Professional Documents
Culture Documents
ESTAD0'f\ de siTIO
'. '
~-' .I'!"~
EOITOR-I"L
••
Publicado originalmente por Bollati Boringhieri, 2003
STATO DI ECCEZIONE
Copyright (Ç) 2003 Giorgio Agamben SUMÁRIO
Copyrighe desta edição @ Boirempo Editorial, 2004
BOITEMPO EDITORIAL
jinkings Editores Associados Ltda.
Rua Euclides de Andrade, 27 Perdizes
05030-030 São Paulo SP
Tel.lFax: (I I) 3875-7250 I 3872-6869
e-mail: editora@boitempoeditorial.com.br
site: www.boitempoeditorial.com.br
, ~
••
1
o ESTADODE EXCEÇÃO COMO
PARADIGMA DE GOVERNO
,
,r
--
berania foi estabelecida pot.'E:ãrl:Sêhffiiwem seu livroPólitii.êltc
.
Fiflft2jpJ!jêJ(Schmitt, 1922). Embora sua famosa definição do
'--"--'--1 como '~I-'''''''--''''':''''~~-'CI'''''~''~''''>''Ifl;,
~so",e(ano a~u,e.c.. "eça13'
u"r"e:'J!~~"",tlç!'lli""s0UrOOiJ,,,,sta
tenha sido amplamente comentada e discutida, ainda hoje, con-
tudoffàlta:.um'ã~à\'lTh.esl:adm~xceção:'tf9J:lil:eitb"'púDlicó',
e tanto jutistas quanto especialistas em diteito público pate-
cem considetar o problema muito mais como uma qUCI!stiojàcti
do que como um genuíno problema jurídico. Não só a legiti-
midáde de tal teoria é negada pelos autores que, retomando a
antiga máxima de que necessitas legem non habet, afirmam que
o estado de necessidade, sobre o qual se baseia a exceção,...!b\.0
pode ter forma jurídica; mas a própria definição do termo tor-
nou-se difícil por situar-se no limite en~olítiça e O direiro.
Segundo opinião generalizada, realmente o estado de exceção
constitui um "ponto de desequilíbrio entre direito público e
fato político" (Saint- Bonnet, 2001, p. 28) que - como a guerra
civil, a insurreição e a resistência - situa-se numa "franja ambí-
gua e incerta, na intersecção entre O J~_e..a...p.olítLço)) (Fon-
tana, 1999, p. 16). A questão dos limites torna-se ainda mais
urgente: se são fruto dos períodos de crise política e, como tais,
devem ser compreendidas no terreno político e não no jurídi-
co-constitucional (De Martino, 1973, p. 320), as medidas
• 12 .. Estado de exceção o escado de exceção como paradigma de governo .. 13
excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas foi revogado, de modo que !.odo J) Terceiro Reich pode ser
jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do di- considerado, do ponto de vista jurídico, como um estado de
reito, e o estado de exceção apresenta-se como a forma lega] excecão que durou 12 anos. O totalitarismo moderno pode ser
daquilo que não pode ter forma legal. Por outro lado, se a ex- definido, nesse sentido, como a instauração, por meio do esta-
ceção é o dispositivo original graças ao qual o direito se refere à do de excecão, de uma guerra civil legal qu'e permire a elimina- Tc;fi(rrA_
vida e a inclui em si por meio de sua pr6pria suspensão, uma ção física não s6 dos adversários políticos, mas também de n",....o
T,",.afl\j4
teSina o est;do de exceçâd é, ~ntão, condição preliminarEra categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pare-
[b
objetivo de instaurar o Estado nacional~socialista" (Werner Spohr, in claramente, no detainee de Guantánamo a vida nua atinge sua.,y.
Drobisch e Wieland. 1993, p. 28). máxima indeterminação. <"
_ 1.3 O significado imediatamente Ihiopolítico -~o estado de . 'i 1.4 À incerteza do conceito corresponde exatamente a in-
..$j"c,,<'-'..ít:"J"CIJCo --~--- .-------.\.-~--- -----
BS6«árJC.oexceção_como es_tLLlrutaoriginal em que o direito inclui emsi. tl( ~ certeza terminológisa. O presente estudo se servi cá do sintagOla
. j;<> o vivente por meio de sua própria suspensão aearece claramente Cestado de exceção"7co mo termo técnicQ.jJara o conjunto cQ.e-
r
de donner p/us de jõrces et d'action à la po/ice militaire, sans qu'jf soit peut être provisoirement déclarée dans les mêmes CtlS par um arrêté du
nécessaire de mettre la place en état de sie$!" (Reinach, 1885, p, 109), gouvernement, le corps législatif étant en vacanct!s, pourvu que ce
A origem do instituto do estado de sítio encontra-se no decreto de 8 corps soit convoqué au plus court terme par un article du même arrêté.
de julho de 1791 da Assembléia Constituinte francesa, que distinguia A cidade ou a região em questão era declarada hors la constitution.
entre état de paix, em que a autoridade militar e a autoridade civil Embota, de um lado (no estado de sítio), o paradigma seja a extensão
agem cada uma em sua própria esfera; état de guerre, em que a autori-
em âmbito civil dos poderes que são da esfera da autoridade militar
dade civil deve agir em consonância com a autoridade militar; état de
em tempo de guerra. e, de outro, uma suspensão da constituição (ou
siege. em que "todas as funções de que a autoridade civil é investida das normas constitucionais que protegem as liberdades individuais),
para a manutenção da ordem e da polícia internas passam para o co-
os dois modelos acabam, com o tempo, convergindo para um único
mando militar, que as exerce sob sua exclusiva responsabilidade"
fenômeno jurídico que chamamos estado de exceção.
(ibidem). O decreto se referia somente às praças-forres e aos portos
l( A ex~ressão "plenos poder~s" (pleins po~voirs).. co...
"
m que, às vezes, se \ !"LF~~~
militares; entretanto, com a lei de 19 frutidor'" do ano V, o Diretório
caractenza o e.stado de exc~çao, refere-se a ampltaçao dos poderes go,.. .,jf. re~
assimil6u às praças fortes os municípios do interior e, com a lei do dia
18 frutidor do mesmo ano, se atribuiu O direito de declarar uma cida- ~rnamentais e, particularmente, à atribuição ao executivo 40 poder ..
de em estado de sítio. A história posterior do esta.do de sítio é a histó- de promulgar decretos com força de lei, Deriva da noção de plenitudo
potestatis, elaborada no verdadeiro laboratório da terminologia jurídi-
--
ria de sua progressiva emancipação em relação à situação de guerra_à
qual estava ligado Da origem, para ser usado, em seguida, como medi~ ca tnoderna do direito público, o direito canônico. O pressuposto aqui
-------.
da extraordinária de polícia em caso de desordens e sedições internas, é que o estado de exceção implica um retorno a um estado original
passando, assim, de efetivo 011 militar a fictício ou polític<2: Em todo "pleromatico" em que ainda não se deu a distinção entre os diversos ESíl/Od
. ~aso, é imporrante não esquecer que o euado de exceção moderno é goderes (legislativo, executivo etc.). Como veremos, o estado de exce- I<ftJO':>~;:r
uma criação da tradição democrático-revolucionária e não da rr;dição ção constitui muito mais um estado "kenomatico", um vazio de direi- -.r
absolutista. ~, e a idéia de uma indistinção e d:e uma plenitude originária do poder
A idéia de uma suspensão da constituição é introduzida pela primeira d~ve ser considerada como um "mitologema" j"rídico, análogo à idéi!!
vez na Constituição de 22 frimário [terceiro mês do calendário da de estado de natureza (não por c"i'so,foi exatamente o próprio Schmitt
primeira república francesa, de 21 de novembro a 20 de dezembro] do qu~ recorreu a esse "mitologema"). Em todo caso, a expressão "plenos
ano VIII que, no artigo 92, declarava: poderes" define uma das possíveis modalidades de ação do poder exe-
cutivo durante o estado de exceção, mas não coincide com ele.
Dans les cas de révolte à main armée ou de troubles qui menaceraient
la slcuritl de tEtat, la loi peut suspendre, dans les lieux et pour le
temps quelte détermine, l'empire de la constitution. Cette suspension 1.5 Entre 1934 e 1948, diante do desmoronamento das
democracias européias, a teoria do estado de exceção - que
havia feiro uma primeira aparição is( lada em 1921, no livro de
Frutidor, frimário e brumário, entre outros, são os nomes dos meses do Schmitt sobre a ditadura (Schmitt, 1921) - teve um momento
Calendário Republicano Francês, adotado logo ap6s a proclamação da Re-
de especial sucesso; mas é significativo que isso tenha aconteci-
pública, em 1972. O ano era composto de 12 meses de 30 dias cada um, e
os dias excedentes eram dedicados às festas republicanas. Em 180G, o ca- do sob a forma pseudomórfica de um debate sobre a chamada
lendário gregoriano voltou a ser utilizado. "d'Ira dura c.onStltllc1ona
" I".
••
18 • Estado de exceção
o estado de exceção como paradigma de governo • 19
o termo - que já é utilizado pelos juristas alemães para exce cionalment::..am&, em particular o poder de modifi-
indicar os poderes excepcionais do presidente do Reich segun- car e de anu ar, paI dect;eros,as leis em vIgor" (Tingsten,
do o art. 48 da Consrituição de Weimar (PreuG, 1923) - foi 1934, p. 13).
retomado e desenvolvido por Frederick M. Watkins ("The Dado que leis dessa natureza - que deveriam ser promulga-
'Problem of Constirutional Dicratorship", in Public Poliey 1, das para fazer face a circunstâncias excepcionais de necessidade
1940) e por Carl J. Friedrich (Consitutional Government and e de emergência - contradizem a hierarquia entre lei e regula-
Democraey, 1941) e, enfim, por Clinton L. Rossiter (Constitutio- mento, que é a base das constituições democráticas, e delegam
na! Dictatorship. Crisis Government in the Modern Democracies, ao governo um poder legislativo que deveria ser competência
1948). Antes deles, é preciso ao menos mencionar o livro do exclusiva do Parlamento. Tingsten se propõe a examinar, numa
jurisra sueco Herbert Tingsten: Les P!eins pouvoirs. L'expansion série de países (França, Suíça, Bélgica, Estados Unidos, Ingla-
despouvoirs gouvernamentaux pendant et apres la Grande Guerre terra, Itália, Áustria e Alemanha), a situação que resulta da sis-
(Tingsten, 1934). Esses livros, muito diferentes entre si e, em temática ampliação dos poderes governamentais durante a
geral, mais dependentes da teoria schmittiana do G'ue pode Primeira Guerra Mundial, quando, em muitos dàs Estados be-
parecer numa primeira leitura, são, entretanto, igual:'lente ligerantes (ou também neutros, como na Suíça), foi declarado
importantes porque registtam, pela primeira vez, a ttansforma- o estado de sítio ou foram promulgadas leis de plenos poderes.
ção dos regimes democráticos em conseqüência.da progressiva
I
O livro não vai além do registro de uma longa enumeração de
ei. ansão dos aderes do executivo durante as duas uc:=rras
I mundiais e, de mod;; mais geral, do esta o de exceção que as
exemplos; contudo, na conclusão, o autor parece dar-se conta
de que, embora um uso provisório e controlado dQs~os
havia acoml'~nhado e seguido. Eles são, de algum modo, os esta- podereª seja teorjcameUte compa~ivel com as constituiç6.es :t
fetas que anunciam o que hoje temos claramente diante dos olhos, democráticas, "ll.m exercício sistemático e regular do instituto
ou seja, que, ~ partir do momento em qu.e "o estado de exceção leva necessariamente à liquidação ~a_democraciª,' (ibidem,
[...] tornou-se a regrà' (Benjamin, 1942, p. 697), ele não só sem- p. 333). De fato, a progressiva erosão dos poderes legislativos
pre"se apresenta muito mais como uma.sécnica d~ governo do do Parlamento, que hoje se limira, com freqüência, a ratificar
q':'e como uma medida excepcional, m~ também deixa apare- disposições promulgadas pelo executivo sob a forma de de-
cer sua natureza de paradigma constitutivo da ordem jurídica. cretos com força de lei, tornou-se desde então uma prática
A análise de Tingsten concentra-se num problema técnico comum. A Primeira Guerra Mundial - e os anos seguintes _
essencial que marca profundamente a evolução dos regimes aparece, nessa perspectiva; como o laboratório em que se expe-
parlamentares modernos: a extensão dos poderes d~ execJJtLvO rimentaram se aperfeiçoaram os mecanismos e dispositivos
no âmbito legislativo por meio da.promulgacão de decretos e funcionais do estado de exceção como paradigma de governo.
ãisposições, como conseqüência da delegação contida em leis Uma das características essenciais do estado de exceção - a abo-
=di tas de "plenos poderes".
lição provisória da distinção entre poder legislativo, executivo
Entendemos por leisde plenos poderes aquelaspor meio das e judiciário - mostra, aqui, sua tendência a transformar-se em
quais s:.-atribui ao executivo um poder de regulamentação prática duradoura de governo.
• 20 • Estado de exceção o estado de exceção como paradigma de governo • 21
o livrode Friedrich utiliza, bem mais do que deixa enten- partir do momento em que o regime democrático, com seu
der, a teoria schmittiana da ditadura, a qual, no entanto, é complexo equilíbrio de poderes, é concebido para funcionar
mencionada em uma nota, de forma depreciativa, como "um em circunstâncias normais,
pequeno tratado partidário" (Friedrich, 1941, p. 812).~- em tempos de crise, o governo constitucional deve ser altera-
tinção schmittiana entre ditadura "comissárià' e ditadura so- do por meio de qualquer medida necessáriapara neutralizar o
1?j~~Ov~
berana apresenta-se aqui como oposição entre
d irad ura
"(p""
1'.1',,;"
r:
*'
r,,;,Q- -~---
~onstitucional, que se propõe a salvaguardar a ordem constitu-
cional, e ditadura inconstitucional, que leva à derrubada ~~
-----
perigo e restaurar a situação normal. Essa alteração implica,
inevitavelmente, um governo mais forte, ou seja, o governo terá
mais poder e os cidadãos menos direitos (Rossiter, 1948, p. 5).
JáIJGf0r'lfi rdem constitucional. A impossibilidade de definir e neutrali- Rossiter está consciente de que a ditadura constitucional (
(S'cW'.s17) zar as forças que determinam a transição da primeira à segun- (isto é, O estado de exceção) tornou-se, de fato, um paradigma ~
da forma de ditadura (exatamente o que ocorrera na Alemanha, je governo (a wel! estabiished principie of constitutionai govern-
por exemplo) é a aporia fundamental do livro de Friedrich, ment [ibidem, p. 4]) e que, como tal, é cheia de perigos: entre-
assim como, em geral, de toda a teoria da ditadura constitucio- tanro, é jusramente sua necessidade imanente que quer
nal. Ela permanece prisioneira do CÍrculo vicioso segundo o demonstrar. Mas, nessa tentativa. enrosca-se em contradições
qual as medidas excepcionais, que se justificam como sendo insolúveis. O dispositivo schmittiano (que ele considera trail-
'!f ) para a defesa da constitllição democrática, são aquelas 9U~ biazing, ifsomewhat occasionai e se propõe a corrigir [ibidem,
vam à sua ruína: p. 14]), segundo o qual a distinção entre ditadura "comissária"
Não há nenhuma salvaguarda institucional capaz de garan,tir e ditadura soberana não é de natqreza mas de graJl, e em que a
Jf que os poderes de emergência sej~m efetivamente usados figura dererminante é indubitavelmente a segunda, não se dei-
xa, de fato, neutralizar tão facilmente. Embora Rossiter forne-
1 do próprio
com o objetivo de' Jalvar a constituiçã<?: )56 a determinação
povo em verificar se são usados para tal fim é que ça onze crirérios para distinguir a ditadura constitucional da
pode assegurar isso [...l. As disposições quase ditatoriais dos inconstitucional, nenhum deles é capaz de definir uma dife-
sistemas constitucionais modernos, sejam elas a lei marciaL rença substancial nem de excluir a passagem de uma à outra. O
o estado de sítio ou os poderes de emergência constitucio- fato é que os dois critérios essenciais da absoluta necessidade e
nais, não podem exercer controles efetivos sobre a concen- do caráter temporário, aos quais. em última análise, todos os
tração dos poderes. Conseqüentemente, todos esses institutos outros se reduzem, contradizem o que Rossirer sabe perfeita-
cor~em o risco de serem transformados em sistemas totali~
mente, isto é, que o esrado de exceção agora tornoJl-s~a.Iegra:
tários, se condições favoráveis se apresentarem (ibidem,
"Na era atômica em que o mundo agora entra, é provável que
p. 828 e seg.).
o uso dos poderes de emergência constitucional se torne a ~e-
É no livro de Rossiter que essas aporias irrompem em con- g::a e não a exce£.ão" (ibidem, p. 297); ou de modo ainda mais
tradições abertas. Diferentemente de Tingsten e Friedrich, ele claro, no final do livro:
se propõe de forma explícita a justificar, por meio de um am- Descrevendo os governos de emergência nas democracias oci-
plo exame histórico, a ditadura constitucional. Segundo ele, a dentais, este livro pode ter dado a impressão de que as técni-
22 • Estado de exceção o estado de exceção como paradigma de governo • 23
cas de governo. como a ditadura do executivo, a delegação rados ilegais e devem, portanto, ser corrigidos por um bit! 01
dos poderes legislativos e a legislação por meio de decretos indemnity especial); naquele da constituição material, algo como
administrativos. sejam por naturezapuramente transitóriase um estado de exceção existe em todos os ordenamentos men-
temporárias. Tal impressão seria certamente enganosa [...]. cionados; e a história do instituto, ao menos a partir da Pri-
Os instrumentos de governo descritos aqui como dispositi- meira Guerra Mundial, mostra que seu desenvolvimento é
vos temporários de crise tornaram-se em alguns países,e po- independente de sua formalização constitucional ou legislati-
dem tornar-se em todos. instituições duradouras mesmo em va. Assim, na República de Weimar, cuja Constituição estabe-/
tempo de paz (ibidem, p. 313). lecia no art. 48 os poderes do presidente dó Reich nas situações ~
A previsão, feita oito anos após a primeira formula'iãQ. em que a "segurança pública e a ordem" (die iif.fentlieheSieherheit
benjaminiana na oitava tese sobre o conceito de' história,.~ und Ordnung) estivessem ameaçadas, o estado de exceção de-
indubitavelmente exata; mas as palavras que concluem O livro sempenhou um papel certamente mais determinante do que
soam ainda mais grotescas: "Nenhum sacrifício pela nossa de- na Itália, onde o instituto não era previsro explicitamente, ou
--------~~.----=
m?cracia é demasiado grande, menos ainda o..Eacrifíci.Q...t:~.:- na França, que o regulamentava pOl meio de uma lei e que,
.:t' { p~rário da própria democracia" (ibidem, p. 314). porém, recorreu amiúde e maciçamente ao état de siege e à legis-
lação por decreto.
1.6 Um exame da situação do estado de exceção nas tradi-
ções jurídicas dos Estados ocidentais mostra uma divisão - cla- . 1.7 O problema do e~adb de exceção apresenta, analogiasl *
ra quanto ao princípio, mas de fato muito mais nebulosa - eVld_e_n_te_s_c_o_m_o_d_o
_d_i_r_e_it_o_d_e_r~e~s~is~tência.
Discutiu-se muito,
entre ordenamentos que re13ulamentam O estado de exceção em especial nas assembléias constituintes, sobre a oportunida-
no texto da constituição ou por meio de uma lei. e ordena- de de se inserir o direito de resistência no texto da constituição.
mentos que preferem não regulamentar explicitamente o pro- Assim, no projeto da atual Constituição italiana, introduzira- ,
• • U f{f5I~iEt-}-
blema. Ao primeiro gnpo pertencem a França (onde-Easceu o se um artigo que estabelecla: Quando os poderes PÚbliCOS](.:r~
estado de exceção modern9, na época éiã1feYoIJlção) e a Ãie- violam as liberdades fundamentais e os direitos garanridos~ lf-'
~a; a2 segundo, a Itália, a Suíça, a Inglaterra e os EstadQs Constituição, a~sistênçia à opressão é um direito e um dever
~s. Também a doutrjna se divide, respectivamente, entre . do cidadão". Aproposta, que retomava um;-rugestão de
autores que defendem a oportunidade de uma previsão consti- Giuseppe Dossetti, um dos representantes de maior prestígio
tucional ou legislativa do estado de exceção ~ outros, dentre os da área católica, encontrou grande oposição. Ao longo do de-
quais se destaca Carl Schmitt) que c:..~iticamsem restrição a pre- bate, prevaleceu a opinião de que era impossível regular juridi-
tensão de se regular por lei o que, por definição~ Jllld-e,g:r camente alguma coisa que) por sua natureza) escapava à esfera
normatizad_o. Ainda que, no plano da constituiÇiio f;;;:;al, a do direito positivo e o artigo foi rejeitado. Porém, na Consti-
distinção seja indiscutivelmente importante (visto que pressu- tuição da República Federal Alemã, figura um ~tigo (o art. 20)
põe que, no segundo caso, os atos do governo, realizados fora i. que legaliza, sem restrições, o direito de resistência, afirmando
da lei ou em oposição a ela, podem ser teoricamente conside- que "contra quem tentar abolir esta ordem [a constituição de-
J _
•• 24 Estado de exceçao o estado de exceção como paradigma de governo'. 25
mocráticaj, rodos os alemães têm o direiro de resistência, se de sítio foi expressamente mencionado no Acte additionneL à constitui-
outros remédios não forem possíveis". ção de 22 de abril de 1815, que restringia sua declaração a uma lei.
Os argumenros são, aqui, exatamente simérricos aos que Desde então, na França, a legislação sobre o estado de sítio marca o
opõem os defensores da legalização do estado de exceção no ritmo dos momentos de crise constitucional no decorrer' dos séculos
texto constitucional ou numa lei específica aos juristas que XIX e XX. Após a queda da Monarquia de Julho, no dia 24 de junho
consideram sua regulan;;entação normativa tOta/mente inopor- de 1848 um decreto da Assembléia Constituinte colocava Paris em
tuna. Em rodo caso, é cerro que, se a resistência se rornass~ um estado de sítio e encarregava o general Cavaignac de restaurar a ordem
na cidade. Na nova constituição de 4 de novembro de 1848, introdu-
direiro ou terminantemente um dever (cujo não cumprimen-
ziu-se, pois, um artigo estabelecendo que uma lei definiria as ocasiões,
tO pudesse ser punido), não só a constituição acabariallQ.f se
as formas e os efeitos do estado de sítio. A partir desse momento, o
colocar como um valor absolutamente intangível e totalizante,
princípio que domina (não sem exceções, como veremos) na tradição
mas também as escolhas políticas dos cidadãos acabariam sen-
francesa (diferentemente da tradição alemã que o confia ao chefe do
do juridicamente normalizadas. De fato{Janto no direito de} Esrado) é o de que o poder de suspender as leis só pode caber a9---fi.cl.-/
.,y
resistência quanto no eSt~d~ exceção, ~ ~ue realmente está em prio poder que as produz, isto é. ao Parlamento. A lei de 9 de agaste!
~ jogo é o problema do slglllficado Jundlco de uma esfera,cle de 1849 (parcialmente modificada em sentido mais restritivo pela lei
\ ação em si exrrajurídic:y Aqui se opÕem duas teses: a que afir- de 4 de abril de 1878) estabelecia, conseqüentemente, que o estado de
ma que o dir~ito deve coincidir com a norma e aquela que, ao sítio político podia ser declarado pelo Parlamento (ou. suplêtivamen-
contrário, defende que o âmbito do direito excede a norma. te, pelo chefe do Estado) em caso de perigo iminente para a segurança
Mas, em última análise, as duas posições são solidárias no ex- externa ou interna. Napoleão IH recorreu com freqüência a essa lei e,
cluir a existência de uma esfera da ação humana que escape uma vez instalado no poder, na constituição de janeiro de 1852, con-
fiou ao chefe do Estado o poder exclusivo de declarar o estado de sítio.
totalmente ao direiro.
A guerra franco-prussiana e a insurreição da Comuna coincidiram com
~ Breve história do estado de exceção- Já vimos como o estado de sítio uma generalização sem precedentes do estado de exceçgo, que foi pro-
teve sua origem na França, durante a Revolução. Depois de sua insti- clamado em quarenta departamentos e, em alguns deles, vigorou até
tuição pelo decreto da Assembléia Constituinte de 8 de julho de 1791, 1876. Com base nessas experiências e depois do fracassado golpe de
ele adquire fisionomia própria de Itat de siegefictifou politique com Estado de Macmahon, em maio de 1877, a lei de 1849 foi alterada
a lei do Diretório de 27 de agosto de 1797 e. finalmente, com o de- para estabelecer que o estado de sitio podia ser declarado por meio de
creto napoleônico de 24 de dezembro de 1811 (cf. p. 15). A idéia de uma simples lei (ou, se a Câmara dos Deputados não estivesse reunida,
uma suspensão da..constituição (de rempire de la constitution) havia pelo chefe do Estado, com a obrigação de convocar as Câmaras no
sido introduzida, porém, como também já vimos, pela constituição de prazo de dois dias). em casos de "perigo iminente devido a uma guerra
22 frimário do ano VIII. O art. 14 da Charte de 1814 atribuía ao externa ou a uma insurreição armada" (lei de 4 de abril de 1878. art. I).
soberan'o o poder de "fazer os regulamentos e os decretos necessários A Primeira Guerra Mundial coincide, na maior parte dos países helio'
para a execu~s leis e a segurança do Estado"; por causa do caráter gerantes, com um estado de exceção RFrmanente. No dia 2 de agosto
vago da fórmula, Chateaubriand observava qu'il estpossibI. qu'un beau de 1914, o presidente Poincaré emitiu um decreto que colocava o pais
matin toute la Charte soit confisqule au profit de l'artic!e 14. O estado inteiro em estado de sítio e que, dois dias depois, foi transformado em
• 26 • Estado de exceção
o estado de exceção como paradigma de governo
1915, muiras das leis voradas eram, na verdade, meras delegações "os procedimentos normaiufa democracia parlamentarfo-;;'m coloca-
legislativas ao executivo, como a de 10 de fevereiro de 1918 que atri- dos em suspenso" (ibidem, p. 124). É importanre não esquecer esse
buía ao governo um poder praticamente absoluto de regular por de- contemporâneo processo de transformação das constituições demo-
cretos a produção e o comércio dos gêneros alimentícios. Tingsten cráticas entre as duas guerras mundiais quando se estuda o nascimento
observou que, desse modo, o poder executivo transformava-se, em sen- dos chamados regimes ditatoriais na Itália e na Alemanha. Sob a pres-
rido pr6prio, em 6rgão legislativo (Tingsten, 1934, p. 18). Em todo são do paradigma do estado de exceção, é toda a vida polftico-consti_
caso, foi nesse período que a legislação excepcional por meio de decre~ tucional das sociedades ocidentais que, progressivamente, começa a
to governamental (que nos é hoje perfeitamente familiar) tornou-se assun1ir uma nova forma que, talvez, só hoje tenha atingido seu pleno
uma prática corrente nas democracias européias. desenvolvimento. Em dezembro de 1939, depois que estourou a guer-
Como era previsível, a ampliação dos poderes do executivo na esfera ra, o governo obteve a faculdade de .tomar, por mei~ de._decreto. t~as
do legislativo prosseguiu depois do fim das hostilidades e é significati- as medidas necessárias' para garantir a defesa da nação. O Parlamento
vo que a emergência militar então desse lugar à emergência econômica permaneceu reunido (salvo quando foi suspenso por um mês para pri-
por meio de uma assimilação implícita entre guerra e economia. Em var da in1unidade os parlamentares comunistas), mas toda a atividade
'0'7
janeiro de 1924, num momento de grave crise que ameaçava a estabi- legislativa continuava permanentemente nas mãos do executivo. Quan-
lidade de franco, o governo Poincaré pediu plenos poderes em maréria
do o ""Wb,1 ","lo
Mmoo " ,"d,~
P,d,m,"," f,,",~
'" ,
financeira. Ap6s um duro debate, em que a oposição mostrou que isso bra de si mesmo. De toda forma, o ato constitucional de 11 :kiuIho
equivalia, para o Parlamento, a renunciar a seus poderes constitucio- de 1940 conferia ao chefe do Estado a faculdade de declarar o estado
nais, a lei foi votada em 22 de março, limitando a quatro meses os de sítio em todo o território nacio~1 (agora parcialmente ocu~ado
poderes especiais do governo. Em 1935, o governo Lavai fez votar pelo exército alemão).
medidas análogas que lhe permitiram emitir mais de cinqüenta decre- Na constituição atual, o estado de exceção é reg~o pell2. art. 16,
::.os "com força de lei" para evitar a desvalorização do franco. A oposi- desejado por De Gaulle, e esrabelece que o presidenre da República
ção de esquerda, dirigida por Léon Blum colocou-se firmemente contra tomará as medidas necessárias
essa prática "fascista"; mas é significativo que. uma vez no poder com a
quando as instituições da República. a independência da na-
Frente Popular. a esquerda, em junho de 1937. pedisse ao Parlamento
ção. a integridade de seu território ou a execução de seus com-
plenos poderes para desvalorizar o franco, fixar o controle do câmbio e
promissos internacionais estiverem ameaçados de modo grave e
cobrar novos impostos. Como já se observou (Rossirer, 1948, p. 123), imediato e o funcionamento regular dos poderes públicos cons-
isso significava que a nova prática de legislação por meio de decreto titucionais estiver interrompido.
governamental, inaugurada durante a guerra, era agora uma prática
Em abril de 1961, durante a crise argelina, De Gaulle recorreu ao
aceita por todas as forças políricas. Em 30 de junho de 1937, os pode-
art. 16, embora o funcionamento dos poderes públicos não tivesse
res que haviam sido recusados a Léon Blum foram concedidos ao go-
•, sido interrompido. Desde então, o art. 16 nunca mais foi evocado,
verno Chautemps, no qual alguns ministérios-chave foram con lados
I
mas, conforme uma tendência em ato em todas as democracias /
a não socialistas. E, no dia 10 de abril de 1938, fdouard D~
ocidentais, a declaracão do estado de exceção é progressivamente s~bs-!J!
• 28 • Estado de exceção o estado de exceção como paradigma de governo. 29
as modalidades do exerCÍciodesse poder presidencial. Dado que essa para a Prússia, expulsando O governo socialdemocrat~ de Otto Braun.
lei nunca foi votada, os poderes excepcionais do presidente permane-
ceram de tal forma indeterminados que não s6 a expressão "ditadura
presidencial" foi usada correntemente na doutrina em referência ao
O e~tado de exceção em que a Alemanha se encontrou sob a presidên-
cia de Hindenburg foi justificado por Schmjtt no plano constitucional
a partir da idéia de que o presidente agia como "guardião da constitui-
r
art. 48, como também Schmitt pôde escrever. em 1925. que "nenhu- ção" (Schmjrr 1931); mas o fim da República de Weimar mostra ao
ma constituição do mundo havia. como a de Weimar, I~ali~㺠contrário e de modo claro, que uma "democracia protegida" n;;;é
facilmente um golpe de Estadt>"(Schmitt, 1995, p. 25). uma democracia e que o parad~a ditadura constitucional fu~o-
Os governos da República, a começar pelo de Brüning, fizeram uso na sobretudo como uma fase de transição que leva fatalmente à instau-
continuado - com uma relativa pausa entre 1925 e 1929 - do art. 48, ração de um regime totalitário.
• 30 • Estado de exceção
o estado de exceção como paradigma de governo • 31
Dados esses precedentes, é compreensível que a constituição da Repú- realidade, pode-se dizer que, sob esse ângulo, a ~ayja flJocjonado (
blica Federal não mencione o estado de exceção; contudo, no dia 24 como um verdadeiro laboratório político-jurídico no qual, pouco a
de junho de 1968, a "grande coalizão" entre democratas cristãos e
social democratas vOtou uma lei de integração da constituição (Gesetz
zur Ergiinzung des Grundgesetzes) que reintroduzia o estado de exceç~o
pouco, se organizou o processo - presente também, com diferenças,
em outros Estados europeus - pelo qual o decreto-lei "de instrumento
derrogatório e excepcional_de produção normativa transformou-se em
(L'i'r
lJFLR(;TC1-
~
(definido como "estado de necessidade interna", innere Notstand). Por uma fonte ordinária de produção do direito" (Fresa, 1981, p. 156).
uma inconsciente ironia, pela primeira vez na história do instituto a Mas isso significa, igualmente, que um Estado onde os governos eram
declaração do estado de exceção era, porém, prevista não simplesmen- freqüentemente instáveis elaborou um dos paradigmas essenciais atra-
te para a salvaguarda da segurança e da ordem pública, mas para a vés do qual a democracia parlamentar se torna governamental. De todo
defesa da "constituição liberal-democrata". A democracia protegida modo, é nesse contexto que o pertenci menta do decreto de urgência
tornava-se, agora, a regra. ao âmbito problemático do estado de exceção aparece com clareza. O
No dia 3 de agosto de 1914, a Assembléia Federal suíça conferiu ao Estatuto albertino (como, aliás, a Constituição republicana em vigor)
Conselho Federal "o poder ilimitado de tomar rodas as medidas neces- não mencionava o estado de exceção. Entretanto, os governos do reino
sárias para garantir a segurança, a integridade e a neutralidade da Suí- recorreram muitas vezes à declaração do estado de sítio: em Palerma e
ça". Esse ato insólito, em virtude do qual um Estado não beligerante nas províncias sicilianas, em 1862 e 1866; em Nápoles, em 1862; na
atribuía ao executivo poderes ainda mais amplos e indeterminados que Sicília e na Lunigiana, em 1894; em 1898, em Milão e Nápoles, onde a
aqueles que haviam recebido os governos dos países diretamente en- repressão das desordens foi particularmente sangrenta e suscitou duros
volvidos na guerra, é interessante pelas discussões a que deu lugar, tanto debates no Parlamento. A declaração do estado de sítio por ocasião do
na própria Assembléia quanto por ocasião das objeções de inconstitu- terremoto de Messina e Reggio Calábria, em 28 de dezembro de 1908,
cionalidade apresentadas pelos cidadãos diante do Tribunal Federal é um caso à parte apenas aparentemente. Não só as verdadeiras razões
suíço. Com quase trinta anos de avanço em relação aos teóricos da da declaração eram de ordem pública (tratava-se de reprimir o vanda-
ditadura constitucional, a tenacidade dos juristas suíços - que tenta- lismo e os saques provocados pela catástrofe), como também, de um
ram, na ocasião, deduzir (como Waldkirch e Burckhardt) a legitimida- ponto de vista teórico, é significativo que esses excessos tenham for-
de do estado de exceção do próprio textO da constituição (segundo o necido a oportunidade a Santi Romano e a outros juristas italianos de
art. 2, "a Constituição tem por objetivo assegurar a independência da elaborarem a~c;. - sobre a qual devemos nos deter na seqüência _ da
pátria contra o estrangeiro e manter a ordem e a tranqüilidade em seu necessidade como fonte primária do direito.
interior") ou tentaram fundá-la (como Hoerni e Fleiner) sobre um Em todos esses casos, a declaração do estado de sítio decorre de um
direito de necessidade "inerente à existência mesma do Estado", ou .decreto real que, mesmo não contendo nenhuma cláusula de ratifica-
ainda (como His), sobre uma lacuna do direito que deve ser preenchi-lo ção parlamentar, sempre foi aprovado pelo Parlam~!1!O como os ou-
f.f:.. ;; d
da por disposições excepcionais - mostra que a teoria do estado fte tros decretos de urgência não concernentes ao estado de sítio (em 1923
rJé:(-F~AiZt(j-exceçãonão é de modo algum patrimônio exclusivo da tradição anti-
"""ÇNrt::" dá'
&{ e 1924, foram
de decretos-lei
transformados em lei assim, em bloco, alguns milhares
promulgados nos anos anteriores e que não foram des-
'V-r"';CIJi...f:J 00 emocr tlca.
normas com força de lei: 1) quando. para esse fim, o governo governamental. E é significativo que semelhante transformação da or-
for delegado por uma lei nos limites da delegação; 2) nos casos dem constitucional, que hoje ocorre em graus diversos em todas as
extraordinários em que razões de necessidade urgente e absolu- democtacias ocidentais, apesar de bem conhecida pelos juristas e pelos
ta o exigirem. O julgamento sobre a necessidade e sobre a ur- políticos, permaneça totalmente despercebida por parte dos cidadãos.
gência está sujeito somente ao controle político do Parlamento. Exatamente no momento em que gostaria de dar lições de democracia
Os decretos previstos na segunda alínea deveriam conter a cláusula de a culturas e a tradições diferentes, a cultura política do Ocidente não
apresentação ao Parlamento para a transformação em lei, mas a perda se dá conta de haver perdido por inteiro os princípios que a fundam.
da autonomia das Câmaras durante o regime fascista tornou a cláusula O único dispositivo jurídico que, na Inglaterra, poderia ser compara-
supérflua. do com o état de siege francês é conhecido pelo nome de r:zartial law;
Apesar do abuso na promulgação de decretos de urgência por parte trata-se, porém, de um conceito tão vago que foi possível defini-lo,
dos governos fascistas ser tão grande que o próprio regime sentiu ne- com razão, como "um termo infeliz para justificar, por meio da common
cessidade de limitar seu alcance em 1939, a Constituição republicana, iaw, os atos realizados por necessidade com o objetivo de defender a
por meio do are. 77, estabeleceu com singular continuidade que, "nos commonwea!th em caso de guerra" (Rossiter, 1948, p. 142). Entretan-
casos extraordinários de necessidade e de urgência", o governo poderia to, isso não significa que algo como um estado de exceção não possa
adotar "medidas provisórias com força de lei", as quais deveriam ser existir. A possibilidade da Cotoa de declarar a martial law limitava-se,
apresenradas no mesmo dia às Câmaras e perderiam sua eficácia se não em geral, aos Mutiny Acts em tempo de guerra; contudo, ela acarretava
fossem transformadas em lei dentro de sessenta dias, contados a partir necessariamente graves conseqiiêncjas para os civis estrangeiros que
da publicação. fossem enyolYidos na repressão armada. Assim, Schmitt tentou distin-
Sabe-se que a prática da legislação governamental por meio de decre-(
tos-lei tornou-se, desde então, a regra na Itália. Não ;6 se recorreu aos
decretos de urgência nos períodos de 2rise política, contornando assim
*" guir a martia! iaw dos. tribunais militares e do~cessos sumários
que, num primeiro momento, foram aplicados apenas aos soldados,
para concebê-la como um processo puramente fatual e aproximá-la do
o princípio constitucional de que os direitos dos cidadãos não pode- estado de exceção: rx[RcJTo tA
riam ser limitados senão por meio de leis (cf., para a repressão do terro- ~.~:~17r
~-
I
APesardo nome que leva, o direito da guerra não é, na realida-j
----~-~---. ---- ~{):r/~'f,...T
r'\..C' ••.
rismo, o decreto-lei de 28 de março de 1978, n. 59, transformado na
o( -do essencialmente
...- --_.pela necessidade
de, um direito ou umil-kL mas, antes, um procedimento guia- Gv:,-IVl)o
lei de 21 de maio de 1978, n. 191 - a chamada lei Moro -, e o decre-
v,,", .0/
fundamentais dos cidadãos (em particular, a competência dos tribu- ç~ pública [pub/ic saftty] o exigir"; mas ele não define qual é a auto-
nais militares para julgar os civis). Como na França, a atividade do ridade competente para decidir sua suspensão (embora a opinião do-
Parlamento teve um eclipse significativo durante todo o período da minante e o contexto mesmo da passagem permitam presumir que a
guerra. Entretanto. ficou demonstrado que se tratava também, para a cláusula seja dirigida ao Congresso e não ao presidente). O segundo
Inglaterra, de um processo que ia além da emergência devida à guerra, ponto conflitante está na relação entre uma outra passagem do mesmo
pela aprovação - em 29 de outubro de 1920, num período de greves e arr. 1 (que attibui ao CongressQ,o poder de deciaraCRuerra, de recru-
de tensões sociais - do Emmergency Powers Act. Realmente. seu art. 1 tar e manter o exército e a frota) e o ar,!.2, que afirma que "o presiden'l
afirma: te será o comandante-em-chefe [commander in ehie/1 do exército e da ~
Toda vez que parecer a Sua Majestade que tenha sido, ou esteja frota dos Estados Unidos".
prestes a ser, empreendida uma ação, por parte de pessoas ou de Os dois problemas atingem um limiar crítico com a guerra civil
grupos. de natureza e envergadura tais que se possa presumir (1861 - 1865). No dia 15 de abril de 1861, contradizendo o que diz o
que, perturbando o abastecimento e a distribuição de alimen- art. 1, Lincoln decretou o recrutamento de um exército de 75 mil
ros, água, carburante ou eletricidade ou ainda os meios de trans- homens e convocou o Congresso em sessão especial para o dia 4 de
porte, tal ação prive a comunidade, ou parte dela, daquilo que julho. Durante as dez semanas que transcorreram entre 15 de abril eiJ e6
é necessário à vida, Sua Majestade pode, com uma proclamação de julho, Lincoln agiu. de Jato, como um ditador absoluto (em s~;;r
(de agora em diante referida como proclamação de emergên- livro Die Diktatur, Schmitt pôde, portantO:'citá-lo como exemplo per-
cia), declarar o estado de emergência.
feito de ditadura "comissária": cf. 1921, p. 136). No dia 27 de abril,
O art. 2 da lei atribuía a His Majesty in Counci! o poder de promulgar por uma decisão tecnicamente mais significativa ainda, autorizou o
1lG r~gulamentos e de conferir ao executivo "todo o poder necessário para chefe do estado-maior do exército a suspender o writ de habeas corpus,
~ manutencão da ordem", introduzindo tribunais e~is (eourts o/ sempre que considerasse necessário, ao longo da via de comunicação
/
summary jurisdiction) par.,aos transgressore's da lei. Mesmo que as pe- entre Washington e Filadélfia, onde haviam ocorrido desordens.~
nas impostas por esses tribunais não pudessem ultrapassar três meses mada de medidas provis6rias unicamente. pelo presidente cODtinu.qu,
de prisão ("com ou sem trabalhos forçados"), o princípio do estado de aliás, mesmo depois da convocação do Congresso (assim, em 14 de
exceção acabava de ser firmemente introduzido no direito inglês. fevereiro de 1862, Lincoln impôs uma censura sobre o correio e auto-
O lugar - ao mesmo tempo lógico e pragmático - de uma teoria do rizou a prisão e detenção em cárceres militares das pessoas suspeitas de
estado de exceção na constituição norte-americana está na dialética "disloyal and treasonable practices").
entre os poderes do presidente e os do Congresso. Essa dialética foi No discurso dirigido ao Congtesso, enfim reunido no dia 4 de julho, o
historicamente determinada - e já de modo exemplar a partir da guer- presidente justificou abertamente, enquanto detentor de um poder
ra civil - como conflico relativo à autoridade suprema numa situação supremo, a violação da constituição numa situação de necessidade. As
de emergência; em termos schimittianos (e isso é certamente significa- medidas que havia adotado - declarou ele - "tenham ou não sido le-
tivo, num país que é considerado o berço da democracia), como con- gais em sentido estrito", haviam sido decididas "sob a pressão de uma
flito relativo à decisão soberana. exigência popular e de um estado de necessidade pública", na certeza
A base textual do conflito está, antes de tudo, no art. 1 da Constitui~ de que o Congresso as teria ratificado. Ele se baseava na convicção de
ção, o qual estabelece que "o privilégio do writ d;:;;;;;;ear
cf!!Pus ~ão que a lei fundamental podia ser violada, se estivesse em jogo a pr6pria ( *'
será suspenso, exceto se, em caso de rebelião ou de invasão, a seguran- existência da "oião- e da ordem jurídica ("todas as leis, exceto uma,
•
36 • Estado de exceção
/
o estado de exceção como paradigma de governo • 39
A violação mais espetacular dos direitos civis Ce ainda mais grave, por-
....1
'"
que motivada unicamente por razões raciais) Ocorreu no dia 19 de
fevereirode 1942 com a deportacãode 70 mil cidadãosnorte-ameri-
canos de origem japonesa e que residiam na costa ocidental (junta-
é contrário ao direito e, enquanto tal, juridicamente passível
de acusação, e uma subjektive Notstandstheorie (teoria subjetiva
do estado de necessidade), segundo a qual o poder excepcional
m"'ente com 40 mil cidadãos japoneses que ali viviam e trabalha~. se baseia "num direito constitucional ou pré-constitucional
E na perspectiva dessa reivindicação dos poderes soberanos do p~esi- (natural)" do Estado (Hatschek, 1923, p" 158 e seg"), em rela-
dente em uma situação de emergência que se deve considerar a decisão ção ao qual a boa fé é suficiente para garantir a imunidade
do presidente Bush de referir-se constantemente a si mesmo, a~ll jurídica.
de setembro de 2001, como o Commander in ehie(of t7ie army" Se, A simples oposição topográfica (dentro/fora) implícita nes-
'5JL- como vimos. tal titulo implica uma referência imediata ao estado d~ sas teorias parece insuficiente para dar conta do fenômeno E: "
{"CA
-,,",/'IR. ""J
" exceç:.áo,
_ Bush
_ está procurando produzir uma situação
~~ em QII'
••
..-- a_ emer-
que deveria explicar. Se o que é própriodo estado de exceção ~ ~sP~~,~
~ ..•. gência se torne a regra e em que a própria distinção
;k::E':-'Q';(e entre guerra externa, e.guerra civil mundial)
entre paz e guerra
s~ torne imposs{vel._ sa spspensão (t<;>tal
ou parcial) do ordenamento iurídico,.,~o ePo ~;.~v~
-AS.
;M
-
, poderá essa suspensão ser ainda compreendida Da ordem M""
.
legal? Como
-~
pode uma anomia ser inscrita na ordem iurídica? :7''-'
.~
"',
1.8 À diversidade das tradições jurídicas corresponde, na --~- --~--------- -------- --"-- ,~.ty~o
1.9 Uma opinião recorrente coloca como fundamento do justificativa para uma transgressão em um caso específico! +-
estado de exceção o conceito de necessidade. Segundo o adá- por meio de uma exceção.
gio latino muitO repetido (uma história da função estratégica Isso fica evidente no modo como Tomás de Aguino desen-
dos adagia na literatura jurídica ainda está por ser escrita), ne- volve e comenta ta! princípio na Summa theologica, exatamen-
cessitas legem non habet, ou seja, a pecessidade llão tem lei, o te em relação ao poder do príncipe de dispensar da lei (Prima
que deve ser enrendido em dois senridos opostOs: "a necessida- secunda!, q. 96, art. 6,. utrum ei qui subditur legi, liceat praeter
de não reconhece nenhuma Ieiu e "a necessidade cria sua pr6- verba legis agere):
pria lei" (nécessitéfàit loz). Em ambos os casos, a teoria do estado Se a observância literal da lei não implicar um perigo imedia~
de exceção se resolve integralmenre na do status necessitatis, de tO ao qual seja preciso opor-se imediatamente, não está no
modo que o juízo sobre a subsistência deste esgota o problema poder de qualquer homem interpretar que coisa é útil ou
','
da legitimidade daquele. Um estudo da estrutura e 'do signi- prejudicial à cidade; isso é competência exclusivado prínci-
ficado do estado de exceção pressupõe, portanro, uma análise pe que, num caso do gênero, tem autoridade para dispensar
do conceitO jurídico de necessidade. da lei. Porém, se houver um perigo iminente, a respeito do
O princípio de que necessitas legem non habet encontrou qual não haja tempo para recorrer a um superior, a própria
necessidade traz consigo a dispensa. porque a necessidade não
sua formulação no Decretum de Graciano, onde aparece duas
está sujeita à lei [ipsa necessitas dispensationem habet annexam.
vezes: uma primeira vez na glosa e uma segunda, no textO.
quia necessitasnon subditur legil.
A glosa (que se refere a uma passagem em que Graciano limita-
_ se genericamenre a afirmar que "por necessidade ou---IN-J A teoria da necessidade não é aqui outra coisa que uma
:•.ss:r£'í'~qua!quer outro motivo, muitas coisas são realizadas conrra ;/" tegr;a da excecão (dispensatio) em virtude da qual um caso par-
----....---7---=--_-~~--------- ticular escapa à obrigação da observância da lei. A necessidade
regri', pars 1, disto 48) parece atribuir à necessidade? oder d
tornar lícito o ilícito (si propter necessitatem aliquid fit, não é fonte de lei e tampouco suspende,!:.m sentido próprio, a
illud licite fit: quia quod non est licitum in lege, necessitasfàcit lei; ela se limita a subtrair um caso particular à aplicação literal
licitum. Item necessitas legem non habet). Mas compreende-se da norma:
melhor em que senrido isso deve ser enrendido por meio do ~ele qÜe,~so de necessidade,aj;e~o
não julga a lei, mas o caso partÍ~m
texto da lei,
que vê que a letra da ~
I
texto seguinte de Graciano (pars 111, disto 1, capo lI), o qua!
lei não deve ser observada [non iutlicat de ipsa lege,sed iudicat
se refere à celebração da missa. Depois de haver esclarecido
de casusingulari, in quo videt verba legisobservanda non esse].
que o sacrifício deve ser oferecido sobre o altar ou em um
lugar consagrado, Graciano acrescenta: "É preferível não can- O fundamento último da exceção não é aqui a necessidade,
tar nem ouvir missa a celebrá-la nos lugares em que não deve
ser celebrada; a menos ue isso se dê ar uma suprema neces-
sidade, porque a ecessidade não tem lei" (nisi pro su~
mas o princípio segundo o qual
toda lei é ordenada à ~o comum dos homens, e só por
isso tem força e razão de lei [vim et rationem legi~; à medida
I c(
necessitate contingat, quoniam necessitas legem non habet). que. ao contrário, faltar a isso, perderá sua força de obrigação
'Mais do que tornar lícito Q ilícito, a necessidade age aqui como
[virtutem obligandi non habet].
,.
;l
~..
'42 • Estado de exceção
ne~1
O estado de exceção como paradigma de governo • 43
~'~'l
sidade), mas sim, sempre, de um caso particular em que vis e obligandi (esse é o sentido do adágio necessitas legem non habet)
ratio da lei Iião se aplicam.
transforma-se naquele em que a necessidade constitui, por as-
K Um exemplo de não aplicaçãoda lei ex dispensatione misericordiae sim dizer, o fundamento último e a própria fonte da lei. Isso é
aparece em Graciano, numa passagem particular em que o canonista verdadeiro não só para os autores que se propunham a justifi-
afirma que a Igreja pode deixar de punir uma transgressão no caso em car desse modo os interesses nacionais de um Estado contra
que o ato transgressivo já tiver sido realizado (pro eventu rei: por exem- um outro (como na fórmula Not kennt kein Gebot usada pelo
I
plo. uma pessoa que não poderia aceder ao episcopado e que já foi. de chanceler prussiano Bethmann-Hollweg e retomada no livro
fato, sagrada bispo). Aqui, paradoxalmente, a lei não se aplica porque j, homônimo, de JosefKohler [1915]), mas também para os ju-
o ato transgressivo já foi efetivamente realizado e sua punição implica- , .
-
tt:~o em que fato e direito _çoincide~. , última análise, na legislação vigente e nos princípios gerais do
N Uma crítica implícita ao estado de exceção encontra-se em De
direito, e aqueles que pensam que a necessidade é um mero
monarchia, de Dante. Tentando provar que Roma conseguiu Q d...9_mí-
fato e que, portanto, os poderes excepcionais que nela se ba-
° mundo doo;;;;] seiam não têm nenhum fundamento no sistema legislativo.
.
1/if..CI'f!fj '/ ilio sobre não por meio da \violên93J
~ mas ~
'l:êr-J C1fi afirma, de fato. que é impossível alcançar o objetivo do direito (isto é.
Dante_
,
'I
Segundo Romano, as duas osiçóes - que coincidem quanto
ldentificaçao O [reIto com a e - cometem um equívoco ao 7(
à[
IP,f h
o~ _comum) sem o direito e que, p':0rranto. "quem se propõe a
alcançar o objetivo do direito, deve proceder conforme O direito desconhecerem a existência de uma verdadeira fonte de direito
[qu. icumque finem iuris intendit cum iure graditur]" (lI, 5, 22). ~a além da legislação:
..;Jf' ( de que uma suspensão do direito pode ser necessária ao bem comllm...s...
A necessidade de que aqui nos ocupamos deve ser concebida
estranha ao mundo medieval.
como uma condição de coisas que, pelo menos como regra
'I";1
4'. • Estado de exceção o estado de exceção como paradigmade governo. 45
geral e de modo conclusivo e eficaz, não pode ser disciplina- podem ser detetminadas quando ocorrem citcunstâncias em
da por normas anteriormente estabelecidas. Mas, se não há
r
que devem ser aplicadas (ibidem, p. 364).
lei, a necessidade faz a lei, como diz uma outra expressão
O gesto de AntígQn_a, que opunha aO direito escrito os
1!:' ~.: corrente; o que significa que ela mesma constitui uma verda-
-S;.[IYJK
agrapta no mina, aparece aqui em senrido inverso e é invocado
deira fonte de direito [... ]. Pode-se dizer que a necessidade é a.
fo",,-'ê para defender a ordem constituída. Mas em 1944, quando seu
f9nte primária e originária do direito, de modo que. em rela-
~ !P pais enfrenrava uma guerra civil, o velho jurisra (que já se ocu-
~&-J10 ção a ela, as outras fontes devem, de certa forma. ser conside-
;:adas derivadas [...]. É na necessidade que se deve buscar a para da instauração de fato dos ordenamentos constitucionais)
origem e a legitimação do instituto jurldico por excelência, voltou a se colocar o problema da necessidade, dessa vez em
isto é, do Estado e, em geral, de seu ordenamento constitu- relação à revolução. Se a revolução é, indiscutivelmente, um
cional, quando é instaurado como um dispositivo de fato, estado de fato que "não pode, em seu procedimento, ser regu- .,j<
por exemplo. quando de uma revolução. E aquilo que se ve- lamentado pelos poderes estatais que tende a subverter e a des-
rifica no momento inicial de um determinado regime pode truir" e, nesse sentido, é por definição "antijurldico, mesmo
também se repetir, ainda que de modo excepcional e com quando é jusJO" (Romano, 1983, p. 222), a revolução também
características mais atenuadas, mesmo depois desse regime não pode aparecer como antijurídica a não ser
ter formado e regulamentado suas instituições fundamentais do ponto de vista do direito positivo do Esrado ao qual se
(Romano, 1909, p. 362). opõe, o que não impede, do ponto de vista bem distinto se-
,<)0 O estado de excecão, enquanto figura da[necessldadêl 'P...!ec gundo o qual se define a si mesma, que seja um movimento
. !><, senta-se pois - ao lado da revolução e da instauraçãe>de fato ordenado e regulamentado por seu próprio direito. O que
ef-'lPd
"
d ..
e um ar enamento conStltucl0na
I- como uma medida "ile- significa também que ela é um ordenamento que deve ser
~?to aI", mas perfeitamente "jurídica e constItucional". que se ~- c( classificado na categoria dos ordenamentos jurídicos origi-
(./-'-' c.r:..etizana criação de novas normaS (ou de uma nova orde nários. no sentido agora bem conhecido que se atribui a essa
jurídica):
,NIOI'-1. expressão. Em ral sentido, e limitando-se à esfera evocada,
7J7Í/C o
Se é exato, como se disse, que, no estado de exceção, o fato se sidade impõe a promulgação de uma dada norma. porque,
transforma em direito ('~ urgência é um estado de fato, mas de outro modo, a ordem jurídica existente corre o risco de se
desmoronar; mas é preciso, então, estar de <l:cordo quanto ao
aqui se aplica bem o adágio epcto oritur ius" [Arangio-Ruiz,
fato de que a ordem existente deve ser conservada. Um movi-
1913; ed. 1972, p. 582]), o contrário é igualmente verdadeiro,
mento revolucionário poderá declarar a necessidade de~
ou seja, produz-se nele um movimento inverso, pelo qual O
nova norma, abolIndo os Institutos vigentes contrários às no-
direito é suspenso e eliminado de fato. O essencial, em todo
vas exigências; mas é preciso estar de acordo quan70 ~o
caso, é a produção de um patamar de indiscernibilidade ~
'
I
-I' que fàctum e ius se atenuam um ao outro.
Donde as aporias de qUe nco huma tentativa de definir a
de que a ordem existente deve ser derrubada. em conformi-
dade com essas novas exigências. Num caso como no outro
[... ] o recurso à necessidade implica uma avaliação moral
-;. ( necessida~e co~~e~ue c~e~ar ,a .a1gum res~ltado. Se a medida ou política (ou, de toda forma, extrajurídica) pela qual
de necessidade Ja e norma Jundlca e não simples fato, por que se julga a ordem jurídica e se considera que é digna de ser
deve ela ser ratificada e aprovada por meio de uma lei, como conservada e fortalecida, ainda que à custa de sua eventual
Santi Romano (e a maioria dos autores com ele) considera in- violação, Portanto, o £!incípio da necessidade é sempre, em
dispensável? Se já era direito, por que se torna caduca se não todos os casos. um princípio revolucionário (Balladore-
for aprovada pelos órgãos legislativos? E se, ao contrário, não Panieri, 1970, p. 168).
era direito mas simples fato, como é possível que os efeitos A tentativa de resolver o estado de exceção no estado de;
. jurídicos da ratificação decorram não do momento da trans- necessidade choca-se, assim, com tantas e mais graves aporias #-
formação em lei e, sim, ex tune? (Duguit observa, com razão, quanto o fenômeno que deveria e2Splicar.Não só a necessidade
que aqui a retroatividade é uma ficção e que a ratificação só se reduz. em última instância, a_ uma decisão, como t bém c(
pode produzir seus efeitos a partir do momento em que é efe- aquilo sobre o que ela decide é, na verdade, algo indecidível de
tivada [Duguit, 1930, p. 754]). fato e de direito.
Mas a aporia máxima, contra a qual fracassa, em última
N Muito provavelmente, êchmittj que se refere várias vezes a Santi
-l(, instância, toda a teoria do estado de necessidade L diz respeito à
própn~ natureiã)da necessidade, que os autores continuam, mais -
Romano em seus escritos. conhecia sua tentativa de fundar o estado de
----------~-~
exceção na necessidade como fonte originária do direito. Sua teoria da
ou menos inconscientemente, a pensar como uma situação
objetiva. Essa ingênua concepção, que pressupõe uma pura
'
so beranla orno d'eClsao
- so bre ~
~ 'b'UI ao 1"yotstan
atr1 -
d um Iugar. f(gHi/Q
{"- I
realmente funda~ental, sem dúvida comparávelao que lhe reconhe- s. 'T7T
factualidade que ela mesma criticou, expõe-se imediatamente =;o:.:c::.:~==7':":::": -------'--------''-- r~~-"", -.J"'IJM.-I, I
da Romano ao fazer dele a figura ori inária da ordem jurídica.:_!~or
às críticas dos juristas que mostram como a !}ecessidade, longe o~tro lado, divide com Romano ~ idéia de gu~ O direjto - se es ata ~
de a resentar-se como um dado ob' etivo, implica claramente ~ (não é por acaso que cita justamente Romano no contexto de
u 'uízo sub'etivo que necessárias e excepcionais são, é eviden- sua ~tica ao Rechtsstaatliberal); mas, enquanto o jurista italiano iden-
te, apenas aquelas circunstâncias que são declaradas como tais. tifica sem diferenças Estado e direito e nega, portanto, qualquer rele-
O conceito de necessidade é totalmente subjetivo, relativo ao vância jurídica ao conceito de poder constituinte, Schmitt vê no estado
objetivo que se quer atingir. Será possível dizer que a neces- de exceção precisamente o momento erp que Estado e direito mos-
•
4 S • Estado de exceção o estado de exceção como paradigma de governo. 49
tram sua irredutível diferença(no estado de exceção"o Estado conti- se uma fratura essencial entre o estabelecimento da norma e
nua a existir, enquanto o dirJto desaparece": Schmitt, 1922, p. 39) e sua apliéação e que, em caso extremo, só pudesse ser preenchi:
pode. assim, fundar no pouvoir conrritu.i1!1!... a figura extrema do estado
da pelo estado de exceção, ou seja, criando-se uma área onde
de exceção: a 15htadura soberanal
,essa aplicacão~,é suspensa, mas onde a lei, ~nguanto tal, per~a-
nece em vigor.
1.11 Segundo alguns autores, no estado de necessidade "o
juiz elabora um direito positivo de~, assim como, em tem-
pos normais, preenche as lacunas cÍodireito" (Mathiot, 1956,
p. 424). Desse modo, o problema do estado de exceção é rela-
cionado a um problema particularmente interessante na teoria
jurídica, o da';;lacunas no direito. Pelo menos a partir do art. 4
do Código Napoleão ("O juiz que se recusar a julgar, sob pre-
texto de silêncio, sentido obscuro ou insuficiência da lei, po-
derá ser perseguido como culpado de denegação de justiça"),
na maior arte dos sistemas .urídicos modernos "? juiz tem
o rigação e pronunciar um 'ul amento, mesmo diante de uma
lacuna na lei. Em analogia ao princípio dtque a lei pode ter
l~as, mas o direito não as admite, o estado de necessidade é
então interpretado como uma lac~a no direito público, a qual
o poder executivo é obrigado a remediar. ~m princípio que
diz respeito ao poder judiciário estende-se, assim, ao poder
executivo.
Mas, na verdade, em que consisre a lacúna em questão? Será
ela, realmente, algo como uma lacuna em sentido próprio? Ela
não se refere, aqui, a uma carência no texto legislativo que deve
ser reparada pelo juiz; refere-se, antes, a uma suspensão do or-
denamento vi ente ara arantir-lhe eXlstencla Longe de
responder a uma lacuna normativa, esta o e exceça apre-
senta-se como a abertura de uma lacuna fictícia no o~-
~nto, c(>mo objetivo de salvaguardar a existência da norma r
sua aplicabilidade à siwação normal. A lacuna não é interna o(
JOH , lei, mas diz res eito à sua relação com a realidade, à possi-
bilidade mesma de sua aplicação. como se o direito contives-
"
2
FORÇA DE);;Ei
I"
,
.,
,
i
I
... _-- -~----~--~~--
--~_ .. -~
'.
:1
2.1 A tentativa mais rigorosa de construir uma teoria do
estado de exceção é obra deLCarl SchmmJprincipalmente
_ 4 no
livro sobre a ditadura e naquele, publicado um ano mais tarde,
sobre a teoiogia política. Dado que esses dois livros, publica-
dos no início da década de 1920, descrevem, com uma profe-
cia por assim dizer interessada, um paradigma (uma "forma de
governo" [Schmitt, 1921, p. 151)) que não só permaneceu atual,
como atingiu, hoje, seu pleno desenvolvimento, é necessário
expor aqui as ~esesfundamentais da doutrina schmittiana do
estado de exceção.
. Antes de tudo, algumas observações de ordem terminológica. y,
No livro de 1921, o estado de exce ão é a resentado através ~./I
da figura da ditadura. Esta, que compreende em si o estado d "*
sítio, é, porém, essencialmente "estado de exce ão" e, à medid )CN'1Hr
que se aptesenta como uma "sus ensão do direito", se reduz a o( ---
problema da definição de uma "excecão concreta [...], um pro
bíema que, até agora, não foi devidamente cbnsiderado pela
doutrina geral do direito" (ibidem, p. XVII). Na ditadura, em
cu'o contexto se inscreve o estado de exceção, distinguem-se a • ,.
:t:> a ordem iuríd~ca" (Schmirr, 1922, p. 18), parece "escapar a práticas que presid~m sua realização. - i
qualquer consIderação de direito" (Schmitt, 1921, p. 137)-e Diferente é a situação da ditadura soberana que não se limi-( 11 'I,
que, mesmo "em sua consistência factual e, portanto, em sua ta a suspender uma constituição vigente "com base num direi-
substância íntima, não pode aceder à forma do direito" (ibidem, to ;-ela contemplado e, por isso, ele mesmo constitucional",
p. 175). Entretanto, para ele é essencial que se garanta uma mas visa principalmente a criar um estado de coisas em que sei #
relação com a ordem jurídica: "A ditadllra seia ela comissária torne possível impor uma ~constituição. O operador que
II1
I
~u. soberana, im~lica a referência a um co~texto jurídico" permite ancorar o estado de exceção na ordem jurídica é, nesse
(IbIdem, p. 139); O(esrado de exceça0'f sempre algo diferente caso, a distinção entre poder constituinte e poder constituído.
da anarquia e do caos_e,no sentido juridic~, nele ainda exis~ r O p.5'der constituinte ~entretanto, "uma pura e simples
uma ordem, mesmo nao sendo uma ordem Jurídica" (Schmitt, o( l questão de forca"; é, melhor dizendo, f!::'Ot-7;
1922, p. 18 e seg.). um poder que, embora não constituído em virtude de uma ~rJS7.1..TLIjAJls
O aporte especifico da teoria schmittiana é exatamente o constituição, mantém com toda constituicão vigente uma re.
de tornar possível tal articulação entre o estado de exceção e lação talgue ele aparececomo pode~ [...) ~a. '"f
a ordem jurídica. Trata-se de uma articulação paradoxal, pois ção tal que não pode ser negado nem mesmo se a constituição
o que deve ser inscrito no direito é algo essencialmente exte- vigente o negar (ibidem).
rior a ele, isto é, nada menos que a suspensão da própria or- Embora juridicamenre "disforme" (fôrmlos), ele representa "um
dem iurídic~ (donde a formulação aporética: "Em sentido mínimo de constituição" (ibidem, p. 145), inscrito em toda
I
jurídico [...], ainda existe uma ordem, mesmo não sendo uma ação politicamente decisiva e está, portanto, em condições de
oJ:dem jJlrídi£aU). '--- I garantir também para a ditadura soberana a relação entre esta-
.O ~perador d:ss~ inscrição de algo deSno direito é, em do de exceção e ordem jurídica.
Dte Dtktatur, a dIstInçãO potre normas do direito e normas d Aqui aparece de modo claro porque Schmitt pode apresen-
, realização do direito (Rechtsverwirklichung) para a ditadur~- tar, no prefácio, a "distinção capital entre ditadura comissária e
c.o~issária, e a di~tinção entre poder constituinte e poder cons- ditadura soberanà' como o "resultado substancial do livro" que
tltUldo para a dJtadura soberan~. Realmente, a ditadura co- torna o conceito de ditadura "finalmenre acessível ao trata-
•
56 .•- Estado de exceção Força de X' 57
mento da ciência do direito" (ibidem, p. XVIII). O que Schmitt corresponde à norm.a anuladª-e.~uspensa), "o soberano es!.~~.
tinha diante dos olhos era, com efeito, uma "confusão" e uma fora [steht ausserhalb] d<!..9rdemjJ1[ídiça normalmente v<ÍJidae, ~
"combinação" entre as duas ditaduras que ele não se cansa de entretanto, pertence r gehort] a ela, porgue é respon.~áyeJ ReJ.a
denunciar (ibidem, p. 215). Mas nem a teoria e a prática decisão quanto à possibilidade d" suspensão..in.totto da cOl)sti-
leninistas da ditadura do proletariado nem a progressiva exa- tuicão" (ibidem, p. 13). t'SrRlfTvRA
cerbação do uso do estado de exceçã~ na República de Weimar
-If eram figuras da velha ditadura comissátia, e, sim, algo de novo
Estar-fàra e, ao mesmo temp.0 p-,!!!!!!er: tal é a estrutura 14-
7Of()i<.Í3;r,
topológica do estado de exceção, e apenas porque o soberano ('fi 0..0
e
mais radical que ameaçava pôr em questão a própria consis- que decide sobre a exceção é, na realidade, logicamente defini- t. C'.
tência da ordem jurídico-poIíriQ, cuja relacão com o direito do por ela em seu ser, é que ele pode também ser definido pelo
if precisava, para ele, ser salva a qualquer preco.
oximoro êxtase-pertencimento.
Na Politische Theologie, ao contrário, o operádor da inscri- N É à luz dessa complexa estratégia ~e inscrição do estado de exceção
ção do estado de exceção na ordem jurídica é a distinção entre no direito que deve ser vista a relação entre Die Diktatur e Politische
dois elementos fundamentais do direito: a norma (Norm) e a Theologie. De modo geral, juristas e filósofos da política voltaram sua
-,. decisão (Entscheidung, Dezision), distinçã~ que já fora enun- atenção sobretudo para a teoria da soberania presente no livro de 1922,
ciada no livro de 1912, Gesetz und Urteil. Suspendendo a nor- sem se dar conta de que elaadquire seu sentido próprio exclusivamente
ma, o estado de exceção "revela (offenbart) em absoluta pureza a partir da teoria do estado de exceçãojá elaborada em pie Diktatur./
um elemento formal especificamente jurídico: a decisão" C? lugar e o paradoxo do conceito schmittiano de so~erania.derivam. ,;
(Schmicc, 1922, p. 19). Os dois elementos, norma e decisão; como vimos, do estado de exceção, e não o contráno. E certamente
mostram assim sua autonomia. não foi por acaso que Schmict definiu primeiro. no livro de 1921 e em
artigos anteriores, a teoria e a prática do estado de exceção e que, ape-
Como, no caso normal, o momento autônomo da decisão
nas num segundo momento, definiu sua teoria da soberania na Politische
fLqi::
, , fi pode ser reduzido a um mínimo, assim também, no caso de
.g I ~,a norma é anulada [vernichtet]. Contudo, o próprio
TheoLogie. Esta representa, indubitavelmente. a tentativa de ancorar
sem restrições O estado de exceção na ordem jurídica; mas tal tentativa
--. )~aso .de exceção lconti?ua sendo acessível ao conh~cimentõ
não teria sido possível se o estado de exceção não tivesse sido articula-
JurídICO. porque os dOIS elementos, a norma e a deCisão, per-
do anteriormente na terminologia e na conceitualidade da ditadura e.
manecem no :J.mbirodo jurídico rim Rahmen desjuristischen]
(ibidem). por assim dizer, não tivesse sido "juridicizado" pela referência à magis-
tratura romana e, depois, graças à distinção entre normas do direito e
I 00 Compreende-se agora porque, na Politische Theologie, a teoria ( normas de realização.
:orw do@tado de exceçãêi pode ser apresentada como doutrina da t;( .,
',vll s~nia. 9
sobera~, que pode ~ sobre o estado de 2.2 A doutrina schmittiana do estado de exceção procede
N::I\') ~xceção, garante sua ancoragem na ordem jurídica. Mas, en- \ estabelecendo, no corpo do direito, uma série de cesuras e divi-
~.<Jo quanto a decisão diz respeito aqui à própria anulação da nor~ sões cujos termos são irredutíveis um ao outro. mas que, pela
OE ~, enquanto, pois, o estado de exceção representa a inclusão o( sua articulação e oposição, permitem que a máquina do direi-
iõ e a <;aptura de um espaço que não está fora nem ..deptro ~c:;. to funcione.
)>-'(0"11 tJ fi>
?EI'-f :r!Xtl
58". Estado de exceção Força de JJO(. 59
, , FI, IV
Considere-se a oposição entre normas do direito e normas do de exceção a norma vige sem nenhuma referênCIaà realtdade. Po-
I
r-IOPM-<i\
de realização do direito, entre a norma e sua aplicação concre- ,J rém assim como a atividade lingüística concreta torna-se inteligível Vol-~~-S~'M
~ . • . ~~. rC{Y;JcJ;<.)
ta. A ditadura comissária mostra que o momento da aplicação pela pressuposição de algo como uma língua, a norma pode referIr-seà ~ .
é autônomo em relação à norma enquanto tal e que a norma situação normal pela suspensão da aplicação n~ estado de exceção, f!.-fIl('JtJJ.<M'
(
mo dos atos estatais expressos pelas assembléias r~tesentativas
do povo. No art. 6 da Constituição de.lZ21, flrce de loi desig-
»a, ~, a intangibilidade da lei, inclusive em relação ao so-.
mite dessa confusão é o regime nazista em que, como Eichmann
não cansava de repetir, "as palavras do Führer têmlf9rça de lei)
[Gesetzeskraft] "). Porém, do ponto de vista técnico, o aporte
*'
!;>erano,que não pode anulá-Ia nem modificá-Ia. Nesse sentido, específico do estado de exceção não é tanto a confusão entre os
~Jli a doutrina moderna distingue akficdcia da lei) que decorre de poderes, sobre a qual já se insistiu bastante, quanto o~- ,"_
modo absoluto de todo ato legislativo válido e consiste na pro-' "fi di'" I - 'I' EI d fi "d
1?ento d a srça e el em te açao a. eI. e e me um esta o fo1OR~/'ic;.t.
1tirça
I
dução de efeitos jmídicos, de leiJgue, ao contrário, é u. dalei" em que, de um lado, a norma está em vigor, pas não se nr~'.~",
conceito relativo que expressa a posição da lei ou dos atos a el o( 'Y?lica(não tem "força") e em que, de outro lado, atos que não <ir~""7R "10[
assimilados em relação aos outros atos do orden~mento jurídi- ,;.
- I dI' d' ,IC
tem va ar e el a qUlrem sua rorça.
n N . ,v.<Jf!., SE-
o caso extremo, pOiS,a <{'f<.j'Ui' I
,5,0, dotados de força superior à lei (como é o caso da constitui-' .i "força de lei" flutua como um elemento indeterminado, que.
I
I
ção) onde força inferior a ela. (os decretos e regulamentos " ~=pode ser reivindicado tanto pela autoridade estatal (agindO/o<
promulgados pelo executivo) (Quadri, 1979, p. la). . • como ditadura comissária) quanto POt uma organização~-
Entretanto, e determinante que, em sentid~ técnico, o sin- lucionária (a indo como ditadura soberana). O estado de ex- E t, :.1
tagma "força de lei" se refira, tanto na doutrina moderna quanto ceção é um es a . o onde o que está em jogo é uma ~5P,:rÇD
na antiga, não à lei, mas àqueles decretos - que têm justamen- força de lei s m lei (que deveria, portanto, ser escrita: força de ,qiQM"~ l'
te, como se diz, força de lei - que o poder executivo pode, em . Tal força de:;kJ:;em quelpotêncíã e atolestão separados de '::01'.[/1 Pe
Lf'.t
I
r;/. modo radical, é certamente algo como um elemen~,
!
alguns casos - particularmente, no estado de exceção - pro- 5~A1
mulgar. O conceito "força de lei", enquanto termo técnico do ou melhor, uma fictio por meio da qual O direito busca se atri- . Ler
Cf direito, define, pois, uma separação entre a vis Obligandi~l buir suo/própria anomia.l Como se pode pensar tal element'L
;, apliCa~ilid~d~ da nor~a e sua essência formaI,pela qual de~- t( "mísric;o" e de que modo ele age no estado de exceção é o pro-
.;5 tos, dlsposlçoes e medIdas, que não são formalmente leis, ad- blema que se deve tentar esclarecer.
:-xs quirem, entretanto, sua "força".Assim, quando, em Roma, o
'£M príncipe começa a obter o poder de promulgar atos que ren-
~r~"d
~, em ca da vez mais a valer como leis, a doutrina romana diz
que esses atos têm "vigor de lei" (Ulp. D, I, 4, I: quod principi
2.4 O conceito de aplicação é certamente uma das catego-
rias mais problemátic,;,s da teona jurídica, e não apenas dela. A
questão foi mal colocada devido à referência à doutrina kantiana
Il
placuit legis habet vigorem; com expressões equivalentes, mas do juízo enquanto faculdade de pensar o particular como con-
em que a distinção formal entre lei e constituição do príncipe tido no geral. A aplicação de uma norma seria, assim, um caso l
é sublinhada, Gaio escreve: legis vicem obtineat, e Pomponio: de juízo determinante, em que o geral (a regra) é dado e tra: tlJfL.1'"01Pi'5' _, I
pro lege servatur). o( s~he s"bSllmir o caso particular (no juízo reflexivo, . :::/u"/I
Em nosso estudo do estado de exceção, encontramos inú- contrapartida, o particular é dado e trata-se de encontrar~
meros exemplos da confusão entre atos do poder executivo e gra geral). Ainda que Kant estivesse, de fato, perfeitamente
atos do poder legislativo; tal confusão define, como vimos, uma consciente do. caráter aporético do problema e da dificuldade
das características essenciais do estado de exceção. (O caso li- de decidir concretamente entre os dois tipos de juízo (sua dou-
62 :. Estado de exceção Força de}lo(' 63
trina do exemplo como caso de uma regra que não é possível contida nela e nem pode ser dela_\kduzida, pois. de olltr<) modo,
enunciar é a prova disso), o equívoco, aqui, é que a relação não haveria necessidade de se criar o imponelJte. edifício do
entre caso e norma apresenta-se como uma operação mera- (
direito processual. Como entre a linguagem e o mundo, tam-
mente lógica.
I
bém entre a norma e sua aplicação não há nenhuma relação
Mais uma vez, a analogia com a linguagem é esclarecedora: interna que permita fazer decorrer diretamente uma da outra.
na relação entre o geral e o particular (mais ainda no caso da O estado de exceção é, nesse sentido, a abertura de um e: p"fZIj
1 7f aplicação de uma norma jurídica) não está em guestão apenas ffl em que aplicação e norma mostram sua separaç,ão ~ ~:cfyv
w- ~ subsunção lógica~ mas antes de tudo a passage:n de uma que uma$ura foç£a deWealiza (isto é, ~plica desaplicandol_ Lf ~
., pro oSlção ger dotada de um referente puramente virtual à uma norma eJJja apljcação foi suspensa. Desse modo, a união
';0 referência concreta a um segmento de-veaiJdadêj(isto é, nada i~possível entre norma e realidade, e a conseqüente constitui-
OI: menos que o problema da relação atual entre linguagem e ção do âmbito da norma, é operada sob a forma da exceção,
-¥ mundo). Essa passagem daÉEJg]{e à parole, ou do semiótico :la isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para I
semântico, não é de modo algum u~peraçã;lógica, mas fi aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender c:(
implica sempre uma atividade prática, ou seja, a assunção da :~.r(J;f sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o es-
langue por parte de um ou de vários sujeitos falantes e a apli- :::~f1r; tado de exceção marca um patamar onde lógica e práxis se; jf
cação do dispositivo complexo que Benveniste definiu como !ECf'.ss,i)n~eterminam e onde um{ PJJr:l yiolêncialsem lagos pretende pl/I/i.
função enunciativa e que, com freqüência, os lógicos tendem a 1fT" realizar um enunciado sem nenhuma referência !eaJ, ~i~
subestimar. No caso da norma jurídica, a referência ao caso "6/'f"o/:;f=R 5<=:"" -~
)Vf/ LoGor
concreto supQe-
um uprocesso » que envo Ive sempre uma p Iura- li!!. r'CIf?í<1
_I lidade de sujeitos e culmina, em última instância, na emi.$são
:li de uma sentença, ou seja, de um enunciado cuja referência
operativa à realidade é garantida pelos poderes institucionais.
Uma colocação correta do problema da aplicação exig~,
portanto, que ela seja preliminarmente transferida do âmbito
H[
ri .
J.~. i
,I
\
3
IUSTITIUM
I.
I
-,
3.1 Há um instituto do direito romano que, de certa
forma, pode ser considerado o arquétipo do moderno Aus-
nahmezustand e que, no entant~, e talvez justamente por
isso, não parece ter recebido atenção suficiente por parte dos i \
historiadores do direito e dos teóricos do direito público:
o iustitium. Visto que permite observar o estado de exceção 1I
I'
em sua forma paradigmática, nos serviremos dele aqui I I
como um modelo em miniatura para tentar explicar as apo-
rias que a teoria moderna do estado de exceção não consegue I
'. I
I
resolver.
Quando tinha notícia de alguma situação que punha em
perigo a República, o Senado emitia um senatus consultum
ultimum por meio do qual pedia aos cônsules (ou a seus subs-
titutos em Roma, interrex ou pró-cônsules) e, em alguns casos,
também aos pretores e aos tribunos da plebe e, no limite, a
cada cidadão, que tomassem qualquer medida considerada I
necessária para a salvação do Estado (rem publicam defendant,
operamque dent ne quid .respublica detrimenti capiat). Esse
I
senatus-consulto tinha por base um decreto_~ declarava o IV sr.rTtUN
tumultus (isto é, a situação de emergência em B-oma,provocada
.
-por u~a guerra externa, uma insurreição ou uma guerra civil) <I:"
e dava lugar, habjtllalmente, à proclamação de um iustitium
(iustitium edicere ou indicere).
•
,. Estado de exceção Justitium • 69
UH O termo justitium - construído exatamente mmo solstitium- designar, em outros casos, a desordem que se segue a uma insurreição
significa literalment,e 'lntermpção., suspensão do direitçL;.quan- interna ou a uma guerra civil.A única definição possívelque permite
~1m,do ius stat - explicam etimologicamente os gramáticos -~ o( compreender todos os casos atestados é a que vê no tumultus "acesura
S'L solstítíum dicítur (iustítium se:..
diz Quando o direito pára, <:.Q!lli)_ através da qual, do ponto de vista do direito público, se realiza a pos-
ID [o sol no] solstício); ou, no dizer de Aula Gellio, iuris quasi sibilidade de medidas excepcionais"(Nissen, 1877, p. 76). A relação
interstítio qucedam etcessatío (quase um intervalo e uma espécie entre bellum e tumultus é a mesma que existe, de um lado, entre guerra
e esta~(tio militar e, de outro, entre estado de exceção e estado de
de cessação do direito), Implicava, pois, uma suspensão não
apenas da administtação da justiça, mas do direito enquanto sftio político.
~ ~. É o sentido desse paradoxal instituto jurídico, que consiste
unicamente na produção de um vazio jurídico, que se deve exa- 3.2 Não deve surpreender o fato de que a reconstrução de
minar aqui, tanto do ponto de vista da sistemática do direito algo como uma teoria do estado de exceção na constituição
público quanto do ponto de vista filos6fico-político. romana sempre tenha criado dificuldades para os romanistas,
pois, como vimos, de modo geral, ela está ausente no direito
N A definição do conceito de tumultu, - particularmente em relação
público.
ao conceito de guerra (bel/um) - deu lugar a discussõesnem sempre
A posição de Mommsen a esse respeito é significativa. Quan-
pertinentes. A relaçãoentre os dois conceitosjá está presente nas fon-
res antigas como, por exemplo, na passagemdas Filippiehe (8, I) em do, em seu Romisches Staatsrecht, enfrenta o problema do senatus
que Cícero afirma que "p.ode existir uma guerra sem l11.i\.S...l1.áo_
tuffiulto .•..
consultum ultimum e o do estado de necessidade que este pres-
um tumulto sem uma guerra". Evidentemente, essa passagem não sig- supõe, não encontra nada melhor que recorrer à imagem do
nifica que o tumulto seja uma forma especial ou mais force de guerra direito de legítima defesa (o termo alemão para a legítimadefe-
(qualijieiertes,gesteigertesbel/um [cf.Nissen, 1877, p. 78]); ao contrá- sa, Notwehr, lembra o termo para o estado de emergência,
rio, introduz entre os dois termos uma diferença irredutível no mo- Notstand):
mento mesmo em que estabelece uma relação entre eles. Uma análise Como naqueles casos urgentes, em que falra a proteção da.
das passagens de Lívio [Tito Lívio] relativas ao tumultus mostra,. na comunidade, todo cidadão adquire um direito de legítima
verdade, que a causa do tumulto pode ser (mas nem sempre é) uma defesa, assim também existe um direito de ~gítima defesa
guerra externa, mas que o termo designa tecnicamente o estado de para o Estado e para cada cidadão enquanto tal, quando a
desordem e de agitação (tumultus tem afinidade com tumor, ~;;i- ':;;munidade está em perigo e a função do magistrado vem a
fica inchaço, fermentação) que resulta, em Roma, desse acontecimen- faltar. Embora se situe, em certo sentido, fora do direito
to (assim, a notícia de uma derrota na guerra contra os etruscos provoca [ausserhalb des Reehts), é necessário, contudo, tornar com-
em Roma um tumulto e maiorem quam re terrorem [Liv.lTito Lívio preensível a essência e a aplicação desse direito de legítima
10,4, 2]). Essa confusão entre causa e efeiro é evidente na definição defesa [Notwehrrecht), pelo menos na medida em que é sus-
dos léxicos: bel/um aliquod subitum, quod ob periculi magnitudinem cetível de uma exposição teórica (Mommsen, 1969, voI. I,
hostiumque vicinitatem magnam urbi trepidationem incutiebat p. 687 e seg.).
(ForcelIini). O tumulto não é a "guerra repentina", .mas a magna A afirmação do caráter extrajurídico do estado de exceção e
trepidatio que ela produz em Roma. Por isso, o mesmo termo pode à dúvida sobre a possibilidade mesma de sua apresentação te6-
•
.•. 70 • Escado de exceção fustitium • 71
rica, correspondem, na análise, hesitações e incoerências que somente como uma convocação aos magistrados para que
surpreendem numa mente como a de Mommsen, considerada exerçam com firmeza seus direitos constitucionai~l isso apa~
habitualmente mais sistemática do que histórica. Primeiramen- rece de modo ainda mais evidente na circunstância em que,
te, e.k não eyami= O iustitium ,- de cuja contigüidade com o depois do senatus-consulto motivado pela ofensiva de Aníbal,
senatus-consulto último está perfeitamente consciente _ na se- todos os ex-ditadores, cônsules e censores retomaram o
ção dedicada ao estado de necessidade (ibidem, p. 687-97) e, imperium e o conservaram até a retirada do inimigo. Como
mostra a convocação também aos censores, não se trata de
sim, na que trata do direito de veto dos magistrados (ibidem,
uma prorrogação excepcional do cargo anteriormente ocu-
p. 259 e seg.).Por Outro lado, ainda que se dê conta de que o
pado que, aliás, não poderia ter sido votado sob essa forma
senatus-consulto último se refere essencialmente à guerra civil
pelo Senado. Mais, esses senarus-consultos não podem s~r
(é por meio dele que "é proclamada a guerra civil" [ibidem,
considerados do ponto de vista jurldico-form~l: ,é a neceSSl- ~
p. 693]) e não ignore que a forma do recrutamento é diferente dade que dá o direito, e o Senado, como autondade suprem~
em cada caso (ibidem, p. 695), ele não parece distinguir entre da comunidade, ao declarar o ~ de exceção [Notstand],
tumultus e direito de guerra (Kriegsrecht). No ú1cimo volume limita-se a aconselhar que se organizem da melhor maneira
do Staatsrecht, define o senatus-consu1co ú1cimo como uma possível as defesas pessoais necessárias.
"quase-ditadura", introduzida no sistema constitucional no tem-
Mommsen lembra aqui o caso de um simples cidadão par-
po dos Gracos;. e acrescenta que, "no ú1cimo século da Repú-
ticular, Sipião Nasica, que, diante da recusa do cônsul de agir
blica, a prerrogativa do Senado de exercer sobre os cidadãos
contra Tibério Gracco em execução de um senacus-consulco
um direito de guerra nunca foi seriamente contestada" (ibidem,
u1cimo, grita: qui rem publicam salvam esse vult, me sequatur 1,
vaI. 3, p. 1243). Mas a imagem de uma "quase ditadura", que
antes de matar Tibério Graco.
será retomada por Plaumann, é enganosa, porque não só não
O imperium desses condottieri do estado ~e exceção
se tem aqui nenhuma criação de uma nova magistratura, mas,
[Notstandsftldherren]substitui o dos cônsules mais ou menos
ao contrário, todo cidadão parece investido de um imperium
como o do pretor ou do pró-cônsul substitui o imperium
flutuante e anômalo que não se deixa definir nos termos do
consular [...]. O poder conferido aqui é o poder comum de
ordenamento normal.
um comandante e é indiferente que se exerça contra o inimi-
Na definição desse estado de exceção, a perspicácia de go q~e sitia J3..-omaou contra o cidadão que se rebela [...].
Mommsen se manifesta precisamente no pOnto em que apare- Além disso, essa autoridade de comando [Commando], qual-
ci cem seus Ijmirp-s Observa que o poder de que se trata aqui exce- quer que seja~ modo como se manifest~, é ainda meno.s for-
de absolutamente os direitos COnStitUCIOnaiS dos magistr~ maliZada que o poder análogo no estado de neceSSidade
não pode ser eXaminado de tim pOnto de vista jurídico-formal. [}ktstandscommando] no âmbito militar e, como ele, desapa-
Se mesmo ~menção dos tribunos da plebe e dos governado- rece por si mesmo quando o perigo se dissipa (Mommsen,
res das pro~ncias, que são desprovidos de imp.rium ou dele 1969, vol. I, p. 695 e seg.),
dispõem apenas nominalmente - escreve ele _, impede de Na descrição dess~ Notstandscommando, em que o imperium
considerar ~.sseapelo [o que está no senarus-consulto último] flutuante e "fora do direito" de que todo cidadão parece in-
~2 • Estado de exceção
lustitium • 73
vestido, Mommsen aproximou-se o máximo que conseguiu da Quando o direito não estava mais em condições de assumir
formulação de uma reoria do estado de exceção sem, entretanto, sua tarefa suprema) a de garantir o bem comum, abando~a~
chegar a ela.
va-se o direito por medidas adequadas à situação e, .asslm
como, em caso de necessidade, ?S magistrados eram llber!!:
dos das obrigações da ~i por meio de um senatus-consulro,:
I-
3.3 Em 1877, Adolphe Nissen, professor na Universidade
de Estrasburgo, publica a monografia Das Justitium. Eine Studie em caso extremo ta~ o direito era posto de lado. Quan-
aus der romischen Rechtsgeschichte. O livro, que se propõe a anali- do se tornava incômodo, em vez de ser transgredido, era afas-
sar um "instituto jurídico que até agota passou quase despercebi- rado, suspenso por meio de um,iuJtitium (ibidem, p. 99).
do", é interessante por muitas razões. Nissen é o primeiro a ver O iustitium responde, portanto, segundo Nissen, à mesma
de modo claro que a compreensão usual do termo/iustitium! necessidade que Maquiavel exprimia sem ~est,ri7ões quando,
~ "férias judiciárias" (Gerichtsfirien) é roralmenteinsufi- no Discorsi, sugeria "romper" o ordenamento Jundlco para sal~á:-
ciente e que, no sentido técnico, também deve ser distinguido k("Porque quando, numa repúblic.a, falta se.mêlhant~ m~lO:
do significado mais tardio de "luto público". Tomemos um se as ordens forem cumpridas, ela vaI necessanamente a rUIna)
caso exemplar de iustitium - aquele de que nos fala Cícero em ou, para não ir à ruína, é necessário rompê-Ias" [ibidem, p. 138]).
Phil. 5, 12. Diante da ameaça de Antônio, que se dirige para Na perspectiva do estado de necessidade (N~tfàll), Nlssen
Roma preparado para combater, Cícero fala ao Senado com estas pode, então, interpretar O senatus consultt:'m ultz.mum, a de:la-
palavras: tumultum censeo decerni, iustitium indici, saga sumi dico ção de tumultus e o iustitium como sistematicamente llga-
ra I ' "
oportere (afirmo que é necessário declarar o estado de tumultus, dos. O consultum pressupõe o tumultus e o tumu tu: e a umca
proclamar o iustitium e estar pronto: saga sumere significa mais causa do iustitium. Essas categorias não pertencem a .esfera ~,o
ou menos que os cidadãos devem tirar suas togas) vestir-se e direito penal, mas à do direito constit~cio.nal e deSIgnam a
estar preparados para combater). Nissen tem razão ao mostrar cesura por meio da qual se decide consfltuclOnalmenre o cará,:
que rraduzir aqui iustitium como "férias jurídicas" simplesmente ter admissível de medidas excepcionais [Ausnahmemassregeln]
não teria sentido; trata-se sobretudo, diante de uma Situacão (Nissen, 1877, p. 76).
e
de exceção, de ôr de lado as obrigações impostas pela lei à ação N No s~ntagma~tE-e-na-tu-J-c-o-n-su-l~tu-m-u-l;:tz'-'m::-u::-m=-iJo
~ermo que define. s~a
dos magistrados (em particular, a interdição determinada pela especificidade em relação às outras consulta é, eVIdentemente, o adJ~tl.
Lex Sempronia de condenar à morte um cidadão romano iniussu
populi). Stillstand des Rechts, "interrupção e suspensão do direi-
vo ultimus que parece não ter recebido a devida atenção dos estudlO-
sos. Que ele assume aqui um valor técnico, fica demonstrado P,elo .fato
de que se encontra repetido tanto para defini~ a ~ituação que Justlfic~
I
,,'
to", é a fórmula que, segundo Nissen, traduz literalmente e define
o consuftum (senatus consultum ultimae necessttatts) quanto a vox ultt-
o termo iustitium. ~iustitium "suspende o direito e~tir
( ma, a convocação dirigida a todos os cidadãos para a salvação da repú-
s/isso, rodas as prescrições jurídicas são postas de lado. Nenhum
blica (qui rempublicam salvare vult, me sequatur). .
cidadão romano, seja ele magistrado ou um simples particular,
Ultimus deriva do advérbio uls, que significa "além" (oposro a m, I
i
agora tem poderes ou deveres" (ibidem, p. 105). Quanto ao obje-
aquém). O significado etimológico de ultimus é, pois: o que se en:o~- #-
tivo dessa neutralização do direito, Nissen não tem dúvidas: tra absolutamente além, o mais extremo, ULttma necessItas (ne-cedo slgm~
~~---._-~-~------- ~--_.....--------....- ~ ------ - --- - -- --~•....... ------....... -------.....
,. ,ti
-- ., .
74 Estado de exceção
"
fustitium • 75
fica. etimologicamenre. "não posso recuar") designa uma zona além da
qual não é possível refúgio nem salvação. Porém, se nos perguntarmos um ditador no cargo), não existe criação. de nenhuma nova
agora: "Em relação a que o unatus consultum ultimum se situa em tal magistratura; o poder ilimitado de gue gozam de fato i;E!ftio
dimensão de extremidade?", a única resposta poss{vel é: em relação à indicto os m;gistrados existentes resulta não da atribuiçã~
ordem jurídica que, no íustjtjum. é de fato suspensa. Senatus consu/tum um irriperium ditatorial, mas da suspensão das leis que tolhiam
ultimum e iustitium m;ucam, nesse sentido, o limite da ordem consti~ sua ação. Tanto Mommsen quanto Plaumann (1913) estão per-
tuciQnaJ romana.
feitamente conscientes disso e, por esse motivo, falam não de
K A monografia de Midde1 (1887), publicada em latim (mas os auto- ditadura, mas de "quase ditadurà'; entretanto, o "quase'." não
res modernos são citados em alemão), fica muito aquém de um só não elimina de modo algum o equívoco, como também
aprofundamento teórico do problema. Embora veja com clareza, como contribui para orientat a interpretação do instituto segundo
Nissen, a estreita relação existente entre tumultus e iustitium, Middel um paradigma claramente errôneo.
enfatiza a conttaposição fotmal entte o tumultus, que é dectetado pelo Isso vale na mesma medida para o estado de exceção mo-
Senado, e o iustitium, qu; deve ser declatado por um magistt~do, e derno. O fato de haver confundido estado de exceção e dita-
deduz disso qu~ a tesede Nissen (o iustitium como susp;nsão integr.~L dura é o limite que impediu Schmitt, em 1921, bem como
do direito) era excessiva, porque o magistrado não podia libertar-se Rossiter e Friedrich depois da Segunda Guerra Mundial, de
sozinho da obrigação das leis. Reabilitando desse modo a velha inter- I
resolvetem as aporias do estado de exceçã~. Em ambos os ca- I
Antes de tudo, o iustitium, enquanto efetua uma intertup- I,J7[ft.UPY~"Estadostotalitátios nascidos da crise das democtacias depois da Pri-
ção e uma. suspensão de toda otdem jurídica, não pode ser meira Guerra Mundial. Desse modo, Hitler, Mussolini, Franco ou Stalin
interpretado segundo o paradigma da ditaduta. Na constitui- são, indistintamente. apresentados como ditadores. Mas nem Mussolini
ção romana, o ditadot eta uma figura especifica de magisttado nem Hitler podem ser tecnicamente definidos 'como çliE!.de-!:.:rs.
Mussolini era o ~hefe do governo, legalmente investido no cargo pelo
escolhido pelos c~nsuJes, cujo imperium, extremamente am-
rei, assim como Hitler era o chanceler do Reich. nomeado pelo legíti-
plo; era conferido por uma lex curiata que definia seus objeti-
mo presidente do Reich. O gue caracteriza tanto o regime fascista guan-
vos. ~o iustitium, ::'0
cOntrátio (mesmo quando declarado por
to o n~zista é. como se_~ o fato de terem deixado subsistir as f
I"
,
7~ • Estado de exceção
lustitium • 77
,I
.....78 • Estado de exceção Iustitium • 79
Na realidade, toda a questão está mal colocada. Com efeito, do de exceção aQdireito, o que se dá com a teoria da necessida-
~fi}õnã)só se esclarece quando se considera que, à medida que de como fonte jurídica originária, e com a que vê no estado de
-.
I se produzem num vazio jurídico, os atos cometidos durante ~
iustitium são radicalmente subtraídos a toda determinação~
~ Do ponto de vista do direito, é possível classificar as
ações humanas em atos legislativos, executivos e transgressivos.
Mas, evidentemente, o magistrado ou o simples particular que
exceção o exercício de um direito do Estado à própria defesa
ou a restauração de um originário estado pleromático do_ditei- c Rim:li 4
to (os "plenos podereu. Mas igualmente falaciosas são as dou- ~//C'11f ,(0
trinas que, como a de Schmin, tentam inscrever indiretamente ~1":(,Pf'f:'.'f! .
o estado de exceção num contexto jurídico, baseando-o na cli- '''fTR£::;:;;r:
agem durante o iustitium não executam nem transgridem ne- visão entre normas de direito e normas de re;;-Üzaçãodo direi- c..o" ....;•.•P>c To
--__________
/'Vi/"'~
nhuma lei e, sobretudo, também não criam direitos. Todos os -., to, entre poder constituinte e poder constituído, entre norma =rVP.iOICc
estudiosos estão de acordo quanto ao fato de que o sendtus ;;decisão. O estado de necessidade não é um "estado do direi-
Consultum ultimum não tem nenhum conteúdo positivo:)imi- to", mas um espaco~direito (mesmo não sendo um estado
...J(- ta-se a exprimir uma opinião introduzida por uma fórmula de natureza, mas seapresenta como a ano mia que resulta da
(
~xtremamente vaga (videant consules...), que deixa o magistra- suspensão do direito).
do ou o simples cidadão inteiramente livre para agir como achar 2) Esse espaço vazio de direit parece ser, sob alguns as-
melhor e, em último caso, para não agir. Caso se quisesse, a pectos, tão essencia à ar em jutídica que esta deve buscar, por
qualquer preço, dar um nome a uma ação realizada em condi- todos os meios, assegurar uma relação com ele, como se, para V;f)i!g ::
ções de ano mia, seria possível dizer que aquele que age duranre se fundar, ela devesse manter-se necessariamente em relação ~j.;ÇVi"t.
o iustitium. não executa nem transgride, mas in executa o direi- com uma anomia. Por um lado, o vazio jurídico de que se trata ê €Snw.,ri5tq
~ Nesse sentido, suas ações são meros "fatos cuja apreciação, no estado de exceção parece absolutamente impensável pelo ~Qj.{l/""
uma vez caduco o iustitium, dependerá das circunstâncias; mas, direito; por outro lado, esse impensável se reveste, para a or-
durante o iustitium, não são absolutamente passíveis de decic dem jurídica, de uma relevância estratégica decisiva e que, de
são e a definição de sua natureza - executiva ou transgressiva e, modo algum, se pode deixar escapar.
no limite, humana, besrial ou divina - está fora do âmbito do 3) O problema crucial ligado à suspensão do direiro é o dos
direito. atos ca""metidosdurante o iustitium, cuja natureza parece esca- .]V:
l . - Jur
par a qua Iquer d efiInJçao . íd'Ica. A me d'd -
1 a que nao sao
1) O estado de exceção não é uma ditadura (co~stitucional 4) É a essa{indefinibili~a~ele a esse não-lu ar _ ue res~o~del_"~ LeI
a idéia de uma força de::k( E como se a suspensao da leI llbe- 7r' UPiWI'If
ou ~ncãr"ts~it~cional,comi~u soberana), mas um esp<lço
vazIo de dIreito, uma zona dejanomia\em que todas as deter- 1 ------. •
rasse uma forca ou um elemento místlco, uma espéCIede mana"", u'"' r
U",",J(I r:~4
c-'-<;~"'''D
mina ões 'urídicas - e, antes de tudo, a própria distinção entre Ju" rídico (a expressão é usada por Wagenvoort para definir a MJ5T.JXD
público e privado - e.stão desativadas. Portanto, são&ãJSã?to- auctoritatis romana [Wagenvoorr, 1947, p. 106]), de que tan-
das aquelas doutrinas que tentam vinculat diretamente ~~ta- to o poder quanto seus adversários, tanto o poder constituído
,J30 • Estado de exceção
j-'
'I(- "Crítica da yjglêQ&ia:Crítica do poder" (1921). Esse ensaio foi tolerar de modo algum, o que sente como uma ameaça contra <'->"'3f/TG
publicado no nº 47 da Arehiv fir Sozialwissensehaften und
Sozialpolitik, uma revista co-dirigida por Emil Lederer, então
a- qual é lmpºssíve I" tranSIgIr, é a eXIstencla
. A
.
d e uma1Q9
•
I
. IAeDGla V••.•'..l 'tN
.'1!f:JLf'-JC,j/l .
....fora do direito; não porque os filns d e t al VIa encIa selam In- ~ fo"'1,q .v
A' • • :
professor na Universidade de Heidelberg (e, mais tarde, na New o( ~atíveis com o direito,~ "pelo simples fato de sua existên O";é" rro
School for Social Research de Nova York) e que fazia parte do cia fota do direito" (Benjamin, 1921, p. 183). A tarefa da crítica
círculo de amizades de Benjamin naquele período. Ora, entre benjaminiana é provar a realidade (Bestand) de tal Yiolência:
1924 e 1927, não só Schmitt publica em Arehiv inúmeros en-
Se à violência for garantida uma realidade também além do /'
saios e artigos (entre os quais a primeira versão de Der Begrif! direito, como violênciapuramente imediata, ficará demon'S-
des Politisehen), como também, conforme mostra um exame ~igualmente a possIbilidadeda violência revolucionária, r{
minucioso das notas de rodapé e das bibliografias de seus escri- que é o nome a ser daao à suprema Tanjfp.sra~o de violência,
tos, era, no final de 1915, era um leitor regular dessa revista pura por parte do bomem (ibidem, p. 202). •
(ele cita, entre outros, o número imediatamente anterior e o '
O carater "
propno . IA . é que eI a nao
dessa VIOencla - poe
- nem
~ --''-l~
V..fOlh"'-.
.
imediatamente posterior ao fascículo em que aparece o ensaio . . . «"/. off,~
benjaminiano). ª-nquanto leitor assíduo e colaborador de
o( c~nserva 9 direltQ, 11],Q;j o:i:É~;dEntse:zu,ngdes Reehts [IbIdem]) •• o or~
e maugura, aSSim,uma nova epoca hlstonca.
Arehiv, Schmitt dificilmente deixana de notar um texto :::Õ~ No ensaio, Benjamin não nomeia o e~tado de exceção, em-
"Crítica da violência') que abordava, como veremos, questões
bora use o termo Ernstfàll que, em Schmitt, aparece como si-
para ele essenciais. O interesse de Benjamin_ pela doutriI1~ nônimo de Ausnahmezustand. Porém, um ourro termo técnico
schmittiana da soberama sempre foi considerado escandaloso do léxico schmittiano está presente no texto: Entscheidung,
(certa vez,Taubes defini~ a carta de 1930 a Schmitr como "uma
decisão. O direito, escreve Benjamin, "reconhece a decisão eS-/)CCJ'S1D
bomba que podia detonar nosso modo de representar a histó- pacial e temporalmente determinada como uma categoria 1(
ria intelectual do período de Weimar" [Taubes, 1987, p. 27]);
I
~ metafísicà' (ibidem, p. 189); mas, na realidadel a esse reconhe-
?:In o~~invertendo os termos do escândalo, tentaremos ler a teoria cimentg s6 corresponde
G'l-J
."*
;11 MJtT
fb<TfJ
sc h mIttlana
.. d a so b eranIa
miniana da violênCia.
. como uma resposta à CrItlca
.' b enla-
.
a eculiar e desmoralizante experiência da indecidibilidade
última de to os os prob emas jurídicos (die seltsame und
f*-
~4M.lN zuniichst entmutigende Erfahrung von der letztlichen
4.2 O objetivo do ensaio é garantir a possibilidade de u~ unentscheidbarkeit aller Rechtsprobleme](ibidem, p. 196).
~~ViOlênCia (o termo alemão Gewa1tsignificatambém simplesmente
I "poder") absolutamente "fora" (ausserhalb) e "além" (ienseits)
~Nit: 'çlO direito e que, como tal,poderia quebrar a dialérica entre vio-
lência que funda o direito e violência que o conserva (reehtset-
-
4.3 A doutrina da soberania que Schmitt desenvolve em
sua obra Politisehe Theologie pode ser lida como uma resposta
5CHM!IT'precisa ao ensaio benjamiciàno. Enquanto a estratégia da "Cd-I
zende und reehtserhaltendeGewalt). Benjamin chama essa outra T~W.. . A ." A '. • IA -'
~ ,... tlca da vIolencIa VIsavaa assegurar a eXIstenCIade uma VIa en- 'f
o •
\figura d violência de" uri' reine Gewalt) ou d~ivina"/e~ VJ11LElc~ia pura e aºôrnjea, para Schmitt trata-se. ao contrário. de trazer
-.. lesfera humana, de "revolucionária" O que o direito não pode fi V'" I'VIOenCIa
(t>NTt:'.rlbta I
A •
para um ç.ontexto Iun'dOICO.O esta rl Derl exceçao
• - é
'NRiDrco
-------."~ .. ~._._- -------
-~.- --~----
l'B6 • Estado de exceção Luta de gigantes acerca de um vazio • 87
o espaço em que ele procura caprurar a idéia benjaminiana de é impossível estabelecer,com absoluta~) os momentos
M::r~: uma yiolência pura e inscrever a ano mia no cor o me~mo do em g~e se CHá diante de um caso de nece~ldãa::ou reprejiE1.
~s:rVcz.?JfllZlJlJ. SegundõSChmitt,~seria possível existir uma violên- tar, do ponto de vista do conteúdo, o que pode acon_!.ecerse
P"- eia""pura,:,isto é, absolutament~do dire1ro, porgue, no es realmente se trata do caso de necessidade e de sua eljminação
~0í'I radg de exceção, eli! está incluída4'ii?,iEreito por sua própria r{ (Schmitt, 1922, p. 12);
j
~fI exclusão. O estado de exceç~o é, pois, o dis ositivo o . porém, por uma inversão estratégica, é justamente essa impos-
*' . do qual Schmitt responde à afirmacão benjaminiana de um sibilidade que funda a necessidade da decisão soberana.
ação humana jnteiramente anômica.
A relação entre os dois textos é, porém, ainda mais estrei ta. 4.4 Se forem aceitas essas premissas, então todo o herméti-
Vimos como, na Politische Theologie, Schmitt abandonou a dis- co debate entre Benjamin e Schmitt ganha um ~ significa-
tinção~e poder constituinte e poder constiruído, a qual, no do. A descrição benjami~iana do (soberano barr,ocõ? n.o (5à2€M,I(j
livro de 1921, era a base da ditadura soberana, para substituí-Ia Trauers ielbuch pode .ser ltda ares osta a teona €>JI)Rfloeo
pelo conceito de decisão. A substiruição só adquire seu sentido ~ schmittia SalT\'l~eber observ~m muita
estratégico se for considerada como um contra-ataque à crítica perspicácia como, no momento mesmo em que cita a defini"
,
ben.aminiana. A distincão entre violência que funda odireiro ção schmittiana da soberania, Benjamin introduz-lhe uma "li- .
\
~ e violência que o conserva - que era o alvo de Benjamiºc _ geira, mas decisiva modificação" (Weber, 1992, p. 152). A
corresponde de fat~ literalmente, à oposição schmittiaoa; e é concepção barroca da sobetania, escreve ele, "desenvolve-se a .J. {;.E.
para oeutra1izar a nova figura de uma violência PU[G),
pa à dialética entre poder constituinte e poder éonstiruído,
que esca-
,""",,>Jf m resposta à ,idéia benjaminiana de uma indecidibilidade ,H- incluí-lo de na ordem jurídica; ao contrário, deve c(:rOCII
~.-., !!ma de todos os problemas jurídicos que Schmitt afirma a exclUÍ-lo, deixá-I fora dessa ordem.
::s-,;;; s.:>berania como lugar .ia decisão extremgQue esse lugar não O sentido dessa modificação substancial só se torna claro
i'f:~"P4 s~a externo nem interno ao direito, que a soberania seja, desse nas páginas se uintes, graças à elaboração de uma verdadeira -/{
ponto de vista, um GrenzbegrijJ, é a conseqüência necessária teoria da 'indecisJ.o...spberana". mas exatamente aqui se faz mais
d~ tentativa schmittia!?-a de neutralizar a violência pura e ga- estreito o entrecruzamenro entre leitura e contraleitura. Se, para
rantir a relação entre a ano mia e o contexto jurídico. E assim il9
Schmitt, a,Hecis é o elo que une soberania e estado d~ J jHI1JS!I-
como a violência pura, para Benjamin, não poderia ser reco- ~o, Benjamin, de modo irômco, separa o poder soberano de g;;~:rM"!
nhecida como til! attayésde uma decisão (Entscheidung [ibidem";" ~ seu exercício e mostra ue o soberano barroco está, coosrjr,,- D&:W~
p. 203]), também para Schmitt tivamente, ~ m ossibilidade de dec! Ir. ~
.•
;; '
88 • Estado de exceção
Luta de gigantes acerca de um vazio. 89
A antítese entre poder soberano [Herrschermacht] e a f:v"J
dade de exercê-lo [Herrschvermogen]I!eu ao drama barroco entanto, a passagem subseqüente é lógica e sintaticamente coe-
~- I
:C]'5f> ~
'I/IJJ€
JL
um caráterpeculiar que, entretanto, apenas aparentemente é
típico do gênero, e sua explicação não é possível senão com
base na teoria da soberania. Trata-se da capacidadqJç.drciclir
do tirano [Entschlussflihigkeit].O príncipe, que detém poder
d e d eCI
'd'Ir 50bre o estado de exceção,
-<;
mostra, na primelríil
cf
rente com a lição original; "e exatamente por isso [há] um
mecanismo que reúne e exalta toda criatura. terrena antes de
entregá-la a seu fim [dem Ende]". O barroco conhece um ~~~
Ieschaton,\ umÇ[m do tempo1)mas, como Benjamin esclarece -J6.
~ediatamençe, .esse es~hl1tQn. é vazio, não conhece redenção %:f'c;
~'"
=
f'1I1JS",: IV
'<JY~L
'd d d . -
~{?rtunJ a e, que a eClsao para ele é~
'R:r~1N:. (, Idem, p. 250). .
.
Imposslvel nem além e permaHece imapente 90 séc!Jlo: ~ri fi-
O além é vazio de tudo o gue tem o menor sinal de um sopro Vf\l r.ro I S@v1.
A cisão entr: o poder sobermo e seu exercícjo corresponder ~ terrena, e o barroco lhe retira e se a.propriade uma R~O£""/fd:i(;
exa:ament~ à .CISãoentre normas do direito e nõrmas de realj-
zaçao do dIreIto, a Q!1al, no livro Die Diktatur, era a base da
'¥ 'quantidade de coisas que escapavam tradicionalmente a toda "*
figuração e, em seu apogeu, ele as exibe claramente para que
ditadura comissária. Ao contra-ataque comque Schmirr _ ao o céu, uma vez abandooaeJQ,vazio de seu conteúdo, este'a c
responder, na obra Politische Theologie, à crfrica benjaminiana um dia em condiçÕes ~e aniquilar a terra com ca asrró IC o(
da dialética entre poder constituinte e poder constitufdo _ havia -r violênciaf(ibidem).
introduzido o conceito de decisão, Benjamin responde criti- É essa "escatologia branca" - que não leva a terra a um além E.~, 6e-<D
cando à distinção scbmirriana _entre a/norma t
suafealizaçãiJ redimido, mas a entre a a um céu absolutante vazio _ que V<> MSTl'Jfê
O soberano, que, a cada vez, deveria decidi r a respeito da exce- configu7a o sta o deexce ao do barroco como catástrofe. E é I,
ª
~, é precisamente Q 'ugªr ,m gue [[gnu] qpe divid; o corpo
'l:clCh do direito se torna irrecuperáv$,l: entre Mqcbte Vénn.zgen, enw:..
ainda essa escatologia branca que quebra a correspondência
entre soberania e transcendência, entre monarca e Deus que !)6N-,.r~
(*=í:~
-,tt- o poder e seu exercicio, abre-se uma distância que nenhuma definia o reo!Ógjco-PO!£tiso schmittiÇlno. Enquanto neste últi- €~/'I?:F
decisão é ca az de preencher.
mo "b
050 erano []... é I'd entl'fiIcad o com D eus e ocupa no Es tad o G
<;'çef'~"/.r.Q
WA",st.
Por isso, por meio e um novo deslocamento, o paradigma exatamente a mesma posição que, no mundo, cabe ao deus
*' ro. Onde o texto ben 'aminiano dizia: Es gibt eine barocke
Eschatofogie, "há uma escatolo ia ba ca, os editores, com
singular desprezo pela preocupação filológIca, corrigiram para:
lei que está em vigor em sua suspensão: ele é, antes, uma zona :f"OEr(f<"JN,q.
de absoluta inderermjoacãs> meLanomia e direito,? em que ~ p",-;
é-'rl1ê
IPB.SC1L fi i.q
f!:
.\
.~
'''':'-90• Estado de exceção
t
~
Luca de gigances acerca de um vazio • 91
~ ~o
4.5 O documento decisivo no dossiê Benjamin-Schmitt é, í \{-e-s-ta-d~o-d"e-ex-c-e-ç-::ã:lJ-
que visa a tornar norma aplicável suspen- t:. 6.
certamente, a oitava tese sohre o conceito de história, escrita •. cC dendo. provisoriamente, sua eficácia. Quando a exceção se torna
por Benjamin poucos meses antes de sua morte. "A tradic;ão l' -9 a regra, aLmáqujnalnão pode mais funcionar. Nesse sentido, a
dos oprimidos" -leiamos aqui _
\ indiscernjbilidade.entre norma e exceção, enunciada na oit'!Ya
nos ensina que o 'estado de emergência: em ue vivemos tOf- tese, deixa a teorja schmittiana em situacão difícil. A decisão
--
!!.9!J-sea regra. Devemos chegar a um conceito d
f-.rl"
I Do ponto de vista schmjtriaDo, O funcionamento da ordem
jurídica baseia-se, em tftrima instâDci~, em um dispositivo ~
contra Schmitt. Uma vez excluída qualquer possibilidade de ~:r<::r:rCl<>
um estado de exceção. fictício, em que exceção e caso normal
Tr~ '" T"_Ir'_~ , __
~•..92 • Estado de exceção Luta de gigantes acerca de um vazio. 93
e-r:rvc>
são distintos no tem o e o es a o, efetivo é agora o estado de estratégia da exceção, que deve assegurar a relação enrre vio-
exceçã "em 'vemos" e que é absolutamente indiscernível lência anômica e direito.
_da regra. Toda ficção de um elo entre violênci~' direito desa- o( "
direito.
.
Em se~ lugar,
aparecem agora guerra civil e violência revolucionária isto é
' -'
uma açao humana que renunCiOUa qualquer relacão com o r
-/
sobre um espaco vazio: a!!2!I!La,vacuum jurídico de um lado e,
de outro, ser Ruro, vazio de toda determinaçã<:, e de rodo
p'redicado real. Para o direito, esse espaco vazio é o esrado de
excecão coinormmensã~wnstiruti¥ relação 'entre norma e
realidade implica a ~uspensão da norma, assim como, na onto-
I FSMp
Vfi;;..-o
"ll6-£~
Jt. .
, 4.6 O que está em jogo no debate entre Benjamin e Schmitt logia, a relacão enrre linguagem e mundo implica a suspensão
sobre o estado de exceção pode, agora, ser definido mais clara- 'da deriotacão..sob a 'forma de uma langue. Mas o que é igual-
mente. A discussão se dá numa mesma~ona de anomia)que, de mente essencial para a ordem jurídica é que essa zona - onde
um lado, deve ser mantida a todo custo em relação com o di-
reito e, de outro, deve ser também implacavelmente libertada
se situa uma ação humana sem relação com a norma - coinCide
com uma f!gura extrema e espectral do direito, em que ele se
divide em uma eura vigênCia sem aplicarão. ia forma de lei) e
IPV~f"'.
oto ~
~~
'*
d>I1[11 :] dessa relação. O que está em uestão na zona de ano mia é, f€I«
~õ pois, a relação. e~tre. violência, e. direito - em última aná lse, em uma avlicacão sem vigência: a força de)e( I'/fUCI/(ii,
.!
bJcJ/I o estarut~ da v19lencla como codlgo da acão humana. Ao gesto
lJf'EJ11J de Schmm que, a cada vez, tenta reinscrever a violência no mais complexa do que até agora havíamos enrrevisto e a posi-
contexto jurídico, Ben'amin re; onde rocurando, a cada vez, ção de cada uma das duas partes que lutam nele e por ele está
~ 3::ssegllrarª ela - como iolência ur - ~ existência fora do , ainda mais imbricada na posição da outra. E como, numa par-
A 'direito. rida, a vitória de um dos dois jogadores não é, em relação ao
Por razões que devemos tentar esclarecer, essa luta pela jogo, algo como um estado originário a ser restaurado, mas é
anomia Rarece ser, para a política ocidental, tão deCisiva quan- apenas a aposta, ue não ré-existe ao jogo mas dele resulta,
cr
A'
t~ aquela 'gantomachia peri tes ousias, aquela outra~ luta de assim também violência pur - que é o nome dado por Ben-j ~:roLt',..Jq~
JT0'?:iéI/f, tganres acerca o ser que define a metafísica ocidenral. Ao jamin à a ã umana que não fuoda nem conserva o direito _ ;R/i
~ ser puro, à pura existência en uanto a os ta metafísica última não é uma figura originária ~(agir humanÕ} que, em certo
responde aqui Via orno objeto político extremo: momento, é capturada e inscrita na ordem jurídica (do mesmo
~ "coisa" da política; à estratégia onro-teo-Iógica; desti- modo como não existe, para o falanre, uma realidade pré-l in- /
nada a capturar o ser puro nas malhas do logos, responde a güística que, num cerro momento, cai na linguagem). Ela é
"54 • Estado de exceção Luta de gigantes acerca de um vazio. 95
apenas o que está em jogo no cqnfljto sobre o estado de exce- a justiça'. Também o critério da "pureza" da violência residirá,~~
-I<. ção, o que resulta dele e, so~ente desse mo~, j?ressupostoé pois, em sua relação com o direito (o tema da justiça no ensaio
ao direito. ---- ..- ~
é tratado, na verdade, apenas em relação aos fins do direito).
A tese de Benjamin é que, enquanto a violência m(tico-
. 4.7 Muito mais importante é entender corretamente o sig- jurídica é sempre unimeI?relativo a um fim'3 violência P''B ~~'1j",rJl1
mficado da expressão reine Gewalt, violência pura, como ter- j nunca é simplesmente um meio -legítimo ou ilegítimo - ~ ~C/p i
( tivo a um fim (J'usto ou injusto}. A crítica da violência não a s.[I't'«"O'(O,,_
mo técnico essencial do ensaio benjaminiano. O que significa "I
.••.~---~- .. - Te v,..,
aqui a palavra "pura'? Em janeiro de 1919, ou seja, um ano avalia em relação aos fins que ela persegue como meio, mas ':::"''::''0
antes da redação de seu ensaio, Benjamin - numa carta a Ernst busca seu critério "numa distinção na própria esfera dos
Schoen que retoma e desenvolve motivos já elaborados em um meios, sem preocupação quanto aos fins que eles perseguem"
~I~
artigo sobre Stifer - define com cuidado o que entende por (Benjamin, 1921, p. 179).
"pureza' (Reinheit): Aqui aparece o tema - que no texto brilha apenas um ins-
um err~ pressupor, em aJgum Jugar, uma pureza ~9uecon-
tante, suficiente, contudo, para iluminá-lo por inteiro - da
SIste em SI mesma e qu~deve ser preserv:lcla [... ]. A pureza de 1~%?At4- violência como\"meio pur07isio é, como figura de uma par:: "t"
f'IJIl£i8A um serJnunca ~ in~ondieionadae absoI;: é sempre subordi- °1e1 doxal "medialidade sem fins": isto é, um meio que, permane-
nada a uma cond[ç~9. Esta condição é diferente segundo o {P'$" cendo como tal, é considerado independentemente dos fins
ser de cuja purezãse trata; mas nunca reside no próprio ser. que persegue. O problema não é, então, identificar fins justos,
Em outr~s termos, a'{iuteZãJdetodo set (finito) não d..e.pende
. mas, sobretudo,
4(
I io pr6~no ser [... ]. Para.a natureza,
que se situa fora dela é a.llnguagem
p. 205 e seg.).
a _condição de sua ...pureza
humana (Benjamin, 1966,
.
Essa concepção não substancial, mas relacional, da pureza é ~
caracterizar um outro ti o de . "ci ue então certa
te, não poderia ser um mei.o le.l?ítimo. ou ilegítimo~Eara ess~s
fins, mas não desempenhana de modo algum Q papel deGííSIõ)
relação a eles .e manteria c?...m eles outras relaçÕes [nicht
n~(
......-
tão essencial para Benjamin que, no ensaio de 1931 sobre Kraus, ais Mittei zu lhnen, vieimehr irgendwie anders sich verhalten
ele pode ainda escrever que "na origem da criatura não está a würde] (ibidem, p. 196).
pureza [Reinheit], mas a purificação [Reinigung]" (Benjamin, Qual poderia ser esse outro modo da relação com um fim?
1931, p. 365). Isso significa que a pureza em questão no en- Será conveniente referir ainda ao conceito de meio "purd' as
s~io de 1921 n.ão é um caráter substancial pertencente à ação considerações que acabamos de expor sobre o significado desse
;/VeIA I
VIOenta em SI mesma - que, em Outros termos, a diferença
- termo em Benjamin. O meio não deve sua pureza a alguma
-/(:. ~t;,e v~olência ura ~ vjgJêQciamítico-jurídica nãQ reside na eropriedade intrínseca específica que o diferenciaria dos meios ,o(
'Jq~
<> -
IOlenc esma e, Sim, em sua relação com algo exterior. O
que é essa condição exterior foi enunciado com ênfase no iní-
--
I1flO
jurídicos, mas à sua relação com estes. Como no ensaio sobre a
língua, ,eura é a língua que não é um instrumento para a co-
:rOl
cio d~ ensaio: ''A tarefa de uma crítica c!a violência pode ser municação, mas que comunica imediatamente ela mesma, isto
definrda como a exposição, de sua relação com o direito e com é, uma comunicabilidade pura e simples; assim também é pura
~s.
~~I
Estado de exceção
Lu"tade gigantes acerca de um vazio. 97
~,.qAMfj-:'
a violência que não.lS encontra nu ma relacão de meio quanto a. divide essa tese com Schmitt, considera ser ainda uma lei que
1'(1/ "" um fim, mas se mantém em relação com sua própria me- está em vigor mas não se aplica ou se aplica sem estar em vigor.
lallQ~ dialidade. E como a língua pura não é uma ourra língua, não Essa lei:- ou melhor, essa força de)e(- não é mais [çj, ~egundo
ocupa um outro lugar que não o das línguas naturais Benjamjn,\mas 'lidaI vida aue, no romance de Kafu:i, "é vivid~ ~
comunicantes, mas se mostra nelas expondo-as enquanto tais, no vilarejo aos pés da montanha onde se ergue o castelo
do mesmo modo a&1olênCla puralse revela somente como ex-
*"J posição e deposicão da relação entre violência e direito. É o
(ibidem). O gesto mais singular de Kafka não consiste em ter
,
que Benjamin sugere logo depois, evocando o tema da.2i2:.
lência que, na cólera, nunca é meio, mas apenas manifestação
conservado, como pensa Scholem, u.ma lei .ue não
significado, mas em ter
~onfundir-se inteiramente com a@
a de ser
. iS(
ara er
',ve.t fi (
Mani ifiestation). Enquanto a violência como meio fundador -Ao desmascaramento da violência mítico-jurídica ~erado
do direito nunca)depõe&ua rel:cão com ele e estabelece assim eela violênçja pura corresponde, no en.saio s~bre Kafka, ~o~o
o direito como ~r (Macht), que permanece "intimamente e
PTd = uma espécie de resíduo, a imagem e01gmátl~ de um dlfelto \
necessariamentêJ;do a ela" (ibidem, p. 1'98), a violência pura
expõe e corta o elo entre direito e violência e pode assim apa-
¥Po!:l;aiiue não é mais praticado ~Jâpenas estudadõ.Wnda há, Q.0r- '*
b~ ;;~.jtanto uma figura possível do direito denais da deposição de nt'"
r'ecer ao final não como violência que g-;'verna ou execura (die l/s.rJcVt.e -' - .• I d ~1
l
;çi'" Clt" t:; seu vínculo com a)YIQ'encla}eo poder-Iporém, trata-se e um __
£L6 schaltende), mas como violência que simplesmente age e se lf:"d~..JC.(",.ejdireitQ que não rem maj~nem :Whcaç~ como aquele
manifesta (die waltende). E se, desse modo, a relação entre vio- r o em CU)'
o estudo mergulha o "novo advogado" folheando "os
l'aPi?P.
lênçia pura e violência jurídica, entre estado de exceção e
nossos velhos códigos"; ou como aque,l,eque ~o~ca,~lt. talvez I) +-
violência revolucionária, se faz tão estreita que os dois jogado- tivesse em mente quando falava de um novo dlreuo , livre V
res que se defrontam no tabuleiro de xadrez da história pare- toda disciplina e de toda relação com a soberania.
cem mexer o mesmo pião - sucessivamente força deft(ou Qual pode ser o sentido de um direito que sobrevive assim
meio puro - é decisivo, entretanto, que o critério de sua dis- à sua deposição? A dificuldade que Benjamin enfrenta aqui
rinção se baseie, em todos os casos, na sol ução da relação entre ~orresponde a um problema que pode ser formulado - e, efeti-
violência e direito.
vamente, foi formulado uma primeira vez ng cristianismo r.ri-
mÍtÍvo e uma se;gllºoa, vez na tr~d'leao
J
-' marx"la'na- nos segUintes
. LFJ fvlV
('
4.8 É nessa perspectiva que se deve ler tanto a afirmação, ~/ té7mos: que acontece com a lei após sua realização messiânica? ~
que aparece na carta de II de agosto de 1934 dirigida a ~ (É a controvérsia que opõe Pau[02QS judeus seus contemporâ- ~11(!.zvrPJ9'
SChOlem, de que "uma escrita sem sua chave não. é escrita, mas .
neos). E que acontece com oldlreuo/numa . d -'~l
SOCleiM~ as- 'E"5"SJ4NJi
CQ
~ ~ (Benjamin, 1966, p. 618), quanto aquela, presente--;;;;- ses? (É exatamente o debate entre Vysinskij e Pasukanis). É a
:*.
;
~o sobe:. Kafka, segundo a qual "o direito não mais prarj- ~ questões ue Ben'amin pretende responder com sua lei-
" c~do e SÓ estudado é a/portal da justiça" (Benjamin, 1934, tura do 'novo adv" ta, evjdentemente, de uma
1 p. 437). A escrita (a Torah) sem sua chave é a cifra da lei no )rase de transi ão ue nunça che ao fim a ue deveria levar,
TfA
estado de exceção, que Scholem, sem sequer suspeitar de que e( / '!Ienos ainda de um processo de
~~
l!
'~8 • Estado de exceção
~.'I~
ii
mantendo o direito numa vida espectral, não consegue dar COnta 11....
b
dele. O importante aqui é que o direito - não mais praticado, ~ I'
~o
,
~
~
mas estudado - não é ~ iustiça~mas só a porca que leva a eLa~O
que abre uma passagem para a Lusticanão é a anulação, mas a
desativa ão e a inatividade do [relto - ou seja, um 6uri]jusQ2>
cr \:
'£!!
I
estado de exceção e tentam, cada um segundo sua própria es-
, tratégia, "estudá-la" e desativá-la, "brincar" com ela.
Um dia, a humanidad(8rincari[)orp Q direito, como as
FESTA, LUTO, ANOMIA
I
crianças brincam com os objetos fQca de JJSO, não para devolvê-
.-#' los a seu uso canônico e, sim, ara libercá-los defini .
dele. O ue se encontra e ois do direit não é um valor de
te.,
I• I
~~" -,- ---- ---~----_.-----......_.~ -- ~--
-----------
fenomenologia do luto - tal como testemunhada pelos mais festas cíclicas de transição [... ] correspondem perfeitamente
diversos materiais antropológicos - e os períodos de crise poli- à definição da anomia [...). Em toda parte, assistimos a uma
tica em que regras e instituições sociais palecem se dissolyer inversão temporária do humano no não-humano, do cultu-
r;J no natural (visto ~omo sua contrapartida negativa), do
rapidamente. Como os períodos de ano mIa e de crise, em que
cosmos no chaos e da eunomia na anomia [...]. Os sentimen-
se assiste a um desmoronamento das estruturas sociais normais
tos de dor e de ~f1ição e sua expressão individual e coletiva
e a uma falência dos papéis e das funções que pode chegar à
não são restritos a uma cultura particular ou a um determi-
completa inversão dos costumes e dos comportamentos cultu- nado modelo cultural. Ao que parece, são tracos intl:.í=<:ÇQ~
ralmente condicionados, assim também os períodos de luto! à humanidade e à condição humana e que se expressam so-
r",pos são, fregüentemente, caracterizados por um<l:iuspensão e uma I c( b;-etudo nas sit~ações marginai~ ou liminar~s. Portanto, eu
alteração de todas as relações sociais. tenderia a concord';;' com V W. Turner que, falando de 'acon-
Quem define os períodos de crise [...] çomo uma substitui- ., tecimentos não naturais) ou melhor, anti culturais ou
do iustitium não está num pretenso caráter de luto da situação o( sgberana e esMo de exceção. O elo original entre tumultus e
extrema ou da anomia, mas na tumulto que os funerais do iustitium ainda :Stá presente, mas o tumulto cq,incide agora
vt'MJ:r soberano odem rovocar. Fraschetti desvenda sua origem nas
com a morte do soberano, enquanto a .suspensão do ditei to
violentas desordens ue haviam acompanhado os funerais de torna-se parte integrante da cerimônia fúnebre. É camo se
~ César, definidos significativamente como "fune~ais sediciosos;'
o soberano, que havia concentrado em sua "augusta" pessoa
(Fraschetti, 1990, p. 57). Como, na época republicana, o todos os poderes excepcionais, da tribunicia potestas perpetua
iustitium era a resposta natural ao tumulto,
ao imperium procomolare maius et infinitum e que se torna,
- -- -- --- -- - ------- - ----_ ... ~~, - .- -~------
1O~~. Estado de exceção Festa, luto, anomia • 107
por assim dizer, um iustttlUm vivo, mostrasse, no instante Qu,S Osoberano seja um<ffii ~iv~só p~de s.ig~ificar que e~e ~
da morte, seu íntimo caráter anômico e visse tumulto e ano- ,./ não é obrigadQ-=Wr-eIa, que a Vida da lei cOincide nere co
mia libertarem-se forá dele na cidade. Como Nissen havia '" umattota1 anomiilDiotogene explica isso na seqüência e co "
(GrJ )intUídO e expres~a~~ ~uma fórmula nítida (que talvez seja a indiscutível clareza: "Dado que tem um poder. ir~esponsá.yel JN"
,. fonte da tese benlamlnIana de que o estado de exceção tornou-" [arkan anypeuthynon] e '3 ue ele mesmo é uma ~elViva, o rei se VI
.,Pb
~ se a regra, ' )"
as me d'd "
I as excepclOn~IS d.esapareceram porque
assemelha aum deus entre os homens" (ibidem, p, 39), Entre- Sd'n _
'e'.r-... se tornaram a regra''..(Nissen, 1877, p. 140). A novidade cons- ===-~--= I' I ,..""GM'l-
tanto, exatamente enquanto se identifica com a el, e e se man- 6Iw/!/;NE-,fTa
,*,vf,'j,'/)'litucionaldo principado pode ser vista, então, como uma tém em relação com a lei ese põe mesmo comoXanômico~~..eh,J(,.,
, incorporação d ireta do estado de exceção e da anomia dire- fundamenrd da pai.em ;ur,ídic.a',Aiden~ificacãOentre ~obe,ran.o ~':l'~'"
~tamente n~ do soberano, que começa a libertar-se e lei representa, pOIS,a pnmelfa tentatlya de afirmar a ano~!:- ~
de toda sub~ão ao direito para se afirmar como legibus do soberafl.Q~~a;;-mesmo tempp, seu vínculo essencial com a.
solutus. ordem jurídica. O
nomos empsychos é a forma originária do
nexo que o estado de exceção estabelece entre um fora e um
5.3 Essa natureza intimamente anômiea da nova figura do dentro da lei e, nesse sentido, constitui o arquétipo da teoria
poder supremo aparece de modo claro na teoria do soberano moderna da soberania.
como "lei viva" (nomos empsychos), que é elaborada no meio A correspondência entre iurtitium e luto mostra aqui seu
neopitagórico durante os mesmos anos em que se afirma
o principado. A fórmulalkasileus nomos empsychos/é enunciada
no tratado de Diotogene sobre a soberania, o qual foi parcial-
mente conservado por Stobeo e cuja relevância para a origem
da teoria moderna da soberania não deve ser subestimada. A
verdadeiro significado. Se o soberano é um nomos vivo, se, por
isso, ano mia e nomos coincidem inteiramente e.m sua pessoa,
então ~ anarquia .(que, à sua morte - quando, portanto,Q.lll:xo
que a une à lei é cortado - ameaça libertaI-se pela cidade) ~.
sef"ritualizada e contrQ):iQa,transformando ,oJe~tado,d~.ex~~
-If
I
habitual miopia filológica impediu o editor moderno do ÇãO/em luto público e Oluto, em iustit!um. À lOdlscerOlblhdade
tratado de perceber a evidente conexão lógica entre essa fór- de nomos e ano mia no corpo vivo do soberano corresponde a \.11-
mula e o caráter anômico do soberano, embora tal conexão indiscernibilidade' entr; estado de exceção e luto público na .
estivesse claramente afirmada no texto. A passagem em ques- cidade.
~== Antes de assumir~ forma moderna de uma
...,=-='~=~---------- . decisão
tão - em parte corrompida, mas perfeitamente coerente - arti- )~ eJ?ergência, a relação entre soberania e.estado de exce-
cula-se em três POntos: 1) "O rei é o mais justo [dikaiotatos] e ção apresen'ra-se sob a forma de uma identidad~ entre sob~Ia-
o mais justo é o mais legal [nominotatos]". 2) "!'em justiça, n~ anomia, O soberano, enquanto uma lei viva, é intimamente
c0q"""l1inguém pode ser rei, mas a justiça é sem lei [aneu nomou anomos. Também aqui o estado de exceção é a vida - secreta e
-y<I dikaiosyne: a inserção da negação ante5 de dikaiosyne, sugerida o( mais verdadeira - da lei.
'I por Delatte, filologicamente não procede]". 3) "O justo é legí- K A tese de gueto soberano é uma lei viva"l havia encontrado sua
-:R (imo e o soberano, que ~e....torn911ca"sa_ do justo,_é uma lei primeira formulação no tratado do Pseudo-Archita SuLfa fegge e ia
~ .xb:i( (Delatte L., 1942, p. 37). giustizia, o qual foi conservado por 5tobeo juntamente com o tratado
"
,
1 eta • Estado qe exceção Festa, luto, ano mia • 109
de Diotogene sobre-a soberania. Que a hip6tese de Gruppe, segundo a permissividade desenfre.a~a e pela suspen~ e .T:ebra d:s hie- ( ~
qual esses tratados teriam sido compostos por um judeu alexandrino rarguias jurídicas e socIaIs. Durante essas festas, que sao en-
no primeiro século de nossa era, seja correta ou não, é certo que esta-
contradas com características semelhantes em épocas e culturas
mos diante de um conjunto de textosque, sob a apatência de catego-
distintas, os homens se fantasiam e se comportam como ani-
riasplatÔnicase pitagóticas,tentam fundatuma concepçãoda sobetania
mais, os senhores servem os escravos, homens e mulheres tro-
totalmente livre das leis c, contudo, ela mesma fonte de legitimidade.
cam seus papéis e comportamentos delituosos são considerados
No texto do Pseudo-Archita, isso se expressa na distinção entre o sobe-
lícitos ou, em todo caso, não passíveis de punição. Elas inau-
rano (basileus), que é a lei, e o magistr'!.4C?(f!rchon), que se li;;a
l¥
qI
I'
respeitá-la.A identificaçãoentre lei e soberano tem por70nsegüência guram, portanto, um \Eeríodo de an0m!il Iq~ inteFwmpe e,
a. cisão da lei ~'m uma lei "viva" (nomos empsychos), pierarqtliçarnent~ temporariamente, subverte, a ordem SOCIal.Desde sempre, os
superior,e uma lei escrita (gramma), a ela subordinada: estudiosos tiveram difi~ulda~e para e~plicar essas;:.epentiuas
Digo que toda comunidade é composta por uml4rchont(~-
explosões anômicas no Iptenor ,<:leSOCIedadesbe~ ~rdenadas C(
gistrado que comanda), por um comandado e, como terceiro, e, principalmente, a tolerância das autoridad~s reltglOsase CI-
pelasQ&i?l?estas, aa ~ o soberano (hõ' men empsyci;~ ho N' vis em relação a elas.
basileus), a inanimada é a le~ra(gramma). A lei sendo o e1emen- "'1 Contra a interpretação que as reduzia aos ciclos agrár.i~sdo
to primeiro o rei é legal, ~ magistrado é conforme (à lei), o calendário solar (Mannhardt, Frazer), ou a uma fllnção perjQ-
comandado é livre e toda a cidade@mas, quando ocorre' dica de plJ[jficação (Westermarck), Karl Meuli, ao contrário e
!1m desvio, o soberano é tirano. o magistrado não é conforme à ~m uma intuição enial, relacionou as festas anômicas com Q ;/<'
lei e a comunidade é infeliz"(Del~tteA, ; 922, p. 84). estado de sus ensão da lei ue caracterizaaI uns institutos. u-
Por meio de uma complexa estratégia, que não é destituída de analo- rÍdicos arcaicos, como a Friedlosigkeit alemã ou a perseguição
gia com a crítica paulina do nomos judeu (a proximidade, às vezes, é do várgus no antigo direito inglês. Em uma série de artigos
até textual: Romanos 3, 21 choris nomou dikaiosyne; Diotogene: aneu exemplares, mostrou como as desordens e as violências mi!lll.-
nomou dikaiosyne;e, no Pseudo-Archita,a lei é definidacomo "letra"_ ciosamente elencadas nas descrições medievais do charivari e <'.I-i'iFiV~f1
*
gramma - exatamente como em Paulo), elementos anômicos são in- de outros fenômenos anômicos reproduzem ontu I ente as
troduzidos na polis pela pessoa do soberano, sem, aparente~, diversas fases em que se articulava o cruel' ritlJal com que se
arranhar o primado do ~omos (o soberano é, de fato, ((lei viva").
expulsavam o Friedlos e o bandido da comunidade, suas casas
destelhadas antes de serem destruídas e seus poços envenena-
5.4 A seCreta solidariedade entre a anomia e o direito ma-
*" 1 nJfesra-se num--;'utrofenômeno', que represenra uma figura si-
dos ou tornados salobros. As arlequinadas descritas no inaudi-
to ehalivali no Roman de Fauve! (Li un montrent son eul au
métrica e, de certa forma, invertida em relação ao iustitium vent, / Li autre rompet un auvent, / L'un cassoitftnestres et huis, /
imperial. Há muito' tempo, folcloristas e antropólogos estão Lautre getoit le se! ou puis, / L'un geroit le brun aus visages;/ trop
4f familiarizados com aquelas festas periódicas - como as estoient lês et sauvages) deixam de aparecer como partes de um
~.s Antestérias e as Saturnais do mundo c1ássiçQe o eharivari e o inocente pandemônio e encontram, uma após outra, seu cor-
~C(1S' carnaval do m,;odo medieval e moderno - caracterizadas por respondente e seu contexto próprio na Lex Baiuvariorum ou
---------- ----..-_._----
-_.-----~~------~--_ •• --~----
1O ~.,Estado de exceçáo Festa, luto, anomia • 111
nos estatutos penais das cidades medievais. O mesmo pode ser tasse, em última instância, como um campo de forças per~or-
dito sobre os aborrecimentos cometidos nas festas de máscaras rido por duas tensões conjugadas e opo.stas: u~a ~ue vai da
e nas coletas ;nF:!Drisnas quais, a quem se furtava à obrigação norma à ano mia e a outra que, da ano mia, leva a lei e à regra.
de doar, as crianças puniam com violências de que Halloween Daqui resulta um duplo paradigma que marca o campo do
guarda apenas a lembrança. direito com uma ambigüidade essencial: de um lado, uma ten-
Charivari é lima das UlJíltiplasdesignações, diferentes..con- dência normativa em sentido estrito, que visa a cristalizar-se
forme os lugares e os países, para um anti o am ente t:r' num sistema rígido de normas cuja conexão com a v~da é, po-
difundid de .'usti _~ o ular, u:..se desenrolª5Ie formas rém, problemática, senão impossível (o estado perfeito de di-
semelhantes, senão iguais. Tais formas, com seus castigos ri- reito, em que tudo é regulado por normas); de outrO lad:,'
(AR:r tuais, sobrevivem também nas festas dclicas de máscaras e
~us úlrimos prolongamentos que são as coletas tradi~io-
umafundênda A
ano.'.m..ic que desem.boca no e~tado de exceca~ J tY
ou na idéia do gilierano como lei viva, em ue uma for '1
nais das crianças. É perfeiramenre possível, então, servir-se
privada de norma ag: como .ura mc l1~ãoda ~ida. . ..'
delas para a interpretação dos fenômenos do tipo do charivari.
-J( Uma análise mais atenta mostra que aquilo que, à primeira
Ai; festas anômicas dramatizam essa lrredutlvel amblgulda-
de dos sistemas jurídicos e, ao mesmo tempo, mostram que
vista, era tomado como aborrecimentos grosseiros e baru-
lhentos são, na realidade, costumes tradicionais e formas o que está em jogo na dialética entre essas duas forças é a
jurídicas bem definidos, por-meio dos quais, há ;empos ime: •••• própria, relação entre o direito e a vida. Celebraº: e rep:odu-
moráveis, executavam-se o ..banimento e a~prosçricãp (MeuJi, zem, sob a forma de paródia, a ano mia em que a lei se apltca ao
1975, p. 473). caos e à vida sob a única condição de tornar-se ela mesma, no
Se a hipótese de Meuli é correta, a "anarquia legal: das fes~ estado de exceção, vida e caos vivo. Chegou o momento, sem
tas anÔmicas não remete aos antigos .ritos agrários que, em dúvida, de tentar compreender melhor a EcçãO c~nstitutfjjJ/
'F si, nada explicam, mas evidencia, sob a forma de paróqia, a que, ligando norma e anomia, ~eie estado de exceçao~garante / t:r'
anomia interna ao direitp, o_.estado de emergência ~_ também a reJaçap entre o direito e a vid~. .
são anômicãJcontida no próprio cO,ra.çãodo no=-
As festas anílmisas indiç'lm, pois, uma zona em que a máxi-
I
ma submissão da vida ao direito se inverte em liberdade e li-
cença e em que a anomia mais desenfreada mpstra sl'a paród~a
conexão com nomqr: em outros rermos, elas indicam o/esta-
Q
6
AUCTORITAS E POTESTAS
,
:. J
j
:~
,
I
~
sa, "O próprio termo ficou completamente obse" tecido por no conceito de[soberanial"foram a causa da inconsistência filo-
controvérsias e confusões" (Arendt, 1961, p. 91). Talvez não sófica da teoria moderna do Estado"; e acrescentava, em segui-
~a melhor confirmação dessas confusões - e das ambigüida- da, que essa confusão "não é apenas acadêmica, mas ~tá inscrital1f
des que acarretam - do que o fato de Arendt ter empreendido no processo real que levou à formação da ordem política mo-
.,J(. f
sua reavaliação da autoridade somente alguns anos depois de
Adorno e Else Frenkel-Bruswick terem efetuado seu ataque
frontal "à.gersonali"dãde autoritária". Por outro lado, ,denun-
-
derna" (ibidem, p, 213). Ê o sentido dessa "confusão" inscrita
na reflexão e na práxis política do Ocidente que devemos, ago-
ra, procurar compreender.
-; ciando de modo enfático "a identificação liberal de autoridade
K Que o conceito de auctoritas seja especificamente romano é opinião
e tirania" (ibidem, p. 97), Acendt provavelmente não se dava
geral, assim como se tornou um estereótipo a referência a Dione Cas-
conta de que partilhava tal denúncia com um autor que, na
sio para provar a impossibilidade de traduzir esse rermo para o grego.
realidade, lhe era antipático. Mas Dione Cassio, que conhecia muito bem o direito romano, não
Em 1931, num opúsculo com o significativo títul~ Der diz, como se costuma repetir, que o termo é impossível de traduzir; ao
-v } Hüter der YérfasfUng (O guardião da constituição), Carl Schmitt contrário, diz que o termo não pode ser traduzido kathapax: "de uma
. t~a, com efeito, definir o ~eutri do ptesidente do forma única e definitiva" (hellenisai auto kathapax adynaton esti [Dia.
#.- ~h no estado de exceção contrapondo, dialeticamente, Casso 55, 3]). Isso implica, portanto, que o termo terá, em grego, equi-
" auctoritas e potestas. Em termos que antecipam os argumentos valentes distintos segundo os contextos, o que é evidente dada a am-
de Arendt e depois de haver lembrado que Bodin e Hobbes plitude do conceito. Dione não tem em mente, pois, algo como uma
estavam ainda em condições de apreciar o significado dessa especificidade romana do rermo, mas, sim, a dificuldade de levá-lo a
distinção, ele lamentava, porém, "a falta de tradição da moder- um significado único.
na teoria do Estado que opõe autoridade e liberdade, autorida-
o( I
de e democtacia até contundIr a autoridade com a ditadura"
(Schmitt, 1931,p.137).]áem 1928, em seu tratado de direito
6.2 A definição do roblema tOrna-se complicada pelo fato
de que o conceitO de tluctoritas refere-se a uma fenomenologia
constitucional, mesmo sem definir a oposição, Schmitt evoca- jurídica relativamente ampla, que diz respeito tanto ao direitO f ~o~
va sua "grande importância na doutrina geral do Estado" e re- privado quanto ao direito público, Será conveniente iniciar
metia para sua determinação ao direito romano ("o Senado nossa análise pelo primeiro para verificar, depois, se é possível
'" I tinha a auctoritas, mas é do povo gue dependiam potestas e
imperium" (Schmitt, 1928, p. 109]). .
levar os dois aspectOs à unidade.
No âmbito privado, a 4U,tnritqs é a prgpriedade do auctor,
Em 1968, num estudo sobre a idéia de autoridade, publica- isto é, da pessoa sui iuris (o pater familias) que intervém - pro-
do em uma Festgabe pelos oitenta anos de Schmitt, um estudioso nunciando a fórmula técnica auetor fio - para conferir validade
espanhol, Jesus Fueyo, observava que a confusão moderna en- jurídica ao ato de um sujeito que, sozinho, não pode realizar
tre auctoritar e potestas - "dois conceitos que exprimem o sen- um ato jurídico válido. Assim, a auctoritas do tutor torna váli-
~ / tido original pelo qual o povo romano havia concebido sua do o ato do incapaz e a auctoritas do pai "autoriza", isto é,
vida comunitária" (Fueyo, 1968, p. 212) - e sua convergência tOrna válido o matrimônio do filho in potestate. De modo análo-
-.. -_._._~_.-
-
~--~-.~_.'"'-~--
..
- _ ..
_~------~
11 ir. Estado de exceção
Auctoritas e potestas • 119
go, O vendedor (em uma mancipatio) é obrigado a assisrir o
comprador para validar seu titulo de propriedade durante um poder jurídico de teptesentação de que está investido (em tela-
processo de reivindicação que o oponha a um terceiro. ção ao menor ou ao incapaz): ele deriva diretamente de sua
O termo deriva do verbo augeo: auctor é is qui auret, aquele condição deljjiüe!JOo mesmo modo, o ato do vendedot que
intervém como auctor pata defender o comprador não tem
que aumenta, acresce ou aperfeiçoa o ato - ou a siruação ju-
nada a ver com um direito de gatantia no sentido moderno.
rídica - de um outro. Em seu Vocabulário, na seção dedicada
Pierre Noailles que, nos último~ anos de sua vida, tentara deli-
ao direito, Benveniste tentou mostrar que o significado origi-
near uma teoria unitária da auctoritas no direito privado, pôde
nal do verbo augeo - que, na área indo-européia, é aparentado
então escrever que ela é
pelo sentido a termos que exprimem força - não é simplesmente
"aumentar algo que já existe", mas "o ato de produzir alguma um atributo inerente à pessoa e originariamenteà pessoafísi-
coisa a partir do próprioseio, fazer exigir" (Benveniste, 1969, . ca [...], o privilégio que pertence a um romano, nas condi-
ções exigidas,de servircomo fundamento à situaçãojurídica
vol. 2, p. 148). Na verdade, no direito clássico, os dois signifi-
criada por outros (Noailles, 1948, p. 274).
cados não são absolutamente contraditórios. O mundo greco-
romano, realmente, não conhece a criação ex nihilo, mas todo "Como tod8,s os poderes do direito arcai~" - ~crescentava _I
ato de criação implica sempre alguma outra coisa, maréria in- "fossem eles familiares, privados ou públicos, também a, -N
forme ou ser incompleto, que se trata de aperfeiçoar e fazer auctoritas era concebida segundo o modelo unilateral do
crescer. Toda criação é sempre co-criação, c:omo todo autor é direito puro e simples, sem obrigação nem sanção" (ibidem).
sempre co-autor. Como bem escreveu Magdelain, "a auctoritas Entretanto, basta refletir sobre a fórmula auctor fio (e não sim-
não basta a si mesma: seja porque autoriza, seja porque ratifica, plesmente auctor sum) para perceber que ela parece implicar
I
-I' súpóe uma atividade alheia que ela valida" (Magdela~n, 1990,
p. 685). Tudo se passa, então, como se, para uma cOIsapoder
não tanto O exercício voluntário de um direito, mas o realizar-
se de um poder impessoal na pessoa mesma do auctor.
existir no direito, fosse necessária uma relação entre dois e~-
mentos (ou dois sujeitos): aquele que é munido de auctoritas e 6.3 No direito público, a auctoritas designa, comohav'a-I_
mos visto, a prerrogativa por excelência do Senado. Sujeitos
aquele que toma a iniciativa do ato em sentido estrito. Se os
dois elementos ou os dois sujeitos coincidirem, então o ato ativos dessa prerrogativa são, portanto, os patres: auctoritas
será perfeito. Se, ao contrário, houver entre eles uma distância patrum e patres auctoresfiunt são fórmulas comuns para se ex-
ou uma ruptura, será necessário introduzir a auctoritas para pressar a função constitucional do Senado. Os historiadores
que o ato seja válido. Porém, de onde vem a"força" do auctor? do direito, porém, sempre tiveram dificuldade para definir essa
E o que é esse poder de augere? função. Mommsen já observava que o Senado não tem uma
Já se observou, de forma oportuna, que a auctoritas nada ação própria, e pode agir somente em ligação com o magistra-
tem a ver com a representação pela qual os atos realizados pelo do ou para homologar as decisões dos comícios populares, ra-
mandatátio ou POt um tepresentante legal são imputados ao tificando as leis. Não pode manifestar-se sem ser interrogado
mandante. O ato do auctor não se baseia em algo como um pelos magistrados e só pode perguntar ou "aconselhar" _
consultum é o termo técnico - e esse "conselho" nunca é
-- --- - ----_ ... - -- ~------
vinculante de modo absoluto. Si eis videatur- se lhes (aos ma- certa direção, mas sua obrigação não pode se realizar sem a colabora-
gistrados) parece oportuno - é a fórmula do senatus-consulto; ção de um outro sujeito" (Heinze, 1925, p. 350). Não se trata, portan-
no caso extremo do senarus-consulto último, a fórmula só é to, de uma suposta tendência dos estudiosos "de representar o direito
um pouco mais enfática: videmit consutes. Mommsen exprime público sob a luz do diteito ptivado" (Biscatdi, 1987, p. 119), inas de
esse caráter particular da auctoritar escrevendo que ela é "me- uma analogia estrutural que concerne, como veremos, à pr6pria natu-
nos que uma ordem
1969, p. 1034).
e mais que um conselho" (Mommsen,
nor quanto a ratificação senatorial das decisões populares. A condição de simples particulares (in privato abditt), enquanto
analogia não significa aqui, necessariamente, que o povo deva cada particular age como se estivesse revestido de um imperium.
ser considerado como um menor em relação ao qual os patres Numa simetria inversa, no ano 211 a.C., ao se aproximar
agem como tutores: o essencial é, sobretudo, que também nes- Aníbal, um senatus-consulto ressuscita o imperium dos ex-di-
se caso se encontra a dualidade de elementos que, na esfera do tadores, cônsules e censores (placuit omnes qui dictatores, consu!es
'~11#' direito privado, define a ação jurídica perfeita. Auctoritqr e censoresvejúissent cum imperio esse,donec recessisseta muris hos-
potestas são claramente distintas e, entretanto, formam juntas tis [Tito Lívio 26, 10, 9]). No caso extremo - ou seja, aquele
-f
TAS
( .
um sistema b"mano.
. que melhor a define, se é verdade que são sempre a exceção e a
. -extrema que d e filnem o aspecto maIS
. espeCI'fiICOd e um IWa~:rt,..
N A polêmica entre, de um lado, os estudiosos que tendem a reunir
sob um único paradigma a auctoritas patrum e ° auctor do direito pri-
sltuaçao
instituto jurídico - ahzuctoritasmarece
""
agir como uma forca que
sus ende a otestas onde ela a ia e a reativa onde ela não estava
I ,ff
vado e, de outro lado, os que negam tal possibilidade, se resolve facil-
mente quando se considera que a analogia não diz respeito a figuras mais em vigor. um poder gue suspende..Qll reativa o direito,
consideradas separadamente, mas à estrutura mesma da rdação entre mas não tem &igêncj? £Qrmai1como direito.
os dois elementos, cuja integração constitui o ato perfeito. Heinze, Essa relação - ao mesmo tempo de exclusão e de suple-
num estudo de 1925. que exerceu uma influência importante sobre os mentação - entre auctoritas e potestas encontra-se também em
romanistas, já definia o elemento comum entre o menor e o povo com um outro instituto, em que a auctoritas patrum mostra mais
as seguintes palavras: "O menor e o povo decidiram obrigar.se numa uma vez sua função peculiar: o interregnum. Mesmo depois do
12'2 • Estado de exceção
Auclor;,as e pO"'ta> • 9
fim da monarquia, quando, por morre ou por qualquer outra público. O hostis iudicatus não era simplesmente assimilado a
razão, não havia mais na cidade nenhum cônsul ou nenhum
um inimigo estrangeiro, o hostis alienigena, porque este, entre-
outro magistrado (exceto os repreSentantes da plebe), os patres
tanto, era sempre protegido pelo ius gentium (Nissen, 1877,
auctores (isto é, o grupo dos senadores que pertenciam a uma
p. 27); o hostis iudicatus era, antes, radicalmentelPrivadci:lk.m:.
família consular, em oposição aos patres conscriptt) nomeavam J!:un do estatuto jurídico e podi;, portanto, em qualquer momento, ~
um interrex que garantia a continuidade do poder. A fórmula rÚD!CATvj" ser destituído da posse de se"s bens e condenado à morre. O ue
usada era: respublica ad patres redit ou auspicia ad patres redeunt. é sus enso ítas não é a ui, sim lesme - -l:"
Como escreveu Magdelain,
q dica, mas o.{iuscivis,lo próprio estatuto do cidadão
durante . lterre no a constitui ão está sus ensa [...]. A Re- - A relação - ao mesmo tempo antagônica e complementar-
o( -/ pública está sem magistrados.sem Senado, sem assem~ SrJTéff:EC/Jo
entre auctoritas e potestas aparece:enfim, numa particularidade
)
I'0pulares. Então o grupo senatorial dospatres se reúne e no- terminológica que Mommsen foi o primeiro a notar. O
meia, soberanamente, o primeiro interrex...que, por sua vez,
sintagma sen'atus auetoritas é usado em sentido técnico para
nomeia o próprio sucessor(Magdelain, 1990. p. 359 e seg.).
designar o senatus-consulto que, à medida que lhe foi oposta
A auctoritas mostra também agui sua relacão com a sUSl'en-
i
uma intercessio, é privado dos efeitos jurídicos e não pode, pois,
£!!? d a potestas e, ao mesmo tempo, sua capacl'd ade d e assegu- ~n')CTO/{Jr~'
-
de modo algum, ser executado (mesmo que, enquanto tal, es-
j(, ~ em circunstâncias excepcionais, p funcIOnamento da \I tivesse transcrito nas atas, auetoritas prescripta). A auctoritas do
República. Ainda uma vez, essa prerrogativa cabe imediata- I Senado aparece, pois, em sua forma mais pura e mais evidente
mente aos patres auctores enquanto tais. O primeiro interrex ! quando é invaljd Q:l. pela potestas de um magistrado, quando
2
não é, de fato, investido de um imperium como magisrrado, vive como mera escrita em absoluta oposição à vigência do Bf"':1~MJ,
mas apenas dos auspicia (ibidem, p. 356); e Appio Claudio, ao ::.direito.Por um instante, a auctorÍfas revela aqui sua essênci .
~vcíC1~lDJs -----
reivindicar contra os pleheus a importância dos auspicia, afir- "{tjl'çk (filie poder, OJIe pode "conferir a legitimidade" e, ao mesmo tempo, q'"
ma que estes perrencem aos patres privatim, a título pessoal e /JdOF, f?. su~pender o dirs;ito, mostra seu caráter mais específico no ..k:'
exclusivo: nobis adeo propria sunt auspicia, ut [... ] privatim C>tJff~t
A momento d'e sua InefiIcaClaJun
-;". . 'd'Ica maJ{lma.
,. El'a e o que resta 'T'
auspicia habeamus (Tito Lívio, 6, 41, 6). O poder de reativar a t:(
LFG;r~l1I-
OP,ot' t do direito se ele for inteIramente suspenso (n sse sentido, na
"" ~potestas vacante não é um poder jurídico recebido do pnyo ou ( ,./ >"r,NDF~ leitura benjaminiana da alegoria kafkiana, não direito ma vida
:nAR de um magistrado, mas decorre imediatamente da condição i
~
'1«; pessoal dos patres. - o OJ~(=:rrodireito Que se jpderermina !oteiramente com a~).
reconstrução mais exata da passagem em questão, tenha coin- tucional não nos termos certos de uma potestas, que ele declara
cidido exatamente com o renascimento dos estudos modernos dividir com os que são seus colegas na magistratura, mas nos
sobre a auctoritas. De que se tratava realmente? De uma série termos mais vagos de uma auctoritas. O sentido do nome ':Au-
de fragmentos provenientes de uma inscrição latina que conti- gusto", que o Senado lhe conferira no dia 16 de janeiro do ano
nha a passagem do capitulo 34 das Res gestae e que, na integra, s6 27, coincide inteiramente com esta reivindicaçãp: ele provém da
era atestada na versão grega. Mommsen havia reconstruido o mesma raiz de augeo e de 3:!!E2I e, como observa Dione Cassio,
texto latino nestestermos:post id tempus pr(t!stiti omnibus dignitate "não significa uma potestas [dynamis] [...] mas mostra o esplen-
(axiomatl), potestatis autem nihil amplius habui quam qui júerunt dor da auctoritas [ten tou axiomatos lamproteta]" (53, 18, 2).
mihi quoque in magistratu conleg(t!. A inscrição antioquena mos- No édito de 13 de janeiro do mesmo ano, em que declara
trava que Augusto havia escrito não dignitate mas, sim, aucto- sua intenção de restaurar a constituição republicana, Augusto
ritate. Em 1929, comentando o novo dado, Heinze escrevia: define-se como optimi status auctor. Como judiciosamente ob-
Todos nós, filólogos, deveríamos nos envergonhar por ter- servou Magdelain, o termolauctodnão tem aqui o significado
mos seguido cegamente a autotidade de Mommsen: a única
antítese possívela potestas, .isto é, ao poder iurídi~o de um /
magistrado,era, nestapassagem,não dignitas e, sim, auctoritas
*' genéÍ:ico de "fundador, mas o si&nificado técnico de "fiador -j.
em uma mancipatio". Dado que Augusto concebe a restaura-
ção republicana como uma transferência da respublica de suas
(Heinze, 1925, p. 348). mãos para as do povo e do Senado (cf. Res gestae, 34, I), é
Co'mo acontece com freqüência e como, aliás, os estudio- possível que
sos não deixaram de observar, a redescoberta do conceito (nos dans laforrnule auctor optimi status [... ] le terrne dâ.ucror ait
dez anos seguintes, apareceram não menos de 15 importantes un sens juridique assez précis et renvoie à I'idée de transfert de la
monografias sobre a auctoritas) acompanhou pari passu o peso res publica [...]. Auguste serait ainsi l'auctor des droits rendus
crescente que o princípio auroritário assumia na vida política au peupie et au Sénat, de même que, dans ia mancipation, ie
das sociedades européias. "Auctoritas" - escrevia um estudioso mancipio dans est l'auctor de ia puissance acquise, sur i'objet I
I
~stados modernos autoritários, não só literalmente, nlas tam- mados a definir por meio
'~=~':::"==;;';".J:_;':;':;"-'
__"'
de um - termo - imperador
.
- que F"~"'!l:- ;i
-E..•.TI;~1"",
bém do ponto de vista do conteúdo, só é compreensível a ,J remete ao imperium do magistrado, -!1ãoé uma mapstratura, i)/) !
partir do direito romano do período do principado (Wenger, 111 mas uma forma exrrerr;"ada auctoritas. Heinze definiu exata- "Iuaa<::rrljr !
1937-39, vol. I, p. 152). mente tal oposição: •
E, entretanto, é este nexo entre o direito romano e nossa Toda magistratura é uma forma pré-estabelecidaem que en- '
experiência política que ainda nos falta estudar. tra o singular e que constitui a fonte de seu poder; ao contrá-
rio, a auctoritas deriva. da pessoª", como algo que se constitui
6.7 Se voltarmos agora à passagem das Res gesta, decisivo é através de1;~,vive somente nela e com ela desaparece (Heinze,
que Augusto define, aqui, a especificidade de seu poder consti- 1925, p. 356).
<1.26 • Estado de exceçao Auctoritas e potestas • 127
Se Augusto recebe do POVO e do Senado todas, as magistraturas,! de uma auctorÍfas e não somente de uma Rotestas, que a auctoritas era
~m~ .
_____ a auctorttas, , . está l'19ad a a' sua pessoa e Q constituI
ao contrano, . ..,/ VJ tão estreItamente ligada à sua pessoa física que tornava necessário..o.
como auctor oprimi [tatus, coI)1oaquele Que legitima e garante complexo cerimonial da confecção em cera de uma c6pia idêntica do
toda a vida polít;ql. romana. soberano no fUnus imaginarium. O fim de uma magistratura enquan-
Disso decorre o status particular de sua pessoa e que se tra- to tal não implica de modo algum um problema de corpos: um magis-
trado sucede a. outro sem ser necessário pressupor a imortalidade do
duz num fato cuja importância ainda não foi plenamente ava-
cargo. Somente porque o soberano. a partir do princeps romano, ef-
liada pelos estudiosos. Dione Cassio (55, 12, 5) informa que
pressa em sua próprja pessoa uma auctoritas, somente porque, na vida
Augusto "tornou pública roda a sua casa [ten oikian edemiosen
"augusta" pÚblico e privado entraram em uma zona. de absoluta
1
violência e direito, entre a vida e a norma, não existe nenhuma to não restitui o encantado a seu estado original: segundo o
i"
a~ticulação substancial. Ao lado do movimento que busca, a princípio de que a pureza nunca está na origem, ele lhe dá
todo custo, mantê-los em relação, há um contramovimento somente a possibilidacte; de aceder a uma nova condição.
que, operando em sentido inverso no direito e na vida, tenta, a Mostrar o direito em sua não-relação com a vida e a vida
cada vez, separar o que foi artificial e violentamente ligado. No
ampo de tensões de nossa. cultura, agem, portanto, duas f,?r-
em sua não-relação com o direito significa abrir entre eles Il m *
espaço para a acão humana que, há algum tempo, reivindicava
o(
ças opostas: uma que institui e que põe e outra que desativa e
de - . O estado de exceção constitui o ponto da maior tensao
para si o nome "política". APolítica sofrep 11m eclipse dllra-
douro porque foíCõi1raminada pelo direito, concebendo-se a
«
dessas forças e, ao mesmo tempo, aquele que, coincidin o com si mesma, no melhor dos casos',como poder+oosrit ;nte (isto
11
a regra, ameaça hoje torná-las indiscerníveis. Viver sob o esta- é, Violência que põe o direito), quando não se reduz sim[lles-
do de exceção significa fazer a experiência dessas duas possibi- mente a poder de negociar com o direito. Ao contrário, verda- ,
lidades e entretanto, separando a cada vez as duas forças, tentar, d6ramente [lolítica é apenas aquela ação que corta o nexo entre fot:.jT~""U
incessantemente, interromper o funcionamento da máquina ,
~ violência e direito. E somente a partir do espaço que assim se axt,(J ~
que está levando o Ocidente para a guerra civil mundial. li1 a b re, é que ser á' posslve 1 co Iocar a questao
- a respeito
. d e um""~ef"
NFko
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS'
•
136 • Estado de exceção Referências bibliográficas. 137
BENJAMIN,W. 'Notizen zu einer Arbeit über die Kategorie der Gere- DUGUIT, L. Traité de Droit constitutionnel. Paris, de Boccard, 1930,
chtigkeit". Frankfurter Adorno Blátter, n" 4. 1992. voI. 3.
___ o "über den Begriff der Geschichte". Ibidem, 1942, voI. 1.2. DURKHEIM, E. Le Suicide. Étude de soci%gie. Paris, Alcan, 1897.
[Ed. bras.: "Sobre o conceito da História". Ibidem.] [Ed. itaI.: II suicidio. Studio di sociologia, Rizzoli, Milão, 1987.1
___ o "Ursprung des deutschen Trauerspiels". Ibidem, 1928, Ed. bras.: O suicidio. São Paulo, Martins Fontes, 2000.]
voI. 1.1 (e vaI. 1.3). [Ed. bras.: Origem do drama barroco
alemão. Trad. e org. Setgio Paulo Rouanet. São Paulo, EHRENBERG,V. "Monumemum Amiochenum". Klio, n2 19. 1924,
Brasiliense, 1984.] p. 200 e sego
___ o 'Zur Kritik der Gewalt". 192 I. In Gesammelte Sehriften. FONTANA, A. "Ou droit de résistance au devoir d'insurrection". In
Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1972-1989, voI. 2. I. [Ed. bras.: ZANCARINI, J .-c. (org.). Le Droit de résistance. Paris, ENS,
"Crítica da violência: Crítica do poder". In Documentos 1999.
de cultura, documentos de barbárie. Org. e apresem. Wi1li B01le.
São Paulo, Cultrix, 1986.] FRASCHETTI,A. Roma e il principe. Roma-Bari, Laterza, 1990.
BENVENISTE,E. Le Vocabulairedes institutions indo-européennes. Paris, FRESA,C. Provvisorietà conjorza de legge egestione degli stati di crisi.
Minuit, 1969, 2 voI. [Ed. bras.: Vocabulário das instituições Pádua, CEDAM, 1981.
indo-européias. São Paulo, Unicamp, 1995.] FRIEDRICH. C. J. ConstitutionaL Government and Democracy.
B ISCARDI, A. Auctoritas patrum: problemi di storia deI diritto pubblico (2. ed. rev., 1950). Boston, Ginn, 1941. [Ed. iraI.: Governo
romano. Nápoles, Jovene, 1987. costituzionale e democracia, Neri Pozza, Vicenza, s.d.]
BREDEKAMP,H. "Von W. Benjamin zu C. Schmitt". Deutsche FUEYo, J. "Die Idee des 'aucroritas': Genesis und Entwicklung". In
Zeitschrift flir Philosophie, n2 46, 1998. BARJON, H. (org.), Epirrhosis. Festgabe flir Carl Schmitt.
Berlim, Duncker & Humblot, 1968.
DELATTE. A. Essai sur la politique pythagoricienne. Paris, Liege,
1922. GADAMER,H.-G. Wahrheit und Methode. Tübingen, Mohr, 1960.
[Ed. itaI.: Verità e metodo. Milão, Bompiani, 1983.1 Ed. bras.:
'tf DELATTE, L. Les Traités de la royauté de Ecphante, Diotogt!ne et Verdade e método. São Paulo, Vozes, 2002.]
Sthénidas. Paris, Droz, 1942.
HATSCHEK,J. Deutsches und Preussisches Staatsrecht. Berlim, Srilke,
DE MARTINO, F. Storia delta costituzione romana. Nápoles, 1923.
]ovene, 1973.
HEINZE, R. "Auctoritas". Hermes, nº 60. 1925, p. 348 e sego
DERRIDA,J. Force de loi. Paris, Galilée, 1994. [Ed. italiana: Forza di
legge, Bollati Boringhieri, Turim, 2003.1 Ed. portuguesa: Força KOHLER, J. Hot kennt kein Gebot. Berlim-Leipzig, Rothschild,
de Lei. Trad. Fernanda Bernardo. Porto, Campo das Letras, 1915.
2003.] MAGDELAIN,A. Auctoritas principis. Paris, Belles Lettres, 1947.
DROBISCH, K. E WIELAND, G. System der NS-Konzentrationslager ___ o lus lmperium Auctoritas. Études de droit romain. Roma, École
1933-1939. Berlim, Akademie, 1993. française de Rome, 1990.
\'
•
138 • Estado de exceção Referências bibliográficas
MATHIOT,A. "La théorie des circonstances exceptionnelles". Mélanges SCHMITT,C. Die Diktatur. Munique-Leipzig, Duncker & Humblot,
Mestre, Paris, 1956. 1921.
-I(- MEULI, K. Gesammelte Sehriften. Basiléia-Stuttgart, Schwabe, ___ o Der Hüter der Verfassung. Tübingen, Mohr, 1931.
1975,2 vaI. ___ o Politisehe Theologie, Munique, 1922.
___ o Staat Grossraum Nomos. Berlim, Duncker & Humblot,
MIDDEL, A. De iustitio deque aliis quibusdam iuris publici romani
1995.
notionibus. Mindae, 1887.
__ o Verfassungslehre. Munique-Leipzig, Dun'cker & Humblot,
MOMMSEN, T. Romisehes Staatsrecht. Graz, Akademische Druck, 1928.
1969, 3 voI. (1. ed. Berlim, 1871).
SCHNUR, R. Revolution und Weltbürgerkrieg. Berlim, Duncker &
NISSEN. A. Das Iustitium. Eine Studie aus der romischen Humblor, 1983. [Ed. iral.: Rivoluzione e guerra civile. Milão,
Reehtsgesehiehte. Leipzig, Gebhardr, 1877. Giuffre, 1986.]
NOAILLEs,P. Fas et luso Études de droit romain. Paris, Belles Lerrres, SCHUTZ,A. 'Timmaculée conceprion de l'interprete er l'emergence
1948. du systeme juridique: à propas de fiction et construction en
droit". Droits, n" 21. 1995.
PLAUMANN,G. "Das sogennante Senatus consultum ultimum, die
Quasidiktatur der spateren rõmischen Republik". Klio, n" 13. SESTONJ W. "Les chevaliers romains et le Íustitium de Germanicus".
1913. Revue historique du droit ftançais ct étranger. 1962. (agora in
QADRI, G. Lajorza di legge. Milão, Gillffre, 1979. Seripta varia. Roma, ~cale française de Rome, 1980).
___ o "Sui decreti-Iegge e lo stata di assedio in occasione dei TINGSTEN, H. Les Pleins pouvoirs. L'expansion des povoirJ
terremoti di Messina e Reggio Calabria". Rivista di diritto gouvernamentaux pendant et apres la Grande Guerre. Paris
pubblieo, 1909 (agora in Seritti minori. Milão, Gillffre, Stock, 1934.
1990, vaI. I).
~ VERSNEL,H. S. "Destruction, devorion and despair in a situarion
ROOSEVELT,F. D. The Publie Papers andAddresses. Nova York, Ran- of anomy: the mourning of Germanicus in triple perspec-
dom House, 1938, vaI. 2. tive". In Perennitas. 5tudi in onore di Angelo Brel£ch. Roma,
ed. dell'Arenea, 1980.
ROSSITER, C. L. Constitutional Dictatorship. Crisis Government in
the Modern Democracies. Nova York, Harcourt Brace, VIESEL,H. (org.). Jawhol, Herr Sehmitt. Zehn Briefe aus Plettenberg.
1948. Berlim. Supporr, 1988.
SAINT-BoNNET, F. L'Étatd'exeeption. Paris, PUF, 2001. WAGENVOORT,H. Roman Dynamism. Oxford, Blackwell, 1947.
•
\
i
I
I
I
I