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Sociologia da Educação

2014
Editorial
Comitê Editorial
Magda Maria Ventura Gomes da Silva
Lucia Ferreira Sasse
Marina Caprio

Autora do Original
Heloisa Maria dos Santos Toledo

© UniSEB © Editora Universidade Estácio de Sá


Todos os direitos desta edição reservados à UniSEB e Editora Universidade Estácio de Sá.
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio eletrônico, e mecânico, fotográfico e gravação ou
qualquer outro, sem a permissão expressa do UniSEB e Editora Universidade Estácio de Sá. A violação dos direitos autorais é
punível como crime (Código Penal art. 184 e §§; Lei 6.895/80), com busca, apreensão e indenizações diversas (Lei 9.610/98 – Lei
dos Direitos Autorais – arts. 122, 123, 124 e 126).
Sociologia da Educação
Capítulo 1: Introdução à Sociologia
da Educação: O Positivismo e a
Sociologia Compreensiva....................................... 7
ri o Objetivos da sua aprendizagem......................................... 7

Você se lembra?....................................................................... 7
1.1  O que vem a ser sociologia?.................................................. 9
1.2  A historicidade das ciências humanas....................................... 11
Su

1.3  Émile Durkheim............................................................................ 13


1.4  Para conhecer um pouco mais: Durkheim e a Educação.................. 22
1.5  Max Weber............................................................................................ 23
1.6  A tipologia da ação social......................................................................... 26
1.7  Tipologia da dominação.............................................................................. 29
1.8  Modernidade e Racionalização...................................................................... 30
Atividades................................................................................................................ 31
Reflexão..................................................................................................................... 32
Leituras recomendadas................................................................................................ 33
Referências................................................................................................................... 33
No próximo capítulo...................................................................................................... 33
Capítulo 2: Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético.................................... 35
Objetivos da sua aprendizagem....................................................................................... 35
Você se lembra?............................................................................................................... 35
2.1  Introdução................................................................................................................ 36
2.2  Contextualização.................................................................................................... 36
2.3  A compreensão de sociedade para Marx............................................................... 40
2.4  Marx e a definição de ideologia.......................................................................... 44
2.5  Sintetizando....................................................................................................... 48
Atividades............................................................................................................. 48
Reflexão............................................................................................................ 49
Leitura recomendada..................................................................................... 49
Referências bibliográficas......................................................................... 49
No próximo capítulo.............................................................................. 50
Capítulo 3: Educação e Cidadania: as Abordagens de
Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo........................................ 51
Objetivos da sua aprendizagem................................................ 51
Você se lembra?................................................................... 51
3.1  Introdução................................................................................................................. 52
3.2  Antonio Gramsci ...................................................................................................... 53
3.3  As abordagens progressistas no contexto brasileiro.................................................. 58
Atividades........................................................................................................................ 63
Reflexão .......................................................................................................................... 64
Leituras recomendadas ................................................................................................... 64
Referências . .................................................................................................................... 65
No próximo capítulo........................................................................................................ 66
Capítulo 4: As Contribuições de Pierre Bourdieu...................................................... 67
Objetivos da sua aprendizagem....................................................................................... 67
Você se lembra?............................................................................................................... 67
4.1  Introdução................................................................................................................. 68
4.2  Habitus...................................................................................................................... 69
4.3  Campo....................................................................................................................... 71
4.4  As formas de distinção social . ................................................................................. 73
Atividades........................................................................................................................ 77
Reflexão........................................................................................................................... 78
Leitura recomendada........................................................................................................ 78
Referências . .................................................................................................................... 78
No próximo capítulo........................................................................................................ 79
Capítulo 5: A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova............................. 81
Objetivos da sua aprendizagem....................................................................................... 81
Você se lembra?............................................................................................................... 81
5.1  Introdução................................................................................................................. 82
5.2  Contexto.................................................................................................................... 84
5.3  Fernando de Azevedo (1984-1974)........................................................................... 88
5.4  Anísio Teixeira (1900-1971)..................................................................................... 90
Atividades........................................................................................................................ 93
Reflexão .......................................................................................................................... 93
Leituras recomendadas ................................................................................................... 94
Referências . .................................................................................................................... 94
o
Prezados(as) alunos(as)

aç ã A intenção desta disciplina é iluminar


uma variedade de temas que são objetos
de reflexão das Ciências Humanas Clássicas
e Contemporâneas, especialmente no que con-
ent
cerne às relações entre economia, política, cultura
e sociedade.
Por serem temas que enfeixam e incitam uma mul-
res

tiplicidade interpretativa, é indispensável buscar subsídios


teóricos capazes de fornecerem elementos que possibilitem
Ap

balizar nossas discussões, o que será empreendido por meio da


consideração dos processos de construção histórica e social que
fomentaram o surgimento das sociedades moderna e contemporâ-
nea, processos estes que, por sua vez, atuam como chave interpreta-
tiva profícua para a compreensão do mundo atual.
O objetivo da disciplina é oferecer ao aluno um instrumental
teórico básico em ciências humanas juntamente com a reflexão sobre
os problemas sociais e culturais emergentes em uma sociedade fundada
no meio técnico-científico-informacional, aprofundando o conhecimento
sobre os processos sociais que articulamos em nosso cotidiano, proble-
matizando criticamente a sociedade em que vivemos e investigando sua
relação com a produção material e ideológica que sustenta as relações
sociais e culturais.

Bons estudos!
Introdução à Socio-
logia da Educação: O
Positivismo e a Sociologia
Compreensiva
C Neste primeiro capítulo da disciplina de So-
CCC
ciologia da Educação, iremos estudar as origens
da Sociologia, bem como compreender o nascimento
CC C

das chamadas sociedades complexas e do capitalismo.


Veremos, ainda, como algumas das principais correntes
CCC

teóricas do pensamento clássico por meio da teoria positivis-


ta de Émile Durkheim e da sociologia compreensiva de Max
Weber analisaram a sociedade e os indivíduos e suas inter-rela-
ções, entre elas, a educação.

Objetivos da sua aprendizagem


Ÿ Conhecer o contexto histórico do surgimento da sociologia.
Ÿ Compreender as particularidades das interpretações das ciências
humanas.
Ÿ Estudar a abordagem positivista de Durkheim e os fatos sociais.
Ÿ Estudar a abordagem compreensiva de Max Weber e a tipologia da
ação social.

Você se lembra?
Nas suas aulas de História e nas várias leituras que já realizou, você
tomou conhecimento acerca do fato de que o século XIX apontou para
a consolidação do sistema capitalista na Europa, e que este momento
histórico forneceu muitos elementos para o surgimento da sociologia
como uma nova ciência.
Isso ocorreu porque, nesse contexto, apresentou-se um quadro de
transformações, marcado por mudanças políticas e econômicas,
a emergência da burguesia, o enfraquecimento do poder da
Igreja, o fortalecimento do Estado Moderno, a eclosão da
razão em oposição à fé, o desenvolvimento tecnológico,
a industrialização, a urbanização acelerada, a intensifi-
cação da exploração do trabalho em busca de maior
produtividade, o trabalho assalariado e uma maior e intensa divisão do
trabalho.
Essas são as principais características do quadro geral sobre o qual
os pensadores do século XIX se debruçaram, na tentativa de explicar essa
nova realidade social que, aparentemente, denota o próprio caos. Assim,
nasceu nesse contexto a sociologia, como ciência da sociedade, também
denominada “ciência da crise”.
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

1.1  O que vem a ser sociologia?


Penso que todos já ouviram falar dessa ciência em algum momen-
to, direta ou indiretamente. E até nos deparamos com questionamentos
cotidianos sobre nossa realidade que muitas vezes não entendemos... Re-
lações entre sociedade, economia e cultura, por exemplo. Será que existe
alguma relação entre desigualdade social e capitalismo? E por que isso
ocorre?
Tais questionamentos podem ser investigados e elucidados quando
conhecemos um pouco de sociologia. A sociologia, portanto, vai ajudá-lo
a conhecer a realidade social e entender como esta atua sobre as crianças,
os jovens e os adultos.
A disciplina Sociologia também permitirá
Conexão:
que você compreenda o papel das principais Para saber mais, acesse
instituições que compõem a sociedade, a o link:
relevância das políticas sociais e outros ele- http://www.brasilescola.com/
sociologia/formacao-da-sociologia.
mentos sobre os quais é preciso refletir, bem htm
como analisar, para a construção de uma
visão social que entenda, critique e proponha
iniciativas para melhorar a vida de todos nós.
Para isso, é preciso saber como essa ciência
se originou e se consolidou.
A sociologia é uma ciência, portanto seu surgimento, sua consoli-
dação como ciência e suas especificidades e métodos próprios de inves-
tigação se deram diferenciando-a dos saberes do senso comum, aqueles
proferidos por todos nós quando analisamos nossos comportamentos e
experiências interpessoais. Entendemos aqui o senso comum, ou conheci-
mento espontâneo, como o conhecimento que se acumula no nosso coti-
diano (cheio de certezas e explicações imediatas), e que é transmitido de
geração a geração através de nossos hábitos, costumes e tradições. Dessa
EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

maneira, acabamos reproduzindo ideias que não são nossas, mas que as-
similamos e tomamos como verdadeiras, por isso temos sempre uma opi-
nião a respeito de assuntos que muitas vezes nem conhecemos.
O homem sempre se preocupou em compreender a si e ao universo,
mas foi somente no século XVIII, com uma série de eventos que ocorreram
na Europa, transformando profundamente as estruturas da sociedade, supri-
mindo os pilares do velho regime feudal, incluindo o movimento intelec-
tual do Iluminismo (na França), que a “ciência” pôde se impor como uma
maneira de se pensar o mundo isenta dos pressupostos determinantes da
9
Sociologia das sociedades complexas - Unidade 1

Sociologia da Educação

religião e da tradição. Nesse período, ocorreu também uma profunda valori-


zação do homem voltada para a crença na razão humana e nos seus poderes.
Mais tarde, já no século XIX (1801-1900), com a Revolução Fran-
cesa, o pensamento sistemático sobre o mundo social foi acelerado, assim
como a necessidade dos homens de compreender os inúmeros problemas
sociais decorrentes do processo de industrialização. Sendo assim, pode-
mos dizer que a sociologia surge sob condições de mudança que derivam
principalmente do declínio do feudalismo, do fortalecimento do comércio
e do surgimento de novos papéis sociais/especialização. Enfim, juntamen-
te com a consolidação do sistema capitalista de produção, surgia uma nova
mentalidade, em que a razão e o saber se voltavam para o mundo terreno.
As ciências existentes não apresentavam explicações convincentes
ou até mesmo o instrumental necessário para a compreensão de todas es-
sas mudanças, surge então a necessidade de uma nova ciência (utilizando
o mesmo referencial das ciências naturais) para tentar fazer isso.
Tal como afirma Turner (2003, p. 14), o objetivo da sociologia é
tornar essas compreensões cotidianas mais sistemáticas e precisas, pois
estas percepções vão além de nossas experiências pessoais. A sociologia
busca compreender todos os símbolos culturais que os seres humanos
usam e criam para interagir e para organizar a sociedade. “É o estudo dos
fenômenos sociais, da interação e da organização social.” De forma dife-
rente do que outras disciplinas fazem, ao estudar os aspectos sociais da
vida do homem, a Sociologia estuda o fato social em sua totalidade. Ou
seja, a visão sistêmica do pesquisador deve lhe dar condições de perceber
que cada ação social não está isolada na sociedade, faz parte de um todo
interligado, interferindo e sofrendo interferências.
Para o sociólogo, o fato social é estudado não porque é econômico,
jurídico, político, educacional ou religioso, mas porque é “social” e inclue
tudo isso independentemente da especificidade de cada um. O pressuposto
básico de uma análise sociológica é: a vida dos seres humanos é composta
de várias dimensões que se desenvolvem juntamente com o processo de
interação social. São justamente essas interações sociais o objeto central
de estudo da Sociologia. (DIAS, 2005).
O nome sociologia foi proposto por Auguste Comte, em substitui-
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ção ao termo física social, acreditando ser possível submeter a ciência da


sociedade aos mesmos pressupostos metodológicos advindos das ciências

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Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

naturais. Ele acreditava também que descobrir as leis da organização


social humana poderia significar a reconstrução de uma sociedade mais
humana. Seu pensamento enfatizava a sociedade europeia como exemplo
de evolução, defendendo a proposta da ordem e do progresso em oposição
aos conflitos sociais presentes neste contexto (influência do Positivismo).
De seu surgimento até os dias atuais, muitos teóricos e pesquisado-
res deram suas contribuições ao campo de estudos da sociologia. Veremos,
ao longo deste curso, três principais autores: Durkheim, Marx e Weber.
A sociologia é hoje uma área ampla, diversificada, que analisa todas
as nuances da cultura, da estrutura social, do comportamento, da interação
e da mudança social.

1.2  A historicidade das ciências humanas


Se no contexto de seu surgimento a sociologia buscou como refe-
rencial e modelo de investigação o que era praticado pelas ciências natu-
rais, a diferenciação entre ambas se tornou um dos grandes problemas en-
frentados pelos pesquisadores ao longo da sua consolidação como campo
científico e investigativo.
De um modo geral, podemos dizer que as ciências humanas se diferen-
ciam das ciências naturais pelo fato de o homem ser, ao mesmo tempo, sujeito
e objeto de investigação. Quando estudamos a sociedade, o comportamento so-
cial e as várias formas de interação social, somos, ao mesmo tempo, os investi-
gadores da realidade social e os membros que compõem esta mesma realidade.
Além disso, as ciências humanas possuem critérios específicos e
determinantes, diferentes dos que são utilizados nas ciências naturais e
exatas. O primeiro é o da historicidade! O que isso significa?
Significa que o ser humano é histórico: que a noção de tempo (e as
mudanças que dele resultam) é fundamental para compreendermos sua tra-
jetória e é sua evolução secular que permite ao homem entender o homem.
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Dito isso, concluímos: a temporalidade e a concretude são carac-


terísticas fundamentais das ciências humanas.
Exemplo – Quanto mais a ciência se matematiza, mais ela se torna
abstrata, exata e precisa, e mais possui um caráter atemporal, universal.
Quanto mais histórica, mais ela se torna imprecisa e ampla e mais possui
um caráter individual, concreto, temporal. Enquanto as ciências exatas
apresentam uma noção praticamente nula de tempo, trabalhando com base

11
Sociologia da Educação

em estruturas (esquemas de longa duração), as ciências humanas e sociais


trabalham com base em eventos, com uma noção de tempo de curta du-
ração (circunstâncias, processos, contextos). Ou seja, as realidades his-
tóricas possuem essa característica intrínseca de estar sempre mudando,
podendo ser influenciadas pelas mãos do homem.
Outro exemplo: quando estudamos as regras da matemática, da
química ou da física, não importa se estamos no Brasil da década de 1980
ou na Austrália dos dias de hoje, elas serão sempre as mesmas, ou com
poucas modificações.
Sendo assim, haverá sempre certa dose de subjetividade presente no
desenvolvimento das ciências humanas, porém, tal como afirma Florestan
Fernandes, as ciências sociais não podem ser confundidas com o senso
comum, pois baseiam-se em um conhecimento racional crítico e reflexivo
acerca dos valores que garantem a manutenção do status quo (estado de
coisas vigente), estabelecendo um papel de conscientização e desmistifi-
cação da realidade que é justamente o oposto daquele exercido pelo senso
comum, que leva ao conformismo.
Podemos perceber o que está por trás das aparências e assim compre-
ender melhor a realidade que nos cerca e intervir de modo mais consciente,
reflexivo e crítico. É essa a grande função das ciências humanas e sociais que
você está vendo neste semestre: sociologia, filosofia, história, psicologia.
É importante lembrar que, tal como afirma Berger (1982), a sociolo-
gia não é uma ação, e sim uma tentativa de compreensão da realidade social.
Veremos a seguir uma atividade de reflexão que visa reforçar o
conteúdo discutido nesta aula: leia os dois trechos a seguir e elabore uma
possível resposta às questões propostas:

A Revolução Industrial teve consequências dramáticas para todos


os grupos de trabalhadores. Os operários nas fábricas, os campo-
neses na terra, todos tinham de se ajustar a um modo de vida intei-
ramente novo (...) os trabalhadores achavam difícil adaptarem-se à
disciplina imposta pela fábrica (...) nenhum dos acontecimentos do
século XIX ocorreu de forma tão impositiva como a instauração da
sociedade do trabalho. (MARX, O capital).
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12
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

É nesse novo contexto social que a sociologia surge, como uma


ciência reguladora que deveria organizar e explicar o caos resultante da
instauração de um novo sistema de organização social: o capitalismo!

O espírito científico é, antes de mais nada, uma atitude ou dispo-


sição subjetiva do pesquisador em busca de soluções sérias, com
métodos adequados, para o problema que enfrenta. Essa atitude
não é inata na pessoa; ao contrário disso, é conquistada ao longo
da vida, com regras e método. Ela pode e deve ser aprendida. A
objetividade é a condição básica da ciência. O que vale não é o que
uma pessoa pensa ou imagina, mas o que a ciência é capaz de com-
provar (CERVO, 2001, p. 17).

1.3  Émile Durkheim


Durkheim (1858-1917) viveu como os demais pensadores de sua
época, num mundo de marcantes mudanças e transformações em que a
sociedade capitalista nascente vinha destruir velhas instituições e velhos
valores feudais.
Nesse contexto, Durkheim expressava sua preocupação em esta-
belecer uma nova ordem social. Com tal perspectiva, Durkheim limitava-se
a compreender o capitalismo de sua época, sem buscar criticá-lo ou
transformá-lo. Esse fato dá à sua sociologia a característica da não cri-
ticidade, que acabava defendendo a manutenção de uma ordem social
capitalista.

1.3.1  Émile Durkheim: o sociólogo da moral e a


tradição francesa
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Os sociólogos tentam responder a inúmeras perguntas sobre a ação


dos indivíduos em sociedade, suas formas de comportamento e interação,
relações de interdependência, conflito, cooperação, ou seja, procuram com-
preender as estruturas sociais, os papéis sociais e os movimentos sociais.
Como qualquer outra ciência, a sociologia apresenta diferentes
vertentes, tendências e interpretações. Mas podemos afirmar que ela está
subdividida em três conjuntos de vertentes:
––Aquelas que apresentam proximidade com as ciências físicas
e naturais (como o caso de Durkheim, que veremos agora).
13
Sociologia da Educação

––Aquelas que se aproximam da história e privilegiam um en-


foque mais qualitativo (como Marx).
––Aquelas em que predomina o circunstancial, o cotidiano
(como Michel de Certeau).
Neste momento, descreveremos algumas das características presen-
tes no pensamento deste importante autor: Émile Durkheim. Ele viveu,
como os demais pensadores de sua época, num mundo de marcantes
mudanças e transformações, em que a sociedade capitalista nascente vi-
nha destruir velhas instituições e velhos valores feudais. Nesse contexto,
Durkheim expressava sua preocupação em estabelecer uma nova ordem
social.
Nosso objetivo principal é identificar qual a importância de
Durkheim para a consolidação da sociologia como ciência. Para isso, fa-
çamos as seguintes considerações:
Neste período, século XIX,
fortemente influenciado pelo O pensador que
fundou a sociologia como
Positivismo, defensor do ciência foi Auguste Comte (1798-
conservadorismo e da co- 1857). Ainda sob a herança francesa do
esão social, e pela crença Iluminismo, desenvolveu em uma de suas
obras (Curso de Filosofia Positiva) os
na ciência como verdade, pressu-postos de uma disciplina dedicada ao
o problema central para a estudo científico da sociedade, chamada então
Sociologia (termo modi- de Física Social. Sua principal contribuição foi
defender a criação e a aceitação de uma
ficado de Física Social) ciência nova e legítima como área de
era compreender como a estudo.
sociedade deve ser mantida
diante da complexidade? Ou
seja, mediante as inúmeras mudan-
ças decorrentes do processo de diferenciação
e especialização da industrialização, como assegurar a união entre os in-
divíduos? Segundo ele, isso seria possível devido à importância das ideias
comuns como força unificadora.
No caso de Durkheim (1858-1917), é importante salientar o mo-
mento histórico que marca o surgimento e a consolidação de sua teoria; o
período após a Revolução Industrial é caracterizado pela desordem, pela
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anarquia política e moral, e pela substituição no sistema de valores da so-


ciedade, a urbanização e as alterações no sistema de poder.
A sociologia surge no bojo dessas profundas transformações em
âmbito político, social, econômico e cultural para explicar as contradições
14
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

geradas a partir da consolidação do sistema capitalista e de suas crises so-


ciais. Deveria, portanto, tornar-se uma ciência que estruturaria a forma de
organização obtida com o capitalismo.
A “consciência coletiva” seria, portanto, o cimento social capaz
de regularizar os pensamentos e as ações dos indivíduos mediante as
mudanças sofridas pelas sociedades. Ou seja, os sistemas de símbolos
culturais (valores, crenças, dogmas, ideologias) são a principal base para
a integração da sociedade e eles são constantemente modificados pelo seu
desenvolvimento.
Seguindo esta linha de questionamentos, um dos seguidores da
tradição Francesa, Émile Durkheim (1858-1917), foi o responsável pela
definição de vários conceitos fundamentais para a institucionalização da
disciplina Sociologia, inclusive delimitando seu objeto de estudo e deter-
minando uma metodologia que pudesse ser aplicada a fim de garantir a
legitimidade do conhecimento por ela produzido.
Durkheim adotou uma postura teórica funcionalista, ou seja, as
explicações para os acontecimentos sociais devem ser buscadas na sa-
tisfação de alguma necessidade/função social. O indivíduo é importante
enquanto cumpre uma função e a exerce para o bom funcionamento da
sociedade, assim como as demais instituições sociais (organicismo). Den-
tre as principais contribuições de Durkheim para o desenvolvimento e a
consolidação da sociologia, destacam-se: a definição de conceitos como
consciência coletiva, fato social, solidariedade orgânica e mecânica, além
das regras do método sociológico (aproximando as ciências humanas e
naturais).
A preocupação de Durkheim era delimitar o objeto de estudo da
sociologia e definir um método, uma forma sistematizada de agir metodo-
logicamente por meio de regras de observação fundamentadas na raciona-
lidade, na objetividade – a fotografia da realidade que visava vincular os
EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

fenômenos sociais a leis invariáveis, tal como ocorria com os fenômenos


naturais. Nesse sentido, o conhecimento científico partia do senso comum,
mas sofria um processo de depuração e eliminação dos juízos de valor do
pesquisador e de suas influências subjetivas.
Foi fundamental para a construção de sua metodologia a proli-
feração e o amadurecimento dos ideais Iluministas de racionalidade e
objetividade, principalmente a crença em que a sociedade capitalista
industrial personificaria o progresso e o desenvolvimento da humani-
dade, além de ter se desligado das questões do espírito e da revelação.
15
Sociologia da Educação

As tendências evolucionistas estão presentes em seu pensamento, pois,


acreditando ser a sociedade capitalista o estágio mais avançado do desen-
volvimento, bastava apenas reordená-la.
Com tal perspectiva, Durkheim limitou-se a compreender o capi-
talismo de sua época, sem buscar criticá-lo ou transformá-lo. Esse fato
dá à sua sociologia a característica de não criticidade, sob a pretensão de
“neutralidade científica”, defendendo a manutenção de uma ordem social
capitalista.
O importante para Durkheim era a instauração da harmonia, a
organização do sistema a partir do equilíbrio e do bom funcionamento
social. Para isso, utilizava as ideias organicistas ou sistêmicas (percebe a
sociedade como um corpo biológico que necessita ser conhecido para que
se possa apresentar a cura para as doenças) e a comparação biologizante
para pensar a sociedade como um organismo e as instituições como ór-
gãos. A investigação da realidade deveria ser feita a partir de instrumentos
objetivos inócuos e suas descobertas deveriam ser mensuradas, testadas e
até mesmo experimentadas, desenvolvendo técnicas de depuração, expe-
rimentação e controle, no sentido de alcançar a mesma objetividade das
ciências exatas.
Ao definir fato social, Durkheim (1973) deliberou sobre a criação
do objeto genuíno de estudo da sociologia: tudo aquilo que existe fora das
consciências individuais é coercitivo, definidor de suas ações e punitivo.
“Consiste em maneiras de agir, sentir, pensar que são impostas ao indiví-
duo”.
Assim, o método de análise das Ciências Sociais, por meio do estu-
do sistemático de um ato social simples, pode ser explicado para além do
comportamento estritamente pessoal, como pode ser visto em seu estudo
sociológico sobre o suicídio, por exemplo. Trata-se de um modo de pensar
que relaciona, portanto, o particular com o geral, considerando o processo
histórico em que ocorreu determinado fato, ou, segundo W. Mills (1981),
a “imaginação sociológica” exige que os fenômenos sociais sejam anali-
sados em suas múltiplas interações.
Para o autor, a sociedade e os grupos sociais exercem uma coerção
sobre os indivíduos, fazendo-os assumir papéis relacionados a um fenô-
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meno em particular. Em suma, pode-se dizer que o indivíduo se explica


na e pela sociedade. “A sociedade é mais do que a soma de seus membros
individuais”. (DIAS, 2005, p. 10)

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Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

No que se refere à religião, Durkheim escreveu em 1912 seu livro As


formas elementares da vida religiosa. Nesse trabalho, o autor preocupa-se
em desvendar a essência da religião, ou seja, o substrato das manifesta-
ções culturais da vida religiosa e seus fundamentos presentes em todas as
sociedades, o que é compreendido como um fenômeno universal.
Para o autor, a religião é o espelho da sociedade, pois todas as for-
mas de religiosidade expressam características sociais. Seu ponto de che-
gada é a conclusão de que as sociedades passam por um caminho evoluti-
vo, por isso as formas religiosas das sociedades contemporâneas diante de
sua complexidade são de mais difícil acesso e entendimento.
Suas aspirações generalizantes o levam a considerar o estudo siste-
mático de uma sociedade específica uma forma de compreender a essência
de qualquer manifestação religiosa. Essa concepção somente é possível
no interior de uma teoria que se pretende positiva e que eleva o fato social
à categoria de coisa, permitindo ao pesquisador chegar à sua essência.
A sociedade, na teoria sugerida por Durkheim, é formada não só pela
simples junção de indivíduos de toda a espécie, mas por algo bastante profun-
do e complexo que ocorre devido a uma interação entre esses indivíduos e ao
inter-relacionamento que eles podem ser capazes de estabelecer. O modelo so-
cial é, então, uma complexa modelação ou, ainda, uma construção permanente.

1.3.2  Fatos sociais


O principal fundamento teórico da sociologia de Durkheim é o
conceito de fatos sociais, por meio do qual o autor empreende um estudo
acerca das representações coletivas. Durkheim afirma que os fatos sociais
são “coisas”, no sentido de estarem em oposição às ideias, já que se refe-
rem a todo objeto do conhecimento que a inteligência não consegue for-
mular/apreender pela simples análise mental.
Refere-se a tudo aquilo que, para o espírito compreender, necessita
sair de si mesmo – por meio da observação e da experiência empírica.
Não são coisas materiais, mas constituem coisas, no sentido de serem
exteriores ao indivíduo. Tratar os fatos sociais como “coisas” é o método
investigativo de Durkheim, que envolve a investigação objetiva.

Durkheim, Émile. Les formes élémentaires de la vie religieuse. Pa-


ris: Presses Universitaries de France, 1968.

17
Sociologia da Educação

É especialmente por essa contribuição que Durkheim pode ser tomado


como sistematizador da sociologia, imprimindo a esta um caráter científi-
co. Define a sociologia como o estudo do que é socialmente instituído, e,
assim, a sociologia durkheimiana pode ser entendida como uma “ciência
das instituições”, voltada para sua gênese
e seu funcionamento.
Não podemos descobrir Fatos sociais são
as causas de sua existência coisas que não podem ser
apreendidas pela introspecção; a
apenas nos interrogando a consciência que temos deles não nos
seu respeito ou refletindo revela sua natureza interna nem sua gênese.
sobre elas. É necessário Para termos sobre os fatos sociais uma visão
clara e distinta, é necessário compreendê-los
penetrar no mundo so- de forma objetiva – a partir de sua existência
cial, investigar suas leis, exterior, como “coisa”.
entendendo a concepção
que o grupo formula sobre
as instituições, e as bases so-
ciais de sua construção.
Portanto, os fatos sociais
instituídos são os costumes, as leis, as
normas, as instituições, as crenças religiosas etc, que não são criados pelo
indivíduo, e este, ao nascer, já os encontra prontos. Por isso, os fatos so-
ciais são coercitivos e exteriores ao indivíduo, existindo fora dele.

Fatos sociais compreendem maneiras de fazer ou pensar capazes de exercer


influência coercitiva sobre as consciências particulares. Trata-se de um conceito bastante
abrangente, pois envolve tudo o que se produz na sociedade, significando aquilo que inte-
ressa e afeta de algum modo o grupo social.

Os fatos sociais são considerados por Durkheim o objeto por exce-


lência da sociologia, já que se configuram como a base social da vida.
Não é porque a sociedade é composta de indivíduos que a vida so-
cial se baseia na consciência individual. Da mesma forma que elementos
combinados entre si desencadeiam fenômenos novos e esses fenômenos
novos estão contidos não em cada um dos elementos, mas no todo pro-
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veniente da união, também a vida social está presente no todo, e não nas
partes. Em outros termos, a sociedade é uma totalidade que engloba os
indivíduos mas os supera, fazendo com que a sede da vida social seja a
sociedade, e não as partes que a compõem.
18
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

É na sociedade que se en-


contram sentimentos, normas Os fatos sociais não
correspondem ao somatório
e valores que possuem uma das consciências individuais, já que a
força moral que não está sociedade é mais do que a soma dos indi-
presente nos indivíduos víduos, ela é uma síntese, produto do todo, e
não das partes.
isolados. Essa força mo-
ral inaugura uma nova
realidade: a consciência
da sociedade, ou consci-
ência coletiva.
A consciência coletiva
é exterior aos indivíduos, mas
se impõe a eles quer de maneira
espontânea, influenciando-os nas ações cotidianas, quer de maneira mais
coesa, por meio de tradições, normas e padrões de comportamento mais
cristalizados, que coagem os indivíduos. Trata-se de valores internaliza-
dos por meio do processo de socialização, capaz de transformar o indiví-
duo num ser social, membro da sociedade e a ela integrado.
As regras morais aparecem como coisas agradáveis e desejadas,
fazendo com que a sociedade se manifeste como protetora de seus mem-
bros, que assim a percebem. É estabelecido um processo de “habitualiza-
ção” que define formas de comportamento e controle social.

A sociedade aparece como um ser superior, com vida própria, anterior, que independe dos
indivíduos e possui sobre eles uma autoridade moral.

Ao ressaltar que na vida em sociedade existe uma consciência cole-


tiva que garante a ordem social, define-se uma base de valores e normas
sociais comuns a todos os membros da sociedade, que são submetidos às
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mesmas regras sociais, as quais definem como o indivíduo deve pensar e


agir socialmente.

1.3.3  Consciência coletiva e representações sociais


Para Durkheim, a vida social, não estando centrada nos indivíduos
isoladamente, não pode ser explicada por fatores puramente psicológicos
(estados individuais de consciência), já que está atrelada às representa-
ções coletivas, ou seja: a forma como o grupo enxerga a si mesmo e aos
outros nas relações sociais.
19
Sociologia da Educação

Para entender como a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a


rodeia, é preciso considerar a natureza da sociedade, e não a dos indiví-
duos.
As representações coletivas englobam mitos, crenças, religião,
moral, enfim, o pensamento coletivo que deve ser estudado em si mesmo,
para si mesmo, com a especificidade que representa, sem misturar-se com
a psicologia, de modo a centrar-se no âmbito da realidade sociológica.
Trata-se de uma força social, uma criação da sociedade, portanto
resultante da sociedade: criação dos próprios homens que passa a ter
um poder superior a estes homens, exercendo uma força coercitiva sobre
eles. “É o conjunto que pensa, sente, quer, embora não possa querer, sentir
ou agir senão por intermédio das consciências particulares” (DURKEIM,
1977, p. 30).
Deste modo, podemos entender que existe uma coerção social que
exerce pressão moral sobre as consciências individuais. Ou seja, o meio
social se manifesta como um meio moral, capaz de fazer com que uma
pressão seja exercida pela consciência de um grupo sobre a consciência de
seus membros.
Assim, os fatos sociais surgem da mistura de ações de vários indiví-
duos (grupos sociais), constituindo um produto que nasce fora de cada um
deles. São, portanto, fruto de uma pluralidade de consciências, instituindo
formas de pensar e agir que não dependem de cada indivíduo, impondo-se
a eles próprios.
Nas palavras de Durkheim:

(...) não sou obrigado a falar o mesmo idioma que meus companhei-
ros de pátria, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível
agir de outra maneira. Minha tentativa fracassaria lamentavelmente
se procurasse escapar desta sociedade. Se sou industrial, nada me
proíbe de trabalhar utilizando processos técnicos do século passa-
do; mas, se o fizer, terei a ruína como resultado inevitável. Mesmo
quando posso realmente libertar-me destas regras e violá-las com
sucesso, vejo-me obrigado a lutar contra elas. (DURKHEIM, apud
MARTINS, 1994, p. 17)
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Vale observar que Durkheim desconsiderou o papel ativo dos indivíduos, enfocando
a ação da sociedade, da coletividade, que com sua força social se sobrepõe à vontade
individual

20
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

1.3.4  Solidariedade
Durkheim entende
social a solidariedade como a forma
A teoria de Durkheim consensual de relações entre indiví-
mostra que este autor de- duo e sociedade. Portanto, solidariedade
significa reciprocidade, interdependência
fendia uma visão otimista
entre partes envolvidas numa relação social.
da nascente sociedade
industrial e, para descre-
ver esta nova sociedade,
lança mão do conceito de
solidariedade.
Durkheim estabelece
uma distinção entre solidarie-
dade mecânica e solidariedade
orgânica, afirmando que a primeira diz respeito às sociedades mais sim-
ples (tribais, feudal), em que a divisão do trabalho é pouco desenvolvida.
Nesse tipo de sociedade, as pessoas se unem por meio da crença, dos laços
religiosos, das tradições etc. Na segunda, por sua vez, os laços de inter-
dependência são decorrentes das diferentes funções e especializações que
cada indivíduo, em sua categoria (econômica, profissional, religiosa, fami-
liar etc.), desempenha na relação com os demais.
Quando a sociedade se encontra em estado de solidariedade, os
órgãos solidários estão em contato entre si, percebendo a necessidade da
interdependência. As trocas se fazem sem dificuldade, levando à regulari-
zação da sociedade, ao equilíbrio social. Dessa forma, a divisão do traba-
lho deve produzir a solidariedade entre os indivíduos e segmentos. Se não
o faz, é porque as relações dos órgãos sociais não estão regulamentadas
– estão em estado de anomia.

Quando uma sociedade não se encontra em estado de solidariedade, tende a encontrar-


se em estado de anomia social.
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A anomia descreve a ideia de um desregramento fundamental das


relações entre o indivíduo e a sociedade, marcadas por relações de anta-
gonismo, por exemplo: egoísmo ou individualismo exacerbado, compor-
tamentos pautados no livre-arbítrio, e não em normas de comportamento
e conduta socialmente arbitradas, expressão de ações individuais não mais
reguladas por normas claras e coercitivas, mas pela vontade de indivíduos
isolados ou subgrupos sociais.
21
Sociologia da Educação

Em caso de anomia, as relações entre os órgãos sociais passam a ser


raras, não se repetindo o bastante para se regularizarem, levando a uma
ausência de inter-relações sociais. Daí a importância que Durkheim atri-
bui à divisão social do trabalho, que faz com que os indivíduos/trabalha-
dores possam se sentir colaboradores entre si. O trabalho aparece, desse
modo, em Durkheim, como fonte de solidariedade e cooperação, capaz de
garantir a harmonia social.

1.4  Para conhecer um pouco mais: Durkheim e a


Educação
Ao mesmo tempo que as instituições se impõem a nós, aderimos a
elas; elas comandam e nós as queremos; elas nos constrangem e nós
encontramos vantagens em seu funcionamento e no próprio cons-
trangimento (...) talvez não existam práticas coletivas que deixem
de exercer sobre nós esta ação dupla, a qual, além do mais, não é
contraditória senão na aparência (DURKHEIM, 1982).
Admitindo o capitalismo como uma sociedade harmônica e ordena-
da, Durkheim salientava a necessidade de a sociologia apontar soluções
para os problemas sociais que pudessem causar a desordem, levando a so-
ciedade a um possível estado de anomia (estado de ausência de normas).
Caberia à sociologia, então, restaurar a normalidade, por meio de técnicas
de controle social e manutenção da ordem vigente.
A educação é, neste sentido, uma instituição social que se relaciona
com todas as demais práticas da vida social e é também um dos elementos
fundamentais para assegurar à sociedade a manutenção das regras impos-
tas, a adequação e a formatação dos indivíduos a um padrão socialmente
imposto e previamente definido, refreando as paixões humanas frente a
um poder moral que os indivíduos respeitem. Os fins da educação variam
de acordo com os estados sociais e estão relacionados com as necessida-
des de um determinado tempo e lugar. “É a coletividade que impõem os
fins da ação educativa” (TURA, 2002, p. 51).
As práticas pedagógicas são determinadas por uma estrutura social
e, por isso, seu desenvolvimento evolutivo ocorre de acordo com as ne-
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cessidades do organismo social. Sendo assim, qualquer sistema educativo


é um produto histórico vinculado às necessidades reguladoras de cada pe-
ríodo e impõem aos indivíduos padrões e regras coerentes em relação ao
conjunto de atividades e instituições da sociedade.
22
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

Qualquer mudança que ocorra no campo da educação ocorre de


maneira articulada a outras manifestações estruturais da sociedade. Desta-
cando o papel do professor neste processo:

O professor é um transmissor de saberes (...) valorizados e essen-


ciais à continuidade societária. É um agente da formação integral
dos alunos e, por isso, tendo o domínio das disposições pessoais
para corresponder às exigências de seu tempo, podendo criar condi-
ções para as mudanças sociais que se fizerem necessárias. Esta é a
importante função social do mestre, de contribuição essencial para a
formação de futuros cidadãos (TURA, 2002, p. 51).

A educação tinha, para Durkheim, um papel de destaque. Ele acre-


ditava ter essa instituição funções sociais muito importantes na construção
dos valores da cidadania e do nacionalismo, do apego à coletividade, da
sensibilidade para os problemas sociais e para combater o individualismo
na formação de uma consciência coletiva representativa das necessidades
sociais.

1.5  Max Weber


Weber (1864-1920) manifestou em sua teoria sociológica a inten-
ção de torná-la verdadeiramente científica. Para tanto, defendia o ideal da
neutralidade científica, afirmando que o cientista não deveria apresentar
suas preferências políticas ou ideológicas, para que se pudesse separar a
atividade sociológica da atividade política e dos julgamentos de valores.
Acerca do papel político do cientista e do professor, aponta para a
necessidade de uma neutralidade axiológica, de modo que o cientista não
permita que os valores estejam presentes na análise que se faz da realida-
de social (ainda que estejam presentes na escolha do objeto de pesquisa),
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e que o professor procure evitar toda tomada de posição avaliativa, limi-


tando-se unicamente aos problemas de sua especialidade.
Weber não nos dá uma conceituação esquemática do que entende
por sociedade, e o que torna possível a organização social. Não há nesse
autor uma teoria geral da sociedade, isso porque Weber é um historicis-
ta, preocupado com o estudo de situações concretas, com suas singula-
ridades.

23
Sociologia da Educação

1.5.5  Racionalização e burocracia


Weber afirma que o traço ca-
racterístico do mundo em que A racionalização
vivemos é a racionalização, do mundo não significa seu
visto que a sociedade mo- progresso moral, já que a racio-
nalização tem a ver com a organização
derna tende à organização social exterior, especialmente por meio da
e à dessacralização da burocracia, e não com a vida íntima e racional
vida, ou o que Weber do homem.
chama de “desencanta-
mento do mundo”.
Os progressos da
ciência e da técnica fazem
com que os homens deixem
de acreditar nos poderes mági-
cos, havendo uma perda do sentido
sagrado da vida. O real torna-se cansativo e utilitário, marcado por um
vazio que os homens buscam preencher com agitação e artifícios diversos.
Face ao ceticismo tedioso, os homens tentam “mobiliar sua alma
com uma confusão de religiosidade, estetismo, moralismo e cientificis-
mo”. Contudo, aponta que a racionalização e a intelectualização não
solapam com o irracional, pois este tem origem em nossa vida afetiva,
fazendo-nos permanecer presos às paixões e necessidades.
Max Weber aponta que o processo de racionalização envolve
seis elementos:
1. Desencanto e intelectualização do mundo.
2. Surgimento de um etos de realização secular impessoal.
3. Crescente importância do conhecimento técnico especializado.
4. Objetivação e despersonalização do direito, da economia e da
organização política do Estado, recrudescimento da regulari-
dade e da calculabilidade nesses domínios.
5. Progressivo desenvolvimento dos meios tecnicamente racio-
nais de controle sobre o homem e a natureza.
6. Tendência ao deslocamento da orientação tradicional para a
ação puramente racional e instrumental.
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24
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

Atentemos para o fato de


A racionalização
que a categoria burocracia baseia-se no elogio da razão
assume significativa impor- absoluta, capaz de engendrar um
tância na obra de Weber. mundo sem significado, sem liberdade,
dominado por poderosas burocracias e pela
Segundo este autor, esta “jaula de ferro” da economia capitalista.
é uma das categorias
centrais da ciência so-
cial moderna. Refere-se
àquela administração em
que o poder de decisão está
numa função, e não no indi-
víduo que a desempenha.
Segundo Weber, a organiza-
ção burocrática afasta-se da sociedade (tanto da classe dominante quanto
das massas). Organiza-se num sistema institucional particular, em que se
desenvolve um procedimento formal, um etos e uma ideologia, tornando-se
uma espécie de “subcultura”.

A organização burocrática mostrou-se, para Weber, mais eficiente, rápida e com-


petente que outras formas de administração, o que explica a expansão da administração
burocrática em todos os campos da vida social.

1.5.6  O conceito de ação social


Não há, segundo Weber, na vida social, a presença de regularidades
idênticas às da natureza. Em outros termos, o autor defende que a sociolo-
gia possui um campo de investigação próprio e, da mesma forma, deve ter
critérios próprios para a investigação. É nesse sentido que o fundamental
componente para a organização da sociedade humana, na teoria weberia-
na, é a ação social.
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Ação social é um conceito, que se refere à ação de um indivíduo


orientada pela ação de outros, os quais se tornam interdependentes, fazen-
do com que toda ação tenha um sentido.

A ação social é sempre a ação de um indivíduo que se orienta pelas ações de


outros, sendo que o caráter social da ação decorre da interdependência dos indivíduos.
Um ator social age sempre em função de um motivo e da consciência de agir em relação a
outros atores.

25
Sociologia da Educação

Weber ressalta a função da subjetividade no desenvolvimento da


ação social, uma vez que esta é definida pelo significado dado pelos su-
jeitos. Deste modo, sendo o principal conceito tratado por Weber, a ação
social é considerada objeto de compreensão da
sociologia, encarregada de interpretar o
sentido da ação. A sociologia webe-
Isso coloca o cerne da sociolo- riana é justamente conhecida
como sociologia compreensiva,
gia compreensiva de Weber como
porque se propõe a fazer uma leitura
sendo o indivíduo, uma vez que compreensiva do tecido social, interpretando
o coletivo não constitui, para o sentido das ações sociais, bem como a forma
esse autor, uma realidade em si. como a sociedade está organizada.

A sociologia estuda a relação de


significados entre os indivíduos.
O sentido da ação é dado/apreen-
dido pela consciência que se tem
dela, e essa é individual.

1.6  A tipologia da ação


social
Como temos visto, portanto, o meio social deve ser explicado a par-
tir das relações entre os indivíduos por meios das ações empreendidas uns
com outros, que acabam por construir determinada ordem social.
É importante definir o significado de ação social, pois ela não se
confunde com ação individual. Ação social é toda aquela que o indivíduo
faz orientando-se pela ação dos outros. Essa ação é sempre possuidora de
um sentido. Imagine, por exemplo, duas pessoas caminhando em sentidos
opostos, uma em direção a outra. Se elas, simplesmente, se esbarrarem,
isto não configura ação social. Mas, se uma tentar desviar da outra, aí,
nesse caso, temos configurado a ação social, pois a ação do desvio já in-
dica ao interlocutor a intenção de evitar o choque. Com o desvio, uma das
pessoas espera que a outra compreenda o sentido e responda ao gesto. A
ação social, portanto, é aquela que é possuidora de sentido.
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Todo agir em sociedade é, naturalmente, a expressão de uma cons-


telação de interesses dos participantes que se dirige à orientação
do agir, quer se trate do agir alheio ou do agir próprio, de acordo
com os seus próprios regulamentos e de acordo com nenhum ou-

26
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

tro regulamento e, por causa disso, percebe-se sempre a presença


das mais diversas constelações de interesses dos participantes
(WEBER, 1995, p. 332).

Mas é preciso estabelecer mais uma diferença. Estamos falando da


diferença entre ação social e relação social. Basicamente, a distinção en-
tre elas se dá no que diz respeito ao compartilhamento de sentidos. A ação
social orienta-se para o sentido do outro, mas não implica em reciprocida-
de. Pode ser que este outro não tenha a dimensão da intenção de determi-
nada ação. Ainda assim, a exercemos esperando que o outro compreenda
seu sentido. Já na relação social, o sentido é compartilhado, orientado por
dois ou mais agentes para o mesmo fim.
VLADISLAV KOCHELAEVSKIY | DREAMSTIME.COM

De maneira geral, Weber diz que é possível classificar todas as


ações sociais em quatro tipos. Chamamos essa perspectiva de tipologia da
ação social, são elas:
1. Ação racional com relação a um objetivo
É a ação exercida racionalmente buscando atingir um fim. O ator
social, ou agente, concebe claramente quais são seus objetivos e
mobiliza os meios para atingi-lo, calculando suas consequências.
É o caso, por exemplo, do engenheiro que constrói a ponte, do
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professor que prepara a aula, do maratonista que se prepara fisi-


camente para uma prova, ou, ainda, do campo político.
2. Ação racional com relação a um valor
Nesse caso, também é a razão que move a ação do ator. Entretanto,
ele escolhe os meios racionais não para atingir um objetivo, mas
sim, para permanecer leal aos seus valores. Aqui, ação é orientada
por valores éticos, religiosos ou morais e não empreender a ação im-
plica em desonra. Por exemplo, o capitão que opta em afundar com
seu navio. O sentido aqui é permanecer fiel à sua ideia de honra.
27
Sociologia da Educação

3. Ação afetiva
É aquela orientada pelo humor ou pelo estado emocional do
agente. Aqui, não há relação com objetivos ou valores. O indi-
víduo age determinado pela reação emocional. Por exemplo, um
soco dado durante uma partida de futebol.
4. Ação tradicional
É ação exercida pelos costumes, tradição, hábitos crenças que
são transformados quase em uma segunda natureza. Estão en-
raizados nos indivíduos. Não é necessário conceber um objetivo
ou valor; a ação é orientada conforme a tradição. Por exemplo:
obedecer aos pais.

A classificação dessas ações é importante, pois a sociologia webe-


riana está preocupada em compreender os sentidos que o ator atribui à sua
conduta. A compreensão dos sentidos leva à percepção de suas estruturas.
Na sociedade moderna, coexistem essas quatro formas de ação so-
cial. Mas Weber destaca o predomínio da ação racional com relação ao
um objetivo, como consequência do próprio sistema capitalista. A lógica
capitalista, desde sua origem, é guiada essencialmente por essa ação.
Pense bem: o capitalista age, racionalmente, para atingir uma finalidade;
nesse caso, o lucro. Assim, todos os meios são empregados buscando
chegar a este objetivo. São feitos cálculos, probabilidades, são tomadas
determinadas atitudes prevendo as melhores formas de se atingir o maior
lucro possível. Para Weber, entretanto, o predomínio dessa ação já não
pertence exclusivamente à esfera econômica, mas tomou conta da vida so-
cial de maneira geral: dos sistemas políticos à gestão do Estado, chegando
até à esfera da vida privada. O tipo dominante de ação social na sociedade
moderna é, portanto, o racional com relação a um objetivo.

Uma mesma ação, segundo a perspectiva weberiana, pode ser guiada por dois ti-
pos ao mesmo tempo. Veja o caso do cientista, por exemplo. Sua ação é racional com
relação a um objetivo: ele se propõe a pesquisar determinado objeto, entender seu
funcionamento, suas causas e consequências, buscando chegar a um conhecimento
universalmente válido. Mas, ao mesmo tempo, a ação do cientista se guia pela busca
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da verdade, que é um valor. Assim, a ação cientifica é, portanto, uma combinação


entre ação racional com relação a um fim e ação racional com relação a um valor.

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Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

1.7  Tipologia da dominação


Entre as contribuições de Weber, está também a interpretação sobre
os modelos de dominação que existem na sociedade moderna. O interesse
aqui está na compreensão entre as relações de poder e dominação. Para
ele a dominação é condição intrínseca da sociedade; não há e nem haverá
nenhuma sociedade sem algum grau de dominação. O autor se pergunta o
que leva um indivíduo ou um grupo a se sujeitar à dominação de outro?
Para ele, o princípio aqui é o do reconhecimento de que, ao obedecer de-
terminada regra ou imposição, o indivíduo pensa estar seguindo conforme
sua própria vontade.
Weber destaca três tipos de dominação:
1. Dominação legal
É o tipo característico das sociedades modernas, consequência
do processo de racionalização. Esse tipo de dominação é que
predomina nos Estados, nas organizações administrativas, nas
leis e nos estatutos. Ela se fundamenta na crença de legalidade de
uma determinada ordem. O poder, nesse caso, é assegurado pela
noção de legalidade.
2. Dominação tradicional
É aquela onde a autoridade é reconhecida pela fidelidade, respei-
to, tradição. O princípio da dominação aqui não é regido pela lei,
mas pela moral. A autoridade patriarcal é o tipo mais puro dessa
dominação, conforme Weber.
3. Dominação carismática
Aqui o afeto é um importante elemento do reconhecimento da
autoridade. O líder carismático é tido como portador de qualida-
des pessoais que estariam acima dos demais. A obediência se dá
por devoção a essas qualidades. Segundo Weber, esse modelo de
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dominação é o mesmo que encontramos nos regimes autoritários


e demagogos. Ao mesmo tempo, o exercício dessa autoridade é
bastante instável, pois não há nada que assegure a devoção por
parte dos dominados ao dominador.

29
Sociologia da Educação

Conexão:
Weber aponta que cada um desses tipos Assista ao filme A onda,
de dominação está relacionado a um status dirigido por Dennis Gansel.
No filme é mostrado como o experi-
de legitimação. O poder legal ou racional mento de uma classe, proposto por um
é legitimado pela noção de competência; o professor, se transformou num movimen-
poder tradicional pela noção de privilégio; to fascista.
Assista ao filme e procure identificar
e, por fim, o poder carismático pela noção qual modelo de dominação é
de devoção. exercido ali.

1.8  Modernidade e Racionalização


Você deve ter percebido que até aqui apontamos alguns dos princi-
pais conceitos e metodologias usadas por Weber na sua interpretação da
realidade. É importante ressaltarmos que o autor, assim como Durkheim e
Marx, também tem como referencial um modelo específico de sociedade
que, nesse caso, é a sociedade moderna e capitalista. Esse é o tipo de orga-
nização social que o autor interpretou sob o enfoque da sociologia.
Você se lembra o que caracterizava a sociedade capitalista para
Durkheim e Marx? Em ambos aparecia noção da divisão do trabalho, mas
com conclusões distintas. Em Durkheim, a divisão do trabalho aparece
como vínculo de solidariedade na sociedade capitalista, tipo que ele cha-
ma de solidariedade orgânica. Já em Marx, a divisão do trabalho revela
a contradição e, sobretudo, os processos de exploração que marcam esse
modelo de sociedade.
A divisão do trabalho também foi analisada, em alguma medida, por
Weber, mas com outra abordagem. Para o autor não são nem vínculos mo-
dernos de solidariedade nem a exploração os eixos centrais que caracteri-
zam a moderna ordem social. A sociedade moderna é caracterizada, antes
de tudo, pela ideia de racionalização.
Esse tema permeou toda a obra weberiana que buscou compreen-
der como o advento do capitalismo trouxe como consequência para a
vida humana a intensificação da racionalização em todas as esferas da
estrutura social.
A racionalidade é, portanto, o modo de vida da sociedade moderna,
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aquilo que a diferencia das demais sociedades em outras épocas históricas.


Racionalidade, para a teoria weberiana, é entendida como o processo
“intrínseco do desenvolvimento do capitalismo, estabeleceria um sistema

30
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

de dependência entre os indivíduos que os levaria à mecanização das rela-


ções em todos os setores da atividade humana” (FERREIRA, 2009, p. 68).
Segundo Weber, a racionalização faz com que todas as nossas
ações sejam pensadas tendo as noções de meios e fins como premissas.
Assim, a ação humana, mesmo a mais cotidiana, passa a ser executada
visando metas.

Um componente essencial da racionalização da ação é a substitui-


ção da submissão interna a costume habitual pela adaptação plane-
jada a determinadas situações de interesses (WEBER, 1991, p. 18).

O ponto de crítica do autor aqui é que a razão que deveria nos liber-
tar, conforme o ideal iluminista, acaba por nos aprisionar, pois não nos
treina para lidar com o imponderável.

Atividades
Procure aprofundar seus estudos nas temáticas apresentadas neste
capítulo, buscando outros textos e obras de referência. A partir de então,
faça as atividades abaixo – elas são auxílio na fixação do conteúdo.

01. Diferencie o conhecimento filosófico do conhecimento científico.

02. D
 e que modo a ciência pode ser entendida como um senso comum
mais refinado?

03. P
 or que o estudo das ciências humanas se mostra, de certo modo,
como algo mais complicado que o estudo das ciências exatas?
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04. O que é e qual a importância do método científico?

05. Sobre o raciocínio indutivo, responda:


a) Por que ele é importante para o progresso do conhecimento científico?
b) Qual a complicação de seu uso especificamente nas ciências humanas?

06. Para Weber, como é construída a realidade social?

31
Sociologia da Educação

07. P
 or que a abordagem weberiana de sociedade é considerada aborda-
gem compreensiva?

08. Defina o que é ação social?

09. Quais são os tipos de ação social?

10. Qual a diferença entre ação e relação social?

11. Para Weber, quais são as formas de dominação existentes na sociedade?

Reflexão
Quando as bases da vida em sociedade se modificaram radicalmente
na Europa, emergiu a preocupação com a vida social, expressa por meio
de teorias sociológicas que procuravam compreender o quadro de pro-
fundas crises e transformações advindas do capitalismo, consolidado no
século XIX.
Como a religião já não era suficiente para dar as explicações que a
nova realidade social, política, cultural e econômica exigia, o pensamento
social passou a ganhar proeminência e destaque.
No campo das ideias, a pesquisa científica e as descobertas tecno-
lógicas tornavam-se uma meta cultural e social da maior importância. O
individualismo emergia como valor essencial da identidade humana, tra-
zendo junto de si a competição no mundo do trabalho.
Os principais representantes do conhecimento sociológico desta
época foram Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, autores até hoje
estudados e conhecidos como os representantes da sociologia clássica.
Por meio de diferentes abordagens, esses autores nos permitem interpre-
tar a realidade social, a partir de temáticas que, embora tenham nascido
na transição para o mundo moderno, e se consolidaram no século XIX,
perpassaram o século XX e continuam se colocando como essenciais no
século XXI, contexto em que vivemos os reflexos e as intensificações do
que significou e permaneceu existindo como sociedades complexas pro-
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duzidas pelo advento do capitalismo.

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Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1

Leituras recomendadas
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. Nesta obra, o autor apresenta uma análise minu-
ciosa da teoria sociológica, por meio das contribuições dos diferentes
autores, desde os precursores da sociologia até os autores clássicos
abordados neste capítulo.

VILLANOVA, Sebastião. Introdução à sociologia. São Paulo: Atlas,


2004. O autor apresenta uma obra em forma de um manual de socio-
logia, por meio do qual desenvolve as teorias clássicas da sociologia,
numa linguagem bastante clara, trazendo as contribuições teóricas para
análise da realidade social contemporânea.

Referências
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1980.

DURKHEIM, Émile. “Objetividade e identidade na análise da vida


social” In: FORACCHI, M. A. e MARTINS, J. S. Sociologia e socie-
dade, São Paulo: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1977.

MARTINS, Carlos Benedito. O que é sociologia? São Paulo: Brasi-


liense, 1994.

No próximo capítulo
EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

No próximo capítulo, daremos continuidade às abordagens clássi-


cas da Sociologia, analisando um dos seus principais autores: Karl Marx.
Compreenderemos a abordagem metodológica conhecida como Materia-
lismo Histórico Dialético e analisaremos o conceito de ideologia.

33
Sociologia da Educação

Minhas anotações:
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34
Karl Marx e o Materialismo
Histórico Dialético
2 No último capítulo vimos que a teoria de
Émile Durkheim se caracteriza pelo princípio
lo
da integração, isto é, as formas pelas quais se dá a
relação entre indivíduo e sociedade e de que maneira a
ít u

Sociologia na identificação das falhas sociais e na inter-


venção de suas correções, buscando, assim, a construção de
Cap

uma sociedade harmônica e ordenada. Agora, neste capítulo,


veremos a perspectiva marxista, contraposta às ideias desen-
volvidas pela sociologia positivista de Durkheim. Para Marx, o
saber sociológico é constituído pelo princípio da contradição e na
da integração. Veremos ainda, a importância das condições mate-
riais de existência – trabalho e economia – para a compreensão da
realidade social, método conhecido como materialismo histórico.

Objetivos da sua aprendizagem


• Compreender as principais noções do pensamento marxista.
• Compreender o método materialista histórico e dialético.
• Compreender a importância da ideia de luta de classe na teoria de Marx.
• Compreender o significado de ideologia.

Você se lembra?
Você se lembra de já ter escutado a expressão “luta de classes”? Ou,
então, se lembra de alguma análise que falava sobre como o Brasil é
um país marcado pela desigualdade entre as classes? Essas são algu-
mas afirmações que se fazem a partir dos conceitos e da teoria da
sociedade capitalista desenvolvida por Karl Marx. Veremos nesse
capítulo de que maneira essas ideias foram trabalhadas pelo au-
tor, tornando-se umas das principais referências no desenvol-
vimento da Sociologia e das interpretações sociais.
Sociologia da Educação

2.1  Introdução
Você certamente já se deparou com algum filme ou imagem que
traziam os trabalhadores em uma fábrica, realizando, por meio de alguma
máquina, o seu trabalho. Uma cena clássica desse modelo chamado “li-
nha de fábrica” é a do personagem de Charles Chaplin no filme Tempos
Modernos. Nele, o personagem desenvolve seu trabalho mecanicamente,
num ritmo frenético, quase sem perceber o que e por que faz, até o mo-
mento em que seu próprio corpo passa reproduzir o
ritmo da máquina. Conexão:
Em alguma medida, esse cenário faz alu- Assista ao filme Tempos
são direta à teoria desenvolvida por Marx que Modernos, de Charles
Chaplin, que faz uma crítica,
faz uma crítica ao sistema capitalista que se em tom de sátira, ao modelo
consolidava no século XIX. de trabalho característico
das origens do sistema
Ao contrário da teoria positivista de capitalista.
Durkheim que buscava, por meio da Sociologia,
garantir a harmonia e integração na nova ordem so-
cial nascente, o pensamento de Karl Marx vai em direção oposta: busca,
por meio do conhecimento, revelar as contradições sociais que estão na
base de qualquer sistema e, particularmente, do sistema capitalista ofere-
cendo, assim, os meios para transformar essa realidade.
A teoria marxista privilegia como foco de análise os aspectos
econômicos e materiais da existência humana, pois apenas a partir da
forma como os homens se organizam para produzir a própria subsistên-
cia é que são criadas as relações sociais e as formas de pensamento e
consciência. Assim, para se conhecer como vive determinada sociedade
é preciso conhecer a forma como ela se organiza para produzir ou, em
outros termos, seu modo de produção. Essa forma de interpretar a rea-
lidade é chamada de materialismo histórico e se consolidou como uma
das formas de análise mais importantes na história do desenvolvimento
da ciência social. Veremos nesse capítulo como se realiza essa forma de
interpretação, especificamente por meio da compreensão de sociedade
feita por Karl Marx.
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2.2  Contextualização
Karl Marx nasceu na Alemanha em 05 de maio de 1818 e morreu
em 14 de março de 1883. Formou-se em Direito e Filosofia e, apesar de
36
Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético – Capítulo 2

não ser e nem se considerar sociólogo,


é inegável a importância de sua
obra na construção dessa ciência, De fato, quando Marx produz sua
a tal ponto que ele é considerado obra, a Sociologia ainda não passava de
um nome. Como vimos no capítulo anterior,
um dos principais intérpretes sua institucionalização se daria apenas mais
da realidade social. Tanto para tarde, por meio das obras de Durkheim e das
seus seguidores, quanto para os primeiras teorias sistematizadas sobre o méto-
críticos, o estudo sobre o sur- do sociológico.

gimento e desenvolvimento dos


anos iniciais do capitalismo feitos
por Marx é teoria obrigatória para
quem deseja compreender esse sistema.
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O ponto principal de sua obra consiste na crítica ao sistema ca-


pitalista e nas contradições e diferenças sociais que fundamentam esse
sistema. Mas é importante destacar que, para Marx, em toda história da
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civilização humana sempre existiu diferenças sociais entre os homens.


As sociedades foram, desde sempre, divididas entre a classe opressora e a
classe oprimida. O problema do capitalismo, na visão do autor, é que esse
sistema acentua demasiadamente essas diferenças, levando ao extremo
suas contradições e, por isso, Marx chega a propor a transformação da
realidade, buscando pela possibilidade de uma realidade mais igualitária
entre os indivíduos.
A preocupação de Marx, portanto, era compreender a sociedade
capitalista, explicar a dinâmica dessa sociedade que se transformava in-
37
Sociologia da Educação

tensivamente, movida por forças econômicas e por uma classe específica


– a burguesia. O que essa organização produz? Que tipo de relação se
desenvolve nela? E quais são as formas para superá-la? São alguns dos
questionamentos levantados por Marx.
Assim, como fizemos com Durkheim, é fundamental contextualizar
para qual sociedade Marx está olhando quando desenvolve sua análise
sobre a sociedade capitalista. Marx viveu no momento em que a Revolu-
ção Industrial se consolidava e trazia consigo uma revolução também na
forma dos homens se organizarem socialmente. A sociedade foi profunda-
mente transformada.
Surgem as primeiras fábricas e as cidades passam a se constituir em
torno delas. O modo de vida anterior, baseado no artesanato, no trabalho
doméstico, na economia agrícola, perde espaço e importância para a cres-
cente economia industrial. Dias (2010, pp. 22-24) aponta que as tendên-
cias gerais dessas transformações trouxeram as seguintes consequências:
a) O trabalho humano foi progressivamente substituído por máquinas.
A produção, dessa forma, sofre forte impulso, pois as máqui-
nas permitem produzir em maior quantidade e mais rapida-
mente do que o trabalho artesanal;
b) A divisão do trabalho se torna a forma predominante de produção
O trabalhador que antes detinha todo o processo de produção
do seu trabalho (como o caso do artesão, por exemplo), passa a
se especializar em áreas de trabalho cada vez mais específicas,
empobrecendo suas qualificações. Essa forma de organização
do trabalho também permite o aumento da produtividade.
c) Mudanças culturais no trabalho
A passagem do trabalho artesanal, do ambiente rural para o
trabalho nas fábricas e nas indústrias não se fez de forma pa-
cífica e automática pelos indivíduos. Ao contrário, o trabalho
dividido, industrial impunha uma disciplina e novos hábitos
que o trabalhador rural ou doméstico desconheciam. Nesse
novo contexto, era necessário se sujeitar ao controle externo, à
supervisão exercido pelos empresários. Além disso, com a di-
visão e crescente especialização, há um empobrecimento inte-
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lectual do trabalho e os donos das fábricas e indústrias podiam


contratar mulheres e crianças por um salário inferior ao que
pagavam aos homens. É fundamental destacar aqui que a di-
visão do trabalho se faz também entre o empresário/ burguesia
38
Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético – Capítulo 2

(dono dos meios de produção e das fábricas) e o trabalhador/


operário (que possuía apenas sua força de trabalho).
d) Surgimento de novos papéis sociais
Com a Revolução Industrial surgem as figuras do empresário
capitalista e do operário. O empresário é o dono dos meios de
produção (máquinas, fábricas, instrumentos, matérias-primas,
etc); enquanto o operário é o portador da força de trabalho,
essencial para o desenvolvimento da produção. É da distinção
desses dois papéis que Marx caracteriza as duas classes sociais
fundamentais na compreensão do capitalismo: burguesia e
proletariado.
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O cenário que se visualizava nesse processo de consolidação do sis-


tema capitalista trazia uma nova realidade, permeada de novos problemas
sociais. Dentre eles, a precarização das condições de vida com a intensa
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migração das áreas rurais para as áreas urbanas e o surgimento de graves


problemas: miséria, doenças, surtos de violência, prostituição, suicídios,
epidemias, etc. Além disso, nessa etapa inicial do capitalismo, não havia
regras e nenhum direito trabalhista. Era comum, dessa forma, jornadas
diárias de até 16 horas de trabalho, inclusive para crianças.
Esse cenário, tal como temos visto nessa disciplina, justamente
pelas intensas transformações que trazia, constituiu-se no objeto por exce-
lência de estudos para os filósofos, economistas e, também, para os recen-
tes sociólogos da época. A sociedade passa a ser objeto de análise.
39
Sociologia da Educação

2.3  A compreensão de sociedade para Marx


Marx define a sociedade de uma maneira bastante particular. A so-
ciedade humana, para ele, é constituída não por meio da consciência co-
mum (como defende Durkheim), mas sim, por meio do trabalho comum.
Ou, melhor dizendo, pela forma como os indivíduos se organizam para
produzir. É a partir da forma como se dá essa organização, que ele chama
de modo de produção, que se estabelecem todas as demais relações so-
ciais. Na sociedade capitalista, por exemplo, está na relação entre capita-
listas e operários toda a base da estrutura social.
O modo de produção é tão decisi- Modo
vo na formação das relações sociais de produção se
refere à forma como está orga-
e, portanto, das sociedades, que nizada a produção num determinado
Marx argumenta que é possível período do desenvolvimento da civilização
compreender toda a história da humana. Assim, cada época da história huma-
na possui um modo de produção específico. O
civilização humana a partir dos modo de produção compreende as forças produti-
seus modos de produção, isto vas (meios técnicos, matérias-primas, infraestrutura,
é, das forças econômicas e de energia, tecnologia, etc) e as relações de produção
(forma como está organizado o trabalho).
trabalho. Toda forma social tem Segundo a perspectiva marxista, em toda a
uma forma histórica de trabalho história humana existiram 06 modos de
produção: Primitivo, Asiático, Escra-
e no capitalismo essa forma é o vista, Feudal, Capitalista e
trabalho assalariado. É dessa relação Comunista.
de compra e venda do trabalho que deri-
vam todas as demais relações.
Mas essa realidade material é também contraditória, formada por
forças opostas e antagônicas. Vamos imaginar novamente a sociedade ca-
pitalista: ao mesmo tempo em que ela gera grande riqueza, gera também
miséria e desigualdade. Mas a contradição principal reside, sobretudo, no
campo da produção e das relações de produção, novamente, no modo de
produção. Todo modo de produção é composto, sempre, por duas classes
antagônicas, onde a existência de uma depende necessariamente da outra.
Vamos explicar melhor esse ponto.

2.3.1  Método dialético


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Tomamos como exemplo a relação entre o escravo e o senhor: é


óbvio o papel de cada um deles, não se confunde o escravo com o senhor
e vice-versa. Mas, ao mesmo tempo, são papéis antagônicos; não há equí-
40
Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético – Capítulo 2

voco entre um papel e outro. No entanto, a compreensão do que é um e


outro depende do outro e não de si mesmo. O escravo não é escravo por si
mesmo e o senhor não é senhor por si mesmo. O escravo é escravo porque
é explorado pelo senhor. Ele produz para o senhor. Mas se o escravo parar
de produzir, o senhor deixa de existir como senhor e como ser social. Da
mesma maneira, o senhor é senhor do escravo, o domina, vende e compra,
mas ele depende do escravo para que se reconheça nele o papel do senhor.
Ou seja, o escravo é escravo e senhor; e o senhor é senhor e escravo. E a
compreensão de um e de outro só é possível a partir desse antagonismo.
Mas, sobretudo, é a contradição entre eles que faz com que a história se
movimente. Captar a contradição entre eles, é captar a história de um tipo
de sociedade. Assim, não é a permanência que explica as coisas, mas sim o
conflito, a contradição. Chamamos isso de dialética. Incorpora e, ao mesmo
tempo, nega. Uma sociedade avançada, em tese, incorpora e nega a anterior.
Para Marx, o conhecimento sociológico é construído a partir das
contradições da realidade social. Essa realidade é também histórica,
construída pelos homens. Portanto, a forma de análise da sociedade deve
considerar essa historicidade ao mesmo tempo em que considera a impor-
tância do homem como produtor da própria história. Aqui, entretanto, é
preciso destacar que o homem não constrói sua história apenas como de-
seja ou, ainda, por acidente ou circunstâncias aleatórias. O homem produz
a própria história por meio do trabalho. A história é, portanto, resultado
da atividade humana, e são as formas dessa atividade que determinam a
consciência e não contrário. O que os homens são depende das condições
materiais de sua existência.

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como que-
rem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aque-
las com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
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passado (MARX, 1997, p 21).

O trabalho é a atividade que, segundo Marx, distingue a espécie


humana das demais. O trabalho possui a característica de produzir não
apenas o que homens necessitam, mas, sim, produzir acima do que é ne-
cessário para a própria sobrevivência, gerar riqueza. Ao final, as próprias
relações saem alteradas.

41
Sociologia da Educação

O homem não produz apenas objetos; ao mesmo tempo em que


ele produz objetos, ele produz relações sociais e produz ideias que
justificam essas relações. Dizendo de outra maneira, para que os
homens possam produzir, em condições determinadas, os objetos de
que necessitam, precisam estabelecer relações sociais uns com os
outros e, ao mesmo tempo, precisam ter uma justificativa e interpre-
tação para essas relações (FORACCHI; MARTINS, 2008, p. 3-4).

2.3.2  O materialismo histórico


Uma das passagens mais conhecidas da obra de Marx é, também,
aquela que revela o centro do seu pensamento. E este consiste em tomar o
modo de produção hegemônico como categoria que permite a compreen-
são das relações sociais e da consciência dos indivíduos. Assim, diz o au-
tor, “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência”. (MARX; K. ENGELS, 1998, pp. 19-20). Em outros termos,
o autor afirma que só é possível determinar como pensa uma sociedade a
partir da forma como ela organiza o seu modo de produção.
Para Marx, diferentemente de Durkheim, não é possível conhecer
a relação entre os indivíduos e o meio social sem levar em consideração
a forma como esses indivíduos se organizam para produzir e, por con-
sequência, a forma como eles distribuem o que é produzido. Essa ideia
pode ser melhor compreendida a partir da relação entre os conceitos de
infraestrutura e superestrutura, base da estrutura social. Vamos ver a que
se refere cada um deles.
Marx chama de infraestrutura tudo aquilo que faz parte da base ma-
terial da sociedade, isto é, a organização econômica do modo de produção
e as relações de produção. Isso, basicamente, envolve a economia, os
meios de produção (tecnologias, matéria-prima, equipamentos, força de
trabalho), as forças produtivas (recursos que são extraídos da natureza) e
as relações de produção (forma como está organizado o trabalho).
Sobre essa base econômica é que ergue-se a superestrutura: normas,
valores, ideias, leis, moral, ética, religião, arte, enfim, o conjunto político
e ideológico da sociedade.
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A sociedade é formada pelo movimento constante entre essas duas


esferas, em constante interação dialética, sendo que a infraestrutura deter-
mina a forma da superestrutura. Em outras palavras, a consciência de uma
sociedade é reflexo da sua base material. Este ponto será retomado mais a
42
Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético – Capítulo 2

frente quando falarmos de ideologia. Dessa maneira, o pensamento é con-


sequência das condições materiais.

Modo de
produção

Infraestrutura Define Superestrutura

 Forças produtivas  Política


 Relações de produção  Ideologia
 Economia  Normas, valores,
 Organização do regras
trabalho  Moral
 Ética
 Religião
 Leis

O princípio da teoria materialista consiste, então, em tomar a base


material da sociedade como o ponto inicial de entendimento de uma de-
terminada organização social e de todas as relações sociais que nela exis-
tem. O caráter econômico se sobrepõe ao social. Assim, à medida que as
relações econômicas se transformam, também se transformam os modos
de consciência e as relações que fundamentam a sociedade. E como se dá
essa mudança? O que motiva as transformações sociais?
A resposta marxista para essa questão está no conceito de luta de
classes. Para Marx, a luta de classes é o motor da história: “A história de
todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das
lutas de classe” (MARX; ENGELS, s/d, p. 22).
Você se lembra que dissemos acima que a realidade é contraditória,
formada por forças antagônicas? Pois bem, a perspectiva marxista afirma
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que toda estrutura social, em qualquer época histórica, é formada por duas
classes: opressoras e oprimidas. Entre elas, se realiza uma luta constante,
ora velada, ora aberta, que acaba por transformar a estrutura social, crian-
do um novo modo de produção onde serão criadas novas classes e assim
sucessivamente. No sistema capitalista, modo de produção hegemônico
da sociedade moderna, há duas classes sociais: a burguesia (donos dos
meios de produção) e a classe trabalhadora ou proletariado (donos da
força de trabalho). Como sabemos, a perspectiva marxista aponta que
essa relação é uma relação de exploração que apenas terá fim, segundo
43
Sociologia da Educação

Marx, com a transição do capitalismo para o comunismo quando, então, a


sociedade já não mais seria organizada com base nas classes sociais. Essa
transição seria possível quando os trabalhadores tomassem o controle dos
meios de produção, determinando o fim do trabalho assalariado.

Para compreender a forma de exploração na sociedade capitalista é funda-


mental a noção de mais-valia, um dos conceitos criados por Marx. Mais-valia é
o excedente não pago ao trabalhador. É o que entendemos, em alguma medida,
como lucro. O resultado do trabalho é vendido por um valor maior do foi gasto na
sua produção (incluindo a matéria-prima e o salário pago pela força de trabalho
empregada). O ponto aqui é que esse excedente não é repassado ao trabalhador.
Para Marx, isso caracteriza a exploração, uma vez que esse valor a mais que foi
gerado pela força de trabalho é tomado pelo empresário capitalista.

Temos até aqui, portanto, que a sociedade moderna ou capitalista


organiza-se a partir de um modo de produção que explora a força de tra-
balho, gerando a diferença e desigualdade entre as classes. Essa relação de
exploração traz para a discussão a questão da dominação, ou, melhor di-
zendo, da forma de dominação na sociedade capitalista. Compreendemos
essa relação, na perspectiva marxista, a partir do conceito de ideologia.

2.4  Marx e a definição de ideologia


A formulação do conceito de O princípio da
ideologia é uma das passagens teoria de Marx era entender
a criação histórica da sociedade
mais importantes da obra de capitalista e das complexas relações
Karl Marx. Essa teoria foi de- que então se consolidaram. O autor está
senvolvida por ele e Engels olhando, assim, para a sociedade marcada pela
revolução industrial, nos séculos XVIII e XIX e
na obra A Ideologia Alemã, pela urbanização. Ele analisa a forma como essa
com a intenção de demons- sociedade organiza o modo de produção e como
esse modo influencia, por sua vez, a formação
trar como as representações de novas relações sociais; de novos modos
que os homens fazem da vida de dominação e de produção e trans-
é diferente da vida como ela de missão de ideias.
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fato é. Este pressuposto é bastante


importante para entendermos os signi-
ficados e o processo de construção da ideologia no pensamento marxista.

44
Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético – Capítulo 2

A concepção de Marx sobre o conceito de ideologia tornou-se refe-


rência nas ciências humanas, sendo retomada como ponto de debate tanto
por seus críticos quanto por seus seguidores. Encontramos no entendi-
mento marxista sobre ideologia, pelo menos, dois princípios essenciais:
1. Princípio da inversão, ou, em outros termos, a inversão da
realidade.
2. O entendimento de que a ideologia, nas sociedades modernas,
representa novas formas de poder e dominação exercidas pelas
classes dominantes.
Essas perspectivas já apontam para forma como a construção da de-
finição de ideologia se fez no pensamento marxista. Isto é, nessa concep-
ção a ideologia está atrelada ao sistema capitalista, mais precisamente, ela
se configura como um mecanismo criado para camuflar as contradições
sociais criadas por esse sistema, “disfarçando” o real. Por isso, o autor
diz que ela “inverte o real”, pois não nos diz de que forma são criadas as
ideias, os valores e as normas que determinam a maneira como constru-
ímos e enxergamos a realidade social. Essa concepção que atrela a ideo-
logia à dominação é conhecida como a concepção crítica de ideologia e
tem em Marx o seu mais importante representante.
Aqui já podemos então ter uma dimensão do significado de ideo-
logia para Marx: trata-se do conjunto de ideias dominantes, criadas para
garantir a dominação. Mas são ideias criadas por quem? E para garantir
qual dominação?
Para respondermos essas questões, é preciso retomar alguns pontos
que vimos agora há pouco quando abordamos o materialismo histórico
dialético. Você se lembra?
O método materialista histórico dialético é o princípio do pensa-
mento marxista e importante corrente metodológica da Sociologia. Em
resumo, é uma forma de análise da sociedade que tem como premissa o
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fato de que só podemos conhecer uma organização


social a partir da sua materialidade que, aqui, Conexão:
significa a forma como essa sociedade se orga- Assista ao vídeo “Clássi-
cos da Sociologia – Karl Marx”,
niza para produzir, ou, o modo de produção.
onde são discutidas algumas das
Essas forças materiais são a infraes- principais ideias do autor, entre elas,
trutura da sociedade, ou seja, as bases nas a perspectiva materialista da história.
Disponível em http://www.youtube.
quais a sociedade se assenta e se desenvolve. com/watch?v=2DmlHFtTplA
Mudando o modo de produção, muda necessa-
riamente a organização e as relações sociais en-
45
Sociologia da Educação

tre os indivíduos. A preocupação de Marx, entre outras, é entender como


essa vida material se articula com a consciência dos indivíduos. Como vi-
mos, na perspectiva do materialismo histórico, são as condições materiais
que determinam as ideias, o pensamento, as normas, as religiões, a arte,
enfim, a superestrutura.

Em consequência desse fato, a moral, a religião, a metafísica e todo


o resto da ideologia, assim como as formas de consciência que lhe
correspondem, perdem logo toda aparência de autonomia. Não têm
história, não têm desenvolvimento; são, ao contrário, os homens
que, desenvolvendo sua produção material e suas relações mate-
riais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, seus pen-
samentos e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência (MARX;
K. ENGELS, 1998, p. 19-20).

Temos, portanto, que o modo de produção é a base na qual se assen-


ta a estrutura social e onde serão travadas as relações sociais.

Segundo Marx, as condições materiais vigentes na sociedade é que


determinam nosso pensamento e nossa consciência. Ele dizia que
não eram os pressupostos espirituais que levavam a modificações
materiais, mas exatamente o oposto: as condições materiais é que
determinariam, em última estância, as espirituais [...]. sua posição
materialista pressupõem que a existência precede a consciência
(FERREIRA, 2009, p. 54).

Como sabemos, o modo predominante em nossa época, é o capita-


lista que se caracteriza, sobretudo, pela exploração da força de trabalho
de uma classe (proletariado) por outra (burguesia). Assim, conforme
Marx, as relações sociais na sociedade capitalista definem a sociedade
de classes. A relação entre essas classes, por sua vez, é uma relação de
exploração que só é possível ser mantida graças à ideologia que oculta,
justamente, as contradições geradas nesse sistema.
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Os pensamentos da classe dominante são, também, em todas as


épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe
que é o poder material dominante numa determinada sociedade é
46
Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético – Capítulo 2

também o poder espiritual dominante. A classe que dispõem dos


meios da produção material dispõem também dos meios da pro-
dução intelectual [...] os pensamentos dominantes nada mais são
do que a expressão ideal das relações materiais dominantes; eles
são essas relações materiais dominantes consideradas sob formas
de ideias [...] em outras palavras, são as ideias de sua dominação
(MARX; K. ENGELS, 1998, p. 48).

A ideologia, na perspectiva marxista é, portanto, sempre a ideologia


da classe dominante, produzida e transmitida por essa própria classe. A
ideologia ajuda a ocultar, como uma espécie de véu, os conflitos e contra-
dições da realidade social. O sistema é assim constantemente reproduzido,
mantendo os interesses das classes dominantes, ocultando as relações de
exploração. Por exemplo: “os valores de liberdade e igualdade presentes
no nível do mercado são ideológicos, pelo fato de ocultarem a falta de
liberdade e desigualdade no nível da produção” (SCOTT, 2010, p. 105).
Ou, então, a ideia frequentemente difundida de que a desigualdade social
não é resultado da exploração, mas, sim da falta de empenho pessoal. Ou,
ainda, é como trabalhar para comprar o carro que nos deixará mais rápi-
dos, mais poderosos; ou ainda, comprar as roupas de determinada marca,
pois nos deixarão mais elegantes ou jovens; ou consumir determinados
produtos que nos darão algum status. As ideias trazidas por esse consumo
nos fazem pensar que estamos consumindo esses valores, mas ocultam o
fato de que, ao consumirmos, estamos na verdade, enriquecendo as em-
presas produtoras deles.
A teoria marxista sobre ideologia buscava assim, revelar essa falsa
consciência acerca das relações sociais estabelecidas e do ocultamento
das contradições sociais.
Situando os principais pontos da definição de ideologia por Marx,
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temos, portanto, que:


1. As ideias não tem vida própria. Assim como todas as repre-
sentações, a ideologia é produto das relações sociais que os
homens vivem.
2. A ideologia possui, portanto, uma base concreta, real: relações
sociais, mas que são invertidas.
3. Ideologia, na concepção marxista, é sempre a da classe do-
minante.

47
Sociologia da Educação

4. Se o real fosse visível, a dominação da classe dominante teria


fim, pois a exploração de uma classe sobre a outra seria revelada.
5. A ideologia inverte o real, tornando natural aquilo que foi so-
cialmente produzido. As relações sociais, inclusive as de explo-
ração, são naturalizadas e deixam, portanto, de serem criticadas.

2.5  Sintetizando
Vimos nesse capítulo algumas ideias do pensamento marxista que
revelam a complexidade da sua obra e teoria. É possível sintetizá-las nas
ideias abaixo:
1. A compreensão da relação entre o indivíduo e a sociedade é
indissociável das condições materiais nas quais essa relação
se apoia;
2. Compreender a realidade, assim, implica em compreender
como os homens se organizam para produzir;
3. Toda realidade é contraditória e a compreensão dessa realidade
implica, necessariamente, na análise dessa contradição.
4. A contradição, segundo a teoria marxista, nasce no modo de
produção. É ele quem irá gerar os antagonismos da realidade.
5. Na perspectiva marxista é preciso, portanto, compreender
como os homens organizam sua produção para então entender
como se forma a consciência e o pensamento.
6. A sociedade capitalista se caracteriza pela exploração da força
de trabalho;
7. Essa exploração, assim como todos os antagonismos gerados
por ela, são camuflados pela ideologia.
8. Ideologia, na perspectiva marxista, é o conjunto de ideias do-
minantes que servem para camuflar a realidade, encobrindo
suas contradições.

Atividades
01. Defina o método materialista histórico.
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02. E
 xplique as noções e infraestrutura e superestrutura. Como se dá a
relação entre essas duas noções.

48
Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético – Capítulo 2

03. E
 xplique o sentido da frase: “Não é a consciência que determina a
vida, mas a vida que determina a consciência”.

04. O que é ideologia?

05. Qual o sentido, na perspectiva marxista, de “inversão do real”?

06. Na teoria marxista, qual a relação entre ideologia e classe?

Reflexão
Independente de concordarmos ou não com as perspectivas mar-
xistas, suas reflexões sobre o sistema capitalista são fundamentais para
compreendermos como se formam as relações sociais nessa sociedade. A
novidade trazida pela teoria marxista é a interpretação de todas as relações
e, sobretudo, da formação da consciência individual a partir das condições
econômicas e produtivas nas quais a sociedade está assentada. As formas
de pensar, a consciência e o próprio sistema de ideias dominantes são
tomados como reflexo da vida material dos homens. Essa relação, aponta
Marx, indica a complexidade das formas de exploração e diferenciação
na sociedade capitalista, ao mesmo tempo, em que indica as condições de
superação dessa realidade.

Leitura recomendada
Karl Marx Friedrich Engels. A ideologia alemã.
Nessa obra, encontramos a construção da noção de materialismo
histórico.
Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/
EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

ideologia-alema-oe/

Marta M. Assumpção Rodrigues. Suicídio e sociedade: um estudo


comparativo de Durkheim e Marx.
Nesse artigo, a autora faz uma abordagem do suicídio tomando as
perspectivas de Durkheim e Marx, o que nos permite comparar as inter-
pretações dos dois autores.
Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1415-47142009000400006&lng=pt&nrm=iso
49
Sociologia da Educação

Referências bibliográficas
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1980.

DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson, 2010.

MARX; K. ENGELS. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes,


1998.

MARX, Karl. O 18 brumário e cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1997, p. 21

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista.


São Paulo: Escriba, s/d, p. 22.

SCOTT, John. Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

No próximo capítulo
No próximo capítulo veremos a influência das abordagens clássicas
da Sociologia, como o funcionalismo e o marxismo, na contemporaneida-
de, especialmente na Sociologia da Educação e nas relações entre educa-
ção, cidadania e emancipação. Analisaremos as teorias do filósofo italiano
Antonio Gramsci e dos filósofos e educadores brasileiros Pedro Demo e
Paulo Freire. Nos vemos lá!
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50
Educação e Cidadania:
as Abordagens de Gramsci,
Paulo Freire e Pedro Demo
3 Neste capítulo, estudaremos algumas perspec-
lo
tivas que pensam a educação e sua influência nos
processos de cidadania. Veremos essa análise a partir
ít u

das concepções de importantes pensadores da contempo-


raneidade que trataram do papel da educação na formação
Cap

da autonomia do indivíduo: o italiano Antonio Gramsci e os


brasileiros Paulo Freire e Pedro Demo.

Objetivos da sua aprendizagem


Ÿ Compreender a perspectiva de Gramsci.
Ÿ Estudar os conceitos de ideologia e hegemonia.
Ÿ Conhecer as perspectivas teóricas que abordam a educação como
possibilidade de transformação social.
Ÿ Compreender a relação entre educação e autonomia em Paulo Freire.
Ÿ Estudar a perspectiva de Pedro Demo: “Educar para a pesquisa”.

Você se lembra?
Você se lembra da teoria marxista: Materialismo Histórico Dialético,
que vimos no capítulo anterior? Nessa perspectiva, Marx sustenta que as
desigualdades de classes e relação entre opressores e oprimidos são ex-
plicadas a partir da infraestrutura, isto é, do modo material de produção.
A influência marxista é significativa nas abordagens dos autores que
veremos neste capítulo. Mas, aqui, as possibilidades de transformação
social são pensadas a partir da infraestrutura, especialmente da rela-
ção entre educação e política.
Sociologia da Educação

3.1  Introdução
A educação e a escola são objetos de estudos das ciências humanas
desde as suas origens. Grandes pensadores já se ocuparam da análise des-
sa instituição, como Aristóteles, na Grécia Antiga, e a defesa da instrução
para a virtude, passando por Santo Agostinho e Tomás de Aquino, na Idade
Medieval, chegando à Idade Moderna, com Comênio e a sistematização da
Pedagogia e da didática ou, ainda, as teorias positivistas de Auguste Comte
e Émile Durkheim. Ainda que todos esses autores, e muitos outros que aqui
não foram citados, tenham pensado a educação e os sistemas de ensino sob
um enfoque crítico e também como um direito de todas as pessoas, foi ape-
nas no século XX que os debates em torno da escola passaram a questionar
a neutralidade ou independência dessa instituição do meio social ou, ainda,
das tensões e contradições que compõem esse meio.
Nesse sentido, abordagens contemporâneas sobre a escola e os
sistemas de ensino questionam, justamente, o papel dessa instituição na
reprodução e manutenção da ordem social, como forma de inclusão ou
exclusão, como reprodutora das contradições do sistema capitalista e das
ideologias dominantes. São, assim, abordagens que olham para a edu-
cação e sua relação com a política e com o contexto social mais amplo,
inserindo-a no conjunto das estruturas sociais e, portanto, influenciadas
pelas tensões sociais. Ao mesmo tempo, essas abordagens apontam para
a educação e o sistema escolar como os caminhos possíveis para a au-
tonomia do indivíduo, para a aprendizagem do exercício da cidadania e,
também, para o desenvolvimento do olhar crítico sobre a própria posição
social e a realidade, enfim, para as possibilidades de transformação social.
Dessa forma, as práticas educacionais e pedagógicas são analisadas
na sua relação com a sociedade capitalista, especialmente sob influência
do pensamento marxista, assim como o papel do educador e sua relação
com o educando. Ganha destaque a noção de cidadania e da construção da
autonomia do ato de aprender e conhecer.
Sob essas perspectivas é que analisaremos, nesse capítulo, as contri-
buições para a educação e o papel da escola na formação política e cidadã
de três importantes filósofos e educadores da era contemporânea: o pensa-
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dor italiano Antonio Gramsci e os brasileiros Paulo Freire e Pedro Demo.


Veremos alguns dos principais conceitos e formulações desses autores
na concepção de uma educação transformadora. Vamos conhecer melhor
essas abordagens?
52
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3

3.2  Antonio Gramsci


Antonio Gramsci (1891-1937) é considerado um dos principais au-
tores de influência marxista do século XX. Sua obra não trata especifica-
mente da abordagem pedagógica ou mesmo dos processos escolares, mas,
por ter pensado a sociedade capitalista em sua totalidade, especialmente,
a partir do plano superestrutural, é possível considerar a importância dos
seus conceitos e análises desenvolvidos para pensarmos a possibilidade
de uma educação de fato transformadora. Crítico da sociedade capitalista
e da sociedade de classes, Gramsci defendeu a formação de uma cultura
contra hegemônica capaz de levar a uma ação política, liderada por inte-
lectuais e que tivesse na escola e na educação suas principais aliadas.
WIKIPEDIA

Gramsci nasceu em Sardenha, na Itália, em 22 de janeiro de 1891.


Bom aluno, foi vencedor de um prêmio que o levou a estudar literatura na
Universidade de Turim. Nesse período, a Itália passava por um momento
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de consolidação do capitalismo, num intenso processo de industrialização


e o início de formação de grandes corporações. Ao mesmo tempo, com
o aumento do recrutamento de trabalhadores em todo o país para traba-
lharem nas fábricas e nas indústrias, há um fortalecimento dos sindicatos
e aumento dos conflitos trabalhistas. O pensamento e os movimentos de
esquerda começam a ganhar força com o surgimento dos partidos de es-
querda, entre eles o Partido Socialista Italiano do qual Gramsci foi filiado
e um dos principais líderes desde a sua fundação. Sua atuação política o

53
Sociologia da Educação

levou à Rússia no mesmo momento em que na Itália o regime fascista de


Mussolini se consolidava. De volta ao seu país de origem e disposto a
reunir os partidos e movimentos de esquerda numa tentativa de conter o
Fascismo, Gramsci elegeu-se deputado em 1924. Em 1926, Gramsci foi
preso e condenado a vinte anos de prisão. Sua saúde, desde sua prisão,
ficou profundamente abalada e, em 1934, ele recebeu direito à liberdade
condicional, falecendo logo em seguida, aos 46 anos.
A prisão representa um momento importante na produção da obra
de Gramsci. Autor de textos sobre literatura e teoria política publicados
em jornais de esquerda italianos e em outros países, foi, entretanto, na
prisão que ele escreveu duas das suas principais obras: Cartas do cárcere,
com mensagens destinadas a parentes e amigos, e Cadernos do cárcere,
obra de 2.848 páginas, publicada apenas após a morte do escritor. São,
sobretudo, essas obras que trazem as reflexões de
Gramsci acerca da ação política, das contradições Conexão:
do sistema capitalista, do papel dos intelectuais Assista ao filme Antonio
na organização da cultura, da história da Itália e Gramsci – Os dias de cárcere,
que trata dos anos em que
o papel do nacionalismo, bem como da concep- Gramsci esteve preso, vítima da
ção marxista de Estado, a noção de hegemonia perseguição do regime Fascista
de Mussolini.
cultural, a importância da sociedade civil e, ain-
da, ideias sobre a teoria crítica e educacional e o
papel dos intelectuais.

3.2.1  Gramsci: o conceito de hegemonia e sua


relação com a escola
Gramsci defendia que todas as pessoas podem ser intelectuais, na
medida em que todas possuem um intelecto e são racionais. Entretanto,
ele aponta a diferença entre a possibilidade do ser intelectual e a função
do intelectual na sociedade. Este último, o que exerce a função de intelec-
tual, é que possibilitaria a organização de ações que levassem à transfor-
mação de práticas sociais, especialmente das classes oprimidas. Por essa
razão, Gramsci aponta a necessidade de uma educação que possibilite o
surgimento desses intelectuais que partilhem dos mesmos sentimentos,
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aspirações e necessidades das massas trabalhadoras. Esse modelo educa-


cional influenciou a formação da Pedagogia Crítica, na qual os estudantes
seriam levados a pensar criticamente a própria situação educacional, reco-
nhecendo seus limites, problemas e experiências individuais e relacionan-
54
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3

do esses ao contexto social mais geral, de tal maneira que isso possibili-
tasse o olhar crítico e transformador da realidade. No Brasil, Paulo Freire
é um dos educadores que teorizaram e praticaram essa perspectiva, como
veremos mais à frente.
Retornando à Gramsci, as ideias descritas acima se relacionam
diretamente à noção de filosofia da práxis de-
senvolvida pelo autor, de origem marxista, Práxis
é, portanto, uma
que remete à ideia de transformação atividade teórico-prática, na
material da realidade. Ou seja, a prá- qual a teoria possibilita as mu-
xis é o fundamento da teoria que nos danças nas práticas sociais, ao passo
que novas práticas sociais possibilitam a
leva aos instrumentos que possibi- mudança na teoria. A práxis é, assim, uma
litariam a ação visando à transfor- atividade de transformação da realidade que
mação das estruturas sociais. Essa permite a construção de novas ideias, saberes,
desejos, experiências, vontades que, por sua
noção é essencial para compreen- vez, determinam a criação de novas práticas
dermos a educação, para esse autor, sociais. Em Marx, a práxis revolucionária
seria aquela que levaria ao fim da
mas, antes, é preciso apontar ainda
exploração do trabalho.
outros conceitos que nos auxiliam nessa
compreensão.

Souza Neto (2009) aponta que, para compreendermos o sentido des-


sa ação transformadora em Gramsci, é preciso entendermos o significado
de ideologia mencionado por esse autor. A ideologia é aqui entendida
como uma concepção de mundo, da realidade, que se manifesta implici-
tamente em todas as manifestações da vida individual e coletiva, seja na
arte, na economia, seja nos valores, no direito etc. e, também, nos proces-
sos educacionais. Se cada classe tem uma ideologia, isto é, uma visão do
mundo, o fato é que a classe dominante detém o poder de criar e difundir
também a ideologia dominante.
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Cada classe social tem sua ideologia: visão de mundo, valores, éti-
ca, projetos de vida individual e coletiva. A ideologia da classe que
tem o domínio e a direção da sociedade é a ideologia dominante:
cimento que une a estrutura da sociedade capitalista. Esta ideologia
é elaborada pelos intelectuais orgânicos desta classe que detém este
poder. No atual bloco histórico, a burguesia detém a hegemonia do
sistema e é necessário que as classes subalternas, pela filosofia da
práxis elaborada, de modo especial, por seus intelectuais orgânicos,
construam a crítica da ideologia dominante com a finalidade de
superá-la (SOUZA NETO, 2009).

55
Sociologia da Educação

Pela noção de ideologia é que ganha sentido um dos conceitos cen-


trais em Gramsci: o conceito de hegemonia. Este diz respeito exatamente
ao domínio e direção de uma classe social, a dominante, sobre as demais,
num determinado período histórico. Esse domínio pode ser obtido de duas
formas: uma delas é a coerção, ou seja, o uso da força. A força é garantida,
sobretudo, pelas instituições políticas e jurídicas, especialmente, pelas
leis e pelo aparato policial-militar, sob comando do Estado, a quem cabe
o monopólio da força e da violência legítima. O domínio pelo consenso,
por sua vez, se realiza, justamente, pela esfera ideológica, pela esfera
da cultura, isto é, pelo conjunto de valores morais, ideias e padrões de
comportamento, definidos pela classe dominante, e que se impõe a todos
ou, pelo menos, à maioria da sociedade e que passa a definir as bases das
relações sociais. Hegemonia aqui é definida, sobretudo, na esfera cultural.
A transformação da realidade por meio da consolidação da ação contra-
-hegemônica seria, portanto, definida na esfera da cultura.
Nesse sentido é que, em Gramsci, toda relação hegemônica é tam-
bém uma relação pedagógica na medida em que envolve a aprendizagem
dos padrões e regras de comportamento que promovem “tanto uma atitude
passiva diante da dominação quanto ou, então, o seu contrário: a consci-
ên-cia crítica e a luta político-ideológica” (SOUZA NETO, 2009), uma
vez que as classes oprimidas, para se libertarem da opressão, necessitam
elaborar a própria ideologia.
Nesse ponto, já podemos compreender como Gramsci contextualiza o
papel da escola. Para ele, a instituição escolar funciona como um espaço de
duplo papel no que diz respeito à hegemonia. Por um lado, como parte de
um meio social definido a partir da hegemonia dominante, a escola funciona
como reprodutora dessa ideologia, possibilitando a manutenção da ordem
social vigente. Por outro lado, a escola também pode possibilitar processos
de transformação ou superação da ordem social, auxiliando os alunos a des-
vendarem os mecanismos e a ideologia de dominação permitindo, assim, o
olhar crítico sobre si e sobre a realidade e, ainda, a construção de um pensa-
mento contra-hegemônico. Conforme aponta Fortunato (2009):

Isto implica delinear as características da escola, do trabalho huma-


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no, em desvendar os mecanismos de sua produção, reprodução e


superação em evidenciar, entre eles, os que constituem a base sobre
a qual irá ser construída a identidade da classe trabalhadora e sua
capacidade de se tornar classe dirigente.

56
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3

Nesse sentido, fica claro que, em Gramsci, um dos papéis centrais


que a escola pode assumir é exatamente o de proporcionar aos alunos as
ferramentas necessárias para que eles possam desenvolver o autoconhe-
cimento e a compreensão da realidade histórica e das relações sociais das
quais faz parte, identificando, dessa forma, os códigos de dominação e
sujeição que pautam as relações sociais na sociedade capitalista.

3.2.2  Escola e cidadania


A educação e a escola assumem, na visão de Gramsci, uma posição
estratégica na luta pela transformação da realidade, uma vez que, em sua
perspectiva, qualquer possibilidade de transformação da estrutura social
passa, primeiramente, por uma mudança de mentalidade, por uma mudan-
ça cultural.

A escola é o instrumento para elaborar os dirigentes de diversos
níveis. A complexidade da função intelectual nos vários Estados
pode ser objetivamente medida pela quantidade das escolas espe-
cializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a área
escolar [...] tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização
[...] (GRAMSCI, 1968, p. 38).

A própria construção da cidadania, dessa forma, encontraria na


instituição escolar o espaço por excelência para sua realização. Nesse
sentido, a escola deveria, segundo Gramsci, ser orientada para a formação
cultural e humanista das massas, possibilitando a formação de uma cons-
ciência coletiva que desenvolvesse a inteligência e a consciência. A for-
mação educacional seria voltada, portanto, à liberdade. A filosofia da prá-
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xis, como vimos anteriormente, dar-se-ía, portanto, no ambiente escolar.


A conquista da cidadania, dessa forma, seria orientada pela possibilidade
de identificação da ideologia dominante e das formas de superação desta.
A teoria de Gramsci teve influência significativa na formulação da
pedagogia crítica e na formação intelectual de importantes educadores
brasileiros, como veremos a seguir.

57
Sociologia da Educação

3.3  As abordagens progressistas no contexto brasileiro


É considerável a produção de pesquisas acadêmicas e mesmo de
ações práticas em salas de aula relacionadas à análise da educação e do
sistema escolar no Brasil, especialmente na década de 1980. Parte dessa dis-
cussão passa a ser pautada pela análise da edu-
Entre
cação formal e não formal e suas relações os autores bra-
com a sociedade capitalista, numa re- sileiros que interpretaram a
flexão iniciada em décadas anteriores relação entre educação e o sistema
capitalista, destacam-se Paulo Freire,
– entre elas, o período da Ditadura Florestan Fernandes, Marilena Chaui, Mau-
Militar –, mas que ganha volume nas rício Tragtenberg, Moacir Gadotti, Dermeval
duas últimas décadas do século XX. Saviani, Luiz Antonio Cunha, Carlos Roberto
Jamil Cury, José Carlos Libâneo, Bárbara
Freitag, Mirian Jorge Warde, Maria Helena
O papel da escola, das prá- Souza Patto, Maria de Lourdes Chagas
ticas pedagógicas, das funções do Deiró Nosella, Ester Buffa e Paolo
Nosella.
corpo administrativo e pedagógico
(como professores, coordenadores, su-
pervisores), os currículos, enfim, o sistema
educacional formal entendido de maneira mais ampla,
passa a ser analisado tendo como contexto histórico e social o processo
de democratização do país, após mais de 20 anos de Ditadura Militar, e a
política do desenvolvimentismo que inseria o Brasil na condição de país
desenvolvido quanto ao capitalismo internacional. Mesmo antes, durante
a Ditadura Militar, foram produzidas importantes obras e interpretações
progressistas como, por exemplo, a Pedagogia do oprimido, de Paulo
Freire, entre outras obras. Santos Neto (2009) afirma que, ainda assim,
apesar de toda a contribuição que o período vivenciou de uma produção
intelectual progressista e contra-hegemônica, pouco mudou no que diz
respeito às práticas e políticas voltadas à educação formal, especialmente
por conta de um cenário marcado pelo predomínio de políticas econômi-
cas neoliberais. Entre as consequências, aponta o autor:

[...] os conceitos de política e cidadania se dissolvem nos discur-


sos do neoliberalismo assumido nas políticas educacionais e nas
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práticas formativas, aligeiradas e tecnicistas, de grande parte das


instituições formadoras, mais preocupadas com as necessidades do
mercado do que com uma formação, como sugeria Milton Santos,
para “uma vida plena e a formação para o trabalho” (1999, p. 8).
Seu grande temor era a escola deixar “de ser lugar de formação de

58
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3

verdadeiros cidadãos” e tornar-se “um celeiro de deficientes cívi-


cos” (idem). Chegamos ao ponto de ter presente hoje por parte de
muitos, por influência de países do capitalismo central, a compre-
ensão de que é cidadão quem tem o poder de consumir! (SANTOS
NETO, 2009).

Nesse contexto, como pensar a construção da cidadania pela educa-


ção escolar? Como a escola e as práticas pedagógicas podem contribuir
para uma formação autônoma do indivíduo? Como a escola e a educação
podem se constituir como agentes possibilitadores da emancipação dos
indivíduos e de transformação social?
Pensando especificamente no contexto brasileiro, essas questões fo-
ram analisadas por diversos pensadores e intelectuais preocupados com a
relação indivíduo/ educação / sociedade. Aqui, vamos analisar as teorias,
condireando duas importantes referências nessa discussão: Paulo Freire e
Pedro Demo.

3.3.1  Paulo Freire e a educação para a autonomia


Paulo Freire é, sem dúvida, um dos mais importantes pensadores
acerca da educação e dos processos pedagógicos voltados para a formação
crítica, autônoma e libertadora capaz de promover transformações sociais,
tendo sido declarado também, em 2002, Patrono da Educação Brasileira.
WIKIPEDIA

Box conexão

Conexão:
Acesse o site www.
paulofreire.org e conheça
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diferentes programas educacionais,


influenciados pela teoria pedagógica
de Freire. Você também pode acessar
o site http://www.paulofreire.ufpb.br/
paulofreire/principal.jsp, que conta
com várias obras e artigos
online do autor.

59
Sociologia da Educação

Paulo Freire (1921-1997) nasceu em Recife, filho de uma família de


classe média, mas que enfrentou fome e pobreza na infância, consequência
da crise econômica de 1929. Se formou em Direito em 1943, pela Univer-
sidade de Recife, mas não chegou a exercer a profissão, optando pela prá-
tica docente. Já em 1958, em um congresso no Rio de Janeiro, apresentou
importante trabalho sobre educação e alfabetização de jovens e adultos no
qual explicava uma das suas principais e mais conhecidas perspectivas: a de
que a educação e o processo de alfabetização deveriam estar relacionados
ao cotidiano e às vivências do próprio aluno. Isso levaria, por consequência,
ao desenvolvimento de um olhar crítico pelo aluno acerca de sua realidade.
Freire teve também atuação na esfera política, coordenando o Progra-
ma Nacional de Alfabetização no governo João Goulart e como secretário
municipal da educação em São Paulo. Durante o Regime Militar, seu pro-
grama de Alfabetização foi considerado uma ameaça pelo governo e Freire
viveu exilado no Chile e na Suíça, retornando apenas em 1979, após a lei da
Anistia. Foi no período de exílio que ele escreveu uma das suas principais
obras, Pedagogia do oprimido, na qual aborda a relação entre opressores e
oprimidos e critica o modelo educacional que, segundo ele, como está estru-
turado, acaba por reproduzir as condições de desigualdade e marginalização
já existentes na sociedade. A grande questão trazida pelo autor nessa obra é
como o indivíduo pode livrar-se da opressão pelos caminhos da educação
se os educadores e os modelos pedagógicos são também aqueles que o
oprimem? Essa questão norteará a produção intelectual de Paulo Freire e a
formulação de sua proposta de uma escola e educação voltadas à construção
da autonomia do indivíduo e da criticidade da realidade.

3.3.2  A educação para a autonomia


Um primeiro ponto a ser considerado quando falamos da obra de
Freire é que, para o autor, o ser humano é um ser inacabado, ou seja, um
ser que está em contínuo processo de aprendizagem e formação durante
toda a vida. Assim, o homem não nasce homem, mas torna-se, justamente,
pela educação.
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A matriz da esperança é a mesma da educabilidade do ser humano:


o inacabamento de seu ser de que se tornou consciente. Seria uma
agressiva contradição se, inacabado e consciente do inacabamento,
o ser humano não se inserisse num permanente processo de espe-
rançosa busca. (FREIRE, 2000, p. 114).
60
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3

É condição humana, portanto, a capacidade de movimentar a his-


tória. Daí o ponto central em Freire, das possibilidades de transformação
da realidade que podem ser originadas a partir da escola e dos processos
pedagógicos. Nesse sentido, o autor aponta para a necessidade da esco-
la possibilitar a formação crítica dos alunos, fornecendo as ferramentas
necessárias para que eles possam descontruir a realidade, descontruir as
ideologias dominantes e reinventarem a própria realidade.
A educação aqui é entendida como a educação libertadora, que leva
o indivíduo à uma concepção autônoma sobre a própria vida. Um ponto
central dessa educação passa pela própria relação entre educadores e edu-
candos, no sentido de que aos professores caberia a difícil, mas não im-
possível, tarefa de construção de uma educação voltada para a cidadania.
“É exatamente porque sei que mudar é difícil, mas é possível que eu me
dou ao esforço crítico de trabalhar num projeto de formação de educado-
res, por exemplo, ou de operários de construção” (FREIRE, 2002, p. 94).
O que Freire busca é conscientizar os educadores do seu papel fundamen-
tal na problematização da realidade dos educandos, pois, dessa forma, o
indivíduo terá a capacidade de questionar a própria realidade e, mais ain-
da, de compreender-se como um ser social.
Temos, assim, que um dos eixos centrais da obra de Freire é a crítica
ao processo ao modelo de educação que, em vez de se construir sobre um
modelo que possibilite a emancipação e a transformação social, acaba por
reproduzir o conformismo social. Por isso sua crítica ao que ele conceitua
como “educação bancária”, modelo predominante na educação brasileira,
na qual o docente “deposita” seu conhecimento no aluno, visto aqui ape-
nas como um depósito, sendo incapaz de produzir conhecimento. Nesse
cenário, o educando aprende a pensar mecanicamente, isto é, reproduzin-
do o que aprendeu, mas sem conseguir compreender a si mesmo como
parte da realidade social. No seu oposto, isto é, num modelo de educação
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que problematize a realidade, o indivíduo é levado a tomar consciência


sobre si, sobre as relações sociais das quais faz parte, tornando-se, assim,
sujeito da própria história.

3.3.3  Pedro Demo e a educação cidadã


Estamos chegando ao final deste capítulo e, nessa última parte, tra-
taremos da concepção de educação para Pedro Demo.

61
Sociologia da Educação

Pedro Demo (1941) é um dos mais atuantes educadores brasileiros.


Formado em Filosofia e com PHD em Sociologia pela Universidade de
Saarbrücken, Alemanha, e pós-doutor pela University of California at Los
Angeles (UCLA), Demo sustenta que os sujeitos apenas atingem o nível
educacional quando são capazes de questionar, de propor. Essa aborda-
gem educacional, defendida pelo autor, tem como premissa o questiona-
mento reconstrutivo, no qual o conhecimento se dá a partir do questiona-
mento e da reformulação de teorias já existentes, possibilitando, assim, a
reconstrução do próprio conhecimento. Essa proposta pedagógica é o que
Demo defende na perspectiva “Educar pela pesquisa”. Nessa proposta,
é necessária a compreensão da pesquisa, tanto pelos alunos quanto pelo
docente, como uma prática cotidiana, que envolva teoria e prática. Assim
como na perspectiva defendida por Freire, aqui também Demo propõe
um modelo educacional que tem no aluno o agente central do processo
de aprendizagem, isto é, que considere a participação do aluno no próprio
processo, incentivando o questionamento e a construção – reconstrução
– do conhecimento. Assim, o modelo “Educar pela pesquisa” sugere um
modelo educacional oposto ao modelo existente que pressupõe a cópia e
a memorização como suportes pedagógicos. Na perspectiva de Demo, o
processo de conhecimento emancipador tem como base a capacidade de
interpretação própria, de formulação própria, incentivando e formando a
autonomia crítica do indivíduo.
Dessa forma, como os autores que temos visto neste capítulo, tam-
bém Demo irá analisar a educação a partir de suas possibilidades de gerar
no aluno as condições para o desenvolvimento de um olhar crítico sobre
a realidade e, consequentemente, de transformação dessa realidade. Nesse
sentido, assim como temos visto neste capítulo da nossa disciplina, a edu-
cação aqui é entendida e analisada na sua relação com a política.
Na perspectiva de Demo, a educação ideal, em seu melhor sentido,
é aquela capaz de fazer do indivíduo sujeito de sua própria história, cons-
ciente da sua relação com a sociedade, do seu contexto. Por essa razão, o
desenvolvimento da educação possibilitaria, necessariamente, qualidade
política, criando, dessa forma, as condições para a solidificação da cidada-
nia crítica, capaz de proporcionar soluções e alternativas para as práticas
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sociais.
Dessa forma, o autor entende que a educação, a cidadania e a políti-
ca são esferas intrinsicamente relacionadas e necessárias a um projeto de
transformação social. No campo da política, mais especificamente, o autor
62
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3

aponta a política social como elemento que compõe esse projeto de trans-
formação, uma vez que cabem a essa divisão do campo político as ações
que visam atenuar as desigualdades sociais ou, então, os efeitos dessas. É
importante ressaltar, ainda, que Demo concebe diferentes formas de ma-
nifestação da desigualdade social no que diz respeito à pobreza: pobreza
socioeconômica e pobreza de espírito e, para cada uma dela, um tipo de
política social específica.
Para a primeira forma, a pobreza socioeconômica, seriam destinadas
as políticas assistenciais que visam garantir a sobrevivência e as políticas
socioeconômicas, como geração de empregos, renda, programas de previ-
dência, profissionalização etc. Já para a segunda forma, que o autor define
como pobreza de espírito, seriam destinadas as políticas sociais participa-
tivas que, em conjunto com outras formas, formariam as bases necessárias
para a cidadania plena. Justamente essa última forma, que busca combater
a pobreza de espírito, encontra na educação eficaz sua principal base:
“Nesse espaço, emerge a oportunidade inelutável de formação do sujeito
social, consciente e organizado, capaz de definir seu destino e de compre-
ender a pobreza como injustiça social” (DEMO, 1994. p.37).

Atividades
01. Explique a definição de filosofia da práxis, segundo a obra de
Gramsci.

02. O que é hegemonia? Como ela se relaciona, na obra de Gramsci, com


a educação?

03. Explique a relação entre educação e autonomia na obra de Paulo Frei-


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re?

04. Defina o que é questionamento reconstrutivo, segundo Demo.

05. De que maneira, na perspectiva de Demo, a educação contribui para


a formação da cidadania?

06. Você concorda com as abordagens vistas neste capítulo? Como a edu-
cação pode contribuir para uma prática transformadora?
63
Sociologia da Educação

Reflexão
Neste capítulo, vimos algumas perspectivas da Sociologia da Educa-
ção que, sob influência do marxismo, buscam interpretar o papel da escola
como instituição reprodutora da ordem social e, ao mesmo tempo, o papel
central que essa instituição poderia assumir como formadora de cidadãos
conscientes de sua realidade, autores-responsáveis pela própria história e
pela transformação da realidade. Os autores vistos aqui, Gramsci, Paulo
Freire e Pedro Demo, se aproximam quando na proposta de um novo
olhar sobre a perspectiva marxista, trazendo para o plano superestrutural
a explicação das desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, as formas de
superá-las. Nesse sentido, a política e a educação são interpretadas a partir
da sua relação intrinsicamente interdependente. A educação aqui, ainda
que sob propostas pedagógicas distintas, se apresenta nas abordagens des-
ses pensadores como aquela capaz de proporcionar a formação crítica dos
indivíduos, abrindo caminho para a transformação desse indivíduo e, por
consequência, do meio social.

Leituras recomendadas
FORTUNATO, Sarita Aparecida de Oliveira. Escola, educação e tra-
balho na concepção de Antonio Gramsci. IX Congresso Nacional de
Educação- EDUCERE. III Encontro sul brasileiro de Psicopedagogia.
26 a 29 de outubro, 2009. PUCPR. Disponível em: <http://www.pucpr.
br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2015_2166.pdf>.

Nesse artigo, Fortunato analisa as concepções de Gramsci sobre a


educação, focando nos conceitos de hegemonia e na noção de educação
para o trabalho elaborados pelo pensador italiano.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1983.

Nessa obra, encontramos a abordagem de Freire sobre uma nova pe-


Proibida a reprodução – © UniSEB

dagogia fundamentada na autonomia do aluno e em novas relações entre


educando, educador e sociedade.

64
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Asso-


ciados, 1997.

Nessa obra, Pedro Demo descreve sua abordagem sobre a educação,


refletindo sobre a noção do questionamento reconstrutivo para a formação
de uma educação autônoma.

Referências
Demo, Pedro. Política social, educação e cidadania. Campinas, SP.:
Papirus, 1994.

______. Educar pela pesquisa. Campinas/SP: Autores Associados,


1997.

GRAMSCI, Antonio. Os dirigentes e a organização da cultura. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

FORTUNATO, Sarita Aparecida de Oliveira. Escola, educação e traba-


lho na concepção de Antonio Gramsci. IX Congresso Nacional de Edu-
cação- EDUCERE. III Encontro sul brasileiro de Psicopedagogia.
De 26 a 29 de outubro, 2009. PUCPR. Disponível em: <http://www.
pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2015_2166.pdf>.
Acesso em 14 jun. 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1983.

______. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escri-


EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

tos. São Paulo:Editora Unesp, 2000.

SANTOS NETO, Elydio dos. Paulo Freire e Gramsci: Contribuições


para pensar educação, política e cidadania no contexto neoliberal. Re-
vista Múltiplas Leituras, v.2, n.2, p. 25-39, jul. /dez. 2009.

65
Sociologia da Educação

No próximo capítulo
No próximo capítulo, estudaremos as contribuições de Pierre Bour-
dieu, um dos principais pensadores contemporâneos que trataram das
inter-relações entre indivíduo e sociedade analisando, especialmente, os
processos de socialização, dos quais a escola é um dos agentes mais im-
portantes.
Proibida a reprodução – © UniSEB

66
As Contribuições de
Pierre Bourdieu
4 Neste capítulo, estudaremos um dos princi-
pais pensadores contemporâneos: Pierre Bour-
lo
dieu. Como vimos nos capítulos anteriores, uma
das preocupações centrais da Sociologia e das suas
ít u

ramificações, como a Sociologia da Educação, é com-


preendermos as formas de organização social, as diversas
Cap

inter-relações que os indivíduos estabelecem entre si e com


as instituições sociais. Bourdieu nos oferece algumas perspec-
tivas para compreendermos essas relações, especialmente, pela
análise das formas de socialização modernas, isto é, os processos
que nos transformam em seres sociais, dos quais a escola é um dos
agentes centrais.

Objetivos da sua aprendizagem


Ÿ Compreender o significado dos processos de socialização.
Ÿ Identificar o papel da escola na formação social dos indivíduos.
Ÿ Estudar a teoria de Bourdieu.
Ÿ Conhecer os conceitos de habitus, campo, violência simbólica, capital
social, capital cultural.

Você se lembra?
Certamente você já se perguntou: Quem sou eu afinal? Geralmente
essa pergunta vem acompanha de muitas divagações e, principalmen-
te, reflexões bem pessoais.
Mesmo que para alguns as referências de família, amigos, escola,
trabalho sejam diferentes, de alguma forma, para definirmos
quem somos, recorremos aos grupos aos quais pertencemos!
Sociologia da Educação

4.1  Introdução
Pierre Bourdieu (1930-2002) é um dos pensadores de maior influên-
cia na contemporaneidade, sendo referência em diferentes áreas do conhe-
cimento, como Sociologia, Filosofia, Antropologia, Linguística, Comu-
nicação e Pedagogia. Sua abordagem teórica dialoga diretamente com as
principais correntes da sociologia clássica, seja na compreensão do indiví-
duo como parte do meio social, sendo profundamente influenciado por ele
(como em Durkheim e a teoria do fato social); seja buscando compreender
como os processos de racionalização influenciam as relações sociais mo-
dernas e contemporâneas (assim, como Weber) ou, ainda, refletindo sobre
o papel da hegemonia do capital, assim como a perspectiva marxista, mas
se diferenciando de Marx ao considerar que não existe apenas o capital
econômico, mas, sim, uma variedade de capitais responsáveis pela distin-
ção social, como veremos mais à frente.
Parte significativa dos estudos de Bourdieu foi dedicada ao enten-
dimento das formas como somos inseridos nas estruturas sociais, nos
transformamos de seres biológicos em seres sociais e contribuímos para
sua manutenção do sistema social. A esse processo chamamos socializa-
ção e, aqui, a escola assume papel fundamental, uma vez que é uma das
principais instituições responsáveis em nos ensinar a viver em sociedade.
Parte significativa da obra de Bourdieu é, justamente, voltada à análise
do sistema educacional francês, do qual o autor foi bastante crítico. Na
perspectiva de Bourdieu, a escola, no lugar de sua função transformadora,
funcionava como uma instituição conservadora da ordem social vigente,
reforçando as desigualdades sociais e o caráter da divisão de classes, o
que levou alguns autores a considerarem que o pensador francês tinha
uma visão pessimista da educação e do sistema escolar. Ainda assim, suas
teorias foram bastante influentes nas discussões sobre o papel da escola no
Brasil, sobretudo a partir dos anos 1970 e 1980.
Na construção do seu pensamento, Bourdieu criou uma série de
conceitos que buscam exatamente explicar as relações entre indivíduo e
sociedade, a dicotomia entre objetividade e subjetividade, além das for-
mas de dominação e reprodução social existentes. Vamos compreender
Proibida a reprodução – © UniSEB

melhor alguns desses conceitos, começando pela noção de habitus.

68
Os processos de socialização na sociedade contemporânea: Pierre Bourdieu e Edgar Morin - Unidade 4

As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4

4.2  Habitus
Você já se perguntou sobre algumas de suas ações mais simples?
Como dormir, ou escovar os dentes, por exemplo? Na linguagem do senso
comum chamamos essas ações de “hábito”. Geralmente estão ligadas a
coisas que fazemos mecanicamente, sem pensar. E tomar banho? Parece
algo tão natural, não é mesmo? É como se o incômodo provocado pela
sujeira pedisse que nos banhássemos!

Pierre Bourdieu é considerado um dos maiores pensadores


da contemporaneidade, seus conceitos e teorias ultrapassaram a filosofia e
estenderam-se principalmente para a sociologia, antropologia, educação, psicologia
etc. É reconhecido internacionalmente, possui uma vasta e complexa obra, seus conceitos
são elaborados e de grande profundidade teórica.
Muito do vocabulário teórico de Bourdieu faz parte da prática daqueles que
trabalham com questões sociais (como habitus, estilo de vida, campo, violência simbólica).
Bourdieu foi um pensador do nosso tempo, teorizou e elaborou análises sobre a nossa
realidade social: urbana, midiática, informativa, simbólica, distintiva.

Mas todas essas ações não são naturais, elas são resultado de um
processo de socialização. Internalizamos essas práticas a ponto de “natu-
ralizá-las”, de confundirmos ações sociais com “instinto” ou “determina-
ções biológicas”. Até poucos séculos atrás, acreditava-se, por exemplo,
que as camadas de sujeira nos protegiam das doenças!
Pensando em como os processos de socialização são apreendidos
pelos homens, ou seja, como aquilo que é constituído social e historica-
mente nos parece algo “natural”, é que Pierre Bourdieu elabora o conceito
de habitus. Este conceito permite compreender como interiorizamos e
exterioridade social e como exteriorizamos nossas interioridades, como a
sociedade se deposita nos indivíduos e se transforma em disposições du-
EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

ráveis que exprimem as necessidades objetivas deles. São como estruturas


formadas para pensarmos, sentirmos e agirmos. Seriam, comparativamen-
te, as práticas sociais duradouras, que chamamos de tradição, costumes.
A conceituação de Bourdieu faz do habitus um operador prático
para que possamos entender o princípio unificador que rege os grupos
sociais, e que gera as práticas socialmente reconhecidas, estas que encon-
tram limites nas condições das quais elas são produto. Esses limites não
são necessariamente econômicos – apesar de o capital financeiro ser um
dos condicionantes.
69
Sociologia da Educação

Não é propriamente um baixo ou alto salário que comanda as prá-


ticas objetivamente ajustadas a esses meios, mas o gosto, gosto
modesto ou gosto de luxo, que é a transcrição durável delas nas ten-
dências e que encontra nesses meios as condições de sua realização.
Isso se torna evidente em todos os casos onde, em seguida a uma
mudança de posição social, as condições nas quais o habitus foi
produzido não coincidem com as condições nas quais ele funciona e
onde podemos, portanto, apreender um efeito autônomo do habitus,
e através dele, das condições (passadas) de sua produção. (BOUR-
DIEU, 1983)

A ideia de habitus, como o social incorporado, uma natureza


socialmente construída que é capaz de impulsionar a ação social em
estratégias inconscientes, é de extrema importância para entendermos
aspectos dos processos de socialização. Por se confundir com a ordem
natural, o habitus levanta a questão do que é propriamente natural e
aquilo que é artificial (sociocultural),
é nessa interrogação que surge a
Podemos perceber
tensão entre o corpo natural no conceito de habitus sua
e o corpo transformado – relação com o materialismo histórico
(lembram-se de Karl Marx, do capítulo 2), em
pela cosmética, o vestuá- que diferentes condições materiais de existên-
rio, a máscara, os gestos cia imprimem aos indivíduos, pertencentes aos
diferentes grupos sociais, por elas determinados,
e as ações. Não para um conjunto de práticas e representações mais ou
resolver, mas para escla- menos recorrentes. Contudo, podemos observar que
recer é que a noção de não há uma relação direta, unívoca, entre condições
específicas e as práticas delas recorrentes. As
habitus é útil, já que ele condições materiais de existência não são o
é o “social escrito no cor- único determinante do habitus, segundo
Bourdieu.
po, no indivíduo biológico”
(BOURDIEU,1988) e que é
esse social registrado no indivíduo
que faz com que as ações sociais sejam orquestradas sem a necessidade
da batuta de um maestro.

Essa “dinâmica” do habitus faz com que ele penetre “numa situação,
Proibida a reprodução – © UniSEB

em costumes e em instituições humanas” (1988) dando dimensão à regulari-


dade e reproduzindo regras, não escritas, que atendem às exigências do jogo
social e fazem dos indivíduos sujeitos sociais. Resumindo: o conceito de
habitus ajuda-nos a compreender como ocorre o processo de socialização.
70
As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4

4.3  Campo
Já vimos que todos nós pertencemos a grupos sociais – a mais de
um, inclusive – mas já repararam que nos comportamos de maneira muito
diferente em cada um deles? Utilizamos maneiras diferentes de falar, agir,
até mesmo de demonstrar nossos sentimentos. As relações sociais se ade-
quam ao grupo social, é como se cada grupo tivesse suas próprias regras,
sua própria lógica, e, então, temos de “jogar conforme as regras” daquele
jogo, no trabalho, na família, entre os amigos da escola, entre os amigos
da igreja, com os vizinhos etc. Foi justamente percebendo que os grupos
sociais possuem características específicas que Bourdieu elaborou um outro
conceito que permite compreendermos os processo de socialização, mais do
que isso, possibilita a verificação de que tal processo ocorre de diferentes
maneiras em diferentes grupos sociais, o que o teórico chamou de campo.
O campo é, para Bourdieu, um espaço social estruturado em que
ocorre uma disputa (um jogo) de forças entre dominantes e dominados,
em uma relação de desigualdade. Essa luta entre os indivíduos pertencen-
tes a um determinado campo se orienta na intenção de conservar ou de
transformar a posição no interior desse mesmo campo, posição que indica
a força que cada indivíduo possui.
SHAUN BOTTERILL / GETTY IMAGES / AFP
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O conceito de campo põe em prática a ideia de que os grupos sociais


funcionam como uma espécie de microcosmo, com leis próprias, sem no 71
Sociologia da Educação

entanto deixar de pertencer a uma posição no que Bourdieu chama de


mundo global. Não é possível compreender um determinado campo se os
fatores externos não forem levados em consideração, assim como a rela-
ção que esse campo estabelece com outros campos (o campo jornalístico
com o campo político, por exemplo). Vale dizer que a luta no interior do
campo não é puramente econômica (pelo maior salário), é também pela
posição de poder e força dentro desse campo, possui um peso econômico,
mas também um peso simbólico e as relações de força são medidas por
esses dois fatores.
As posições no interior de um determinado campo possuem pesos
relativos ao espaço que ocupa o próprio campo na sociedade, se sua posi-
ção permite ditar ou não a lei: “um espaço – o que eu chamaria de campo
– no interior do qual há uma luta pela imposição da definição do jogo e
dos trunfos necessários para dominar nesse jogo” (BOURDIEU, 1990).
A ideia de campo permite compreendermos como se dão as relações
sociais, ou seja, como o processo de socialização se completa a partir do
momento que internalizamos “as regras do jogo”.
Autor de uma sofisticada teoria dos campos de produção simbólica,
Pierre Bourdieu (1930-2002) buscou mostrar, ao longo de sua trajetória
intelectual, que as relações de força entre os atores sociais apresentam-se
sempre na forma transfigurada de relações de sentido. A violência sim-
bólica, um dos temas centrais de sua obra, não é tratada como um mero
instrumento a serviço da classe dominante, mas como poder que se exerce
também através do jogo entre os atores sociais.
O campo da produção sociológica de Bourdieu é amplo: arte, ci-
ências, moda, literatura, economia, filosofia etc. Essa intensa produção
sociológica o leva a fundar a revista Actes de la Recherche en Sciences
Sociais (1975), que atualiza o estilo das publicações científicas pela intro-
dução de fotografias, de encartes e da maquete.
Bourdieu elegeu como horizonte de preocupações teóricas a tarefa de
desvendar os mecanismos da reprodução social que legitimam as diversas
formas de dominação. Para viabilizar o encaminhamento dessa discussão,
desenvolve conceitos específicos, tais como campo social e habitus, que se-
rão abordados mais adiante. Bourdieu redimensiona o peso dos fatores eco-
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nômicos para a explicação dos conflitos entre as classes sociais, trazendo à


cena também as questões não materiais, ou seja, simbólicas.

72
As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4

A partir da ideia de violência simbólica, o sociólogo enfatiza que a


produção simbólica na vida social não é arbitrária, sublinhando seu cará-
ter efetivamente legitimador das forças dominantes, expressando-se por
meio delas os gostos de classe e os estilos de vida, e gerando a distinção
social.
É possível dizer que a problemática teórica dos escritos do sociólo-
go francês esteja assentada na mediação entre atores sociais e sociedade.
Bourdieu propõe o conhecimento praxiológico, gênero de conhecimento
que busca a articulação dialética entre ator social e estrutura social, tal
como analisaremos a seguir.

4.4  As formas de distinção social


Bourdieu busca compreender os elementos que envolvem a distri-
buição desigual de oportunidades entre os indivíduos e atenta, por exem-
plo, para o sistema escolar enquanto mecanismo de distinção social e de
reprodução da hierarquia social. É o próprio fundamento da sociedade
meritocrática que ele critica, já que os indivíduos partem de condições de
existência desiguais, sendo o sistema de ensino considerado a ponta de
lança dessa ideologia. Para o sociólogo, “mesmo quando repousa na força
nua e crua, a das armas ou a do dinheiro, a dominação possui sempre uma
dimensão simbólica” (BOURDIEU, 2001, p. 209), uma dimensão que não
conseguimos enxergar, mas que é atuante e decisiva.

4.4.1  Gosto de classe e estilo de vida


Bourdieu desenvolve uma análise, em A distinção (1979), voltada
para a identificação das correspondências entre práticas culturais e classes
sociais, assim como para a compreensão do princípio que legitima a hie-
EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

rarquia aí inscrita.
A esse respeito, duas importantes ideias que compõem o pensamen-
to de Bourdieu, através das quais é possível verificar essas correspon-
dências – e que dão título a este item no capítulo – são “gosto de classe”
e “estilo de vida”. Essas ideias nos serão importantes na medida em que
atuam como peças-chave para a compreensão da violência simbólica que
recai sobre todos os indivíduos, ainda que de formas distintas e em dife-
rentes intensidades.

73
Sociologia da Educação

O “gosto” é definido por Bourdieu como sendo a propensão e a ap-


tidão à apropriação (material ou simbólica) de uma determinada categoria
de objetos ou práticas classificadas e classificadoras. O conjunto dos gos-
tos compõe determinado estilo de vida. Por exemplo, a visão de mundo de
um marceneiro, seu modo de gerir seu orçamento, seu tempo, o uso que
faz da linguagem, a escolha de suas indumentárias estão presentes em sua
ética e em sua estética de trabalho impecável, que pre-
vê o cuidado, o esmero, o “bem-acabado”, que
Conexão:
o leva a mensurar a beleza de seus produtos Texto sobre Pierre
pela paciência e cuidado que exigiram quan- Bourdieu:
do de sua fatura (BOURDIEU, 1994). Esse http://www.espacoacademico.
com.br/010/10bourdieu02.htm
conjunto de práticas e comportamentos que
configura suas preferências e suas possibi-
lidades de escolha expressa um determinado
estilo de vida. O gosto é uma manifestação do
estilo de vida.
Os gostos obedecem a uma certa tendência: os objetos raros, que
constituem um luxo inacessível ou uma fantasia para os ocupantes de uma
classe social menos favorecida tornam-se comuns pela massificação, essa
dinâmica da sociedade capitalista, que faz com que mercadorias antes
tidas como raras e com alto custo se tornem cada vez mais acessíveis, ao
passo que presenciamos o surgimento de novos consumos, mais raros e
mais distintivos, responsáveis pela atualização do distanciamento entre as
classes sociais, reavivando a barreira simbólica (invisível e intransponí-
vel) que as separa.
Até pouco tempo, a posse de um celular era fator de distinção entre
as classes, pois se tratava de uma mercadoria rara e cara. A produção em
massa de celulares concorreu para a sua popularização, ao passo que ou-
tros produtos se tornaram portadores de novas distinções, como é o caso
da TV de plasma, cuja tendência é também se popularizar, dando lugar a
um outro artigo, e assim por diante.
Os diferentes estilos de vida demarcam oposições entre as classes
sociais, que se exprimem através das preferências, seja em matéria de
pintura, cinema, teatro, seja com relação à mobília, à vestimenta, ao uso
Proibida a reprodução – © UniSEB

da linguagem etc. O estilo de vida das classes populares encerra sempre


o reconhecimento tácito e explícito dos valores dominantes, definindo-se
pela privação, pela ausência dos consumos de luxo (quadros, concer-

74
As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4

tos, cruzeiros, exposições de arte, antiguidades etc), que na verdade são


substituídos por versões que denunciam o desapossamento (é o caso, por
exemplo, da aquisição da imitação do couro, de produtos já massificados,
de réplicas etc).
Segundo Bourdieu, a oposição entre champanhe e uísque condensa
o que separa a burguesia tradicional da nova burguesia. Da mesma forma,
o universo da música, da pintura, da literatura oferece uma dimensão sim-
bólica prolífica no que se refere às possibilidades de distinção social. Os
atores se diferenciam de acordo com o consumo de bens que orienta esti-
los de vida específicos, sendo o conflito social multidimensional, manifes-
tando-se na escolha profissional, nas formas legítimas de apropriação das
obras de arte, na maneira de fruir o lazer, e em outras incontáveis sutilezas
que passam despercebidas pela imponência com que o conflito de classes
materialmente se exprime.
Através do uso da noção de violência simbólica, Bourdieu busca
desvendar o mecanismo que faz com que os indivíduos vejam como
“naturais” as representações ou as ideias sociais dominantes. A violência
simbólica é desenvolvida pelas instituições e pelos atores que as animam
e sobre as quais se apoia o exercício da autoridade.
É conveniente destacar que a teoria da simbolização em Bourdieu
apreende o mundo social enquanto locus privilegiado de atribuição de
sentido à existência (reconhecimento, consideração) e aponta para uma
relação, aí subjacente, entre este sentido e a distribuição desigual de capi-
tal simbólico. Segundo suas palavras, “dentre todas as distribuições, uma
das mais desiguais e, em todo caso, a mais cruel, é decerto a repartição
do capital simbólico, ou seja, da importância social e das razões de viver”
(Idem, Ibid., p. 294), sendo o capital simbólico definido como o produto
da transfiguração de uma relação de força em relação de sentido.
EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

Um dos principais alvos da crítica de Bourdieu, nos seus últimos anos de vida,
foi a atuação dos meios de comunicação, que estariam, segundo ele, cada vez mais sub-
metidos a uma lógica comercial inimiga da palavra e dos significados reais da vida. Bourdieu
foi um crítico feroz do tipo de cultura produzido pelas mídias contemporâneas.

Os conflitos simbólicos entre as classes sociais se mostram não atra-


vés das diferenças materiais que as caracterizam (excesso ou falta de po-
der aquisitivo), mas através do modo como o dinheiro é utilizado, estando
enraizados nas desigualdades sociais.
75
Sociologia da Educação

4.4.2  Capital cultural e capital simbólico


Temos, assim, que, para Bourdieu, as classes sociais e a forma da
desigualdade social podem ser explicadas pelo poder aquisitivo, ou seja,
pelo capital econômico que um indivíduo ou grupo possui, assim como na
definição marxista, mas não apenas por essa forma. Os sujeitos são, por-
tanto, na perspectiva do pensador francês, portadores de outras formas de
capital que funcionam como elemento de diferenciação, mas não se rela-
cionam ao poder aquisitivo. Entre essas formas, está o capital cultural, que
engloba essencialmente a educação, embora não se resuma a ela. O capital
cultural seria, assim, o acúmulo que um indivíduo possui, por exemplo,
de conhecimento apreendido, escolaridade, diplomas, leituras de livros,
etc., e a posse ou não desse tipo de capital levaria esse indivíduo a ocu-
par um determinado espaço social, uma determinada posição no campo,
diferenciando-o dos que possuem mais ou menos capital cultural que ele,
segundo os valores culturais e simbólicos de determinada sociedade.
Bourdieu afirma que o capital cultural como um princípio de dife-
renciação e hierarquia entre os indivíduos é tão importante quanto o capi-
tal econômico. O olhar sobre o sistema escolar merece, portanto, atenção
especial.
Como afirmamos logo no início deste capítulo, nas conclusões de
Bourdieu baseadas em sua análise do sistema educacional francês, a esco-
la funciona muito mais como um espaço de reprodução das desigualdades
e manutenção da ordem vigente do que como um espaço de transformação
social. Isso porque a própria escola e o ambiente escolar operam a partir
de um princípio de seleção fundamentado na ordem social, mantendo,
portanto, a distinção preexistente na sociedade, separando, por exemplo,
indivíduos portadores de maior capital cultural dos demais. Ou, ainda, na
própria prática docente que tende a classificar os alunos como brilhantes/
normais/ apagados etc, promovendo pela posse ou não do capital cultural
a distinção entre eles.
Outra forma de acúmulo de capital definido por Bourdieu é o capital
social. Segundo o autor, o capital social pode ser definido como:
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O conjunto dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à


posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucio-
nalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento mútuos,
ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como o conjunto de
76
As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4

agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (pas-


síveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros e por eles
mesmos), mas também que são unidos por ligações permanentes e
úteis (BOURDIEU, 1988, p. 67).

O capital social pode, assim, ser definido como a rede de relações


que um determinado indivíduo possui. Mas não apenas isso. Por extensão,
o capital social também envolve os acúmulos de capitais cultural, simbó-
lico e econômico do outro indivíduo ou grupo ao qual o indivíduo está
vinculado. Assim, ainda que seja específico dentre as categorias de capi-
tal, o capital social se relaciona, necessariamente, com as outras formas de
capital, sendo, portanto, dependente delas.
Na perspectiva de Bourdieu, o capital social é uma forma de estra-
tégia, uma vez que essa rede de relações é definida e construída pelo indi-
víduo, de maneira consciente ou não, como uma forma de investimento.
Dessa maneira, o acúmulo de capital social pode levar a um maior reconhe-
cimento, sentimento de pertencimento, acesso a determinados direitos etc.
As definições de capital têm, por fim, relação direta com a noção
de distinção e, por consequência, com formas de dominação e mesmo de
violência simbólica. Aqui, a teoria de Bourdieu aponta para uma forma
específica de poder e dominação fundamentada no simbólico, diferencian-
do-se assim da perspectiva marxista. Para o autor, o conjunto de símbolos
e sentidos de uma determinada sociedade acaba por constituir uma rede de
significações que protegem ou reforçam determinadas relações de opres-
são ou exploração.

Atividades
01. O que é socialização?
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02. Defina o que é habitus.

03. Como Bourdieu analisa a dicotomia objetividade e subjetividade na


formação do indivíduo?

04. Que crítica Bourdieu faz ao sistema escolar?

05. O que significa capital cultural e capital social?


77
Sociologia da Educação

06. Explique o conceito de violência simbólica.

07. Como a noção de distinção se relaciona, em Bourdieu, com a violên-


cia simbólica?

Reflexão
Compreender a forma como nos tornamos seres sociais têm sido
ponto de análise das pesquisas nas ciências humanas há muito tempo, pois
ela revela, logo em sua base, como se dá nossa relação com o meio social
do qual fazemos parte; de que maneira esse meio influencia na formação
de nossa subjetividade e individualidade. Não é possível separar o sujeito,
ou melhor, sua construção, do meio no qual ele está inserido. Nos torna-
mos seres sociais, justamente, quando absorvemos o conjunto de sistemas
simbólicos de nosso meio. É essa relação que permite internalizarmos as
práticas sociais e reproduzi-las em nosso cotidiano. Não é possível, dessa
forma, conhecer o sujeito social e sua subjetividade sem dimensionar o
meio social, histórico e determinado, do qual ele faz parte.

Leitura recomendada
Para aprofundar-se um pouco mais no assunto, recomendamos a
leitura da obra:

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São


Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. Nesse livro, é possível ter
acesso às explicações e às pesquisas de Pierre Bourdieu que envolvem
os conceitos trabalhados neste capítulo.

Referências
Proibida a reprodução – © UniSEB

BOURDIEU. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1999.

______ . Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.

78
As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4

______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

BOURDIEU, P. “Gostos de classe e estilos de Vida”. In. Sociologia,


Renato Ortiz (org.). São Paulo: Ática, 1983.

GALEANO, A. Castro, G. e Silva, J (orgs.). Complexidade à flor da


pele: ensaios sobre ciência, cultura e comunicação. São Paulo: Cortez;
2003.

PERROT, Michele. “Os Atores”. In: História da vida privada: da


Revolução Francesa à Primeira Guerra. Volume 4; São Paulo: Cia das
Letras, 1991.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade.


Disponível em: <file:///C|/site/livros_gratis/origem_desigualdades.
htm>. Acesso em: abril de 2007.

MORIN, E. As grandes questões do nosso tempo. Lisboa: Editorial


Notícias, 1997.

______. Sociologia. Sintra, Portugal: Publicações Europa-América:,


1989

______. “A indústria cultural”. In: Sociologia e sociedade. Org. Ma-


rialice Mencarini Foracchi e José de Souza Martins; Rio de Janeiro:
LTC; 1984

No próximo capítulo
EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

No próximo capítulo, analisaremos alguns dos principais autores da


Sociologia na educação no Brasil: Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e
Florestan Fernandes.

Vemo-nos lá!

79
Sociologia da Educação

Minhas anotações:
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80
A Sociologia da Educação
no Brasil – A Escola Nova
5 Chegamos ao último capítulo da nossa dis-
ciplina. Aqui, veremos a história da Sociologia
lo
da Educação no Brasil e a constituição da chamada
Escola Nova. Estudaremos ainda o contexto histórico
ít u

desse movimento, marcado pela inserção da educação


como um dos temas centrais dos estudos sociológicos e das
Cap

pautas políticas. Neste capítulo selecionamos as abordagens


de Anísio Teixeira e Fernando Azevedo que nos auxiliarão na
compreensão desta fase.

Objetivos da sua aprendizagem


Ÿ Compreender o contexto histórico de surgimento da sociologia da
educação no Brasil;
Ÿ Conhecer o movimento que resultou na Nova Escola;
Ÿ Estudar as principais abordagens sobre educação na perspectiva de
Fernando Azevedo e Anísio Teixeira.

Você se lembra?
Você se lembra de já ter acompanhado algum debate ou presenciado al-
guma manifestação e movimento social em prol da educação pública?
Lembra-se de já ter lido ou escutado alguém falar sobre a cláusula cons-
titucional que coloca a educação como um direito de todos? Pois essas
noções nem sempre foram algo legitimado por lei ou por ação gover-
namental. Até meados da década do século XX, a educação e o acesso
ao ensino escolar era garantia apenas das camadas mais privilegia-
das da sociedade. Esses foram pontos essenciais apresentados no
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, na década de 1930,
que buscava universalizar o acesso à educação. Esse e outros
tópicos serão tratados aqui neste último capítulo.
Sociologia da Educação

5.1  Introdução
Em seu trabalho Estudos Sociológicos da Educação no Brasil, a
pesquisadora Clarissa Baeta Neves faz um levantamento histórico do
desenvolvimento da Sociologia da Educação no contexto brasileiro,
destacando que o tema “Educação” esteve atrelado à própria origem da
Sociologia no país. É visível, dessa forma, a qualidade dos trabalhos, de
eixos temáticos, e também o fato de que importantes pesquisadores e pro-
gramas de universidades produziram essas análises já
na primeira metade do século XX. Chama a
atenção, ainda, conforme a autora, não A educação como
somente a qualidade desses estudos tema de estudo sociológico
também foi um dos campos de análi-
do ponto de vista científico, mas se no pensamento clássico da Sociologia.
também o engajamento político Durkheim, por exemplo, abordou a espe-
que eles apresentam. Assim, essas cificamente essa relação na obra Educação
e Sociologia, demonstrando os elementos que
abordagens iniciais dos pensadores constroem a noção de “consenso social”, central
que analisaram a educação no país no pensamento do pensador francês. Mesmo
Marx, que não abordou explicitamente uma
já buscavam pensar a educação e teoria da educação, tratou do tema do en-
a formação escolar a partir da sua sino e da formação, articulando esses
possibilidade para uma ação trans- com as condições socioeconô-
micas da época.
formadora da realidade, pensando essa
transformação em seu sentido mais amplo:
econômica, social e política.
De maneira geral, os estudos sobre a educação como campo de aná-
lise próprio da Sociologia podem ser divididos em três grandes períodos:
1o período – dos anos 1930-1960;
2o período – Governo Militar (1964-1985);
3o período – meados dos anos 1980 até a atualidade.
O primeiro período se caracteriza, sobretudo, pela relação intrínseca
entre a preocupação metodológica e o engajamento político, especialmente
por conta das mudanças que a sociedade brasileira vivenciava. Há, nesse
momento, uma maior concentração teórico-metodológica e, também, temá-
tica. Veremos essa mais detalhadamente essa fase um pouco mais à frente.
No segundo período, marcado pela Ditadura do Regime Militar, é
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quando presenciamos o maior recuo das análises sociológicas voltadas


para a reflexão sobre a educação no contexto brasileiro. Nesse momento,
apesar da produção de obras importantes, como a Pedagogia do Oprimido,
de Paulo Freire (como vimos no capítulo 3 deste livro), há um esvazia-
82
A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5

mento das discussões em torno da educação, especialmente do seu papel


de agente transformador da realidade. Apesar do discurso dos militares da
importância da educação, especialmente como elemento de mobilidade
social, e de importantes reformas, como a Reforma Universitária em 1968,
o período revela o crescimento de estudos voltados à análise de legislação
e de políticas governamentais, concentrando a discussão da educação e da
política educacional, no lugar da relação entre educação e a dinâmica social
e política, como no período precedente. “A base institucional sobre a qual se
construíram as primeiras redes de estudo sistemático da realidade educacio-
nal foi desestruturada”. (Neves, 2002, p. 360). Justamente por essa postura,
ganham importância nos estudos brasileiros a influência teórica de Antonio
Gramsci e a perspectiva de que a escola, apesar das suas possibilidades
emancipatórias, contribuía, da forma como estava estruturada, para a manu-
tenção e a reprodução das desigualdade sociais.
Com o processo de redemocratização, tem início o terceiro período,
marcado pela diversidade de eixos temáticos, linhas teóricas e aborda-
gens, estudos empíricos. Conforme Neves (2002, 361-362):

A dinâmica e a conformação de sistemas formais de educação, os


custos, a eficiência e a flexibilização dos processos e dos sistemas
educacionais, o reconhecimento das expectativas e demandas sociais,
a emergência de oportunidades de educação continuada, a diversida-
de sociocultural, como desafio, ganham nova importância e atualida-
de. Outra vez o debate sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
e sobre o Plano Nacional de Educação e seus desdobramentos e im-
plicações legais operaram como momento privilegiado, catalisando
as atenções para as múltiplas facetas da problemática educacional.
A reorganização do Inep como Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais e a retomada da produção de estatísticas sobre a
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educação e os sistemas educacionais e de informações sobre os prin-


cipais programas governamentais em implantação ampliaram a base
de referência para as análises, revitalizando o debate e as pesquisas.

Neste capítulo, falaremos especificamente do primeiro período, que


deu origem aos estudos sobre a educação sob a perspectiva sociológica.
Iremos tratar das abordagens de Fernando Azevedo e Anísio Teixeira.

83
Sociologia da Educação

5.2  Contexto
Como mencionamos há pouco, uma das características marcantes
das análises sociológicas acerca da educação que tem início na primeira
metade do século XX, especialmente a partir dos anos 30, é a relação
entre essa esfera e a política, de tal maneira que aproximou a sociologia
da educação da ciência política. Nesse momento, percebe-se também a
institucionalização dessa relação, com a obrigatoriedade do ensino de So-
ciologia nas escolas, resultado das reformas estaduais que tiveram início
nos anos 1920, o que levou às reformas de vários institutos educacionais.
Conforme aponta Martins e Dias (2003), a ideia desses projetos “era dotar
os professores de uma base científica, considerada uma condição essen-
cial para o processo de transformação do sistema escolar brasileiro”. As-
sim há, nesse momento, uma tentativa de organizar o sistema educacional
brasileiro, influenciado por perspectivas teóricas francesas e americanas,
colocando o debate em torno de duas posições ideológicas: o ensino pú-
blico e laico em oposição ao ensino privado e religioso, este último mais
influente do ponto de vista político nesse período. Essas prerrogativas
foram definidas do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932,
um dos marcos iniciais das discussões em torno dos projetos de discussão
e renovação da educação no país, assinado por importantes educadores e
intelectuais. Num dos trechos do Manifesto, temos definido que:

Em nosso regime político, o Estado não poderá, decerto, impedir


que, graças à organização de escolas privadas de tipos diferentes, as
classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de
classe determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir,
dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a
que só tenha acesso uma minoria, por um privilégio exclusivamente
econômico. Afastada a ideia de monopólio da educação pelo Esta-
do, num país em que o Estado, pela sua situação financeira, não está
ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e
em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância,
as instituições privadas idôneas, a escola única se entenderá entre
nós, não como uma conscrição precoce arrolando, da escola infan-
til à universidade, todos os brasileiros e submetendo-os durante o
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maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações


posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola
oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15 anos, todas ao me-
nos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública,
tenham uma educação comum, igual para todos (BOMENY, s/d).
84
A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, divulgado em 1932, durante


o governo de Getúlio Vargas, deu origem à discussão da Escola Nova no Brasil.
A ideia central contida no documento revelava a desorganização do sistema escolar
brasileiro e trazia a proposta de sua renovação, tendo como princípio a consolidação
de um sistema educacional laico, público, gratuito e obrigatório. A proposta gerou crí-
ticas da Igreja Católica que, naquele momento, possuía forte influência e participação
na oferta do ensino, especialmente, por meio das escolas privadas. O manifesto foi
escrito por Fernandes Azevedo e contou com a assinatura de importantes pensado-
res da época, como Anísio Teixeira, Cecilia Meireles, Roquete Pinto etc.

Historicamente, o contexto brasileiro nos anos 1930 e nas décadas


subsequentes é marcado pela preocupação em torno da educação, do sis-
tema escolar e dos problemas que eles apresentavam. A educação passava
a ser pensada como um elemento central na construção de uma nova ci-
dadania, necessária aos processos de transformação desejados pelo país.
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Esse período marca a análise da educação e sua relação com o


contexto social e, também, ações que resultavam da classe intelectual e
também da elite política do país. Da parte dos pensadores, os esforços e
discussões davam-se em torno da Escola Nova, que trazia à tona a pers-
85
Sociologia da Educação

pectiva da educação como um problema nacional e a necessidade de uma


ampla reforma e criação de um programa governamental voltado à educa-
ção. No plano político, há a criação do INEP (Instituto Nacional de Pes-
quisas Educacionais), por influência do educador Anísio Teixeira, além da
definição de setores oficiais para estudo e planejamento da educação no
país.
Encontramos, ainda, esforços nesse sentido a partir do final dos
anos 1940 e na década de 50 com a discussão em torno da LDB (Lei de
diretrizes e bases), a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacio-
nais (CBPE), que logo se regionalizou pelo país vinculado às universida-
des e trazendo à tona a importância de se pensar a educação a partir das
dificuldades e particularidades de cada região; a criação da Revista Brasi-
leira de Estudos Pedagógicos, voltada à divulgação dos estudos realizados
nessa área; a criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e
a criação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo (USP) (NEVES, 2002).
A educação passa, portanto, a ser pensada como elemento essencial
no desenvolvimento do país, especialmente num período de intensa indus-
trialização e urbanização, sendo, assim, parte de ações efetivas dos gover-
nos. No que diz respeito à reflexão intelectual, as análises sobre a estrutura
da escola, desde o corpo administrativo, a complexidade de todo o sistema,
a burocracia envolvida, a formação dos docentes, a diferenciação do próprio
sistema escolar, as práticas pedagógicas necessárias a um cenário tão diver-
sificado até o entendimento dessa instituição inserida num contexto social
mais amplo, pautaram as reflexões sobre o sistema educacional, evidencian-
do a diversificação de olhares por parte dos intelectuais e educadores acerca
da educação. A análise da estrutura escolar levando, ao mesmo tempo, às
discussões e propostas sobre a necessidade de sua reforma torna-se nesse
período, tema central da sociologia da educação no Brasil.
Neves (2002, p. 359) aponta a complexidade dos eixos temáticos
norteadores das pesquisas nesse momento, os quais revelavam as fragili-
dades do sistema educacional restrito a um grupo privilegiado do país e de
como isso resultou na discussão da educação como parte do meio social
mais amplo:
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[...] as pesquisas, [...]evidenciavam o caráter seletivo e antidemocrá-


tico do sistema escolar, mas apenas tangenciavam os processos que
produzem a seletividade social observada, pois focalizavam a evasão,
86
A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5

a repetência e as desigualdades educacionais apenas em função da


origem dos alunos, não revelando os processos e situações escolares
nos quais a variável atua. A utilização de categorias’ das ciências eco-
nômicas dissemina-se à medida que ganha importância a aferição do
impacto da educação no desenvolvimento econômico. A guerra fria, a
corrida espacial e a rápida recuperação da Europa e do Japão destru-
ídos na Segunda Grande Guerra estimulam as reflexões no campo da
mobilidade educacional e da economia da educação.

Todos esses esforços em torno do pensamento e da reforma educa-


cional foram relativamente prejudicados durante a ditadura Vargas (1937-
1945) e a constituição do Estado Novo, mas, retomadas em seguida,
pensando ainda a educação como parte de um projeto de transformação
social mais amplo. Todos os esforços que tiveram início nos anos 1930
acabaram sendo frustrados pelo golpe militar de
1964, que afastou o grupo de intelectuais e
Conexão:
educadores das discussões em torno da
Consulte o texto de Clarissa
reforma educacional. Os efeitos sociais Baeta Neves, Estudos Sociológicos
pretendidos pelas análises da socio- da Educação no Brasil, no qual a autora
faz um importante e fundamental levanta-
logia da educação nas décadas ante- mento dos autores, produções e influências
riores acabaram não se realizando, teóricas e metodológicas que marcam a história
da sociologia da educação brasileira. Você
fazendo assim com que a escola pas- encontra o texto disponível no portal daAN-
sasse a ser percebida como parte do POCS: http://www.anpocs.org/portal/index.
php?option=com_docman&task=cat_vie
sistema de manutenção das formas de
w&gid=153&limit=20&limitstart=0&
poder e de desigualdades estabelecidos. order=date&dir=DESC&Ite
A descrição breve desse contexto, mid=315.

dos anos 1930-1964, nos ajuda a compreender


o papel fundamental de alguns dos mais importantes pesquisadores sobre
a educação no país. Aqui, iremos tratar de Anísio Teixeira e Fernando
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Azevedo.
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira foram signatários do Mani-
festo dos Pioneiros da Escola Nova, como já vimos. Pensavam a educação
considerando necessárias transformações que permitissem maior demo-
cratização do acesso ao ensino no país. Além disso, também defendiam a
aplicação de princípios e noções científicos no planejamento da estrutura
educacional. Vamos ver mais de perto as contribuições desses autores.

87
Sociologia da Educação

5.3  Fernando de Azevedo (1984-1974)


Fernando de Azevedo foi professor, educa-

WIKIMEDIA
dor e sociólogo, um dos mais importantes pensa-
dores da educação no Brasil, tendo desenvolvido
a primeira pesquisa sistemática e profunda sobre
a situação da educação no estado de São Paulo.
A participação desse intelectual se fez de forma
bastante ativa, tanto no que diz respeito às for-
mulações críticas e de pesquisa, quanto como
agente atuante em ações e na renovação ou cria-
ção de importantes movimentos e instituições do
ensino.
As pesquisas e atuações de Azevedo tiveram como foco central a
educação pública brasileira, tendo sido parte integrante do movimento
reformador da educação pública, já na década de 20. Nessa mesma déca-
da, promoveu no Rio de Janeiro, naquele momento capital da República,
ampla reforma educacional que, entre outras coisas, promoveu a extensão
do acesso escolar a todas as crianças, maior articulação entre os diferentes
níveis escolares, bem como a adaptação da escola às particularidades da
região, sejam elas urbanas ou rurais. Azevedo foi, ainda, um dos fundado-
res da Universidade do Estado de São Paulo (USP). Durante a revolução
constitucionalista de 1932, período político bastante conturbado, Azevedo
é convidado a redigir o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, di-
rigido ao governo Vargas e à nação, documento que situava a educação
como o principal problema do país acima dos problemas econômicos,
sendo urgente um processo de renovação dessa área como parte funda-
mental no processo de reconstrução do país e da cidadania. A educação
se configurava, portanto, como elemento essencial na transformação do
“Brasil arcaico” para o “Brasil industrializado”.
A atuação de Fernando de Azevedo, assim como em parte dos in-
telectuais nesse período, colocou a educação como prioridade da agenda
nacional e caracteriza-se, portanto, tanto pela produção científica que
buscava compreender o papel da escola e criar as propostas de renovação
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dessa instituição como, também, pela ação prática e participação ativa na


execução de diversos projetos associados ou não aos governos.
Do ponto de vista intelectual, Azevedo foi um crítico do modelo
educacional brasileiro, entendo-o como um instrumento de manutenção
88
A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5

da ordem social e do status quo. Nesse sentido, ele buscou em Émile


Durkheim as referências teóricas e metodológicas para o embasamento
da sua abordagem sendo, inclusive, um dos principais introdutores das
obras do pensador francês no meio acadêmico brasileiro. Como vimos
logo no início deste livro, Durkheim compreende a relação entre homem
e sociedade a partir do ponto de vista positivo, isto é, analisando-a cienti-
ficamente ao modo das ciências naturais. A escola, especificamente, tam-
bém assume um papel central na obra de Durkheim, constituindo-se como
um dos principais fatos sociais das sociedades modernas. Assim também
pensa Azevedo que, tal como o pensador francês, entende o ambiente
escolar como um dos principais agentes de socialização, responsável por
integrar os indivíduos entre si e ao meio social, formando a consciência
das normas, regras e condutas sociais, possibilitando, assim, a noção de
pertencimento à coletividade.
Em uma das definições da educação nova feitas pelo autor, podemos
perceber a influência da sociologia positivista na compreensão de qual
deveria ser o papel da educação, vista aqui por Azevedo como uma das
principais formas de laços de solidariedade social:

A educação nova é uma obra de cooperação social, que atrai, soli-


cita e congrega para um fim comum todas as forças e instituições
sociais, como a escola e a família, pais e professores, que antes ope-
ravam, sem compreensão recíproca, em sentidos divergentes senão
opostos (AZEVEDO, 1958: 18).

Assim, a educação é percebida, especialmente pelas suas possibili-


dades no plano social e, também, político. Essa perspectiva nem sempre
foi bem aceita ou livre de polêmicas pelos governos, educadores ou in-
telectuais que trataram a educação. Mas o contexto brasileiro dos anos
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1930 possibilitava, segundo Azevedo, essa perspectiva, pois trazia à tona


a educação pensada a partir de um ponto de vista democrático e que,
portanto, deveria ser acessível a todos, e, também, essencial na formação
social do indivíduo. Em regras gerais, essas eram perspectivas defendidas
pelo Manifesto da Escola Nova e que, naquele contexto, caminhavam
no sentido contrário à realidade brasileira, marcada por uma histórico de
educação destinada apenas às camadas mais privilegiadas da sociedade. A
perspectiva da Escola Nova propunha exatamente o contrário: a universa-
lização do ensino e, ao mesmo tempo, a finalidade prática deste, voltada
89
Sociologia da Educação

à formação social do indivíduo. Segundo Azevedo, a reforma educacional


mostrava-se urgente no sentido de atender:

[...] à imensa variedade das exigências sociais e das necessidades e


aptidões individuais, ou, para empregar as
palavras (de Dewey), ‘o panorama
Conexão:
de uma vida mais ampla e rica A educação pensada ao “alcan-
para o homem em geral, uma ce de todos”, como na Escola Nova,
tem forte influência nas ideias de John
vida de maior liberdade e de Dewey. Sobre isso, leia o artigo de Viviane
iguais oportunidades para to- Batista Carvalho, intitulado: “A influência do
pensamento de John Dewey no cenário educa-
dos, a fim de que cada um pos-
cional brasileiro”, disponível em: <http://www.
sa desenvolver-se e alcançar portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2004/
tudo o que possa chegar a ser Painel/Painel/06_56_45_A_INFLUENCIA_
DE_JOHN_DEWEY_SOBRE_O_PEN-
(AZEVEDO, 1996: 652). SAMENTO_PEDAGOGICO_BRA.
pdf>

5.4  Anísio Teixeira (1900-1971)


Estamos chegando ao final da nossa disciplina e, nesta última par-
te, vamos conhecer algumas das perspectivas de Anísio Teixeira, um dos
mais importante educadores brasileiros que, assim
Conexão: como Fernando de Azevedo, também foi atuante
Assista ao documentário no movimento da Escola Nova e concebeu a
Educadores Brasileiros que
aborda as principais perspectivas
educação como um direito social e essencial
de Fernando de Azevedo e Anísio na organização dos homens e, por conse-
Teixeira, entre outros autores. Você quência, da sociedade.
encontra o documentário disponível
em: <https://www.youtube.com/ Anísio Teixeira nasceu no sertão da
watch?v=GyaFU0cNKig> Bahia em 1900 e graduou-se em Direito pela
Universidade do Rio de Janeiro e obteve o título
de Master of Arts pelo Teachers College da Colum-
bia University. Como era comum à parte dos intelectuais
da época, também Anísio Teixeira teve, além de intensa produção intelec-
tual, também participação ativa na vida pública. Recém-graduado, ocupou
o cargo de Inspetor-Geral de Ensino, no governo da Bahia colocando em
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prática importante reforma da instrução pública. O educador permanece


no cargo até 1929, quando passa a discordar das propostas do sucessor
do governo. Após sua formação e algumas viagens à Europa e Estados
Unidos, Teixeira tem a oportunidade de observar diferentes sistemas de
90
A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5

ensino e também entra em contato com a obra e ideias de Dewey, sendo,


inclusive, um dos tradutores desse autor no Brasil. Como vimos, Dewey
foi importante influência para os pensadores que formularam as propostas
da Escola Nova. Anísio Teixeira também foi responsável por uma refor-
ma na instrução pública que teve efeitos diretos na educação primária,
secundária e na educação de adultos quando ocupou o cargo de Diretor
de Instrução Pública no Distrito Federal. O pensador teve ainda partici-
pação ativa na Associação Brasileira de Educação (ABE), assim como na
CAPES (transformada por ele em um órgão governamental) e, ainda, no
INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), tendo também criado
o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). A contribuição
de Teixeira se entende ainda na discussão da Lei de Diretrizes e Bases,
na criação da Universidade de Brasília (UnB), sendo também professor
convidado em diversas universidades nos Estados Unidos. Suas ideias e
luta pela escola pública causaram a sua perseguição por bispos brasilei-
ros que, em 1958, divulgaram um memorial acusando Anísio Teixeira
de extremista e pedindo sua demissão ao então Presidente da República,
Juscelino Kubitschek. Como vimos há pouco, as propostas dos educado-
res e intelectuais ligados à Escola Nova se opunham à realidade brasileira
daquele período. Nesse episódio, Teixeira contou com a solidariedade de
centenas de educadores, professores e cientistas que manifestaram apoio
ao educador e a suas ideias.
A análise de Anísio Teixeira
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acerca da educação ultrapassa o


ambiente escolar e se revela num
pensamento sobre a transforma-
ção da sociedade brasileira em
seu sentido mais amplo, estrutu-
ral. Assim, a reforma educacional
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proposta por ele pressupõe tam-


bém uma renovação cultural que
levaria a uma maior valorização
da democracia, da ciência e da in-
dustrialização do país. A noção de
“educação como um direito de to-
dos” se fundamenta numa relação
direta com a própria consolidação
da democracia.
91
Sociologia da Educação

Nesse sentido, a proposta de uma escola para todos implica a incor-


poração do aluno ao ambiente escolar. A proposta passa, assim, para além
da abertura de vagas: o projeto defendido por Teixeira pressupõe uma rees-
truturação do projeto pedagógico voltado ao aluno, permitindo que ele pos-
sa a partir da escola praticar uma vida melhor. A escola passa a ser pensada
como instituição pública tanto no sentido do seu dever para com a socieda-
de como também no entendimento da importância dessa no meio social.
Nesse contexto, a escola é pensada ainda por sua finalidade cultural,
possibilitando ao aluno especialmente atividades ligadas às artes apli-
cadas e industriais, leituras, aos jogos, recreação, estudos e à pesquisa,
assim como aos projetos socializadores, devendo ser oferecidas, ideal-
mente, a todos os alunos até os 18 anos. Assim, de acordo com Teixeira,
seria possível preparar o aluno para as mais diferentes atividades e fun-
ções, e não apenas para as atividades intelectuais. No que diz respeito ao
ensino superior, Anísio Teixeira defendeu a ampliação das Universidades
Públicas, especialmente as ligadas à pesquisa, pois, segundo o autor, é es-
sencial a um país que deseja desenvolver-se produzir os conhecimentos e
soluções próprios aos problemas.
A reforma da educação pensada por Anísio Teixeira pressupôs uma
série de transformações de tal maneira que ela é pensada como uma polí-
tica de educação. Deveria, assim, incorporar mudanças estruturais e peda-
gógicas como, por exemplo, a organização do sistema público de ensino,
a democratização dos acessos, a formação, capacitação e aperfeiçoamento
do docente, a definição das responsabilidades dos governos em seus dife-
rentes níveis, o planejamento e descentralização do sistema educacional,
criação de cursos de pós-graduação etc (NUNES, 2000, p. 35). A reforma
educacional pretendida por Teixeira, dessa forma, sinalizava um conjunto
de mudanças, buscando diminuir privilégios e desigualdades, inserindo
essa esfera no centro das políticas que pensavam a transformação do país.
Segundo Hermes Lima, esse poder transformador da educação pode ser
compreendido da seguinte forma:

Pode-se dizer que Anísio acredita em educação porque acredita no


homem, nas suas possibilidades de mudar, de reconstruir, de refazer
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e de pensar. Traço igualmente representativo do seu pensamento


educacional é que não há como ponto prévio de partida, educações
diferentes para homens diferentes. São os homens mesmos que
diferenciarão ou graduarão, pelos dons da própria personalidade, a
educação que são suscetíveis de receber (LIMA, 1960, p. 132).

92
A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5

A educação, no ideal da Escola Nova e de seus signatários, mais do


que a formação intelectual, deveria contribuir para a formação do ser hu-
mano, promovendo seu crescimento e, como consequência, o crescimento
da própria sociedade.

Atividades
01. Aponte as principais características da Sociologia da Educação desen-
volvida nos anos 1930-1960 no Brasil.

02. Quais os principais ideais defendidos pelo “Manifesto dos Pioneiros


da Escola Nova?

03. Na teoria de Fernando de Azevedo, qual a relação entre educação e


coesão social?

04. Explique por que, para Anísio Teixeira a transformação educacional


estava atrelada a uma transformação cultural.

05. Leia o artigo de Maria José de Rezende, indicado no item “Leituras


recomendadas, e faça uma resenha tratando da relação entre educação e
democracia na perspectiva da Escola Nova.

Reflexão
O olhar sobre a educação nos anos 1930-1960 e as perspectivas so-
bre a Escola Nova nas abordagens de Fernando de Azevedo e Anísio Tei-
xeira nos permite compreender como essa esfera foi entendida a partir de
suas possibilidades como agentes transformadores da vida dos indivíduos
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e, ao mesmo tempo, nos depararmos com o fato de que essas propostas,


elaboradas já há décadas, nunca chegaram de fato a se concretizarem
ou tornarem-se pauta efetiva das políticas de Estado, nos levando-nos à
percepção de que, ainda nos dias de hoje, a educação e a escola ocupam
papel secundário nas prioridades dos governos. Tempos depois de todas as
discussões trazidas pelo “Manifesto da Escola Nova, a educação brasileira
ainda não possui estrutura e práticas pedagógicas que sejam capazes, de
fato, de preparar os sujeitos para a vida, aprimorando suas habilidades e
qualidades, preparando-os, enfim, para sua inserção plena na sociedade.
93
Sociologia da Educação

Leituras recomendadas
Para aprimorar seus estudos com relação aos conteúdos vistos neste
capítulo, indicamos as seguintes leituras:

REZENDE, Maria José de. Educação e mudança social em Fernando


de Azevedo. Acta Scientiarum: human and social sciences. Maringá,
v. 25, n. 1, p. 073-085, 2003. Disponível em: http://periodicos.uem.br/
ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/2199

Aqui, a autora analisa a teoria de Fernando de Azevedo e sua con-


cepção de educação, além de abordar também a influência de Dewey nas
formulações de Azevedo e da Escola Nova.

TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia. Rio de Janeiro:


Ed. UFRJ, 1997.

Nessa obra, você tomará conhecimento de uma das ideias centrais


defendidas por Teixeira, a saber, a educação como um direito de todos e
essencial para o desenvolvimento pleno da democracia.

NUNES, Clarice. Anísio Teixeira entre nós: a defesa da educação como


direito de todos. Educação & Sociedade, ano XXI, n. 9 p 73, dezem-
bro/2000. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/es/v21n73/4203>.

Nesse artigo, a autora apresenta as principais perspectivas de Anísio


Teixeira acerca da educação, além de contextualizar a produção do pensa-
dor e sua atuação na vida pública.

Referências
AZEVEDO, F. de. A educação e seus problemas. São Paulo: Melho-
ramentos, 1958. Tomo I.
Proibida a reprodução – © UniSEB

AZEVEDO, F. de. A cultura brasileira. Rio de Janeiro/Brasília:


UFRJ/UNB, 1996.

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A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5

BOMENY, Helena. O Brasil de JK. Fundação Getúlio Vargas. Dispo-


nível em >http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Educacao/
ManifestoPioneiros>. Acesso em: 17 jun. 2014

LIMA, Hermes. Anísio Teixeira: estadista da educação. Rio de Janei-


ro: Ed. Civilização Brasileira, 1978.

MARTINS, Claudio Benedito; DIAS DA SILVA, Graziella Moraes.


Encontros e desencontros da sociologia e educação no Brasil. Re-
vista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, nº 53. São Paulo, out.
2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
69092003000300011&script=sci_arttext>. Acesso em 16 jun. 2014.

NEVES, Clarissa Baeta. Estudos sociológicos sobre educação no Bra-


sil. In: MICELI, Sergio (org). O que ler na Ciência Social no Bra-
sil – 1970-2002. Vol. IV. São Paulo: ANPOCS: Ed Sumaré; Brasília:
CAPES, 2002. Disponível em: <http://www.anpocs.org/portal/index.
php?option=com_docman&task=cat_view&gid=153&limit=20&limit
start=0&order=date&dir=DESC&Itemid=315>.

NUNES, Clarice. Anísio Teixeira entre nós: a defesa da educação como


direito de todos. Educação & Sociedade, ano XXI, n. 9 p 73, dezem-
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REZENDE, Maria José de. Educação e mudança social em Fernando


de Azevedo. Acta Scientiarum: human and social sciences. Maringá,
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EAD-14-Sociologia da Educação – Proibida a reprodução – © UniSEB

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Sociologia da Educação

Minhas anotações:
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