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FUTEBOL

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD


Futebol – Prof. Ms. Flávio Ismael da Silva Oliveira e Prof. Ms. Ricardo Ducatti Colpas

Meu nome é Flávio Ismael da Silva Oliveira. Sou licenciado em Educação Física e
especialista em Treinamento Físico Individualizado pela Universidade Estadual Paulista
de Bauru (UNESP-Bauru). Sou mestre em Filosofia (UNESP-Marília) e doutorando
em Ciências da Motricidade Humana (UNESP – Rio Claro). No mestrado, desenvolvi o
conceito de affordance de James Gibson. Tal conceito se refere às possibilidades de
ação do indivíduo no ambiente, muito importante em nosso contexto, principalmente
no que se refere às tomadas de decisões durante a prática esportiva. No doutorado,
estou investigando os conhecimentos/saberes do treinador de futebol responsável pela
formação de atletas. Atuo como Professor da Rede Municipal de Ensino de Bauru desde
2007. Atualmente sou Coordenador do Programa Segundo Tempo em Bauru-SP.
E-mail: ftima@rc.unesp.br

Meu nome é Ricardo Ducatti Colpas. Sou mestre em Filosofia da Educação pela
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP - Piracicaba), especialista em Educação
Física Escolar (UNICAMP) e graduado em Educação Física (UNESP - Rio Claro). Em meu
mestrado, desenvolvi um estudo pesquisando a formação de conceitos sobre a Educação
Física Escolar com alunos da 4ª série do Ensino Fundamental, com ênfase nas questões
do desenvolvimento e da aprendizagem na perspectiva da teoria de Vygotsky. Atuo,
desde 1990, como professor na Educação Básica no Ensino Fundamental e, também,
desde 1998, como professor universitário em curso de graduação em Educação Física
(Faculdades FKB e FIT) e em curso de Pedagogia (FSDB- Piracicaba). Atualmente,
componho o grupo de professores do Laboratório de Estudos e Trabalhos Pedagógicos
em Educação Física (UNESP-Rio Claro), coordenado pela professora Suraya Darido, e do
curso de especialização em Educação Física da (UNIMÓDULO).
E-mail: rdcolpas@unimep.br

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Flávio Ismael da Silva Oliveira
Ricardo Ducatti Colpas

FUTEBOL

Batatais
Claretiano
2014
© Ação Educacional Claretiana, 2009 – Batatais (SP)
Versão: ago./2014

796.334 B842g

Oliveira, Flávio Ismael da Silva


Futebol / Flávio Ismael da Silva Oliveira, Ricardo Ducatti Colpas – Batatais,
SP : Claretiano, 2014.
188 p.

ISBN: 978-85-8377-139-5

1. Futebol. 2. Cultura. 3. Sociedade. 4. Metodologia. 5. Escola. I. Colpas, Ricardo


Ducatti. II. Futebol.

CDD 796.334

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rafael Antonio Morotti
Elaine Aparecida de Lima Moraes Rodrigo Ferreira Daverni
Josiane Marchiori Martins Sônia Galindo Melo
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Raquel Baptista Meneses Frata Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO....................................................................... 9

Unidade 1 – ORIGEM E HISTÓRIA DO FUTEBOL


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 25
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 25
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 26
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 26
5 OS PRIMEIROS TEMPOS................................................................................... 28
6 HISTÓRIA DO FUTEBOL NO BRASIL: PROCESSOS E INTERPRETAÇÕES......... 39
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 54
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 55
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 56
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 57

Unidade 2 – FUTEBOL, CULTURA E SOCIEDADE


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 59
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 59
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 60
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 61
5 FUTEBOL COMO FENÔMENO MODERNO....................................................... 62
6 FUTEBOL, UMA PAIXÃO NACIONAL................................................................. 67
7 UM "POUCO" DE FUTEBOL NA HISTÓRIA POLÍTICA DO BRASIL.................... 72
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 79
9 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 80
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 80
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 81

Unidade 3 – O JOGO DE FUTEBOL


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 83
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 83
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 84
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 84
5 O JOGO .............................................................................................................. 85
6 AS MATRIZES FUTEBOLÍSTICAS........................................................................ 103
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 111
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 112
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 112
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 113
Unidade 4 – O FUTEBOL NA ESCOLA
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 115
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 115
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 116
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 116
5 O FUTEBOL DENTRO DA ESCOLA..................................................................... 118
6 O QUE ENSINAR?............................................................................................... 121
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 137
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 138
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 139

Unidade 5 – AS METODOLOGIAS DE ENSINO DO FUTEBOL


1 OBJETIVO........................................................................................................... 141
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 141
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 141
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 142
5 METODOLOGIAS DE ENSINO DO FUTEBOL..................................................... 143
6 METODOLOGIAS SITUACIONAIS...................................................................... 157
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 162
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 163
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 163

Unidade 6 – TRABALHANDO O FUTEBOL POR MEIO DE TEMAS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 165
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 165
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE.................................................. 166
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 166
5 FUTEBOL E OUTROS TEMAS............................................................................. 167
6 FUTEBOL FEMININO E O SEU CONTEXTO....................................................... 173
7 FUTEBOL, GÊNERO E COEDUCAÇÃO............................................................... 177
8 A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL............................................................................... 180
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 185
10 CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 185
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 186
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 187
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

1. INTRODUÇÃO
Prezado aluno, agora iniciamos o nosso estudo sobre o futebol.
Este Caderno de Referência de Conteúdo (CRC) foi elaborado
no sentido de facilitar a compreensão crítica e o domínio dos mais
variados aspectos que envolvem o futebol, especialmente aqueles
que influenciam, direta ou indiretamente, sua prática dentro do
ambiente escolar durante a Educação Básica.
Dificilmente conseguiremos tratar o futebol unicamente
como modalidade esportiva. Tal constatação poderá ser compro-
vada por meio do acesso às seis unidades organizadas.
Na Unidade 1, intitulada Origem e História do Futebol, preo-
cupamo-nos em mostrar o possível caminho (ou os possíveis cami-
nhos) que o futebol percorreu a partir de alguns potenciais jogos
precursores na Antiguidade e Idade Média, até o advento do deno-
minado "futebol moderno" na Inglaterra no século 19.
8 © Futebol

No Brasil, optamos em contar sua história a partir do momento


em que o futebol moderno chegou trazido pelas mãos do "lendário"
Charles Miller, em 1894. Enfatizamos sua prática elitista e racista nas
primeiras décadas do século 20, bem como os processos de populari-
zação e profissionalização do futebol em nosso País.
Na Unidade 2, intitulada Futebol, Cultura e Sociedade, trata-
mos o futebol como fenômeno moderno, paixão nacional e mani-
festação esportiva e cultural com suas influências e implicações na
vida pública e política do país.
Na Unidade 3, buscamos apresentar toda a estrutura do Jogo de
Futebol, desde sua proposta como simples modalidade esportiva, até
sua caracterização como um jogo extremamente complexo sustenta-
do por unidades estruturais e funcionais, regras e elementos técnicos.
Na Unidade 4, abordaremos O Futebol na Escola. A nossa
preocupação esteve centrada nos possíveis conteúdos a serem tra-
balhados nas aulas de Educação Física, no próprio ensino do jogo,
em alguns princípios pedagógicos e na organização das aulas. Ob-
jetivamos, por meio dos conteúdos dessa unidade, auxiliá-lo em
suas primeiras experiências com o ensino do futebol.
Diante da complexidade do jogo de futebol, é preciso "dividi-lo"
em unidades menores para que os nossos alunos tenham condições
de passar por experiências que permitam seu aprendizado. Assim, na
Unidade 5, apresentamos algumas Metodologias de Ensino do Fute-
bol, cuja compreensão poderá possibilitar o desenvolvimento ade-
quado do jogo.
Para finalizar, na Unidade 6, intitulada Trabalhando o Fute-
bol por Meio de Temas, destacaremos o futebol feminino, o papel
das torcidas organizadas e suas relações com a violência no fute-
bol. Esses temas, bem como os demais conteúdos desenvolvidos
nas demais unidades, demonstram o "tamanho" do futebol e suas
possibilidades no universo escolar.
Esperamos que aproveite o que preparamos para você.
© Caderno de Referência de Conteúdo 9

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO

Abordagem Geral
Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais
deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de
aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Desse
modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento
básico necessário a partir do qual você possa construir um refe-
rencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no
futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência
cognitiva, ética e responsabilidade social.
Apresentamos, a seguir, um apanhado geral do que será tra-
balhado em Futebol. Todo o conteúdo elaborado para seu desenvol-
vimento está dividido em seis unidades e organizado de forma que
possa facilitar sua compreensão e, consequentemente, sua futura in-
tervenção, com base na responsabilidade e ética profissionais.
Antes da descrição do conteúdo a ser abordado, assumimos
que o futebol apresenta características únicas que pode diferenciá-la
das demais modalidades esportivas que compõem o quadro de disci-
plinas desse Curso de Licenciatura em Educação Física. Pretendemos
que, ao final dessa apresentação, você tenha ideia de possíveis razões
que tornam o futebol uma disciplina diferente e extremamente ne-
cessária para a formação do professor de Educação Física no Brasil.
Para que uma determinada disciplina ocupe uma posição pri-
vilegiada diante das demais, é evidente que ela tenha uma história
que a justifique como tal. Diferentemente das principais modalida-
des, há fortes indícios de que o futebol é produto da evolução de
vários jogos, em vários momentos históricos.
É exatamente essa evolução iniciada, provavelmente, a par-
tir da prática de alguns jogos com bola na Antiguidade, passando
pela sua institucionalização na Inglaterra em meados do século
18 e culminando em sua profissionalização no Brasil na década de
1930, que está destacada na primeira Unidade.

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10 © Futebol

O tsutchu na China, o kemari no Japão, o epyskiros Grécia,


o harpastum em Roma, o ludus pilae na Inglaterra (Idade Média),
o calcio em Florença e o soule na França contêm, cada um à sua
maneira e cada um em seu tempo histórico, elementos que sus-
tentam as coincidências com o jogo, transformando-o até alcançar
o esporte nos moldes que foi praticado na Inglaterra a partir do
século 18. Todos esses jogos apresentam significados social e cul-
tural que, tal como o futebol, reforçam sua importância nos con-
textos citados.
Assim, a Unidade 1 tem como objetivo possibilitar o acesso à
história do futebol por meio da compreensão das condições histó-
ricas determinantes para sua trajetória.
Apesar de ser forte essa argumentação da evolução do fu-
tebol baseada em todos esses jogos, há correntes que defendem
que os ingleses são os inventores do futebol, pois foram eles que
regulamentaram o jogo.
Independentemente da vertente a ser assumida, o futebol,
em meados do século 18 e início do século 19, cruzou os muros
das escolas da Inglaterra e, posteriormente, "caíram na graça" dos
ingleses.
Trazido com a estrutura de esporte moderno pelas mãos de
Charles Miller, em 1894, o futebol não demorou muito para ser
adorado pelo brasileiro. No início do século 20, sua prática era pre-
dominantemente elitizada e racista. Com o crescente interesse da
população pela prática do futebol e pela intensificação dos inte-
resses de profissionalização, esse quadro começou a ser alterado
e passamos a observar o processo de democratização do esporte
mais presente.
O advento do esporte moderno, caracterizado pela sua "mas-
sificação" e o processo de democratização que o futebol passou,
certamente justificam o quadro de "paixão nacional" e "fenômeno
social". Seu componente lúdico, sua representação da maneira de
ser do brasileiro, o clima, a facilidade com que pode ser realizado,
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

o fato de ser praticado predominantemente pelos pés, são outras


possíveis razões que o justificam como tal. Assim, os objetivos
dessa unidade estão direcionados à importância do futebol para a
sociedade vigente, possibilitando momentos de reflexão sobre os
conhecimentos do futebol.
O fato de ser considerado manifestação cultural fez o fute-
bol ser facilmente utilizado como instrumento de grupos e classes
sociais. Como consequência da utilização da "força" do futebol,
em determinados momentos históricos e político do Brasil, esse
passou a ser tachado como "ópio do povo brasileiro". Toda mo-
vimentação em torno, por exemplo, da Copa do Mundo de 1970,
sempre foi bastante utilizada no sentido de ilustrar que o governo
se preocupou em utilizar o evento para desviar a atenção da po-
pulação do momento difícil que o Brasil passava devido à ditadura
militar. O que mais importava naquele momento à grande massa
era a participação da seleção no evento.
Como já destacado, a evolução histórica e os processos de
democratização, profissionalização e modernização do esporte fa-
cilitaram muito a forma com que o futebol passou a ser vivenciado
em nosso país, transformando-o em uma das nossas principais re-
ferências.
Deixando um pouco de lado questões sociais e culturais, fo-
caremos, de agora em diante, a estrutura do jogo. Que jogo é esse?
Como poderíamos nos apropriar dele no sentido de caracterizá-lo
e utilizá-lo da melhor forma possível?
Para muitos, o futebol é um jogo praticado com os pés por
duas equipes, cujo objetivo é fazer mais gols que a equipe adver-
sária. Diante da complexidade da sua estrutura, tal caracterização
configura-se como simplista. Com isso, necessitamos incluir em
sua explicação a ideia de duas equipes que "medem" forças, pela
cooperação e oposição, durante a disputa do objeto de jogo que
é a bola, dentro de determinado espaço em respeito aos demais
jogadores e às regras específicas do jogo.

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12 © Futebol

Para que essa disputa pela bola e as relações estabelecidas


de oposição/cooperação, como também os espaços do jogo sejam
preenchidos adequadamente, e as situações de ataque e defesa
da equipe sejam equilibradas, consideramos importante a utiliza-
ção adequada e consciente dos elementos técnicos (o que fazer?)
e dos elementos táticos (como e quando fazer?).
Os elementos técnicos do jogo estão relacionados às tarefas
motoras associadas, por exemplo, ao passe, condução e contro-
le de bola, chute, cabeceio etc. Por sua vez, comportamento táti-
co está relacionado à realização de tarefas específicas no sentido
de potencializar as próprias ações de jogo e dificultar as ações da
equipe adversária. Para isso, será necessário o aprofundamento
das unidades estruturantes e funcionais dos jogos desportivos co-
letivos propostos por Claude Bayer.
As unidades estruturantes referem-se às estruturas invarian-
tes comuns a todos os jogos coletivos – bola, espaço, alvo, parcei-
ros, adversários e regras. Todas as modalidades coletivas apresen-
tam tais invariantes. Já as unidades funcionais definem campos de
ações dos jogadores dependendo da posse da bola – quando mi-
nha equipe está de posse da bola, atacamos; quando minha equi-
pe está sem a posse da bola, defendemos. Para o sucesso em cada
uma dessas situações, há ações específicas.
Somente pela sua compreensão e adequada utilização do
jogo, esse poderá ser ensinado. Nesse contexto, o conhecimento
das regras do jogo é imprescindível. Essas têm como funções pro-
teger os jogadores, "proteger" o jogo e permitir que o mesmo seja
praticado em qualquer lugar do mundo. Além disso, seu controle
permite adequação do jogo em minijogos e jogos adaptados no
sentido de atender às necessidades específicas que, certamente,
surgem em nossas aulas.
Apesar da proposta de "proteção do jogo", enfrentamos um
problema considerável hoje relacionado à obediência às regras.
Com a modernização, o envolvimento da televisão e a movimenta-
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

ção cada vez maior de dinheiro no esporte, os participantes desse


sistema perceberam que a transgressão às regras são permitidas
e valem a pena. Como podemos então defender, perante um sis-
tema de recompensa considerável, que o fair play é desejado no
contexto de esporte espetáculo?
Após a compreensão da proposta do jogo, especificamos
as formas que esse poderá ser praticado. De acordo com Damo
(2005), a aplicação do futebol respeita quatro matrizes futebolís-
ticas – a espetacularizada, a comunitária, a bricolada e a escolar.
A espetacularizada é caracterizada pelas ações instituciona-
lizadas das federações e confederações na organização do jogo;
pela divisão social do trabalho, na qual se determina quem joga,
quem assiste e quem dirige o espetáculo; pela excelência perfor-
mática a qual exige preparação específica em qualquer área de
atuação esportiva – jogadores, técnicos, médicos etc.
A matriz comunitária, por sua vez, tem uma organização em
menor escala que a matriz espetacularizada, porém mais voltada
ao lazer. A matriz bricolada é desenvolvida pela prática informal
por meio de adaptações às regras, número de jogadores, tamanho
das metas e dos espaços. Para ilustrarmos tais situações, recorre-
mos à lembrança dos famosos jogos populares de rua com bola –
rebatida, gol a gol, entre outros.
Sabemos que a escola configura-se como um espaço único
e legítimo, repleto de possibilidades, cujos conteúdos a serem
trabalhados são inúmeros e variados, na qual se deve priorizar o
patrimônio lúdico do aluno na criação de vivência e obstáculos.
Assim, nesse "espaço" prioriza-se a matriz bricolada.
A matriz escolar, para finalizar, configura-se como o nosso prin-
cipal foco: é de responsabilidade de profissionais licenciados sob
orientação e supervisão de instituições de ensino públicas e privadas.
A Unidade 3 permitirá a compreensão do jogo enquanto mo-
dalidade esportiva, bem como sua estrutura em toda sua amplitu-
de, o que poderá garantir o sucesso na sua utilização.

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14 © Futebol

Já a Unidade 4 comportará a compreensão da relação fute-


bol/escola e aquisição de competências, significados e possibilida-
des pedagógicas.
Finalmente, adentramos os "muros" da escola. Durante mui-
to tempo defendeu-se que a criança já nascia sabendo jogar fu-
tebol. Os não privilegiados não teriam como aprender a jogar tal
como seus ídolos.
No entendimento de João Batista Freire (2003), é possível,
sim, ensinar, e ensinar bem a todos os alunos e fazer com que es-
ses reconheçam e gostem do futebol. O cuidado deve estar centra-
do nas tarefas de iniciação, especialização e competição esportiva.
O primeiro, sim, deve ser procurado e estimulado. Porém, o segun-
do, dependendo, por exemplo, da idade e do nível de experiência,
deve ser evitado, além da não exigência de execução de gestos
mecanizados, sem nenhum sentido ao executante.
As competições também devem se configurar como estra-
tégias que merecem certo cuidado. Essas não podem ser um fim
em si mesmo e devem ser aproveitadas na construção de valores
e não de afastamento da prática esportiva. Princípios pedagógicos
e utilização de estratégias de formação de equipes mistas também
são destacados na unidade.
Sendo o jogo um conteúdo privilegiado, o seu ensino deve
estar centrado em unidades que permitam a compreensão, apren-
dizagem e participação adequadas.
A partir da Unidade 5, temos a oportunidade de analisar algu-
mas das principais metodologias de ensino do futebol. Seu conteúdo
contempla as metodologias analítico-sintética, global-funcional, mis-
ta, conceito recreativo de jogo, situacionais e fenômeno-estrutural.
Durante muitos anos e ainda nos dias atuais, as metodolo-
gias denominadas de tradicionais – analítico-sintética e global-fun-
cional – predominam entre as propostas de ensino das modalida-
des esportivas coletivas.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

A primeira, também denominada de parcial, defende a ideia


de que o jogador aprende a jogar após automatizar os gestos mo-
tores relacionados à execução dos elementos técnicos da modali-
dade. A segunda, também denominada de global, defende a pro-
posta de que somente se aprende a jogar "jogando". Enquanto a
metodologia parcial apoia-se em séries de exercícios isolados, a
global se apoia em jogos e minijogos adaptados.
Com a intenção de minimizar os problemas de ambas as meto-
dologias, assumiu-se o método misto que se configura pela utilização,
simultânea, das propostas parcial e global. Geralmente na primei-
ra parte da aula, o aluno realiza exercícios separados e, na segunda
parte, eles jogam. O jogo final é normalmente utilizado para avaliar
a aprendizagem dos fundamentos desenvolvidos na primeira parte.
As demais metodologias destacadas no texto assumem a ne-
cessidade de se evitar a proposta das metodologias tradicionais. O
conceito recreativo do jogo, a partir da divisão do jogo em unida-
des menores, propõe série de jogos, por meio de pequenos jogos
em direção ao grande jogo.
Nas metodologias situacionais, não se prevê a realização de
atividades que visam o aprimoramento de elementos técnicos iso-
lados e busca-se atender duas ordens de problemas comuns aos
jogos coletivos – seleção da resposta adequada à situação e reali-
zação da resposta motora.
Para a aprendizagem do jogo, torna-se necessária a criação
de situações que aprimorem as relações que se estabelecem no
jogo – eu-bola, eu-bola-alvo, eu-bola-alvo-adversário, eu-bola-al-
vo-adversário-parceiros etc. A metodologia fenômeno-estrutural,
que respeita a proposta das metodologias situacionais, tem como
ideia principal o conceito de transfer, que representa os elemen-
tos comuns em todas as modalidades esportivas coletivas (inva-
riantes e princípios operacionais comuns).
Apesar de acreditarmos que as propostas mais atuais seriam
mais interessantes para o ensino das modalidades, sugerimos que você,

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16 © Futebol

aluno EaD, analise muito bem cada uma delas e, se possível, aplique-as
quando já estiver atuando como professor de Educação Física.
Chegamos, enfim, à última unidade de Futebol. Optamos em
fechar os conteúdos com a proposta de utilizarmos o futebol para o
desenvolvimento de temas relacionados à proposta coeducativa. Por
meio do futebol, discutimos questões relacionadas às diferenças de
gêneros, à violência e ao futebol feminino, além de disponibilizarmos
vários exemplos para o desenvolvimento de atividades.
Esses temas foram selecionados para que você pudesse ter
ideais relacionadas a outros temas voltados, por exemplo, à saúde
e a outras disciplinas escolares, tais como matemática e geografia.
Prezado aluno! A modalidade EaD exige, não somente dos pro-
fessores responsáveis pelas disciplinas, como, também, dos alunos
dos cursos, uma postura alicerçada pelo compromisso, autonomia e
responsabilidade. Sendo assim, acreditamos que atingimos os nossos
objetivos. Cabe a você agora continuar seu processo de formação.
Aproveite esse momento e bons estudos.

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados em Futebol. Veja, a seguir, a de-
finição dos principais conceitos:
1) Amadorismo marrom: a partir do final da década de
1920 e início da década de 1930, configurou-se, no Bra-
sil, a prática do amadorismo marrom no contexto dos
esportes. Nesse período, alguns esportistas, na condição
de amadores, passaram a receber para defenderem de-
terminadas equipes ou para não trocarem de equipes,
além dos famosos "bichos", de acordo com os resulta-
dos dos jogos. Isso ocorrerá mesmo diante de uma práti-
ca amadora, pois, até então, o futebol não era profissio-
nalizado. A expressão "amadorismo marrom" surgiu em
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

referência à imprensa marrom, que fundamentou suas


ações especialmente em casos sensacionalistas e ilegais.
2) Conceito recreativo de jogo: proposta por Dietrich et al.
(1984), essa metodologia é estruturada nas "ideias sim-
plificadas do jogo" e propõe que os jogos desportivos
coletivos devem ser divididos em unidades menores que
respeitem estruturas do grande jogo. Por meio das sé-
ries de jogos, e não série de exercícios, como defendido
pela metodologia analítico-sintética, o "grande jogo" é
construído passo a passo. A partir das séries de peque-
nos jogos, aprende-se o grande jogo.
3) Conhecimento tático: comportamento relacionado às
ações desempenhadas pelo jogador ou pela equipe, du-
rante uma partida de futebol, por meio do respeito aos
princípios táticos do jogo, às ações relacionadas à coo-
peração e oposição, à defesa e ao ataque; aos papeis a
serem desempenhados durante o jogo, quando da posse
ou não da bola, às unidades estruturais e funcionais, às
funções relacionadas às posições ocupadas e às funções
a serem desempenhadas em campo.
4) Elementos táticos: elementos que dão sustentabilidade
ao comportamento tático. Estão relacionados aos prin-
cípios táticos do jogo. Elementos técnicos: elementos
relacionados aos fundamentos básicos do jogo ou de de-
terminada modalidade. No caso do futebol, referem-se
ao passe, condução, domínio, controle, cabeceio, drible,
chute, lançamento, cruzamento, arremesso lateral e os
gestos motores relacionados à defesa do goleiro.
5) Esporte: prática convencionalmente regrada, caracte-
rizada pela disputa direta ou indireta entre oponentes
em busca de objetivos comuns, apoiadas ou não em re-
lações de cooperação e oposição, podendo ou não ser
acompanhada pelo público, mídia especializada e inves-
tidores sob a chancela de associações, federações e con-
federações representativas.
6) Gênero: categoria classificatória, que permite distinguir
homens e mulheres, meninos e meninas em suas carac-
terísticas biológicas, culturais e sociais.

Claretiano - Centro Universitário


18 © Futebol

7) Jogo de futebol: dentre as inúmeras definições do jogo


de futebol desenvolvidas neste Caderno de Referência
de Conteúdo, assumimos, neste momento, a seguinte
caracterização: o futebol pode ser entendido como um
jogo institucionalmente convencionado, praticado pre-
dominantemente com os pés, cujo objetivo é fazer mais
gols que a equipe adversária. É caracterizado por situa-
ções com complexidade, ordem e frequência não previs-
tas, que exige, a todo o momento, adaptação, tomada
de decisão e respostas imediatas em decorrência das si-
tuações de cooperação e oposição que se estabelecem
na disputa pelo objeto do jogo, que é a bola.
8) Jogos populares: no contexto deste Caderno de Referên-
cia de Conteúdo, jogos populares fazem referências aos
jogos de rua relacionados à prática do futebol. Referimo-
-nos aos jogos que, por meio de adaptações do espaço
de jogo, número de jogadores, adaptações das regras,
alimentaram, e ainda alimentam, o imaginário dos pra-
ticantes. São exemplos de jogos populares no contexto
do futebol a "rebatida", a "pelada", o "gol a gol" e o "três
dentro e três fora".
9) Metodologia analítico-sintética: denominada, também,
de metodologia parcial, ela defende que o ensino das
modalidades esportivas devem estar centrado no apri-
moramento da execução dos fundamentos do jogo. Para
que o jogador aprenda a jogar determinada modalidade
esportiva coletiva, é necessário que aprimore a execu-
ção dos elementos técnicos. A preocupação está na au-
tomatização do gesto motor específico da modalidade.
10) Metodologia global-funcional: denominada, também,
de "metodologia global", ela defende que o jogador so-
mente aprende a jogar praticando. Para isso, há esque-
matização de jogos e minijogos que atendam a estrutura
da modalidade de interesse.
11) Metodologias situacionais: metodologias de ensino das
modalidades esportivas coletivas baseadas na aborda-
gem tática do jogo. O objetivo dessas metodologias é
ensinar, por meio da oferta de experiências situacionais,
o jogo desportivo. Nesse tipo de abordagem, não há
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

aplicação de elementos técnicos isolados das modalida-


des, tal como acontece na metodologia analítico-sintéti-
ca. A metodologia fenômeno-estrutural de Claude Bayer
(1992) é um exemplo de metodologia situacional.
12) Princípios táticos: princípios cujo reconhecimento susten-
ta atitudes táticas durante o jogo, mantendo equilíbrio nas
ações de cooperação e o equilíbrio nas ações de oposição.
Eles podem ser divididos em princípios táticos gerais, ope-
racionais e fundamentais. Os gerais estão relacionados às
interações espaciais e numéricas presentes nas relações
de oposição e cooperação – buscar a superioridade, evitar
a igualdade e não permitir a inferioridade numérica. Os
princípios operacionais estão relacionados aos conteúdos
atitudinais tanto na defesa quanto no ataque. Os funda-
mentais estão relacionados à criação do desequilíbrio nas
ações ofensivas e defensivas do adversário.

Esquemas de Conceitos-chave
Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais impor-
tantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Esquema dos
Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu es-
quema de conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exer-
cício é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignificando
as informações a partir de suas próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre
os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com-
plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or-
denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-
to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.

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20 © Futebol

Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem esco-


lar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em
Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia
fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que estabelece que
a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de pro-
posições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e infor-
mações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você
o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).
© Caderno de Referência de Conteúdo 21
 

 
FUTEBOL
 

 
EVOLUÇÃO HISTÓRICA 

 
POPULARIZAÇÃO  ESPORTE PROFISSIONALIZAÇÃO 

 
JOGO MODERNO 
 

MATRIZES FUTEBOLÍSTICAS 
 
COMUNITÁRIA  ESPETACULARIZADA BRICOLADA 
 

ESCOLAR
 
CULTURA E SOCIEDADE  HISTÓRIA 

 
CAPACIDADES  JOGO HABILIDADES 

  METODOLOGIAS COEDUCAÇÃO

Figura 1 Esquema de Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo de Futebol.

Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar entre
os principais conceitos e descobrir o caminho para construir18 
o seu
processo de ensino-aprendizagem. Ao seguir o nosso mapa dos
conteúdos e princípios, você poderá acessar um caminho que faci-
litará, caso seja esse seu interesse, seu processo de aprendizagem.
Para exemplificar, a partir da popularização, esportivização e pro-
fissionalização, que configuraram a evolução histórica do futebol,
emergiu o jogo em sua estrutura atual.

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22 © Futebol

O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de


aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como re-
lacioná-las com a prática do ensino de Educação Física pode ser uma
forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-
solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se
preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso,
essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos
e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional.

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o con-
ceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
Este estudo convida você a olhar, de forma mais apurada,
a Educação como processo de emancipação do ser humano. É
importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e
científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno dos Curso de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.

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24 © Futebol

No final de cada unidade, você encontrará algumas questões


autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com
seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.
EAD
Origem e História
do Futebol

1
1. OBJETIVOS
• Possibilitar o acesso à história do futebol, desde a prática
de alguns jogos que o antecederam até sua institucionali-
zação na Inglaterra.
• Acessar o contexto brasileiro, possibilitando a compreen-
são das condições históricas que determinaram sua tra-
jetória.
• Oferecer condições necessárias para compreender a his-
tória do futebol de forma crítica e contextualizada.
• Favorecer a reflexão pedagógica frente aos conteúdos
históricos e a atualidade do futebol.

2. CONTEÚDOS
• Os possíveis jogos precursores do futebol em seus primei-
ros tempos.
26 © Futebol

• A história do futebol moderno na Inglaterra e no Brasil.


• O elitismo e o racismo no início da prática do futebol mo-
derno no Brasil.
• O processo de popularização e profissionalização do fute-
bol moderno no Brasil.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Para que aproveite todo o conteúdo preparado para você
nesta unidade, entendemos que seja necessário assumir
certos cuidados. Por ser um material especialmente sus-
tentado em fatos históricos, é importante que seja feita
uma leitura cuidadosa do texto elaborado e das obras
citadas, bem como o acesso a outras informações rela-
cionadas ao tema e que permitam a comprovação ou
mesmo uma reestruturação do conteúdo desenvolvido.
2) Para facilitar a sua leitura, a compreensão dos aspec-
tos históricos e a cronologia dos fatos, sugerimos que
se mantenha atento às possíveis lacunas de tempo e à
sequência de fatos sobre a história do futebol.
3) Para que compreenda a evolução histórica do futebol a
partir da prática de jogos com bola até sua institucio-
nalização, torna-se necessário atentar-se às possíveis
influências exercidas por seus precursores, os quais não
se restringem ao jogo praticado na Inglaterra a partir do
início do século 19.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A partir desse momento, você irá se deparar com uma das
manifestações mais populares e apaixonantes do mundo. A carac-
terização de Bruni (1994, p. 7) nos ajudará nessa compreensão.
Sua definição estrita, como esporte que utiliza uma bola jogada
com os pés, mal deixa entrever o universo de significações simbó-
© U1 – Origem e História do Futebol 27

licas, psíquicas, sociais, culturais, históricas, políticas e econômicas


inesgotáveis que envolvem multidões, encontradas no público em
geral, nas torcidas organizadas, nos jogadores e equipes técnicas e
burocráticas, concentradas em torno de um espetáculo que empol-
ga sociedades, nações, países [...], mobilizando milhões de dólares
e conquistando a adesão cada vez maior de pessoas de todas as
camadas sociais.

Pelas colocações de Bruni, falamos do futebol não apenas


como uma modalidade esportiva formal, regida por um conjunto
de regras, mas uma prática social que possibilita sua compreensão
como uma construção histórica que se organizou e se modernizou
a partir da segunda metade do século 19 até os dias atuais. Tal
definição expressa uma pequena parcela do universo do futebol.
O autor nem sequer faz referência a sua significação na esfera es-
colar ou à "simples" prática na condição de lazer.
Iniciaremos este curso considerando os primeiros jogos e
suas influências na evolução do futebol, tal qual o conhecemos
hoje. Partiremos da China, passaremos pelo Japão, Grécia, Itália,
França e, finalmente, pela Inglaterra. Os acessos a algumas dessas
práticas e a essa remota história serão realizados por meio dos
textos de Aquino (2002) e Normando (2004).
O futebol no Brasil será abordado com o referencial da influ-
ência inglesa e no privilégio de sua prática pela elite paulistana e
carioca. Verificaremos, também, que antes de se transformar na
manifestação esportiva mais presente na cultura do povo brasilei-
ro, o racismo esteve presente em sua prática.
Nessa esfera, apresentaremos os motivos e os processos so-
ciais que determinaram a popularização do futebol, bem como sua
inserção nas classes sociais populares, embora houvesse resistên-
cia de grupos economicamente privilegiados, contrários ao avanço
do profissionalismo nessa área.
Assim, de maneira geral, acompanharemos a trajetória do
futebol no Brasil, destacando especialmente o período que com-
preende sua chegada em 1894, sua prática elitista e racista, pas-

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28 © Futebol

sando pelo amadorismo marrom (que será abordado no Tópico 6


desta unidade), até sua profissionalização em 1933.
No sentido de ampliar seus conhecimentos e a quantidade
de informações a respeito do futebol, sugerimos que não se ate-
nha somente a este material. Aprofunde-se nas fontes sugeridas e
busque por novas referências.
Como mensagem, para que realmente possa compreender
o "fenômeno futebol", trate-o com cuidado e respeito. Somente
dessa forma poderá compreendê-lo na condição de "esporte das
multidões" ou "paixão nacional". Talvez, assim, tenha a chance de
compreender quem é o seu aluno e o que ele procura em suas
aulas de Educação Física na escola.

5. OS PRIMEIROS TEMPOS
Há muitas histórias sobre a origem do futebol. No entanto, as
referências levam-nos no sentido de que o futebol não foi simples-
mente inventado, como o basquetebol ou o voleibol, criados para
atender a determinadas demandas a partir de práticas esportivas já
existentes. O futebol é fruto da evolução histórica de inúmeros jogos
com bola, praticados por diferentes povos em diferentes épocas, e
que, em determinados momentos e condições históricas, como ve-
remos mais adiante, foi alvo de um processo de institucionalização,
tornando-se, assim, um dos pilares do esporte moderno.
De forma semelhante ao rúgbi, ninguém sabe muito bem quando
se inicia a história do futebol. Para Aquino (2002), apesar de referências
feitas por historiadores e arqueólogos, os quais registram a prática de
algo parecido com o futebol no Egito e na Babilônia, centros de civiliza-
ção da Antiguidade, informações mais precisas apontam que, na China,
praticava-se o tsutchu, há aproximadamente 2.300 anos.
Tsutchu, que significa "golpe na bola com os pés", era prati-
cado em três modalidades. A primeira é referente à participação de
apenas um jogador fazendo malabarismo com a bola. Na segunda,
© U1 – Origem e História do Futebol 29

havia o envolvimento de duas equipes com o objetivo de transpor


a bola por sobre uma rede, mas os jogadores não podiam deixar
a bola tocar o solo no próprio campo. Na terceira, duas equipes
tinham como meta passar a bola em alvos parecidos como gols,
dispostos nos cantos do campo. De acordo com Aquino (2002), foi
criado por Yang-Tsé, membro da guarda do imperador Huang-Ti.
Tais modalidades seriam utilizadas como treinamento da guarda
imperial e, posteriormente, de todos os soldados que se prepara-
vam para guerra.
Ainda no Oriente, mas agora no Japão, cerca de 500 ou 600
anos após a origem do ancestral chinês, surgiu o kemari, que de-
monstrava aspectos muito mais ritualísticos do que competitivos.
Não se contavam pontos, de forma que o único objetivo do jogo
era apurar a técnica de dominar a bola com os pés. Normando
(2004) relata que o kemari deveria ser praticado entre árvores no-
bres – um pinheiro a noroeste, um ácer a sudoeste, uma cerejeira
a nordeste e um salgueiro a sudeste. Tal como o tsutchu, tinha
propósito militar em seu início, tornando-se, mais adiante, uma
prática dos nobres até chegar às classes populares.
Na Figura 1, há uma ilustração do kemari. Vejamos a seguir:
Depois de ter passado pela China
e pelo Japão, a história segue até a Gré-
cia, no século 1 a.C., onde se praticava
o epyskiros. Tal prática era muito popu-
lar, mesmo não fazendo parte dos Jogos
Olímpicos (AQUINO, 2002). Apesar da
referência, Aquino (2002) e Normando
(2004) afirmam que pouca coisa se sabe
sobre o epyskiros. O que se sabe é que Fonte: Normando (2004, n. p.).
Figura 1 O Kemari.
quando a equipe conseguia ultrapassar
a linha demarcatória com a bola nas extremidades do campo, de-
terminava-se o vencedor (NORMANDO, 2004).

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30 © Futebol

É interessante que, nesse contexto, durante 12 séculos de exis-


tência dos antigos jogos olímpicos, esportes com bola jamais foram
incluídos nos programas oficiais, apesar do enorme interesse dos gre-
gos por esse tipo de jogo. O epyskiros compunha um grupo de jogos
denominados de "sphairomakhia", que englobava esportes em que a
bola era jogada com as mãos ou com os pés (AQUINO, 2002).
Viajando no tempo e no espaço, estamos, agora, na Itália,
mais especificamente para Roma, praticava-se o harpastum. Ins-
pirado no jogo grego, o harpastum era praticado com uma bola
de couro parecida com a atual. O couro envolvia uma bexiga de
boi cheia de ar e o campo era retangular, dividido por três linhas
divisórias, uma central e duas linhas de meta nas extremidades.
Segundo Aquino (2002), a bola deveria ser passada de jogador a
jogador até que um deles tivesse condições de arremessá-la em di-
reção à linha de meta adversária. Caso a bola transpusesse a linha
de meta, a equipe marcava um ponto.
Para Normando (2004, n. p.):
Claramente, a armação do "time" sujeitava-se às qualidades físicas
e técnicas dos jogadores e, ao que tudo indica, a brutalidade das
disputas foi cedendo espaço para jogadas viabilizadas a partir de
uma unidade coletiva. A bola era pequena e deveria ser lançada
detrás das linhas demarcatórias. As equipes desenvolveram uma
diversidade de alternativas táticas e técnicas para ludibriar os ad-
versários nas quais os passes e dribles eram incentivados para o
deleite do público que aplaudia e gritava com regozijo.

Pela descrição, torna-se interessante destacar que o fato de se


assumir uma meta a ser alcançada, a existência de parceiros e um
adversário a ser "vencido" implica a adoção de táticas de ataque e
defesa em um jogo com bola. Essa transformação pode ter traçado
uma inquestionável aproximação tática com o jogo contemporâneo,
colocando-o como um antecessor direto do futebol de hoje.
Como resultado de suas invasões, Roma apropriou-se do
epyskiros, criando o harpastum. Logo, o mesmo exército roma-
no, o qual seguia conquistando terras rumo ao norte da Europa,
introduziu o harpastum no continente europeu. Certamente, o
© U1 – Origem e História do Futebol 31

processo evolutivo do futebol teve um avanço considerável com


o apogeu do Império Romano. Os atuais territórios da França e da
Inglaterra incorporaram essa influência, então, em suas culturas
(AQUINO, 2002; NORMANDO, 2004).
Entretanto, no que se refere à Inglaterra, alguns historiadores
divergem: uns acreditam que tenha sido de fato os romanos, durante
os quatro séculos de domínio que se seguiram à primeira expedição
de Júlio César, no ano 43 d.C., que deram a conhecer aos bretões as
regras do harpastum; outros afirmam que os romanos, ao chegarem
à Bretanha, já encontraram lá um futebol nativo, de origem meio len-
dária, meio cívica. Para Normando (2004), tal dúvida é justificada pelo
o que denominou de "orgulho britânico", pois os ingleses acreditam
que foram os inventores do esporte contemporâneo.
A partir do século 12, e durante muito tempo, a brutalidade
esteve presente durante os jogos com bola na Inglaterra. Esses fo-
ram designados de ludus pilae. Durante as terças-feiras de carnaval
(Shrove Tuesdays), aproximadamente 500 pessoas de cada lado dis-
putavam uma bola. Para isso, esbofeteavam-se e provocavam uma
enorme confusão. O objetivo era ultrapassar a linha de meta adver-
sária. Na cidade de Ashbourne, por exemplo, os portões norte e sul
eram as metas a serem atingidas. Ao final das disputas, era comum
o registro de mortes de alguns participantes (NORMANDO, 2004).
Na Figura 2, há representações da ludus pilae.

Fonte: Normando (2004, n. p.).


Figura 2 Ilustração do ludus pilae.

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32 © Futebol

Diante de tanta brutalidade, em 1314, o rei Eduardo II proibiu


a prática do ludus pilae na Inglaterra, argumentando que "estas es-
caramuças ao redor de bolas de grande tamanho, de que resultam
muitos males, que Deus não permita" (AQUINO, 2002, p. 15). Para
Normando (2004), "temia-se que o interesse pelo ludus pilae des-
vanecesse o empenho dos homens no arco e flecha ou na esgrima
– práticas de maior utilidade nos entreveros bélicos". As proibições
reais foram, então, reforçadas de tempos em tempos, de modo que
o futebol na Inglaterra da Idade Média não passasse de um jogo
severamente combatido pelas autoridades.
Contrariamente ao que aconteceu no mesmo período na Ingla-
terra, na Itália, as práticas com bola não sofreram perseguições pelas
autoridades. Percebeu-se, na época, até um estímulo por parte da ala
nobre italiana sobre a prática do que denominaram de "calcio" (NOR-
MANDO, 2004). Para se ter uma ideia da importância do calcio (Figura
3), cuja prática foi iniciada em Florença, esse termo passou a fazer
referência ao futebol contemporâneo praticado no país. Ainda hoje,
no dia de São João, padroeiro da cidade de Florença, em 24 de junho,
seus habitantes encenam o histórico jogo.
O autor relata que os italianos podem ter sido os primeiros a
organizarem um conjunto de regras de um jogo com bola. Nesse,
em específico, havia a participação de 27 jogadores com funções
específicas, sendo três zagueiros fixos, quatro zagueiros avança-
dos, cinco que atuavam no meio de campo e quinze na posição
que corresponde aos atacantes.
Tal como na Itália, o futebol encontrou o apoio de nobres,
também, na França. O jogo dos franceses, denominado "soule" ou
"choule", foi, provavelmente, outra variante do harpastum romano,
sendo praticado tanto pelo homem do povo como pelos nobres. Se-
gundo o relato de Aquino (2002), o soule era realizado em dimen-
sões preestabelecidas e disputado sem número fixo de participan-
tes. A meta desse jogo era conseguir passar a bola por entre dois
balões. Quem conseguisse marcava um ponto para sua equipe.
© U1 – Origem e História do Futebol 33

Fonte: Normando (2004, n. p.)


Figura 3 O calcio.

Menos violento que o futebol dos ingleses, Normando (2004)


relata que esse jogo francês quase não encontrou resistência. Por
um lado, sua prática diferiu da rudeza da disputa anglo-saxã, na
medida em que privilegiava a habilidade dos dribles em detrimen-
to da força dos chutões. Por outro lado, em consonância com os
ingleses, as partidas podiam envolver até povoados inteiros em
contendas que duravam horas, ou mesmo dias.
Normando (2004) relata, também, que, do final da Idade
Média até o início da Moderna, os colonizadores passaram a des-
cortinar a cultura dos povos americanos e, como não podia ser
diferente, os jogos com bola também fizeram parte dessa cultura,
sendo encontrados, pela primeira vez, relatos da utilização de bo-
las confeccionadas com látex. Contudo, acredita-se que os jogos
praticados nas Américas não contribuíram para a consolidação do
futebol moderno.
Entendemos que esse é um momento apropriado para uma
pausa em nossos estudos. Sugerimos esse tempo para que pense
em uma estratégia que possibilite a compreensão da evolução do

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34 © Futebol

futebol a ser utilizada com seus alunos durante as aulas de Educa-


ção Física na escola.
Seguiremos, como sugestão, a experiência proporcionada
pelo Prof. Osmar Moreira de Souza Júnior, realizada com alunos
do 9º ano do Ensino Fundamental. Nessa experiência, o referido
professor possibilitou uma vivência em que seus alunos, durante
uma aula sobre a história do futebol, recriassem hipoteticamente
esse período histórico. Chamou a essa vivência de "Reinventando
a História do Futebol".
Vamos, então, à sugestão do Prof. Osmar:
Divida seus alunos em três grupos e proponha que cada gru-
po escreva, da maneira mais criativa possível, uma história fictícia
para a origem do futebol, associando-a com datas, locais e eventos
que marcaram a história da humanidade. Em seguida, peça para
que cada grupo leia sua história, procurando defendê-la como a
versão oficial para a origem do futebol.
Para concluir a atividade, apresente aos alunos alguns dados
bibliográficos sobre a origem do futebol. Você pode enriquecer
ainda mais as discussões propondo e promovendo pesquisas so-
bre o assunto em livros e pela internet.
Apresentamos, a seguir, uma das histórias criadas por alunos
de uma turma de 8ª série do Ensino Fundamental do Colégio An-
glo Claretiano de Rio Claro-SP.

Como surgiu o futebol¹–––––––––––––––––––––––––––––––––


Há milhões e milhões de anos atrás, na cidade primata de Gorilópolis, surgiu o
primeiro jogo parecido com o futebol atual, o Cocobongo, praticado em rituais
em homenagem aos deuses da primavera e da guerra. Podiam participar até
24 gorilas, 12 para cada time, e a bola utilizada era um coco de 23 kg, originário
de uma palmeira já extinta. A meta do jogo era acertar, sem usar as mãos, uma
argola presa no topo de uma alta torre de pedra (aproximadamente 7 metros de
altura) construída por seus ancestrais (obviamente um pouco mais inteligentes
que os atuais).
Após anos de glória (e estupidez) a cidade de Gorilópolis caiu em desgraça com
seus deuses, que, como punição, afundaram a cidade nas profundezas da Ter-
ra. As únicas provas que temos sobre a existência desta civilização são ruínas
© U1 – Origem e História do Futebol 35

gravadas em cavernas no Cairo e, histórias sobre um grande ser primata mais


conhecido como Sasquatch ou o Abominável Homem das Neves.
A mais aceita das histórias sobre o surgimento do futebol está nas ruínas da
cidade de Tangamandápio, no Cazaquistão. Aproximadamente no ano de 153
d.C., um Xeique Árabe chamado Titica-ca ordenou que seu alto sacerdote crias-
se um jogo para diverti-lo antes que a terceira lua cheia surgisse no céu. Com
medo de ser decapitado, o alto sacerdote deixou todos os seus afazeres e se
dedicou integralmente à sua nova função de criador de jogos para o Xeique. Na
segunda lua cheia o jogo já estava pronto e, na mesma noite, Titica-ca ofereceu
um grande banquete para seus amigos mais influentes no reino para apreciarem
a nova atração. O jogo se chamava Rola-crânio (a bola utilizada era o crânio de
um inimigo derrotado em alguma batalha), e consistia em, como o próprio nome
sugere, rolar um crânio de um campo a outro usando os pés até uma grande cai-
xa protegida por um tigre. O campo media cerca de 1 km de comprimento e 450
m de largura, sendo dividido ao meio com demarcação de território, indicando
o campo do adversário e o campo do Xeique (embora Titica-ca nunca jogasse
Rola-crânio), também haviam outras duas linhas a aproximadamente 1,5 m da
caixa do tigre, de onde o soldado deveria chutar o crânio. Havia dois times de 12
soldados para cada Xeique, e um alto sacerdote que decidia o que era certo ou
errado nas disputas. O problema é que, como o jogo era disputado sem sapatos
ou qualquer outra coisa nos pés, muitas vezes, os soldados eram obrigados a
abandonar a partida com seus dedos quebrados pelo impacto com o crânio na
hora de chutar, e, também, havia um trapaceiro no time de Titica-ca que enchia o
crânio de escorpiões para que picassem e matassem seus adversários. Os tigres
também eram um problema grave, pois muitas vezes os soldados se zangavam
uns com os outros e arremessavam seus adversários às feras famintas. Então
foram feitas algumas mudanças. A bola deixou de ser um crânio e passou a ser
feita de couro de papagaio forrada com juba de leão; o soldado que trapaceava,
colocando escorpiões no crânio, foi expulso e o time passou a ser formado por
11 soldados, que eram obrigados a jogar usando grossas faixas de tecidos nos
pés, para que não se machucassem enquanto jogavam. A caixa e o guardião da
caixa também foram substituídos, a caixa, por dois pilares perpendiculares ao
chão com uma barra pouco maior interligando-os no topo e o tigre, por um ágil
soldado que deveria pegar a bola sempre que o time adversário chutasse para
ele. E assim termina nossa história de como surgiu o futebol.

(1) São autores do texto os alunos Guilherme, Lucas, Luís Felipe, Renan Q.,
Renan M. e Vilians da 8ª série A (2006).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Sugestão de atividade: uma sugestão pertinente para a atividade


é separar os alunos em grupos. Por meio de sorteio de recortes
históricos em escala cronológica, os grupos deverão organizar um
teatro retratando os momentos que levaram o futebol à institucio-
nalização. Cada grupo, orientado por seus tutores, fará uma apre-
sentação breve das diversas práticas, em diferentes países.

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36 © Futebol

Voltando à Europa, agora na Idade Moderna, observava-se


um relaxamento na oposição ao futebol a partir do século 17. Tal-
vez, o mais eficiente dos caminhos alternativos que garantiram a
sobrevivência do jogo de bola tenha sido sua esportivização, isto
é, sua codificação em regras que tentaram diminuir seu acentuado
tom de violência e de desordem e que viabilizaram sua tolerância,
sobretudo, nas escolas e universidades da Inglaterra do início do
século 19.
O caráter violento do futebol mudou apenas quando o es-
porte chegou às escolas, por volta de 1840. Antes, no período de
1810 a 1840, havia inúmeras regras. Eton, Harrow, Rugby, Shrews-
bury Westminster eram alguns dos colégios ingleses que as pos-
suíam, cada um com suas regras. O fato de cada colégio possuir
suas próprias regras impossibilitou a disputa entre suas respecti-
vas equipes. O esporte então passou a ser obrigatório nos recreios
escolares britânicos, uma vez que, nessa época, a rainha Vitória,
aconselhada pelo pedagogo Thomas Arnold, pôs fim à proibição.
Qual foi a razão dessa trégua? Por que a rainha Vitória decidira
que os jovens ingleses poderiam e até deveriam se entregar a esse
esporte tão primitivo, tão bárbaro? Arnold recomendava que os
esportes fossem utilizados nas escolas, com o fim de canalizar para
os campos de competição a energia que, de outra forma, os jovens
poderiam desperdiçar em práticas condenáveis. Segundo esse
educador, não eram práticas condenáveis apenas o vício do jogo e
o do álcool, mas as ideias políticas de sentido reformista que pode-
riam pôr em risco o conservadorismo defendido pelos vitorianos.
Com o futebol, os meninos não perderiam tempo conversando
nos recreios, trocando ideias; os nobres poderiam ser influenciados
pelos plebeus e pela classe média em ascensão. Além disso, o que ha-
veria de mais eficaz e menos perigoso do que colocar os jovens para
correr atrás de uma bola, brigando por ela durante a hora do recreio?
Na primeira década do século 19, o futebol e outros esportes
já faziam parte da educação regular dos jovens que frequentavam
© U1 – Origem e História do Futebol 37

escolas públicas, particulares e as universidades. Em cada um de-


les, o futebol organizou-se, direcionado à institucionalização, sur-
gindo as primeiras leis ou regras escritas, impressas e publicadas.
A grande popularização do esporte no continente europeu
culminou com a necessidade de padronizar regras para disputas
entre as nações, abrindo-se, então, espaço para um movimento
clubístico, que passou a ser denominado de "associacionismo".
Neste ponto, concluímos o verdadeiro motivo de assumir os
ingleses como os inventores do futebol, pois coube aos britâni-
cos a institucionalização do jogo, iniciando, assim, a sistematiza-
ção das primeiras regras em manuais de conduta desportiva, que
delimitavam aspectos, como o número de jogadores, tamanho de
campo e os gestos que seriam ou não permitidos.
Logo, o futebol moderno começou a ser criado em 1848,
quando, na Universidade de Cambridge, uma conferência reuniu a
maioria dos diretores de colégios que praticavam o esporte. Nessa
reunião, foi decidida a proibição de usar as mãos e os braços (com
exceção do goleiro) no jogo. As regras, entretanto, não foram acei-
tas por todas as escolas.
Quinze anos mais tarde, em 26 de outubro de 1863, reuni-
dos na Taberna Freemason, em Great Queen Street, Londres, onze
clubes e escolas criaram as bases para as regras que hoje regem o
futebol. Foi fundada a Football Association.
Nessa reunião, foi levantada uma polêmica quanto à preferên-
cia pelo jogo de futebol "limpo", em que seria coibida a violência e
abolido o jogo com as mãos, de acordo com as regras de Cambridge,
o qual permitia um maior contato e uso das mãos, sendo agressi-
vo em muitos casos. Como os representantes não chegaram a um
consenso, a questão foi colocada em votação, vencendo as regras
propostas por Cambridge. Os derrotados, descontentes, abandona-
ram o futebol para desenvolverem outro esporte: o rúgbi. Daí para
frente, o futebol e o rúgbi passaram a seguir caminhos distintos.

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38 © Futebol

O primeiro torneio de futebol foi realizado em 1871, numa


disputa entre clubes. No ano seguinte, em 30 de novembro de 1872,
Inglaterra e Escócia empataram em 0 x 0, no que se considera o
primeiro amistoso internacional da história, como mencionamos
anteriormente. O profissionalismo no futebol foi iniciado somente em
1885 e, no ano seguinte, foi criada, na Inglaterra, a International
Board, entidade cujo objetivo principal era estabelecer e mudar as
regras do futebol.
Na Figura 4, a bola de futebol usada
no final do século 19.
No início do século 20, o futebol
mundial começou a se organizar. As fede-
rações nacionais existiam, mas sem uma
organização internacional capaz de regu-
lar as relações entre um país e outro no Figura 4 Bola de futebol do final
campo futebolístico. do século 19.

Dessa forma, em 21 de maio de 1904, foi aprovado um esta-


tuto que regeria as relações futebolísticas entre as nações, surgin-
do, então, a FIFA (Federation International Football Association),
que, devido a problemas diplomáticos, à falta de credibilidade de
uma entidade recém-criada e ao cenário iminente de guerra, con-
seguiu, somente em 1930, pôr em prática o sonho de organizar
um torneio mundial entre seleções nacionais, realizado, curiosa-
mente, no Uruguai, em virtude do estado catastrófico em que se
encontravam os países europeus pós-guerra.
Nesse ponto, o futebol já havia se espalhado por todos os can-
tos do planeta, chegando ao Brasil na última década do século 19,
trazido por marinheiros, padres jesuítas ou, quem sabe, pelo próprio
Charles Miller. Mas esse é um assunto que abordaremos mais adiante.
Até aqui, apresentamos uma descrição dos principais fatos
que compõem a história do futebol. São fatos e conceitos funda-
mentais que os alunos devem conhecer. Portanto, cabe a você, alu-
© U1 – Origem e História do Futebol 39

no EaD do Claretiano, transmitir e ensinar aos seus futuros alunos


da Educação Básica essa trajetória do futebol, ao longo da história.

6. HISTÓRIA DO FUTEBOL NO BRASIL: PROCESSOS E


INTERPRETAÇÕES
Apresentaremos, agora, a história do futebol dentro da história
do esporte moderno originado na Inglaterra no final do século 19 e de
sua chegada e desenvolvimento no Brasil. Devido à falta de registros,
muitas informações se perderam. Por essa razão, em algumas situ-
ações, o período e as datas são aproximados. Não será apenas uma
questão de apontarmos datas e fatos isolados; isso seria uma tarefa
relativamente tranquila de ser realizada. O mais interessante é enten-
dermos o contexto histórico que propiciou as condições para que o
futebol se transformasse no esporte mais popular do mundo.
Apesar do consenso em relação à chegada do futebol no Bra-
sil pelas mãos de Charles Miller em 1894, há estudos que relatam
que jogos com bola já eram praticados em nosso país. Há menções
sobre jogo com bola nos anais de 1746 da Câmara Municipal de São
Paulo. De acordo com os registros, tal jogo era proibido, pois causa-
va "agrupamentos de vadios e desordeiros" (AQUINO, 2002, p. 24).
Que jogo seria esse? Até hoje não se sabe. O que não se tem dúvida
é que foram os ingleses, a partir de 1864, tripulantes de navios mer-
cantes, os primeiros a jogarem futebol no litoral brasileiro.
Há, também, informações de que as primeiras práticas do
jogo com bola na província de São Paulo se deram em 1872, no
Colégio São Luís, em Itu. Nesse colégio, os alunos eram incentiva-
dos por um sacerdote a chutarem um balão de couro contra um
dos muros do colégio. É importante destacar que não foram feitas
referências até o momento a um jogo de futebol e, sim, a um jogo
com bola. A primeira menção à palavra "futebol" pode ser encon-
trada em um trecho do Regulamento do Colégio Pedro II, no Rio
de Janeiro, em 1892 (CARRANO, 2000 apud AQUINO, 2002, p. 25):

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40 © Futebol

O diretor e o vice-diretor do Ginásio procurarão desenvolver em


seus alunos o gosto pelos exercícios de tiro ao alvo, de besta, tiro
e flecha, exercícios ginásticos livres, saltos, jogo de volante etc. E
farão, todos os domingos, um passeio para fora do centro da cida-
de [...]. São permitidos como jogos escolares: a barra, a amarela, o
futebol, a peteca, o jogo de bola, o cricket, [...] o crochê, corridas,
saltos e outros, que, a juízo do diretor, concorram para desenvolver
a força e a destreza dos alunos, sem pôr em risco sua saúde.

Oficialmente, a entrada do futebol, de acordo com regras


do Football Association, como elemento integrante da cultura
corporal de movimento do Brasil chega em 1894, quando Char-
les William Miller (1874-1953), brasileiro de descendência inglesa,
volta de seus estudos na Inglaterra e traz consigo uma bola de fu-
tebol e alguns uniformes para a prática do jogo, transformando-se
no grande incentivador do futebol na capital paulista.
Assim, já no final do século 19 e início do século 20, o futebol
já acumulava adeptos e praticantes, especialmente os jovens da
elite econômica, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em seu início,
o futebol apresentou um caráter essencialmente elitista, em que
apenas os estudantes dos colégios grã-finos tinham a oportunida-
de de participar dos jogos que aconteciam no interior das escolas.
Nesse sentido, o futebol fazia parte de uma série de atividades que
eram executadas pelos alunos durante as aulas de atividade física.
De acordo com algumas fontes, em 14 de abril de 1895 foi
realizada a primeira partida de futebol no Brasil, no campo da
Companhia Paulista de Aviação, entre equipes de trabalhadores
de indústrias inglesas. Já o primeiro clube destinado à prática do
futebol foi fundado na cidade de São Paulo, em 1898, e recebeu
o nome de Associação Atlética Mackenzie College. Augusto Shaw,
professor desse colégio, voltou dos Estados Unidos trazendo uma
bola de basquetebol, esporte que pretendia estimular entre os
alunos, que preferiram chutá-la.
A partir desse período, outros clubes foram fundados. Eles
se organizaram e formaram a Liga Paulista de Futebol.
© U1 – Origem e História do Futebol 41

Na cidade de Rio Grande (RS) foi fundado, em 14 de julho de


1900, o primeiro clube destinado à prática exclusiva do futebol,
chamado Sport Club Rio Grande. Devido a esse fato, essa data pas-
sou a ser considerada o "Dia do Futebol".
No Rio de Janeiro, que era a capital federal, o precursor foi Os-
car Cox, que também estudou na Europa. Cox foi responsável pela
formação da 1ª equipe no Rio de Janeiro, em 1901, e pela funda-
ção do Fluminense Football Club, em 21 de julho de 1902 (AQUINO,
2002). Cox e os demais fundadores do Fluminense eram jovens che-
fes de empresas, empregados de alto nível ou simplesmente filhos
de pais ricos, legítimos representantes das elites cariocas.
Então, no Rio de Janeiro, o primeiro clube fundado com a
intenção de ser um clube de futebol foi o Fluminense em 1902,
o qual, em 16 de julho de 1903, cobrou ingressos pela primeira
vez para que o público pudesse assistir a uma partida de futebol.
Foram 2500 pessoas que assistiram à partida, e 969 que pagaram
para vê-la. Nesse jogo, até o presidente da república da época, Ro-
drigues Alves, estava presente (REIS; ESCHER, 2006).
O futebol, então, nos primeiros anos do século 20, começou
a se propagar no seio da classe rica. Alguns colégios tinham-no
como prática sistemática em seus espaços para as atividades fí-
sicas e, assim, em pouco tempo, bons jogadores estavam sendo
formados para ingressar nas equipes de futebol dos clubes já con-
solidados. No Rio de Janeiro, havia o Paysandu; em São Paulo, o
clube Germânia (atualmente denominado Clube Pinheiros), o Club
Athletico Paulistano e o São Paulo Athletic Club.
Era muito comum a utilização de palavras em inglês ao se
referirem ao futebol (por exemplo, field, goalkeeper, fullback).
Nas arquibancadas, os homens vestiam-se de ternos, chapéus e
bengalas; as mulheres usavam vestidos longos com mangas até o
punho e sombrinhas. No campo, os jogadores utilizavam calções
abaixo dos joelhos, camisas de gola; quando cometiam faltas, fala-
vam "I am sorry" ("desculpe-me").

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42 © Futebol

Como as pessoas de classes sociais mais baixas não podiam


frequentar os mesmos espaços que pessoas das classes sociais
mais abastadas nas arquibancadas, assim, foram criadas as "ge-
rais", que eram espaços destinados aos "pobres".
Nesse período, o futebol enfrentava a concorrência de ou-
tras práticas esportivas, tais como o ciclismo, o remo, o tiro ao
alvo, o críquete e corridas de cavalo.

A Cor do Futebol
Além de elitista, a prática do futebol também poderia ser
classificada como racista. Acreditamos que o racismo, dentro do
futebol brasileiro, merece uma atenção especial, não porque o fu-
tebol apresente um caso isolado de atitudes racistas ao longo da
sua história, mas porque, durante a formação do Estado brasileiro,
a prática da segregação racial foi uma política deliberada de Esta-
do. Por isso, o preconceito acentuava-se no futebol, dependendo
da cor da pele.
As histórias sobre acontecimentos racistas em nossa socie-
dade brasileira e, também, em muitas outras partes do mundo são
inúmeras e lamentáveis. No caso do racismo, na sociedade brasi-
leira, podemos afirmar que há razões históricas que remontam ao
tempo do Brasil Colônia. É óbvio que não pretendemos, nesta uni-
dade, realizar uma discussão ou um estudo que ilustre e explique
essa história em detalhes.
Todavia, ela serve para que nós tenhamos a ciência de que o
racismo presente nos fenômenos esportivos modernos, e no caso
específico do futebol, tem suas raízes e sua presença no conjunto
da história do povo brasileiro e da formação do Brasil na condição
de nação.
Após a publicação da lei que concedeu a liberdade aos es-
cravos em 1888, nenhuma política pública de inclusão foi desen-
volvida para que possibilitasse aos negros o acesso ao mercado de
trabalho assalariado e a uma vida digna.
© U1 – Origem e História do Futebol 43

Os negros foram, deliberadamente, colocados à margem da


sociedade e obrigados a viver sob as condições mais desumanas.
A busca pela afirmação e por espaços dignos de vida tornou-se re-
duzida, sendo o futebol uma das poucas oportunidades para que
essas pessoas pudessem encontrar um espaço dentro da socieda-
de brasileira nas primeiras décadas do século 20.
Para demonstrar o racismo e o elitismo que perpetuaram ao
longo do estabelecimento do futebol a partir da sua formalização,
Aquino (2002) utiliza, como exemplo, duas passagens envolvendo
dois dos nossos principais escritores – Lima Barreto e Rui Barbosa.
O primeiro foi responsável pela criação da "Liga contra o Fu-
tebol". Segundo Lima Barreto, o futebol, além de ser usado como
"ópio do povo", era prática racista da burguesia e filho do imperia-
lismo inglês.
Já Rui Barbosa, antes de uma viagem de navio para Argen-
tina, ficou sabendo que o selecionado brasileiro estaria no navio
e disse ao Ministro das Relações Exteriores: "Pois saiba o senhor
que, eu, minha família e meus auxiliares não viajamos com essa
corja de malandros! Futebolista é sinônimo de vagabundo, e pode
escolher imediatamente, senhor Ministro, ou eles ou eu". A dele-
gação então teve que viajar de trem até Buenos Aires.
O autor também faz referência ao ofício enviado pela Liga
Metropolitana de Sports Atléticos, em maio de 1907, aos clubes
associados, comunicando que não registraria amadores que fos-
sem "pessoas de cor". Isso fez com que fosse criada a Liga Subur-
bana de Football.
Absurdos como "negro sujo" e "crioulo nojento" eram muito
ouvido nos campos de futebol no Brasil, nos anos de 1920 e 1930.
Hoje, não ouvimos mais tais expressões, pois elas foram substituí-
das por outras mais amenas, entretanto, não menos cruéis.
Mesmo jogadores negros como Leônidas da Silva e Domin-
gos da Guia, que, nos anos de 1930 e 1940, foram os jogadores

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44 © Futebol

mais bem pagos no futebol da época, continuaram a ser desvalori-


zados intelectualmente. Ambos conseguiram superar o preconcei-
to, vencendo toda e qualquer forma de racismo, de maneira que,
com seus talentos, adentraram ao mundo da prática do futebol.
Convém salientar, ainda, que Leônidas e Domingos da Guia
foram exceções, tendo em vista que muitos jogadores negros su-
cumbiram ao racismo presente no futebol da época. Podemos citar
como exemplo o caso do jogador Carlos Alberto, o qual, quando se
transferiu do Botafogo para o Fluminense nos anos de 1940, por ser
mulato, maquiava-se com pó de arroz para embranquecer o rosto,
pois o clube carioca era um dos times mais resistentes à inclusão de
pessoas pobres e negras nas competições oficiais de futebol.
Outro exemplo é o caso do primeiro grande jogador da his-
tória do futebol brasileiro, Arthur Friedenreich, que era filho de
alemão com uma negra. Na década de 1920, chegava sempre atra-
sado aos jogos, pois ficava preso nos vestiários passando goma
arábica nos cabelos para alisá-los, pois era mulato. Segundo Corrêa
(1985), esse foi o primeiro negro a superar-se no futebol racista da
época. Tão bom jogador quanto ele foi Fausto, o primeiro negro
a ser convocado para uma seleção brasileira. Segundo a FIFA, ele
chegou a marcar mais gols que Pelé.
Nessa época, o racismo no futebol brasileiro era tão acin-
toso que até o presidente da república, Epitácio Pessoa, impediu
que jogadores negros disputassem o campeonato sul-americano
de seleções de futebol, que seria realizado na Argentina. Um dos
argumentos utilizado pelo presidente era que, em caso de derrota
brasileira, os brancos da equipe poderiam culpar os negros e, com
isso, provocar ainda mais preconceito racial no Brasil.
A história mostra-nos, pois, inúmeros casos em que jogado-
res negros (e somente os negros) foram responsáveis por derrotas
que ficaram gravadas na memória dos apaixonados por futebol.
Na fatídica derrota da seleção brasileira de futebol na Copa
de 1950, realizada no Brasil, a seleção uruguaia venceu por 2 x 1.
© U1 – Origem e História do Futebol 45

Coincidência ou não, o goleiro Barbosa e os defensores Juvenal e


Bigode, todos negros, foram responsabilizados pela derrota. Sobre
essa tragédia do futebol brasileiro, o escritor Eduardo Galeano ela-
borou uma bela crônica sobre o eterno drama vivido pelo goleiro
Barbosa. Diz o escritor (GALEANO, 2004, p. 43):
Na hora de escolher o melhor goleiro do campeonato, os jornalistas
do Mundial de 50 votaram, por unanimidade, no brasileiro Moacir
Barbosa. Barbosa era também, sem dúvida, o melhor goleiro de seu
país; pernas com molas, homem sereno e seguro que transmitia con-
fiança à equipe, e continuou sendo o melhor até que se retirou das
canchas, tempos depois, com mais de 40 anos de idade. Em tantos
anos de futebol, Barbosa evitou, quem sabe, tantos gols, sem ma-
chucar nunca nenhum atacante. Mas, naquela final de 50, o atacan-
te uruguaio Ghiggia o tinha surpreendido com um chute certeiro
da ponta direita. Barbosa, que estava adiantado, deu um salto para
trás, roçou a bola e caiu. Quando se levantou, certo de que havia
desviado o tiro, encontrou a bola no fundo da rede. E esse foi o gol
que esmagou o estádio do Maracanã e fez o Uruguai campeão. Pas-
saram-se anos e Barbosa nunca foi perdoado. Em 1993, durante as
eliminatórias para o mundial dos Estados Unidos, quis dar ânimo aos
jogadores da seleção brasileira. Foi visitá-los na concentração, mas as
autoridades proibiram sua entrada. Naquela época, vivia de favor na
casa de uma cunhada, sem outra renda além de uma aposentadoria
miserável. Barbosa comentou: "no Brasil, a pena maior por um crime
é de 30 anos. Há 43 anos pago por um crime que não cometi".

Segundo Corrêa (1985), somente após a vitória na Copa de


1958, disputada na Suécia, os negros no futebol brasileiro foram
mais valorizados, mas unicamente pela sua ginga e malandragem
dentro de campo – jamais por sua capacidade cognitiva, intelectu-
al ou por sua inteligência.
Você deve estar se perguntando: por que esse racismo todo?
Para responder à sua questão, vamos tentar encontrar uma histó-
ria na própria história.

A democratização do futebol
Vimos que o futebol se origina no contexto do desenvolvi-
mento e na ampliação da sociedade capitalista no final do século
19. Era uma prática eminentemente burguesa e, ainda, com certa

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46 © Futebol

dose de nobreza. As pessoas simples pertencentes à classe dos tra-


balhadores não participavam oficialmente dessa prática por razões
estruturais e econômicas da referida sociedade e não dispunham
de tempo livre para praticar o então nascente esporte, pois tinham
de trabalhar por muitas horas durante o dia.
Podemos concluir que o esporte, no início de sua história,
funcionava como um diferenciador de classes sociais. Ou seja, pela
prática esportiva amadora, a burguesia da época mostrava e dei-
xava claro para todos a sua crença em sua superioridade social e,
também, racial. Logo, não foi diferente com o futebol.
O futebol, assim como os demais esportes da época, era ex-
tremamente elitista e excludente. Só eram admitidos praticantes
de famílias ricas, como os barões do café, empresários e altos fun-
cionários das companhias industriais inglesas. O próprio Charles
Miller, quando organizou o futebol moderno no Brasil, realizou os
primeiros jogos em clubes da elite paulistana.
Apesar da forte oposição em relação à democratização, essa
situação foi, aos poucos, alterando-se. Quais fatores podem ter
influenciado para a democratização do futebol? Aquino (2002, p.
32), à primeira vista, cita dois:
Os adeptos do esporte bretão argumentavam que uma peleja de
futebol estimulava o bom funcionamento de todos os órgãos, além
do espírito de disciplina e de solidariedade entre os atletas [...]. A
prática do futebol contou com o fato de serem poucas e simples as
regras do jogo. Qualquer um, inclusive indivíduos dos segmentos
pobres e não alfabetizados da sociedade, poderia praticá-lo facil-
mente segundo as regras. Bastava dispor de uma bola, de couro
ou de pano, para animar um racha. O campo podia ser um terreno
baldio, uma várzea, uma praça ou uma rua.

Para Aquino, a Revolta da Vacina de 1904 também influen-


ciou a democratização do futebol. Com intensa participação po-
pular, especialmente dos capoeiristas, ela se deu pela imposição
da vacina antivariólica às camadas mais baixas da sociedade. No
trecho a seguir, há a explicação para esse fato (SANTOS, 1981 apud
AQUINO, 2002, p. 33):
© U1 – Origem e História do Futebol 47

Quem venceu esta rebelião de 1904? O futebol. Atribuindo o co-


mando da rebelião aos capoeiristas, a polícia matou a capoeira,
que reinava absoluta desde o século anterior [...] O que restou para
aquela gente? A bola, nos terrenos baldios que a remodelação da
cidade oferecia [...]

Com o aumento da popularização do futebol, ele começou


a ser praticado em ruas, praças e terrenos baldios com bolas de
meia e de borracha. Com isso, times de "esquina" começaram a
surgir. O mais famoso foi o do Corinthians Paulista. O Corinthians
inglês, em 1910, em uma excursão pela América do Sul, chegou
aqui e goleou todas as equipes que jogaram. Os torcedores das ge-
rais vibraram e, um mês depois, um grupo de artesãos e pequenos
funcionários fundou o Corinthians Paulista (SANTOS, 1981 apud
AQUINO, 2002, p. 39).
Em 1904, também por influência inglesa, fundou-se, no su-
búrbio industrial da cidade do Rio de Janeiro, o The Bangu Athletic
Club. Seus associados eram altos funcionários de origem inglesa da
Companhia Progresso Industrial Ltda., fábrica de tecidos situada no
bairro de Bangu. Como não havia, na época, número suficiente de
altos funcionários para que dois times completos fossem formados,
operários da linha de produção interessados em participar do jogo
foram convidados. O Bangu tornou-se, desse modo, o primeiro clu-
be a permitir o acesso dos operários a esse esporte, que era privilé-
gio apenas da burguesia carioca e paulistana (CALDAS, 1990).
A escolha dos operários-jogadores dava-se, segundo o autor,
em função do desempenho profissional e boa conduta. A partir do
convite, o jogador escolhido passava a desempenhar, na fábrica,
um trabalho mais leve e, nos dias de treino, tinha autorização para
deixar o trabalho mais cedo.
A partir daí, iniciou-se a fase amadora do futebol brasilei-
ro, bem como a sua popularização. Os clubes de fábrica foram os
grandes determinantes no início desse processo. Com isso, o fu-
tebol deixou de ser um privilégio apenas da colônia inglesa e das
camadas sociais abastadas.

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48 © Futebol

Em pouco tempo, o exemplo da fábrica de Bangu propagou-se.


Sua participação em campeonatos, com o bom desempenho de sua
equipe, incentivou a formação de outros times ligados a fábricas, jun-
tamente com o Fluminense e Botafogo.
No estado de São Paulo, houve casos parecidos ao do Bangu.
Em 1902, na cidade de Sorocaba, interior paulista, o Votorantim
Athletic Club foi fundado, também, por iniciativa dos altos funcio-
nários e técnicos ingleses da fábrica. Na capital paulistana no bair-
ro da Mooca, a empresa Regoli e Cia. Ltda. também tinha seu time
de futebol. Em 1909, o empresário Rodolfo Crespi comprou essa
tecelagem, e o clube passou a se chamar Crespi F.C.; na década de
1930, foi rebatizado com o nome de Clube Atlético Juventus.
Em pouco tempo, os clubes de fábrica já eram comuns,
criando-se, assim, uma tradição de jogos entre eles, em que eram
organizados competições e campeonatos. Inicialmente, essas
competições eram entre as fábricas e, mais tarde, entre as equipes
de origem inglesa.
O gosto e o desenvolvimento dessa prática foram tamanhos
que, nos anos seguintes, os times de fábricas, formados por ope-
rários, também se transformaram em clubes de futebol. No início,
obviamente, os empresários, donos das fábricas, por conta dessa
inevitável associação, foram os primeiros financiadores da organi-
zação e da estrutura física e material desses clubes.
Entretanto, a inclusão de equipes de origem operária nas
disputas dos torneios em que os times da elite participavam não
era bem-vinda, bem como a presença de jogadores de origem sim-
ples nas equipes formadas por jogadores das classes privilegiadas.
Os donos das fábricas, os quais compunham a pequena bur-
guesia industrial brasileira da época, tinham grande interesse em
financiar equipes de futebol e, também, os clubes ligados aos ope-
rários, uma vez que preservavam uma imagem de ordem e de efi-
ciência que os conduziria ao sucesso.
© U1 – Origem e História do Futebol 49

Logo, o prestígio da empresa, se não era totalmente depen-


dente da equipe de futebol, podia, em parte, ser favorecido por
ela (ANTUNES, 1994). O clube era uma espécie de cartão de visitas;
ele carregava seu nome e suas cores e, ao mesmo tempo, divulga-
va seus produtos. Logo os empresários perceberam que o futebol
praticado pelos operários poderia funcionar como um grande veí-
culo de publicidade (BRUHNS, 2000).
Nessa mesma época, surgiram jornais especializados e de-
dicados aos esportes – em São Paulo, por exemplo, havia o Brasil
Esportivo e o Sport. Em pouco tempo, a estrutura jornalística con-
taria com repórteres dedicados integralmente aos acontecimentos
referentes ao futebol. Nesse período, apareceram os jornais es-
pecialmente dedicados aos esportes. Em São Paulo, por exemplo,
havia Brasil Esportivo, o São Paulo Esportivo e o Sport. Em pouco
tempo, a estrutura jornalística, para noticiar os acontecimentos re-
ferentes ao futebol, contaria, inclusive, com um repórter dedicado
integralmente a isso.
Com o passar dos anos, apesar da resistência imposta por
alguns clubes, o futebol já não era mais privilégio dos rapazes das
famílias ricas. Na década de 1920, ocorriam, com frequência, os
jogos entre equipes que tinham em seus quadros jogadores de di-
ferentes classes sociais, com imensa presença da classe trabalha-
dora como espectadora.
Para ilustrar essa vitória do futebol, Aquino (2002, p. 33)
aponta uma passagem do artigo de João do Rio, pseudônimo do
escritor Paulo Barreto, intitulado "Teremos nós um novo esporte
em moda?" de 26 de junho de 1905 no Jornal Gazeta de Notícias:
(João do Rio, Gazeta de Notícias):
Não há dúvida. Há vinte anos a mocidade carioca não sentia a ne-
cessidade urgente de desenvolver os músculos. Os meninos dedi-
cavam-se ao 'esporte' de fazer versos maus. Eram todos poetas aos
quinze anos [...]. De um único exercício se cuidava então: a capoei-
ragem. Mas a arte de revirar rabos-de-raia e pregar cabeçadas era
exclusiva de uma classe inferior. Depois, a moda trouxe aos poucos
o hábito de outras terras – o futebol se preparava agora para absor-

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ver todas as atenções. A mocidade fala só de matchs de futebol, de


goals, de chutes, em uma algaravia técnica, de que resultam pala-
vras inteiramente novas no nosso vocabulário.

Em 1923, o Vasco da Gama, com um time formado por ne-


gros e pobres trabalhadores, conquistou o Campeonato Carioca.
Na época, isso foi para os times grã-finos – os quais tinham em
suas fileiras jogadores formados por estudantes e profissionais
bem-sucedidos da alta sociedade carioca – motivo de humilhação.
Como podemos perceber, no Brasil, os conflitos e interesses
antagônicos das classes sociais, próprios da sociedade capitalista,
estavam presentes e reproduzidos no processo de popularização
do futebol.

Amadorismo Marrom
Em resposta à ascensão do futebol no contexto das fábricas,
houve resistência dos sindicatos dos trabalhadores. Na época, co-
munistas e anarquistas que organizavam a luta sindical no Brasil,
especialmente em São Paulo, acreditavam que a prática do futebol
pudesse prejudicar a luta e a organização dos trabalhadores por
melhores condições de trabalho. Segundo os sindicalistas, o tem-
po livre dedicado à prática desse jogo iria atrapalhar a mobilização
e a construção de uma consciência de classe. O futebol era enten-
dido como o novo "ópio do povo".
O amadorismo garantia, predominantemente, que somente
a elite pudesse participar de competições com eficiência e domí-
nio do jogo, pois não tinha de trabalhar, tendo mais tempo livre
que a classe trabalhadora. A prática amadora garantia a ausência
dos mais humildes, uma vez que, ao ter de trabalhar para sobrevi-
ver, eles não poderiam se dedicar ao futebol como exercício pro-
fissional. Isso, obrigatoriamente, afastava-os dos jogos oficiais e do
convívio com a burguesia paulistana e carioca.
Com a intenção de barrar a ascensão dos pobres, a Liga Me-
tropolitana baixou uma norma na qual somente seriam registra-
© U1 – Origem e História do Futebol 51

dos atletas capazes de assinar o próprio nome na súmula do jogo e


que comprovassem estar estudando ou trabalhando. Depois disso,
especialmente o time do Vasco da Gama, os dirigentes começaram
a dar declarações de que tal atleta trabalhava em suas casas co-
merciais, e os jogadores começaram a receber os famosos bichos:
Chamavam-se esse dinheiro de bicho porque, às vezes, era um ca-
chorro, cinco mil réis, outras, um coelho, dez mil réis, outras um
peru, vinte mil réis, um galo, cinqüenta, uma vaca, cem. Não parava
aí. Havia vacas de uma, de duas pernas, de acordo com o jogo (Má-
rio Filho, 1964 apud AQUINO, 2002, p. 42).

Com isso, surgiu o amadorismo marrom. Essa expressão é


inventada por associação à imprensa marrom que vive da explora-
ção de casos ilegais e sensacionalistas. A partir de então, os joga-
dores começaram a receber para jogar. Além dos bichos, recebiam
móveis, materiais de construção, empregos, entre outras coisas.
O fato é que pobres e negros, apesar disso, mostravam-se
grandes jogadores, de forma que, cada vez mais, as equipes e os
clubes da elite tiveram de se render aos seus talentos. No começo,
mascaravam o profissionalismo recebendo salários como simples
empregados do clube ou de uma fábrica, embora, na verdade, a
remuneração viesse do vínculo com o time de futebol.
Nesse período, podemos denominar a relação dos jogado-
res com os clubes de semiprofissionalismo. Nesse contexto, mui-
tos dos grandes jogadores do Brasil foram contratados por outras
equipes da América Latina e Europa, dentre eles Domingos da
Guia e Fausto.
Para Caldas (1990), o semiprofissionalismo só interessava aos
clubes, pois, enquanto as arrecadações nos estádios só aumenta-
vam e enriqueciam os clubes, os jogadores permaneciam na mes-
ma condição de explorados e sem nenhum direito. Submetiam-se
a essa situação na esperança de um dia profissionalizarem-se de
verdade. Enquanto isso, os dirigentes, com raras exceções, explo-
ravam a ignorância e a subserviência dos jogadores em troca de sa-
lários irrisórios ou de empregos sem nenhuma garantia. Esse foi o

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quadro do futebol brasileiro até início dos anos 1930: um semipro-


fissionalismo de mão única, no qual somente os clubes ganhavam.
Dessa maneira, racismo, elitismo, conflitos de classes e senti-
mento de superioridade marcaram os primeiros tempos do futebol
brasileiro, conflito esse que teve o seu ápice de manifestação na im-
plementação do profissionalismo do futebol no Brasil. Nesse sentido,
conservar o futebol amador garantia, no modo de ver da elite, que
brancos e negros, pobres e ricos mantivessem sempre uma distância.

O profissionalismo no futebol brasileiro


No sentido de acabar com a prática do amadorismo marrom
ou semiprofissionalismo, começaram a surgir pessoas que defen-
diam a profissionalização do futebol. Associado a isso, outro fator
que favoreceu o processo de profissionalização do futebol esteve
ligado ao crescente êxodo de jogadores para o exterior, atraídos
por altos salários oferecidos por clubes estrangeiros.
Para se ter uma ideia, em 1931, cerca de 30 jogadores brasi-
leiros foram para clubes italianos. A necessidade de manter o joga-
dor por contrato também favoreceu esse processo, pois muitos jo-
gadores abandonavam os seus clubes, a qualquer momento. Nos
dois principais centros desportivos do país – Rio de Janeiro e São
Paulo – no ano de 1933, foram criadas, respectivamente, a Liga
Carioca e a Liga Paulista de Futebol, responsáveis pela implantação
do profissionalismo no Futebol (AQUINO, 2002).
Com a profissionalização oficial no Brasil em 1933, foram am-
pliadas as possibilidades de trabalho de muitos operários, havendo
a possibilidade de organização e formação de equipes mais compe-
titivas e jogadores com boa qualidade técnica; apesar do profissio-
nalismo, jogadores de clubes de fábrica continuavam, entretanto,
trabalhando como operários, treinando após o expediente.
Todavia, a esse movimento houve muita resistência, especial-
mente dos clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, os quais não viam
com bons olhos a mistura de classes sociais na hora do jogo de futebol.
© U1 – Origem e História do Futebol 53

O problema é que os clubes do subúrbio e das periferias já começavam


a apresentar bons jogadores e a levar grande número de pessoas para
assistir aos jogos. Foi o caso do Vasco da Gama do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, com maior representação social, as disputas
entre os clubes tornaram-se mais acirradas e a busca pelos melho-
res jogadores também. Como nesse momento as camadas mais
populares produziam os melhores jogadores, os grandes clubes, se
quisessem tê-los em seus times, teriam de pagá-los e contratá-los.
É importante ressaltar que, no contexto dos anos de 1930, o
Brasil era governado pelo presidente Getúlio Vargas. Assim, para
conter o avanço político da classe trabalhadora e da esquerda, foi
proposta uma política trabalhista que regulamentava uma série de
profissões, inclusive a de jogador de futebol. Os atletas, finalmen-
te, transformaram-se em empregados dos clubes.
Em 1940, três quartos dos jogadores profissionais já tinham
origem social na classe trabalhadora. No entanto, era um profissio-
nalismo tutelado pelos dirigentes e presidentes dos clubes.
Os atletas profissionais eram submetidos a uma relação pa-
ternalista e de controle sobre seus hábitos de vida, os quais vi-
nham de suas raízes operárias e humildes. Tais hábitos e cultura,
segundo Caldas (2001), eram extremamente repugnados e rejeita-
dos pelas classes média e alta da sociedade, sem deixar de men-
cionar que os salários não eram altos.
Depois de 1950, apesar da derrota da seleção brasileira de
futebol para a seleção uruguaia na Copa do Mundo de Futebol re-
alizada no Brasil, esse esporte, definitivamente, entrou para o ce-
nário cultural brasileiro como um grande espetáculo de massa. O
futebol consolidou-se, também, pela presença maior dos meios de
comunicação na divulgação e organização dos eventos.
No Brasil, os jogos, até a época de 1970, eram transmitidos
pela televisão na forma de videoteipe. Isso ajudou a firmar o estilo
brasileiro de se jogar futebol com a presença corporal marcante do
negro e do mestiço.

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Com as conquistas das Copas do Mundo de 1958, na Suécia,


e de 1962, no Chile, o estilo brasileiro de futebol ganhou reconhe-
cimento internacional, por ser jogado com arte. Definitivamente,
com essas duas conquistas, o futebol no Brasil consolidou-se como
uma grande mercadoria da indústria cultural.
Atualmente, analisamos que o futebol profissional, como
grande produto da lógica capitalista, está vinculado à indústria do
entretenimento como um produto a ser consumido pelos milhares
de pessoas que vão aos estádios ou pelos milhões que assistem
aos jogos pela TV.
Durante as transmissões ao vivo dos jogos pela televisão,
a publicidade de inúmeros produtos aparece a cada minuto. São
mercadorias de toda ordem: de lâminas de barbear e perfumes
até as marcas de bebidas alcoólicas.
Desse modo, o jogador profissional não mais representa as
cores de seu clube; transformou-se em uma espécie de represen-
tante comercial de seus patrocinadores pessoais. O trabalho atual
dos grandes jogadores valorizados no futebol mundial consiste em
alternar as horas de treinamento e as horas de gravação de co-
merciais publicitários. É aquilo que podemos chamar de "jogador
mercadoria", o que pode levar, infelizmente, o resultado do jogo a
não ser mais determinado pelas jogadas dentro de campo e pelo
talento dos jogadores.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir, que tratam, mais especificamente, da história
do futebol no Brasil – de Charles Miller, a partir da prática do fu-
tebol moderno até seu profissionalismo, como parte da temática
desenvolvida nesta unidade. A autoavaliação pode ser uma ferra-
menta importante para você testar o seu desempenho. Se você
encontrar dificuldades em responder a essas questões, procure
© U1 – Origem e História do Futebol 55

revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas. Esse é


o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade.
Lembre-se de que, na Educação a Distância, a construção do co-
nhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa; compar-
tilhe, portanto, as suas descobertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Quando o futebol, na estrutura de esporte moderno, trazido por Charles
Miller, chegou ao Brasil em 1894, podemos afirmar que ele encontrou um
ambiente favorável que facilitou sua aceitação. No seu ponto de vista, o que
poderia explicar tamanha afinidade? O que pode ter facilitado sua entrada
e permanência no Brasil?

2) Como você descreveria a prática do futebol no Brasil no início do século 20?


Aponte fatores que podem ter influenciado na sua popularização e na con-
sequente mudança do quadro inicial?

3) Vimos que o processo de profissionalização do futebol sofreu influências de


vários fatores. De acordo com o seu ponto de vista, como a prática pelos
operários das fábricas facilitou a implantação do profissionalismo em nosso
país. Como você explicaria o amadorismo marrom no mesmo período?

8. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você entrou em contato com questões am-
plas e específicas sobre a problemática histórica do futebol, como
a importância desse esporte para a história da cultura da humani-
dade, desde a antiguidade até os dias de hoje. Além disso, pôde
conhecer algumas das principais características dos jogos das pri-
meiras civilizações até o futebol atual.
No Brasil, fizemos um passeio desde sua chegada, sob influên-
cia europeia, até os elementos que ora dificultaram, ora facilitaram
sua incorporação por todos os brasileiros. Percebemos, também,
que essa história foi construída sobre preconceitos e injustiças.
Logo, é importante que você, aluno EaD, saiba contextuali-
zar e discutir essa história com seus alunos na Educação Básica.
Relações e exemplos não faltarão para que você possa contar a

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56 © Futebol

história do futebol de maneira crítica, longe das discussões que


se limitam ao senso comum. Na Educação Física, a conversa tem
de ser outra!
Para finalizar este tópico, reforçamos que o objetivo foi mos-
trar a trajetória do futebol do início de sua prática, de acordo com
regras específicas, até à profissionalização no Brasil, proporcionando
a visualização dos acontecimentos que podem ser responsáveis por
transformá-lo em "paixão nacional". Com o acesso a esse conteúdo,
você, aluno do Claretiano, poderá ser um professor diferenciado,
crítico, com uma visão ampla de sociedade e do fenômeno educati-
vo. Com esses conhecimentos, seus alunos terão possibilidades de
vivenciar o futebol, pertencente à Cultura Corporal de Movimento,
com qualidade conceitual e com profunda dimensão histórica.
Entretanto, essas possibilidades não se esgotam por aqui.
Esperamos que você discuta com seus colegas, coloque dúvidas e
comentários no Fórum e consiga pensar em novos temas referen-
tes ao futebol e aos conceitos a ele atrelados, não se contentando
apenas com os aspectos levantados nesta unidade.
Então, mãos à obra! Estude, pense em sua prática e amplie
seus conhecimentos.

9. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 O Kemari. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd76/futebol.htm>.
Acesso em: 27 mar. 2012.
Figura 2 Ilustração do ludus pilae. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd76/
futebol.htm>. Acesso em: 27 mar. 2012.
Figura 3 O calcio. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd76/futebol.htm>.
Acesso em 27 mar. 2012.
Figura 4 Bola de futebol: final do século XIX. Disponível em: <http://www.suapesquisa.
com/futebol/>. Acesso em: 27 mar. 2012.
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Site pesquisado
NORMANDO, T. S. O futebol como prática desportiva: gênese e espraiamento mundial do
jogo de bola. Lecturas: EF y Deportes Revista Digital. Buenos Aires, ano 10, n. 76, set., 2004.
Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd76/futebol.htm.>. Acesso em: 13 jul. 2011.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AQUINO, R. S. L. Futebol: uma paixão nacional. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
ANTUNES, F. M. R. F. O futebol nas fábricas. Revista USP, São Paulo, n. 22, jun./ago., 1994.
BRUHNS, H. Futebol, carnaval e capoeira. Campinas: Papirus, 2000.
BRUNI, J. C. Dossiê: apresentação. Revista USP. Dossiê do futebol. São Paulo, n. 22, p.
6-9, 1994.
CALDAS, W. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro. São Paulo: Ibrasa, 1990.
______. Temas da cultura de massa: música, futebol, consumo. São Paulo: Arte & Ciência
– Villipress, 2001.
CORRÊA, L. H. Racismo no futebol brasileiro. In: DIEGUEZ, G. K. (Org.). Esporte e poder.
Petrópolis: Vozes, 1985.
GALEANO, E. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: L&PM, 2004.

REIS, H. H. B.; ESCHER, T. A. Futebol e sociedade. Brasília: Liber Livros, 2006.

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