com a


entrada em vigor da LIAA, da LNPAA, do RPCA e da LSEAA.

II. Apesar da evolução legislativa que a justiça administrativa angolana tem sido alvo, é nosso
entendimento que o actual modelo de contencioso administrativo angolano carece de uma
reforma, com um intuito de concretizar os preceitos constitucionais sobre este domínio.

III. Para percebermos muitos dos problemas que vive actualmente o contencioso
administrativo angolano, é necessário olharmos para os acontecimentos históricos que
rodeiam o surgimento e desenvolvimento do Direito Administrativo.

IV. A existência do contencioso administrativo angolano dever ser compreendida


considerando três períodos distintos: O período da primeira República, proclamada a 11 de
Novembro de 1975; O período do emergir da segunda República, de 16 de Setembro de 1992
a 5 de Fevereiro de 2010, data da promulgação e publicação da CRA; E o período de 5 de
Fevereiro de 2010 até à actualidade.

V. Porém, desde a CRA de 1976 até às revisões produzidas pela Lei n.º 1/86, de 1 de
Fevereiro, e pela Lei n.º 2/87, de 31 de Janeiro, o contencioso administrativo em Angola era
uma realidade inexistente.

VI. O modelo do contencioso administrativo angolano é o objectivista, consubstanciando-se


na defesa da legalidade e do interesse público. Pelo que, o interesse público é o epicentro das
ponderações deste modelo e os tribunais, no exercício da sua actividade, limitam-se a declarar
a invalidade dos actos administrativos. Ou seja, existe um recurso do contencioso

117
administrativo por natureza, um contencioso que trata dos actos administrativos, cujas regras
resultam do RPCA.

VII. O modelo do contencioso administrativo angolano deveria de ser o subjectivista, em sede


do qual o interesse dos particulares tem um papel relevante, ou seja tem implícita a ideia de
uma protecção judicial efectiva, apresentando como seu baluarte a defesa dos interesses dos
cidadãos em detrimento da defesa da Administração Pública, i.e., tem como função a tutela
dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.

VIII. A “coabitação” de competências cíveis com competências administrativas que ocorre na


Câmara e nas Salas do Cível e Administrativo, efectivamente não abona em favor da
especialização dos juízes em qualquer uma das matérias em causa, nomeadamente, no que
concerne à matéria objecto do nosso trabalho, não existe, como deveria, especialização dos
magistrados em matéria administrativa.

IX. Para a construção do modelo do contencioso administrativo angolano, atento o respectivo


quadro jurídico-constitucional, existem duas teses: a tese das opções, na qual o legislador
ordinário tem poder discricionário na construção do modelo de contencioso administrativo; e
a tese da não efectividade, onde a tutela jurisdicional efectiva, como direito fundamental,
implica a concretização do seu conteúdo preceptivo mínimo.

X. A CRA de 1992 confirmou as alterações estabelecidas no artigo 43.º, consagrando o direito


dos particulares impugnarem e de recorrerem aos tribunais contra todos os actos que violem
os seus direitos estabelecidos constitucionalmente e na demais legislação em vigor.

XI. A CRA de 2010 reveste-se de grande significado, pelo menos em tese, para a ordem
jurídica angolana sedimentando a garantia atribuída aos cidadãos, ao assegurar-lhes o acesso
ao Direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos
(artigo 29.º), e ao estabelecer a proibição da justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos.

XII. O direito de impugnar e recorrer aos tribunais contra os actos que violem os direitos e
legítimos interesses dos particulares (artigo 29.º da CRA), visa garantir aos mesmos o acesso
ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, porém, o legislador ordinário não estabeleceu na
justiça administrativa angolana o mesmo direito, i.e., a previsão constitucional deste direito
devia ter sido introduzida na jurisdição administrativa.

118
XIII. O princípio da proibição da denegação da justiça encontra-se directamente relacionado
com o princípio da tutela jurisdicional efectiva e com o direito ao patrocínio judiciário.

XIV. O RPCA determina que têm direito a accionar a iniciativa processual para o recurso
contencioso de impugnação do acto administrativo o particular ou o representante do MP que
tenha intervindo no procedimento administrativo de reclamação ou recurso hierárquico que o
antecede.

XV. Dentro das garantias graciosas existem as garantias petitórias e as garantias


impugnatórias, destacando-se nestas últimas a reclamação, o recurso hierárquico e o recurso
tutelar.

XVI. O particular para salvaguardar os seus direitos e interesses, em sede de Direito


Administrativo, tem que primeiro recorrer à via graciosa, sem a qual não tem acesso à via
contenciosa, pois a tutela jurisdicional efectiva já prevista na CRA de 1992 e devidamente
reforçada na CRA de 2010, não se encontra concretizada, ao contrário do que acontece no
contencioso administrativo português, pelo legislador ordinário.

XVI. Dentro das garantias graciosas existem as garantias petitórias e as garantias


impugnatórias, destacando-se nestas últimas a reclamação, o recurso hierárquico e o recurso
tutelar.

XVII. Em Angola embora existam garantias contenciosas, o tribunal não tem competência
para de forma coerciva obrigar a Administração Pública à prática de um comportamento
devido, limitando-se a proceder à anulação do acto administrativo caso seja ilegal, deixando,
por isso, para plano secundário os direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos de
que os particulares são titulares, pelo que impõe-se do quadro legislativo no que a esta matéria
diz respeito.

XVIII. A figura do Provedor de Justiça como um órgão público independente, aliás


sedimentada na CRA 2010, tem por missão a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos
cidadãos, através de meios informais, junto da Administração Pública.

XIX. No que concerne à executoriedade das decisões dos Tribunais transitadas em julgado,
proferidas em sede de contencioso administrativo, o ordenamento jurídico angolano, concede
à Administração o direito de não as executar sempre que se verifiquem as seguintes situações:

119
ser impossível a execução; existir grave prejuízo para o interesse público; existirem
circunstâncias de ordem, segurança e tranquilidade públicas que obstem à execução.

XX. Os princípios estruturantes da actividade jurídico-decisória administrativa em Angola,


todos essenciais, cada um à sua maneira, para a boa administração da justiça pelos tribunais,
englobam: princípios relativos à promoção processual, princípios relativos ao âmbito do
processo ou da neutralidade judicial, princípios relativos à tramitação do processo, princípios
relativos à instrução processual, e princípios relativos às formas processuais.

XXI. O direito ao patrocínio judiciário deve ser encarado como um direito fundamental do
cidadão, não lhe podendo ser negado, apenas porque não possui os meios económicos
exigidos para propor ou contestar uma acção perante um tribunal.

XXII. Em Angola, apesar da existência de uma Lei sobre a Assistência Judiciária, o


patrocínio judiciário junto dos mais necessitados não é uma realidade efectiva, pelo que
defendemos que o apoio judiciário, quer na figura da nomeação de patrono, quer na figura da
isenção total ou parcial de custas judicias, é um campo que carece de evolução (passando
eventualmente por alterações legislativas e pelo investimento em meios humanos e logísticos)
no sentido de se tornar realmente efectivo, proporcionando, desta forma, o recurso aos
tribunais a qualquer cidadão, independentemente da sua condição sócio-económica.

120
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