Professional Documents
Culture Documents
Série Modapalavra
Volume 8
1
MODAPALAVRA VOLUME 8 : Moda: desafios e inovações.
Este livro foi financiado pelo Fundo de Apoio à Extensão da Universidade
do Estado de Santa Catarina e patrocinado pelo Departamento de Moda,
do Centro de Artes da mesma Universidade
ISBN: xxxxxxxxxxxxxx
2
Dedicatória
Aos jovens Designers de Moda que
transformam, com seu espírito inovador,
os desafios do III Milênio em criatividade e
soluções para uma sociedade mais feliz.
3
Sumário
Apresentação
6
Feminilidades e masculinidades:
um desafio para a moda
contemporânea
Ivana Guilherme Simili
Emerson Roberto de Araujo
Pessoa 47
4
Parte II-Inovações: a
tecnologia e o ensino
a serviço de uma nova
sociedade
Inovações têxteis da pós-
Dinâmica competitiva:
modernidade
prospectivas e novos desafios Maria Izabel Costa
Sandra Regina Rech 102
Rafaela Pires 180
Reflexões sobre as experiências
vivenciadas no ensino e A construção do conhecimento na
aprendizagem do desenho de cooperação interinstitucional para
moda o fomento da inovação e do design
Lourdes Maria Puls 134
no setor têxtil
Maria Izabel Costa
Modelagem do vestuário com a Icléia Silveira 206
tecnologia CAD – avaliação do
treinamento
Icléia Silveira
Amanda da Silva 151
5
Apresentação
Completou-se a primeira década do novo milênio, ninguém mais fala
em século XX, e os anos 90 já parecem época remota. Em 2012, a mídia e as
publicações voltadas para o grande público alertavam que o ano seria um
tempo limiar para uma nova era de grandes transformações. Muitos foram
os anúncios que anteviram o fim do humano, o caos geral e o apocalipse
bíblico no horizonte desses novos tempos. Todavia, a sociedade não para
a despeito das preocupações que circulam no universo imaginário das
massas, e planejamentos estratégicos para anos à frente continuaram sendo
concebidos. A pesquisa das macrotendências não descartou as ansiedades
e premonições anunciadas, contudo as transformou em potencialidades de
consumo, inspirando trabalhos distintos ao longo do mundo.
E o universo da moda, com seus sistemas produtivos e criativos, com
suas amplas redes de difusão e comercialização, não se colocou à margem
de todas essas discussões. Muito ao contrário, apropriou-se de tudo isso e
canalizou de formas diversas para novos impulsos de consumo e, antes dele,
de criação e inovação. Os mercados e seus milhares de consumidores tanto
impulsionaram quanto aguardaram as inovações tecnológicas e humanas
que vinham a qualificar a vida, favorecer a produção e, principalmente,
o prazer. Tudo isso, ontem e hoje, se coloca como grande desafio a quem
trabalha no setor, mas especialmente a quem, numa postura reflexiva, se
empenha em equacionar as mudanças e os comportamentos, em identificar
as continuidades e as rupturas que se dão no social, no imaginário e no
cognitivo.
Foi nessa conjuntura que se projetou o volume 8 da série ModaPalavra,
a partir de duas definições nucleadoras:
6
Inovar – verbo transitivo (latim, innovo, are): 1. Introduzir novidades,
informações repentinas em. 2. Renovar, inventar, criar algo que seja novo.
3. Conceber o inédito.
1
DICIONÁRIO PRIBERAM da Língua Portuguesa, disponível em http://www.priberam.pt/
dlpo/default.aspx?pal. Acesso 16 de abril de 2012.
2
Ver GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Ed. da UNESP,
1991.
3
Ver SANT’ANNA, Mara Rúbia. Teoria de moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo:
Estação das Letras, 2007.
7
Esse livro, o oitavo da série ModaPalavra, tornou-se um lócus para
essa discussão instigante de como a Moda, entre desafios e inovações
tecnológicas, teóricas, sociais e de criação, se encontra no pensar brasileiro.
Foi dividido em duas partes:
8
de preservação do passado respostas e reflexões sobre o presente, este é o
caso dos textos assinados por Claúdia Schemes e Denise Araújo ao nos
falar sobre as relações entre o conforto e as lingeries, e o de Laura Lima
que nos alerta sobre os compromissos com a conservação e preservação
dos acervos indumentários. Transitando sobre o futuro e o passado, o texto
de Ivana Simili e Emerson Pessoa nos propõe pensar o presente e as zonas
indeterminadas de nossas identidades.
A segunda parte reuniu trabalhos voltados para o relato, a discussão e
o questionamento da inovação tecnológica realizada na atualidade e que,
de alguma forma, está implicando na proposição de reformulações na
sociedade e no ensino oferecido aos profissionais ou estudantes de Moda,
seja em seus aspectos mais produtivos ou sociais. Entende-se por tecnologia
aqui toda a combinação de fatores, por meio científico, que visa à produção
de uma solução viável aos desafios humanos. Por isso, as reflexões em torno
do ensino aplicado ao campo da moda são reunidas nessa segunda parte por
proporem estudo e soluções aos desafios de preparar o futuro profissional
de moda para o trabalho com qualidade e repercussão social.
Em torno dessas relevantes discussões, foram desenvolvidos outros
cinco capítulos. O de Sandra Regina Rech coloca em análise as dinâmicas
competitivas aplicadas ao mundo fashion. Dando continuidade, Lourdes
Maria Puls e Icléia Silveira com Amanda Silva ponderam as possibilidades
do ensino no universo da moda, seja ele voltado para a formação de um
Bacharel em Moda ou para a capacitação de profissional atuante no setor
produtivo das indústrias de Moda. Finalizando o livro, Maria Izabel
Costa assina dois textos, com outros coautores, tratando sobre o universo
têxtil e seu potencial inovador e por isso desafiador diante do universo
contemporâneo da moda.
Dessa forma, caros leitores desse volume 8 da Série ModaPalavra, abaixo
se desenrolam vários textos os quais, temos certeza, trazem novidades e
9
inspirações a vocês para continuarem enfrentando desafios e gerando
inovações em seus campos de trabalho.
10
PARTE I
Desafios sociais: novos personagens e
sensibilidades no mercado de moda
11
Gestão de marcas verdes na moda:
fortalecendo a imagem da marca através
do desenvolvimento sustentável
Rochelle Cristina Santos
Introdução
Adequando-se ao objetivo maior da organização do livro “Moda:
desafios e inovações”, buscou-se compreender as aplicações dos sentidos
dos verbos desafiar e inovar. Ao desafiar, podemos inspirar novas vontades4
, sendo essa uma das pretensões do marketing: provocar desejos. Os
desafios ainda podem ser considerados etapas que exijam um esforço maior
a quem os propõe. Neste sentido, o ato de desafiar requer, em muitos casos,
inovações, a fim de atender expectativas muitas vezes não intencionadas.
Ao inovar, busca-se introduzir algo inédito em um determinado processo .
Apropriando-se deste conceito para o universo da moda, podemos ressaltar
que a inovação de um produto pode trazer benefícios em relação à proposta
que se pretende atingir.
Em diferentes campos do saber, é essencial a discussão do
desenvolvimento sustentável, da preservação, da limitação dos impactos
ambientais na produção e no consumo. Uma das maiores preocupações
atuais no campo da moda, está pautada tanto nas pressões sociais que
concentram esforços em fortalecer a necessidade de minimizar os impactos
ambientais, bem como em novos nichos de mercado consumidor que
surgem influenciados por estes discursos preservacionistas. Assim, como
explicitado na Introdução deste livro,
4
http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal= acessado em 16 de abril de 2012.
5
Ibdem
12
Para relacionar esta articulação entre Moda e interesses sociais,
investigou-se uma possibilidade de associar o consumo sustentável com
ações de marketing das empresas de moda, que se apropriam de discursos
preservacionistas, para agregar valor aos produtos e, desta forma, atender
a novos nichos de mercado. Com reflexões e conceitos sobre a prática
do discurso e as transformações de ações através das vozes autorizadas,
identifica-se que o consumo sustentável muitas vezes está ancorado apenas
nas informações consumidas como verdadeiras, e não no empenho do
consumidor (ou dos produtos) em realmente exercerem a função de
preservacionistas.
Dentro da unidade “Inovações: a tecnologia e o ensino a serviço de
uma nova sociedade”, a pesquisa relaciona algumas propostas tecnológicas
e discursivas voltadas ao consumo sustentável, bem como indica estudos
realizados no campo acadêmico sobre este nicho de consumidores “verdes”.
Entende-se que a própria lógica de exercer um consumo sustentável é um
desafio atual, visto que muitos produtos não estão adequados aos padrões
exigidos por determinados grupos que buscam minimizar os impactos
ambientais gerados pelo consumo. Sendo assim, a necessidade de inovar é
constante, sendo inovações no campo tecnológico, ou mesmo nas práticas
discursivas. O que se pôde perceber é que em muitos casos o desafio se
mostra mais penoso do que se imagina, sendo comum que, na prática, as
inovações se fundamentem muito mais em estratégias de marketing do
efetivamente em solucionar questões ambientais.
Esta pesquisa foi adequada ao campo de investigação que compreende
a Gestão do Marketing na Moda, capacitando o desenvolvimento e o
raciocínio estratégico de atitudes voltadas para o mercado. Portanto, o
desafio deste trabalho é propor a reflexão sobre as atitudes do profissional
de marketing de moda perante a sociedade.
Inovação
Ao falar em inovação é recorrente pensar em ideias relacionadas a
novas tecnologias. Contudo, para que algo se concretize tecnologicamente
é necessário que uma pessoa realize a tarefa de pensar e projetar algo.
Quando tratamos de pessoas inovadoras, muitas vezes relacionamos à
inovação, à criatividade, e é neste sentido que se buscou compreender os
perfis de pessoas inovadoras identificadas no livro “As 10 faces da inovação:
estratégias para turbinar a criatividade” (KELLEY; LITTMAN, 2007). Os
autores asseguram que a cultura da inovação é essencial para o crescimento
13
duradouro de uma marca, e que isto só pode ocorrer a partir de iniciativas
com um “toque humano”. (KELLEY; LITTMAN, 2007, p. 4-5).
É com uma classificação que identifica 10 perfis inovadores em três
categorias de ação que serão especificadas para posterior análise de quais
perfis se mais ajustam ao sistema produtivo de moda sustentável.
Com características de “aprendizado”, “As pessoas que desempenham
papel de aprendizado são bastante humildes para questionar suas próprias
visões de mundo e, assim, se mantêm abertas a novas ideias todos os dias.”
(KELLEY; LITTMAN, 2007, p. 8). São classificadas da seguinte forma:
14
- O arquiteto de experiências: este perfil projeta experiências que vão
além da funcionalidade do produto, ele sugere desejos aos clientes. Trabalha
muito com a questão da performance.
- O cenógrafo: busca a alteração de ambientes físicos para influenciar
comportamentos e atitudes.
- O cuidador: busca inovar para atender de forma cada vez mais eficaz
as necessidades dos clientes.
- O contador de histórias: reforça no âmbito externo da empresa a
conscientização dos valores que estão sendo transmitidos.
15
possibilidades inovadoras. (DRUCKER, 2011, p. 46). As primeiras quatro
fontes estão relacionadas a instituições empresariais ou públicas, inseridas
em setores industriais ou de serviços, sendo elas:
16
Ao trabalhar com um produto de moda, não podemos esquecer que
moda também é um projeto de design. Sendo reconhecido como uma
ferramenta de gestão, o design é capaz de criar diferenciações entre
produtos e conceitos. Estas diferenciações, em sua grande maioria, partem
de inovações e aperfeiçoamento de produtos.
O design tem uma dimensão conceitual que tem uma capacidade de unir
todos os inovadores em torno de um objetivo comum focado no cliente.
[...] A inovação em design está relacionada com o marketing estratégico
orientado ao usuário. O que os disigners procuram é uma orientação para
o mercado, ou a introdução da satisfação do usuário em todas as áreas da
inovação. A natureza do design muda. Passa a ser um processo que ao
mesmo tempo é fonte de ideias e de mudança organizacional, alterando
a cadeia de valor por meio da ampliação da orientação para o mercado.
(MOZOTA: COSTA, 2011, P. 150).
17
era responsável por seus atos, era sempre uma preocupação que estava
direcionada a atitude do outro.
18
Instrumentos mais sofisticados de mercado surgiram, por exemplo,
com as séries de certificados ISO-9000 e ISO-14000, pelas quais as
indústrias globalizadas não têm outras alternativas senão produzir com
competência e com responsabilidade ambiental. Mais uma força na
direção da ampliação do mercado verde (ZULAUF, 2000, p. 88)
A moda e a sustentabilidade
O mercado de moda gira em torno de renovações constantes e isso
pressupõe o uso de recursos naturais em excesso, bem como a produção
de objetos descartáveis socialmente. As coleções de moda são lançadas a
cada semestre, ou seja, no período de um ano há pelo menos duas coleções
importantes: Outono/Inverno e Primavera/Verão. A identificação das
macrotendências e tendências é um dos primeiros passos a serem dados
pelos agentes desse mercado. “[...] o conceito de tendência que se generalizou
na sociedade contemporânea foi construído com base nas ideias de
movimento, mudança, representação do futuro, evolução, e sobre critérios
quantitativos.”(CALDAS, 2004, p.22). As macrotendências influenciam e
alteram diversos setores, tais como: a vida social, o consumo, a economia.
Os direcionamentos propostos por macrotendências costumam ter longa
duração: seriam as tendências de fundo. O que se entende por tendências
de moda, ou seja, as mudanças ocorridas a cada estação ou num período
ainda mais curto, são as tendências de ciclo curto. Portanto, a sociedade está
sempre inserida em um contexto que a direciona para um mesmo caminho,
seguindo sempre as macrotendências e tendências que regem os hábitos e o
consumo. (CALDAS, 2004, p. 96)
Para Dario Caldas, o lançamento de tendências está incutido no próprio
indivíduo e nas relações culturais. Traçando um panorama sobre “uma”
história da difusão da moda, ele nos aponta que o funcionamento da moda
ocidental tem cinco momentos:
19
a) Período anterior a 1857, em que, via de regra, a moda era utilizada
apenas pelas elites, buscando diferenciação ou distinção em relação a seus
pares. (CALDAS, 2004, p.54);
b) A alta-costura surge com a abertura da maison do costureiro Charles
Frederick Worth em Paris no ano de 1858 (ERNER, 2005, p.32), “ [...] a
partir daí e durante cem anos, as mulheres abrem mão do seu poder de
decisão e legitimam a autoridade dos grandes costureiros, sem questioná-
la”(CALDAS, 2004, p.54);
c) Na década de 1950, após a II Guerra Mundial, o universo da moda
aderiu ao Ready-to-wear6 e ao Prêt-à-Porter. “Assim, quando a ideia de
coordenação dos elos da cadeia têxtil se desenvolveu com mais força,
as tendências foram concebidas como ‘redutores de incerteza’ para a
indústria.”(CALDAS, 2004, p. 56).
d) A moda institucional a partir da década de 1980: neste momento, a
moda passa a aderir referências de períodos anteriores, bem como a agregar
novos padrões ou conceitos que nortearam deu desenvolvimento.
e) Período de 1990-20037: de acordo com Dario Caldas, é neste
momento que se percebe a maior inclusão do “indivíduo” comum no
universo da moda. Para o autor,
6
Pronto para usar.
7
Lembrando que o livro de Dario Caldas foi publicado em 2004.
8
Termo de origem inglesa Commodity que no plural fica commodities. Significa: mercadoria.
20
Diante da complexidade na produção de uma coleção de moda, torna-se
evidente a necessidade de uma ação consciente e profissional por parte do
estilista ou designer de moda. Suas produções não são aleatórias, pois estão
envolvidas nesse percurso criativo de reconhecimento e apropriação do que
é definido como espírito do tempo. “Historicamente, o conceito de ‘espírito
do tempo’ origina-se do alemão Zeitgeist, usado com maior frequência a
partir do final do século XVIII, com a acepção de opiniões válidas num
determinado tempo, gosto ou desejo”. (CALDAS, 2004, p. 70-71). A moda
é considerada um dos vetores sociais que melhor se apropria do uso e do
conceito de espírito do tempo.
Ao levarem para passarelas temas diversificados, e considerando
a importância destinada aos eventos e às manifestações de moda na
contemporaneidade, os estilistas e produtores de moda não levam apenas
commodities8 do vestir. Conscientes de suas ações, das escolhas pautadas nas
pesquisas de tendência, muitos optam por assuntos em evidência nas pautas
sociais, o que seriam as macrotendências. Essas circunstâncias permitem
pensar a moda como um condutor de ideias, um agente de pluralização
dos efeitos das problematizações sociais atuais, uma vez que os agentes do
mercado da moda se organizam de forma a solidificarem determinadas
tendências. Para Caldas,
21
os acadêmicos e a comunidade, contribuindo para a questão sócio-
ambiental. O programa promove projetos, eventos, cursos e outras
atividades como palestras, exposições, entre outros. As ações acontecem
na grande Florianópolis e algumas cidades do estado de Santa Catarina.
Ao longo dos seus quase dez anos, o EcoModa tem participado também
de eventos e palestras em outros estados do Brasil além de países da
Europa e America Latina. (SCHULTE, 2012)
22
Isso ocorreu não necessariamente porque as preocupações partiram
dos executivos das indústrias, mas sim porque determinados discursos
ambientalistas foram solidificados, através da divulgação de vozes
autorizadas. Através de leis de incentivo, ou proibitivas, empresas passaram
a ter um cuidado maior com o impacto de suas produções. Muitos dos
cuidados com uso indiscriminado da água surgiram apenas através de uma
nova forma de pensar na reutilização deste recurso natural, ou mesmo na
filtragem da água antes de devolvê-la à natureza. E pode-se afirmar que
a contribuição destes discursos ambientalistas, no que tange à eficácia da
preocupação ambiental, pode ser mensurada em dados específicos.
Hoje se necessita 50 vezes menos água para lavar a lã, 15 vezes menos
água para refinar o petróleo [...]. Muitas indústrias reciclaram sua
água, reduzindo sensivelmente suas extrações e também na mesma
oportunidade, seus dejetos (aliviando, portanto seu problema de
tratamento de águas usadas) (VERNIER apud ROSA, 2008, P. 38)
23
ou de Previsão que reconhece uma necessidade latente ou emergente. No
marketing são muito trabalhadas as questões das necessidades e desejos:
as necessidades referem-se a bens ou serviços que os consumidores ou
compradores organizacionais requerem para sobreviver; os desejos referem-
se a bens e serviços específicos que satisfazem necessidades adicionais
que vão além da necessidade de sobrevivência. Dentro das orientações
para o marketing, encontramos a orientação com enfoque em criar valor
para o cliente, ou seja, nesta orientação os profissionais de marketing se
concentram em desenvolver e entregar um valor superior para os clientes
como modo de alcançar objetivos da organização. (CHURCHIL; PETER,
2000, p. 19). O valor para cliente seriam os benefícios percebidos mais os
custos percebidos.
Percebeu-se que o consumo verde poderia gerar valor aos produtos
destinados àqueles consumidores preocupados com as questões ambientais,
com a criação de produtos e serviços que utilizam, em seus discursos de
divulgação e comercialização, toda uma abordagem ecológica. E isto se
reflete também no âmbito da moda, mesmo que sua lógica esteja pautada
na lógica da renovação, diversificação e estilização de modelos. De acordo
com Lipovetsky, “A sociedade centrada na expansão das necessidades é,
antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob
a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz passar
o econômico para a órbita da forma moda.” (LIPOVETSKY, 2007, p. 184).
Entretanto, a indústria da moda consegue reformular seus produtos e seus
conceitos de forma a atender novas demandas de mercado.
De acordo com matéria publicada em 2007, “Não basta separar o lixo
orgânico do reciclável, é preciso vestir a camisa se quiser fazer sua parte
para viver num lugar melhor. E isso está cada vez mais fácil porque ser
ecologicamente correta virou moda de verdade.” (JORGE; MACEDO;
ROOY, 2007). A matéria nos traz informações de grifes que vão de roupas a
cosméticos, de joias a sapatos, que aderiram de alguma forma os discursos
ambientalistas em suas produções, e conseguiram produzir produtos que
vêm atender a novos desejos (ou necessidades?) dos consumidores. Os
recursos naturais utilizados ganham destaques nas comunicações das
marcas, é importante ressaltar aos clientes como o material a ser consumido
foi produzido.
24
Algodão orgânico: É cultivado sem o uso de pesticidas, fertilizantes
químicos e reguladores do crescimento. Para ser 100% orgânico, no
processo de tingimento devem ser usados pigmentos naturais.
Fibra de bambu: Planta de crescimento rápido, o que significa que é
altamente renovável. Reproduz-se em abundância sem o uso de pesticidas
e fertilizantes. Sua fibra é naturalmente antibactericida, biodegradável e
extremamente macia. Tem característica termodinâmica, deixa a peça
fresca no verão e mais quente no inverno.
Garrafas PET: O plástico reciclado é transformado em fibras que
produzem um tecido forte, mas macio. Em geral, elas são combinadas
com algodão, que dá um toque ainda mais confortável.
Juta: Com aparência semelhante a do linho, é plantada na região
amazônica, sem nenhum impacto ambiental. É preciso apenas água para
o seu cultivo, sem a necessidade do uso de agrotóxicos. Além disso, é
biodegradável. (JORGE; MACEDO; ROOY, 2007)
25
ambiente, caso esta temática não estivesse tão em voga?
A maior preocupação não é apenas em como a demanda surgiu, ou
se ela está de acordo, ou não, com as necessidades ambientais. A maior
preocupação é perceber se as indústrias e empresas que se utilizam de
discursos ambientais, e de uma ou outra estratégia que minimizam os
impactos ao meio ambiente, estão realmente adequadas a produzir com
responsabilidade social e ambiental.
Muito do consumo sustentável, muitos dos adeptos a este tipo de
produtos oferecidos não sabem distinguir os processos de produção
e se contentam em ter uma informação de que o algodão é orgânico,
por exemplo. Não questionam sobre onde o algodão é produzido para
comprovar a possibilidade de a informação estar correta, ou não. Ou
mesmo não se questionam se a tinta do tingimento é natural ou química.
Sendo que a tinta natural desbota com mais facilidade e é mais cara, estaria
o cliente disposto a pagar mais por algo que dura menos?
Nas fontes utilizadas nesta pesquisa percebeu-se que os assuntos são
tratados com superficialidade, apenas com tags e informações sem muito
aprofundamento. O projeto ECOMODA, em contrapartida, realiza um
trabalho de educação focado no consumo consciente, porém também
de acordo com um olhar determinado pela visão dos organizadores e
de suas opções particulares de modos de vida. A preocupação maior
está no fato de que os receptores destas mensagens apenas aceitem os
discursos promovidos por estas vozes autorizadas sem ao menos terem
uma compreensão aprofundada sobre um tema tão importante como o
desenvolvimento sustentável e o consumo consciente.
Fato que pode comprovar que em muitos casos a sustentabilidade
permanece no discurso e não na prática é o ranking das 50 melhores marcas
verdes de 2012 que não classificou nenhuma marca especificamente de
moda9 . A Adidas aparece em 22º posição e Nike em 26º, ambas como
marca de esportes.
9
Disponível em http://chocoladesign.com/as-melhores-marcas-globais-verdes-de-2012
acessado em outubro de 2012.
26
Considerações finais
Considera-se que este trabalho é o início de um pensamento que
poderá ser mais bem explorado em outras instâncias. Inclusive a ideia aqui
exposta é passível de discussões em diferentes campos do saber, sendo
que a mesma foi apresentada em partes no 2º Simpósio Internacional de
História Ambiental e Migrações, provando seu profícuo campo de análise.
Sendo assim, a partir desta pequena explanação de ideias, foi possível
identificar que existe um problema a ser levado em consideração na gestão
do marketing verde em relação à moda (podendo se estender a reflexão
a outros segmentos mercadológicos). Verifica-se que a função de um
comunicólogo ao propor ideias e estratégias para aumentar o consumo
de determinadas mercadorias, ou mesmo de atender a determinadas
demandas de mercado, vai além da venda de produtos. Com o título
de “vozes autorizadas” sobre determinados aspectos sociais, como a
sustentabilidade, estes comunicólogos são parcialmente responsáveis por
mudanças e alterações nas percepções do consumo e da forma como os
consumidores se relacionam com os produtos a serem adquiridos. A Moda
enquanto Sistema permite um alcance abrangente em relação à sociedade,
e por este motivo julgou-se necessário propor a reflexão sobre o papel do
Marketing de Moda, compreendendo os desafios inerentes a este campo,
e sugerindo que inovações podem contribuir com novas necessidades e
desejos mercadológicos .
Referências Bibliográficas
27
DRUCKER, Peter F. Inovação e espírito empreendedor: prática e
princípios. São Paulo: Cencage Learning, 2011.
28
SCHULTE, Disponível em http://www.ecomoda.ceart.udesc.br/?page_
id=839 . Acesso em 10 de julho de 2012
29
Renda de Bilro: As dimensões da
sustentabilidade na perspectiva da
Slow Fashion
Neide Köhler Schulte
Luciana Dornbusch Lopes
1 Introdução
Cada vez mais os consumidores de diversas esferas sociais estão se
preocupando com o que compram, levando em consideração, ao decidir
pela aquisição de um novo produto, questões socioambientais e também
culturais.
A humanidade está vivenciando a necessidade de uma nova “visão
de mundo”, motivada pelas grandes mudanças climáticas que geram
consideráveis prejuízos, além da degradação do planeta, resultante do modo
de vida dos humanos. Eles vêm consumindo os recursos naturais do planeta
e gerando um grande acúmulo de resíduos e poluentes. Assim, reciclar,
reutilizar, reaproveitar e customizar são conceitos cada vez mais presentes
no cotidiano dos profissionais envolvidos com o mundo da moda e que, em
maior ou menor grau, estão presentes também em toda a sociedade.
O designer desses novos tempos, além de possuir a tarefa de criar coleções
“vendáveis”, gradativamente precisa conscientizar os consumidores acerca
de sua responsabilidade em relação às questões ambientais e o consumismo
na atualidade. Segundo Papanek (1997, p.14),
30
O Programa passou a existir após a participação do projeto “Coleção de
Moda para o 1° Veg Fashion” no 36° Congresso Mundial de Vegetarianismo
(2004), em Florianópolis, com um desfile. O desafio para esse evento foi
criar peças para o vestuário sem uso de material de origem animal e com
menos impacto ambiental.
Desde então, o Programa de Extensão Ecomoda vem se destacando,
por meio de seus projetos, como um difusor dos conceitos de produção
sustentável e de consumo consciente na área da moda.
Fundamentado na ética ambiental biocêntrica, nos princípios do
veganismo e na preservação do artesanato local, o trabalho do Programa
Ecomoda UDESC vem utilizando, em suas criações, rendas de bilro,
artesanato típico da cultura açoriana na Grande Florianópolis, além de fios
e tecidos de algodão orgânico e reciclado. A coleção de roupas “Primavera
Silenciosa” apresentada em novembro de 2010, na Università degli Studi di
Firenze, Itália, foi o primeiro trabalho com utilização de rendas de bilro
nas roupas. O segundo trabalho foi apresentado no Paraty Ecofashion,
em agosto de 2011. O diferencial, em relação ao primeiro trabalho, são as
rendas feitas com fios de algodão orgânico e reciclado.
31
Na visão de Vezzoli (2005, p.27), as ações humanas, para serem
consideradas sustentáveis, devem atender os seguintes requisitos: a) basear-
se fundamentalmente em recursos renováveis e, ao mesmo tempo, otimizar
o emprego dos recursos não renováveis (compreendidos como ar, água
e o território); b) não acumular lixo que o ecossistema não seja capaz de
reutilizar (isto é, fazer retornar as substâncias minerais orgânicas, e, não
menos importante, as suas concentrações originais); c) agir de modo com
que cada indivíduo e cada comunidade das sociedades “ricas” permaneça
nos limites de seu espaço ambiental, bem como que cada indivíduo e cada
comunidade das sociedades “pobres” possa efetivamente gozar do espaço
ambiental ao qual potencialmente tem direito.
O grande interesse pela questão ambiental, através de encontros,
trabalhos acadêmicos e reuniões envolvendo nações de todo o mundo,
demonstra uma crescente preocupação com a utilização dos recursos da
Terra. No entanto, apesar de todo o reconhecimento da importância de
um desenvolvimento compatível com os ciclos naturais, caminha-se para
um futuro que desafia qualquer noção de desenvolvimento sustentável e de
respeito à natureza.
32
A proposta de Taylor é uma tentativa de estabelecer as bases racionais
de um sistema de princípios morais, através do qual o tratamento humano,
para com o ecossistema natural e as comunidades selvagens, deva ser guiado.
Taylor argumenta que, independente dos deveres que os humanos possuem
para com os outros seres humanos, os humanos são moralmente requeridos
a se preocuparem com certas ações que possam beneficiar ou prejudicar
os seres selvagens no mundo natural. Assim, considera que o mundo
natural não é um simples objeto a ser explorado pelos humanos, nem as
criaturas utilizáveis como recursos de nosso uso e consumo. Ao contrário,
as comunidades de vida selvagens são merecedoras de preocupação moral e
consideração pelos humanos, pois possuem um tipo de valor que pertence
a elas inerentemente.
A formulação de uma ética ambiental, segundo Taylor, é necessária,
porque as plantas e os animais não são reconhecidos como tendo interesses
ou valores que devam ser levados em conta por si mesmos. Portanto, para
que ocorra a preservação do mundo natural, é preciso que seja respeitado o
valor inerente das coisas vivas, independente de qualquer valor instrumental
que possam ter para os humanos.
Na teoria da ética ambiental biocêntrica elaborada por Taylor, os
humanos devem identificar a sua existência, as suas relações com os outros
seres vivos e o conjunto de ecossistemas naturais em seu planeta, como
membros da “comunidade de vida da Terra”. Ou seja, os humanos devem
considerar-se parte integrante da natureza, e como tal, procurar valorizar
todas as formas de vida, permitindo a sua existência.
Colborn (2002) e outros biólogos colaboradores apresentaram
um levantamento detalhado e criterioso sobre os problemas ambientais e
humanos, causados por agentes químicos criados pelo homem e colocados na
natureza. O livro de Colborn é considerado como um dos mais importantes
sobre os efeitos de diversos produtos que estão sendo condenados pelos
ecologistas há mais de trinta anos. O primeiro livro que demonstrou os
efeitos dos produtos químicos sobre a vida selvagem foi de Rachel Carson,
em 1962, “Primavera Silenciosa”. O clamor que se seguiu à sua publicação
forçou a proibição do DDT e instigou mudanças revolucionárias nas leis
que dizem respeito ao ar, terra e água. A preocupação apaixonada de
Carson com o futuro de nosso planeta reverberou poderosamente por todo
o mundo, e seu livro foi determinante para o lançamento do movimento
ambientalista.
33
Hoje, os efeitos dos produtos químicos, para desespero da atual
civilização antropocêntrica, também estão evidentes no animal humano.
Segundo pesquisas que vêm sendo publicadas cada vez com mais
frequência, muitos produtos consumidos, principalmente alimentos e
roupas (que estão diretamente em contato com o corpo humano), contêm
produtos químicos que podem ser nocivos à saúde humana, podendo até
matar gradativamente, desencadeando câncer e outras doenças graves.
A proposta da ética ambiental biocêntrica pode trazer uma grande
contribuição para o gerenciamento do desenvolvimento humano
sustentável, avaliando suas ações, de forma a permitir que outros seres não-
humanos, rios, florestas, possam ter uma existência sem uma interferência
desmedida, e sem destruição e extinção.
Esse é o grande desafio da humanidade no século XXI: rever o
desenvolvimento humano de forma que seja possível manter áreas naturais
sem destruição.
10
Ética ecológica: antropocentrismo ou biocentrismo? José Roque Junges. Disponível em
<http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/801/1232> acesso em
15/07 2011.
34
diretamente da morte de um animal. Admitia-se, contudo, no
vegetarianismo, uma dieta que incluísse produtos de origem animal, tais
como leite, ovos e mel, ainda que os mesmos também acarretem danos aos
animais de quem são extraídos esses produtos, o que resulta, em última
instância, na sua morte provocada.
Nos anos 1980, cresceu a vertente abolicionista do movimento em defesa
dos animais, despertada pela expansão sem precedentes da exploração
animal, com a consequente escalada de abusos, levando a uma percepção
mais crítica e radical do paradigma bem-estarista e ao foco na centralidade
do problema da redução dos animais à condição de objetos e propriedade
dos seres humanos. O abolicionismo beneficiou-se da expansão do
pensamento intelectual sobre os direitos animais (STEPANIAK, 2000).
O veganismo ressalta a necessidade de uma alimentação saudável que
respeite os animais. Enfatiza a importância de preservar o solo e o uso
correto da terra, para que futuras gerações não a encontrem com erosão,
queimada, sem os minerais necessários para uma vida saudável. Os veganos
confiam em métodos naturais (alimentação pura, ar fresco, sol, exercício
etc.) ao invés de vacinas e medicamentos para manter corpo e mente
saudáveis.
A partir dos fundamentos da ética ambiental biocêntrica e dos princípios
do veganismo, que propõem uma relação de equidade entre humanos
e natureza, o desenvolvimento humano poderá efetivamente ser mais
sustentável. Para o vestuário, o uso de matérias-primas como fios e tecidos
orgânicos, a reciclagem dos resíduos gerados, a valorização do trabalho e
da cultura local são os caminho para uma produção e um consumo mais
coerentes com os novos tempos.
35
Segundo Cietta11 , nos anos 80, o mecanismo era copiar e vender o que
havia sido definido como moda para a temporada seguinte. Já nos anos 90,
o mercado passou a ter coisa demais para copiar. Atualmente, há o poder
das marcas e, além disso, copiar apenas não basta, tornou-se um risco. Por
isso, até as confecções menores passaram a investir no design. O fast fashion
envolve o consumidor no/pelo design do produto, na medida em que é
produzido aquilo que o consumidor deseja. O design é local, e a velocidade
exige que a produção também seja feita no local. No Brasil, ainda é um
movimento recente, mas com a internacionalização da moda brasileira, o
modelo de negócio no país vem se aprimorando e se tornando cada vez
mais importante para o consumo de massa.
Com o fast fashion, prever as tendências de consumo, característica de
muitas indústrias na cadeia têxtil-vestuário, é tarefa cada vez mais difícil
em razão da extensa variabilidade dos produtos, da forte segmentação, da
grande quantidade de informações que é necessário levar em consideração,
e dos ciclos de vida do produto, cada vez mais breves. É a diferenciação
horizontal do produto, a variabilidade infinita, a participação do consumidor
no processo de produção que tornam a previsão da tendência da estação
sucessiva muito mais complexa (CIETTA, 2010).
O fast fashion é a expressão máxima da efemeridade na moda e, como
antítese, surgiu o slow fashion. É o conceito que define que a moda terá
uma velocidade menor, com peças perenes, ou que, pelo menos, persistam
por mais de uma estação. É o movimento que defende peças duráveis, de
qualidade, para serem guardadas e não descartadas. Não se trata de uma
tendência e sim de um movimento, pois cada vez mais os consumidores
pensam na hora de comprar. As crises econômicas e ambientais, certamente,
contribuíram para a mudança no comportamento de consumo. A quantia
investida no consumo passa a ter importância e, por consequência, o
produto será melhor avaliado pelo consumidor.
Existem definições tratando o slow fashion como moda sustentável.
Usando tecidos ecológicos, agindo eticamente com os trabalhadores
(fairtrade), há uma mudança em relação ao sistema da moda. É a indicação
11
Disponível em: http://moda.ig.com.br/modanomundo/voce+sabe+o+que+e+fast+fashion/
n1237795692971.html Acesso em 17/06/2011.
36
de que algo tem que mudar em relação ao planejamento das coleções, à
produção, aos calendários, etc.
Com o slow fashion também se deve reorganizar o conceito de luxo,
apontando que o luxo não será ligado ao preço do produto, e sim à sua
disponibilidade e ao seu acesso. O acesso deve ser restrito, atendendo aos
desejos dos consumidores de serem únicos. É o que se pode chamar do luxo
simples, sem grandes exageros, sem gastar enormes quantias para obter o
produto. Ter exclusividade é fundamental, ou seja, trata-se de produtos que
não estão à venda em lugares de grande acesso ou até mesmo nas lojas mais
consagradas.
A estilista sueca Sandra Backlund12 está sendo chamada de precursora
do slow fashion. As peças que cria são todas feitas à mão pela própria estilista.
Ela faz peças por encomenda e se recusa a participar das temporadas de
moda em Londres, por ser contra o ritmo alucinante da moda.
Outro exemplo é dado pelos estilistas uruguaios Ana Livni e Fernando
Escuder13. Os produtos criados pela dupla são quase artísticos e, muitas
vezes, feitos à mão. São únicos, sem a preocupação da produção em massa
e a necessidade de novidades para o consumidor. O foco é diminuir o
consumo em excesso e trazer ao mercado peças duráveis e versáteis.
12
Disponível em: http://www.sandrabacklund.com Acesso em 18/06/2011.
13
Disponível em: http://www.analivni.com/MODAlenta-SLOWfashion/filosofia.html
Acesso em 18/06/2011.
37
5 Coleções “Primavera silenciosa” e “Um dia especial”
Partindo dos conceitos de ecodesign e de sustentabilidade ambiental,
fundamentados na ética ambiental biocêntrica, nos princípios do veganismo
e na preservação do artesanato local, a coleção “Primavera Silenciosa”
homenageia a bióloga Rachel Carson, considerada pelo jornal britânico
The Guardian, em 2006, como a pessoa que mais contribuiu para a defesa
do meio ambiente natural em todos os tempos. Com sua obra “Primavera
Silenciosa”, publicada em 1962, Carson inicia uma verdadeira revolução em
defesa do meio ambiente natural, desencadeando investigações sobre os
danos dos inseticidas e outros produtos químicos à saúde humana e para
as demais formas de vida. Reagindo, a indústria química multimilionária
gastou milhares de dólares para difamar sua pesquisa e seu caráter. Por ser
mulher, cientista, sem doutorado, amante de pássaros, coelhos, gatos, ser
solteira aos 54 anos, foi considerada uma histérica cuja visão alarmista do
futuro podia ser ignorada ou, caso necessário, silenciada.
Fonte: http://clinton2.nara.gov/WH/EOP/OVP/24hours/carson.html
38
Carson lutava, ao mesmo tempo, contra um inimigo mais poderoso
do que a indignação das corporações: um câncer no seio que evoluiu
rapidamente para uma metástase. Ela deixou o alerta de que “a humanidade
parece estar se envolvendo cada vez mais em experiências de destruição de
si própria e de seu mundo”.
Com a colaboração de alunos da UDESC, alguns já graduados pela
instituição, outros graduandos, além de professores e parcerias com
fornecedores, a coleção “Primavera Silenciosa” foi desenvolvida como uma
proposta para se repensar o sistema da moda diante da emergência por um
modo de vida ambientalmente mais sustentável.
Foram pesquisados materiais com menor impacto ambiental, como os
tecidos orgânicos, reciclados e reaproveitados. Também foram utilizados
produtos da cultura local como as rendas de bilro e os acessórios feitos por
artesãos. Além disso, buscou-se trabalhar com uma estética menos efêmera,
mais atemporal, para que as roupas sejam usadas por mais tempo, não
(“menos” não ficaria melhor?) sujeitas à moda passageira.
O Ipê, uma árvore da mata atlântica brasileira, que floresce durante os
meses de agosto e setembro, geralmente com a planta totalmente despida
da folhagem e cujos frutos amadurecem a partir de setembro a meados de
outubro, foi o tema escolhido para criação da coleção “Primavera Silenciosa”.
Os estágios de transformação do Ipê durante o ano: no inverno, folhas e
galhos secos, parecendo estar sem vida, então renasce na primavera com
suas flores brancas, amarelas, rosas e roxas, e no verão, o verde exuberante
das folhas e o marrom do tronco harmoniza o calor entre o céu e a terra,
inspiraram a estrutura da coleção “Primavera Silenciosa” que apresenta
peças com formas básicas, baseadas na alfaiataria. Uma roupa feita para
sair da passarela e ser usada por uma mulher consciente do mundo que a
cerca, que se veste bem e prima pela qualidade no vestir.
39
Figura 2: Looks da Coleção Primavera Silenciosa
40
O trabalho foi apresentado em Firenze, no Palazzo Medici, em 2010.
Durante a apresentação, mostrou-se todo processo de criação e execução da
coleção “Primavera Silenciosa”, desde a escolha do tema – uma homenagem
à bióloga Rachel Carson; as referências – o Ipê com suas fases: seco, floração
e verde; a escolha dos materiais – o algodão reciclado da Eco Simple, o
algodão orgânico da Justa Trama, as rendas de bilro de Zéllia dos Santos; até
o uso de sementes nas bijuterias desenvolvidas por Andréa Alves, os chapéus
artesanais de Yone Vecchi, as carteiras de retalhos de Isabel Possidônio e os
sapatos forrados com algodão reciclado pela empresa Raphaella Booz.
A segunda coleção, com rendas de bilro, “Um dia especial”, foi
desenvolvida a partir da formação do grupo AME (ONG ALICE, Museu
da UFSC e Ecomoda UDESC) em março de 2011, uma parceria para
desenvolver projetos de pesquisa e extensão entre as universidades UFSC e
UDESC, e a Ong ALICE14 com o objetivo de trabalhar no resgate da renda
de bilro, artesanato típico da Ilha de Santa Catarina, pesquisar a história
do saber das rendeiras, apresentar alternativas de aplicação das rendas em
outros produtos, como: roupas, acessórios, objetos de decoração e produtos
artísticos.
A coleção de roupas “Um dia especial” foi criada para o Paraty
Ecofashion, 2011. O objetivo do evento Paraty Ecofashion foi promover em
Paraty um grande encontro de estilistas, designers e estudantes de moda,
que tivessem como propósito a “Eco” moda. Escolas e faculdades com seus
alunos de moda de todo o Brasil mostraram no evento o resultado de suas
pesquisas traduzidas em vestimentas e outras peças.
A coleção de roupas “Um dia especial” apresentou roupas para um
dia muito importante na vida da mulher, o dia do casamento, dia em que
se celebra o início de uma vida compartilhada. Para celebrar esse dia,
a coleção foi desenvolvida com algodão orgânico e algodão reciclado,
com acabamentos em renda de bilro feita com fios de algodão orgânico
e reciclado; também foram reaproveitadas rendas prontas. Além das
roupas, foram criadas outras peças para o vestuário, como bolsas, carteiras,
bijuterias e sapatos.
14
(Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação, uma Organização não
Governamental com o objetivo desenvolver projetos de comunicação voltados para a área
social; discutir o comportamento, a ética e as tendências da grande imprensa; formar leitores
críticos; e contribuir para democratizar e qualificar a informação no país).
41
Maria Morena e tramóia foram pontos (piques) escolhidos para a
coleção, além de outras rendas tradicionais utilizadas em roupas para um
dia especial na vida da mulher, o dia do casamento. Do despertar, com uma
lingerie sob um chambre, ao momento do “sim”, num vestido de noiva, a
coleção apresenta uma proposta de roupas leves, estéticas e com rendas
delicadas para serem usadas nesse dia, e nos demais dias, enquanto as
roupas durarem.
FONTE: acervo pessoal (2011)
42
Assim, o projeto propõe documentar e, por meio da comunicação,
compor uma parceria para a preservação de um patrimônio cultural através
de sua difusão e discussão de projetos de geração de renda e sustentabilidade.
A renda de bilro é uma manifestação cultural e, como tal, deve
ser entendida como atividade social realizada por uma determinada
coletividade. Desse modo, ao aprendê-la, o sujeito apropria-se, não somente
de um fazer, mas de toda a história e valores que a caracterizam, sendo
que, ao mesmo tempo, imprime a estes sua marca singular. Ser renderia
consiste, assim, dadas as transformações que vêm re-organizando o viver
dessas mulheres nesse contexto social específico, em saber tecer, envolver-
se afetivamente com a atividade e comprometer-se com a sua história
(Zanella et. al, 2000).
Fazer renda, segundo as autoras, é o movimento em que o trançar fios
de significados produz novas rendas, onde o sujeito que tece é tecido pela
trama da história de que faz parte/participa.
A renda de bilro, também conhecida como renda de almofada, era, no
século XIX, uma atividade feminina praticada no âmbito doméstico. Surgiu
provavelmente do bordado, porém diferencia-se deste por trabalhar com
pontos no ar, sem tecido. Provavelmente sua origem remonta ao século
XV, na Itália, e foi introduzida na Ilha de Santa Catarina, então Desterro, no
século XVIII, pelos açorianos.
A confecção de renda é uma atividade que se desenvolveu principalmente
nas regiões litorâneas habitadas por pescadores e sua confecção contribuía
para a renda doméstica. É uma atividade passada de mãe para filha e é
comum gerações de rendeiras trabalhando juntas.
Com a aquisição da Coleção de rendas de bilro “Doralécio Soares”, em
2007, pelo Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), através da Caixa Econômica Federal,
o acervo de rendas do museu tornou-se o maior e mais conhecido no
estado, constituindo uma referência para pesquisadores interessados nessa
atividade. A referida coleção é constituída por 224 peças. Enfatiza-se a
importância da incorporação ao patrimônio do museu, por sua significação
e abrangência. O fato de sua guarda ser de uma instituição pública, que
tem como compromisso, entre outros, a difusão do conhecimento, é uma
garantia de que este patrimônio poderá ser usufruído pela coletividade.
Doralécio Soares, atualmente com 97 anos, é um pesquisador preocupado
com essa atividade, tendo publicado uma série de trabalhos sobre a renda.
43
O novo espaço expositivo do Museu da UFSC, finalizado em 2012,
constitui o maior espaço museal de Santa Catarina. Assim, os esforços
têm sido dirigidos para os trabalhos de pesquisa, catalogação e captação de
recursos para a informatização dos dados, visando a sustentar, de maneira
consistente e responsável, a ampliação do papel que desempenha um museu
no quadro científico e cultural do estado.
6 Considerações finais
O conceito de sustentabilidade pode ser trabalhado na moda desde
que as dimensões social, ambiental e cultural sejam consideradas no
desenvolvimento de produtos para o vestuário, propondo-se, para eles, um
ciclo de vida mais longo e fechado.
A proposta do slow fashion pode ser a direção para um novo sistema de
moda, onde o ethos do novo seja obtido não apenas pelo uso de matéria-
prima nova, mas também pela proposta de transformação de produtos
pela customização, reciclagem e outras técnicas artesanais ou industriais.
No caso de produtos feitos com matéria-prima nova, deve-se optar por
orgânicos ou reciclados que se regenerem no meio ambiente.
Quanto à dimensão cultural, o trabalho realizado com a renda de bilro
em peças para o vestuário estimulou as rendeiras tradicionais da ilha de
Santa Catarina e também as “novas rendeiras” a continuarem com um
trabalho artesanal que gera peças únicas e com valor agregado. Como
a moda tem forte influência nos jovens, trabalhar as rendas de bilro em
peças do vestuário com um visual jovem traz para o universo deles o
aspecto tradicional da cultura local. Além disso, ao se utilizarem materiais
orgânicos e reciclados, as peças têm um valor agregado a mais: a busca pela
sustentabilidade.
Existe uma convergência no discurso entre os teóricos da ética ambiental
biocêntrica, os veganos e alguns pesquisadores da sustentabilidade
ambiental quanto à necessidade de mudanças no sistema de valores éticos.
Essas mudanças de valores terão impacto direto nas ações humanas e, desse
modo, um desenvolvimento sustentável não parecerá algo forçado como
atualmente: será algo natural.
O programa de extensão Ecomoda, em conjunto com a pesquisa da tese
de doutorado que buscou os fundamentos da ética ambiental biocêntrica e
com os princípios do veganismo, pretende contribuir para uma mudança
44
na visão de mundo, a fim de que efetivamente se consiga harmonizar o
desenvolvimento humano com a preservação do meio ambiente natural.
As duas coleções desenvolvidas são exemplos de que o designer deve
aliar fundamentos teóricos ao fazer prático. A educação é fundamental para
uma sociedade sustentável. Os alunos e a sociedade precisam ser educados
para terem consciência de que o futuro se constrói no presente, e que é
necessário agir nesse presente, para que a humanidade seja sustentável e sua
existência viável no futuro do Planeta Terra.
Referências bibliográficas
45
SCHULTE, Neide Köhler. LOPES, Luciana Dornbusch. Sustentabilidade
ambiental: um desafio para a moda. Actas de Deseño n° 9, año 5, Univesidad
de Palermo, Julio 2010, Buenos Aires, Argentina.
46
Feminilidades e masculinidades:
um desafio para a moda contemporânea
Ivana Guilherme Simili
Emerson Roberto de Araujo Pessoa
Introdução
A concepção de que o corpo é uma produção cultural possibilita pensar
a relação entre a moda e os gêneros. Não precisamos de muito esforço para
entender a assertiva. Basta olharmos à nossa volta para percebermos que
não existe um corpo somente biológico, ele se dá a ver e é identificado pelo
modo como se revela aos nossos olhos. Nesse mostrar-se, há uma operação
de construção de significados para o corpo por intermédio do vestuário,
dos ornamentos corporais e de gestos, ou o que podemos denominar de
“estilística” apropriada aos gêneros, conforme pensada por Berenice Bento
(2006, p.04), ao anunciar que “o gênero adquire vida através das roupas
que compõem o corpo, dos gestos, dos olhares, ou seja, de uma estilística”,
concebida nas sociedades e nas culturas como “apropriada” ao sexo
masculino e ao feminino.
Portanto, nas estilísticas pessoais e individuais, ou entre os corpos
e as roupas, está a moda. Assim, quando olhamos para uma pessoa e a
identificamos como homem ou mulher, estamos disparando os gatilhos dos
“dispositivos sociais e culturais” da moda, concepção de Lipovestky (1989)
que se caracteriza como um instrumento de regulação e de normatização
das aparências.
No entanto, observamos, também, que existem pessoas que se vestem
de modo a confundir o que concebemos como moda feminina e masculina.
Essas pessoas produzem imagens de si e para si, de forma a embaralhar
os princípios com os quais estamos acostumados a lidar, pautados pelas
classificações de artefatos indumentários e aparências masculinas e
femininas e as dicotomias macho/fêmea; homem/mulher; feminilidades/
masculinidades.
Quem são elas? São aqueles classificados como “diferentes”, “estranhos”,
“esquisitos” e uma série de outros adjetivos para nomear que suas práticas de
vestir e as aparências que ostentam diferem da “maioria”. São os chamados
47
andróginos, travestis, drag-queens ou “crianças e pessoas problemas”,
porque não aceitam as regras e as normatizações da moda e não se curvam
à heteronormatividade que a fundamenta, com seus modelos hegemônicos
de masculino e de feminino.
Podemos afirmar que esses personagens visibilizam uma sociedade e
cultura com múltiplos gêneros, que desafiam, questionam a concepção do
que é a moda e de como ela é praticada e representada. Isso porque eles
colocam no centro do debate da moda as subjetividades e as sensibilidades,
ou o modo como concebem a si, o corpo e as roupas.
“A noção de sensibilidade parte das formas de ser e estar no mundo”,
escreveu Pesavento (2005). As sensibilidades desses personagens rompem
com os discursos universalizantes da heteronormatividade na moda,
inserindo com seus modos de ser e de vestir a pluralidade de vivências e de
representações de corpo, roupa e moda.
Neste ponto, lembramos, também, o que escreveu Bérgamo (1998, p.1):
“O sentido da moda está nas vivências, nas representações e naquilo que
orienta a relação das pessoas com as roupas, aprovando e desaprovando,
emitindo juízos de valor”. Por essa razão, as práticas de vestir e de
ornamentar os corpos, desenvolvidas por estes personagens, como produto
das sensibilidades nas relações estabelecidas com os corpos e nas vivências
com as roupas, instituem-se em caminho para pensar os desafios que eles/
elas fazem/lançam à moda, problemática que norteia os textos deste livro.
Entre os significados de desafiar está o de “provocar”. Esse é o sentido
que assumimos como verbo denotativo da ação desses personagens.
Consideramos que eles/elas provocam o debate sobre o que é moda, de que
ela é feita e como ela é construída. Ao provocarem, eles/elas permitem pensar
sobre como a sociedade e a cultura vêm lidando e tratando as diferenças de
corpos e gêneros, como a moda vem respondendo às demandas sociais e
culturais feitas pelos segmentos populacionais que não se enquadram nos
padrões estéticos e estilísticos dominantes; que não se curvam aos apelos
de uniformização e de uniformidade das aparências; que não aceitam a
concepção de identidades para as roupas e os ornamentos corporais como
masculino e feminino de maneira fixa e imutável.
Para chamar esses personagens para o diálogo, escolhemos analisar a
trajetória de dois personagens, conforme retratadas pela cinematografia. O
uso de filmes para a exploração de questões e temáticas de gênero vem se
revelando fecunda, dado os modos de operar da cinematografia diante de
48
problemáticas sociais e culturais. No caso em particular de nossa proposta
de análise, da produção cinematográfica passível de análise, fizemos a
seleção dos filmes “Minha vida em cor de rosa” (Ma vie em Rose, 1997),
dirigido por Alain Berliner, que narra a história de Ludovic, um menino
de sete anos que produz discursos para a sensibilidade e as vivências de
um garoto em seu contato e diálogos com seu corpo e as roupas da moda
infantil; e “Beautiful boxer (2004)”, dirigido por Ekachai Uekrongtham,
que conta a biografia do lutador tailandês de kick Boxer Nong Toom e seu
drama entre o corpo masculino e a subjetividade feminina.
Para Alcides Freire Ramos (2008, p.163), os filmes, juntamente com
as cartas, os diários, os romances, as memórias, os poemas, as pinturas,
as canções, as peças de teatro etc., constituem-se em documentos e em
vias de acesso para o conhecimento das sensibilidades – dos sentimentos
em suas diferentes formas e manifestações – rancores, temores, ódios,
desejos, sonhos aos quais incluímos medo, insegurança, dor, sofrimento,
afeto. O autor afirma ainda que as potencialidades dos documentos e seus
conteúdos, quando examinados sob o olhar das sensibilidades, constituem-
se em evidências do sensível, capazes de socializar e de fazer compartilhar
sensações e emoções, visto que o “sentir” está “nos outros e em nós”.
Portanto, os trabalhos de memória cinematográfica, para narrar os
sentimentos e as experiências vivenciadas por dois personagens, conduziram
a escolha dos filmes. Sua seleção foi orientada pela percepção do que cada
um dos indivíduos, em particular, retratados e representados nas narrativas
fílmicas, oferecia algo para pensar as sensibilidades: as maneiras de sentir o
corpo, de perceber e de usar as roupas, ou seja, algum conteúdo que podia
ser explorado para refletir sobre a moda e os questionamentos de gênero a
ela endereçados, do que é ser “macho”, do que é ser “masculino”, do que é a
“masculinidade”.
49
gestos e jeitos delicados, semelhantes aos das bailarinas. Além das roupas,
os cabelos de Ludovic, com o corte “Chanel” e franja, também criam para
o menino a aparência de menina. A afetividade e a sexualidade de Ludovic,
ou as formas de expressar interesse sexual e afeto pelo outro, ocorrem por
meio do colega e vizinho, com quem brinca de se casar, vestido de noiva,
inclusive.
Primeira cena: os pais oferecem uma festa para os vizinhos, dos quais
alguns são seus colegas de trabalho. Ludovic se prepara e desce as escadas
da casa maquiado, usando um vestido vermelho e sapatos de salto alto.
“Eu queria ficar bonito” é a explicação que o garoto oferece à mãe quando
ela pede que ele tire a roupa que estava vestindo e que lave o rosto. Em
outra cena, depois de ser pego brincando de casar-se com um menino,
representando-se como noiva, Ludovic justifica-se com a mãe: “Não queria
fazer nada de errado. Era uma surpresa”. Como entender Ludovic? A beleza
para ele estava nas vestimentas, nos ornamentos corporais e nos acessórios
(brincos e sapatos) usados pelas mulheres. Era “certo”, para ele, a surpresa
que envolvia o casamento e o vestido de noiva. Seria possível dizer que
Ludovic age e pensa como menina? O que é ser menina? Ludovic, assim
como nós, acredita que ser menina é ter determinados comportamentos, é
usar determinados tipos de roupas; é criar para si uma narrativa compatível
com o que a sociedade e a cultura esperam de uma menina.
As expectativas sociais e culturais, que recaem sobre as meninas,
narram um modelo de feminino e de feminilidade por intermédio das
roupas. Neste modelo, o feminino predominante está no uso de vestidos, de
maquiagem, de sapatos altos; está no vestido de noiva, como marcador de
uma etapa da vida e da sexualidade heterossexual, em que, por intermédio
do casamento, a família ratifica o modelo conjugal; está na calcinha como
símbolo e marcador de uma cobertura para o sexo e uma referência para a
sexualidade que historicamente foi concebida para a procriação.
50
Fonte: Minha Vida em Rosa
Ludovic expressa e comunica, com todas as letras, seu gosto pelas cores
e formas “femininas”. O que o garoto dá a ver, pelo seu modo de olhar para
o mundo e para as roupas, são construções de aparências femininas sobre
um corpo biológico de menino. Ao expor seu gostar, ele produz discursos e
visualidades que ajudam a pensar as operações de gêneros sobre os corpos
e as aparências.
Ludovic obriga a pensar sobre as construções de gênero que permearam
a história da moda. Ele exige que seja recordado que o surgimento da moda
no século XIV, na Europa ocidental, na interpretação de Lipovestky, foi
marcado por um ato inaugural de uma forma de conceber os corpos e as
roupas. Na ótica do autor, o processo de crescimento das cidades europeias
e a organização da vida na corte, que está na base da constituição da moda,
foram associados a outro fator, que diz respeito à separação e à distinção
entre as roupas para homens e para mulheres. O “gibão”, estofado e curto
para os homens, que destacava o tórax, e os calções longos, apertados nas
pernas e com braguilhas que, por vezes, tinham formas fálicas, e a nova
linha do vestuário feminino, sublinhando as “ancas” e fazendo aparecer
no decote “os ombros e o colo”, teriam sido emblemáticos na moldagem
dos corpos e das aparências de homens e mulheres. Ainda, de acordo
com o autor, a separação e a distinção de corpos e roupas, ocorreram por
intermédio da valorização de certas partes corporais, em detrimento de
outras, que, além de definir o masculino e o feminino, passaram a exercer
51
um papel importante na estimulação do olhar, dos jogos de sedução e de
encanto entre uns e outros.
Na interpretação de Lipovestky, encontramos subsídios para pensar
como o modelo da heterossexualidade norteou o surgimento da moda
e, principalmente, como as roupas serviram para dotar de significado a
heterossexualidade. A produção e a reprodução desse modelo ressoarão no
século XVII, acompanhando a noção de infância e de roupas adequadas
aos meninos e às meninas. Rousseau, como um dos pais da moda infantil,
vai expressar e comunicar que a cultura dos corpos e das aparências para
meninos e meninas ajudaria no desenvolvimento infantil, o qual devia ser
conduzido de forma que cada um pudesse cumprir os papéis sociais como
homens e mulheres.
Na leitura de Roche (2007, 40-423), as concepções teóricas de Rousseau
para a infância em seus elos com as roupas são definidas no livro Emílio.
Para aquele pensador, as roupas das crianças deviam ser ajustadas de forma
que pudessem explorar o mundo, para que brincassem com liberdade,
para que fosse uma expressão da idade e não uma réplica dos adultos e
suas indumentárias. Porém, elas deviam ser usadas de acordo com a sua
“natureza”, a qual era concebida como elementos “biológicos e naturais”
a uns e outros. Portanto, as roupas deviam preparar as crianças para
serem homens e mulheres, seguindo o modelo dominante de masculino
e feminino, ou seja, para o homem, a vida cívica, o espaço público do
trabalho e seus negócios; para a mulher, a vida doméstica e as coisas que lhe
pertencem: a família, o marido, a cozinha, etc.
Muitos anos se passaram. No entanto, esta história está nos livros
e em nossa memória porque dela participamos, na medida em que
também fomos educados pelas roupas e pela moda. Conforme escreveu
Crane (2006, p.454): “as roupas da moda personificam os ideais e valores
hegemônicos de um período determinado”. Por outro lado, “as escolhas de
vestuário refletem as formas pelas quais os membros de grupos sociais e
agrupamentos de diversos níveis sociais vêem-se a si mesmos em relação
aos valores dominantes”.
Os ideais e os valores hegemônicos para definir e caracterizar o masculino
e o feminino podem ser narrados por intermédio de nossas roupas e,
certamente, daquelas que vestiram Ludovic até o momento em que, aos sete
anos, ele começou a fazer as suas escolhas e seu olhar recaiu sobre formas,
cores e detalhes da indumentária feminina. Os vestidos, as bijuterias, os
52
sapatos de salto alto, o cor de rosa encantam e seduzem Ludovic e ele os
prefere. Certamente o pai e a mãe do garoto o vestiram como menino e
acreditaram que as roupas ajudariam a fazê-lo entender o papel social que
devia desempenhar como homem. Com certeza o vestiram na maternidade
e durante muitos anos com roupas azuis, com os trajes adequados à idade e
ao desenho de seu sexo. Tanto é verdade que o short, uma versão das calças,
normatizadas pela moda como indumentária masculina, no formato curto,
permeia a narrativa dos visuais do menino.
Na infância dos meninos, o short e a bermuda se tornaram emblemáticos
do masculino ou das modelagens das subjetividades dos garotos como
pertencentes aos segmentos masculinos da população. As concepções de
que os meninos são mais inquietos, mais conquistadores, desbravadores
e exploradores do mundo que as meninas – definições estas que foram
compartilhadas pelas sociedades e culturas ocidentais e que a escola, a
família, a Igreja e outras esferas pedagógico-culturais trataram de produzir
e reproduzir, tais como a literatura, o cinema, mídia etc. – é que vieram a
transformar o short/bermuda em elemento da formação das identidades de
gênero.
Nesse sentido é que caminha a reflexão de Hollander (1997, p. 17),
ao mencionar que “na moda moderna, a sexualidade das roupas é a sua
primeira qualidade; as roupas dirigem-se em primeiro lugar ao eu da
pessoa, e somente depois ao mundo”. Para completar, a autora afirma
que “A excitação com o transexualismo no vestir mostra apenas o quão
profundamente acreditamos, ainda, em separar simbolicamente as roupas
dos homens e das mulheres, mesmo que em muitas ocasiões ambos se
vistam da mesma forma”.
Pois bem, embora na atualidade os shorts e as bermudas sejam
usados por meninos e meninas – muito embora hoje a roupa “aproxime”
simbolicamente os dois universos, o que para muitos é denominado de
“unissex” –, na verdade, são dois mundos separados e distintos, em razão
de que expectativas diferentes recaem sobre as crianças quando as usam.
Esses múltiplos sentidos foram captados pela cinematografia para narrar
a trajetória de Ludovic. Em uma das cenas, de bermuda e camiseta, ele
dança com a mãe. Neste momento, ela concebe que os “gostos e os modos
de Ludovic” são decorrentes da idade e de suas fantasias. Trata-se de um
instante leve e alegre vivenciado por mãe e filho, no qual ele veste bermuda
e camiseta.
53
Fonte: Minha Vida em Rosa
54
garotas. Além disso, os gestos corporais de tocar nas partes íntimas sobre
as roupas, como é o caso de ajeitar o pênis e o saco escrotal, também são
motivados. Pai e mãe passam a acreditar que a psicologia pode dar conta
desse recado e transformar o filho em homem, tanto que o levam para ser
“tratado”. Em casa, Ludovic ouve gritos: “Você é um homem, jamais será
uma menina”!
As cores mudam. A roupa é a mesma: bermuda e/ou calça de moletom
e camiseta e/ou blusa de moletom. Reforçam-se, assim, os princípios
educativos das roupas e das aparências para a masculinidade. A maneira
como Ludovic responde a isso tudo é o silêncio e o olhar triste.
Foto: Minha vida em cor de Rosa
55
a proposta da aniversariante para trocarem de roupas. Ela se veste como
menino e ele como menina, como apreciava fazer. A prova evidente de que
Ludovic continuava o mesmo leva a mãe ao desespero. Ele apanha da mãe,
chora e diz: “vou me vestir normal”.
Aliás, o sofrimento de Ludovic é o que o filme faz o espectador sentir. O
menino parece questionar a plateia em busca de respostas às perguntas: por
que não posso me vestir e me comportar como uma menina? Onde e quem
escreveu que existem corpos, roupas, comportamentos, desejos e fantasias
de homem e mulher? Quem inventou isso e por quê? Digam-me: por que
razão não posso adotar a aparência de menina, se ao meu olhar ela é mais
bonita e interessante que a de menino? Por que meu gostar de “coisas de
mulheres” faz que as pessoas me vejam e digam que sou “viado”?
O pior é que ninguém da plateia ousa responder. Talvez a resposta tenha
sido dada na última cena, em que a menina, a aniversariante, confessa à
mãe de Ludovic que partiu dela a proposta de troca de roupas, a qual é
acompanhada pela “naturalidade”com que a mãe da garota concebe o gesto
e o comportamento das crianças.
Este momento do filme é extremamente rico para refletirmos sobre
como as mudanças sociais e culturais promovidas por segmentos sociais e
grupos étnicos, raciais e de gênero, estão se refletindo na moda. Talvez fosse
mais apropriado dizer que o filme é uma narrativa para as alterações nos
comportamentos e nas subjetividades coletivas diante dos questionamentos
que personagens como Ludovic fizeram e fazem à moda.
Se dividirmos o filme em dois momentos, é possível afirmar que, num
primeiro instante, o modo de ser e de viver de Ludovic é interpretado
como “garoto problema” pela sociedade, representada pelos vizinhos;
num segundo, a aceitação das diferenças mostra-se suavizada pelas “novas
vizinhas”, a filha e a mãe. Em nossa maneira de entender, o filme parecer
metaforizar as mudanças nas percepções sociais com relação aos “diferentes”,
as quais, sem sombra de dúvida, tiveram a contribuição dos movimentos
femininistas que se propuseram entender os fios de suas análises para as
masculinidades.
O que ficou claro para as feministas dos anos 1990, época do filme, é
que as feminilidades e as masculinidades deviam ser entendidas de forma
relacional, pois era preciso entender como se constituíam os masculinos e
os femininos, e que a fixação do olhar sobre as mulheres comprometeria as
alterações sociais e culturais almejadas.
56
Para esclarecer a afirmação, recorremos ao balanço historiográfico sobre
gênero e feminismos em suas interfaces com temáticas relacionadas às
mulheres e aos homens e, por consguinte, com tópicos relativos aos modelos
consagrados de feminilidades e de masculinidades. Patrícia de Sant’Anna
(2005, p. 90) observou que o movimento feminista iniciado na década de
1970, ao questionar símbolos e códigos arraigaidos de mulher, tais como o
casamento, a maternidade etc., foi acompanhado por um outro movimento,
o qual foi conduzido por homossexuais que questionavam e reivindicavam
a visibilidade para as suas causas, entre elas, a sua especificidade social
e sexual. Foi a partir desses movimentos que o modelo tradicional de
homem, “seu estatuto de universal e genérico”, começou a ser questionado,
prolongando-se até a contemporaneidade.
Um dos eixos dos estudos e debates foi gerado pela percepção de
que os conceitos de virilidade, força, coragem, entre outros elementos
culturais que pertenciam ao universo masculino e formatavam o modelo
de masculinidade, precisavam ser enfrentados. Sem ações claras e nítidas
nas atitudes dos homens na relação que mantinham com eles mesmos
– com seus corpos, seus comportamentos, seus sentimentos –, e em seu
relacionamento com as mulheres, o mundo social pautado pelas relações
igualitárias entre os gêneros ficaria comprometido. Em suma, era e é preciso
mudar um e outro, homens e mulheres, para que exista uma sociedade mais
justa e democrática, pautada e orientada pelo respeito, pela solidariedade
entre os gêneros.
Na moda, em particular, na história do vestuário, a percepção registrada
por Hollander, pode ser tomada como fio condutor para pensar nas
permanências e nas mudanças que ainda se fazem necessárias nas relações
entre as roupas e os gêneros. Diz a autora:
57
sentido exemplar - estamos longe do tempo em que as roupas e a moda
não desempenharão o papel de modeladoras de aparências de gênero.
No entanto, devemos agradecer a Ludovic e às “novas vizinhas” pelas
contribuições que deram à moda para pensar as masculinidades e as roupas
em outros moldes, avançando e arejando as concepções arraigadas e os
modelos tradicionais de homem e de masculino.
58
Fonte: Beautiful boxer, 2004.
59
Com Parinya, os sonhos estéticos acalentados por Toom transformam-
se em realidade visual. Os cabelos longos, apreciados pelo garoto desde
a infância, como algo bonito e que gostaria de, um dia, incorporar à sua
estética, juntamente com os detalhes dos seios que as roupas passaram a
delinear, revelam um homem transformado.
O percurso visual de Toom a Parinya é finalizado no filme por intermédio
de uma frase: “É duro ser homem e é difícil ser mulher, mas o mais difícil é
tentar não esquecer quem de verdade queremos ser”. A frase condensa um
diálogo entre dois “eus”, um masculino, que cede lugar a outro feminino. A
parte masculina do jovem diz que precisa ir e que a linda mulher em que
Toom se transformou já não precisava mais dele.
Podemos entender a frase como reflexo de um debate íntimo, entre
corpo e alma, ou entre matéria e espírito. O que Toom parece tentar dizer
pode ser sintetizado com uma das discussões de Foucault:
De certa forma, é o corpo que faz a lei para o corpo. Contudo, a alma tem
seu papel a desempenhar, e os médicos a fazem intervir: pois é ela que
incessantemente se arrisca a levar o corpo além da sua mecânica própria
e de suas necessidades elementares; é ela que incita a escolher momentos
que não são apropriados, a agir em circunstâncias suspeitas, a contrariar
as disposições naturais.(FOUCAULT, 1985, p. 136)
60
cinematográficos e midiáticos, sejam permeadas pelos crivos e pelas
seleções de versões, pautadas por leituras e interpretações que ele
realiza para si, disseminando representações sobre/para a sua trajetória,
consideramos que as representações por meio das quais ele/ela se dão a
ver e a conhecer expõem as maneiras como os modos de ser e de existir
das pessoas constituem-se em mecanismos de subversão da ordem e das
normas da masculinidade hegemônica.
A masculinidade hegemônica, explica Sabat (2001), é marcada
por características como força física, agressividade, competitividade e
heterossexualidade. Porém, assevera a autora, nas últimas décadas está
sendo minada por outros códigos de representação, como a androginia,
o homem metrossexual. Na emergência de novos códigos e símbolos, a
moda e a mídia desempenham papéis importantes, ou seja, manifestam
o surgimento de novos padrões estéticos para as masculinidades. Nesse
ponto, é preciso esclarecer que falar em masculinidade hegemônica não
significa dizer que existe uma forma correta de ser homem. Significa
dizer que há um padrão construído que envolve determinados tipos de
comportamentos, de sentimentos, de interesses e de vestimentas. São
todos significantes construídos junto a significados que constituem em
determinado momento histórico o que é percebido como masculino,
ou melhor, como a masculinidade, que se opõe à feminilidade, e que se
sobrepõe a outras formas de masculinidade.
Em paralelo às representações dominantes e hegemônicas para a
masculinidade, desde os anos 1960, grupos sociais desenvolveram formas de
vestir e de construir aparências que desmontam suas bases de sustentação.
Segundo Crane (2006, p.382), naqueles anos, como parte do movimento de
liberação sexual, “subculturas gays” puderam florescer mais abertamente
na Europa e nos Estados Unidos e um dos questionamentos por eles
endereçados à moda dizia respeito às definições existentes de masculinidade
e de feminilidade, fazendo experimentações com identidades de gênero
e estilos de vida. Nos anos 1970, essas subculturas haviam se constituído
como um mercado de consumo, convertendo-se em formadores de opinião
para o resto da população, difundindo produtos (entre os quais perfumes e
adereços para homens), roupas e cortes de cabelo.
Ainda de acordo com Crane (2006, p.386), nos anos 1980, na Europa,
observa-se um movimento mais amplo do mercado da moda, pautado
na preocupação de alguns estilistas de inserirem a expressividade sexual
61
dos homens como assunto do estilismo. Fazem parte desse momento/
movimento as calças agarradas, os shorts, as bermudas e calças justas de
ciclistas, que passam a ser usadas nas ruas, e que foram criados para “revelar,
não para esconder os genitais”. Os cabelos longos, na forma de “perucas
empoadas do século XVIII, completavam as alusões à feminilidade”.
Crane (2006, p. 387) menciona também que esses “desafios à
masculinidade hegemônica” prosseguiram na década de 1990, com o uso de
materiais e acessórios identificados com as mulheres, como bijuterias, fitas
de cetim, xadrez de gingham rosa e blusa de nylon azul pastel. “De acordo
com um estilista, ‘se as roupas são para homens ou mulheres é algo que está
na cabeça de cada um”.
Portanto, as mudanças observadas na moda masculina e nas
masculinidades desde os anos 1960 indicam que, embora as representações
hegemônicas e dominantes estejam sendo minadas ou dividam espaços
com outras formas de conceber as aparências, no geral, asseverou Crane
(2006, p. 354) que “para a mentalidade popular, a identidade masculina é
fixa e inata e não socialmente construída”. Nessa mentalidade, o interesse
pela moda e pelos usos de vestuário tende a ser interpretado como algo
efeminado. “Um homem considerado masculino não precisa cuidar da
aparência, pois a masculinidade não é tida como função da aparência”.
Voltando ao nosso personagem, Toom/Parinya, pode-se afirmar
que ele/ela produz vários discursos de moda e performances visuais que
ultrapassam os usos das roupas e dos acessórios femininos ou de cuidados
com as aparências. Se concordarmos com Kathia Castilho (2004, p.89),
para quem a moda é uma linguagem que plasma ou modela o corpo
por meio da apropriação do corpo biológico do sujeito, promovendo
transformações que agregam novos sentidos, conferem novos valores e
desencadeiam o jogo entre o ser e o parecer”, é possível dizer que o que
Toom/Parinya faz é aproximar o parecer do ser. Em outras palavras, ele/
ela usa a moda para mostrar como sente o corpo. O que ele/ela evidencia,
nas etapas de seus percursos, é que a moda serve para exteriorizar como
se vê, como dimensiona a relação entre corpo e alma, em que as roupas e
as modificações corporais servem para expressão do que traz no íntimo de
seus pensamentos e modos de ver a si.
Talvez a grande contribuição desses sujeitos à moda esteja justamente
em indicar a necessidade de a moda pensar/refletir sobre os modelos
consagrados de feminino e de masculino, sobre os quais a sua história foi
62
construída. Neste ponto, trazemos para o texto as reflexões de Taisa Sena
(2011) e de Adair Marques Filho; Samarone Nunes e Ana Lucia Galinkin
(2012).
Sena (2011) comenta que vivenciamos um momento em que o
masculino, assim como o feminino, é relido. Nesse instante, seus valores
não são abandonados, mas atualizados e confirmados de uma maneira
plural, verificada na construção imagética masculina, em que as alterações
nas manifestações artísticas e de mercado apontam para a redefinição e
ampliação do espaço, para que os sujeitos masculinos reorganizem novos
sentidos. Assim, observa-se que o homem contemporâneo, a partir do
vestir, constrói novos significados sobre o seu corpo e começa a manipular
muito mais os elementos estéticos para sua constituição.
Marques Filho, Nunes e Galinkin (2012, p.86-87), ao analisarem as
influências das imagens midiáticas na emergência de novos padrões
corporais e imagéticos masculinos na sociedade brasileira contemporânea,
afirmam que é possível estarmos adentrando em outro momento histórico:
“Momento em que as representações de masculinidades estejam sendo
redefinidas pelas imagens veiculadas pelos canais midiáticos, pelas novas
organizações de parentalidade, pelas novas configurações identitárias, pelos
deslocamentos conceituais percebidos na pós-modernidade”, mediante a
diluição dos conceitos do sexo fundamentado no biológico e nas identidades
fixas. Sendo assim, é inegável que cada vez mais homens e mulheres adotam
novos padrões de comportamento mediados por imagens, e a moda
certamente contribui para isto.
Os autores afirmam que, na sociedade e cultura contemporâneas, muitas
mudanças são observadas nos conceitos e definições de corpo e moda.
Nessas e para essas mudanças, Toom/Parinya deu as suas contribuições
para fazer pensar.
Finalizando, o que Ludovic e Toom/Parinya demonstram em suas
trajetórias de vida são as relações entre construções estéticas e corporais
e as nossas definições e vivências de masculinidades e feminilidades. O
modo como vivenciam suas subjetividades permitem questionar premissas
e balizas naturalizantes que relacionam o sexo, o corpo e as roupas. Ao
construírem para si imagens femininas com a utilização da indumentária,
eles demonstram a plasticidade dos corpos e dos gêneros, suas definições
de acordo com cada cultura e os desafios a serem enfrentados pela moda
contemporânea.
63
O que a história da moda nos mostra são os caminhos percorridos para
a construção de um modelo hegemônico de feminino e masculino, bem
como a maneira pela qual as roupas serviram para dotar de significados
a heterossexualidade, estabelecendo e limitando práticas específicas para
cada gênero, e o fato de que a moda pode ser um dos caminhos a serem
explorados para as novas possibilidades de vivenciar as masculinidades.
De certa forma, o que os personagens selecionados para o diálogo
neste texto reivindicam é o direito de elaborar uma “narrativa própria
materializada num estilo de vida ou num estilo de masculinidade
específico” diante de uma gama de possibilidades para o masculino, uma
das características marcantes da contemporaneidade e que durante séculos
foi pensado “único ou essencial”. (MONTEIRO, 2005, p. 115).
Enfim, romper com conceitos hegemônicos de masculinidades e
feminilidades e roupas adequadas para cada sexo pode contribuir para
romper com os padrões sociais e culturais que geram os preconceitos e as
desigualdades de gêneros.
Referências Bibliográficas
BENTO, Berenice. Corpos e Próteses: dos Limites Discursivos do
Dimorfismo. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 7. Sexualidades,
corporalidades e transgêneros: Narrativas fora da ordem. (ST16). Disponível
em: <http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/B/Berenice_Bento_16.
pdf>. Acesso em 23 julho, 2010 às 23:41.
CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das
roupas. Tradução Cristiana Coimbra. São Paulo, Senac, 2006.
64
FIGUEIRA. Márcia Luiza Machado. A revista Capricho e a produção de
corpos adolescentes femininos. In. LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane
Felipe;
GOELLNER, Silvana Vilodre (Org.). Corpo, Gênero e sexualidade. Um
debate contemporâneo na educação. 3 ª edição. Petrópolis, RJ, Vozes, 2003.
65
RAMOS, Alcides Freire Ramos. Imagens das sensibilidades revolucionária
no cinema brasileiro dos anos 1960. In: RAMOS, Pesavento; PATRIOTA,
Rosangela; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Org.) Imagens na história. SP:
Hucitec, 2008. P.163-180.
66
O conforto em lingeries:
moda, praticidade e inovação
Claudia Schemes
Denise Castilhos de Araujo
Introdução
A relação entre corpo e saúde é tema recorrente de estudos, artigos
e matérias de revistas dos mais variados tipos (científicas, semanais,
femininas). Já, sua relação com a vestimenta ainda é temática pouco
abordada.
Se no século XIX, havia a “medicina vestimentária”, que buscava
sanar os problemas que a moda trazia às mulheres; hoje há a “medicina
estética” que busca corrigir os problemas que as mulheres julgam apresentar,
a fim de poderem se adequar às tendências da moda. Este artigo procura,
portanto, analisar essas relações entre corpo feminino, saúde, conforto e
inovação na vestimenta, através da análise de algumas peças publicitárias
selecionadas.
Moda e saúde
A saúde da mulher esteve sob forte controle da moda, principalmente
por influência do espartilho, que surgiu no século XVI e tornou-se peça
obrigatória do vestuário feminino até o século XIX. Essa era uma peça que
afinava a silhueta, marcava a cintura e aumentava os seios, representando
o ideal de feminilidade da época. Apesar de ser prejudicial à saúde, as
consequências da utilização dessa peça eram aceitas pelas mulheres que,
de modo geral, não se rebelaram contra seu desconforto durante vários
séculos.
Desde a Antiguidade, o busto e a cintura feminina já tinham algum tipo
de suporte, que eram normalmente faixas de tecido amarradas ao corpo. Na
Idade Média, essas amarrações se tornaram mais firmes, e os tecidos mais
rígidos, mas foi a partir do século XVI da Idade Moderna que a forma que
conhecemos hoje começou a ser definida.
Até o século XVIII, acreditava-se que o corpo era um volume no
qual circulavam fluidos que, se fossem estagnados, levariam à doença e à
67
morte, e o espartilho era uma das peças da indumentária feminina mais
propensa a esses infortúnios, já que era fonte de opressão e deformação dos
seios, além de prejudicar a amamentação (RAINHO, 2001).
A medicina vestimentária condenava, também, as anquinhas, os saltos
altos, as crinolinas e todos os adereços que pudessem prejudicar o corpo
feminino e, consequentemente, sua função básica, a maternidade.
Os espartilhos, entretanto, eram aceitos para as mulheres mais
velhas, pois, segundo tese apresentada na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro em 1855:
68
de tédio e lhe embota os sentimentos (Revista O Sexo Feminino apud
RAINHO, 2001, p.131).
69
passou a ser vigiado constantemente, com o intuito de evitar o consumo
desnecessário de calorias. E, além desse cerceamento, surgiu a necessidade
de “queimar” as calorias através de atividades físicas em academias de
ginástica, exigência que culturalmente recai mais sobre o corpo da mulher.
A pressão por uma estética corporal
Como o culto ao corpo está cada vez mais presente nas sociedades,
as indústrias de beleza vêm se aprimorando a cada dia com inovações
tecnológicas para que homens e mulheres estejam cada vez mais próximos
da “perfeição”. As academias de ginástica triplicaram em número nesta
última década e a cada dia surgem novos métodos que se adaptam a cada
estilo de vida.
Segundo Vargas (1998), aqueles que, por ventura, não experimentam
a cumplicidade de culto ao corpo em uma academia, certamente fazem de
outras maneiras, seja nas roupas que vestem, nas dietas, cirurgias plásticas,
etc. O nosso atual código de ética (social) é a estética, porque ela acaba por
assumir um papel de “laço” social, pois para a mulher um “corpinho sarado”
vale mais que uma “mente brilhante”.
As mulheres estetizam o próprio corpo mais que os homens, tanto pela
roupa, quanto pela maquiagem e adereços, esculpindo-o por exercícios
físicos e pela dieta. Pela atividade física e o controle do corpo, as mulheres
constroem sua imagem, definindo, cada uma a sua maneira, a própria
leitura de sua identidade feminina.
Para Queiroz (2000), várias das características femininas e masculinas
relacionadas à atratividade sexual, vêm sendo acentuadas pela moda, bem
como pela cirurgia plástica – implantes de silicone, lipoaspiração, etc.
Outro motivo que causa frustração às pessoas é a supervalorização da
magreza. O mercado da moda produz a sua coleção baseada nos corpos das
modelos que estão cada vez mais altas e magras, esquecendo que a maior
parte da população que desfila pelas ruas não tem corpo de manequim.
As mulheres, nessa situação, são as que mais sofrem e ficam obcecadas
pela magreza e dietas que, na maioria das vezes, são malsucedidas.
Ullmann (2004) coloca que a consequência dessas dietas baseadas no uso
de anfetaminas, laxantes, diuréticos e até mesmo cirurgia de redução do
estômago, é o aumento dos casos de anorexia, bulimia e depressão profunda.
Por outro lado, é importante lembrar que a roupa é uma extensão do
corpo, ela representa, de forma temporária o que o corpo quer comunicar,
podendo-se moldar aos desejos do indivíduo de forma fácil. A essas
70
oscilações temporárias, denomina-se moda. Enfim, Castilho e Martins
definem a relação moda e corpo da seguinte maneira: “A moda, enfim,
é regida por contínuas operações de transformação do parecer do corpo
sobre o ser (corpo biomorfológico)” (2005, p.83).
A moda/roupa remodela o corpo, mas não pelo modo de constrição e
reestruturação física; as tendências submetem o corpo a moldar-se da melhor
forma, para poder portar as roupas e mostrar esse corpo. Anteriormente,
apertava-se, ajustava-se, expandia-se o corpo através da roupa para obter e
manter a silhueta desejada. Antigamente o vestuário era sinônimo de status
e poder, hoje o corpo é quem reflete o status das pessoas, as diferencia.
Interessante observar que nessa “tarefa” de remodelagem dos corpos,
a lingerie tem ocupado papel contundente desde o início do uso de peças
como os espartilhos, que objetivavam remodelar o corpo feminino através
do esmagamento de boa parte do tronco das mulheres, até as lingeries
atuais (NAZARETH, 2007).
Nazareth (2007, p.155) afirma que a “indústria da lingerie procura
atender à demanda por benefícios estéticos, sensoriais, de conforto e
também pelas possibilidades de reconfigurar o corpo”.
A afirmação do autor é possível de ser verificada no anúncio publicitário
que segue, da marca de lingeries Liz. Essa peça publicitária ocupou uma
página inteira de uma revista de moda feminina, a Estilo, no mês de outubro
de 2010.
71
Ela é dividida ao meio, sendo que na parte superior há quatro modelos
vestidas de lingeries (sutiãs, calcinhas e bodies), de cor da pele. As modelos
olham diretamente para o receptor, conotando segurança e satisfação,
provavelmente com seus corpos e pelas lingeries que vestem. Ao lado dessa
imagem, há um texto que diz o seguinte: “Sentir-se magra, ainda mais
atraente e elegante, com liberdade para escolher desde a blusa decotada
até aquela calça branca tão sonhada. Por que não? Você pode, você deve.
Afinal, o mundo inteiro usa. Liz solutions. Under control – Reduz medidas,
remodela”.
O texto explora de maneira intensa a aproximação da marca e seus
produtos com as consumidoras, através do uso do pronome de tratamento
“você”; como outra estratégia de convencimento, a empresa lembra à
consumidora de que ela deve se sentir magra, ou, ao menos, parecer que
o é, deve ser atraente e elegante também. E, para isso, sugere o uso de
algumas roupas, as quais ficarão muito bem com o uso das peças íntimas
anunciadas, e essas roupas ocupam lugar de sedução na sociedade, como
uma blusa decotada, ou uma calça branca. Ambas as peças são, muitas
vezes, refugadas pelas mulheres pelo fato de revelarem as formas corporais,
mas a empresa afirma que se esse for o desejo da consumidora, ela poderá
realizá-lo. Outro aspecto intrigante no anúncio é a assertiva “Afinal, todo
mundo usa”, revelando, assim, que há um padrão de estética feminina, o
qual é exigido atualmente.
Na parte inferior do anúncio, outras três modelos estão dispostas, em
pose semelhante a das modelos da parte superior. Ao lado das modelos,
outro texto: “Estética. Disfarça imperfeições. Não marca sob a roupa. Sutiãs
com laterais que emagrecem”. Abaixo há a logomarca e o site da empresa.
A partir da leitura desse texto, observamos a necessidade de parecer ter
um corpo perfeito, escondendo tudo aquilo que a sociedade não deseja que
seja revelado: as imperfeições que as mulheres têm. Notamos que a lingerie
não é mais somente uma peça de roupa, ela constitui-se em um meio para
atingir certa construção corporal.
Então, verificamos que o corpo sofre, sim, influências da moda, de
várias formas, especialmente, de forma visual, porque a moda se estrutura,
essencialmente, em valores estéticos. Não só as tendências de moda são
responsáveis por essas mudanças, entendendo a cultura como uma relação
de valores morais e estéticos, podemos dizer que estes mesmos valores
culturais são grandes responsáveis por tais decisões, são imagens que a
72
sociedade impõe. Então, a fim de ser aceito, o indivíduo se sujeita a elas.
Porém, as exigências estéticas modificam-se de tempos em tempos, criando
novas tendências. Considerado o corpo como linguagem, afirmamos que,
atualmente, é ele (o corpo) quem muda, o vestuário busca se adequar a
ele, de modo que represente de forma coerente aquele corpo (CIDREIRA,
2005). Hoje, o corpo é vulgarizado, sensualizado e “plastificado”; é essa
imagem que é vendida pela mídia e endossada pela cultura da sociedade.
Na sociedade contemporânea há um corpo fabricado e construído
por ideais estéticos ditados pela própria sociedade. A reconstrução desses
corpos é impulsionada por tais valores estéticos, a partir da necessidade
de embelezamento que o indivíduo passa a sentir. A adoção destes valores
gera, como conseqüência, um movimento de pertencimento dentro deste
grupo. Por esta razão, o indivíduo utiliza de artifícios a fim de se fazer aceito
e, entre estas armas, podemos citar algumas vestimentas, que se enquadram
como elementos propícios para possíveis transformações imediatas, e talvez
efêmeras, mas desejadas pelo sujeito.
Essa questão foi claramente abordada no artigo publicado pelo Jornal O
Estado de São Paulo, em março de 2010, que alerta para o fato dos espartilhos
estarem de volta com um apelo de moda muito forte, com a promessa de
ajudar na redução de medidas. Segundo o jornal, o espartilho é feito com
várias camadas de tecido resistente e reforçado por barbatanas de alumínio
ou aço inoxidável e ele pressiona áreas estratégicas (os dois últimos pares
de costelas) quando a amarração das costas é puxada e apertada. E, para
modificar o formato natural dessa parte do corpo, a peça deve ser usada
diariamente e por longos períodos.
73
Os médicos consultados pela reportagem desaprovam a utilização dessa
peça do vestuário. Segundo o cirurgião vascular Fábio Haddad, o abdome
é pressionado excessivamente, precipitando o aparecimento de varizes e
inchaço nas pernas, o que, em casos extremos, pode causar uma trombose.
Diz ainda que “a pressão interna eleva o diafragma, modificando a dinâmica
respiratória. Isso pode levar à atelectasia, resultado da diminuição da
ventilação pulmonar, o que pode provocar acúmulo de secreções e até uma
infecção”(http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,a-volta-do-
espartilho,523325,0.htm).
O uso desses novos espartilhos remete a uma reflexão já realizada por
Del Priore (2000), a qual lembra que essas modificações estéticas são,
muitas delas, “copiadas” de mulheres que não têm a mesma estrutura física.
Ou seja, somos um povo mestiço, que tenta assemelhar-se às mulheres
europeias ou americanas em algumas características físicas. A autora chama
a atenção para a febre das “Barbies”, que são mulheres com seios volumosos,
cabelos louros, cintura fina e lábios grossos.
As mulheres contemporâneas sentem a necessidade de cuidar de seus
corpos, não só para serem saudáveis, mas, principalmente, para serem
bonitas (seguindo um determinado padrão de beleza). Então, “malhar” o
corpo é a exigência atual, seja através de práticas esportivas, seja através
de cirurgias plásticas, ou através do uso de determinadas roupas que
“disfarçam” as formas indomáveis de algumas mulheres.
Por outro lado, no anúncio da empresa Trifil, podemos observar uma
revelação interessante, um sutiã que pode ser usado “todos os dias, o dia
todo”.
74
Imagem 3 – Anúncio da marca Trifil
Fonte: Revista Manequim, ed.615, out 2010, p.7
75
Outro texto selecionado para essa discussão é o da empresa Scala.
Nesse anúncio, há a imagem de uma mulher vestida com lingerie preta: o
sutiã é forrado com renda, e a calcinha tem babados nas laterais.
76
Observando esses anúncios de revistas e a matéria do Jornal Folha de S.
Paulo, podemos notar que o conceito de inovação na moda - roupas íntimas
- é apresentado de duas maneiras: ou pode ser um retorno ao passado e
ao desconforto em prol do remodelamento do corpo (espartilho), ou a
utilização de uma linha básica e cômoda ligada à inovação tecnológica
com tecidos mais confortáveis (Liz, Trifil e Scala), mas também buscando o
modelamento do corpo.
Podemos afirmar que, em ambos os casos, identificamos uma
importante regra do mercado da moda, ou seja, a adaptação às necessidades
e desejos dos consumidores, apresentando, para isso, produtos inusitados
(COBRA, 1997). Além disso, é importante mencionar o fato de empresas,
como as dos anúncios apresentados, estarem se voltando para a utilização
de materiais os quais introduzem novidades para a lingerie feminina, pois
permitem mais conforto para as consumidoras, o que, como vimos nos
próprios anúncios, é algo que revela novidade no setor.
Conforme Cardoso (2012), “formular um desafio é projetar
capacidades para além do presente, impulsionando a ação, o movimento
de construir ou de ser algo diferente, de ocupar outro espaço [...] Assumir
desafios é atraente e ameaçador”.
Apesar dessa dicotomia, observamos que o mercado da moda está
cada vez mais voltando sua atenção aos princípios da inovação: renovação,
invenção, criação de algo que seja novo.
Considerações finais
Vive-se numa sociedade que preconiza a construção da imagem do
corpo belo e saudável (independente de ser ou não realmente saudável).
Neste processo, a mídia cria ícones de beleza e saúde, produz modelos
a serem seguidos e que muitas vezes são tipos distorcidos de beleza e,
principalmente, de saúde.
Os padrões estéticos preconizados na sociedade são, algumas vezes,
condições fundamentais para que o indivíduo possa considerar-se
integrado a um determinado grupo. E o interessante é que, efetivamente,
muitos indivíduos deixam-se persuadir por esse discurso da necessidade de
ser belo, ser esbelto, ser alto, ter cintura fina, alterando suas formas físicas
sem medo de algum efeito colateral.
A mulher do século XXI, a despeito de toda a sua trajetória de luta contra
a opressão e pela liberdade, permanece dependente de uma sociedade de
77
consumo, que se refere não somente a produtos, mas a imagens corporais
desejáveis para essa época.
Percebe-se, também, que a cultura circulante, em relação à mulher,
enfatiza a aparência física em detrimento de sua capacidade intelectual.
Entende-se que o ideal de corpo preconizado pela nossa sociedade, e que é
veiculado pela mídia, leva as mulheres a uma aparente insatisfação crônica
com seus corpos. Insatisfação essa que é suprida através da transformação
dos corpos, seja por uma peça de roupa que aperta, enxuga, levanta, aumenta
ou diminui o corpo; seja através de uma interferência mais drástica, como
as cirurgias e os implantes. O corpo deve ser belo e a saúde não é o mais
importante para uma grande parcela da população que almeja determinada
imagem estética, a qual é, constantemente, reiterada pela mídia. E, dessa
forma, cada um deve se empenhar na luta contra o tempo, na batalha contra
a degeneração e obsolescência funcional do corpo (COUTO, 2001).
Nesse contexto, algumas marcas de roupas íntimas parecem oferecer
alternativas de conforto e bem-estar que estão associadas à transformação
dos seus produtos via inovação tecnológica, ao mesmo tempo em que uma
indumentária desconfortável, como o espartilho, também se apresenta
como uma inovação no vestuário íntimo. Podemos inferir, portanto, que
inovação em moda é um conceito no qual o novo e o tradicional convivem
harmoniosamente.15
Referências bibliográficas
15
Sobre conceitos de inovação ver SIMANTOB, M. e LIPPI, R. Guia Valor Econômico de
Inovação nas Empresas. São Paulo: Editora Globo, 2003.
78
COBRA, Marcos. Algumas reflexões acerca do marketing da moda.
Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v.37, n.4, outubro/
dezembro de 1997
DEL PRIORE, Mary. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das
transformações do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Editora SENAC,
2000.
79
ESPARTILHO, entendendo o universo feminino. Disponível em http://
espartilho.wordpress.com/curiosidade-a-historia-do-espartilho/ Acesso
em 20/09/2010
80
Com que roupa eles iam?
O desafio de constituir acervos de
indumentária no Brasil.
Laura Ferrazza de Lima
16
NORA, Pierre. Lieux de memoire. V 1, 2 e 3. Paris: Gallimard, 1997.
17
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. A moda e seu destino nas sociedades modernas.
São Paulo: Companhia das letras, 2003.
81
rende-se aos trajes do passado. Por sinal, um dos mais completos acervos
do gênero encontra-se no Japão.
Afinal, por que qualificar a roupa como um objeto da cultura material?
Essa última incluiria todos os objetos manipuláveis que os homens do
passado deixaram visíveis para nós, além da arquitetura, da arte e dos
documentos tradicionais. Eles nos legaram pequenos nadas: os objetos de
seu cotidiano, suas roupas, etc. Por que as preservaram? Eles as valorizavam,
o que se comprova pelo fato de as transmitirem em testamento para a família.
Encontram-se inúmeros exemplos de trajes e tecidos que são mencionados
em documentos desse tipo18. Significa que esses “nadas” falam muito sobre
o apreço pelo vestir.
A moda difunde-se em diferentes grupos sociais e constitui uma marca
de historicidade, o rastro de um tempo vivido que merece análise19. A noção
de rastro, tratada por Paul Ricoeur, ultrapassa a de documento. “Rastros”
seriam as marcas deixadas pelos que já passaram: uma presença viva dos
mortos. Tudo pode ser rastro para o pesquisador, desde que ele formule
bons questionamentos sobre esses vestígios – os quais, segundo o autor,
são também produtos da atividade humana, das coisas manejáveis que
deixaram uma marca. Então, a roupa é uma marca do tempo que passou?
Ela própria seria um rastro, e também o material que se produziu sobre ela
(imagens e textos).
Dessa maneira, a roupa torna-se um “artefato”, um objeto da cultura
material que merece ser preservado e receber o estatuto de documento
histórico. Reside nisso outro grande desafio: convencer os pesquisadores de
que a roupa, mais do que um bordado sobre o pano da história, é uma das
fibras que compõem o tecido da qual essa é feita. Entram em jogo, aqui, as
questões de patrimônio, de preservação e de memória. Constituir acervos de
indumentária, seja no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, é uma tarefa
que deve ser tomada pelos historiadores, mas igualmente pelos museus,
pelos governos, pelos designers de moda e pela própria população. Não
podemos identificar a roupa apenas como uma expressão do supérfluo, dos
jogos efêmeros da moda. É precisamente no caráter fugidio do fenômeno
que reside sua riqueza analítica.
Acreditar na validade do estudo das aparências – daquilo que está na
superfície dos objetos, como é o caso da moda e das roupas – é algo que nos
faz questionar o próprio estatuto do conhecimento científico, pois abala o
desejo de aproximar-se de uma verdade última. Alguns filósofos acreditam
82
que a verdade das coisas esteja apenas no nível do aparente, naquilo que
cada um de nós julga estar vendo20. Segundo Lars
Svendsen, “vai um pouco contra a natureza da filosofia escrever sobre
moda”21 . Ele refere-se à tradição platônica que coloca a realidade de um
lado e as aparências de outro, distinguindo profundidade e superfície.
Apesar das resistências aos estudos da moda pela filosofia, o autor
traçou um panorama de diversos filósofos que trataram do tema, seja para
criticá-lo ou para dele tirar conclusões; e, por fim, afirma: “a moda é pura
superfície”22. Apesar disso, ou exatamente por esse motivo, o fenômeno da
moda é importante: assim como os antigos céticos afirmavam que o mundo
fenomênico contém suficientes complexidades para embasar e instigar o
conhecimento , também naquilo que se considerou a superfície e a aparência
encontram-se relevantes fenômenos a se analisar para a construção do
conhecimento.23Um exemplo disso são os estudos das sensibilidades.24As
sensações pertencem à esfera do imaterial, assim como os sentimentos e
mesmo o “gosto”. Porém, para estudá-las, nós precisamos de fontes que as
expressem, de materialidades dessas sensibilidades. No caso do gosto ou
da moda em si, podem-se utilizar as imagens produzidas sobre o tema e as
próprias roupas que traduzem a forma de vestir no passado.
Uma vez que a roupa molda os corpos e as atitudes, ela compartilha
a capacidade presente nos artefatos de agir, de produzir efeitos. Nas
18
Vide o trabalho de Daniel Roche que utiliza apenas documentos escritos para tratar sobre
a moda francesa dos séculos XVII e XVIII. ROCHE, Daniel. A cultura das aparências: uma
história da indumentária (séculos XVII – XVIII). São Paulo: SENAC, 2007.
19
Sobre marcas de historicidade: RICOEUR, Paul. Entre o tempo vivido e o tempo universal: o
tempo histórico. IN: Estudos Avançados. Campinas: Papirus, 1997.
20
ARENDT, Hanna. A vida do espírito. O pensar. O querer. O julgar. V. 1- O pensar. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1992.
SVENDSEN, Lars. Moda: uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 19.
21
Idem, p. 19.
22
LESSA, Renato. Veneno Pirrônico: ensaios sobre o ceticismo. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
23
1997. p. 169-170.
SENNET, Richard. Autoridade. Rio de Janeiro: Record, 2001.
24
Cultura Material – São Paulo, 1870 – 1920. São Paulo: EDUSP, 2008. p. 12.
83
palavras de Ulpiano Bezerra de Meneses: “os artefatos nos moldam, nos
constituem”25. O movimento historiográfico que instituiu a ampliação da
noção de documento não representou uma completa novidade ao reclamar
o uso de documentos não verbais (caso das imagens e dos artefatos e por
consequência das roupas). Conforme o autor, os historiadores atualmente
estão mais sensíveis aos documentos visuais, mas nem tanto para o estudo
da dimensão material da sociedade. Exemplo de um trabalho interessante
nesse sentido é o livro Gênero e Artefato de Vânia Carneiro de Carvalho.
Nessa obra, a historiadora analisa o sistema doméstico da cidade de São
Paulo (1870 – 1920) através dos objetos da cultura material.
Na introdução de seu livro, a autora define os objetos de luxo como sendo
raros e inúteis. A função deles seria decorrente da capacidade socialmente
atribuída aos mesmos de produzirem valores e sentidos, que podem ser
mágicos, religiosos, estéticos, sociais ou políticos26. Qualquer semelhança
com o consumo de roupas não é mera coincidência. O consumo de luxo
possui uma estreita relação com a indústria têxtil e, por consequência,
com a indústria do vestuário. Fáceis de transportar e confeccionados com
matérias-primas raras e preciosas como fios de metal e seda, os tecidos eram
o símbolo da riqueza dos príncipes do medievo europeu, período marcado
pela forte mobilidade espacial das cortes.
A partir do final do século XVIII, os tecidos estiveram no centro das
transformações na estrutura de produção. Foram alvo de investimentos
tecnológicos e objeto da criatividade artística. Aqui há uma referência clara
à Revolução Industrial que se iniciou justamente com a invenção do tear a
vapor. Começou, assim, uma transformação sem precedentes na produção
de têxteis e, consequentemente, de roupas. Durante o século XIX, a
fascinação pelos tecidos adamascados aconteceu graças à industrialização,
que baixou os custos e tornou acessível uma mercadoria que manteve a
força aurática de um objeto de luxo27.
Além dessa reflexão sobre os tecidos, o trabalho de Vânia Carvalho
nos propicia outros paralelos com a questão da roupa e de seus acervos. As
dificuldades apontadas pela autora para a formação de coleções de objetos
da cultura material aparecem também na constituição dos acervos de
indumentária. Segundo ela, a reunião desse material de cunho “histórico”
tem um perfil pouco sistemático, fruto de aquisições esporádicas, doações
pouco seletivas, políticas descontínuas, parcos recursos financeiros e
ausência de vínculos orgânicos com a pesquisa28. Essa série de problemas
84
é comum em nosso país, quando se trata da formação de diferentes tipos
de conjuntos documentais. Além disso, a autora destaca que o enfoque
historiográfico dado a essas coleções acaba privilegiando objetos de exceção,
associados, muitas vezes, a algum personagem famoso.
Encontrei uma situação semelhante no Museu Júlio de Castilhos,
na cidade de Porto Alegre, quando realizei uma exposição de peças de
indumentária de seu acervo29. A instituição possui certo número de
exemplares de trajes, sendo que poucos deles são expostos de forma
permanente. Algumas exposições de pequeno porte são idealizadas a
fim de dar a ver esses documentos30. Contudo, não há uma catalogação
precisa desse material. Recebido por doação em épocas remotas, sobre
eles restam poucas informações a respeito dos doadores ou da história das
peças. Existem exemplares que datam do século XVIII, XIX e da primeira
metade do XX. A coleção é composta por sapatos, roupas e acessórios, tais
como luvas e chapéus, tanto femininos como masculinos. Existem alguns
itens de indumentária que pertenceram a figuras importantes da história
política do estado e do país, como a cartola de Borges de Medeiros, o fraque
de Júlio de Castilhos e ternos de Getúlio Vargas. Faltam recursos para
um arquivamento eficaz das peças, mas deve destacar-se a dedicação e o
cuidado dos funcionários do museu em conservar esse material da melhor
forma possível.
Daniel Roche nos fala da importância de observar as alterações no
traje, para acompanhar as mudanças sociais de gosto. Para observar tais
mudanças, temos de preservar da melhor maneira possível os vestígios
materiais que se referem à vestimenta, desde a roupa em si, passando pela
imprensa de moda, inventários, etc. Segundo ele, existem cinco categorias
fundamentais de documentos específicos para o estudo da história do
vestuário: as roupas, os tecidos, as fontes pictóricas, as fontes da história
social, familiar ou comercial, e as fontes filológicas. Vamos nos deter aqui
mais profundamente sobre o primeiro tipo de documento citado. O autor
refere-se às roupas antigas como fontes originais e diretas, daí a necessidade
de acessá-las. Segundo ele, as coleções de vestuário e os museus da moda
devem levantar duas questões: “o que se preserva?” e “o que se pode
preservar?”31.
O desafio para a preservação do vestuário começa pela fragilidade do
material do qual ele é feito: os tecidos. Isso explica a parcialidade das coleções;
é raro encontrar em exposição roupas anteriores ao século XVII, mesmo
85
na Europa. Conservaram-se mais os trajes exteriores; roupas brancas são
raríssimas. Outra colocação relevante de Roche refere-se às classes sociais
mais representativas nos acervos de indumentária: “o acesso histórico
direto é até certo ponto socialmente comprometido, pois predominam os
trajes aristocráticos e as belas vestimentas, sendo raras as roupas comuns.”
. Apesar disso, o autor, assim como outros especialistas da área, afirma a
relevância desse material. Afinal, através dele, podemos aprender coisas
que não se encontram em nenhum outro tipo de documento. Eles dão vida
às descrições das fontes arquivísticas, permitem a reflexão sobre as formas
vestimentares, o uso dos tecidos, a ornamentação dos trajes, a variedade
de cortes, a utilização de bordados e outros detalhes. Revelam as variações
entre as imagens que representam a indumentária de uma época e sua forma
real. E ensinam, através de uma educação visual, a distância e a diferença
entre os trajes do passado e os atuais.
O problema da conservação dos tecidos torna-se central, uma vez que
é nesse ponto que os acervos de traje sofrem grandes limitações. A lã, por
exemplo, é uma vítima das traças, motivo pelo qual se perdeu uma enorme
quantidade de roupas produzidas com essa matéria-prima na era moderna.
Por outro lado, tecidos como a seda, o algodão, o linho e o cânhamo
resistiram mais, dando às coleções de trajes expostas um ar de festa, um
aspecto bucólico, uma impressão de eterno verão. Segundo Roche: “é
indispensável o conhecimento dos têxteis e dos materiais empregados
na confecção das roupas, pois necessitamos constantemente comparar o
tecido e o traje...”33. Esse tipo de conhecimento auxilia na identificação e
catalogação das peças, bem como em sua colocação no tempo e no espaço e
nas categorias sociais. Conforme o autor, o estudo dos tecidos e aviamentos
gera questionamentos a respeito dos hábitos sociais de uso, das variações
sazonais e dos níveis de produção.
Além disso, é preciso confrontar os tecidos preservados e as imagens do
vestuário de um mesmo período. Afinal, a vestimenta e seus pormenores
foram também representados pela arte. Se o tempo desgasta boa parte do
30
Outro exemplo foi uma exposição sobre vestidos de noiva organizada por Célia Ribeiro no
Museu Júlio de Castilhos de Porto Alegre em 1989.
31
ROCHE, Daniel. Op. cit., p. 23.
32
Idem, p. 24.
86
brilho dos tecidos, as pinceladas dos artistas ou de ilustradores podem
dar uma ideia de seu aspecto original. As ilustrações permitem também
identificar alguns tecidos ou analisar a confecção e as técnicas de manufatura
doméstica. A moda se expressa nas (e através das) imagens. Sem elas, não
teríamos como conhecê-la. Ambas praticamente se confundem e possuem
cada uma delas, formas materiais. No caso da moda, isso pode estar evidente
nas roupas, acessórios, objetos em geral; mas ela não se restringe apenas a
isso: “é um fenômeno social amplo que se aplica a todas as arenas sociais.”34
No caso das imagens, a materialidade está no suporte – ou seja, o quadro
em si, a fotografia que pode ser manuseada, a estátua que podemos tocar, e
assim por diante.
As gravuras de moda ou fashion plates surgiram no início do século
XVIII. Antes disso, já existiam os chamados costume plates, que registravam
a moda depois do acontecido: ou seja, mostravam como as pessoas se
vestiam em períodos anteriores (ainda que, muitas vezes, tratassem de
épocas recentes). O público que consumia essas imagens era reduzido,
limitando-se a aristocratas curiosos, profissionais da moda de alto nível
e artistas em busca de modelos35. A novidade dos fashion plates residia,
primeiramente, no fato de que essas imagens indicavam o que as pessoas
deveriam usar para estarem na moda – não eram um simples registro, mas
uma espécie de guia de estilo.
O surgimento e a expansão dos fashion plates marcaram, portanto,
o início da imprensa ilustrada de moda, o que possibilitou uma maior
variedade nas roupas femininas e uma mais ampla circulação das
informações sobre vestimentas. A princípio, os fashion plates eram
publicados em fascículos avulsos ou em almanaques – itens de alto custo,
que só podiam ser adquiridos por pessoas abastadas. Contudo, nessa época,
já circulavam cópias clandestinas – ou “piratas”36 – desses figurinos. Na
segunda metade do século XVIII, porém, essas gravuras passaram a ser
33
Ibidem, p. 24.
34
SVENDSEN, Lars. Op. cit., p.13.
35
ROCHE, Daniel. A cultura das aparências: uma história da indumentária (séculos XVII-
XVIII). São Paulo: SENAC, 2007. p 29.
36
Idem, p. 29
87
publicadas em revistas femininas, que eram acessíveis a um público mais
amplo. As primeiras edições nesse modelo surgiram na Inglaterra.
37
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras,
2006. p. 146.
38
BOUCHER, François. Historia del traje en occidente. Barcelona, Espanha: Editora Gustavo
Gili, 2009. p. 259.
39
ROCHE, Daniel. Op. cit., p. 30.
40
Idem, p. 30.
88
gravuras, não eram pintores famosos, mas especialistas na representação de
vestimentas – tais como Pierre-Thomas Leclerc. Houve, contudo, exceções,
como Antoine Watteau que, além de pintar quadros, também se dedicou à
produção de figurinos de moda. Havia casos de artistas que eram ao mesmo
tempo ilustradores e gravuristas, como Jean-Michel Moreau, o Jovem que
produzia entalhes a partir de seus próprios desenhos.
Outro fator que torna os fashion plates profundamente significativos é
o fato de terem sido os antecessores das fotografias de moda. Annateresa
Fabris, que faz um apanhado geral do impacto e dos debates gerados pela
criação da fotografia, menciona em determinado momento a relação entre
esta e a moda. A autora cita Mayer e Pierson, autores que enumeraram
os múltiplos usos da fotografia – entre os quais se destaca a difusão dos
modelos criados pela moda. Segundo os autores, esses modelos “conferem
à imagem fotográfica o papel de um auxiliar poderoso numa colonização
cultural discreta, (grifo meu) mas capaz de assegurar a primazia da França
no mundo.”.41
Essas imagens garantiram uma ampliação sem precedentes na divulgação
da moda, que antes era feita somente através das poupées des modes –
bonecas de aproximadamente um metro de altura vestidas com os últimos
modelos de Paris, que viajavam pelas cortes europeias em carruagens. As
gravuras, por outro lado, podiam ser transportadas de forma mais rápida
paraa diferentes cortes e países. A gravura de moda foi, portanto, de meados
do século XVIII até pelo menos a invenção da fotografia, o mais importante
meio imagético para a difusão de novidades no setor do vestuário.
Contudo, seria muito redutor acreditar que a moda é tal qual aparece
nas gravuras, fotografias e revistas sobre o tema, assim como nas pinturas de
uma época. Elas são uma representação, e cada uma apresenta seus limites
enquanto “verdade imagética”. Cada uma utiliza uma técnica diferente
– a pintura e a gravura. No caso desta última, nem sempre conseguimos
ver os detalhes dos bordados, das estampas, das rendas; elas fornecem
principalmente uma ideia geral da estrutura dos trajes; nem mesmo as cores
que utilizam são confiáveis. Tampouco podemos simplesmente acreditar
que todas as mulheres seguiam à risca tais indicações. Ainda mais perigoso
41
FABRIS, Annateresa. A imagem técnica: do fotográfico ao virtual. IN: FABRIS, Annateresa;
KERN, ML. Imagem e conhecimento. São Paulo: EDUSP, 2006. p. 162.
89
é acreditar nos trajes que vemos nos quadros, porque aí a liberdade dos
artistas dificulta muito uma tipificação. A imagem pode transmitir um
conjunto de coisas como, por exemplo, o contexto social, cultural e político
em que foi elaborada, mas não de forma clara e explícita.
Afinal, a imagem não deve ser vista como reflexo do real, mas sim
resultado de uma trama em que tempos heterogêneos convivem; ela contém
algo da época em que foi criada, mas também existe nela muito do passado
e projeções de futuro.42Resumidamente, podemos dizer que a imagem é
portadora de memórias, e como tal, tem muito a dizer sobre os períodos
que a antecedem – mas nunca de forma linear. Observar essa montagem de
tempos requer não apenas comparar as roupas entre si, mas também com
imagens que as evocam, nesse jogo entre a imagem e a memória.
A montagem de um acervo de indumentária requer não apenas as peças
de roupas antigas, mas o cruzamento entre essas fontes tridimensionais e
as referências textuais e principalmente imagéticas que possam dialogar e
acrescentar reflexões sobre os trajes. Quando se procura datar uma peça de
vestuário é necessário buscar referências. Podemos compará-la com outras
peças já datadas, mas também com as descrições que encontramos em livros
de história do vestuário, em textos do período em que ela é mencionada,
seus usos, etc. Além, é claro, das imagens do período correspondente onde
aquele modelo de roupa apareça representado. A descrição da indumentária
de um período, seus pormenores estilísticos e a variação do pequeno até o
grande detalhe podem ser relevantes. Tais minúcias trazem informações,
como a hora do dia ou a ocasião em que determinado traje devia ser usado.
Num sentido mais amplo, essas informações podem ajudar a localizar
temporalmente as vestimentas. Assim, através da descrição de como eram
os trajes de uma determinada época e dos vestígios materiais dos mesmos,
podemos verificar até que ponto um artista pretendeu ser fiel ao estilo da
época, ao produzir uma pintura, ou ao entalhar uma gravura.
O poeta Charles Baudelaire, no século XIX, já falava na importância das
imagens de moda. Em seu texto “O pintor da vida moderna”, ele exalta a
qualidade de um conjunto de gravuras de moda anterior a sua época:
42
DIDI-HUBERMAN, Georges. Ante el tiempo. Historia del arte y anacronismo de las
imágenes. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2008. p. 137.
90
Tenho diante dos olhos uma série de gravuras de modas que começam na
Revolução e terminam no Consulado. Esses trajes que provocam o riso de
muitas pessoas insensatas, essas pessoas sérias sem verdadeira seriedade
apresentam um fascínio de uma dupla natureza, ou seja, artístico e
histórico. Eles quase sempre são belos e desenhados com elegância, mas
o que me importa, pelo menos em idêntica medida, e o que me apraz
encontrar em todos ou em quase todos, é a moral e a estética da época43.
43
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1996. p. 8.
44
BOUCHER, François. Op. cit., p. 09.
91
destruição. Deve-se levar em conta que a maior parte das peças que existem
nas coleções públicas e privadas remontam raramente a períodos anteriores
ao século XVII. Mesmo daquele século se conhecem poucas vestimentas
autênticas, exceto na Inglaterra e nos países nórdicos, e são especialmente
raras as que se conservaram desde a Idade Média.
Boucher nos mostra uma deficiência mundial no que se refere a espaços
de preservação do traje. Segundo ele, há poucos museus especializados no
tema; na maior parte das vezes, o que se encontra são seções dedicadas às
vestimentas em museus mais gerais. Porém, não existiam coleções desse
gênero anteriores a 1850. Outro problema apontado é o fato de que, nesses
espaços, frequentemente, os trajes só são considerados como elementos
decorativos ou acessórios secundários.
Um exemplo internacional de museu dedicado exclusivamente às
vestimentas é o Instituto da Indumentária de Kyoto (IIK), no Japão. Ele
apresenta, em seu acervo, trajes ocidentais e orientais a partir do século
XVII. Essa instituição entende a vestimenta a partir de uma perspectiva
sociológica, histórica e artística. A instituição considera que a vestimenta
é uma forma de expressar os sentimentos humanos básicos, e que tal
expressão variou ao longo do tempo 45. Foi fundada em 1978 e abriga uma
das coleções de peças do vestuário mais completas do mundo. A ênfase
de seu acervo é a indumentária feminina ocidental. O Instituto reúne
uma ampla gama de peças históricas, como: roupas de baixo, calçados e
acessórios de moda, cujas datas de fabricação vão desde o século XVII até
a atualidade.
Atualmente a coleção do IIK compreende dez mil artigos de vestimenta
e mais de vinte mil documentos impressos. Os materiais se constituem
principalmente de roupas ocidentais e artigos relacionados com a mesma,
como roupa de baixo, roupa branca e acessórios. A diversidade do acervo é
comprovada pela presença de peças como um corselete de ferro com o corpo
bordado que data do século XVII e que se usava na época Elisabetana46,
até trajes atuais de criadores como Yves Saint Laurent e Calvin Klein. O
acervo foi composto através da doação de designers contemporâneos e de
45
INSTITUTO DE LA INDUMENTARIA DE KIOTO. Moda: una historia desde el siglo XVIII
al siglo XX. Tomo I: siglo XVIII y siglo XIX. Colônia: Taschen, 2006. P. 13.
46
Idem, p. 14.
92
colecionadores particulares. O ambiente é profissionalmente controlado; a
temperatura e a umidade são cuidadosamente vigiadas. Esses procedimentos
garantem que a coleção esteja a salvo do passar do tempo e de outros fatores
de deterioração. O IIK somente substitui algum artigo da coleção quando é
estritamente necessário e nesse caso o faz cuidando ao máximo dos detalhes.
Segundo Akiko Fukai, diretora principal do Instituto da Indumentária de
Kioto, a instituição possui uma política própria. Essa seria oposta à tendência
geral das últimas duas décadas, que dá mais atenção ao estabelecimento da
estrutura museística que à qualidade dos artigos contidos na instituição47.
Dessa maneira, o Instituto não conta com um espaço próprio de exposição
em grande escala, realizando, a cada quatro ou cindo anos, grandes mostras
que são alocadas em diferentes museus pelo mundo. As exposições são
concebidas, a fim de apresentar a história geral da moda ocidental como
uma propriedade cultural universal da qual todos podem desfrutar.
Nesse ponto surge um importante debate sobre as especificidades do
trabalho com as vestimentas. Conforme a curadora do IIK, uma exposição
sobre indumentária requer um enfoque diferente do que uma de pintura
ou escultura48. Um exemplo dessa diferença é a necessidade do uso de
manequins para mostrar a roupa. A maior parte dos museus reconhece que
estes são um elemento básico para a adequada exibição das peças. Surge,
então, um problema: a moda alterou-se no transcurso do tempo, tanto na
técnica de fabricação da roupa como na forma básica do corpo feminino. A
solução encontrada pelo IIK foi a construção de manequins específicos para
cada período, representado pelas peças do acervo que foram expostas. Para
isso, foi realizado um estudo das medidas de cada época. Assim, chegou-
se a quatro tipos de manequins especificamente desenhados e que foram
reconhecidos internacionalmente por seu caráter inovador. Os principais
museus internacionais com acervos de traje utilizam os manequins criados
pelo IIK, entre eles o Museu da Moda e da Indumentária de Paris (Palácio
Galliera), o Museu Victória e Albert de Londres, e o Metropolitan de Nova
York.
47
Ibidem, p. 14.
48
INSTITUTO DE LA INDUMENTARIA DE KIOTO. Op. cit., p. 20.
93
A cidade de Paris, capital histórica da moda, não podia deixar de contar
com um museu exclusivo para a roupa. Sua história inicia na década de 1920,
quando a cidade recebeu a doação de 2000 peças de roupas e acessórios do
pintor Maurice Leloir, então presidente-fundador da Sociedade da História
do Traje. Essas peças compuseram a pequena coleção de trajes do Museu
Carnavalet. Em 1954 uma exposição de trajes do século XVIII nesse museu
alcançou tal sucesso que a cidade resolveu criar um museu autônomo para
a indumentária. Em 1956, inaugurou-se o Museu do Traje da cidade de
Paris; sua administração ficava no Museu Carnavalet e suas exposições
aconteciam no Museu de Arte Moderna. Com o tempo, o aumento no
volume de doações acabou gerando um problema de espaço físico49.
No ano de 1977, a prefeitura de Paris decide instalar no Palácio Galliera o
Museu da Moda e do Costume. Desde 1994, o museu conta com um espaço
suplementar reservado ao atelier de restauração: são 5000 metros quadrados
situados na periferia da cidade e equipados com tecnologia de ponta. Em
1997, o museu muda de nome para Museu Galliera, Museu da Moda da
Cidade de Paris. Nessa época, as aquisições realizadas através de doações
particulares e das maisons de alta costura enriqueceram consideravelmente
suas coleções. Atualmente, a instituição possui mais de 100 000 vestimentas
e acessórios. O acervo do Galliera é considerado um dos mais completos
do mundo. Suas peças são o reflexo dos códigos do vestir e dos hábitos
vestimentares na França, do século XVIII aos nossos dias.
As coleções são conservadas num espaço de reserva, enquanto a
conservação do Museu Galliera é organizada em departamentos. A
constituição desses setores permitiu a classificação e o estudo aprofundado
dos fundos, que se caracterizam em primeiro lugar pela qualidade e a
diversidade. Os fundos revelam e refletem a vida cotidiana das classes
superiores a partir da metade do século XVIII. A reserva é organizada
levando-se em conta a semelhança entre as peças – de classificação e
cronologia. A aparição das grifes, no final da década de 1860, gerou uma
classificação por ordem alfabética das peças pertencentes a cada marca.
As peças que não possuem marca são divididas por tipologia. O acervo
do museu está sendo informatizado. A reserva do museu não é acessível
49
http://www.paris.fr/loisirs/musees-expos/musee-galliera
50
http://www.vam.ac.uk
94
ao público, sendo realizada uma grande exposição anual. Além disso, a
instituição organiza pequenas mostras em espaços alternativos de exposição.
O Museu Victoria and Albert de Londres não é exclusivo de
indumentária, mas possui uma importante seção dedicada aos trajes e à
moda, e outra para têxteis. As coleções possuem uma parte de exposição
permanente, além da elaboração periódica de exposições temáticas. A
editora vinculada ao museu publica inúmeros livros que tratam de assuntos
teóricos e práticos do campo da moda. O acervo é dividido por períodos e
nota-se uma intenção didática de contar a história da vestimenta50.
No Brasil, não possuímos nenhum museu exclusivamente dedicado ao
traje, até o presente momento e de meu conhecimento, mas encontramos
muitas coleções pulverizadas por esse extenso território. Não pretendo
apontar todas nesse espaço, mas dar uma ideia geral de alguns locais,
começando pelo Estado do Rio Grande do Sul. Já mencionei neste texto o
acervo existente no Museu Júlio de Castilhos51. Outro lugar conhecido por
possuir um pequeno acervo em exposição permanente de trajes e objetos de
indumentária é o Museu da Baronesa na cidade de Pelotas52. A instituição
possui roupas femininas e masculinas do século XIX e início do XX, bem
como leques e objetos de toucador. No Museu Militar da cidade de Porto
Alegre, encontra-se um acervo de fardas confeccionadas a partir do século
XIX53.
No Estado do Rio de Janeiro encontram-se acervos de trajes distribuídos
em inúmeros locais. No Museu Imperial na cidade de Petrópolis encontram-
se roupas que pertenceram à família imperial brasileira54. Na cidade do Rio
encontra-se um acervo no Museu Carmem Miranda, composto por trajes
que pertenceram à cantora55. Também podem citar-se outros locais, tais
como: Museu Casa de Benjamin Constant, Museu Casa de Rui Barbosa,
Museu da República, Museu do Índio, e alguns museus militares.
Um dos mais destacados centros de documentação no país que
apresenta um acervo de trajes e iconográfico relacionado com a moda e a
51
http://museujuliodecastilhos.blogspot.com.br
52
http://www.museudabaronesa.com.br/
53
http://www.museumilitar.com.br
54
http://www.museuimperial.gov.br
55
http://carmen.miranda.nom.br
95
indumentária é o Museu Histórico Nacional. Localizada na cidade do Rio
de Janeiro, a instituição conta com uma coleção doada por Sophia Jobim
Magno de Carvalho, que ministrava a disciplina de Indumentária Histórica
na Escola Nacional de Belas Artes. Através de suas constantes viagens pelo
mundo, colecionou um vasto acervo de trajes típicos, fundando, em 1960,
o primeiro Museu de Indumentária Histórica e Antiguidades da América
Latina em sua residência no bairro carioca de Santa Teresa. Os trajes típicos
são preservados na reserva técnica do museu. A Biblioteca da instituição
abriga livros e mais de mil documentos iconográficos sobre o tema56.
A intenção deste artigo foi chamar a atenção para o desafio e a
necessidade de constituirmos acervos de indumentária em nosso país.
Comecemos pela valorização dos acervos já existentes, inserindo-nos como
pesquisadores, a fim de desenvolver trabalhos que levem ao conhecimento
de um público mais amplo a importância dos mesmos. Afinal, será que nós
somos aquilo que vestimos? As roupas e ornamentos, desde a pré-história,
não têm apenas funções protetoras, mas carregam uma forte carga de
significados.
A indumentária e a moda caracterizam diversos grupos sociais e marcam
as mudanças no tempo. A moda também exercita a alteridade dos sujeitos,
na medida em que esta se multiplica em formas e estilos, dando margem a
escolhas que nunca são casuais, mas que estão pautadas no desejo de ter e
de parecer. Nas palavras de Elizabeth Wilson, a moda revela a ambiguidade
da nossa identidade, da relação do eu com o corpo e do eu com o mundo
.57Conforme a autora, “as roupas parecem preencher um certo número de
funções sociais, estéticas e psicológicas; elas juntam-nas e expressam-nas
todas simultaneamente”58. Essas funções sociais dos trajes estão presentes
desde o vestuário antigo até o moderno. Haveria um paradoxo no fato de
que, por um lado, a indumentária pode servir para que o indivíduo crie uma
identidade e vincule-se a outros indivíduos com quem possa compartilhá-
la, de certa forma massificando-se. Por outro lado, a pessoa pode afirmar
56
http://www.museuhistoriconacional.com.br
57
WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos – moda e modernidade. Rio de Janeiro, Edições
70, 1985.
58
Idem, p.14.
59
LAVER, James. apud LURIE, Alison. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
96
uma identidade, contrariando as expectativas sociais, através da adoção de
uma determinada forma de trajar. Conforme James Laver, “as roupas são
inevitáveis. São nada menos que a mobília da mente tornada visível.”59.
Portanto, é necessário que tomemos para nós, historiadores e designers
de moda, a tarefa de refletir sobre os acervos de trajes existentes no Brasil,
bem como conhecer e valorizar o trabalho que já vem sendo feito nesse
sentido. Além, é claro, de planejar a constituição de novos acervos. E
quem sabe a criação de um museu brasileiro dedicado exclusivamente
às vestimentas possa deixar de ser um sonho para se tornar um desafio e
finalmente uma realização.
Referências Bibliográficas
97
FABRIS, Annateresa. A imagem técnica: do fotográfico ao virtual. IN:
FABRIS, Annateresa; KERN, ML. Imagem e conhecimento. São Paulo:
EDUSP, 2006.
98
SENNET, Richard. Autoridade. Rio de Janeiro: Record, 2001.
http://carmen.miranda.nom.br
http://museujuliodecastilhos.blogspot.com.br
http://www.museudabaronesa.com.br/
http://www.museuhistoriconacional.com.br
http://www.museuimperial.gov.br
http://www.museumilitar.com.br
http://www.paris.fr/loisirs/musees-expos/musee-galliera
http://www.vam.ac.uk
99
100
PARTE II
Inovações: a tecnologia e o ensino a serviço
de uma nova sociedade
101
Dinâmica Competitiva:
prospectivas e novos desafios
Sandra Regina Rech
As the culture of fashion has changed, so also has the fashion industry and
the image of fashion, but fashion itself remains alive and well, always new,
always changing.
Valerie Steele
102
Consoante Vale (2002), a estratégia competitiva de uma empresa
decorre, necessariamente, da redução de seus custos e/ou da ampliação
do valor percebido do seu produto. Essas duas possibilidades podem ser
visualizadas em uma matriz de custo/valor, onde haveria, no eixo horizontal,
a dimensão do valor (menor ou maior) e, no eixo vertical, a dimensão de
custo (menor ou maior). Esse modelo esquemático, com quatro alternativas
excludentes, permitiria a avaliação da posição competitiva de cada empresa
ou setor produtivo, seja de maneira estática, em um determinado momento,
ou dinâmica associada ao seu ciclo de vida (figura 1).
103
Empresas distintas - quanto aos tipos de produtos, aos métodos
de produção, ao porte, à nacionalidade e à competência tecnológica -
podem ser competitivas se, independente do volume de capital existente,
diferenciarem seus produtos, investirem em capacidade produtiva ou
montarem sistemas de comercialização (FERRAZ, 1997). Agis (2010,
p. 109) disserta que a “criatividade e a inovação serão o grande motor
da economia mundial na próxima década, a alavanca que permitirá às
empresas e aos países descolarem dos estados de paralisia e bloqueio em
que se encontram”, buscando corresponder às expectativas dos clientes. A
criatividade é a pilastra sobre o qual assenta a presente economia norteada
pela inovação.
No campo empresarial, podem-se salientar quatro macrotendências,
cujas combinações estabelecem a estratégia competitiva do negócio
(ZAWISLAK, 2002):
104
elemento chave da validação do valor: o consumidor e seu imaginário.
Diversificação de produtos, desenvolvimento de grifes, segmentação
de consumo são algumas das armas disponíveis. Porém, mais do que
a simples adoção de um ou outro elemento, as empresas devem estar
baseadas, principalmente, por tecnologias de ponta, design avançado,
altos níveis de qualidade e marketing proativo para a consolidação das
marcas (ZAWISLAK, 2002, s/p.).
105
que escolher o tipo de vantagem competitiva que procura obter e sobre
qual desígnio irá alcançá-la. “Ser tudo para todos é uma receita para a
mediocridade estratégica e para um desempenho abaixo da média, pois
normalmente significa que uma empresa não tem absolutamente qualquer
vantagem competitiva” (PORTER, 1993, p. 10).
Podem-se identificar quatro estratégias competitivas genéricas nos
setores têxtil e de confecção: (a) volume; (b) especialização; (d) produtividade;
e, (e) fragmentação ou moda (SCTDE/SP, 2005). Os fatores críticos de
sucesso da estratégia de fragmentação, base da cadeia produtiva da moda,
são a criação; a qualidade e a comercialização do produto. Uma indústria
que opta por esta estratégia competitiva tem como preceitos: (a) a máxima
diferenciação de seus produtos; (b) velocidade de resposta aos sinais do
mercado; (c) incentivo criativo; (d) inovação do produto. Distingue-se,
por conseguinte, pela fabricação de artigos não padronizados, de maior
valor agregado e em quantidades limitadas, o que permite lucratividade
elevada. Verifica-se, igualmente, um padrão nas estratégias adotadas por
empresas reconhecidas internacionalmente, suscitando uma demanda mais
dinâmica por meio: (a) da diferenciação dos produtos; (b) da diminuição
do ciclo de vida; (c) da renovação permanente em moda, estilo e design;
e, (d) da criação de novas necessidades e desejos nos consumidores. De
modo alternativo, os mercados de empresas frágeis são conquistados, quer
através da aquisição de firmas, quer pela eficiência em preços/qualidade/
distribuição, visando à expansão das taxas de crescimento da demanda nos
produtos básicos (FERRAZ, 1997).
No caso da cadeia produtiva da moda, o “importante é que a estratégia
seja coerente com o ambiente externo e a cultura da empresa, maximize
as oportunidades, minimize as ameaças e seja bem implementada”
(GONÇALVES, 2000, p. 31). Logo, a capacitação competitiva desta
cadeia produtiva decorre do estabelecimento de estratégias específicas
“que deverá respeitar a racionalidade do mercado, potencializando
vantagens comparativas estáticas, recursos naturais, humanos e insumos
industriais locais e [...] capacitação tecnológica e empresarial” (BRUNO,
2005, p.19). Saviolo (2000) ressalta que o fato de um país desenvolver
vantagem competitiva em mais de uma fase da cadeia produtiva é, em geral,
determinante para a liderança em nível internacional de seus produtos. O
fluxo mundial de capital, tecnologia e know-how são relevantes junto a todo
o processo de desenvolvimento do produto final, tornando-se veloz e difuso
106
em nível global e proporcionando um ambiente competitivo. A European
Apparel and Textile Organization – Euratex (2004) propõe três pilares para
o desenvolvimento de vantagens competitivas em longo prazo para a cadeia
em questão:
107
a demanda (tipologia das indústrias segundo as categorias de uso); e, de
acordo com a oferta (sistemas técnicos de produção, padrões de geração
de inovações e fluxos tecnológicos intersetoriais). As indústrias têxteis
e de vestuário pertencem ao grupo de indústrias tradicionais, pois
“independentemente do sistema técnico de produção adotado (contínuo ou
montagem) têm como identidade a elaboração de produtos manufaturados
de menos conteúdo tecnológico, destinados ao consumo final” e são setores
subjugados tecnologicamente pelos seus fornecedores de equipamentos e
insumos (FERRAZ, 1997, p. 34). Presentes em países industrializados e em
processo de desenvolvimento, as indústrias tradicionais foram as primeiras
a evoluir do artesanato para o sistema fabril. A heterogeneidade competitiva
distingue esse grupo de outros setores em todo o mundo, marcada por
organizações com baixos níveis de competitividade e pela não padronização
uniforme de estratégias competitivas (FERRAZ, 1997). Segundo o autor, as
características mais importantes deste aglomerado são:
108
a fragilidade das bases de sustentação da competitividade para este tipo de
indústria (FERRAZ, 1997, p.345). Contudo, por causa da inexistência de
barreiras à entrada de novas firmas, em termos do capital mínimo necessário
para efetuar e comercializar a produção no mercado, a demanda por bens
tradicionais está relativamente saturada nos países desenvolvidos, existindo
alguns fatores críticos de concorrência (quadro 1). Nesta realidade, são
mais competitivas empresas aptas a fabricar e vender produtos para nichos
exclusivos de consumidores, possibilidade aberta para micro e pequenas
empresas profundamente individualizadas pela tecnologia, pela moda e
criatividade e pela amplitude de serviço (KOTLER, 2000).
Estruturais
• Segmentação por níveis de
renda e tipo de produto
Mercado • Preço, marca, rapidez de
entrega, adequação ao uso
• Local / Internacional
• Economias de aglomeração
• Formação de redes
horizontais e verticais
Configuração da Indústria • Tecnologia industrial básica,
informação tecnológica e
serviços de treinamento de
pessoal
• Defesa da concorrência
Regime de Incentivos e Regulação • Defesa do consumidor
(inclusive fatores sistêmicos) • Tributação
• Antidumping
Quadro 1. Padrões de concorrência no grupo industrial tradicional: fatores críticos de
concorrência Fonte: Adaptado de FERRAZ (1997, p. 44)
109
Tratando-se da competitividade de MPEs (micro e pequena empresas),
outra probabilidade de manutenção e ampliação dos mercados refere-se
à aquisição da lealdade dos consumidores, “investindo na diferenciação
de produtos e eficiência na distribuição. Os custos de manutenção dessa
fidelidade – desenvolvimento de produtos e esforços de venda – representam
parcela significativa dos custos totais” (FERRAZ, 1997, p. 211). Como
exemplo, pode-se citar a Itália, principal exportador mundial de calçados,
que congrega inúmeras pequenas empresas com tradição em design. Assim
sendo, na cadeia produtiva da moda, observa-se que somente as indústrias
praticantes da segmentação com valor agregado e as que investem em
design deverão sobreviver.
110
• A observação “dos paradigmas e dos casos bem-sucedidos de
experiência de desenvolvimento de polos enriquece
muito a análise” da competitividade;
• Os polos devem ser protegidos, pois são minicomplexos
industriais, “com elevada geração de externalidades em toda
a cadeia [produtiva da moda], generalizando os benefícios desde
a fiação até a confecção final, o lançamento de moda e
campanhas que visam afortalecer o polo”;
• O exame de cases bem-sucedidos de revitalização de polos tem
atributos específicos que devem ser observados num estudo
da competência “de mobilização da classe empresarial, no sentido
de uma ação coletiva de recuperação da capacidade produtiva e
da imagem do polo, sustando um processo de degradação e
fechamento de indústrias com geração maciça de desemprego”.
111
grupo de micro, pequenas e médias empresas, concentradas em um
mesmo território. Porter (1993) tem sinalizado que a energia e a solidez da
capacidade competitiva dos agrupamentos produtivos têm seus alicerces na
criação de conhecimento especializado e na sua competência de inovação.
“Estas fontes superiores de competitividade surgem da interação entre
empresas que são capazes de competir e de colaborar” (LIRA, 2005, p. 86)
[tradução da autora].
Pelo Termo de Referência para a Política de Apoio ao Desenvolvimento
dos Arranjos Produtivos Locais - APL, elaborado pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil – MDIC (2005),
um APL distingue-se:
112
produto; (d) gestão da distribuição de produto; e, (e) gestão da informação.
Zawislak (2002, s/p.) descreve algumas características dos polos produtores
de moda:
113
engloba as cidades de Socorro, Serra Negra, Lindóia, Jacutinga, Ouro Fino
e Monte Sião. Somente neste último município, 80% da população de 20 mil
habitantes ocupam-se da produção de tricot.
• São Paulo: as confecções e lojas atacadistas dos bairros do Brás
e do Bom Retiro, da cidade de São Paulo, são responsáveis por 40% da
produção estadual. O polo de Americana inclui empresas pertencentes aos
municípios de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara d’Oeste e Sumaré.
“Os quatro municípios [...] possuem tradição em um ou mais segmentos da
cadeia têxtil, mantendo inter-relações com os demais elos nos municípios
vizinhos“, onde se localizam atividades que se desdobram por toda a cadeia
– fiação, tecelagem, tinturaria, estamparia e confecção (SOUZA, 2001, s/p.).
“É o maior polo produtor de tecidos planos de fibras sintéticas e artificiais
da América Latina. Esse polo guarda a importância de abrigar grandes
empresas do sistema têxtil, cujas origens remontam às pequenas plantas”
(IEL, 2000, p. 324).
• Ceará: Sobbota (2001) relata que o Estado é um dos mais importantes
centros têxteis do país, responsável por 17% da produção nacional, sendo
que a principal matéria-prima utilizada é o algodão. As empresas pequenas
produzem uma multiplicidade de modelos em lotes produtivos menores,
destinados às distintas classes de renda, com extraordinária participação em
várias linhas de produção: roupa íntima, roupa de dormir, roupa esporte,
moda praia, roupa infantil, roupa masculina e jeans (MELO, 2000).
• Santa Catarina: o polo do Vale do Itajaí concentrado,
principalmente, em oito municípios (Brusque, Blumenau, Jaraguá do
Sul, Gaspar, Rio do Sul, Timbó, Indaial e Pomerode), apresenta uma
estrutura industrial diversificada. Considerado o maior aglomerado
têxtil e de vestuário do Sul, é, igualmente, o principal centro exportador
de confeccionados de malha e artigos de cama, mesa e banho brasileiros
(BRUNO, 2005). A gestão familiar é peculiar a este arranjo, composto por,
aproximadamente, 130 empresas têxteis e 244 confecções, na sua maioria,
pequenas e médias. Outra característica é a modernização administrativa,
com investimentos em itens de maior valor adicionado e em marcas
próprias. Situam-se, nesse polo, nove das maiores empresas têxteis do país,
gerando elevados faturamentos estaduais.
114
A base dos artigos têxteis produzidos pelo arranjo é o algodão, destacando-
se pela produção de artigos de malha para vestuário. A possibilidade da
divisão das atividades produtivas na cadeia têxtil/vestuário faz com que
se possa trabalhar com uma estrutura produtiva fragmentada. Assim, a
estrutura industrial apresenta grande diversidade de tamanho. Existem
empresas integradas verticalmente (fiação, tecelagem, acabamento e
confecção), semi-integradas (tecelagem, acabamento e confecção),
empresas que terceirizam suas atividades de confecção e confecções que
terceirizam seus processos de acabamento e tecelagem. Normalmente,
o grau de integração vertical depende do tipo de artigo comercializado.
Empresas que comercializam cama, mesa e banho são normalmente
integradas verticalmente. Porém, a maioria das empresas compra o fio
pronto. Empresas que comercializam artigos de vestuário terceirizam
pelo menos uma etapa do seu processo produtivo (BRUNO, 2005, p. 48).
115
interempresas como uma fonte de vantagem competitiva diferençável, seja
para as microempresas, seja para todo o sistema produtivo e distributivo,
implicando um desenvolvimento de fórmulas contratuais e de mecanismos
operativos visando à melhoria da gestão empresarial. O escopo é avivar
um processo de inovação contínua que, por si mesmo, produza vantagens
competitivas sustentáveis para toda a cadeia produtiva da moda, como
demonstrado no Mapa Estratégico da Indústria Brasileira (figura 2), editado
pelo Governo do Brasil, expressando um conjunto de objetivos, metas e
programas que envolvem o desenvolvimento de instituições e a execução de
políticas basais para estimular o crescimento da economia brasileira.
116
apenas duas mil clientes (SAVIOLO, 2000). O prêt-à-porter e, de forma
crescente, a combinação de estilos/faixas de preço atraem consumidores
em nível internacional. Assim, a estratégia adotada para a reciclagem da
moda francesa, a partir da segunda metade dos anos 1990, foi a contratação
de jovens estilistas para repaginar a imagem desgastada de certas maisons,
conforme demonstrado na figura 3 (CALDAS, 1999).
Figura 3: Coleção Dior Inverno 2013 concebida pelo
designer belga Raf Simon
Fonte: Harpersbazaar.com.br (Acesso em 01/09/2012).
117
Inglaterra: do street fashion para o mundo
O ápice da influência da Inglaterra na moda ocorreu na década de 1960,
através da rebeldia dos jovens, expressa nas músicas e nas roupas, “quando
a capital britânica era o centro da efervescência cultural” (CALDAS, 1999,
p. 99). Brannon (2000) assinala que este era o primeiro movimento de
street fashion: mods; Carnaby Street; a minissaia de Mary Quant e a famosa
boutique Biba ainda encontram eco na moda atual em todo o mundo. Foi,
também, na Inglaterra que surgiu o estilo punk, em meados dos anos 70,
seguido por adolescentes, desempregados e estudantes. Laver (1989) alega
que uma das evoluções mais significativas da moda, naquela década, foi a
adaptação do visual punk, de rua, para as passarelas da alta moda.
118
• A procura por produtos extremamente sofisticados seja em nichos
de mercado mais elevados, seja nos segmentos de faixa média e média baixa
é um estímulo contínuo para produtores e distribuidores;
• O desenvolvimento de uma estrutura distributiva especializada
e de qualidade na oferta e no serviço, em grau de responder ao mais
disparatado pedido e de canalizar adequadamente uma produção
notavelmente diferenciada;
• O grau de proximidade e de colaboração entre os estilistas
(externos e internos às empresas produtoras) e o complexo no seu todo
(fornecedores de tecidos, fios e componentes, confeccionistas, malharias);
• Um articulado e difuso sistema produtivo especializado em
dois fundamentos – comercial (orientação ao mercado e a inovação do
produto) e produtivo (orientação à produção e à eficiência do produto, e,
terceirização).
A dinâmica deste modelo é consequência direta da relação intensa e
profunda (de troca e de colaboração) entre as empresas e da capacidade
produtiva de elevado conteúdo qualitativo constantes na cadeia de valor:
da matéria prima ao conteúdo estilístico; da tecnologia a distribuição final,
ao consumidor (SAVIOLO, 2000). Além disso, neste setor particular, a
indústria italiana se tem mostrado fortemente antecipatória a respeito de
algumas macrotendências gerais, tais como:
• A substituição da oferta de produtos estandardizados e de massa
por produtos mais especializados, personalizados, com maior conteúdo de
elementos qualitativos materiais e imateriais;
• A consequente reorientação tecnologias/processos organizativos/
flexibilidade.
Em face do exposto, observa-se a passagem de um modelo integrado de
indústrias, de máxima eficiência e de economia de escala, a uma concepção
de empresa network, que associa a força produtiva e organizativa com o
respeito e conhecimento mercadológico.
119
americano dita a produção em massa de peças de roupas para as grandes
lojas de departamentos, desenvolvendo, da mesma forma, uma distribuição
de massa.
120
O atual modelo competitivo americano é centrado em uma cadeia
produtiva verticalizada e em lojas de departamentos, com uma forte
orientação ao mercado, capazes de ditar normas até aos fornecedores
europeus. Em síntese, a roupa casual e a utilização inteligente do marketing
proporcionaram a construção de uma posição competitiva aos Estados
Unidos que, dificilmente, será atacada pelos concorrentes europeus
(SAVIOLO, 2000).
121
transformando-se em centros logísticos e de serviço a favor da nova
network produtiva. Isso favoreceu o crescimento de novos produtores na
área: China, Tailândia, Malásia, Filipinas, Vietnam. Segundo Cruz-Moreira
(2003, p. 97), “em meados da década de 80, outra grande movimentação
da produção aconteceu desta vez partindo dos Tigres Asiáticos para outros
países em desenvolvimento, principalmente para a China e o sudeste
asiático, e também da Europa para a Turquia”. O forte desenvolvimento de
trading companies japonesas, de Hong Kong e Taiwan, operando na área
têxtil e de confecção, indica a formação regional de uma network organizada
segundo o modelo flying geese que destacava sua liderança no processo de
desenvolvimento econômico asiático, do mesmo modo em que o alocava
como o principal interlocutor asiático com o resto do mundo (OLIVEIRA,
2003).
122
Dinâmica competitiva brasileira
123
como um modo de aquisição de vantagens comparativas e, assim, não são
aproveitados de forma estratégica, como o design de moda, não constituindo
uma das prioridades na gestão das empresas.
124
As empresas internacionais são competitivas porque desenvolveram
ferramentas bastante avançadas em produtividade e qualidade e conhecem
a tecnologia. Para as empresas nacionais existe uma série de gargalos
competitivos que devem ser avaliados (quadro 2), entretanto pode-se
afirmar que “o distúrbio atual mais grave na concorrência nos setores de
vestuário e calçado [...] é aquele derivado do crescimento das empresas
informais” (FERRAZ, 1997, p. 237). É a conhecida concorrência desleal,
dado que estas indústrias não pagam impostos e encargos devidos, e
comercializam seus bens a um preço inferior, gerando poder de barganha
frente ao mercado (IEL, 2005).
Gorini (2003, p. 19) aponta as principais deficiências das confecções:
125
Falta de Falta de
conhecimento um órgão que
das tecnologias proporcione
disponíveis para unidade às
incremento de empresas da
produtividade cadeia
Têxtil Necessidade Falta de
de manter área de linhas de crédito
desenvolvimento para renovação
de produto do parque fabril
altamente ativa e obtenção de
insumos
Transição da Falta de Altas taxas
empresa familiar parcerias com de juros para
para a gestão fornecedores de financiamento
profissional algodão
Design Falta de
voltado à falta mão de obra
de padronização especializada
dos produtos nas na área têxtil,
diversas regiões especialmente em
do mundo equipamentos de
última geração
Quadro 2. Gargalos da competitividade da cadeia produtiva da moda brasileira
Fonte: IEL (2005)
126
técnicas de gestão podem ser consideradas um dos principais obstáculos
para o crescimento do segmento industrial em foco” (GOMES, 2002, p.
23). A dinâmica competitiva atual requer conhecimento, capacidade e
habilidade para administrar recursos financeiros, tecnológicos, produtivos
e operacionais, tanto por parte dos gestores como de todo o efetivo da
indústria (GOMES, 2002). Neste contexto, não é mais possível gerir
apenas preço. Ferraz (1997, p. 16) afirma que o novo modelo produtivo
é decorrente das “transformações tecnológicas em curso na indústria
mundial que para muitos estudiosos constituem as bases de uma terceira
revolução industrial”. As atuais ferramentas da competitividade são: (a)
qualidade do produto, design e moda; (b) flexibilidade e rapidez de entrega
(quick response); (c) racionalização dos custos de produção. A integração
entre estratégia tecnológica e estratégia mercadológica é fundamental para
a competitividade industrial, já que as mudanças tecnológicas causam
impacto na qualidade do produto, na definição dos segmentos de mercado,
na mudança na fonte da concorrência, nas relações do trabalho, entre
outras.
A principal barreira à dilatação da competitividade do complexo têxtil
brasileiro é a carência de estruturas que agenciem maiores capacitações
tecnológicas e gerenciais para o grupo de médias e pequenas empresas,
inclusive ações atenuantes de “suas desvantagens de escala, como o acesso
cooperativado às informações de mercado, equipamentos de automação
microeletrônica (CAD) entre outras” (COUTINHO & FERRAZ, 1994,
p. 324). Contudo, as indústrias brasileiras, especialmente as de micro
e pequeno porte, ainda carecem de alguns fatores importantes para a
competitividade (FERRAZ , 1997, p. 232):
127
veloz e em que os processos de integração regional e/ou continental têm
cronogramas acelerados” (FIESP/CIESP, 2005, s/p.). Consoante Agis
(2010), sob um olhar amplo, as alternativas estratégicas brasileiras para a
cadeia produtiva da moda, nesta década, estão sintetizadas em três opções:
Referências Bibliográficas
128
BRANNON, E.L. Fashion Forescasting. USA: Fairchild Publications,
2000.
129
FIESP/CIESP. O Brasil de Todos Nós - proposta da FIESP/CIESP para
discussão com a sociedade. Disponível em < www.acoservice.com.br/pes.
htm > Acesso em 18/06/2005.
130
LAVER, J. A Roupa e a Moda: uma história concisa. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
131
PORTER, M. A Vantagem Competitiva das Nações. Rio de Janeiro:
Campus, 1993.
132
SOBOTTA, A. Brazil Fashion: a survey of the Brazilian clothing and
fashion industry. London, UK:British Council, aug., 2001.
133
Reflexões sobre as experiências
vivenciadas no ensino e aprendizagem do
desenho de moda.
Lourdes Maria Puls
Introdução
Este trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa descritiva de caráter
exploratório em que as operações metodológicas foram desenvolvidas para
demonstrar que a aplicação da concepção construtivista60 , no ensino e
aprendizagem do desenho de moda à mão livre, contribui para antecipar
soluções e projetar produtos de design de vestuário.
Pretendeu-se focar neste estudo à relevância do uso de didáticas
e experiências de desenho à mão livre com objetivos instrumentais,
orientados para a criação de novos saberes direcionados à produção de
resultados reais para a concepção projetual a ser realizada no contexto da
moda. Apresenta-se o desenho, enquanto processo de aprendizagem, como
recurso instrumental criativo e como instrumento do pensamento e de
concretização. Entende-se que cabe ao sistema educacional e aos modelos
de educação, na área de Moda, desenvolver capacidades cognitivas e
manuais do aluno para ideação de projetos que criem produtos inovadores e
sustentáveis. Ou ainda, que proponham soluções e melhorias nos produtos
já existentes.
Para a aquisição de conhecimentos sobre códigos e elementos
constitutivos formais e compositivos do desenho de moda à mão livre,
direcionado à prática projetual, é preciso considerar o aluno como sujeito
de seu próprio processo de aquisição do saber, que pensa e é capaz de lidar
com conceitos, perceber, argumentar, raciocinar, resolver problemas e
60
Esta concepção sustenta que o conhecimento humano não ocorre passivamente, vai se
construindo ativamente “graças a estruturas cognitivas, que podem adaptá-lo ou modificá-lo”,
possibilitando “uma organização dos objetos, do mundo ao redor deste sujeito que está em
desenvolvimento, apenas o conhecendo”, e que “por interagir com o mundo, vai registrando
suas experiências a partir de vivências próprias” (ROJAS, 2007, p.51).
134
projetar. Neste sentido, no ensino e aprendizagem do desenho de moda, cabe
ao professor ir além da introdução dos saberes culturalmente organizados,
ou seja, conseguir o maior desenvolvimento das capacidades perceptivas,
cognitivas e operativas do aluno.
Para tanto, o aporte bibliográfico acerca do tema que embasou a
pesquisa teve apoio em Becker (2003, 1995, 1992, 1985), como guia teórico
para os procedimentos educacionais. Foram selecionados os modelos
pedagógicos e epistemológicos propostos pelo autor, por postularem que
é o sujeito quem constrói o próprio conhecimento na relação entre ação
e pensamento. Os modelos pedagógicos construtivistas de Becker estão
baseados na epistemologia genética de Piaget, que sublinha a importância
do conhecimento prévio do aluno61. Assim, tentou-se encontrar no desenho
à mão livre a compreensão da lógica do raciocínio enquanto elemento
gerador de conhecimento.
Como professora este sempre foi meu desafio “como o aluno pode
compreender e representar, pelo desenho à mão livre, uma ideia que
comunica e informa ao mesmo tempo sobre a estrutura do objeto
de vestuário”. O ensino de desenho de moda à mão livre se apoia
nos recursos do desenho e em tudo a ele relacionado para dar corpo a
ideias: técnicas, suportes, instrumentos, materiais e códigos. No entanto,
encontram-se alunos com dificuldades e bloqueios que, apesar da posse
de todo o instrumental e suportes necessários para o desenho, dependem
das orientações e correções do professor, para continuar desenvolvendo
exercícios propostos e experiências sugeridas.
O fato de não conseguirem utilizar o desenho como um meio possível de
armazenar reflexões, provocar dúvidas, críticas ou possíveis soluções ocorre
61
No caso do ensino do desenho à mão livre, torna-se imprescindível realizar uma
exploração acerca da bagagem do aluno, referente ao seu nível de habilidade para o desenho e
conhecimentos prévios, pois o conteúdo básico sobre desenho de moda não seria suficiente. O
professor precisará considerar estes pontos: 1. quais os objetivos concretos em relação a esses
conteúdos; 2. que tipo de aprendizagem sobre desenho projetual o professor deseja que o aluno
alcance. Seria então indispensável à própria experiência docente, como também o diálogo
entre professor e futuro designer. Do ponto de vista da ação educativa construtivista, esta é
uma questão que incide na elaboração de conteúdos que contemplem variáveis referentes à
individualidade dentre os alunos (PULS, 2011, p. 59).
135
pela dificuldade que têm de se expressar em uma linguagem que exige
habilidades complexas e específicas do campo da expressão gráfica na área
de moda. Outra questão refere-se à dificuldade do aluno, futuro designer,
em compreender as características e elementos inerentes à representação
gráfica que contemplem todos os atributos de um produto de vestuário. São
fatos que dificultam familiarizar-se com técnicas e procedimento gráfico-
visuais, podendo impossibilitar uma trajetória, de forma eficiente e singular,
no processo projetual inovador. O não atendimento às expectativas do
aluno influencia, de forma negativa, sua motivação e todo o decurso de
estudo e aprendizagem poderá ser comprometido.
Portanto, tomou-se por hipótese o fato de que a articulação teoria/prática
para o ensino e aprendizagem do desenho de moda à mão livre é a ação
vivenciada em um conjunto de atividades que demandam procedimentos
com aportes construtivistas no contexto de Moda.
O Construtivismo
O construtivismo, segundo Becker (1992, p.9), pode ser sintetizado pela
ideia “de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que o conhecimento
não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado”. Forma-se não
só pela interação do indivíduo com o meio físico e social, mas também pela
sua relação com o simbolismo humano, com o universo de suas vivências
e experiências sociais, que se constitui por “força de sua ação, e não por
qualquer dotação prévia trazida na bagagem hereditária ou no meio”
(Becker, 1992, p.9).
O construtivismo psicológico, gerado a partir da psicologia cognitiva,
tem como enfoque o estudo sobre a origem e desenvolvimento das
capacidades cognitivas. Nele, acredita-se que cada indivíduo se desenvolve
em seu próprio ritmo, concebendo o sujeito como agente ativo do próprio
processo de aprendizagem. Assim, os construtivistas abraçam a ideia
de que o ensino é tido como um ato individual, criativo e inventivo, no
qual cada aluno possui a sua maneira de processar o que lhe é dado como
conhecimento.
Esses processos são utilizados ao longo de toda vida, à medida que
o sujeito vai se adaptando à realidade circundante de uma forma mais
complexa. Interagem cooperativamente na construção do conhecimento
e nas relações do ensino aprendizagem em qualquer área de saber. Esta
última acepção é foco deste estudo.
136
A acepção foco deste estudo é o modelo instrucional construtivista que
não está centrado no professor ou no aluno, mas nas relações em sala de
aula, onde o ato pedagógico não tem significado em si mesmo, assumindo
um sentido, na medida da qualidade das relações. Direcionando este
modelo para as atividades ensino e aprendizagem do desenho de moda, o
professor procurará conhecer o aluno, futuro designer, como uma síntese
individual da interação dele com o meio.
Nessa concepção, o aluno aprende e compreende por que está agindo
sobre o material que ele precisa aprender e assimilar (assimilação)62,
e que o professor acredita lhe seja significativo. Desse modo, o aluno
poderá estruturar sua capacidade cognitiva acerca dos fundamentos das
construções técnica e gráfico-expressivas do desenho projetual, se for
crítico ao discernir, questionar e tomar posições, agir e problematizar a sua
ação (acomodação)63 para novas assimilações. Considera-se esse processo
individual e subjetivo, uma vez que o aluno se apodera cognitivamente dos
objetos que lhe são externos, interiorizando-os mentalmente, para poder
agir sobre eles e transformá-los.
137
e pessoal, de que cada pessoa constrói o seu cabedal a partir de explorações
e interação com o meio – valoriza suas experimentações. Constatou-se,
também, que a atuação do professor, ao criar as bases para que se realizasse
o conhecimento, propiciando conteúdos teóricos e práticos, incentivando
os alunos a continuar investigações, experiências e reflexões no sentido da
concretização do que ia sendo adquirido, oferece os meios para materializar
suas criações e ideações projetuais futuras.
As experiências vivenciadas pelos alunos demonstraram que os
conteúdos transmitidos foram estudados e verificados para, então, serem
apreendidos com a prática, possibilitando o aprimoramento do desenho
da figura de moda, a inclusão de ritmo, harmonia, volume e movimento,
bem como a aplicação de técnicas para colorir o objeto representado.
Estas experiências oportunizam o desenvolvimento de estilos pessoais
de desenho de moda. O designer em formação passa, então, a processar e
analisar, estabelecer comparações e estabelecer inúmeros vínculos entre
teoria e prática.
Nesse processo, de acordo com Derdyk (1989, p.20), “o cérebro armazena
informações, sensações e percepções. Assim como também compara,
analisa e materializa as abstrações”. Este contexto pode permitir que o
processo de conhecimento e apreensão dos conteúdos relacionados aos
elementos visuais, como: ponto, linha, forma, composição, cor, indicação
espacial (bidimensional e tridimensional), relação entre luz e sombra,
ilusão, ritmo e texturas sejam mais intensos no aluno e no desenho à mão
livre, dando margem a identificar as necessidades individuais de cada aluno
no processo de aprendizagem.
Nesse sentido, as experiências agrupadas em Módulos de Ensino64 estão
orientadas nas formas de agir sobre o objeto. Ao construir e repetir os
desenhos, o aluno transforma e elabora novas representações para roupas
64
Módulo de Ensino, assim é chamada cada uma das experiências vivenciadas pelos alunos
durante o ensino e aprendizagem da construção do desenho de moda, desenvolvidas seguindo
a abordagem construtivista de incentivar o aluno a construir seu conhecimento a partir de sua
ação e interação sobre o objeto de estudo. Neste caso, é a construção do desenho de moda à
mão livre que possibilitará a ideação de projetos inovadores capazes de interpretar os anseios
da sociedade. Os módulos encerram conteúdos e procedimentos dinâmicos importantes em
seus desdobramentos.
138
e produtos e projetos de vestuário. São assimilações cognitivas, operadas
durante as experiências que, quando dominadas, são transpostas para
outras experiências e associadas a novos projetos, de maneira mais ampla,
pela pesquisa, análise e reflexão. E assim sucessivamente, oportunizando
novas ideações projetuais.
Desse modo, no início da capacitação, uma avaliação do conhecimento
prévio do desenho realizada individualmente em sala de aula estabelece
um ponto de partida importante. Porém, não é o suficiente para que se
conheçam os pontos fundamentais sobre o repertório trazido pelo aluno.
Para se compreender o estágio estrutural do desenvolvimento cognitivo de
cada aluno, o que se propõe são averiguações, por questionamentos escritos
e dialogados, por várias representações manuais e por outras atividades que
permitam que as habilidades sejam demonstradas.
As experiências vivenciadas pelos Módulos de Ensino mostraram
quão importantes é a nivelação da competência e habilidades manuais e
perceptivas. O desenho para o conhecimento prévio das habilidades do
aluno é considerado atividade essencial quanto aos objetivos didáticos,
pois intervém positivamente no andamento das aulas. O posicionamento
construtivista de Miras (2006, p.66), em que o professor chama a atenção
para o fato de o educador estar apto a diagnosticar e a tomar decisões em
sua prática profissional, direcionando-a de acordo com a realidade dos
alunos, torna o ensino e a aprendizagem do desenho de moda, prazeroso e
significativo. Neste momento, o professor, externando seus conhecimentos,
e socializando suas experiências, abre diálogo e reflexões. À medida que há
o envolvimento por parte do aluno, os recursos do desenho passam a ter
novos significados, o que se dá individualmente.
Durante o processo de aprendizagem, verificou-se que os alunos
interagem com formas e cores, que representam e se referem a algum
aspecto familiar de sua realidade. Por isso, reitera-se a necessidade de se
levar em conta a subjetividade, que vai além da estética e das técnicas, porto
seguro das atividades, sendo o traço ou a técnica o que lhes dá segurança
tanto para desenhar novas formas como expor criações. Citando Escher
por Rozestraten (2006), “são imagens de pensamento, impossíveis de serem
traduzidas em palavras”.
Ao ser interiorizado o conhecimento, acontece o que se chama de
desenvolvimento das estruturas cognitivas de aprendizagem de determinado
conteúdo. Pela teoria construtivista, houve uma ação transformadora do
139
aluno sobre o objeto de conhecimento (assimilação), e sobre si mesmo
(acomodação).
Pelo desenvolvimento dos Módulos de Ensino e Aprendizagem da
construção do desenho de moda à mão livre, o conteúdo sobre os elementos
constitutivos e técnicas plásticas se expande do nível individual para os
colegas e o professor, indo além da sala de aula, pela interação com outras
pessoas em outras disciplinas, atividades acadêmicas e interdisciplinares.
Isto ocorre na medida em que, mediados pelo professor, os estudantes
conseguem expor dúvidas e saberes, concretizados no suporte/papel e
manusear com domínio cores e formas. Conseguem ampliar a capacidade
de aprendizagem, mas se conscientizam de que construir o desenho à mão
livre é advindo do movimento contínuo de buscas e realizações, do esforço
relacionado com habilidade e destreza manual, adquiridas pela persistência
em praticar exercícios constantes de transformação de formas concretas,
captadas pela observação, em códigos específicos dentro da linguagem de
moda. Assim, os desenhos de moda trabalhados pelos alunos carregam
características inerentes de cada subjetividade que os criou. É o resultado de
escolhas, opções, descartes, dificuldades mediante a constituição de saberes.
A capacidade de desenvolvimento do discurso pessoal, da construção
de ideias significativas, do registro gráfico visível e inteligível se sustentou
na reflexão, no diálogo, nos recursos do desenho e no processo de ensino
e aprendizagem. Do mesmo modo que existem diferentes tipos de ação
projetiva no desenvolvimento do desenho conceptual, existem diversas
dinâmicas, modos e técnicas de projetar. A compreensão do significado
deste conceito é identificada e considerada pelos alunos como o início do
desenvolvimento de um estilo próprio e autoral. Nessas ações, assumiram
o controle da prática e do próprio processo de aprendizagem, exercitando
ideias e configurações formais de objetos de vestuário.
Realizando suas experiências estéticas e produtivas, o aluno acaba por
se transformar no sujeito de seu próprio processo cognitivo e perceptivo. A
participação ativa nas ações se insere no modelo construtivista relacional
para ensino e aprendizagem de desenho de moda à mão livre, proposto
neste estudo. Constitui-se, portanto, como uma estratégia a serviço do
desenvolvimento das habilidades perceptivas e manuais dos acadêmicos,
proporcionando aumento de suas capacidades cognoscitivas para ideação
projetual.
140
Um exemplo da prática realizada são os detalhamentos criados a partir
das experiências com cores, formas e técnicas, representadas visualmente
pelos alunos para compor o modelo de uma peça de roupa, como: gola,
decote, posicionamento dos cortes, tipo de costura, comprimento longo
ou curto, entre muitas outras possibilidades e variações, incluindo tecidos,
texturas, estampas. Estas configurações visuais são recursos cognitivos,
criativos e perceptivos para a construção do saber desenhar.
Surgem da experimentação ou de qualquer outro conhecimento
obtido por meio dos sentidos, associando estética e técnica. São recursos
de desenho que permitem aos alunos compreender e refletir acerca das
possibilidades inúmeras que o design de vestuário oferece, tanto para inovar
modelos, como para solucionar futuros problemas projetuais.
São sequências de ações usadas pelos estudantes nos processos
investigativos, resultantes de tentativas e acertos, de buscas, observações,
interações e percepções do que aconteceu durante todo o processo de
interiorização do conhecimento e utilização de recursos do desenho.
Durante este estudo, o processo realizou-se pormenorizadamente até que
o aluno conseguisse construir o todo, ou seja, até que visse pronto, vestido,
o desenho da sua figura de moda. Assim, tendo condições e habilidades
de trabalhar suas estruturas, separadamente em novos objetos, adequando
técnicas, materiais e formas com esmero nas proporções, detalhes, cores,
acrescentando esteticamente um visual que tanto poderia ser simples, como
mais apurado em suas configurações de roupas e acessórios, como chapéus
e bolsas, entre outros.
Essas reflexões remetem a Solé e Coll (2006, p.12), quando afirmam
que cada estágio de experiência e vivência por que passa o aluno, apresenta
“possibilidades de crescimento”. Quando os objetos transmitem informações
ou comunicam significados para quem os observa é porque muitos dos
objetivos propostos no ensino e aprendizagem, através das experimentações
e vivências, foram alcançados. Significa então dizer que, se o aluno atingiu
este patamar, ele adquiriu capacidade cognitiva e habilidade motora para
representar visualmente uma imagem de desenho de moda (figura de moda
ou produtos e acessórios) no desenvolvimento do desenho conceptual.
As experimentações realizadas confirmam a relevância da aplicação
de postulados construtivistas à sequência de técnicas de aprendizagem,
operacionalizadas nos sete Módulos de Construção do Desenho à mão livre
para a concepção projetual do produto vestuário:
141
Módulo de Ensino 0 - Construir o desenho para análise do conhecimento
prévio e uso como inspiração para outro desenho no final do semestre.
Módulo de Ensino I - Tabelas de tons: atividade de destreza manual,
desenvolver técnicas expressivas úmidas e secas (aquarela, pastel, guache,
nanquim, grafite, lápis de cor e lápis aquarelável). Construir tabela de tons
em grafite, sobreposição de cor e hachuras.
Módulo de Ensino II – Aplicar sombras nos croquis: perspectiva
intuitiva e tonal, direcionamento de luz e sombra. Aplicar em croquis para
produzir volume e profundidade nas representações gráficas dos produtos
de vestuário.
Módulo de Ensino III – Estampas: criar estampas com o uso de
fotoimagem e de objetos concretos, como técnica de referência para criação.
Transportar e transformar imagens de um suporte para outro suporte.
Módulo de Ensino IV – Texturas: construir texturas, usando os sentidos
– tátil e visual - , utilizar a técnica de referência, retalhos de tecidos, peças
de roupas e foto-imagem.
Módulo de Ensino V – Panejamento: interpretar e representar
graficamente os movimentos, caimentos e efeitos que os diferentes tipos de
tecidos produzem sobre o corpo.
Módulo de Ensino VI – Construir a figura de moda: representar
graficamente a estrutura óssea e muscular. Detalhar as partes da figura de
moda, como: olhos, rosto, cabelo, mãos, braços, pés, pernas etc. Construir
a figura de moda.
Módulo de Ensino VII – Desenhar a figura de moda e criar o objeto-
roupa
Iniciado no nível elementar e básico, para o aluno ter o domínio de
todos os elementos formais do desenho, foi se construindo, aos poucos, o
conhecimento, em níveis cada vez mais complexos no campo da expressão
gráfica, o que corrobora o fato de que o conhecimento não é algo acabado,
mas um processo contínuo, um somatório de aprendizagens. Logo, são
ações condizentes com os preceitos construtivistas.
Os códigos, simbologias, conceitos e conteúdos significativos da
linguagem de moda foram aspectos captados durante a aprendizagem e,
quando interiorizados pelos alunos, estabeleceram elos entre o desenho
artístico, cujo compromisso está vinculado à expressividade plástica, e
o desenho conceptual para fins projetuais. O raciocínio em torno das
questões visuais, subjetivas e de representação dos conceitos realizados pelo
142
desenho à mão livre pode ser primeiramente apreendido pela visualização
e observação, como maneira de captação da realidade circundante, para
depois ser transferido à materialização da criação conceptual.
143
passo a passo estrutural do desenho, direcionando seu olhar e pensamento,
para o entendimento do processo compositivo visual.
Quando o acadêmico entende e interioriza quais as várias ações, relações
ou procedimentos foram necessários para a construção do desenho de
moda à mão livre, demonstrando que consegue assimilar esse conteúdo, é
porque iniciou a modificação das suas estruturas cognitivas. A partir destes
fatos, o aluno volta a participar das experiências.
No momento em que o aluno vivencia as experiências dos Módulos de
Ensino, está assimilando conhecimento acerca da construção do desenho
de moda em si mesmo, sem ter a preocupação com o desenho projetual.
Isto quer dizer que o aluno está assimilando conhecimento acerca de como
configurar as estruturas da figura de moda através do uso dos elementos
formais e compositivos e dos recursos do desenho. Está aprendendo
a manusear pincéis, lápis e tintas, para dar qualidade formal e estética
ao produto, na caracterização das especificidades de cada tecido. Está
assimilando o conhecimento sobre como criar as peças de roupa e como
elas se comportam sobre o corpo da figura de moda, seu suporte. O domínio
deste saber é um recurso indispensável à construção do desenho de moda
para projeto de produto de vestuário.
O desenho de moda para projeto é construído, obedecendo a critérios
de clareza, eficácia, informação e adequação da linguagem projetual. Como
os desenhos necessitam ser trabalhados, analisados e verificados, existem,
para isso, as disciplinas de Metodologia Projetual; Projeto de Produto de
Moda as quais dão fundamentos teóricos à criação do desenho de moda,
para que as peças de roupas criadas possam ser produzidas industrialmente.
Nestsas disciplinas, o aluno utiliza conhecimentos sobre a configuração
do desenho, adquiridos durante suas experiências nos Módulos de Ensino
e em outras disciplinas, como Ilustração de Moda, Desenho Técnico,
Book Digital, entre outras. O profissional de Moda, que em sua formação
desenvolve práticas projetuais de desenho à mão livre, dispõe de habilidade
a mais na utilização dos aparatos tecnológicos.
Nas práticas exercitadas, vários foram os procedimentos, conteúdos
teóricos/práticos e técnicas, no sentido de definição e representação das
funções e características da figura de moda na ideação projetual. A parte
estético-visual da figura de moda foi onde o aluno aplicou conhecimentos
plásticos expressivos, aprendidos para dar estética ao produto conceptual.
144
A figura de moda foi desenhada com a roupa, mostrando o produto
final, com as características essenciais: riqueza de detalhes, de textura, de
panejamento, de elementos, de cores, de nuanças, de harmonia que no
seu conjunto identifica o modelo de roupa criado. E os diferentes tipos
de construção da figura de moda, baseados num suposto personagem,
exercitados nas experiências vivenciadas, caracterizaram desde o biótipo
até a etnia, identificando o futuro usuário de um possível projeto, que
ainda está virtualmente idealizado.
Essa visão do devir são relações e conceitos absorvidos e realizados
gradativamente pelos alunos. Todos tiveram seu tempo de aprendizado,
uns alcançaram melhores resultados, outros ainda necessitam de muito
treinamento, porém, como foi teorizado neste trabalho, o desenho manual
é um desenho de processo de aprendizagem individual, não se destacando
por seu imediatismo.
Quanto mais Módulos de Ensino foram sendo desenvolvidos, sempre
com disponibilidade de materiais básicos para consulta, atendimentos
pessoais e extraclasses, ao longo do semestre, com professor e aluno,
tentando remover os entraves ao aprendizado, mais visíveis ficavam as
mudanças que ocorriam relativas ao desenho, mas principalmente em
relação aos alunos.
Evidenciou-se que estavam mais confiantes, pois deixavam para trás o
receio de desenhar, adquiriam competências e habilidades manuais que lhes
permitiam mostrar o desenho como forma de conhecimento e aptidão básica
para concepção e ideação projetual. Esta capacitação do futuro designer de
moda dependeu de sua própria possibilidade de encontrar maneiras de
solucionar as dificuldades. Na concretude de novos desenhos, como um
processo de integração dos elementos visuais e técnicas de aprendizagem
para construção das configurações expressivas, o aluno mostrou que tomou
posse das competências necessárias para o desenho conceptual. A partir do
momento em que ele associou estética e beleza plástica à sua sensibilidade e
criatividade, conseguiu trabalhar seu desenho autoral. O caminho a seguir
vai ser de novas descobertas projetuais, onde não importa que ferramenta
utilize, importantes serão os resultados que ele vai gerar e construir na
concretude de suas ideias em projetos de design de vestuário.
145
Conclusão
A elaboração deste estudo intencionou responder ao meu
questionamento que se transformou em objetivo da pesquisa: como
demonstrar que o ensino de desenho à mão livre, baseado na concepção
construtivista, é um método eficiente na aprendizagem do desenho para
concepção projetual do produto de design de vestuário. Na intenção de
responder a este questionamento e contribuir para o ensino e aprendizagem
de desenho de moda para ideação projetual foram elaboradas as questões
referentes ao objeto da pesquisa apresentada.
O percurso efetuado ao longo deste estudo foi iniciado na
problematização do tema. Foi o momento em que mais se acentuou minha
preocupação como professora em relação ao desenho, por isso se tornou
o problema da pesquisa. O aluno passou no vestibular para entrar em um
curso de Bacharelado em Moda que possui como eixos condutores de quase
todas as atividades de ensino: criatividade e desenho. E aí o problema se
agrava: a grande maioria dos alunos não apresenta condições para realizar
um projeto que necessita de habilidades e competências em desenho,
porque, infelizmente, no ensino médio, o desenho é posto de lado, o aluno
não é incentivado a praticá-lo e nem a utilizá-lo como meio de reflexão
projetual.
Foram os desenhos que os alunos apresentavam no início das atividades
acadêmicas que deram as indicações de que havia urgência em encontrar
uma estratégia para que eles entendessem como configurar a estrutura
formal, compositiva estética do desenho de moda de maneira prazerosa.
Deveria ser um processo no qual os próprios procedimentos fariam com que
os alunos se dedicassem ao saber fazer em desenho, sem ficar temerosos por
terem poucas habilidades; para que pudessem superar o desafio de idealizar
um projeto de produto de design de vestuário, acompanhado de toda a parte
teórica. Era mesmo um desafio.
No início, houve momentos angustiantes e cansativos em sala de aula,
quando buscava métodos (empíricos e exploratórios) de investigação sobre
como trabalhar e compartilhar com 20 alunos as diferentes técnicas e teorias.
Para chegar aos resultados, não foi tarefa fácil, já que cada um deles tinha
uma necessidade particular, e muitos não traziam os materiais adequados
para o desenho. Com base na observação e pelos indícios captados na
realidade da sala de aula, fui elaborando procedimentos, experimentos.
146
A oportunidade de realizar este estudo abriu a possibilidade para
enfrentar este desafio. Oportunizou-me conhecer e aprofundar os estudos
sobre o modelo instrucional construtivista de Becker, fundamentado na
epistemologia genética de Jean Piaget, que culminou com a construção
e aperfeiçoamento dos Módulos de Ensino. O que de mais importante
aprendi sobre o construtivismo foi compreender que cada aluno possui
estruturas e estágios de conhecimento, diferentes uns dos outros, e que,
como professora, mas principalmente como pessoa, eu deveria respeitá-los.
A reciprocidade foi imediata. Os resultados foram os desenhos construídos
pelos alunos, um conjunto de atividades complexas, como o desenho de
moda para ideação projetual.
As reflexões sobre as experiências vivenciadas culminam com a certeza
de que o desenho de moda à mão livre faz parte das ações de desenvolvimento
da concepção da ideação projetual, e, sob o ponto de vista de ser usado
como instrumento mediador entre o pensamento e a sua materialização,
pode ocupar lugar.
Para tanto, todo o referencial teórico de Becker serviu de base, de modo
geral, para a configuração do objeto de estudo e, de modo específico, para o
desenvolvimento dos Módulos de Ensino como técnicas para a aprendizagem
do desenho. O caminho para os Módulos de Ensino referenciados nas
relações de técnicas de construção estrutural e das ferramentas e recursos
do desenho revelou, de forma sistemática, aspectos que dizem respeito aos
fundamentos do desenho, seus objetos e seus interpretantes, ou seja, aluno
e professor - ensino e aprendizagem.
Os Módulos de Ensino têm como base a experiência prática em
sala de aula, em anos de ensino e pesquisa em desenho no campo da
expressão estética, plástica e técnica na área de Moda e sua capacidade
de lidar com ideias, buscar o saber, descobrir e disseminar informações e
conhecimentos. E, como ponto fundamental, a reflexão sobre a necessidade
de serem permeáveis às demandas, exigências e desafios contemporâneos.
São requisitos identificados que participam da adaptação às mudanças
contínuas dos dias atuais, ocasionadas pelo avanço das tecnologias e da
informação e suas diversas possibilidades de associações, atribuindo novos
paradigmas sociais e educacionais.
A principal linha de pensamento dos autores construtivistas é que o
conhecimento se processa a partir de interações entre o indivíduo e o objeto,
sendo que, para este estudo, a ideia de interação não se limita à relação entre
147
alunos e professores, mas envolve tudo o que se refere ao meio e ao objeto
de estudo. Os elementos introduzidos no processo de ensino de desenho e
as relações que se estabelecem devem estar contidos no repertório prévio do
aluno. Dessa forma, os novos conhecimentos são acrescidos aos existentes,
combinados e transformados. Por isso, toda a parte didático/pedagógica
sobre a construção do desenho de moda para concepção projetual deve ser
muito bem planejada no sentido de haver a captação do conhecimento por
parte do aluno, tanto no desenvolvimento das habilidades cognitivas quanto
manuais para construção do desenho. Este conhecimento é fundamental
para o aluno atuar, de maneira estratégica e criativa, no campo de trabalho,
pois o capacita a materializar novos produtos de design de vestuário, através
de configuração formal. Ao utilizar seus conhecimentos manuais, o futuro
designer, acrescenta um importante diferencial no uso do ferramental
computacional.
Pode-se dizer que os Módulos de Ensino são baseados em autores cujas
teorias são aplicáveis à criação da representação gráfico-visual do desenho de
moda e no desenvolvimento de uma base de conhecimento que proporciona
ao aluno o aprendizado da ideação projetual. E em tudo o que se relaciona
à teoria do desenvolvimento da aprendizagem na promoção de reflexões e
no entendimento de como o aluno desenvolve sua estruturas cognitivas.
São fatos conclusivos os estudos realizados por autores, como Fernando
Becker (2003, 1995, 1992, 1985), que trabalham a visão construtivista por
concluir que a ação do estudante na própria aprendizagem é determinante
para desenvolver seu saber na ação realizada. Na concepção construtivista,
o aluno parte de uma estrutura mais simples para outra mais complexa
(Becker, 1992).
Alcances e projeções
Neste trabalho, o desenho conceptual foi pensado não apenas em
termos de modelos de ensino instrucionais baseados no construtivismo,
mas como um propulsor de ensino e aprendizagem, para que o aluno o
utilize como um meio preponderante para criar, dar forma e qualidade ao
design de vestuário.
O objetivo é que esta estrutura textual permita contribuir para um
pequeno avanço na compreensão, por parte do professor, de que o aluno
é peça fundamental, partícipe do próprio processo de aprendizagem
e seja consciente de que o conhecimento, dentro de uma abordagem
148
construtivista, é ser visto como uma construção pessoal, portanto, o aluno
é sujeito da aprendizagem e sujeito de sua aprendizagem, como sujeito da
representação.
O que se busca mostrar, também, é o papel do professor que consiste
em apresentar caminhos, desafios e possibilidades que atendam todas
as diversidades e necessidades de cada um dos alunos na elaboração do
desenho à mão livre para projetação em Moda.
Os Módulos de Ensino são perfeitamente aplicáveis no desenvolvimento
de uma base de conhecimento que proporciona o aprendizado do desenho
de moda aos acadêmicos. Considera-se, portanto, que, mesmo com as
delimitações necessárias, e mesmo não descrevendo as técnicas utilizadas
em cada um dos Módulos de Ensino, os textos aqui descritos se constituem
numa contribuição, um ponto de partida para aqueles que querem conhecer
e dominar a ferramenta e os recursos do desenho de moda à mão livre.
Ou, para educadores que ministram desenho, mesmo em outras áreas, que
querem utilizar novas possibilidades no ensino e aprendizagem do desenho
sob um enfoque construtivista.
Neste contexto, existem várias possibilidades e experimentações que
o professor pode utilizar como técnica de aprendizagem da construção
do desenho conceptual e que está inserida na concepção construtivista.
A partir daí, podem ser tecidos argumentos que revelem as ações e os
procedimentos, as técnicas e mecanismos ou instrumentos, que, uma vez
adotados, possibilitem processar didaticamente um modo de realizar o
ensino-aprendizagem da representação gráfica do desenho de moda à mão
livre.
A constatação de que as imagens de representação gráfica que ilustram
o universo de moda são construções singulares e simbólicas e, portanto,
participam da formulação do imaginário das pessoas, abre caminho para
novas investigações científicas que contemplem o desenho à mão livre na
área de Moda.
Referências Bibliográficas
ARNHEIM, R. Arte & Percepção Visual: uma psicologia da visão
criadora. FARIAS. I.T. (org.). São Paulo: Pioneira, 1994.
149
______. O que é construtivismo? Revista Educação AEC, Brasília, v.21,
n.83, p.7-15, abr./jun. 1992.
150
Modelagem do vestuário com a
tecnologia CAD – avaliação do
treinamento
Icléia Silveira
Amanda da Silva
1 Introdução
O uso do computador nos diversos campos de trabalho (indústria,
comércio, administração, etc.), deu início a profundas modificações
em todo o sistema produtivo, atingindo não só os trabalhadores, que
utilizam diretamente alguma forma de automação ligada à informática,
mas todo corpo social, com mudanças nas condições de vida em todos os
setores e classes. As novas tecnologias são de fundamental importância
para as indústrias do vestuário adequarem seus processos produtivos,
favorecendo a flexibilidade no desenvolvimento dos produtos, a qualidade
e precisão da modelagem, bem como a redução do tempo de trabalho.
Os setores de produção do vestuário com mais inovação tecnológica são
os de criação, modelagem e corte, especificamente com o sistema CAD/
CAM – Projeto Assistido por Computador e Manufatura Assistida por
Computador, traduzidos do inglês Computer Aided Design e Computer
Aided Manufacturing.
Mudanças capazes de criar novas melhorias de desempenho
organizacional, nos produtos e serviços, são introduzidas por esta inovação.
No entanto, as inovações tecnológicas nos setores produtivos do vestuário,
por si só, não são responsáveis pelo desempenho da organização, nem pela
lucratividade da empresa. As habilidades e capacitação dos funcionários
desempenham papel central. Por isso, o trabalho do modelista, com o uso do
sistema computadorizado, não depende somente dos conhecimentos deste
profissional, mas, também, da capacitação de uso que recebem das empresas
que comercializam o sistema, dos conhecimentos sobre informática, de sua
capacidade e interesse em aprender as funções do software, oferecidos no
treinamento.
Apresenta-se, neste estudo, análise da avaliação do treinamento para a
aplicação do sistema CAD no setor de modelagem do vestuário, com vistas
151
à melhoria da sua qualidade, sob a ótica da Gestão do Conhecimento. A fim
de planejar um modelo de treinamento eficiente, é preciso obter informações
junto às empresas usuárias, quanto ao treinamento que receberam e como
estão trabalhando com o sistema. Estas informações servem de fonte para
gerar conhecimentos a serem aplicados no aperfeiçoamento dos futuros
treinamentos.
A tecnologia da informação é o meio que permite captar dados e
informações sobre o desempenho do treinamento, gerando um banco de
dados sobre as experiências vivenciadas pelos usuários do sistema CAD. O
conteúdo arquivado no banco de dados pode ser gerenciado na elaboração
de novos conhecimentos, para que prováveis erros não se repitam, como
também para solução de problemas que possam estar enfrentando no
presente. Os instrutores, tendo como base informações reais, podem
seguramente planejar o treinamento, utilizando-se de ações direcionadas
à disseminação e utilização do conhecimento sobre o software e sobre os
usuários.
Em muitos casos, o treinamento para a execução da modelagem, com o
uso do sistema computadorizado, não satisfaz o cliente, dificultando o uso
da tecnologia e da capacidade do software. Isto pode acontecer pela carência
de informações, com vistas à avaliação do treinamento dado aos usuários,
da interface, das funções do próprio sistema e da capacitação do próprio
responsável pelo treinamento.
A obtenção de informações sobre os clientes, processos ou produtos
permite que as empresas construam conhecimentos a serem aplicados
em ações, recursos estes que podem ser usados para novas oportunidades
de negócio e manutenção da vantagem competitiva. Para isso, a gestão
do conhecimento estabelece métodos e processos de coleta, tratamento
técnico, armazenamento, análise e avaliação de dados e informações, tendo
em vista a criação de novos conhecimentos a serem aplicados no ambiente
empresarial.
Sem dúvida, a empresa que desenvolveu o software precisa perceber que
a base na manutenção da vantagem competitiva no mercado provém de sua
fonte de conhecimento, que está intrinsecamente ligada à sua capacidade de
captar, combinar e utilizar os dados e as informações dos clientes, criando
o conhecimento e desenvolvendo competências específicas a serem usadas
no treinamento dos modelistas do vestuário.
152
2 Procedimentos metodológicos
Para a amostra da pesquisa foi selecionada uma empresa de tecnologia
que atua no território brasileiro e 58 empresas do vestuário, usuárias do
sistema, da Região Sul e Sudeste do Brasil.
Utilizou-se a pesquisa qualitativa, que permitiu o aprofundamento
necessário na consecução dos objetivos propostos, bem como a pesquisa
descritiva, mostrando as características da tecnologia da informação
aplicada à gestão do conhecimento, visando à qualidade do treinamento
para o uso do sistema CAD. A coleta de dados teóricos foi baseada em
livros, teses e artigos publicados. A pesquisa documental foi elaborada,
a partir de documentos fornecidos pela empresa de informática (banco
de dados), referente à avaliação feita pelas empresas do vestuário sobre o
processo de capacitação para o uso do sistema. Para analisar estes dados,
optou-se pela Técnica Análise de Conteúdo, por facilitar a manipulação
das mensagens, tanto do seu conteúdo, quanto da expressão desse conteúdo
explícito, registrado no banco de dados. Na aplicação desta técnica, foi
realizada: leitura flutuante das informações disponibilizadas pelo banco
de dados, com a definição das categorias e unidades de registro da amostra
selecionada; exploração do material pela identificação, codificação e
tabulação de registros e de categorias; tratamento estatístico, apresentado
em quadros, gráficos e figuras. O conteúdo foi analisado de modo
qualitativo, sendo confrontado com os aspectos teóricos, dando suporte a
procedimentos de interpretação e validação.
153
3.1 Dados informação e conhecimento
O processamento de dados se apresenta como a transformação de
dados em informação, e esta em fonte de aplicabilidade, em conhecimento
gerado por uma quantidade de dados de um determinado contexto. Todo
este processo acontece no ambiente empresarial por meio da comunicação.
A Figura 1 mostra a transformação dos dados em informação e esta em
conhecimento.
Processamento
Aplicação
154
ação, mas é matéria-prima essencial na criação da informação.
Já, o termo informação, segundo Rezende (2005), é o dado analisado e
contextualizado. A informação é definida como sendo os dados organizados
de modo significativo, subsídio útil à tomada de decisão. Os autores Nonaka
e Takeuchi (1997) descrevem a informação como mensagem, geralmente
na forma de documento ou uma comunicação audível ou visível.
Davenport e Prusak (1998, p.4) dizem que se deve “pensar a informação
como dados que fazem a diferença”, que têm por finalidade alterar o modo
como o destinatário vê algo, exercer algum impacto sobre o seu julgamento
ou comportamento.
Com a finalidade de entender melhor, volta-se ao exemplo acima,
porém como uma informação. As empresas do vestuário da Região do
Vale do Itajaí, no Estado de Santa Catarina, tiveram queda de 15% nas
exportações, em 2011, em consequência da desvalorização do dólar. Temos,
nesta informação, uma sequência de dados: tipo de empresa, localização,
números, datas e causa do fato ocorrido.
Sendo assim, pode observar-se, de forma clara, que uma sequência
de dados se transformou em informação. Porém, é necessário que haja
contexto, a fim de que a informação se torne conhecimento, devendo
ocorrer interação entre vários elementos, com ações inteligentes para
solucionar problemas e obter resultado positivo, principalmente, dando
novos rumo aos fatos.
Assim, para que as informações se tornem conhecimento, são
necessários tempo, experiência e aplicabilidade dentro de uma organização,
além da consciência de que aquele (conhecimento) não pode ser pensado
de forma dissociada das pessoas. São as pessoas, com seus conhecimentos
e experiências vividas e já mentalmente internalizadas, que, de posse das
informações, podem transformá-las em novos conhecimentos.
Entende-se que cada pessoa pode, ao receber uma informação,
processá-la de modo particular, talvez totalmente diferente de outros. Isto
vai, então, depender do conhecimento que ela já detém sobre o assunto.
Determinadas informações nada representam para algumas pessoas, não
causando nenhum efeito.
Segundo Nonaka e Takeuchi (1997, p.38),
155
a informação é um fluxo de mensagens, enquanto conhecimento é
criado por seu próprio fluxo de informação, ancorado nas crenças
e compromissos de seu detentor. Tanto a informação quanto o
conhecimento são específicos ao contexto e relacionais na medida em
que dependem da situação e são criados de forma dinâmica na interação
social entre as pessoas.
156
experimental, subjetivo e menos provável de ser transmitido. Nesse sentido,
o conhecimento tácito é aquele que o indivíduo adquire por meio de suas
crenças e experiências, sendo difícil de passar para outros. Cita-se, como
exemplo, as habilidades adquiridas com anos de experiências práticas de
uma modelista, que interpreta com muita facilidade modelos do vestuário,
porém não sabe transmitir os detalhes do seu trabalho para outra pessoa,
pode até conseguir ensinar, contudo a outra pessoa não fará o trabalho da
mesma forma.
Os autores ainda afirmam: o conhecimento tácito é pessoal, específico
ao contexto e, assim, difícil de ser formulado e comunicado, enquanto
que o conhecimento explícito ou “codificado” refere-se ao conhecimento
transmissível em linguagem formal e sistemática (NONAKA E TAKEUCHI,
1997, p. 82).
Dessa forma, o conhecimento explícito deve ser usado mais pelas
organizações, padronizando, assim, as suas tarefas e atividades, sendo fácil
de todos realizarem as atividades, pois estarão escritas, formalmente, em
documentos.
A teoria da criação do conhecimento, idealizada por Nonaka e Takeuchi
(1997), destaca o conhecimento como sendo criado e expandido, através
da interação social entre o conhecimento tácito e explícito. Os autores
chamam essa interação de “conversão do conhecimento”, indicando que a
conversão é um processo social entre indivíduos e não confinada dentro do
indivíduo. O que significa dizer que não adianta nada deter conhecimento
e não passá-lo adiante.
As organizações que evidenciam a criação do conhecimento têm como
objetivo a fusão dos dois conhecimentos, o tácito e o explícito. Nesse
contexto, é apropriado que haja interação entre esses dois conhecimentos,
pois um complementa o outro e, ainda, segundo Nonaka e Takeuchi
(1997), a gênese do conhecimento está identificada na interação das duas
perspectivas, por meio da integração das duas formas de conhecimento
citadas anteriormente.
Esses processos são conceituados por Nonaka e Takeuchi (1997, p. 86)
como:
Socialização (tácito-tácito): é o processo de compartilhamento de
conhecimento tácito, por meio da experiência. Externalização (tácito-
explícito): é o processo de articulação do conhecimento tácito em conceitos
explícitos, por meio de metáforas, analogias, símbolos, slogans ou modelos.
157
Combinação (explícito-explícito): é o processo de sistematização de
conjuntos diferentes de conhecimento explícito. Internalização (explícito-
tácito): está intimamente relacionado aos processos de “aprender fazendo”,
de incorporação do conhecimento explícito no conhecimento tácito.
158
nada, pois, não sendo trabalhadas e conhecidas pelos outros indivíduos,
deixam de gerar novos conhecimentos.
Desse modo, o conhecimento é resultado da análise e reflexão de
informações que, por sua vez, foram organizadas por meio do processamento
dos dados e pode resultar em sabedoria, ou seja, num elevado grau de novos
conhecimentos que podem ser traduzidos em inovação capaz de ocorrer
em níveis hierárquicos, conforme apresentado na Figura 3.
É por meio do conhecimento que os gestores das empresas buscam
compreensão mais efetiva da situação-problema. Com a interação destes
profissionais no ambiente de trabalho, pode ocorrer, como resultado,
a aprendizagem individual e grupal. O aprendizado é o resultado da
integração de novas informações em estruturas de conhecimento já
existentes, de modo a torná-las, potencialmente utilizáveis em processos
futuros de processamento e de elaboração. Além disto, conhecimentos
novos resultam de um processo de interferência na própria estrutura do
conhecimento (BEL, 2007).
O nível mais alto desta hierarquia, mostrado na Figura 3 - Sabedoria, ou
seja, conhecimento altamente relevante, baseado em habilidades humanas,
experiência, intuição e insight, pode levar à criação de inovações e permitir
à empresa atuar com diferencial competitivo.
159
Sabedoria Inovação
Novos Conhecimentos
Experiências
Soluções
Ações
Ação
Conhecimento
(Base conhecimento Individual e grupal)
Interpretação
Análise
Elaboração
Informação
Processamento
Dados
160
Para alcançar os níveis abordados acima, as empresas podem dispor de
muitos dados e informações de natureza quantitativa e qualitativa, porém
devem ser selecionadas as que vão contribuir na geração de conhecimento
e, as demais, descartadas. Muitas informações, principalmente, as usadas no
desenvolvimento de um produto, evitam a ocorrência de futuros problemas
ou auxiliam na melhoria da nova versão do produto. O aprendizado obtido
em trabalhos anteriores, sendo compartilhado pela equipe, evita a repetição
de erros. Por isso, todas as informações devem ser registradas, consolidando
um conhecimento explícito da organização.
No entanto, as empresas, para criarem novos conhecimentos, precisam
obter os dados e informações, por isso dependem de fontes de pesquisa ou
de contatos, isto é, de sistemas de informação.
161
profissionais ou de negócios (fornecedores, banqueiros, advogados,
analistas financeiros e outros executivos). 2. Órgãos governamentais. 3.
Outras fontes pessoais
Fontes de publicações externas – 1. Jornais e periódicos; 2. Publicações
de governo; 3. Conferências, viagens de negócios; 4. Bibliotecas externas;
5. Relatórios de companhias de pesquisas; 6. Serviços de informações
eletrônicos.
Fontes pessoais internas – 1. Gerentes superiores, membros da
diretoria; 2. Gerentes subordinados; 3. Pessoal de staff subordinado.
Fontes de publicações internas – 1. Memorandos internos, circulares;
2. Relatórios internos e estudos; 3. Biblioteca da empresa; 4. Relatórios de
gestão de sistemas de informação.
No estudo feito pelos autores, acima, há uma análise sobre duas das
características de fontes de informações que eles consideram importantes
na pesquisa: a percepção sobre a acessibilidade da fonte e percepção sobre a
qualidade da fonte. O primeiro conceito vai além do conhecimento sobre o
acesso físico ou proximidade da fonte: inclui o tempo e o esforço demandado
para fazer contato com ela, o custo de sua aquisição e a facilidade de seu uso.
Ficou bastante evidenciado, pelo conteúdo teórico, que é necessário
expandir a pesquisa por informações, não só além das fronteiras das
empresas, mas do ambiente informacional interno. Para concluir, é
importante destacar que a relevância da gestão organizacional está na
interação dos profissionais de todos os setores, otimizando o arsenal de
informações, interno e externo, independentemente do seu tamanho ou
ambiente de negócios. Esta busca pela eficácia passa por uma boa gestão de
recursos informacionais – ferramentas de gestão do conhecimento que há
nas pessoas e nos documentos das empresas, disponibilizando-os para toda
a organização para que conduzam à produção de novos conhecimentos.
162
A expressão tecnologia da informação (TI) serve para referenciar
a solução ou conjunto de soluções sistematizadas, baseadas no uso de
métodos, recursos de informática, de comunicação e de multimídia,
veiculação, processamento e reprodução de dados e a subsidiar processos
que convertem dados em informações (BEAL, 2007).
Segundo Drucker (1999), a tecnologia da informação é um conjunto de
métodos e ferramentas, mecanizados ou não, com o objetivo de garantir
a qualidade e pontualidade dentro da malha empresarial. Na visão deste
autor, não há como alcançar a visão sistêmica, numa organização no século
XXI, sem que a estratégia esteja intimamente ligada a altos investimentos
em sofisticada tecnologia da informação.
Beal (2007) afirma que um sistema de informação depende de recursos
humanos (os usuários finais e especialistas), hardware (máquinas e mídia),
software (programas e procedimentos), dados (bancos de dados e base
de conhecimento) e redes (mídia de comunicação e apoio de rede), para
executar atividades de entrada, processamento e controle que convertem
recursos de dados em produtos de informação.
A tecnologia da informação é utilizada por indivíduos e organizações
no acompanhamento da velocidade com que as transformações vêm
ocorrendo no mundo; para aumentar a produção; melhorar a qualidade
dos produtos; como suporte à análise de mercados; para tornar ágil e
eficaz a interação com mercados, com clientes e até com competidores. É
usada como ferramenta de comunicação e gestão empresarial, de modo
que organizações e pessoas se mantenham operantes e competitivas nos
mercados em que atuam.
Em face disso, percebe-se que, além de sua rápida evolução, é cada vez
mais intensa a percepção, por parte das empresas, de que a tecnologia de
informação e comunicação não pode ser dissociada de qualquer atividade, já
que é importante instrumento de apoio à incorporação e compartilhamento
de conhecimento.
A integração de um sistema de informação dentro de uma organização
é poderoso instrumento de redução de custos, aumento de produtividade
e melhoria no atendimento ao cliente. Sistemas integrados oferecem a
visibilidade da informação para planejamento on line, tais como previsão
de demanda, níveis de estoque e cronogramas de produção. Há, também,
a possibilidade de comparar informações provenientes do planejamento
com as informações reais, de onde é possível extrair novas informações
163
de apoio à decisão dos gestores. As redes interativas de computadores
estão crescendo exponencialmente, criando novas formas e canais de
comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por
ela (DRUCKER, 1999).
Diante das teorias acima, pode-se dizer, então, que a tecnologia auxilia os
empresários e gerentes a planejarem suas tarefas, de modo a conquistarem,
cada vez mais, o cliente. O conhecimento dos clientes potenciais permite
que sejam tomadas medidas específicas e eficazes para conquistá-los. A
internet proporciona diversas ferramentas de comunicação que podem
ser utilizadas na coordenação e integração com parceiros de negócios,
contudo, também, para a troca de informações entre os próprios agentes
das empresas e de outras empresas, o que traz a vantagem de permitir que
problemas sejam discutidos e resolvidos imediatamente.
Após identificar a contribuição da tecnologia da informação, aborda-
se, no próximo item, a importância da tecnologia da informação na
implantação da gestão do conhecimento.
164
Para Moresi (2000), a gestão do conhecimento supre os aspectos
críticos da adaptação, sobrevivência e competência das organizações
diante da mudança ambiental crescente e descontínua. Essencialmente, ela
incorpora processos organizacionais que buscam a combinação sinérgica
da capacidade de processamento de dados e de informações dos seres
humanos.
O papel principal da tecnologia da informação na gestão do
conhecimento consiste em ampliar o alcance e acelerar a velocidade de
transferência do conhecimento. As ferramentas de gestão do conhecimento
pretendem auxiliar no processo de captura e estruturação do conhecimento
de grupos de indivíduos, disponibilizando este conhecimento numa
base compartilhada por toda a organização. As organizações que têm no
conhecimento seu insumo de negócios não devem mantê-lo em sistemas
fechados e inacessíveis, sob pena de perderem sua eficácia empresarial.
A mera existência de conhecimento na empresa é de pouco valor, se ele
não estiver acessível. Com o uso da tecnologia, o conhecimento pode fluir
por redes de comunidades, transformando a tecnologia em um meio, e o
conhecimento em uma mensagem (DAVENPORT E PRUSAK, 2003).
Para Davenport e Prusak (2003, p.108 a 110), a gestão do conhecimento
é composta de três etapas, que não são, necessariamente, consecutivas ou
ordenadas.
1. Gestão do conhecimento:
a) o processo de aquisição - compra de ativos de conhecimento, aluguel,
contratação de consultoria, pesquisa universitária ou institucional;
b) recursos dirigidos - formação de grupos para finalidades específicas,
como departamentos de pesquisa e desenvolvimento de produto, entre
outros;
c) fusão – “reunião de pessoas com diferentes perspectivas para
trabalhar num problema ou projeto, obrigando-as a chegar a uma resposta
conjunta”;
d) adaptação - propensão contínua à adaptação de novos contextos
e condições por parte da organização, baseada principalmente em dois
aspectos: “possuir recursos e capacidades internas que possam ser utilizados
de novas formas e estar aberta à mudança ou ter uma elevada capacidade
de absorção”;
e) redes - tanto as redes informais como as comunidades da prática.
165
2. Codificação e coordenação do conhecimento: neste caso, os autores
entendem que “o objetivo da codificação é apresentar o conhecimento
numa forma que o torne acessível àqueles que precisam dele”. Para codificar
o conhecimento de uma empresa, sugerem que sejam seguidos alguns
princípios básicos, como a definição dos objetivos dos conhecimentos que
serão codificados, a identificação do conhecimento existente em suas várias
formas, a avaliação do conhecimento, segundo sua utilidade e adequação
em meios apropriados para sua codificação e distribuição.
3. Transferência do conhecimento: quanto a este ponto, os autores
consideram que a forma mais eficaz de transferência de conhecimento é a
conversa “face a face” entre os indivíduos que o detêm, mesmo considerando
o notório problema da dispersão da localização dos indivíduos que,
eventualmente, detenham os conhecimentos desejados. Segundo eles, “há
uma profusão do conhecimento nas organizações, porém sua existência não
assegura seu uso”. Como estratégias para melhor realizar a transferência do
conhecimento, os autores sugerem as reuniões presenciais, o rodízio de
executivos, o estímulo a bate-papos informais ao “redor do bebedouro”.
Segundo os autores, “na economia regida pelo conhecimento, conversar é
trabalhar”.
A gestão do conhecimento depende muito da gestão da infraestrutura
da tecnologia da informação. Carvalho (2003, p.40) questiona: “O que
deve a empresa fazer para não prejudicar a gestão do conhecimento e ao
mesmo tempo proceder às mudanças necessárias na área de tecnologia
da informação”? O que se observa, diante deste questionamento, é que o
cuidado para efetivar essas mudanças é pouco, devido à base cultural de
cada empresa. O ambiente tem de ser preparado, no sentido de não ocorrer
rejeição dos membros da empresa.
Na gestão da informação há a ideia de substituir o trabalhador, ao
contrário da gestão do conhecimento, a qual se concentra nas pessoas.
Pergunta-se: quem possui o conhecimento? Quem gera o conhecimento? É
o trabalhador. O fator humano está sempre presente (CARVALHO, 2003).
Com o uso de aplicativos tecnológicos, qualquer documento produzido
dentro da empresa pode ser lido e modificado por outros usuários. A
mais valiosa função da tecnologia, na gestão do conhecimento, é estender
o alcance e aumentar a velocidade da transferência do conhecimento. A
tecnologia da informação permite que o conhecimento de uma pessoa ou
166
de um grupo seja extraído, estruturado e utilizado por outros membros da
organização e por seus parceiros de negócios no mundo todo (DAVENPORT
E PRUSAK, 2003).
167
estruturação, mas não em excesso, para não impedir seu aproveitamento
(DAVEMPORT E PRUSSAK, 2003).
168
das tecnologias, porque ela sempre provoca mudanças e exige novos
conhecimentos.
Com base nas teorias pesquisadas, o conceito de tecnologias da gestão
do conhecimento não só é amplo, como também não é passível de uma
definição clara e exata. Algumas tecnologias de infraestrutura, que
normalmente não são vistas como integrantes dessa categoria, podem ser
úteis na facilitação da gestão do conhecimento: videoconferência, internet
e até mesmo o telefone. Essas tecnologias não captam nem distribuem o
conhecimento estruturado, mas são muito eficazes na viabilização da
transferência de conhecimento tácito entre as pessoas. As tecnologias do
conhecimento tendem mais a ser empregadas de forma interativa, inclusive
por seus usuários. Assim sendo, o papel das pessoas nas tecnologias do
conhecimento é parte integrante de seu sucesso.
Temos, como exemplo de repositório de conhecimento amplo, a internet.
Como fonte do conhecimento externo, a internet pode superar algumas das
desvantagens da assimetria e do caráter do conhecimento, uma vez que a
pesquisa de um assunto trará resultados de todo o sistema. Mas, o nível de
confiança no mercado do conhecimento da internet é baixo, é necessário
“filtrar” os conteúdos e checar sua origem, antes de tomá-los como verdade.
Para concluir, diante do contexto teórico, ficou evidenciado que
a tecnologia, isoladamente, não fará com que a pessoa possuidora do
conhecimento o compartilhe com as outras. A mera presença da tecnologia
não criará uma organização de aprendizado contínuo nem uma empresa
criadora do conhecimento. A gestão do conhecimento é muito mais do que
tecnologia, mas, certamente, a tecnologia é instrumento de suporte que
pode influenciar qualitativa e quantitativamente na sua implementação. As
empresas terão enormes dificuldades em implantar programas de gestão do
conhecimento se não quiserem usar tecnologia. Portanto, a tecnologia da
informação é facilitadora de iniciativas de gestão do conhecimento.
4 Tecnologia CAD
O termo CAD (Computer Aided Design) ou projeto auxiliado por
computador é o nome genérico de sistemas computacionais (software),
utilizados pela engenharia, geologia, arquitetura, e design para facilitar o
projeto de desenhos técnicos. No caso do design, este pode estar ligado
especificamente a todas as suas vertentes (produtos como vestuário,
eletroeletrônicos, automobilísticos, etc.), de modo que a linguagem e
169
funções de cada especialidade são incorporadas na interface de cada
programa (VOISINET, 1997).
O objetivo principal dos sistemas CAD é aumentar a produtividade
e a documentação do desenho detalhado do produto. Esse objetivo foi
alcançado, de certa forma, quando os recursos do CAD passaram a ser
aplicados extensivamente no ambiente de trabalho. Todavia, é fato que a
ferramenta adequada não é condição suficiente para garantir bons resultados.
Ela apenas habilita o usuário a conseguir os objetivos pretendidos, o que vai
depender das habilidades, experiências e conhecimentos humanos.
A interface dos usuários com os sistemas informatizados é importante.
Usar uma interface mal projetada induz a erros ou deixa o usuário indeciso
durante a realização de algumas operações ou, até, na forma de trabalhar
de um usuário menos experiente. No sistema CAD, uma interface amigável
deve conduzir o usuário na realização da operação, levando-o ao término
dela, sem atropelos e sem a necessidade de tentativas prévias para entender
ou dominar o recurso (DODGSON, 2000).
Tem-se exigido dos sistemas CAD uma adaptação à realidade do mercado
consumidor, ansioso por diversidade e qualidade nos produtos fabricados e
ao dinamismo da economia globalizada. Essa não é só uma exigência feita
aos sistemas CAD, mas a todas as ferramentas computacionais de suporte
a projeto: de que a documentação dos dados e informações relacionadas ao
projeto seja, de alguma maneira, armazenada e capturada adequadamente
no computador. Este sistema de computação gráfica foi adaptado para
outros setores, inclusive ao do vestuário, como se aborda a seguir.
170
seja necessário atender à exigência das novas tendências do mercado da
moda (SILVEIRA, 2003).
O uso desta tecnologia permite a simulação com combinações de peças
do vestuário, formando inúmeros modelos, com a vantagem de manter tudo
organizado, evitando a estocagem de moldes de papel. De posse das larguras
corretas dos tecidos a serem cortados, pode-se encaixar as diferentes grades
(tamanhos) e modelos, seguindo o planejamento dos pedidos dos clientes.
Todo esse trabalho permanecerá armazenado. Surgindo a necessidade da
repetição para o corte, basta “plottar” novamente, não tendo mais de serem
refeitos os encaixes dos moldes. São muitos os benefícios alcançados com
a implantação da tecnologia CAD que permite aos processos produtivos
sustentarem as vantagens competitivas com a expansão dos negócios,
aumento da competitividade, através de reduções do tempo, ciclos e custos,
eliminação das atividades que não agregam valor ao produto e a melhoria
da qualidade do produto final (SILVEIRA, 2003).
4.2 Conclusão
Como foi apresentado na fundamentação teórica, o valor da informação
é função do contexto da organização, da finalidade de utilização, do processo
decisório e dos resultados das decisões. Basicamente, a informação tem
duas finalidades: uma para o conhecimento dos ambientes internos e
externos de uma organização e outra para atuação nestes ambientes. A
tecnologia da informação desempenha a função de auxiliar no processo
de captura e estruturação do conhecimento necessário nas decisões da
empresa, disponibilizando este conhecimento em base de dados para toda
a organização. Ocorre a gestão do conhecimento, quando os membros da
empresa, de posse das informações, dão-lhes significados, ancorados em seu
modelo mental e experiências, melhorando a ocorrência de aprendizagem.
Diante destas conclusões, pretende-se verificar o uso da tecnologia da
informação na obtenção, organização e acesso das informações aplicadas
à gestão do conhecimento no processo de treinamento no emprego do
software de modelagem do vestuário. Para atingir este objetivo, planejou-se
trabalhar com os procedimentos metodológicos apresentados a seguir.
5 Estudo de Caso
O nome da empresa de informática será preservado. As informações
foram obtidas em visitas à empresa para coleta de materiais, consultas em
171
material de cunho comercial e documental. Obteve-se, também, acesso ao
banco de dados com as informações da avaliação realizada pelas empresas
do vestuário, quanto ao treinamento para uso do sistema CAD no setor de
modelagem do vestuário. A abordagem do questionário prevê a obtenção
de informações sobre o treinamento no âmbito da empresa de informática
e no setor de modelagem das empresas do vestuário onde o software foi
implantado. As informações são obtidas pela empresa com o suporte da
tecnologia da informação, que facilita o registro, a organização e o acesso,
o que pode gerar novos conhecimentos a serem aplicados na resolução dos
problemas enfrentados pelos usuários, bem como nos procedimentos para
rever o planejamento do treinamento.
Após o treinamento (aproximadamente 10 dias), a empresa envia
formulário para obter informações relacionadas aos futuros usuários do
sistema, como: quem é o cliente, quem são os funcionários capacitados,
data da realização do treinamento, carga horária utilizada, nível de
escolaridade do usuário, cargo do usuário na empresa do vestuário e o nível
de conhecimento em modelagem e informática.
As informações deste formulário são analisadas e, posteriormente, é feito
o contato com o cliente para efetuar a pesquisa da qualidade do treinamento.
Este contato, inicialmente, dá-se via e-mail. Caso não seja respondido, após
várias tentativas, a pesquisa é feita através de ligação telefônica. Durante o
contato, são questionados a apresentação, a pontualidade, o desempenho
e o interesse do instrutor, além de questões relacionadas ao tempo de
treinamento e satisfação do cliente com relação ao produto.
Estas informações são arquivadas numa base, em documento de Excel.
A ordem dos dados descritos é organizada de acordo com a data do contato,
na sequência pelo nome da empresa, nome do instrutor que efetuou a
capacitação e os relatos mais importantes dos usuários.
6 Resultados da pesquisa
A empresa disponibilizou o banco de dados do período de 14/01/2010
a 05/10/2010. Foram selecionados os relatos de 58 empresas que receberam
treinamento para uso do sistema CAD vestuário. Na primeira etapa da
Análise de Conteúdo, selecionaram-se, para efeito desta pesquisa, 5 questões
respondidas pelas empresas do vestuário, as quais foram consideradas
suficientes para o alcance dos objetivos desse trabalho. Na segunda etapa,
foram definidas as unidades de análise, isto é, a unidade de registro e a
172
unidade de contexto da amostra selecionada. As unidades de registro são os
critérios de avaliação usados pela empresa de tecnologia, e as unidades de
contexto são os temas abordados em cada questão.
Após a definição do tema central de cada pergunta – unidade de
contexto – foi indicada a frequência encontrada com as respostas. O
sistema de codificação das unidades de contexto, neste caso, é o tema
principal das questões respondidas pelas empresas do vestuário em relação
ao treinamento.
O tema proposto no primeiro item do questionário (GRAFICO 1) visa
a dimensionar a qualidade do método de ensino utilizado pelo instrutor;
isto quer dizer: se o mesmo possui a didática necessária para ministrar
o treinamento. A maioria das empresas considerou o treinamento como
sendo bom ou ótimo, totalizando, assim, 58,62% dos entrevistados que
assinalaram a nota 3, e 32,27% dos que escolheram a nota 4. São poucos os
clientes insatisfeitos com relação ao método de ensino, indicando a baixa
média das alternativas regular 6,89% e ruim 1,72%.
173
Gráfico 2 - A qualidade do treinamento.
Fonte: desenvolvido pela autora, 2011.
174
No Gráfico 4, é apresentada a avaliação com relação ao tempo de
treinamento. Constatou-se, pelo resultado obtido neste item, que o
tempo determinado para o treinamento não permite o aprofundamento
do conteúdo e dos exercícios práticos da modelagem do vestuário. Neste
sentido, observa-se que 20,68% dos entrevistados consideram o tempo de
treinamento ruim e 37,93% relataram que o treinamento é regular. Das 58
empresas entrevistadas, somente 18,96% registram que o tempo previsto é
ótimo e 22,41% que é bom.
175
Gráfico 5 - Avaliação Descritiva do Treinamento
Fonte: desenvolvido pela autora, 2010
176
Com relação à categoria que questiona se o instrutor estava capacitado
para solucionar problemas de modelagem, 27,58% das empresas relataram
que o instrutor demonstrou não estar capacitado para solucionar os possíveis
problemas de modelagem e que só conhecia as funções do software.
Os dados mostram, ainda, que 10,34%, dos entrevistados indicaram
falta de apostila durante o treinamento, com exemplos do uso das funções
do sistema e espaços para observações.
Foram poucos os clientes que reclamaram da didática do instrutor,
demonstrando, assim, que a maioria deles possui facilidade de transmitir
o conhecimento.
7 Conclusão
À medida que a empresa fornecedora do sistema CAD dispõe de uma
base de conhecimento proveniente da análise das informações obtidas
junto aos seus clientes, sobre as características da empresa do vestuário,
do futuro usuário do software e do desempenho do treinamento, pode
estabelecer requisitos apropriados às características específicas de cada
empresa e aos conhecimentos do usuário. Isto representa, sem dúvida,
importante diferencial para o sucesso do software no mercado, pois auxilia
no desenvolvendo de competências específicas a serem aplicadas na
capacitação, tanto dos instrutores, quanto dos modelistas.
Na aplicação dos elementos da gestão do conhecimento, as empresas
devem gerenciar bem as informações provenientes dos relatos e experiências
dos usuários, vivenciadas durante o treinamento. O aprendizado obtido
com a qualidade do treinamento pode ocorrer, à medida que haja processo
de realimentação sobre as atividades desenvolvidas no chão de fábrica.
Portanto, a tecnologia da informação é o insumo para a obtenção de dados
e informações, porém a empresa tem de saber usá-la transformando-a
em conhecimento, por meio de novas atitudes e de ações de trabalho. A
tecnologia é um instrumento que disponibiliza informações, mas precisa
das pessoas, na sua interpretação, criando, assim, novos conhecimentos
na forma de habilidades, aprendizagem e raciocínio na tomada de
decisões. Com foco no objetivo da pesquisa, acredita-se que as empresas
que fornecem o software devem, com base em informações reais, obtidas
por meio de pesquisas atualizadas junto às empresas usuárias do sistema,
melhorar seus procedimentos, as funções do produto, a interface do sistema
177
e atender as necessidades dos clientes. Somente através das informações
poderão criar novos conhecimentos e até mesmo inovar.
Isto acontece, à medida que a informação é usada na resolução
de problemas, na tomada de decisões, no melhoramento dos serviços
oferecidos. Quando aplicada à gestão do conhecimento, as pessoas que
formam a empresa interagem entre si, compartilham seus conhecimentos,
os quais se transformam em conhecimento organizacional.
Referências bibliográficas
BARBOSA, C. A. M.; DREUX, M.; FEIJÓ, B.. An Architecture for the
Design Entity. Journal of the Brazilian Society of Mechanical Sciences and
Engineering, vol. XXV, No. 1, p. 15-22, JAN-MAR/2003.
178
NONAKA, Ikujiro, TAKEUCHI, Hirotoka. Criação do conhecimento na
empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da informação. Rio
de Janeiro: Campus, 1997.
179
Inovações têxteis da pós-modernidade
Maria Izabel Costa
Rafaela Pires
1 Introdução
Nas últimas décadas, as empresas têxteis passaram por mudanças
profundas, seja em função de mudanças conjunturais ou por inovações
tecnológicas, que têm alterado funções e processos produtivos, com
a utilização de inovações tecnológicas. Os efeitos das inovações dos
maquinários causam mudanças que levam ao um redesenho, tanto no
comportamento da empresa, quanto em sua participação no mercado.
As indústrias têxteis no Brasil têm desempenhado um papel de grande
relevância no processo de desenvolvimento do país. Fatores importantes
neste crescimento devem ser considerados, como o uso de novos
maquinários, equipamentos, novas matérias-primas e processos de
acabamento, possibilitando maior uso de fibras artificiais e sintéticas que,
dentre outras vantagens, tem sua produção livre de problemas relativos a
safras e climas.
Com as inovações tecnológicas e a ciência (nanotecnologia), é possível
explorar a criatividade das técnicas têxteis, dos materiais, das estampas,
do beneficiamento e do acabamento sobre o tecido. O presente trabalho
teve por objetivo desvendar as características da pós-modernidade nos
têxteis, evidenciando suas referências e aplicação. Desta forma, apresenta
um levantamento de dados e informações referentes aos conceitos e
características da pós-modernidade; exemplos de têxteis, segundo o
desenvolvimento tecnológico, sustentabilidade e aplicação dos tecidos, com
a finalidade de elaboração de um quadro de referência têxtil. Para tanto,
utilizou-se a pesquisa qualitativa e descritiva nos procedimentos técnicos
de coleta de dados em livros e artigos, bem como informações em base
eletrônica, que fazem a divulgação das inovações e tecnologias têxteis.
Muitas fontes foram encontradas na internet, já que, nos tempos atuais, as
informações surgem a todo momento e são veiculadas pela rede com mais
facilidade.
Parte das interpretações realizadas sobre têxteis e condição sociocultural
foi realizada de forma indutiva, quando “de fatos particulares se tira uma
180
conclusão genérica”. No entanto, outras interpretações foram de caráter
dedutivo, onde o “raciocínio parte de enunciados gerais dispostos em
ordem, como premissas de um raciocínio para chegar a uma conclusão
particular” (LAKATOS, 2007). Citam-se, como exemplo, as interpretações
gerais sobre o tema da pós-modernidade que foram abordadas, para
se chegar às deduções e uniões entre estética e funcionalidade têxtil no
momento histórico e os reflexos da pós-modernidade.
181
conhecimento acadêmico, estabelecendo-se um debate caracterizado como
pós-modernismo, que é orientado em torno do repensar e da superação de
alguns preceitos modernos.
Neste período, acelerou-se e foi aprimorado o desenvolvimento
industrial, que é o conhecimento chave para a transformação de um novo
mundo que deixou para trás regimes absolutistas em direção a governos mais
abertos. Este conhecimento foi aplicado nas máquinas que substituíram o
trabalho humano e, por consequência, houve mais desemprego; porém,
a busca por conhecimentos intelectuais, foi impulsionada ainda mais.
Lentamente, qualquer um poderia ser bem sucedido, independente da
posição social em que houvesse nascido.
No setor têxtil, “a manufatura foi o primeiro exemplo de industrialização,
criando uma demanda por máquinas e ferramentas, fato que estimulou
a mecanização” (BLAINEY, 2010, p.302). A cadeia têxtil foi sempre se
renovando, acelerando e aumentando a produção, assim como a renda e a
autonomia.
Especialmente, dentre os períodos de guerras se evidenciou com
grande força o que era possível ser feito através do conhecimento aliado à
técnica: “As aeronaves e rádios iam de um continente a outro”, mísseis eram
programados para viajar de um país, atingindo seu alvo em outro, bombas
de hidrogênio, bombas nucleares prejudicando populações com apenas
um comando eletrônico, propagandas televisivas influenciando milhares
de pessoas ao mesmo tempo (BLAINEY, 2010, p.302). E a fria competição
entre americanos e russos, com a corrida de qual nacionalidade chegaria
primeiramente à lua, fato transmitido em 1969, através de satélites por
imagens, reproduzidas na televisão para uma imensa massa de audiência.
O mundo realmente havia se tornado pequeno, abrindo espaço para uma
compulsão por inovações e desenvolvimentos tecnológicos, com os Estados
Unidos na dianteira. Pode-se dizer que a chamada “pós-modernidade”
tenha se firmado por volta das décadas de 1950 e 1960, quando máquinas
de difusão da informação, através de interfaces virtuais, como a televisão
e o rádio foram popularizados. Neste mesmo período, as metrópoles
já haviam se formado e iriam, paulatinamente, compactar seus nichos,
sobrepondo moradores cada vez mais individualistas que, futuramente,
estariam conectados a todos os acontecimentos do mundo, através de suas
telas de computador com acesso à internet; telas ou interfaces virtuais que
182
podem estar na casa ou no bolso, iphones, ipads, celulares ou notebooks com
programas personalizados do interesse do usuário, acompanhado-os em
todos os lugares possíveis (BLAINEY, 2010).
Da mesma maneira que a técnica parece ter marcado a modernidade,
na pós-modernidade pode-se notar um ponto de confluência em destaque
que seria, justamente, a digitalização. O conhecimento aliado à técnica
promove a informação que hoje está disponível a todos por meio digital. A
virtualização de processos está tão inserida no cotidiano das pessoas, nos
corpos, nos pensamentos, desejos e atitudes que, por vezes, mal conseguem
diferenciar o que é real, natural, do que é virtual (LÉVY, 1999, p. 47).
Entende-se que a virtualidade quebra conceitos arraigados da
modernidade, tornando os indivíduos desterritorializados, dando total
liberdade de ser e escolher o que quiser. Fato que ressalta também a
complexidade de personalidades múltiplas, ecléticas, com diferentes
gostos e ideais. Fato que, por outro lado, pode levar também ao narcisismo
hedonista e individualista.
A mudança parece ter se tornado um status quo na vida de todos, assim
as palavras “adaptação” e “flexibilidade” parecem ser uma máxima para
quem pretende sobreviver junto à frenética sociedade digital globalizada.
Neste sentido, o mercado se coloca à frente, beneficiando-se com a criação
de soluções para qualquer necessidade que possa surgir, ao mesmo tempo
em que cria no consumidor o desejo por tendências de moda e de produtos
tecnológicos. Neste ambiente, o design se destaca, inovando as características
funcionais, estéticas e simbólicas dos produtos, com a finalidade de seduzir
e convencer o consumidor à aquisição.
O design têxtil atua neste sistema, desde a simples mudança de cartela
de cores dos tecidos conforme a tendência do momento, bem como
na identificação dos estados de espírito pessoais ou o espírito do tempo
(Zeitgeist) do momento histórico dos consumidores. Pode-se, também,
destacar a produção de peles e couros artificiais que simulam o couro e
peles animais como forma de preservação ambiental. Outro destaque é
o uso de tecnologias de ponta que inserem fios condutores às tramas do
tecido de uma jaqueta esportiva, possibilitando o acesso à internet ou
controles remotos, permitindo que o consumidor esteja, a todo o momento,
conectado. Isto indica a necessidade de estar por dentro das novidades,
assim como a necessidade de estar com a maior quantidade de sentidos
183
(visão, tato, audição, paladar e olfato) em alerta, como múltiplo uso do
tempo, intensificando experiências.
184
e infravermelho UVB para esportistas que praticam atividades expostas ao
sol; tecidos com ação bacteriostática (CHATAIGNIER, 2006, p.114).
Como exemplo de tecidos médico-cirúrgicos, há novas fibras como
o Spidex, fios da teia da aranha, usados como material cirúrgico em
regeneração de nervos da medula espinhal. Em relação aos tecidos para
proteção ou armamento em guerras, encontrou-se os que servem como
músculos aumentando a força de um soldado em 30% (COLCHESTER,
2008, p.42).
Muitos destes novos materiais são resultados de pesquisas realizadas na
década de 1990 com a intenção de unir tecnologia têxtil com a eletrônica de
plástico e a tecnologia da informação (TI). Sobretudo, os últimos avanços
na nanotecnologia são os que desenrolaram especulações sobre uma
possível revolução tecnológica tão significativa como a revolução industrial
do século XVIII. Esta nova, porém, implica o remanejamento de materiais
em escala atômica (COLCHESTER, 2008, p.19).
O termo nanotecnologia vem da escala métrica “nanômetro” que se
refere a um bilionésimo do metro ou 70.000 vezes menor que um fio de
cabelo. É a ciência que tem como princípio básico a construção de estruturas
de novos materiais, a partir da manipulação de átomos e moléculas. Trata-
se da aplicação da nova ciência no ramo têxtil, nas mais diversas áreas como
medicamentos, cosméticos, área militar, física, bioquímica, engenharia,
entre outras, trazendo mais qualidade e funcionalidade aos produtos. Com
um futuro extremamente promissor na área têxtil, esta ciência encontra
espaço nas mais diferentes inovações, aliando eletrônicos aos tecidos,
bem como partículas de beneficiamento e até mesmo na criação de peças
que filtrem determinado tipo de gás em uma guerra química, a partir
da incorporação de partículas no algodão que possibilitem a filtragem
(COLCHESTER, 2008).
Com a ajuda da nanotecnologia, cientistas desenvolveram, nos tecidos,
os mesmos mecanismos encontrados na planta aquática Lótus, que possui
qualidades de limpeza natural, não permitindo a absorção de micro-
organismos em suas folhas. Assim, água, sujeiras, ketchup, óleo, mel, café,
vinho tinto, simplesmente não são absorvidos pelo tecido.
185
pelo governo como meio de dispersar manifestações populares contra as
condições indignas de vida, assim como é também usado como política
pública a favor da saúde física e mental dos jovens, além de ser um meio de
inclusão social.
Em 1996, a Speedo promoveu um concurso no qual o melhor projeto de
auxílio ao esportista seria o vencedor. O projeto Fastskin ganhou o concurso
e recebeu um aprimoramento do tecido, em 2004 (FastSkin FSII), que reduz
o atrito da água com a pele do nadador, adiantando-o em milésimos de
segundos, podendo isso ser o seu diferencial nas disputas aquáticas. Trata-
se de um projeto biomimético, no qual os tubarões foram o princípio
desta inspiração. Criaturas extremamente velozes, cuja rapidez, segundo
informações encontradas no site da Speedo, seria atribuída aos dentículos
dérmicos em forma de “V”. Os dentículos que se movimentam para frente
e para trás conforme o movimento da água, impulsionando-o, trazendo
mais potência ao atleta. No caso do traje de natação, profissionais fizeram
com que o tecido pressionasse a pele, de forma que impedisse a água de
correr entre a pele do esportista e o tecido, passando pelos movimentos dos
dentículos do tecido. Além disso, a pressão do tecido reduz a oscilação dos
músculos, trazendo maior estabilidade ao nadador (SPEEDO, 2009).
186
que mais se aproximou, até agora, foi o Spidrex, que tem muitos potenciais
e aplicações médicas, incluindo a regeneração de nervos para lesões da
medula espinhal, desenvolvido pela Oxford Biomaterials em 2003. A
empresa usou um processo de fiação que imita a forma como as aranhas
secretam e expulsam o material.
Outro exemplo, citado por Colchester (2008), foi o “Sensatex”, um
e-textile (tecido com condutores eletrônicos), baseado em fibras que
compõem uma camiseta capaz de monitorar onde e em que estado se
encontra um soldado no campo de batalha. O uniforme que monitora sinais
vitais do soldado pode, sem fio, relatar a localização de feridas no corpo
do mesmo, economizando tempo e salvando vidas. Este mesmo projeto,
Sensatex, é também vendido aos hospitais para monitoramento de bebês
pre-maturos, aquecendo ou arrefecendo seus corpos. Confeccionando
com este tecido uma camiseta, esta pode monitorar a frequência cardíaca e
realizar o eletrocardiograma.
187
bebê sobre o tecido; tecidos para ursos de pelúcia com aplicações musicais
ou iluminação; calculadoras ou controles remotos sensíveis ao toque em
tecidos (LUSSEY, 2011).
Outra inovação que trará imensos benefícios para o mundo da moda é
a impressora 3D. As medidas em três dimensões do corpo de uma pessoa
são programadas através de um software, seus dados são convertidos
virtualmente e a impressora “tece” o fio do tecido, liberando o produto
simplesmente pronto e acabado, sob medida. A impressão tridimensional
é uma tecnologia emergente, por meio da qual, raios ultravioletas são
usados para dar forma às camadas de pó fusível, termoplásticos e recicláveis
(LUSSEY, 2011).
O fato de o sistema reconhecer as medidas em 3D de um corpo,
transformando esta informação para o mundo virtual e deste para a
materialidade de uma peça perfeitamente construída, segundo as medidas
captadas, demonstra as possibilidades de interação do homem entre real x
virtual, um exemplo da remodelagem e otimização de processos e produtos
que a tecnologia nos proporciona.
188
colaboração com a Nissan. Os tecidos foram utilizados no estofamento de
carros da Nissan; é também usado em roupas femininas e jeans (LASCHUK,
NASCIMENTO et.al. 2008, p. 2).
189
custos. Não há desperdício de material no início de sua tiragem. A nitidez
e proximidade com a realidade da imagem são muito maiores e com a
possibilidade muito mais abrangente de criação dos motivos. Alexander
Mcqueen, por exemplo, em sua coleção primavera-verão 2010, fez uma
mistura de estampas digitais localizadas, combinando-as com as formas da
modelagem.
190
fios de LED. O sistema de iluminação natural pode ser adaptado e usado
em produtos para consumidores no setor público, em hospitais, transporte,
segurança e serviços de emergência e se apresenta muito interessante no
uso em moda.
Outro bom exemplo de energias renováveis nos tecidos é a mochila que
carrega baterias conforme a pessoa que a transporta caminha. A ideia seria
a possibilidade de recarregar as baterias do laptop, celular, ipad enquanto
se faz uma trilha, acampamento ou mesmo para trabalhadores de resgate
e soldados em locais remotos, com extrema necessidade do uso de objetos
com baterias energéticas.
4 Reaproveitamento têxtil
A reutilização de materiais seria o uso de materiais já existentes e
beneficiados, transformados em outro objeto. É uma boa forma de preservar
o meio ambiente sem que se produzam novos elementos que possam poluí-
lo. Muitos trabalhos têm sido feitos com a reutilização, por exemplo, lonas
de outdoor transformadas em sacolas ecológicas, patchworks de retalhos,
reciclagem de tecidos, e etc.
As vendas de roupas em brechós também são uma boa forma de
reutilização dos tecidos, grandes estilistas já se aproveitaram da ideia,
transformando peças de brechó em desfile fashion. O estilista Marcelo
Sommer, que assina a criação da marca “Do Estilista”, lançou sua coleção
outono-inverno 2011 com mix em uma mesma peça de brechó com outras
partes inéditas, conferindo-lhe um ar retrô-moderno. As peças eram por
vezes usadas cortadas ao meio, de forma que dois blazers diferentes, com
texturas e cores distintas se unissem, formando uma só peça. A coleção toda
misturou peças de brechó com tecidos novos, leves, fluidos, translúcidos ou
brilhantes (FASHION FOWARD, 2011).
Christian Lacroix já havia utilizado em modelos criados para
espetáculos teatrais, peças de brechó. O traje criado para o personagem
Otelo (de Shakspeare), por exemplo, foi feito através de reconstruções de
peças de brechó como jaquetas de couro ou de lã junto a outros materiais.
Além do fato de a reutilização e reciclagem de materiais na moda serem
um sinal de conscientização e preservação do meio ambiente, é também uma
maneira de evidenciar o movimento da coletividade. Pessoas influenciam
umas as outras e com um ideal comum partilham objetos, situações ou se
191
organizam diante de um acontecimento, ganhando mais força e dimensão
para fazer uma ideia acontecer.
192
CARACTERÍSTICAS DA PÓS-MODERNIDADE X ESTÉTICA TÊXTIL
CONTEMPORÂNEA
TEMA / CITAÇÃO EXEMPLO / COMENTÁRIO
SIMULAÇÃO *Tecidos peludos de fibra artificial;
*Tecido que simulam o couro, como
“A essência da pós-modernidade: Laminados vegetais da Ecológica,
preferimos a imagem ao feitos com o uso do látex.
objeto, a cópia ao original, o *Estampas digitais com os mais
simulacro (a reprodução variados motivos, paisagens, 3D, peles
técnica) ao real [...] Simular por de animais, texturas, etc. Sempre
imagens como na TV, aproximando da realidade.
que dá o mundo acontecendo,
significa apagar a diferença Comentário: Tecidos ou fibras
entre real e imaginário, ser e artificiais buscam imitar peles animais
aparência. Fica apenas o por questões ambientais ou pelo alto
simulacro passando por real” valor do material original. Estampas
(SANTOS, 1986, p.12). digitais procuram aproximar os
motivos para nossa realidade visual;
buscam, assim, a criação de um hiper-
real, muitas vezes muito mais colorido,
chamativo, funcional, interessante e
espetacular que a própria realidade.
193
MULTIPLICIDADE *Interferências e misturas culturais
nos motivos de estampas. Possibilidade
“Ecletismo, [...] mistura de de unir estilos divergentes.
várias tendências e estilos sob o *Jaqueta Burton+Apple, é possível
mesmo nome. Ele não tem unidade; utilizar diversos sentidos humanos
é aberto, plural e muda de aspecto se e realizar diversas tarefas ao mesmo
passamos da tecnociência para as artes tempo.
plásticas, da sociedade para a filosofia *Do So Hu e sua obra com a casa
(SANTOS, 1986, p.19) de tecidos proporciona a visão de uma
multiplicidade convertendo-a numa
unidade.
Comentário: A ideia da
globalização, de unificação e mistura
surge em diversas vertentes. Desde
uso múltiplo dos sentidos, passando
pela multipotência em realizar
diversas tarefas ao mesmo tempo,
ou de misturar o passado com o
presente, até a multiplicidade de
culturas ou estilos em uma mesma
peça. Fatos que provocam o caos, a
desreferencialização, mas também
o agregamento de valores, formas e
estilos inovadores, refinamento da
concentração e conhecimento
194
HEDONISMO *Estamparias que expressam
simbologias de determinada
“[...] hedonismo consumista, localidade é uma forma de
cultuando narcisicamente seu ego, O narcisismo e necessidade de definição
micro facilita-lhe a vida. Mil serviços da identidade. Assim como as
trabalham sua aparência. A cultura multiculturais, demonstrando fazer
psi lhe dá massagens mentais. Sempre parte de uma tendência global.
na moda, seu gosto é eclético […] *Instalação “Humanóids” proporciona
Versátil, desenvolto, o sujeito Blip imenso prazer e conforto.
– feito com fiapos de informação e *Alianz Arena - prazer estético,
vivência – não tem ego estável nem como se uma enorme obra de arte
princípios rígidos”( SANTOS, estivesse em meio à cidade para
1986, p.113). promover um estádio de futebol.
*Objetos têxteis que se iluminam
com o toque criando uma identidade
diferencial em quem porta o produto.
*Morphotex, tecidos usados nos
bancos dos carros, diferenciando-os
dos demais no mercado.
Comentário: A valorização da
própria identidade parece desenvolver
se conforme a globalização tenta
unificar e massificar. Com certo medo
de se perder em meio ao tudo e ao
nada caótico do universo capitalista,
o ser humano busca seu prazer
individual. Aliás, busca o máximo de
prazer possível em qualquer situação.
Em situações extremas pode
causar atitudes egoístas e isolamento.
Ao passo que cada um busca no prazer
de sua vaidade encontrar formas de se
diferenciar dos demais, estabelecendo
seus gostos e satisfação aqui e agora.
195
OTIMIZAÇÃO *Tecidos antibactericidas, com
proteção UV, não aderem cheiro de
“Otimização acabou se suor, dryfit, repelem sujeira, aceleram
constituindo numa vasta e sólida área trocas térmicas nas roupas, relaxam
do conhecimento. Uma área híbrida, músculos, aliviando o stress,
eclética e pragmática. Com um pé na *FastSkin para otimização em
matemática e outro pé na computação. esportes, como tecido que reduz
Que se nutre das ciências exatas, das vibração muscular e, por conseguinte,
biológicas, das tecnológicas. Que a fadiga.
se dedica a solucionar problemas *Spridex, fibra têxtil usada em
independentemente do contexto cirurgias, extremamente resistente e
onde surgem. Problemas práticos e condutora de eletricidade.
efetivos. Problemas relativos ao como *Impressora 3D elimina diversas
determinar uma alternativa melhor atividades da fabricação de peças,
que outra, dentro de um universo promove ainda o não desperdício de
dado” (BENNATON, 2001). materiais.
196
DESREFERENCIALIZAÇÃO OU *Affectives Wearables - vestimentas
VAZIO EXISTENCIAL afetivas que reconhecem seus estados
emocionais.
“o pós contém um des - um *Multiplicidade de estilos
princípio esvaziador, diluidor. O e culturas nas estampas
pós-modernismo desenche, desfaz desreferencializam identidades,
princípios, regras, valores, práticas, causando perda em alguns valores
realidades. A des-referencialização enquanto unifica.
do real e a des-substancialização do
sujeito, motivadas pela saturação Comentário: O universo pós-
do cotidiano, pelos signos, foram os moderno promove a desestruturação
primeiros exemplos.” (BENNATON, de ideia ou valores. Isso provoca vazio
2001) existencial, como se estivéssemos
perdidos no momento. Por outro
lado, pode, também, catalisar esta
desconstrução, transformando-se
em algo novo, o que gera a constante
mutação.
197
RESPONSABILIDADE *Fibras ecologicamente corretas
com o uso de garrafas pet, fibras de
“À medida que se considera que bambu, coco.
é na mente do indivíduo onde o *Climate Dress – Bordado direto
conhecimento é produzido e a ação no tecido se ilumina conforme a
é criada, todo comportamento será quantidade de CO2 no corpo.
compreendido como decorrente de *Mochila que produz energia
um julgamento moral individual e a renovável conforme o caminhar.
responsabilidade sempre estará voltada *Reutilização de roupas e tecidos
a este indivíduo, seja vangloriando-o usados.
ou culpabilizando-o.” (BORGES,C.; *Revestimento feito de cortiça para
MACNAMEE, 2008, S.p.12) interiores.
Comentário: O frenético
desenvolvimento tecnológico
e desenvolvimento econômico
trouxeram-nos grande
responsabilidade frente a atos que
determinam ou não a existência de
nosso futuro e do planeta. Com a culpa
de ser causador das tragédias naturais
e sociais, surgem os movimentos
de proteção ambiental, meios
sustentáveis, preservação da natureza,
valorização da ética social, dos direitos
humanos. Ainda que não seja uma
preocupação unânime, muitos grupos
vêm desenvolvendo cada vez mais
produtos ou ações voltadas para estas
questões.
198
COLETIVIDADE *Estampas que expressam
multiculturalismo, inteligência
“[...]é uma inteligência distribuída coletiva e espírito de um tempo criam
por toda parte, incessantemente tendências globais.
valorizada, coordenada em tempo *Reutilização de roupas usadas por
real, que resulta em uma mobilização outras pessoas.
efetiva das competências”(LÉVY, Comentário: Junto à
1998,p. 28) multiplicidade, desterritorialização,
“O espaço do novo nomadismo encontramos também certa união de
não é território geográfico, nem o das grupos de pessoas frente a uma ideia.
instituições ou dos estados, mas um Este reflexo pode ser encontrado, por
espaço invisível de conhecimentos, exemplo, nos Flash Mobs (aglomeração
saberes, potências de pensamento instantânea de pessoas em um local
em que brotam e se transformam público para realizar uma ação
qualidades do ser, maneiras de previamente combinada). Muitas
constituir sociedade” delas, sendo organizadas no meio
( LÉVY, 1998, p. 15). virtual.
199
REALIDADE AMPLIADA *Tecido do FastSkin, nadador
pode concorrer com mais velocidade,
“entre nós e o mundo estão os proporcionada pelo tecido.
meios tecnológicos de comunicação, *Jaqueta com
ou seja, de simulação. Eles não nos propriedadesacústicas da
informam sobre o mundo; eles o Burton+Apple. Intensificação dos
refazem à sua maneira, hiper-realizam diversos sentidos ao mesmo tempo
o mundo, transformando-o em Adrenalina.
espetáculo. Uma reportagem a cores *Tecidos que se camuflam,
sobre os retirantes do Nordeste deve intensificação da proteção e ecletismo
primeiro nos seduzir e fascinar para ao se mimetizar em um ambiente
depois nos indagar. Caso contrário, *Músculos têxteis, intensificação
mudamos de canal. Não reagimos fora da força.
do espetáculo.” (LÉVY, 1998,p.13) *Estampas digitais e interativas,
proporcionando um real intensificado.
*Instalação “Humanóids”. Objetos
gigantes proporcionando intenso
conforto.
*Alianz Arena. Projeto que lembra
megalomania, mais parece um sonho
que realidade.
*Tecidos para enxertos médicos
proporcionam uma mudança de
estado no mundo real e original, por
meio da interação de objetos externos.
200
NOVAS PERCEPÇÕES *So Ho Su – Instalação de uma
casa de tecido translúcido. Percepção
“[...] os seres humanos diferem generalizada das múltiplas repartições
em seu patrimônio hereditário e de um ambiente, concluindo-a com
nas influências do ambiente onde uma só identidade, um só ambiente.
se desenvolvem; daí as diferenças *Instalação “Humanóids”,
individuais e a complexidade do reavaliamos a noção de nossos corpos
comportamento humano. É na relação no espaço, de conforto e sensibilidade.
com o outro e com a sua cultura que *Mix de culturas ou estilos nas
é formada a subjetividade” (ARAÚJO, estampas, criando visuais inovadores
2008). *Releituras criadas sobre peças
usadas de brechós.
201
PROTEÇÃO - Cocooning *Superfícies refletoras no tecido
que agem como microespelhos e
“O cocooning se caracteriza por refletem a luz, produzindo o efeito
uma redução do grau de socialização camuflado. Muito usado por soldados.
dos indivíduos, que cada vez mais *Tecido inteligente que sente e
tendem a se recolher em suas casas pensa, detecta objetos à distância,
ou a frequentar estabelecimentos evitando colisões ou acidentes diretos.
fechados, seja por questões de *Tecidos com propriedades
comodidade, seja por segurança contra bacteriostáticas, proteção UV.
o mundo exterior cada vez menos *Affective Weareble
seguro” (JARDIM, 2007, p.49). *Estampas com motivos,
identificando uma região, de forma a
“proteger” uma cultura local em meio
à globalização e perda de valores.
6 Conclusão
No decorrer deste estudo, reconheceram-se as inúmeras possibilidades
de funções e variações estéticas nos tecidos criados nos últimos tempos.
Pôde-se, também, confirmar que os tecidos realmente são meios de
expressão simbólica em qualquer área: desde a médica, dos esportes,
robótica, arquitetura, design, artes plásticas e para a sustentabilidade do
planeta.
Das características sobre a pós-modernidade, destacou-se o uso da
tecnologia e virtualidade em interação na vida dos seres humanos, no seu
corpo. Conforme contexto teórico, a virtualidade é qualquer interface que
202
modifica nossas vidas em sua originalidade. Como por exemplo, o uso do
carro para se locomover, sendo o carro a interface distorcida da originalidade
de andar a pé, utilizando um meio que acelera este processo. Portanto, a
incorporação de um têxtil cirúrgico na reabilitação de uma clavícula, por
exemplo, seria uma forma de as pessoas saírem do estado natural em que
vivem, em parte, de forma virtualizada. Através da virtualidade, todos os
interconectados compartilham conhecimentos, dados, emoções, ideias e
até mesmo dinheiro. Para eles, esta interação só tende a aumentar, criando
um grande corpo coletivo, múltiplo e em constante mudança; como se um
fosse influenciado pelo todo e todos por sua individualidade.
Durante este trabalho, identificou-se que com a liberdade de criação,
desenvolvimentos científicos, desejos megalomaníacos de construções
hiper-reais, surgem, também, a culpa, a conscientização social e ambiental,
a responsabilidade por seus atos perante si mesmo e a sociedade. Com
o caos, criminalidade, ápice de adrenalina e fortes emoções surgem as
necessidades do recolhimento e de proteção. Com o hedonismo, valorização
de sua própria individualidade, vaidade e consumismo extremo, eclodem
o desenvolvimento de novas percepções, interação com o próximo,
movimentos coletivos e globais. Com o ecletismo, multiplicidade de
atividades ou identidade, pensamentos e atividades fragmentadas surgem
o desenvolvimento de novas percepções, bem como a criação de filtros que
permitem fazer escolhas das informações realmente necessárias.
Dentre os pensadores sobre a pós-modernidade, estudados para este
trabalho, pode perceber-se, por um lado, otimismo quanto aos benefícios
trazidos pelas futuras mudanças e, por outro, certo medo do desconhecido,
transparecendo o pessimismo.
Ao se observarem esses movimentos de expansão e retração, pode dizer-
se que, nesta linha de evolução, tenta-se a conciliação desses extremos em
busca de um equilíbrio, a fim de que se possam angariar benefícios nessa
caminhada evolutiva, mas, da mesma forma, sabendo filtrar as mudanças
vindas pela frente.
Referências Bibliográficas
203
CHATAIGINIER, G.. Fio a Fio: tecidos, moda e linguagem. Estação das
Letras e cores: São Paulo, 2006.
APPLE. Burton and Apple Deliver the Burton Amp Jacket. <Disponível
em:http://www.apple.com/pr/library/2003/jan/07burtonipod.html>.
Acesso em: 25/04/2011.
204
FASHION FOWARD. Do Estilista: Coleção completa. Disponível em:
<http://ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2011-rtw/do-estilista/
colecao-completa/>. Acesso em: 29/04/2011.
205
A construção do conhecimento na
cooperação interinstitucional para o
fomento da inovação e do design no
setor têxtil
Maria Izabel Costa
Icléia Silveira
A competitividade internacional, na qual as empresas do setor têxtil
estão envolvidas, promoveu profundas transformações nos métodos
de gestão empresarial. Para buscar a inovação, os setores produtivos
passaram a investir em iniciativas orientadas a melhorar seu acesso a
novos conhecimentos, ocasionando, com isso, uma maior aproximação
às instituições de ensino de nível superior de moda. Por seu lado, essa
necessidade colocou a universidade a expandir seu universo de atuação, por
intermédio de maior interação com os segmentos produtivos da sociedade,
aumentando sua capacidade de respostas às solicitações desta.
Em pesquisa-ação realizada em 2010, com 24 empresas do sector
têxtil/confecção e com 14 Instituições de Ensino de Design de Moda do
Estado de SC, pôde-se verificar a importância de a universidade conhecer
as reais necessidades das empresas no que diz respeito à demanda de
inovação e de design, bem como à importância do conhecimento mútuo das
especificidades e potencialidades de cada instituição, para que a cooperação
seja, efetivamente, um instrumento para a inovação.
Observou-se, também, que uma série de fatores de ordem
psicossociológica (motivações) e de ordem organizacional (estrutura
formal do próprio relacionamento) interfere no desempenho da relação e
no processo de construção do conhecimento.
Este estudo discute a importância, facilidades e dificuldades da
construção do conhecimento em processo de colaboração Universidade-
Empresa para a inovação do sector têxtil/confecção catarinense.
Fundamenta-se na teoria do relacionamento de Bonaccorsi/Picalluga
(REIS, 2008), na Hélice Tríplice (ETZKOVITZ, 1995) e na teoria do
conhecimento de Gibbos (GIBBOS, 1994). Neste sentido, procura levantar
206
subsídios para que se possa elucidar alguns questionamentos: Como pode
ser realizada a busca de inovações pelas empresas e universidades? Quais
são as especificidades da universidade e da empresa e como tem ocorrido a
cooperação entre esses atores? É possível estruturar um sistema de criação,
transferência ou troca de conhecimentos, a partir da universidade, sem
comprometer a pesquisa fundamental, e sem prejudicar o ensino, e ainda,
por meio desse relacionamento, melhorar essas missões da universidade?
Quais são as contribuições da área da psicologia e da área da teoria das
organizações ao referencial teórico das relações U-E? Quais as principais
motivações e barreiras para que o relacionamento entre universidades e
empresas seja o início do processo de inovação? Como o conhecimento é
criado, transferido e disseminado nessa relação?
207
Figura 1:Triângulo de Sábato
Fonte: Adaptado de Stal et al., 2006, p.20.
Segundo Stal et al. (2006), este modelo evoluiu para estudos mais
complexos em anos recentes, como os de Leydesdorff e Etzkowitz (1998).
À medida que as interações bilaterais entre os ocupantes de dois vértices
aumentavam em termos de integração entre pessoas e idéias em todos os
níveis, a distância entre eles diminuía, até se chegar a uma configuração
metafórica denominada de Hélice Tríplice, conforme mostra a Figura 2.
208
Figura 2: Evolução do Triângulo de Sábato
Fonte: Adaptado de Stal et al., 2006, p.20.
209
que a presença desta interação tem sido um fator chave para o fomento e
criação da inovação e consequente desenvolvimento de uma região.
Na França, por exemplo, o governo incentiva a aproximação da pesquisa
acadêmica às indústrias, desenvolvendo programas como o CIFRE
(Convention Industrielle de Formation par la Recherche). O programa
baseia-se no apoio financeiro concedido pelo governo a qualquer empresa
que contrata um estudante de doutorado, cuja missão é desenvolver
pesquisa que venha responder a alguma necessidade da empresa. Desta
65
Como exemplo de universidades empreendedoras, citam-se a Stanford University, Santa
Clara University, San Jose State University nos E.U.A; Cambridge University, no Reino
Unido; Université Sophia- Antipolis, na França; Katholieke Universiteit Leuven, na Bélgica;
University of Art and Design Helsinki, na Finlândia); Universidade Estadual de Campinas,
Brasil (LOOY et al, 2003; LOTUFO, 2010; KORVENMAA, 2009), entre outras. Por sua vez,
muitas empresas vêm se preocupando com a capacitação de seus colaboradores, algumas
criando as próprias universidades e institutos, como a universidade corporativa da General
Motors que, em 2001, ofereceu 1.500 cursos para os 86 mil empregados; “a General Electric
gastou mais de $ 1bilhão de dólares em seu treinamento gerencial, a maior parte aplicada em
seu campus de 200.000 metros quadrados, em Hudson Valley-Nova York; a IBM gastou $ 500
milhões em módulos de treinamento para seus gestores” (CHRISTENSEN et.al, 2007, p. 134),
com licença para comercializar seus programas para executivos de outras empresas; a Nypro
Inc., empresa de moldagem por injeção de precisão, em Massachutsetts, patrocina o Nypro
Institute, que goza de reconhecimento oficial do estado, oferece cursos de nível médio, MBA,
entre outros (CHRISTENSEN et al., 2007).
66
A pesquisa concluiu que a presença de centros de conhecimento em uma região que
interagem com o setor produtivo, é uma das principais pré-condições para o desenvolvimento
de empreendimentos de alta tecnologia. Ambos, empresas e os centros de conhecimento,
podem, juntos, proporcionar “a massa crítica necessária” de conhecimentos e experiências
para a inovação. Segundo os autores, para ocorrer a inovação, em uma região, faz-se necessária
a diversidade de domínios de conhecimento, o que exigem competências profissionais
disponíveis. Por sua vez, identificam que os vários atores devem ter a habilidade de tornar
seus conhecimentos visíveis e acessíveis, sendo que as empresas devem estar preparadas
para colaborar, enquanto que os centros de conhecimento necessitam desempenhar o
papel de “universidades empresariais”. Identificaram, também, a importância do papel dos
intermediários U-E, ou seja, de escritórios de intercâmbio como instrumentos de incentivo e
apoio para intermediar a relação (LOOY et al. (2003).
210
forma, ele contribui para o desenvolvimento de parcerias, por um lado,
e desenvolvimento do emprego científico na França (CIFRE, 2009), por
outro.
As pesquisas de Looy et al. (2003), sobre políticas para estimular as
potencialidades de inovação, através da colaboração da universidade-
indústria, apresentam uma série de conclusões favoráveis à contribuição
das parcerias U-E66.
Aplicadas em várias regiões consideradas inovadoras, como o Silicon
Valley (Califórnia-E.U.A), Cambridge (U.K); Sophia-Antipolis (FR);
Leuven (K.U), entre outras da Alemanha, apresentam as parcerias U-E
como instrumento para acelerar o desenvolvimento de uma região.
No caso Brasileiro, as universidades “não têm tradição no relacionamento
com as empresas, e não se preocupam em transferir os resultados das
pesquisas para o setor privado, de forma a contribuir para a produção
de inovações”(STAL e FUJINO, 2005). Segundo as autoras, no Brasil,
configura-se um modelo (de hélice tríplice) ainda embrionário, pois cada
um dos agentes tem-se apegado às especificidades do seu ambiente. Isso
tem dificultado as múltiplas interações e a formação de redes eficazes entre
as esferas institucionais formadas pelas hélices. Sendo assim, a configuração
da hélice tríplice do Brasil apresenta os atores apenas se tangenciando.
Segundo o vice-presidente da Anpei, Carlos Calmanovici, existem
problemas operacionais e também estruturais significativos e relevantes
que estão além da interação universidade-empresa. Menciona que o
investimento em P.D&I vem aumentando no Brasil, tendo passado de
0,98% do PIB, em 2002; para 1,13% do PIB em 2008, mas a iniciativa
privada contribuiu com menos de 47% desse total. Essa participação
percentual foi praticamente estável, no período considerado, quando nos
países desenvolvidos, segundos dados da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento econômico (OCDE), o percentual dos investimentos
privados nos investimentos totais em P.D&I é de, no mínimo, 60%. Para
Calmanovici, a comunidade acadêmica tem sido, historicamente, o
principal foco de atenção das políticas e dos recursos do Sistema Nacional
de Inovação (SNI). Mas o conhecimento gerado nas universidades não é
utilizado pelas empresas de forma natural e automática. O caminho “está
na discussão profunda da governança do SNI para garantir eficiência
social e foco do trabalho acadêmico em alinhamento estratégico com os
investimentos das empresas em P.D&I” (CALMANOVICI, 2010, p.11).
211
Embora haja um certo descompasso estratégico entre o investimento
público e privado, alguns programas governamentais têm incentivado à
cooperação entre empresas e universidade: Programa RHAE – Programa de
Capacitação de Recursos Humano para Atividades Estratégicas do CNPq; o
PAPPE – Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas Fundo de Interação
Universidade – Empresa (Verde Amarelo); a Lei de Incentivos Fiscais
P&D (Lei 11.196/05, que substitui a Lei 8.661/93); a Lei de Informática
(11.077/04) e Lei de Inovação (Lei 10.973/04, regulamentada pelo Decreto
5.563, de 11/10/2005).
Os estudos realizados por Costa, Magalhães e Silveira, entre outros,
(COSTA et al. 2009; COSTA e MAGALHÃES, 2008; COSTA et al., 2007)
sobre a integração das instituições de ensino de moda e as empresas têxteis
catarinenses, a partir de pesquisas experimentais de desenvolvimento de
produtos inovadores de moda, têm concluído que as parcerias U-E podem
contribuir com o processo de inovação de ambas as partes envolvidas,
principalmente se estiverem direcionadas às necessidades das empresas,
para que a inovação seja implementada por estas. Os autores partem da
premissa de que a oferta de produtos inovadores desenvolvidos através de
ações do design, em laboratório experimental, no âmbito da universidade,
em parceria com as empresas, contribui com o processo de valorização do
estilo (próprio) e design diferenciado. “Com isso, as empresas podem se
posicionar no mercado, não só pelo potencial industrial e coorporativo,
mas também por essas variáveis que, para algumas empresas da área têxtil,
encontram-se enfraquecidas” (COSTA e MAGALHÃES, 2008, p.6). No
entanto, os autores veem a necessidade de estudos complementares aos
realizados, pois:
212
Outros estudos demonstram a relação entre países com alto nível de
investimento em inovação e a distribuição institucional dos pesquisadores.
De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia (STAL et al., 2006,
p. 25), em 2003, os EUA tinham 79% dos cientistas e engenheiros em
empresas privadas e centros de pesquisa, enquanto no Brasil, a maior parte
dos pesquisadores (72%) encontra-se dentro das universidades. Como
se verifica, no Brasil a tônica é dada à capacitação em recursos humanos
qualificados em pesquisa básica em detrimento da transferência para o uso
produtivo.
Neste sentido, a questão central, portanto, não é a de ter profissionais
cientistas nas universidades a gerar invenções/inovações, mas de gerar
e saber utilizar o conhecimento, garantindo o fluxo de inovação para as
finalidades mais próximas do uso final.
67
A “primeira revolução acadêmica” refere-se à incorporação da pesquisa enquanto sistemática
na universidade e tem como marco de referência a criação da Universidade de Berlin, em 1810
(GOMES, 2001).
213
da competitividade dos países” (GOMES, 2001, p.8). Segundo o autor, a
universidade, revigorada por aquela nova dinâmica, passa a ser considerada
um agente privilegiado desse entorno para a promoção da competitividade
empresarial e nacional.
214
Figura 3: Estrutura teórica para estudo das relações universidade-empresa
Fonte: COSTA, 2011 - construído a partir de Bonaccorsi e Piccaluga (1994) e Reis (2008).
215
esse modelo, as motivações das empresas para entrar no processo de
relações com a universidade, e vice-versa, têm um impacto direto sobre
suas expectativas no que se refere à criação, à transferência e à difusão
do conhecimento. O desempenho ou performance do relacionamento
depende, então, “da combinação entre as características do processo de
transferência do conhecimento, dos procedimentos de coordenação
adotados e da estrutura, em si , do relacionamento” (REIS, 2008, p.113).
Conforme a Figura 3, o resultado do relacionamento é definido como
derivado de uma comparação entre as expectativas e o desempenho real em
termos de criação, transferência e difusão do conhecimento.
216
- melhoria de sua imagem e prestígio junto à sociedade;
- necessidade de aumentar sua competitividade;
- redução de riscos e custos de pesquisa.
217
momentânea, ou não, de escassez de recurso, por exemplo, pode ser
caracterizada como um dos principais motivos que levam as empresas a
procurarem pela universidade.
Segundo Bonaccorsi e Piccaluga (1994), a teoria das relações entre U-E
mostra que existe uma relação entre a capacidade de recursos das empresas
e a propensão para entrar em interação com a universidade. Ou seja, tanto
as organizações com poucos recursos como as com muitos são impelidas
a evitar este relacionamento. As que apresentam recursos escassos teriam
pouco a oferecer como contrapartida. As que têm recursos abundantes
teriam pouco a ganhar por participar dessas relações. Neste sentido, as
empresas que têm um nível intermediário de recursos seriam as que mais se
aproximariam das universidades. Elas apresentam uma contrapartida mais
equilibrada.
218
TIPOS DESCRIÇÃO EXEMPLOS
DE RELAÇÕES
Tipo A: Ocorrem quando consultorias individuais
Relações pessoais a empresa e um (paga ou gratuita);
informais pesquisador efetuam workshops informais;
trocas de informação, publicação de pesquisas;
sem qualquer acordo Workshops
formal que envolva a
universidade.
Tipo B: São como o anterior, cursos do tipo
Relações pessoais com porém com a existência “sanduíches”, bolsas
acordos formais de acordos formalizados de estudo e apoio
entre a universidade e à pós-graduação,
empresa. períodos sabáticos para
professores, intercâmbio
de pessoal;
Tipo C: Quando existe “laisons offices”
Envolvimento de uma terceira parte. (escritórios que
uma instituição de Essas associações promovem a interação,
intermediação ou escritórios que transferência de
intermediarão as tecnologia); associações
relações podem estar industriais; institutos
dentro da universidade, de pesquisa aplicada;
ser completa-mente escritórios de assistência
externas, ou, ainda, geral; consultoria
estar em posição institucional.
intermediária.
219
Tipo D: São relações em que serviços contratados
Acordos formais com ocorrem a formalização (desenvolvimento de
objetivos específicos do acordo e a definição protótipos, testes);
dos objetivos específicos treinamento de
desse acordo. funcionários das
empresas; treinamento
“on-the-job” para
estudantes; projetos ou
programas de pesquisa
cooperativa (uma
universidade com uma
empresa).
Tipo E: São acordos Empresas
Acordos formais do formalizados como patrocinadoras de P&D
tipo guarda-chuva no caso anterior, mas nos departamentos
cujas relações possuem universitários;
maior abrangência, com
objetivos estratégicos e
de longo prazo.
Tipo F: São as que criam Contratos de
Criação de estruturas estruturas próprias para associação; consórcio de
próprias para o o relacionamento. pesquisa universidade-
relacionamento empresa; incubadoras
tecnológicas.
Quadro 1 Tipos de Relações na Cooperação Universidade-Empresa
Fonte: adaptado de Stal et al. (2006) e Reis (2008).
220
as dimensões também variam: existem relacionamentos pequenos (tipo B,
por exemplo), até os muito extensos, como o do tipo F, onde se cria uma
estrutura específica para o relacionamento. Independentemente da forma
estrutural estabelecida, estes acordos devem estar muito claros, tanto para
a universidade quanto para a empresa, na medida em que interferem nos
procedimentos de coordenação, ou seja, nos aspectos comportamentais
estabelecidos no relacionamento.
Os Procedimentos Estruturais das Relações Interorganizacionais (regras
comportamentais que sugerem o andamento da interação entre as partes),
estão associados ao grau de importância que se dá ao relacionamento, à
forma como ocorrem as trocas de informações, aos procedimentos adotados
na solução de conflitos e às recompensas esperadas.
A importância dada ao relacionamento pode ser observada pela
quantidade de recursos (financeiros, humano, material, tempo, laboratório,
etc.) disponibilizados na relação, pelo apoio dos gestores com poder de
decisão nas organizações, bem como pela disponibilidade de recursos
humanos exclusivos para a função de interação.
221
Segundo Stal, nas relações entre empresas e universidades,
68
Para Davenport & Prusak (1998), a proximidade geográfica tem um certo grau de
importância na medida em que, intuitivamente, favorece as trocas de informação, embora
as novas tecnologias possam diminuir a importância desse fator. Os estudos de Van Looy et
al (2003) sobre políticas para estimular a inovação por meio da relação U-E, apresentaram
a proximidade das indústrias com as universidades como um dos fatores que estimulou o
sucesso das regiões inovativas, tendo em vista a sinergia provocada pela comunicação.
222
Ressalta-se que, embora algumas dessas barreiras já tenham sido
reduzidas ou até eliminadas, para uma colaboração eficaz, elas deverão ser
levadas em consideração.
No modelo teórico das relações U-E de Bonaccorsi e Piccaluga
(1994), o desempenho das relações entre organizações é uma construção
multidimensional que envolve a criação, transferência e a disseminação
do conhecimento. As expectativas sobre cada uma dessas dimensões
estão intimamente ligadas às motivações que levaram as organizações a se
relacionarem. Desta forma,
223
parcela, 52,2 %, é composta de grandes empresas, e a segunda maior
(parcela), 43,5 %, é de média empresas. O grupo apresenta um número
reduzido de pequenas empresas e nenhuma micro-empresa.
Todas as empresas são de capital nacional. Somente 2,3% atua nos
países do Mercosul e menos de 1% distribui produtos para outros países
no exterior; 29,2% ocupam a liderança do mercado estadual em relação
a seu principal produto; 25% ocupam a liderança no mercado nacional
e 4,2% ocupam a liderança no mercado internacional. A maioria (70,8%)
das empresas encontra-se no grupo estruturalista da estratégia sustentada
na competitividade, e 25% dentro da visão reconstrutivista, sustentada na
busca de mercados inexplorados.
Mais da metade (54%) investem, em primeiro lugar, na diferenciação
do produto como estratégia da empresa para obter sucesso na venda dos
produtos. A qualidade vem em segundo lugar (29,2%), e o design em
terceiro. Apenas 4% das empresas consideram a inovação incremental para
esse fim, e nenhuma aponta a inovação radical.
224
A maior parte dos recursos direcionados para investimentos em
atividades inovativas é procedente de recursos próprios (40%) e de recursos
próprios mais recursos de terceiros públicos (30%), sendo baixa a utilização
de programas de apoio do governo à inovação. As principais áreas para
investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação são as de produto
(70%), processo (65%) e marketing (55%). O design foi a área menos
considerada para estes investimentos, mas 52,6% das empresa possuem
uma área ou grupo de pessoas responsáveis pela inovação.
Os principais motivos que levam as empresas a investirem em inovação
referem-se à manutenção e aumento de sua participação no mercado, bem
como tornar-se uma empresa com mercado exclusivo. O alto custo de
aquisição de equipamentos, a carência de pessoal qualificado, a escassez de
recursos financeiros próprios e os riscos elevados de retorno financeiro são
os principais obstáculos à inovação apontados pelas empresas.
Embora a maioria (55,0%) não se encontre entre as empresas que
se caracterizam por sua capacidade de gerar e codificar o conhecimento,
a maioria delas são empresas que apresentam facilidade de disseminação
e compartilhamento do conhecimento apresentando sistema de gestão
integrada de informações.
225
design como elemento chave para colaborar na definição de estratégias da
empresa.
A maioria das empresas pesquisadas (62,5%) revela que a atuação do
design centra-se na interface que realiza entre as necessidades, desejos e/
ou aspirações dos usuários, o processo de desenvolvimento do produto,
e as exigências da sociedade (como por exemplo, a sustentabilidade
ambiental, social, etc.). De acordo com a Comunidade Europeia (2009),
esta é a essência do conceito do design para a inovação centrado no usuário.
Tendo em vista ser um conceito e uma atitude nova do design, verifica-se
que há necessidade de maior investigação sobre como as empresas estão
entendendo esse conceito, como estão utilizando-o na prática, e quais são
os resultados alcançados.
A responsabilidade pela concepção dos produtos na empresa recai,
principalmente (45,8%), na equipe de desenvolvimento de produto. No
entanto, há uma série de composições de funções na responsabilidade da
criação e evidencia-se baixa existência de departamentos autônomos de
design nas empresas (4,2%). Observa-se, em 29% das empresas, a presença,
nestes arranjos, de sócios e/ou pessoas da família que também atuam na
responsabilidade da criação do produto (percentagem de 29,3%, obtida da
soma em que os sócios aparecem nos diversos arranjos).
A principal fonte de ideias (inspiração) para a fabricação de novos
produtos foram as adaptações ou modificações a partir de tendências
internacionais de moda (66,7%) e a criação da própria empresa (33,3%). Este
dado é extremamente importante, pois, conforme é interpretado, torna-se
positivo ou negativo para o setor têxtil. Se “as adaptações ou modificações”
são entendidas como simples alterações estéticas nos modelos, ou
adaptações climáticas, aproximam-se da cópia e revelam baixa criatividade.
Por sua vez, como aborda Francesco Morace (In SENAI/CETIQT, 2007,
p.37), “...não se pode entender o próprio Genius Loci [espírito do tempo]
se não se está em permanente relação com outras culturas...”. Assim,
defende em sua tese, a estratégia do colibri – ou da “polinização criativa”
entre culturas – , onde a recepção, a seleção e a adaptação de materiais
[e de ideias] criam “condições para a multiplicação de sinapses criativas,
onde cada cultura se mostra em condições de fornecer uma contribuição
específica e original”. A globalização e a tecnologia possibilitam a leitura
de como se pode explorar nossas rents culturais e materiais, a exemplo da
coleção de Ronaldo Fraga, que revigora a cultura local, utilizando a renda
226
do Ceará, de forma contemporânea e global. Vale ressaltar, também, que
essas empresas estão participando, atualmente, do programa SCMC que,
metodologicamente, busca interpretar ações de marcas criativas ao redor do
mundo, buscando sintonizar seus produtos, imagens e história aos desejos
dos novos consumidores e dos novos movimentos culturais e socais, como
exercício de identificação da identidade da cultura local no contexto global.
227
Os principais motivos apresentados pelas empresas, para buscarem
parcerias com as universidades foram “trocar conhecimentos específicos
(41,7%); ter acesso a recursos humanos qualificados (16,7%); atualizar-
se e/ou aumentar conhecimento da empresa (12,5%) e aumentar a sua
competitividade (12,5%) que, embora não considerados na mesma
intensidade, foram também identificados pelas instituições de ensino,
com exceção de atualizar-se e/ou aumentar conhecimento da empresa. No
entanto, as instituições de ensino acreditam que as empresas têm interesses
em oferecer estágio (21,4%) e investir em inovação (14,3%), que não foram
apontadas pelas empresas.
Como mencionado acima, as motivações das empresas são pontos
essenciais para o sucesso ou o fracasso de uma relação de cooperação
(Bonaccorsi e Piccaluga, 1994). Portanto, devem ser de conhecimento dos
parceiros, pois, caso não sejam consideradas, podem confrontar-se com a
obtenção de resultados que não os esperados, enfraquecendo a relação de
cooperação.
Vale ressaltar ainda que os dados obtidos estão de acordo com a
afirmação de Stal et al. (2005, p.91) de que os objetivos das empresas, de
modo geral, têm se modificado, passando do aproveitamento dos recursos
humanos qualificados para a agregação de novos conhecimentos ao
processo produtivo.
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Percentual (%)
228
Ao contrário da situação anterior, viu-se que, segundo Figura 5, as barras
que indicam o principal motivo que levam as IE a buscarem parcerias com
as empresas (aumentar a relevância da pesquisa acadêmica e consequente
impacto no ensino) permaneceram altas e bem próximas (64,% e 66,7%
IE), indicando que há consenso quanto ao principal motivo. Além disso,
com exceção de uma alternativa (obter recursos financeiros para os
pesquisadores, levantado pelas empresas), todos os demais motivadores
foram apontados por ambas as instituições. Comparando com os dados
da figura 4, observa-se que as empresas conhecem bem o porquê de as
instituições de ensino estarem na parceria, mas a recíproca não é verdadeira.
0,0
Demonstrar sua utilidade sócio-econômica
0,0
Principal motivo para buscar parceria
8,3
Conseguir estágio para os acadêmicos
14,4
12,5
Trocar conhecimentos específ icos
7,1
66,7
Aumentar a relevância da pesquisa acadêmica
64,3
4,2
Obter recursos f inanceiros para os pesquisadores
0,0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Percentual (%)
229
4. A Criação, transferência e disseminação do conhecimento na
cooperação interinstitucional
230
Figura 6: Modelo de Gestão de Integração Universidade-Empresa para Política de
Design para o Fomento da Inovação
Fonte: COSTA, 2011.
Nesse processo endógeno de criação do conhecimento, a teoria de
Nonaka e Takeuchi (1997) considera tanto a dimensão epistemológica
(conhecimento implícito e explícito), quanto a ontológica (níveis diferentes
de agregação de conhecimento - individual, em grupo, organizacional,
entre organizações etc.). Assim, a universidade e, mais especificamente,
os cursos de Design de Moda, podem contribuir com a empresa,
disponibilizando pesquisas, profissionais capacitados, conhecimentos
específicos entre outros. Por sua vez, a organização produtiva pode interagir
com as instituições de ensino, disponibilizando também seu conhecimento
organizacional, a experiência de seus profissionais e conhecimento
advindos da prática. Esta interação não se atém apenas a uma troca, mas
a uma criação do conhecimento novo, que surge a partir do envolvimento
dos pares em equipe multidisciplinar.
Sedo assim, nas palavras de Nonaka e Takeuchi (1997), a criação do
conhecimento dá-se quando a interação entre o conhecimento tácito e
explícito eleva-se dinamicamente de um nível ontológico menor (individual)
até níveis mais altos (organizacional ou entre organizações), formando um
efeito crescente em espiral.
231
Reportando-se aos quatro padrões de criação do conhecimento, na
dinâmica da empresa, entende-se que:
232
Status e recompensas vão para os Avaliar o desempenho e
possuidores do conhecimento. oferecer incentivos com base no
compartilhamento.
Falta de capacidade de absorção Educar funcionários para
pelos recipientes. flexibilidade; propiciar tempo para
aprendizado; basear contratações na
abertura a ideias.
Crença de que o conhecimento é Estimular a aproximação não
prerrogativa de determinados grupos, hierárquica do conhecimento; a
síndrome do not invented here. qualidade das ideias é mais importante
que o cargo da fonte.
Intolerância com erros ou Aceitar e recompensar erros
necessidade de ajuda. criativos e colaboração; não há perda
de status por não se saber tudo.
233
específico dentro da universidade ou, ainda, um órgão (externo) que aja
como um gerenciador das interfaces institucionais, servindo de interlocutor
entre a instituição de ensino/pesquisa e a empresa. A este caberia a função
de desburocratizar e agilizar os procedimentos administrativos, facilitando
a elaboração e execução de contratos.
Considerações finais
Sabe-se que a universidade e a empresa são organizações de natureza
fundamentalmente distintas e, por isso, apresentam objetivos e finalidades
diferentes. As motivações trazidas pela empresa para o estabelecimento da
parceria e vice-versa nem sempre são conhecidas ou compatíveis com as da
universidade. É raro as motivações das empresas não estarem relacionadas
à sua produtividade. Por sua vez, mesmo que a universidade atenda essa
solicitação da empresa, isto nem sempre é suficiente para atender a função
de despertar as potencialidades dos acadêmicos, como o da produção
de conhecimento pela pesquisa fundamental - uma das funções da
universidade. Em geral, a empresa é imediatista, enquanto a unidade de
ensino requer maior tempo para o desenvolvimento de pesquisas. Neste
caso, a empresa e a universidade caminham em passos diferentes e ocupam
espaços diferentes, que apenas se tangenciam, dificultando a criação do
conhecimento. Apenas trocam ou consomem o conhecimento uma da
outra, conforme se verificou neste estudo.
Sendo assim, conclui-se que uma das primeiras providências a ser
tomada para a aproximação e atuação produtiva é estreitar essa lacuna
em prol de uma maior compreensão das especificidades, objetivos e
234
potencialidades de cada instituição. É buscar, conjuntamente, uma maneira
de integrar as competências e contextos em prol de objetivos comuns e
maior criação e produção do conhecimento novo para a inovação. De fato,
o que parece simples de concluir, não está sendo fácil de realizar na prática.
Referências bibliográficas
235
COSTA, Maria Izabel . Política de Design para o Fomento da Inovação
da Cadeia Têxtil Catarinense – um processo de cooperação universidade-
empresa. Rio de Janeiro, 2010. 215p. Documento de Qualificação de Tese
(Doutoramento). Universidade Pontifícia Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Artes. Rio de Janeiro, RJ: PUC-Rio, 2010.
236
GOMES, Luis Vidigal Negreiros. Criatividade, projeto, desenho de
produto. Santa Maria: sCHDs, 2001.
237
Resumos dos capítulos
PARTE I
238
UDESC é fundamentado na pesquisa sobre os conceitos da ética ambiental
biocêntrica e no modo de consumo dos veganos.
239
Com que roupa eles iam? O desafio de constituir acervos de
indumentária no Brasil.
A vestimenta desempenha muito mais do que uma função prática,
pois é carregada de simbologias. Afinal, ela molda os gestos, as posturas,
os corpos. A roupa é portadora de memórias, das técnicas de tessitura e
produção do vestuário, dos gostos, da moda, das sociabilidades. Ela constitui
um lugar de memória69; e, segundo Michele Perrot, a memória feminina é
uma memória trajada70. Este artigo propõe uma reflexão sobre o desafio
de constituir acervos de trajes, tanto no Brasil como no exterior. O motivo
para a incompletude das coleções está na fragilidade dos tecidos, sendo raro
que se encontrem roupas anteriores ao século XVII, mesmo na Europa.
A relevância dos trajes originais está no fato de que com eles podemos
aprender coisas que não se encontram em nenhum outro documento.
PARTE II
69
NORA, Pierre. Lieux de memoire. V 1, 2 e 3. Paris: Gallimard, 1997.
70
PERROT, Michelle. Práticas da memória feminina. Revista Brasileira de História. São Paulo:
ANPUH, v.9, n. 18, p. 09-18, ago/set. 1989.
240
Reflexões sobre as experiências vivenciadas no ensino e aprendizagem
do desenho de moda.
O artigo aqui exposto, busca demonstrar que a aplicação da concepção
construtivista, no ensino e aprendizagem do desenho de moda à mão livre,
contribui para antecipar soluções e projetar produtos de design de vestuário.
Pretendeu-se direcionar este estudo para a relevância do uso de didáticas e
experiências de desenho à mão livre com objetivos instrumentais orientados
à criação de novos saberes direcionados à produção de resultados reais
para a concepção projetual a ser realizada no contexto da moda. Propõe-
se a utilização do desenho, enquanto processo de aprendizagem, como
recurso instrumental criativo e como instrumento do pensamento e de
concretização. O trabalho aqui relatado foi realizado por meio de uma
pesquisa descritiva de caráter exploratório e com um aporte bibliográfico.
241
Inovações têxteis da Pós-modernidade
Este artigo tem o propósito de mostrar as inovações têxteis que, nas
últimas décadas, passaram por profundas mudanças conjunturais e
inovações tecnológicas. Fatores importantes neste crescimento devem ser
considerados, como o uso de novos maquinários, equipamentos, novas
matérias-primas e processos de acabamento, possibilitando maior uso de
fibras artificiais e sintéticas que, dentre outras vantagens, tem sua produção
livre de problemas relativos a safras e climas. O trabalho teve por objetivo
desvendar as características da pós-modernidade nos têxteis, evidenciando
suas referências e aplicação.
242
Moda da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, assim como
também coordenadora do mesmo.
243
transformação têxtil e tecnologia têxtil. É gestora de Criação e Integração
Universidade-Empresa do Santa Catarina Moda Contemporânea – SCMC.
Série Modapalavra
Moda: desafios e inovações
244