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A teoria do pós-colonial emerge da influência dos estudos culturais, e tem

como seu objeto de pesquisa o mundo colonial, ou seja, povos que viviam em
contexto de dominação. Desta forma a teoria do pós-colonial pode ser entendida
como, a sobrevivência da cultura dos povos dominados através da literatura,
resgatando não só a cultura, mais a identidade destes sujeitos enquanto pessoas
individuais e coletivas. Para Homi Bhabha (1998), O local da cultura o sujeito
colonizado, ao perceber que não é a representação do que caracteriza o discurso
do colonialismo Europeu, de forma degenerada e depreciativa, deixa de aceitar
que existe uma cultura única, e passa a questionar seus próprios valores
ideológicos, políticos, sociais. Bhabha (1998) sugere, que ao ocorrer esses
questionamentos, os sujeitos da colônia passam a negar a sua inferioridade,
assumindo uma identidade pluralizada.

A literatura do pós-colonial traz contribuições relevantes aos novos


estudos da literatura contemporânea. Escrever a memória de um povo no seu
individual e coletivo, enriquece e releva fatos vivido e vivenciados pelos próprios
sujeitos. Dentre esses contributos podem ser destacados os relevantes estudos
do ensaísta, poeta e escritor martinicano Aimé Césaire, nos quais reivindica o
lugar do negro na sociedade, na cultura e na História. Assim, como vários outros
autores que chamam a atenção por dedicarem seus estudos a literatura não
canônica, na tentativa de compreender as diversas faces da literatura, nos
permitindo um olhar mais abrangente sobre elas. Desta forma podemos ter
acesso as literaturas vindas de autores negros, indígenas, de áreas periféricas,
mulheres entre outras, que chamados de margem da sociedade foram
historicamente silenciados e ainda em dias atuais lutam para serem
reconhecidos como escritores.

A escrita destes autores estão comprometidas com aquilo que os


estudiosos do pós-colonial chamam de “desconstrução de uma literatura
universal”, tratando-se então de um mecanismo de descontruir uma literatura
padrão, vinda do colonizador, escrita por mãos brancas, hegemonicamente
masculina, que na grande maioria das vezes depreciam a sua cultura, a sua
religião, criando estereótipos raciais que ficam estáticos no tempo através de
seus personagens. A escrita “marginalizada” como é chamada por muitos
estudiosos literários, coloca em evidências sujeitos que estão a margem desta
sociedade, que através da literatura passam a desmistificar funções sociais,
imagens, condutas, valores na tentativa de reconstruir uma nova representação
para si.

Destas escritas reais vivenciadas por seus próprios sujeitos, ficcionando


e ao mesmo tempo narrando suas próprias estórias como acontece na obra
Quarto de despejo (1960), onde Carolina de Jesus registra cenas de seu dia-a-
dia em um diário, descrevendo as dificuldades de uma catadora de lixo, que mora
na favela do Canindé, nos dando uma visão de como funciona a vida deste
sujeitos de dentro do seu espaço e não de fora dele. Ainda descrevendo os
espaços os sujeitos e a interação de seus sujeitos podemos acompanhar a saga
de Marie-Sophie Laborieux narrada por Patrick Chamoiseau, na obra Texaco
(1992), em seus embates discursivos para tentar salvar a favela que criou,
impedindo não só a sua moradia de ser demolida pela prefeitura, mas a de uma
comunidade inteira. Estas escritas trazem ao leitor reflexões profundas a
respeito das marcas deixadas pelas exclusões de seus eus.

É diante destas reflexões, que nos pegamos a ler Olhos d’água (2015),
da escritora brasileira afrodescendente Conceição Evaristo, considerada por
muitos escritores brasileiros e (também por mim) uma das grandes escritoras da
atualidade e merecedora de uma cadeira na academia brasileira de letras, com
sentimento de veracidade em cada conto escrito. Narrativa sutil, que a cada
parágrafo nos envolve em um enredo impactante, causando-nos um
arrebatamento emocional a cada desfecho de seus personagens. É desta
maneira que nos apresentados os contos Ana Davenga e Maria. Duas mulheres,
com características comuns, negras, pobres, moradoras de comunidades, que
possuem seus corpos brutamente violados, ao serem assassinadas por crimes
que não cometeram.

Para Conceição Evaristo, a escrita é um amalgado de vivências, de


histórias, de memória de tudo o que foi vivido e foi possível se vivenciar, uma
autoconstrução de si e dos outros, aproximando ficção e realidade, esses traços
são denominados pela escritora como Escrevivência. A obra de Evaristo traz
narrativas de corpos, condição sociais, experiências condicionadas por homens
e mulheres negras, diante disto, encontramos personagens anônimos que
compõe a sociedade brasileira, mendigos, prostitutas, empregadas domésticas,
traficantes, alcoólatras no seu particular e coletivo sempre em interação com as
classes socias.

Eu acho que pra você escrever, o que opera essa matéria é o


mundo, é a vida. Por isso, é a escrevivência, se eu me retirar
para escrever, pode saber que eu já colhi tudo lá fora.”
(EVARISTO, 2007)

A violência é presença marcada nos contos de Evaristo, o retrato do


feminino negro, pobre que submetido a sobreviver diante das adversidades. Para
(DUARTE, 1998) “A partir de uma perspectiva étnica, de classe e feminista,
algumas escritoras realizam – com competência e sensibilidade – agudas
releituras da violência, expondo sem melindres personagens-chagas do
cotidiano feminino.” É possível dizer que grande parte dessas “chagas”
enraizadas na sociedade brasileira se mostra através de atos violentos, oriundos
de preconceito racial herança deixada pelo colonizador e o sexismo que ver a
mulher como um ser inferior sem vontades próprias sempre necessitando de
uma figura masculina para existir, primeiro pertence ao pai, depois ao marido.

É nesse cenário que nascem personagens como Ana Davenga e Maria,


narrativas fortes que se desencadeiam para um fim trágico, nenhum pouco
fantasiado ou amenizado pela escritora, um cotidiano de mulheres submetidas e
expostas a todo tipo de violência. Traz para literatura um realismo bruto, das
mazelas que os cercam, mostrando os sentimentos profundos destes sujeitos,
alegrias, tristezas, decepções tudo o que está a mascarado pela sociedade. É
possível destacar nos contos três tipos de violência sofridas pelas personagens,
a simbólica e moral que se desencadeiam para uma violência final, a física.
Refletindo sobre a violência simbólica Duarte discorda sobre a definição do
sociólogo francês Pierre Bourdieu (2003) que atribui a violência simbólica as
diferenças de poder, denominado; de “Capital social” segundo o sociólogo, a
sociedade é formada por diferentes campos ( da política, da economia, da
ciência, da arte ) tais campos são responsáveis por criar condições de poder,
que são usados para manter a supremacia de um sobre outro;

[...] violência simbólica é essa coerção que se institui por intermédio da


adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante
(e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para
se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de
instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não
sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem
esta relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os
esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e
avaliar os dominantes (elevado/baixo, masculino/feminino,
branco/negro, etc.) resultam da incorporação de classificações, assim
naturalizadas, de que seu ser social é produto (BOURDIEU, 2003, p.
47).

Para a pesquisadora estas relações de poder estão mais para o masculino sobre
o feminino.

Nunca concordei inteiramente com a afirmação de Bourdieu, de que a


violência simbólica se ‘constrói através de um poder não nomeado’,
que ‘dissimula as relações de força’. Ora, tal poder tem nome, e ele é
machismo. E as relações de poder do macho sobre a fêmea, estão bem
visíveis nas relações sociais de gênero. (DUARTE,1998)

O que podemos pensar a respeito de tal violência é que esta se mostra de


maneira sutil e suavizada encontrada no cotidiano, como uma forma de coação
de uma classe sobre a outra. Na narrativa do conto Maria, a personagem que
trabalha como empregada doméstica, numa casa de família rica na volta para
casa, levava os restos de comida que a patroa lhe dera “No dia anterior, no
domingo, havia tido festa na casa da patroa. Ela levava para casa os restos. O
osso do pernil e as frutas que tinham enfeitado a mesa. Ganhara as frutas e uma
gorjeta.” (EVARISTO, 2015, p. 39). Sendo de classe dominada, Maria não
possuía nem o mínimo para se ter uma alimentação básica para si e para seus
filhos, uma marca da exploração e da desvalorização da mão de obra feminina
e negra trecho evidenciado na dúvida da personagem ao se questionar se as
crianças gostariam de melão “As frutas estavam ótimas e havia melão. As
crianças nunca tinham comido melão. Serás que os meninos iriam gostar de
melão?” (EVARISTO, 2015, p. 40). A narrativa prossegue expondo a violência
de preconceito racial e de gênero sobre s protagonistas “[...] aquela puta, aquela
negra safada estava com os ladrões! [...]. Tais insultos proferidos a Maria dentro
do ônibus mostram a depreciação de valores sobre a mulher, uma vez que tais
palavras são lançadas de forma pejorativa. Ainda recai sobre as personagens o
subjugamento de não serem confiáveis simplesmente pelo fato de serem mulher
“E de repente, sem consultar os companheiros, mete ali dentro uma mulher.”
(EVARISTO, 2015, p.22). Colocando em destaque o machismo que determina
as relações de poder entre homem e mulher onde toda a liberdade é dada ao
masculino e ao feminino lhe resta a opressão e a submissão a estes; “Era cega,
surda e muda no que se referia a assuntos deles.” (EVARISTO,2015, p.22), suas
vozes eram silenciadas, fruto da educação patriarcal que rege a sociedade,
mostrando que as mulheres são inferiores aos homens.

A violência simbólica sofrida pelas personagens desencadeia para uma


segunda violência, a violência moral.

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