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Universidade Federal de Juiz de Fora

Faculdade de Medicina
7° Período

RESUMO
DE

ANESTESIOLOGIA
ÍNDICE

MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA .......................................................................... 3


CHOQUE, REPOSIÇÃO VOLÊMICA E HEMOTRANSFUSÃO ............................................13
DROGAS VASOATIVAS .......................................................................................................20
REANIMAÇÃO CARDIOPULMONAR EM ADULTOS..........................................................27
AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA.........................................................................................36
ANESTÉSICOS LOCAIS............................................................................................................. 43
MANUSEIO DAS VIAS AÉREAS E INTUBAÇÃO TRAQUEAL ............................................50
BLOQUEIOS NO NEUROEIXO ............................................................................................58
ANESTÉSICOS VENOSOS ........................................................................................................ 65
ANESTÉSICOS INALATÓRIOS ...........................................................................................70
BLOQUEIO NEUROMUSCULAR .........................................................................................73
FISIOPATOLOGIA DA DOR E ABORDAGEM DA DOR AGUDA .........................................79
DOR CRÔNICA .....................................................................................................................86

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MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA

Transporte de O2 para os tecidos (DO2): fluxo ou perfusão tecidual

O modelo abaixo é um modelo ferroviário de transporte de oxigênio para os tecidos. O coração


é a estação do trem. O trem é comandado por uma locomotiva, que é o débito cardíaco, que é
quanto o coração consegue ejetar de sangue por minuto (normalmente de 5 a 6 litros). Os
vagões são a hemoglobina (a principal forma de transporte de oxigênio para os tecidos é ligado
à hemoglobina e, secundariamente, dissolvido no plasma). Se o trem tem poucos vagões, o
paciente tem anemia, ele não tem uma quantidade de hemoglobina adequada. O conteúdo
dos vagões é a saturação arterial da hemoglobina (SaO2), a quantidade de oxigênio que a
hemoglobina consegue carregar. Se a saturação está alta, é porque o vagão está cheio, a
hemoglobina está conseguindo carregar o oxigênio. O que enche os vagões são as trocas
gasosas no pulmão. O débito cardíaco transporta esse oxigênio até os tecidos.

O CaO2 é o conteúdo arterial de oxigênio.

CaO2 = (1,34 x SaO2 x Hb) + (0,0031 x PaO2)

1,34 é uma constante (a quantidade de oxigênio que satura 1g de hemoglobina). A SaO2 é a


saturação da hemoglobina (depende de uma boa troca alvéolo-capilar) e Hb é a quantidade de
hemoglobina. 0,0031 é a constante de dissociação do oxigênio no plasma e PaO2 é a pressão
parcial do oxigênio no plasma (uma vez que o oxigênio se dissolve no plasma ele gera uma
pressão).

A DO2 é o “delivery”, a oferta de oxigênio, é o que leva esse oxigênio para os tecidos. Ela
depende do débito cardíaco (10 é só para adequar as grandezas).

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DO2 = CaO2 x DC x 10

Além disso, o transporte depende da integridade dos trilhos, que na analogia representa a
resistência vascular periférica, o tônus vascular que vai gerar principalmente a pressão arterial.
Para haver fluxo a partir de um débito cardíaco para os tecidos tem que haver pressão,
resistência vascular periférica, tônus arterial ou arteriolar. O paciente séptico está
vasodilatado pelas citocinas sépticas, e isso diminui a RVP e leva a hipotensão, não gerando
pressão para a perfusão tecidual.

A parte venosa volta para o coração. Os tecidos extraem oxigênio da hemoglobina para fazer
glicólise aeróbia. Na parte venosa há o CvO2 (conteúdo venoso de oxigênio), cujo princípio é o
mesmo do conteúdo arterial. O valor normal é em torno de 70%, significando que a extração
normal de oxigênio pelos tecidos é em torno de 30%. Se existe um déficit na DO2, seja por um
débito cardíaco baixo, por um valor de hemoglobina baixo, por uma saturação de oxigênio
baixa, ou um resistência vascular periférica ruim, esse oxigênio que passa pelos tecidos será
mais avidamente extraído. Os tecidos irão extrair mais oxigênio do que 30%. Uma SvO2 abaixo
de 70% significa que os tecidos estão ávidos por oxigênio, e que há uma má perfusão tecidual,
e a DO2 não está adequada. A monitorização hemodinâmica é que vai mostrar qual elemento
da DO2 está inadequado. Se a saturação de oxigênio está baixa por uma baixa perfusão
tecidual, o lactato estará alto. Isso porque uma vez que os tecidos estão pobremente
oxigenados, a glicólise aeróbia vai virar glicólise anaeróbia, pela baixa quantidade de oxigênio
disponível, formando ácido láctico (lactato), e gerando uma acidose metabólica. O valor
normal de lactato é de 0,5 a 1 mmol/l. Se o lactato está alto, os tecidos estão fazendo glicólise
anaeróbia, porque está havendo baixa perfusão tecidual.
MONITORIZAÇÃO BÁSICA

É obrigatório no Brasil todo hospital monitorizar saturação periférica de oxigênio (SpO2)


através da oximetria de pulso, ECG e pressão arterial não invasiva (PANI). A oximetria de pulso
monitora, em tempo real, batimento a batimento, a saturação periférica de oxigênio. A
saturação periférica tende a corresponder à saturação arterial. Isso evita que seja necessário
fazer uma gasometria a todo momento. Se o dedo não estiver bem perfundido pode se usar a
orelha. O ECG na terapia intensiva não corre no papel, mas em um monitor. Ele serve para ver
se o paciente tem ritmo, se ele não está em parada cardíaca e para diagnosticar arritmias. A
pressão arterial não invasiva é automática, através de um método oscilométrico.
Na monitorização básica se vê a saturação periférica de oxigênio, a pressão arterial e o ECG.

MONITORIZAÇÃO AVANÇADA

Essas tecnologias que serão vistas adiante têm algum grau de morbidade, ou seja, apresentam
algum risco para o paciente.

Volume urinário

A medida do volume urinário é feita com uma sonda vesical. Teoricamente, a diurese é o
volume de 24 horas. Mas pode ser feita a medida por hora. O normal é de 0,5 a 1 ml/kg/h. Um
volume urinário normal pode significar que o rim está sendo bem perfundido. Se o rim está
sendo bem perfundido, ele vai produzir urina à taxa normal de 0,5 a 1 ml/kg/h. Se o rim não
está sendo bem perfundido, o rim vai produzir menos urina, e o paciente estará oligúrico. O
rim reflete a circulação esplancina (rins, intestinos, órgãos abdominais). Uma oligúria pode
significar má perfusão tecidual. Existem algumas situações em que a oligúria não está
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associada a uma boa ou má perfusão generalizada. Qualquer situação em que o paciente tem
uma ascite volumosa, um tumor grande, ou em cirurgias em que o médico insufla ar na
cavidade abdominal (situações de síndrome compartimental abdominal), há aumento da
pressão abdominal e vai diminuir a perfusão renal sem relação com a perfusão de outros
órgãos. De todos os métodos invasivos para monitorização hemodinâmica esse é o mais
simples. É invasivo porque a sonda vesical predispõe a infecção urinária. Deve ser usado então
pelo mínimo de tempo possível.

Pressão arterial invasiva

É inserido um cateter dentro de uma


artéria. A mais comumente utilizada é
a radial. Liga-se esse cateter a um
transdutor de pressão arterial, que vai
fazer uma curva de pressão arterial
batimento a batimento em um
monitor eletrônico. A pressão arterial
não invasiva tem medidas menos
precisas, fidedignas, que nesse
método. As artérias mais usadas, em
ordem de preferência, são: radial,
femoral, ulnar, braquial, tibial
anterior.
As indicações desse método são para
pacientes críticos, em estado de
choque, em que se precisa saber a
pressão em tempo real, com a
monitorização a cada batimento
cardíaco. Além disso, também é indicado quando há impossibilidade de medir a pressão
arterial de forma não invasiva. Em alguns pacientes, como obesos mórbidos, o manguito não
consegue fornecer uma medida fidedigna, ou quando o paciente está passando por alguma
cirurgia em decúbito ventral. E por último, como a artéria radial está ligada a um transdutor de
pressão e a um equipo, podem ser colhidos exames de forma seriada (como a gasometria
arterial).
Como um procedimento invasivo, pode incorrer em complicações. Mas felizmente essas
complicações são raras. O mais comum é um hematoma, que é benigno, basta comprimir a
artéria. Vasoespasmo e isquemia são complicações mais perigosas, pois pode isquemiar o
território de irrigação da radial. Daí a necessidade de um teste de beira de leito, chamado de
teste de Allen para a artéria radial: o examinador oclui ambas as artérias da mão do paciente –
radial e ulnar – e pede para o paciente abrir e fechar a mão; o examinador então libera a
artéria ulnar; se em até 10 segundos a mão corar por inteiro significa que se a radial estiver
ocluída a ulnar consegue suprir por inteiro o território de uma possível isquemia ou trombose
da radial. Este é o teste de Allen positivo. O teste de Allen negativo (imagem) é quando após
10 segundos existem áreas visivelmente isquêmicas, significando que a artéria ulnar não
consegue suprir todo o território da radial, e não se deve puncionar essa radial. Deve-se ir para
a outra mão, ou para a femoral. Existe ainda o risco de trombose, infecção (cateter), injeção
acidental de drogas venosas em uma artéria.

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Acesso venoso central

É um acesso a veias próximas do


coração. As principais são a jugular e a
subclávia. O ideal é que o acesso seja
feito com o auxílio do ultrassom. Hoje
em dia a preferida é a jugular interna,
porque é facilmente acessível pelo
ultrassom. A subclávia, por causa da
janela óssea, não é facilmente vista pelo
ultrassom. Existe ainda a possibilidade
de se usar a veia femoral, que
desemboca na cava inferior. Existem
formas de chegar ao acesso venoso
central através de veias periféricas
(cefálica ou basílica) chegam à veia central. Mas são cateteres caros (cateter de PICC), nem
sempre disponíveis, exceto na pediatria, em que é mais disponível.
O acesso venoso central serve para reposição volêmica. Além disso é possível monitorizar a
SvO2 central e o lactato. Ele serve ainda para estimativa de pressão venosa central.

Pressão venosa central

O cateter venoso central, na veia cava superior, consegue medir a pressão do sangue que está
chegando ao átrio direito. O zero da PVC tem que estar na linha do coração do paciente (com
ele deitado reto na cama, deve estar alinhado com linha axilar média, quarto espaço
intercostal – altura do átrio direito). A PVC mede, através de um transdutor, a pressão de
retorno venoso de átrio direito, e com isso consegue-se estimar a pré-carga para o coração
direito. Consegue-se ter uma noção da pressão de enchimento do átrio direito. O normal é de
4 a 8 mmHg ou 6 a 10 cmH2O. A PVC só fala de coração direito.
Na maioria das vezes, quando se tem uma PVC baixa, significa que está tendo pouco retorno
venoso para aquele coração, e o paciente provavelmente está hipovolêmico. A hipovolemia
pode ser absoluta ou relativa. A absoluta é por perda de sangue (hemorragia). A relativa é uma
desproporção entre continente e conteúdo, através de uma vasodilatação (sepse, anestesia).
Se a PVC está alta, ou há uma hipervolemia, ou pode significar uma insuficiência cardíaca,
porque o sangue que está voltando pro coração, ele não está tendo força para ejetar esse
sangue para o pulmão. A PVC alta nos mostra uma situação de hipervolemia ou uma disfunção
de coração direito.
As complicações relacionadas à PVC são aquelas relacionadas à punção venosa: hematoma,
pneumotórax (principalmente na subclávia, pois nas tentativas cegas de puncionar a subclávia
pode-se atingir cúpula pleural e provocar um pneumotórax), lesão vascular (ao puncionar a
jugular pode pegar a artéria carótida, mas o ultrassom mostra as duas muito bem; sem
ultrassom tem que se fazer por referência anatômica) e infecção.

Ecocardiograma

O ecocardiograma transtorácico é totalmente não invasivo. O ecocardiograma é excelente


monitor de beira de leito de débito cardíaco. Além disso ele mostra anatomia e função de
válvulas e cavidades cardíacas. O eco mostra se o coração está batendo bem, se tem força

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contrátil. Por exemplo, se o paciente tem a PVC alta, pode-se fazer o eco, e vendo câmaras
direitas dilatadas e má performance ventricular fecha-se o diagnóstico de insuficiência
cardíaca. Ele consegue avaliar contratilidade e estimar o débito cardíaco. Ele mede volume
sistólico de ventrículo e volume diastólico final. Fazendo-se a diferença entre eles, tem-se a
fração de ejeção. Pela fração de ejeção vê-se o débito cardíaco. Além disso ele auxilia no
diagnóstico de isquemia miocárdica (a parede de ventrículo mal perfundida está em uma
situação de hipocinesia, não se movimenta bem, e o eco mostra isso, diminuição de amplitude
de movimento), embolias, tamponamento pericárdico, etc. Existe ainda o ecocardiograma
transesofágico, que consegue ver o coração ainda melhor. Só que o paciente precisa estar
sedado ou dormindo. O eco transesofágico já é considerado invasivo, é minimamente invasivo.
Cateter de artéria pulmonar (CAP)

Apesar de ser um monitor cada vez


menos utilizado, o CAP ainda é o
parâmetro de comparação de todos os
outros monitores de débito cardíaco
invasivos. É o cateter de Swan-Ganz.
Lembrar que a artéria pulmonar leva
sangue venoso para o pulmão para ser
oxigenado. A veia de inserção dele é a
mesma de qualquer acesso venoso
central: preferência pela veia jugular
interna. Ele tem vários lúmens, e é
conectado a um computador cujo
software vai conseguir estimar várias
medidas hemodinâmicas. Por ser caro,
está disponível em poucos hospitais.
Ele é chamado o padrão-ouro para o
débito cardíaco, porque todos os outros
métodos invasivos de estimativa do
débito cardíaco são comparados a ele, e
ele consegue realmente ser melhor que os outros, pois ele vai estar na artéria pulmonar,
muito próximo da ejeção do ventrículo direito. Ele ultrapassa o átrio direito pela válvula
tricúspide, entra pela artéria pulmonar e vai parar lá na circulação pulmonar. Ele segue o
trajeto preferencial de fluxo de ejeção do ventrículo direito. Ele tem um balão na ponta que,
ao ser inflado, se ancora em um dos ramos da artéria pulmonar. Esse balão não fica inflado o
tempo todo, senão ele lesa aquele ramo da artéria pulmonar. Ele é inflado só no momento de
aferir o débito cardíaco.
Com o Swan-Ganz é possível colher amostrar para medir a SvO2 central. E ele consegue medir
pressão na artéria pulmonar através de um transdutor, em situações de insuficiência cardíaca
e hipertensão pulmonar. Se o paciente tiver alta pressão na artéria pulmonar, ele está prester
a ter um edema agudo de pulmão. Uma pressão alta na artéria pulmonar, seja por
hipervolemia ou por um coração esquerdo insuficiente, a tendência é transudar líquido do
vaso para o interstício. Se a pressão hidrostática estiver alta, transuda líquido do vaso para o
interstício pulmonar, que é o edema agudo de pulmão.

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Como ele mede o débito cardíaco? É pelo princípio da termodiluição. Ele é medido com o
balão inflado. O operador injeta uma quantidade de líquido (solução salina, 5 a 10ml) em
temperatura 12oC mais fria do que a temperatura corporal, dentro do coração, por um dos
lúmens do Swan Ganz, e na ponta do Swan-Ganz tem um termômetro, onde mede-se a
variação da temperatura do sangue injetado até a ponta do cateter Swan-Ganz. Se existe uma
pequena quantidade de sangue dentro das câmaras atriais e ventriculares (baixo débito
cardíaco), esse sangue vai resfriar mais, e área abaixo da curva de temperatura será grande. Se
houver uma grande quantidade de sangue nas câmaras, a solução salina não vai conseguir
resfriar tanto o sangue, e a área abaixo da curva de diferença de temperatura menor. O débito
cardíaco é inversamente proporcional à área abaixo da curva de ∆T. Essa medida não é feita
batimento a batimento, mas só quando é injetada a solução salina. Normalmente são feitas 3
injeções e a curva utilizada é a média entre as 3 curvas obtidas. Com isso é possível, através de
algoritmos, estimar o débito cardíaco.

CO: cardiac output (débito cardíaco)

Outra medida feita com o Swan-Ganz é a pressão de oclusão da artéria pulmonar, ou PoAP. O
Swan-Ganz vem do coração direito e para em um ramo da artéria pulmonar, onde o balão é
insuflado. O transdutor vai medir a pressão de enchimento do átrio esquerdo, distal ao balão.
É a pressão da veia pulmonar e de enchimento do átrio esquerdo. A PoAP mede a pré-carga do
coração esquerdo. Uma PoAP alta significa uma disfunção de ventrículo esquerdo. O VE não
está conseguindo ejetar o sangue que chega a ele, e a pressão é transmitida retrogradamente
para átrio esquerdo e veia pulmonar.

O Swan-Ganz é o único monitor que consegue medir a resistência vascular sistêmica, se está
alta (vasoconstrição) ou baixa (vasodilatação).

O Swan-Ganz está propenso a muitas complicações, e hoje em dia é pouco indicado. Ele tem
situações de indicação específicas, mesmo porque é uma tecnologia cara e pouco disponível.
Ele pode ter todas as complicações de um acesso central, como hematoma, pneumotórax,
lesão vascular, infecção. Como ele passa pela tricúspide, pode dar arritmias. Pode dar ruptura
de artéria pulmonar, infarto pulmonar. E o cateter pode estar mau posicionado, o que é a
principal causa de interpretação errada de débito cardíaco, gerando atitudes erradas.

Os desfechos clínicos do uso do Swan-Ganz mostram que ele não aumenta a mortalidade
(antigamente alguns estudos mostravam que o uso do Swan-Ganz aumentava a mortalidade,
mas na verdade o Swan-Ganz é indicado em pacientes mais graves, que naturalmente têm
maior potencial de morte), mas também não melhora a sobrevida. Além disso, ele tem
morbidade significatica, por causa das complicações.

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Hoje em dias as indicações do Swan-Ganz são para paciente com disfunção cardíaca grave (vai
medir débito cardíaco, PoAP, PVC), no choque séptico ele é interrogado. É bom na hipertensão
pulmonar, porque está dentro da artéria pulmonar. E em alguns tipos de cirurgia (cardíacas,
aneurisma de aorta abdominal, alguns tipos de transplantes, principalmente o hepático).

Débito cardíaco e fluidorresponsividade

Para que se dá reposição volêmica, se repõe volume para o paciente? Nem sempre a reposição
deve ser feita com transfusão de sangue, pois existem riscos. A reposição volêmica é feita com
substitutos do sangue (cristalóide e colóide), mas em alguns casos é feita a tranfusão de
sangue, principalmente se a hemoglobina estiver baixa. A reposição volêmica é feita para
restaurar a volemia e para aumentar o débito cardíaco e consequentemente melhorar a DO2.
Se for feita um reposição volêmica em que não está aumentando o débito cardíaco vai estar
sendo dado volume de forma inútil. Se é dado volume e o débito cardíaco não aumenta, esse
volume vai represar no pulmão e sobrecarregar o coração. Só se deve dar volume a um
coração que responde a essa reposição volêmica, se houver responsividade volêmica ou
fluidorresponsividade.

O gráfico acima mostra a curva de Frank-Starling. No eixo das ordenadas está o débito cardíaco
e na abscissa a pressão venosa central ou PoAP. No paciente A a infusão de fluido aumenta o
débito cardíaco, em uma relação linear entre infusão de fluido e débito cardíaco. Isso se chama
fluidorresponsividade. Para saber se o paciente é fluidorresponsivo se faz um teste de efusão
de fluidos. Se dá uma quantidade de fluido (normalmente 200 a 500ml, para não
sobrecarregar o coração), e vê se vai aumentar o débito cardíaco. Se for dada uma quantidade
de fluido em que se consegue enxergar o aumento do débito cardíaco, pode-se continuar
infundindo fluido. No entanto, se continua dando fluido e ele retifica a curva (paciente B), não
aumentando o débito cardíaco mas apenas a PVC ou PoAP, isso é maléfico. Está sendo
sobrecarregado o pulmão e coração desse paciente. Por isso é importante a monitorização do
débito cardíaco, para saber se o paciente está sendo fluidorresponsivo. Infelizmente, a minoria
das UTIs e salas de cirurgia têm um monitor de débito cardíaco, e nesse caso se age de forma
empírica, tendo apenas a PVC como parâmetro. Se a PVC está muito alta para-se de infundir
líquido. O débito cardíaco está diretamente relacionado à DO2.

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Monitores de débito cardíaco e SvO2 minimamente invasivos

O Swan-Ganz tem cada vez menos


indicações, porque os monitores
de débito cardíaco e SVO2
minimamente invasivos, apesar de
serem caros e pouco disponíveis,
geram menos morbidade. É uma
nova tecnologia, ainda pouco
disponível no Brasil. Esses
monitores vão ter uma interface
entre artéria e veia. A veia deve
ser central, de preferência a
jugular interna. A artéria tem que
ser a femoral, porque uma das
formas do aparelho calcular o
débito cardíaco é através da curva de PA, e aí tem que ser uma artéria próxima da aorta para
ser mais fidedigno, e a femoral tem uma curva de pressão muito semelhante à da aorta, e
consegue estimar melhor o débito cardíaco.

Essa tecnologia vai aliar a análise do contorno da pressão de pulso com a termodiluição. O
próprio aparelho injeta a solução fria ou de temperatura ambiente na parte venosa, esse
líquido circula, e na arterial ela vai medir a diferença de temperatura e vai fazer a curva de
termodiluição. Nesse monitor existe ainda um outro tipo de diluição que é a do lítio. As
variações da litemia são muito pequenas. O aparelho injeta uma pequena quantidade de lítio
na parte venosa e mede na parte arterial. Quando mais diluído o lítio melhor o débito
cardíaco. Quanto menos diluído o lítio, pior o débito cardíaco.

Os nomes desses aparelhos são FloTrac-Vigileo,PiCCO, LiDCO, Volume View.

O aparelho consegue medir o débito cardíaco e também a SvO2. Ele consegue ver por exemplo
um débito cardíaco baixo e a consequente queda da SvO2. Aí se faz uma infusão de infusão de
líquidos, e o aparelho vai mostrar, em tempo real, o aumento do débito cardíaco e da SvO2.
Consegue-se ver também se o paciente não é fluidorresponsivo, se ao infundir líquido o débito
cardíaco não aumenta.
Variação da pressão de pulso (∆PP)

Esse tipo de monitorização ainda é o mais próximo da nossa realidade. O que o monitor
precisa é de uma artéria, que pode ser a radial, e precisa que o paciente esteja entubado em
ventilação mecânica. O paciente em respiração expontânea não cabe esse tipo de
monitorização, mas o paciente crítico que está em UTI ou sala de cirurgia em ventilação
mecânica.

A ventilação mecânica é o inverso da nossa fisiologia respiratória. O ar entra nos pulmões pela
incursão torácica que gera uma pressão negativa interpleural. A ventilação mecânica põe uma
pressão positiva nos pulmões. O ar entra porque o ventilador cria uma pressão positiva que
empurra o ar pelo tubo até os pulmões, criando uma pressão positiva no tórax. O retorno
venoso se dá pela diferença de pressão entre abdome e tórax. Se há uma pressão positiva no
tórax, diminui o retorno venoso para o coração direito. Ao mesmo tempo, como a pressão
positiva no tórax insufla o pulmão, ela esmaga alguns vasos no mediastino, e é como se o
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pulmão espremesse o sangue como uma esponja para o coração esquerdo. Então, ao mesmo
tempo, na ventilação mecânica, enquanto há uma diminuição do retorno venoso para o
coração direito, há uma melhora de retorno venoso para o coração esquerdo. Nas fases do
ciclo respiratório (inspiração-expiração), quando mais hipovolêmico está o paciente, maior é
essa diferença de pico de pressão entre a inspiração e a expiração. Existe uma variação do pico
de pressão sistólica entre inspiração e expiração. A PP máxima é na inspiração e a PP mínima é
na expiração. Se essa variação (∆PP) for maior do que 13% entre inspiração e expiração, esse
paciente é fluidorresponsivo, ele está hipovolêmico e responde bem a volume. Se essa
variação for menor que 13%, teoricamente a volemia desse paciente está adequada e ele não
vai responder à efusão de líquidos. Pode-se fazer teste de infusão de fluidos usando o ∆PP.
Faz-se de 200 a 500ml de cristalóide e vê-se a variação do ∆PP. Se ele estiver maior do que
13% o paciente está fluidorresponsivo e pode-se dar mais volume.
Essa tecnologia não estima o débito cardíaco. Ela apenas estima o grau de hipovolemia e de
responsividade.

Caso clínico

Idoso com tumor de reto sigmoide sangrante. O paciente fez uma colonoscopia que evidenciou
sangramento e um tumor estenosante de reto. O tumor fez uma obstrução intestinal e sepse.
O tumor quando cresce para dentro da luz intestinal interrompe o trânsito intestinal. A partir
daquele segmento há um sofrimento de alça, e as bactérias que estão no interior da alça
fazem translocação bacteriana, caindo na corrente sanguínea e gerando uma sepse. O
paciente vai para cirurgia, para retirar o tumor, revertendo a obstrução e retirando o foco
séptico. O paciente chega na sala de cirurgia torporoso e hipotenso (80x50mmHg), FC 125 bpm
(taquicárdico), SpO2 97%. No hemograma o paciente vem com uma anemia (Hb 8,0). A
saturação venosa de O2 está baixa e o lactato está alto. O que é preciso monitorizar no
paciente para saber se é preciso dar volume, transfundir hemácia ou dar um suporte
inotrópico ou vasopressor?
Resolução do caso clínico

Para saber se é preciso fazer reposição volêmica ou usar drogas nesse paciente, é preciso
monitorizar a hemodinâmica desse paciente. A pressão arterial, a hemoglobina e o SvO2 já
estão monitorizados. É preciso monitorizar o débito cardíaco desse paciente, e saber se ele é
fluidorresponsivo. Swan-Ganz não é o caso. Deve-se usar um monitor minimamente invasivo
de débito cardíaco ou o ∆PP.

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O paciente está com a saturação periférica de 97%, PA baixa e hemoglobina baixa. Ele está
saturando bem, então teoricamente as trocas pulmonares dele estão boas. Ele está com o
débito cardíaco e a PA baixos. Débito cardíaco é fluxo e PA é resistência. A SvO2 está baixa e o
lactato alto. Ele está com o débito cardíaco baixo, provavelmente porque ele perdeu sangue, o
que leva a um baixo retorno venoso e o débito cardíaco também fica diminuído.

A primeira decisão a se tomar é fazer um teste de fluidorresponsividade, um teste de efusão


de fluidos. Vai ser dado volume para esse paciente, e ver se o débito cardíaco vai responder ao
volume. Supondo que o débito cardíaco melhore com o volume, deve-se ir dando volume até
ele estabilizar, e a tendência é melhorar tudo. Mas suponha que no paciente o volume não
melhorou o débito cardíaco. Nesse caso o que está falhando é o coração. É preciso então
associar droga inotrópica ao volume para melhorar a performance do coração do paciente.
Supondo que o débito cardíaco tenha melhorado, mas a PA continua baixa e a SvO2 também, e
o lactato está alto. Ou seja, a perfusão ainda está baixa. Agora é preciso mexer na PA para
garantir perfusão, pressão de perfusão. É preciso associar então droga vasopressora. Com isso
melhorou a PA. Mas a SvO2 continua baixa. Nesse momento é preciso fazer hemotransfusão (a
hemoglobina está baixa). Com isso se consegue uma DO 2 adequada. Porém, lembrar que,
mesmo que a hemoglobina esteja baixa, se o uso de volume de drogas melhora a DO2 não é
preciso transfundir o paciente.

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CHOQUE, REPOSIÇÃO VOLÊMICA E HEMOTRANSFUSÃO

O choque é a expressão clínica da falência circulatória que resulta em inadequada utilização de


oxigênio pelas células. A tríade fundamental para o diagnóstico clínico e laboratorial do
choque é: pressão arterial sistólica menor que 90mmHg e/ou pressão arterial média menor
que 70mmHg + taquicardia, por baixa perfusão tecidual o paciente pode apresentar palidez
cutâneo-mucosa, baixo débito urinário (abaixo de 0,5 ml/kg/h) e/ou alteração do estado
mental (baixo débito cerebral: torporoso, agitado ou confuso), além do lactato acima de 1,5
mmol/l. Quanto maior o lactato, pior o prognóstico. Porém, se uma medida terapêutica é
tomada e o lactato baixa, isso é um bom sinal, significando que o paciente respondeu bem à
terapêutica.

Existem quatro tipos de choque. O choque distributivo é o tipo mais comum de choque dentro
da terapia intensiva. A base fundamental do choque distributivo é a vasodilatação. Existe baixa
pressão de perfusão tecidual. O mais comum dos choques distributivos é a sepse. As citocinas
inflamatórias liberadas por bactérias na sepse levam à vasodilatação generalizada em todos os
leitos vasculares. Outro exemplo de choque distributivo é o choque anafilático. Nesse caso a
vasodilatação é mediada pela degranulação maciça de mastócitos, com liberação de histamina,
um potente autacóide vasodilatador. O indivíduo uma vez na vida foi exposto a um antígeno, e
quando ele é reexposto, há a degranulação de mastócitos a partir da ligação a anticorpos IgE. A
essência do choque anafilático é vasodilatação e aumento de permeabilidade capilar. Com
isso, pode haver edema, como por exemplo o edema de glote. A lesão medular,
principalmente no TRM, é o chamado choque neurogênico. O que acontece é a interrupção da
inervação simpática. Na medula, a origem do simpático é toracolombar, de T1 a L2, onde estão
os corpos de neurônios ganglionares simpáticos. No TRM entre T1 e L2, quanto mais próximo
de T1, maior a simpatectomia. Existe a interrupção da inervação simpática abaixo daquele
ponto, com vasodilatação. Tanto na anestesia raqui quanto a peridural podem, por isso,
também causar vasodilatação.
O choque hipovolêmico se dá por perda de plasma ou volume sanguíneo. O mais comum é a
hemorragia, em um trauma, ou numa cirurgia, dependendo do porte. Existe também a perda
interna. Não é o sangramento para o exterior. É pelo mesmo princípio da vasodilatação. Às
vezes um choque está associado ao outro. Com a vasodilatação o líquido de dentro do vaso
pode ir para o interstício por aumento da permeabilidade, diminuindo o volume dentro do
vaso. Mas o mais comum é a perda externa, seja traumática, por um tumor sangrando ou por
uma cirurgia.

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O choque cardiogênico se deve a uma falência ventricular. O coração está sem força para
ejetar a pré-carga que está chegando para ele, e o DO2 fica baixo. As maiores causas de choque
cardiogênico são a insuficiência cardíaca congestiva, que o paciente pode já ter cronicamente,
ou adquirir de maneira aguda por um infarto agudo do miocárdio. O infarto pode necrosar
uma parte importante de parede do ventrículo, e se existe isquemia ou necrose de mais de
40% do ventrículo ele fatalmente vai entrar em choque.

Por último, e menos comum, é o choque obstrutivo. Existe uma obstrução ou restrição à
ejeção ventricular, e portanto ao DO2. Como exemplo temos o tamponamento pericárdico. Se
o indivíduo tem um tamponamento pericárdico, que pode ser por um hemotórax, uma
pericardite (exsudato), a efusão pericárdica vai impedir a diástole. A lei de Frank-Starling diz
que para se ter uma boa sístole é preciso ter uma boa diástole. A sístole vai ocorrer com baixo
débito cardíaco, e o DO2 vai ficar comprometido. A embolia pulmonar é outro exemplo, desde
que seja mais maciça. A embolia pulmonar é uma obstrução, por um grande coágulo por
exemplo, vindo de uma TVP. O trombo se aloja em artéria pulmonar. O ventrículo direito vai
ter um aumento súbito de pós-carga. Aquele trombo que se alojou subitamente em um ramo
da artéria pulmonar vai provocar uma resistência à ejeção do ventrículo direito. A
consequência disso é uma dilatação do ventrículo direito. Por um fenômeno chamado
interdependência ventricular, o ventrículo direito exageradamente alargado vai desviar o
septo interventricular para o lado do ventrículo esquerdo, diminuindo o tamanho do VE,
gerando uma restrição à pré-carga de VE (não vai ter uma boa diástole), diminuindo o débito
cardíaco e o DO2. Outra causa é um pneumotórax. Tem que ser um pneumotórax de grande
monta. O pulmão, restrito por uma cavidade aérea, diminui de tamanho e aumenta a
resistência vascular. Aí acontece a mesma coisa: o VD começa a ter que bater contra uma pré-
carga elevada, dilata, VE diminui e fica com a pré-carga prejudicada. Além disso, às vezes o
pneumotórax é tão extenso que desvia mediastino para o lado oposto. Aí os vasos da base se
dobram, e diminui o retorno venoso para o coração esquerdo, e há uma situação de choque
obstrutivo.
O quinto tipo de choque seria o choque misto, que é bastante comum, quando se associam
dois ou mais tipos de choque.

Na propedêutica do choque deve-se lembrar daqueles 3 sinais: hipotensão, sinais de


hipoperfusão periférica e hiperlactatemia. Se isso está presente, temos um choque
circulatório. Nesse momento se lança mão de monitorização hemodinâmica, estimando o
débito cardíaco ou SvO2. Se o débito cardíaco está normal ou alto, confirma-se com o
ecocardiograma. O ecocardiograma mostrando câmaras cardíacas normais e usualmente
contratilidade preservada, é um choque distributivo. O débito cardíaco pode estar até alto no
choque distributivo, porque a resistência vascular periférica está baixa, mas mesmo assim não
tem pressão de perfusão.
Se, estimando o débito cardíaco, o débito cardíaco está baixo, vai se avaliar a PVC (pressão de
enchimento de átrio direito). Se o débito está baixo e a PVC baixa, e se vê no ecocardiograma
câmaras cardíacas pequenas, vazias, com contratilidade normal ou aumentada, ou seja, o
coração está hiperdinâmico, tentando bater mais porque ele recebe pouco sangue, estamos
diante de um choque hipovolêmico.

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Se, com o débito cardíaco baixo, mas a PVC está alta, existem duas possibilidades na
ecocardiografia. Se os ventrículos estão alargados e com contratilidade ruim, é um choque
cardiogênico, falência de bomba. A PVC está alta porque o coração não consegue ejetar aquela
pressão que está chegando nele. Por fim, o choque obstrutivo também tem baixo débito
cardíaco e PVC alta. No ecocardiograma, no entanto, vai-se ver uma efusão pericárdica, com
ventrículos pequenos por estarem restritos e uma veia cava dilatada, no caso do
tamponamento. Na embolia ou pneumotórax o ventrículo direito estará dilatado e o ventrículo
esquerdo pequeno.
O tratamento do choque vai depender da causa. O primeiro passo é corrigir a causa. No caso
de um choque hipovolêmico, por exemplo, deve-se controlar o sangramento. Um paciente que
infarta e tem um choque cardiogênico, por exemplo, deve ter a coronária reperfundida para
tentar fazer aquela área voltar a funcionar. Trombólise ou embolectomia na embolia
pulmonar. Uso precoce de antibióticos é importantíssimo em qualquer sepse, e controle do
foco séptico.

Além do tratamento da causa, a estratégia de tratamento do choque envolve ventilação


(muitas vezes o paciente não está oxigenando bem e é preciso ventilar, entubar), reposição
volêmica (na grande maioria dos choques, pois o paciente tem hipovolemia absoluta ou
relativa – no caso de vasodilatação, por exemplo) e utilização de drogas vasoativas e/ou
agentes inotrópicos.

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REPOSIÇÃO VOLÊMICA

O objetivo principal da reposição volêmica é restaurar a volemia e aumentar o débito cardíaco


para melhorar a DO2. Só se repõe volume em paciente que seja capaz de aumentar o débito
cardíaco, ou seja, que seja fluidorresponsivo, pois caso contrário pode-se aumentar a PVC,
fazer edema agudo de pulmão e sobrecarga de câmaras. Por isso lança-se mão do teste de
fluidorresponsividade. Infunde-se uma pequena quantidade de fluido, monitorando se o
débito cardíaco vai aumentar. Se aumentou, continua-se infundindo em pequenas alíquotas,
até o débito cardíaco não se alterar mais.

A reposição volêmica pode ser feita em veias periféricas ou em veias centrais. Entre os tipos de
fluidos estão os cristalóides, que são soluções eletrolíticas à base de cloreto de sódio, com ou
sem glicose, e outros eletrólitos. Os exemplos principais são a solução de NaCl a 0,9%,
chamada de solução fisiológica (mas de fisiológico ele não tem nada, e a literatura
internacional recomenda o uso do termo solução salina), o ringer lactato, que é o mais
comum, o soro glicosado a 5%, que serve basicamente para prover energia, e o Plasma-Lyte,
que é o mais novo e o mais caro. Os colóides têm proteínas de alto peso molecular. São
proteínas na maioria das vezes sintéticas. Um exemplo é o amido (hydroxyethyl starches
dextrans), mas tem também a albumina, gelatinas e dextrans. Só será falado dos amidos, que
são os mais usados. Por último, existem os hemoderivados, como os concentrados de
hemácias, que são usados para a restauração do DO2.
É preciso lembrar da distribuição da água e eletrólitos no organismo. Existe o líquido
extracelular (LEC) e o líquido intracelular. A maior parte do líquido do organismo está no
intracelular. O líquido extracelular é dividido em interstício (75%) e intravascular (25%). O
sódio é o íon principal determinando a osmolaridade plasmática, e as proteínas plasmáticas
são as principais responsáveis pela pressão oncótica. Tanto a osmolaridade quanto a pressão
oncótica são capazes de reter líquido dentro do vaso.
Se é infundido soro glicosado (água + glicose e nenhum outro eletrólito), as células vão captar
rapidamente essa glicose. Uma vez que a célula capta a glicose, só sobra água, e essa água
entra na célula, porque as células puxam água livre. O soro glicosado, então, não expande
nada, ele só dá edema intracelular. O soro glicosado só serve para prover energia para um
paciente com hipoglicemia, ele não expande volume nem DO2. A reposição volêmica é feita
com cristalóide e colóide.

A base dos cristalóides são íons sódio e cloro. Esses íons são muito pequenos, capazes de
atravessar o endotélio e ir para o interstício. Esse sódio vai seguir o caminho natural da água
corporal, que tende a ficar 75% no interstício. À concentração de 0,9% eles são praticamente
isotônicos. Então se for infundido 1.000ml de solução salina ou ringer lactato, cerca de uma
hora depois, 75% desse litro vai para o interstício. Apenas 250ml fica no intravascular. Foi
expandido preferencialmente o interstício. Expansão intersticial em excesso causa edema
generalizado. Ou seja, se é possível quantificar uma perda sanguínea do paciente, para repor
essa perda é preciso dar 3 a 4x mais de cristalóide, porque 75% vai para o interstício. Essa é a
grande desvantagem do cristalóide. Se a sobrecarga de líquido do insterstício ultrapassar a
capacidade do linfático de reabsorver, vai ter o edema intersticial (cérebro, pulmão, intestinos,
etc).
Os colóides são proteínas não plasmáticas, de alto peso molecular, sintéticas. Essas proteínas
não conseguem ultrapassar a barreira do endotélio e, por isso, não vão para o interstício. Elas

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aumentam a pressão oncótica. O colóide, além de expandir o intravascular, puxa líquido do
interstício, por aumentar a pressão oncótica. Então, do ponto de vista fisiológico, é melhor
repor uma perda sanguínea com solução coloidal. Porém, os colóides têm muitos efeitos
colaterais.

Fluido Na Cl K Ca Mg Tampão pH Osmolaridade


Plasma 141 103 4-5 5 2 Bicarbonato 7,4 289
NaCl 0,9 154 154 5,7 308
Ringer lactato 130 109 4 3 Lactato 6,4 273
Plasma-Lyte 140 98 5 3 Acetato, 7,4 295
gluconato

Comparando, na tabela acima, a composição do plasma com os cristalóides. Nota-se que a


solução salina tem muito sódio e cloro, e não tem os outros íons e nem tampão. Ele é muito
ácido (5,7). A infusão de grandes volumes de NaCl a 0,9% fatalmente vai gerar uma acidose
metabólica chamada de hiperclorêmica, pelo excesso de cloro. Além disso, o excesso de cloro
no rim sobrecarrega a mácula densa. A mácula densa, através de um mecanismo chamado de
feedback túbulo-glomerular, se existe um excesso de aporte de NaCl para aquele rim, lá na
arteríola aferente a mácula densa vai detectar esse excesso de NaCl, no caso de uma acidose
metabólica hiperclorêmica, e vai gerar uma vasoconstrição da arteríola aferente. O rim
entende que existe uma sobrecarga. Vai diminuir a pressão de filtração e pode causar isquemia
renal e insuficiência renal, principalmente em pacientes que já têm lesão renal preexistente.
O ringer lactato tem Na e Cl próximos ao do plasma, e tem outros íons. O tampão é o lactato,
mas ele não aumenta o lactato do sangue, porque é uma quantidade pequena só para
tamponar. Raramente, em pacientes hepatopatas com dificuldade de clarear, metabolizar, o
lactato, pode aumentar, mas é muito raro mesmo. O pH é 6,4, tem muita diferença em relação
ao plasma, apesar de menos que o NaCl. O Plasma-Lyte tem pH igual ao do plasma e
composição iônica semelhante. É o melhor cristalóide. Mas é muito caro. Na falta dele se usa o
ringer lactato.
A grande vantagem dos cristalóides em relação aos colóides é o preço (exceto o Plasma-Lyte).
A utilização de grandes volumes de qualquer cristalóide leva a uma expansão intersticial em
excesso, podendo causar edema periférico, pulmonar, visceral, cerebral, etc. Em relação à
ocorrência de acidose metabólica hiperclorêmica, o NaCl tem mais chance que o ringer lactato,
que tem mais chance que o Plasma-Lyte. Lembrando que é preciso aquecer a solução antes de
infundir, para não levar o paciente a uma situação de hipotermia.
Os colóides, cujo principal exemplo é o amido hidroxietílico (HES). São proteínas de alto peso
molecular (130 mil daltons). A expansão plasmática é preferencialmente venosa e dura várias
horas (até que essas proteínas sejam quebradas e ganhem um peso molecular que permita a
filtragem pelos rins), ao contrário do cristalóide, que é uma hora, uma hora e meia. Porém, os
colóides têm potencial de reação alérgica (é uma proteína artificial, exógena ao organismo), de
alteração da coagulação (essas proteínas interagem com fator de Von Willebrand e com a
adesividade plaquetária, de forma quantitativa – quanto maior o volume infundido, maior a
alteração da coagulação, inibindo o fator de Von Willebrand e diminuindo a adesividade
plaquetária; por isso existem doses máximas diárias preconizadas, que não podem ser
ultrapassadas para evitar coagulopatia; e se o paciente está sangrando e tem coagulopatia,
não pode usar o colóide) e lesão renal (quando essas proteínas são parcialmente quebradas e
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passam pelo glomérulo, elas podem se depositar nas voltas dos túbulos contornados
proximais, obstruindo-os e impedindo o fluxo, podendo levar a lesões renais; por isso em
pacientes nefropatas o colóide não é indicado). Estudos mostraram que não há diferença de
mortalidade entre amido e solução salina, mas o amido sobrecarregou o rim, levando à
necessidade de terapia renal substitutiva (diálise). Outro estudo, comparando amido com
ringer na sepse, o amido apresentou maior mortalidade, além de maior necessidade de terapia
renal substitutiva. Explica-se que, na sepse, as toxinas bacterianas e citocinas inflamatórias
liberadas são nefrotóxicas. O paciente séptico tem mais chance de lesão renal. Usando um
agente que tem mais chance ainda de lesão renal, e isso pode se somar. Ou seja, paciente com
sepse não é candidato a reposição volêmica com colóide.
Na ausência de diretrizes baseadas em evidências, as equipes médicas em geral utilizam a
combinação de colóide com cristalóide. Porém, em paciente crítico de UTI, principamente o
paciente com insuficiência renal e sepse, evitar colóides.

HEMOTRANSFUSÃO

Uma bolsa de concentrado de hemácias tem um hematócrito de 70% (enquanto o nosso


sangue fica em torno dos 40%). Os bancos de sangue geralmente fazem uma bolsa de sangue
com 300ml (uma unidade), e ela é conservada a 4oC, para as hemácias não morrerem,
aumentando o tempo viável delas. A bolsa estocada tem tendência a coagular, por isso é
adicionado um anticoagulante, o CPDA-1 ou citrato de cálcio. O cálcio é um fator fundamental
para a coagulação, e o citrato vai quelar o cálcio, formar um complexo com ele inativando-o, e
o concentrado fica fluido, não coagula. A viabilidade das hemácias, mesmo acondicionada a
4oC, não passa de 30 a 35 dias. Sangue é um produto esgotável, muito caro (cada bolsa sai por
um custo de mais de R$ 300,00 pra um hemocentro). O ideal é que se transfunda o sangue
mais fresco possível. Porém, o hemocentro vai fornecendo primeiro as unidade de validade
mais antiga. A literatura chama sangue fresco aquele com menos de 10 a 14 dias. Mais do que
isso é chamado sangue estocado.

A hemotransfusão de concentrado de hemácias é indicada para anemia sintomática e/ou


hipovolemia com perda significativa de hemácias, para restaurar a DO2. O objetivo é melhorar
o transporte de oxigênio para os tecidos. Cada unidade aumenta de 1,0 a 1,5 g/dl o nível de
hemoglobina, mas mais próximo de 1,0.

Quando existem valores absolutos de hemoglobina acima de 10 raramente se indica uma


hemotransfusão, pois é uma quantidade de hemoglobina que é suficiente para transportar o
oxigênio. Se a hemoglobina está abaixo de 6, frequentemente será necessária a
hemotransfusão, porque é um valor muito baixo e fatalmente estará comprometendo a DO2 e
a perfusão tissular. O grande problema, que gera dúvida, é entre 6 e 10. Nesse caso, é precisar
monitorizar o paciente hemodinamicamente, verificando PA, volemia, débito cardíaco, SvO2,
lactato, entre outros. Sempre transfundir uma unidade por vez, e verificar a hemodinâmica do
paciente, e se preciso for faz uma segunda unidade. A exceção é um trauma maciço, quando o
paciente perde mais de uma volemia.
A hemotransfusão pode trazer várias complicações. Transmissão de doenças infecciosas (HIV,
CMV, hepatites, hoje já se pensa em dengue, zika e chikungunya) já foi mais comum, mas a
triagem dos bancos de sangue reduziu muito. As reações transfusionais hemolíticas acontecem
por erro transfusional, principalmente incompatibilidade ABO, pela ação dos anticorpos anti-
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A/anti-B, levando à hemólise, coagulopatia e choque. É uma reação gravíssima. Contaminação
bacteriana de hemocomponentes pode acontecer. O sangue é meio de cultura. Na
temperatura de 4oC é mais difícil, porque é uma temperatura menos propícia ao crescimento
bacteriano. É mais provável com plaquetas, porque a plaqueta não pode ser acondicionada a
4oC. Se transfunde um sangue contaminado com bactérias, o paciente vai ficar séptico. Podem
acontecer reações alérgicas. Sangue é tecido vivo. Podem existir proteínas estranhas no
sangue doado. Existem vários tipos de antígenos que não são tipados no banco de sangue.
Podem acontecer então reações alérgicas mediadas por IgE. Felizmente, a maior parte das
reações alérgicas não são anafiláticas, são reações mais leves, cutâneas. E por fim, pode existir
uma lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI). Ela é hoje a maior causa de
mortalidade por hemocomponentes nos EUA. É mais comum com plasma e plaquetas, mas
pode acontecer com hemácia também. A hipótese da fisiopatologia é que o sangue do doador
pode ter alguns anticorpos, principalmente anti-HLA, que vão reagir com os antígenos do
receptor que estão em alguns granulócitos. Isso vai lá para o pulmão, acontece uma agregação
granulocitária, ativa o sistema do complemento, lesa a membrana alvéolo-capilar, leva a
atelectasia, a um distúrbio de trocas gasosas, edema pulmonar, e possibilidade de necessidade
de assitência respiratória e ventilação mecânica. Isso acontece porque a maioria dos
concentrados de hemácias vem com leucócitos e anticorpos junto. Apenas os concentrados
irradiados ou filtros de desleucotização é que não tem. O problema é que desleucotizar é caro.
O ideal seria o uso de hemoderivados desleucotizados ou irradiados. Mas é inviável.
Hemotransfusão maciça é quando há troca de volemia. A volemia de um indivíduo adulto é de
cerca 70ml por kg, o que dá em torno de 5 litros. Na hemotranfusão maciça se transfunde um
volume que excede esse limite teórico da volemia. As complicações da hemotransfusão maciça
podem ser uma hipotermia (o concentrado de hemácias é acondicionado a 4oC; o que se faz é
colocar uma pequena quantidade de solução salina, cerca de 100ml, entre 36 e 40oC, que é
bom também para diluir um pouco o concentrado; não se coloca ringer lactato porque o ringer
tem cálcio, e o citrato vai quelar o cálcio do ringer, levando à coagulação da bolsa), problemas
relacionados ao sangue estocado (hiperpotassemia e acidose metabólica, pela liberação de
potássio e hidrogênio do interior das hemácias que sofrem hemólise; além disso há diminuição
do 2,3-DPG, que é uma substância que facilita a liberação do oxigênio nos tecidos, e por isso a
liberação do oxigênio fica dificultada pelo aumento da afinidade da hemoglobina pelo
oxigênio), aumento na resposta inflamatória sistêmica (por causa dos leucócitos do doador;
parece que esses leucócitos que vêm do doador geram uma resposta inflamatória no receptor,
podendo levar a uma sepse), e intoxicação pelo citrato (alta quantidade, já que a transfusão é
maciça, e pode desenvolver uma hipocalcelmia; o cálcio é o íon fundamental para a contração
cardíaca e tônus vascular; o indivíduo com hipocalcemia vai ter uma piora do quadro de
choque, com piora da contratilidade cardíaca e vasodilatação).
Voltando ao caso clínico (página 11)

Para o paciente, a reposição volêmica deve ser feita com cristalóide (não se deve usar colóide
na sepse). O choque do paciente é misto (séptico + hipovolêmico).

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DROGAS VASOATIVAS

As drogas vasoativas que serão estudadas são drogas venosas, drogas que vão agir no sistema
cardiovascular, na DO2, ajudando o transporte de oxigênio e a perfusão tecidual. Elas podem
ser feita em bolus venosos (dose única) ou infusão contínua (em bomba de infusão,
geralmente para drogas de ação ultra-curta). São drogas feitas por acesso venoso, que pode
ser tanto em veias periféricas quanto em veias centrais. A maior parte das drogas que têm
ação potente no sistema adrenérgico devem ser feitas por via central, em veias calibrosas
próximas ao coração. Algumas drogas (como adrenalina e noradrenalina), se forem feitas em
veias periféricas, essas veias constituem um sistema de vasos comunicantes, e se por um acaso
uma droga vasopressora é infundida numa veia periférica, principalmente por tempo
prolongado ou doses elevadas, a droga, por via retrógrada, pode pelo vasa vasorum chegar a
uma artéria importante do membro, causando espasmo e isquemia, podendo causar isquemia
de membro. Por isso prefere-se usar essas drogas em veias mais calibrosas, próximas ao
coração. Só se vai usar essas drogas em veias periféricas numa situação emergencial, até que
se estabeleça um acesso central.
Na síntese dos neurotransmissores, a fenilalanina é substrato da fenilalanina hidroxilase para
sintetizar a tirosina, que por sua vez é substrato da tirosina hidroxilase para formar a dopa. A
dopa, pela dopa decarboxilase forma dopamina. A dopamina, pela enzima dopamina β-
hidroxilase, forma a noradrenalina (ou norepinefrina) que, por sua vez, pela ação da enzima
feniletanolamina N-metil transferase (presente em grandes quantidades na medula adrenal),
dá origem à adrenalina (ou epinefrina), lá na medula da suprarrenal, de onde cai na circulação
sistêmica.

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No sistema nervoso parassimpático, a fibra pré-ganglionar é longa (o vago está no tronco
cerebral), e vai fazer sinapse com a pós-ganglionar já na parede da víscera. A fibra pós-
ganglionar é curta. A ação parassimpática se dá pela ação em receptores colinérgicos (M =
muscarínicos). A transmissão pré-ganglionar, tanto no parassimpático quanto no simpático,
sempre se dá pela acetilcolina, sempre é colinérgica.

AS fibras pré-ganglionares do simpático são sempre mais curtas. Elas vão fazer sinapse com o
neurônio pós-ganglionar nos gânglios paravertebrais, que formam o tronco simpático
paravertebral, entre T1 e L2. A fibra pós-ganglionar simpática pode fazer, no órgão efetor, uma
sinapse adrenérgica, através da noradrenalina, em receptores α e β, como no coração e vasos.
Uma exceção é nas glândulas sudoríparas e salivares, em que a sinapse é colinérgica, em
receptores muscarínicos. Nos vasos renais (território esplâncnico) a sinapse se dá através da
dopamina, em receptores D1 e D2. Por último, a pré-ganglionar um pouco mais longa vai fazer
sinapse na medula da suprarrenal (a suprarrenal é considerada, funcionalmente, um gânglio
simpático), para a liberação para o sangue principalmente de adrenalina, mas também a
noradrenalina, que vão agir no coração e outros órgãos.
O término da ação dos neurotransmissores se dá por dois mecanismos principais. O primeiro é
a recaptação neuronal. Isso é importante porque existem algumas drogas que inibem essa
recaptação, fazendo com que o neurotransmissor fique mais disponível na fenda sináptica.
Secundariamente, há o metabolismo desses neurotransmissores pelas enzimas COMT e MAO.

Receptor Localização Fluxo iônico Ação


α-1 Musculatura lisa de vasos ↑ Ca intracelular Vasoconstrição
α-2 Neurônio que inerva o órgão ↓ Ca intracelular Simpatólise, com
efetor vasodilatação,
bradicardia, sedação
β-1 Coração ↑ Ca intracelular ↑ inotropismo,
cronotropismo,
dromotropismo
β-2 Musculatura lisa de vasos e ↓ Ca intracelular Vasodilatação,
brônquios broncodilatação
D1 Musculatura lisa de vasos ↓ Ca intracelular Vasodilatação com ↑
esplâncnicos e mesentéricos perfusão renal e
intestinal

Os receptores α-1 estão localizados majoritariamente na musculatura lisa de vasos, e o


estímulo desses receptores levam a vasoconstrição. A constrição não é só de artérias, as veias
também, e inclusive leva a um aumento do retorno venoso para o coração. Os receptores α -2
servem para modular a ação do α-1. É uma forma de feedback negativo do organismo, para
evitar hiperestimulações sustentadas. A ação é quase o oposto do α-1. A noradrenalina,
quando se liga ao α-2, faz o organismo entender que tem um excesso de ação simpática,
gerando vasodilatação, no coração bradicardia e um grau de sedação.
O receptor β-1 é essencialmente cardíaco. A ação é de inotropismo positivo, cronotropismo
positivo e dromotropismo positivo (aumento da velocidade de condução). Então, uma droga
com ação β-1 é uma droga inotrópica, enquanto que a ação α-1 é vasopressora. A ação do β-2,

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parecida com o α-2, tem função vasodilatadora, além de estar presente no pulmão, causando
broncodilatação.

O receptor dopaminérgico D1 (ou DA1) está presente no território de rim e intestinos. A ação
dopaminérgica é de vasodilatação desse território e melhora da perfusão renal e intestinal.
Antigamente se achava que uma droga com ação dopaminérgica tivesse uma ação protetora
renal, mas hoje se sabe que não tem.

Os agonistas adrenérgicos podem ter ação direta (a maioria), estimulando diretamente o


receptor, ação indireta (inibindo o processo de metabolismo do neurotransmissor) ou ainda
ação mista (direta e indireta, como a efedrina).

DROGA α-1 β-1 D1, D2 PAM FC FLUXO


ESPLÂNCNICO
Noradrenalina +++ ++ + ↑↑↑ ↓ ↓
(pela RVP)
Adrenalina ++ +++ + ↑↑ ↑↑ ↓
(++ β-2) (pelo DC)
Dopamina + ++ +++ ↑ ↑↑ ↑↑↑
(pelo DC)
Dobutamina 0 +++ 0 ↑ ↑↑ ↑
(++ β-2) (pelo DC) (pelo DC)
Fenilefrina +++ 0 0 ↑↑↑ ↓↓ ↓↓↓
(pela RVP)
Efedrina ++ +++ + ↑↑ ↑ ↓↓
(++ β-2) (pela RVP
e DC)
Vasopressina 0 0 0 ↑↑↑ ↓↓ ↓↓
(pela RVP) (mantém TFG
renal)

Noradrenalina

A noradrenalina tem ação tanto α-1, β-1 e dopamina. A noradrenalina tem ação máxima em α-
1, média em β-1 e leve em dopaminérgico. Ela vai aumentar a pressão arterial média
essencialmente por aumentar a resistência vascular periférica. Ela também promove
venoconstrição melhorando o débito cardíaco, mas a ação principal é na RVP. A frequência
cardíaca tende a diminuir com uma ação α-1 intensa. Isso acontece pelo reflexo barorreceptor.
Existem receptores (barorreceptores) na raiz da aorta, que vão responder a aumentos de
pressão (constrição da aorta) e diminuições de pressão (dilatação da aorta). Esses receptores
têm aferência e eferência do sistema nervoso central vagal. O organismo entende que, se há
uma resistência periférica muito aumentada, ele tem que diminuir a força de contração ou o
número de contrações por minuto, porque senão ele tem que fazer muito esforço contra uma
pós-carga elevada. O vago então, detectando esse aumento da pós-carga, vai no coração e
diminui a força de contração, mas principalmente a frequência cardíaca. É uma bradicardia
vago-mediada. No caso oposto, se há uma vasodilatação com hipotensão. A dilatação da aorta
leva a uma inibição do vago, para aumentar o débito compensando essa vasodilatação. Há
aumento da frequência cardíaca e do inotropismo, a famosa taquicardia compensatória a uma

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queda de pressão. O fluxo esplâncnico também tende a diminuir, porque vai gerar uma
vasoconstrição esplâncnica (ação leve D2 e D2, ação intensa α-1).

Um coração insuficiente, fraco, se aumenta demais a RVP, há um aumento agudo de pós-


carga, e esse coração não vai conseguir suprir essa pós-carga. Por isso é preciso tomar cuidado
com o hiperestímulo α-1.

A noradrenalina é indicada em estados de choque, principalmente distributivo (por causa da


vasodilatação). Ela melhora a perfusão coronariana. Ela aumenta a pressão na raiz da aorta, e
com isso melhora a perfusão coronariana, já que esta acontece principalmente na diástole e
por aumento da pressão na raiz da aorta. No paciente coronariopata ela tem boa indicação,
sendo que ela pode diminuir a frequência cardíaca e melhorar a perfusão da coronária. Ela
consegue gerar pressão de perfusão de coronária através dos óstios aórticos.

Ela pode induzir bradiarritmias pelo reflexo barorreceptor. Pode gerar picos hipertensivos,
hemorragia cerebral (ação α intensa). E se o equipo não estiver bem conectado e ela
extravazar no local da punção, ela é tão vasoconstritora que pode fazer necrose no sítio de
punção. É uma droga perigosa, por ser extremamente potente, e se dada na dose errada, pode
levar a acidentes muito graves.

Adrenalina

É o contrário da noradrenalina. Tem ação moderada α-1, mas intensa em β-1, e também leve
dopaminérgica. Ela leva a um aumento moderado da pressão média por aumento do débito
cardíaco (que é volume sistólico vezes frequência cardíaca). Há um aumento do inotropismo,
β-1 mediado, e cronotropismo. A frequência cardíaca aumenta, porque é β-1. Também diminui
o fluxo esplâncino, pela ação α-1. Então a adrenalina é inotrópica e vasopressora, mas é mais
inotrópica que vasopressora.

A adrenalina também é indicada em estados de choque, só que mais nos choques com baixo
débito cardíaco. Isso porque ela tem uma ação α, mas ela é um pouco mais inotrópica que
vasopressora. É indicada no choque anafilático (apesar de ser um tipo de choque distributivo).
Isso porque existem vários receptores β-2 na parede dos mastócitos. Ou seja, a adrenalina
inibe a degranulação de mastócitos. Por isso ela deve ser feita em todo caso de anafilaxia, na
forma de infusão contínua. É usada também na PCR, sendo a droga de escolha.

A adrenalina, em doses altas, tem um efeito α mais proeminente, enquanto em doses médias
tem um efeito mais β. O efeito é dose-dependente.

O fato dela aumentar muito a frequência cardíaca pode ser danoso para o coronariopata,
porque ela aumenta a MVO2 do miocárdio (consumo de O2). Se o miocárdio é estimulado a
contrair várias vezes por minuto, e aumentando o inotropismo dele, e ele tem uma obstrução
na coronária, vai haver uma demanda de oxigênio maior que a oferta. E isso pode gerar uma
isquemia miocárdica, e até mesmo arritmias, com doses elevadas de adrenalina. E também
pode acontecer pico hipertensivo e hemorragia cerebral. Então no coronariopata é melhor
usar a noradrenalina que a adrenalina.
Dopamina

Ela tem uma ação predominante em receptores D1 e D2, mas tem uma ação leve em α-1 e
moderada em β-1. Ela aumenta levemente a pressão arterial pelo débito cardíaco (pela ação β-

23
1) e aumenta a frequência cardíaca pelo mesmo motivo. Mas o que ela aumenta mais é o fluxo
esplâncnico, a perfusão renal. Ela aumenta a diurese e a natriurese.

É indicada em estados de choque e baixo débito cardíaco, mas está em franco desuso. A
adrenalina e a noradrenalina são bem superiores em termos de performance. A dopamina vem
sendo cada vez menos usada.

Em baixas doses tem efeito dopa renal, gerando vasodilatação renal, mas não gera proteção
renal, estudos mostraram que ela não é capaz de proteger o rim de nenhum insulto isquêmico,
não é nefroprotetora. E se aumentar a dose? Em doses médias a dopamina tem efeito β, e em
doses altas tem efeito α. Mas se tem a adrenalina e a noradrenalina, para que usar uma droga
que tem menos efeito α e menos efeito β?Ou seja, a dopamina está em franco desuso. Não se
vê hoje no protocolo de nenhuma UTI o uso de dopamina mais.

Dobutamina

A dobutamina não é um neurotransmissor, é uma droga sintética, que é uma amina vasoativa,
mas não é uma catecolamina. Ela tem zero efeito α-1, não tem nenhuma ação vasopressora.
Ela é essencialmente um inotrópico, com ação β-1 (tem também β-2). Não tem ação
dopaminérgica. Ela aumenta a pressão arterial pelo aumento do débito cardíaco, e aumenta a
frequência cardíaca. Por ações ainda desconhecidas talvez ela não tenha tanta ação
cronotrópica quanto a adrenalina. Então ela não aumenta tanto a frequência cardíaca. E por
aumentar o débito cardíaco e não ser vasopressora, ela melhora o fluxo esplâncnico. Então a
dobutamina é apenas um inotrópico, não é vasopressora.
A dobutamina é indicada em disfunção de ventrículo esquerdo, insuficiência cardíaca, e em
alguns casos de choque séptico. Em alguns casos de choque séptico, principalmente em
choques sépticos mais prolongados, nas fases mais avançadas (nem tanto nas fases iniciais),
que existe liberação de citocinas inflamatórias por bactérias (principalmente TNF), que são
inotrópicas negativas, são cardiodepressoras. O choque séptico, que é essencialmente
distributivo por vasodilatação, passa a ter um componente cardiogênico nas fases mais
avançadas. E para saber isso, só com monitorização hemodinâmica, medindo o débito
cardíaco. E nesse caso constitui uma boa associação, em choques sépticos desta magnitude, a
noradrenalina com a dobutamina (efeito vasopressor + inotrópico). A noradrenalina tem uma
ação β, mas nem sempre será suficiente neste caso.
De uma forma semelhante à adrenalina, a dobutamina pode aumentar o consumo de oxigênio
pelo miocárdio, mas em menor intensidade que a adrenalina.

Felinefrina e efedrina

São duas drogas usadas comumente em anestesia, mais do que no ambiente crítico de terapia
intensiva. São usadas com frequência no centro cirúrgico. Na anestesia é muito comum o
efeito vasodilatador, a hipotensão então costuma-se ter que lançar mão de drogas vasoativas.
Mas nem sempre se tem um acesso central. Essas drogas podem ser feitas na periferia. São
drogas menos potentes. São drogas sintéticas. A fenilefrina é mais parecida com a
noradrenalina, e a efedrina é mais parecida com a adrenalina.

A fenilefrina é puramente vasopressora, não tem ação β nem dopa. Ela aumenta a pressão
arterial pela resistência vascular periférica. Ela diminui a frequência cardíaca, mais do que a
noradrenalina, pelo reflexo barorreceptor. Ela reduz fluxo esplâncnico.

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A fenilefrina é semelhante à noradrenalina, porém menos potente e sem ação β-1, é um
vasopressor puro. Ela é usada em tratamento de hipotensão fulgaz, principalmente com
predomínio de vasodilatação e taquicardia. Um critério para usar fenilefrina é em paciente
vasodilatado (hipotenso) e com taquicardia. Se dá um vasopressor para tentar adequar o
reflexo barorreceptor. A hipotensão com taquicardia é basicamente o reflexo barorreceptor, e
se usa uma droga para tentar adequar aquela vasodilatação da raiz da aorta.

A felinefrina pode ser feita tanto em bolus quanto em infusão contínua. Tanto ela quanto a
efedrina podem ser feitas por acesso periférico ou central. São drogas de centro cirúrgico,
usadas quando o paciente está anestesiado, porque quando cessa a anestesia muitas vezes o
paciente já não precisa mais de droga.

A efedrina, de todas as drogas citadas, é a única com ação mista. Ela é mais parecida com a
adrenalina, mas é mais fraca. Ela tem ação α-1, mas é mais inotrópica, com ação β-1. Tem ação
dopaminérgica leve. Ela aumenta a pressão arterial tanto pelo débito cardíaco quanto pela
resistência vascular periférica. Ela tende a aumentar a frequência cardíaca, porque sua ação é
um pouco mais β. Ela também diminui o fluxo esplâncnico, por sua ação α. A efedrina se liga a
receptores α e β, mas também inibe a recaptação neuronal de adrenalina e noradrenalina.

A efedrina é semelhante à adrenalina, porém é menos potente. Também é muito usada na


hipotensão fulgás, aquela de centro cirúrgico, muito relacionada à anestesia. Porém, ela é
preferível quando o paciente está bradicárdico, porque ela tem uma ação cronotrópica. Ela só
deve ser usada em bolus. Quando usada em infusão contínua, ela gera taquifilaxia (uma
espécie de tolerância, ou seja, a necessidade de doses cada vez mais altas para obter o efeito
clínico desejado; isso porque ela inibe a recaptação de neurotransmissores, e aí chega um
momento que vai ter esgotamento de neurotransmissores na fibra pré-sináptica).
Vasopressina

A vasopressina (ou ADH) é uma droga sem ação adrenérgica. Ela é um hormônio produzido
pelo hipotálamo e liberado pela neurohipófise. Os estímulos para liberação da vasopressina
são hipotensão arterial (barorreceptores detectam diminuição na pressão arterial). Os
receptores são V1 e V2. Ela age causando vasoconstrição pela ação nesses receptores. Ela tem
uma ação renal também, inibindo a diurese, aumentando a reabsorção de água.

A vasopressina aumenta a pressão arterial pela resistência vascular periférica, diminui a


frequência cardíaca. Ela diminui o fluxo esplâncnico, só que ela mantém a taxa de filtração
glomerular renal. Ela tem uma ação direta no rim, que retém água, mas ela diminui o trabalho
do rim. Ela tende a preservar mais o rim que a noradrenalina.

A vasopressina é um vasopressor puro, indicada em casos refratários de síndrome vasoplégica


ligada a choque distributivo (principalmente séptico, mas também anafilático). Ou seja, ela vai
ser usada em um caso de choque que outra droga não resolveu. Aí entra a vasopressina em
infusão contínua. Ela é uma droga de segunda linha.

Voltando ao caso clínico (página 11)

Após a reposição volêmica o débito cardíaco não aumentou, então se entra com um
inotrópico. Nesse caso, se usa a dobutamina e, como alternativa, a adrenalina. Quando entra
com a dobutamina normalizou o débito cardíaco, mas a pressão arterial continua baixa.
Associa-se então um vasopressor, a noradrenalina. A vasopressina está indicada em caso de
refratariedade às drogas utilizadas.
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Caso clínico 2

Gestante de 39 semanas vai ser submetida a uma cesariana. Ela só tem acesso periférico. Foi
feita uma raqui-anestesia, levando a uma vasodilatação com hipotensão (86x55 mmHg) e FC
de 98 bpm. Se a gestante fica hipotensa o feto entra em sofrimento. Nesse caso, usa-se a
fenilefrina. Ela é melhor porque, além da paciente estar mais taquicárdica (toda gestante
praticamente é taquicárdica), dentro do território mesentérico e esplâncnico que receptores α,
o útero tem menos receptores α do que os órgãos em volta dele. Então usando uma droga
com ação α vai ter uma vasocontrição em todo o território, e no útero vai ter uma menor
vasoconstrição, como se o sangue estivesse sendo direcionado para o útero, e isso é bom. Os
vasopressores α-1 são preferidos para a gestante.
Caso clínico 3

Uma anestesia peridural é feita em um paciente que vai para a cirurgia ortopédica de joelho.
Ele só tem acesso periférico. Com a anestesia o paciente evolui para PA de 86x55 mmHg e FC
52 bpm. A droga vasoativa a ser usada é a efedrina. Poderia até usar a fenilefrina, mas a
frequência ia tender a cair ainda mais.

Resumindo

Se tem um caso de choque com vasodilatação, tem que dar um vasopressor. Se tem um caso
de falência de bomba (coração hipertrofiado, dilatado), tem que dar um inotrópico. Se tem os
dois ao mesmo tempo, associar as drogas.

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REANIMAÇÃO CARDIOPULMONAR EM ADULTOS

Suporte básico de vida é aquele que pode ser feito por não médicos, enquanto o suporte
avançado é aquele que deve ser feito por médicos. Em alguns momentos o suporte básico e o
avançado se sobrepõem. Os objetivos da RCP são restaurar a saúde, aliviar o sofrimento e
limitar as sequelas. Pode-se dizer que a RCP cabe em pacientes com cessação súbita da
circulação, em que a expectativa de morte não existia. Nas situações de terminalidade
(expectativa de morte) esses objetivos não são contemplados. É o que os guidelines chamam
de princípio de futilidade.

A base de tudo é a corrente da sobrevivência ou sobrevida. Os guidelines de 2015 trazem duas


correntes, uma para parada cardíaca de origem extra-hospitalar e outra para parada cardíaca
intra-hospitalar. Hoje em dia se fala que é preciso ter equipe para tentar fazer esses elos
simultâneos e coreografados, em vez de sequencial.

O sucesso da reanimação é quando o paciente tem retorno da circulação espontânea. Isso não
quer dizer sobrevida da alta hospitalar e nem ausência de sequela neurológica.

Uma parada cardíaca extra-hospitalar tem uma sobrevida de 10,8%, enquanto as intra-
hospitalares em torno de 22 a 25%. Se esses elos forem seguidos simultaneamente, de acordo
com um treinamento, o êxito pode chegar a 50%.

O primeiro objetivo é identificar uma parada cardíaca e acionar o sistema médico de resgate
(SAMU – 192), para que chegue o desfibrilador mais próximo (já que a principal causa de
parada cardíaca extra-hospitalar é a fibrilação ventricular). Aliado a ele, o mais precoce
possível, as compressões torácicas de alta qualidade. Isso pode ser feito por leigos. Aliado ao
elo de compressão torácica de qualidade vem a desfibrilação precoce (3 a 5 minutos após a
identificação da parada). Nessa situação em que ele conseguiu ser reanimado ele sai em
direção ao hospital. Do contrário ele não sai. E aí ele vai ou para a emergência do hospital, ou
27
para o laboratório de hemodinâmica (se for infarto) e, uma vez reanimado ele vai para a UTI
para receber os cuidados pós-reanimação.

Já a corrente intra-hospitalar começa com a ação de profissionais de saúde básica (equipes


dentro do hospital designadas para reanimação, com enfermeiros e/ou médicos). À medida
que se vê um paciente com possibilidade de parada, vai-se ligar o código azul e chamar a
equipe de reanimação. As principais causas intra-hospitalares são a falência respiratória (e aí
há tempo de ver o paciente chegando a essa condição) ou o paciente em choque (por diversas
causas, principalmente o séptico). Se o paciente entrou em parada cardíaca, faz-se
compressões torácicas de alta qualidade, desfibrilação precoce (3 a 5 minutos) e todos eles
vão para a UTI.
Compressões torácicas

Compressão torácica de alta qualidade é comprimir rápido, forte e profundo. Localizar o terço
inferior do esterno (2 dedos acima do apêndice xifóide), e apoiar a região hipotenar, podendo
ficar com dedos entrelaçados ou mãos sobrepostas. O braço e antebraço devem ficar
estendidos, jogando o peso da cintura escapular contra o tórax do paciente. Comprimir rápido
são 100 a 120 compressões por minuto (acima de 120 perde a profundidade). Forte e
profundo são 2 polegadas ou 5 cm. Para isso é preciso treinar em manequim. É para comprimir
a caixa torácica contra o coração, gerando débito cardíaco. É preciso permitir o recolhimento
torácico até a posição inicial, passivamente. Isso cria uma pressão negativa que melhora o
retorno venoso para a próxima compressão. Minimizar interrupções. Uma compressão de alta
qualidade gera cerca de 30% do débito cardíaco normal.
Via aérea básica/avançada

Além da compressão torácica, que é o principal, é preciso ventilar o paciente. Mas isso é
secundário. Leigos não devem mexer com via aérea, pois não têm treinamento para isso. O
leigo, treinado ou não, só deve fazer compressão torácica.

O paciente inconsciente, comatoso, em parada cardíaca e


até anestesiado, tem um relaxamento de base de língua,
com queda da base da língua sobre a faringe, impedindo o
fluxo em laringe e traqueia. Se não existe suspeita de
lesão cervical, as manobras para desobstruir as vias
aéreas são as chamadas “head tilt – chin lift” (elevação da
cabeça e queixo), associada ou não à “jaw-thrust” (tração
da mandíbula). Se o paciente tiver suspeita de lesão
cervical, fazer apenas a “jaw-thrust”, com tração bimanual
da mandíbula. O quanto antes o paciente deve ser
colocado em colar cervical, apesar de a imobilização
manual ser mais eficaz (um socorrista apenas para isso,
estabilizando coluna cervical lateral, pescoço e cabeça,
impedindo flexão e extensão principalmente, mas
também rotação; ela é mais eficaz que o colar cervical, e
deve ser preconizada principalmente quando for
manipular via aérea, se tiver alguém para fazer isso; se
não, usar o colar cervical).

28
Um dispositivo que pode ser usado é a cânula de
Guedel ou cânula orofaríngea, que tem formato de J, é
oca, tem um bocal grande para não ser deglutida, e
quando inserida na sua posição final, traciona a língua
para frente. Mas isso necessita de insconsciência. Ela
consegue anteriorizar a base da língua sem mexer em
cabeça e coluna cervical.

Na via aérea básica as ventilações de resgate serão


feitas por boca a boca em último caso. Tampa-se o
nariz do paciente, conectando a boca do socorrista aos
lábios do paciente, soprando sem hiperinsuflar (volume corrente, para não fazer alcalose
metabólica no socorrista). Soprar olhando a incursão torácica. Como não tem muito recurso
técnico, baseia-se a efetividade da da manobra na incursão torácica. Teoricamente, se há
incursão torácica, está sendo dado um volume corrente de 400 a 500 ml, e isso é o suficiente.
Pode-se fazer uma ventilação boca-máscara, mas o ideal é o sistema balão-válvula-máscara,
vulgo ambu (airway medical breath unity). Ele pode ou não estar adaptado a uma rede de
oxigênio. Quando estiver disponível, deve ser utilizada. Sempre fazer uma compressão no
ambu olhando para o tórax, e a deflação é passiva. Essas ventilações devem ser feitas em um
segundo, para gerar menos pressão positivo, o que reduz o retorno venoso.
A ventilação avançada, feita apenas por médico, é a intubação orotraqueal (e isso demanda
tempo, o ideal é que seja em 10 segundos). Uma alternativa à intubação, se não tem alguém
treinado ou não consegue intubar em 10 segundos, é inserir uma máscara supraglótica
(máscara laríngea), que é mais fácil de inserir. Para saber e avaliar se está tendo uma
ventilação na via aérea avançada (e só serve para a via aérea avançada, não para a básica, na
básica somente a inspeção das incursões torácicas) pode-se usar uma capnografia sob a forma
de onda. É um dispositivo que mede o CO2
expirado, exalado pelo paciente (ETCO 2). A
curva de CO2 que ascende é a expiração, o
platô é a pausa respiratória e a descida é a
inspiração. A capnografia é ideal para saber
se a intubação foi feita de forma adequada, e
se a máscara laríngea está ventilando ele bem. A capnografia também mostra se as
compressões torácicas são de boa qualidade. Ela também serve como prognóstico, para saber
se o paciente tem mais ou menos chance de retorno da circulação espontânea.
Na via aérea avançada, deve-se fazer uma respiração de 1 segundo a cada 6 segundos,
totalizando 10 por minuto.

Compressão/Ventilação

Se existem 2 reanimadores, quem está ventilando vai trocar de posição com quem está
fazendo as compressões torácicas, a cada 2 minutos. Isso é obrigatório, porque os estudos
mostram que a partir de 2 minutos de compressões torácicas, a qualidade vai cair porque o
reanimador vai se cansar. Se tiver um reanimador só, na via aérea básica, são 30 compressões
para 2 ventilações. O mesmo com 2 reanimadores, na via aérea básica. Essa pausa para
ventilação dura de 2 a 3 segundos, de forma a minimizar as interrupções.

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Se for na via aérea avançada, as compressões e ventilações são independentes. Mas valem as
mesmas premissas de trocar a cada 2 minutos. Nesse caso serão 100 a 120 compressões por
minutos e 10 ventilações por minutos, de forma independente.

Qualidade das compressões torácicas

É preciso tentar melhorar a qualidade das compressões torácicas se a capnografia estiver


muito baixa, abaixo de 10 mmHg. Isso só vale para o paciente intubado. O valor normal é de 30
a 40 mmHg. Se ela estiver baixa, significa que o débito cardíaco das compressões está baixo. Se
o débito cardíaco está eficaz, ele faz chegar sangue no pulmão, e se chega sangue no pulmão
sai CO2. Se chega pouco sangue no pulmão, sai pouco CO2. Agora, a PaCO2 no sangue arterial
vai estar alta. Existe um aumento do gradiente alvéolo-arterial de CO2. Se o paciente, logo após
ser intubado, já está com a capnografia abaixo de 10, isso é um péssimo prognóstico sobre
reanimar o paciente. E se, mesmo com as compressões de qualidade, em 20 minutos de
reanimação a ETCO2 não sobe acima de 10, também é um péssimo prognóstico.
Outra medida é, se o paciente tem uma linha arterial, a pressão intra-arterial. Se as
compressões não geram uma pressão acima de 20 mmHg também é péssimo prognóstico.

Desfibrilação indicada

A desfibrilação é indicada quando existe uma fibrilação. Os ritmos chocáveis principais são a
fibrilação ventricular (FV) e a taquicardia ventricular sem pulso (TV). A fibrilação ventricular é a
principal causa de PCR de origem extra-hospitalar. Na FV existe atividade elétrica e mecânica,
mas não o suficiente para gerar débito e perfusão. A FV de amplitude elevada é de melhor
prognóstico, pois tem início recente. A terapia mais eficaz para os dois tipos de parada
cardíaca é a desfibrilação. A desfibrilação despolariza todas as fibras musculares cardíacas de
uma vez só para dar oportunidade ao nó sinusal de retomar o controle do ritmo.

A assistolia é a ausência de atividade elétrica e mecânica do coração, e é o tipo mais comum


de parada cardíaca intra-hospitalar. Ela é um ritmo não-chocável. O outro ritmo não-chocável
é a atividade elétrica sem pulso (AESP), em que o coração tem atividade elétrica mas não tem
atividade mecânica. Os exemplos mais comuns de AESP são um infarto de mais de 40% do VE,
em que não há massa miocárdica viável para que haja ejeção. Outro exemplo é o TEP maciço,
em que há o fenômeno da interdependência ventricular. Há uma quantidade tão grande de
vaso pulmonar acometido que o VD bate quase que em um ambiente fechado. O septo
interventricular esmaga o VE, e o VE não enche e não bate, mas há atividade elétrica.
Desfibriladores

O desfibrilador externo automático (DEA) é para suporte básico, e portanto pode ser operado
por leigos. Os eletrodos são adesivados e colocados abaixo da clavícula direita (eletrodo
vermelho +) e abaixo do sulco mamilar esquerdo (eletrodo preto -). Basta ligar o aparelho, que
ele reconhece o ritmo como chocável ou não, orienta o afastamento e executa o choque.

Os outros tipos de desfibriladores são o multimodal e o manual. O multimodal serve como DEA
e como semi-automático (reconhece o ritmo, indica a desfibrilação, mas o operador é quem
aciona). O manual é só para suporte avançado.

Existem dois tipo de desfibriladores, os monofásicos e os bifásicos. O monofásico vai do


negativo para o positivo com uma corrente só. No bifásico ele inverte a polaridade de forma
que uma mesma corrente passe pelo coração duas vezes. Isso permite que se use uma

30
joulagem menor e cause menos danos às fibras miocárdicas. A corrente a ser usada é de 120 a
200 J. Em doses subsequentes pode-se aumentar a carga, mas o ideal é manter a mesma
carga. Pode-se considerar aumentar a carga em casos refratários. O monofásico é com uma
corrente de 360 J.

Drogas (avançado)

Apenas médicos fazem drogas em paciente com PCR. O guideline fala apenas da adrenalina e
amiodarona. A adrenalina é dada por via central ou periférica, com objetivo de sua ação alfa
(dose alta), para perfundir a coronária. A noradrenalina nos estudos deu muito AVE
hemorrágico, por isso não se usa. A adrenalina é usada na dose de 1 mg, podendo ser repetida
a cada 3 a 5 minutos. Se está usando a via periférica, a cada administração tem que elevar o
membro do paciente para que, por gravidade, corra mais rápido e chegue no coração, e
empurrar com uma seringa de 20 ml com soro o espaço morto do equipo para que a
adrenalina corra todo o sistema venoso e chegue ao coração. A amiodarona só cabe em FV/TV.
A dose é de 300 mg (2 ampolas) em bolus, podendo dar uma segunda e última dose de 150
mg. Essas drogas podem ser dadas também por via intraóssea, no platô tibial, mas somente se
tiver o equipamento adequado para o acesso. O platô tibial tem um plexo venoso não
colapsável, e é como se estivesse fazendo injeção intravenosa. Se não se conseguir o acesso
venoso periférico em 1 minuto, pode-se partir para o intraósseo.
As drogas são secundárias. As compressões torácicas de alta qualidade e a desfibrilação estão
na corrente da sobrevivência, as drogas não. As drogas aumentam a chance de retorno à
circulação espontânea, mas não aumentam as chances de sobrevida após alta hospital e
sobrevida sem sequelas neurológicas.

Retorno à circulação espontânea

Para saber que houve retorno à circulação espontânea e se param as compressões torácicas,
vai haver o retorno do pulso (grandes artérias, carótidas, femorais e batimento de aorta) e da
PA. Se estiver usando o capnógrafo, um aumento súbito da ETCO2 para cerca de 40, pode ser
um indício de retorno à circulação espontânea. E outra, se o paciente tem linha arterial, uma
onda de pulso intra-arterial acima de 20.

Causas reversíveis

Em casos de dificuldade de retorno à circulação espontânea, devem-se buscar as causas


reversíveis de parada cardíaca para tentar atuar nelas e conseguir êxito e sucesso, ou mesmo
para, após o êxito, o paciente não volta a fibrilar ou entrar em assistolia. São os 5 H e 5 T:
hipovolemia (a mais comum é pela hemorragia no trauma), hipóxia (qualquer asfixia, como
afogamento, grande queimado), hidrogênio (acidose), hipo ou hiperpotassemia, hipotermia,
trombose coronariana (infarto), toxinas (sepse ou envenenamento), trombose pulmonar (TEP
maciço), tamponamento cardíaco, tensão (pneumotórax).

Uma ferramenta que ajuda muito no diagnóstico de causas reversíveis é o ecocardiograma


transtorácico.

31
Cuidados pós-reanimação

Se a parada é de origem cardíaca, é preciso fazer um ECG de 12 derivações, e se esse ECG


mostra um supra de ST, por exemplo, o paciente vai para o cateterismo cardíaco (angiografia
coronariana). Se o SAMU percebe que existe uma suspeita de parada cardíaca de origem
cardíaco, ele já tem que levar o paciente para um local que seja de referência para
hemodinâmica.

O que há de maior nível de evidência nos cuidados pós-reanimação é a hipotermia induzida. É


diminuir a temperatura corporal para diminuir o metabolismo cerebral e diminuir a eventual
sequela numa isquemia global. O paciente que chega comatoso deve ser resfriado para
preservar função cerebral e diminuir o consumo de energia daquele cérebro que estava
sofrendo, para minimizar sequelas neurológicas. O alvo de temperatura é entre 32 a 36oC,
durante 24 horas. Cada grau de temperatura diminuído diminui o consumo de oxigênio do
cérebro em 6 a 10%. Os pacientes que têm maior chance de sangramento com politrauma não
devem ficar muito hipotérmicos, porque o paciente hipotérmico sangra muito (a coagulação é
um fenômeno enzimático, e as enzimas funcionam numa temperatura ótima). Se o paciente de
politrauma fica hipotérmico, ele não vai coagular e vai sangrar1. O paciente politraumatizado
deve ter a temperatura mais próxima de 36oC. Se o paciente não tem politrauma, e está com
atividade cerebral intensa, ou seja, está convulsionando, é preciso resfriar o cérebro dele,
porque as crises convulsivas consomem muito oxigênio do cérebro.
Para resfriar é preciso monitorizar, ter uma temperatura central. O mais usado é o
termômetro esofágico (proximidade com o coração) ou nasofaríngeo (proximidade com o
hipotálamo). Se tem um Swan Ganz ele tem um termômetro que serve como temperatura
central.

Para resfriar o paciente, masi comumente resfria-se os cristalóides que estão sendo infundidos
no paciente a 4oC, colocar pacotes de gelo no tórax, pescoço, virilha e axilas, e trocar o gelo
periodicamente. Outra forma seriam as mantas térmicas. Deve-se evitar a todo custo a
hipertermina.

Outros cuidados são manter pressão de perfusão cerebral, com PAM maior que 65 mmHg. Se
tiver abaixo, usar droga vasoativa, sendo a noradrenalina a droga de escolha. Deve-se manter
uma FiO2 para manter uma saturação periférica acima de 94% (se der uma FiO2 muito alta,
pode-se formar espécies reativas de oxigênio, causadoras de dano endotelial). Além disso,
manter a normoglicemia (hipo e hiperglicemia são lesivas para o SNC). Todo paciente pós-
parada deve ser submetido ao eletroencefalograma, porque ele pode ter atividade
epileptiforme no EEG, sem convulsão (mas gerando dano no cérebro), e aí tem que entrar com
anticonvulsivante.

1
A hipotermia faz parte da tríade da morte no trauma, junto com acidose e coagulopatia.
32
Suporte básico de vida

Antes de prestar socorro a uma vítima, é preciso verificar a segurança do cenário. Se a vítima
está irresponsiva, antes de checar respiração e pulso, chamar socorro, podendo ser qualquer
pessoa que estiver do lado, pedindo para ligar para o SAMU (192) e trazer o DEA. Verificar se a
vítima está insconsciente e com respiração anormal (leigo não palpa pulso). A checagem do
pulso deve demorar no máximo 10 segundos. Se há dúvida, considerar que o paciente está em
parada. Se ele tem respiração e pulsos, é só ficar perto do paciente esperando a chegada do
SAMU. Se a respiração está anormal, mas está com pulso presentes, vai-se providenciar
respirações de resgate, uma a cada a 5 ou 6 segundos, ou até 12 por minuto (paciente parado
são 10, mas se tem pulso é permitido chegar a 12), e a cada 2 minutos checar o pulso,
aguardando o SAMU.

33
Se a respiração e pulsos estão ausentes, posiciona-se o paciente e faz-se compressões
torácicas de alta qualidade. Como se trata de suporte básico, usar 30 compressões para cada 2
ventilações. Faz-se isso até chegar o DEA. Se o ritmo for chocável, o DEA vai aplicar um
choque. Depois do choque não se palpa pulso, faz-se mais um ciclo de compressões por 2
minutos, e mais uma checagem de ritmo pelo DEA, além de palpação do pulso. Se não for um
ritmo chocável, o DEA não vai fazer nada, retornar com um novo ciclo de compressões
torácicas por 2 minutos, seguido por checagem de pulso e de ritmo pelo DEA, e continuar
assim até a chegada do suporte avançado ou até o paciente se mexer.

Suporte avançado de vida

Iniciam-se as compressões torácicas, dando O 2 a 100%, conectar a monitor ou desfibrilador


(pode ser DEA ou não). Se o ritmo é chocável, segue a mesma lógica, continuando as
compressões após o choque, e só nesse momento buscar por acesso venoso ou intraósseo (os
elos mais importantes são compressões e desfibrilação). Se após isso o ritmo continua
chocável, dá-se outro choque, e depois do segundo choque novo ciclo de compressões por 2
minutos, e aí sim se considera o uso da adrenalina. Após a droga é que se pode considerar via
aérea avançada em 10 segundos e conectar o capnógrafo. Se após esses 2 choques o ritmo
ainda é chocável, vai dar um terceiro choque, outro ciclo de compressões por 2 minutos, e aí
pode-se usar a amiodarona. Se essa FV/TV piorou e evoluiu para assistolia, não há o que fazer
além de alternar as compressões com adrenalina e buscar causas reversíveis. Depois que esse
ritmo se tornou não chocável, faz compressão por 2 minutos, dá adrenalina e, nesse momento,
considera via aérea avançada e capnografia. Se o ritmo ainda não está chocável, vai seguir por
esse caminho, sempre buscando causa reversível. Se chega nesse momento em que não há
êxito, provavelmente há uma causa reversível, e se não encontrá-la o paciente vai morrer.
No caso de assistolia/AESP, a sequência é a mesma, sem desfibrilação. Faz compressões
torácicas por 2 minutos, e nesse momento faz o acesso venoso, dá adrenalina e considera via
avançada e capnografia. Se o ritmo não vira chocável, mais compressões torácicas por 2
minutos e busca causa reversível. Se o ritmo vira chocável (normalmente o paciente fibrila
após droga, e isso é bom), executa o choque, e após isso faz novo ciclo de compressão
torácica, faz a droga, e vê se o ritmo continua chocável, dando o choque e amiodarona. A
amiodarona só vem depois da adrenalina.

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AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA

A anestesiologia vem sendo encarada como a medicina peri-operatória. O anestesiologista é o


clínico intervencionista que acompanha o paciente antes, durante e após a cirurgia. Quem
controla a dor do paciente é o anestesiologista.

Os pilares da anestesia, que servem de sustentação, são basicamente a analgesia, sedação e


amnésia, hipnose e relaxamento muscular. Anestesia não é só analgesia. Analgesia é a
capacidade de, de forma medicamentosa ou com procedimento, retirar a dor do paciente.
Analgesia é a ausência de dor. Mas anestesia não é só analgesia. Sedação e amnésia são
desejáveis na maioria dos casos, para vencer uma ansiedade, e para que o paciente não se
recorde do que aconteceu durante o ato operatório no centro cirúrgico. Hipnose significa
inconsciência. Nesse caso não precisa de sedação e amnésia, pois o paciente está inconsciente.
A hipnose é obrigatória na anestesia geral. O relaxamento muscular é um pilar específico com
dois fundamentos principais: é preciso relaxamento muscular de glote e corda vocal para
entubar o paciente sem lesar corda vocal, além de relaxar musculatura abdominal para facilitar
a cirurgia, para que o cirurgião possa trabalhar dentro da cavidade abdominal.
É preciso manter a homeostase do paciente. A cirurgia é uma agressão ao organismo. Quem
mantém as funções básicas de oxigenação e ventilação é o anestesiologista, além de manter
pressão arterial e volemia, manter temperatura (anestesia geral anestesia o hipotálamo, que é
o centro regulador, e o paciente fica hipotérmico), além de equilíbrio hidroeletrolítico, ácido-
básico.

É preciso estar preparado para alguns efeitos da anestesia. O opióide tira a dor do paciente. O
propofol é um hipnótico (sedativo em doses menores). Tanto opióides, quanto o propofo,
quanto alguns benzodiazepínicos atuam no centro respiratório do bulbo, causando depressão
respiratória, que pode levar à apneia. E aí é preciso agir sobre a ventilação artificial. Os
anestésicos inalatórios e o propofol causam hipotensão, eles são agentes vasodilatadores. O
propofol ainda é um depressor direto do miocárdio, além da vasodilatação sistêmica. É preciso
estar preparado para usar uma droga vasoativa, ver uma fluidorresponsividade e atuar sobre
esta hipotensão. Os bloqueadores neuromusculares causam apnéia, pois paralisam o
diafragma.
A ventilação mecânica inverte a fisiologia respiratória. Ela impõe uma pressão positiva no
tórax, diminuindo o retorno venoso, o volume sistólico e o débito cardíaco. Ela predispõe a
hipotensão.

As fibras pré-ganglionares simpáticas estão na medula de T1 a L2. Ao usar uma anestesia local
raqui ou peridural, bloqueando o neuroeixo, bloqueiam esses neurônios simpáticos desde a
sua origem, que é tóraco-lombar. Vai haver algum grau de bloqueio simpático, com
vasodilatação. Vai haver uma denervação simpática em território de capacitância e de
resistência do paciente, fatalmente levando a diminuição do retorno venoso. Vai haver uma
hipotensão. É preciso estar preparado para ela.

Ainda dentro da manutenção da homeostase, é preciso atenuar a resposta endócrino-


metabólica ao trauma cirúrgico. O organismo está preparado para uma resposta de reparo ao
trauma, mas se esse trauma for muito extenso, a resposta pode ser prejudicial.

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As terminações nervosas livres (nociceptores) vão
entrar na medula soba forma de um nervo espinhal,
no corno dorsal da medula. Quando o cirurgião vai
usar o bisturi, por exemplo, vai haver um estímulo
doloroso por despolarização que vai ascender, entrar
na medula pelo gânglio da raiz dorsal, vai fazer
sinapse com outro neurônio que vai cruzar a linha
mediana e formar o trato espinotalâmico
espinolateral, até o tálamo, onde vai haver outro tipo
de conexão, que vai levar o estímulo até o córtex
somatossensitivo, onde vai haver a percepção, a
localização, a intensificação e a memória de dor. Essa
é a aferência dolorosa.
Mas não é apenas essa aferência sensitiva que existe.
Existem arcos reflexos medulares, em que o neurônio
aferente faz sinapse direta com o neurônio eferente.
Existem dois exemplos principais de arco reflexo,
onde é preciso atuar para diminuir essa resposta
endócrino-metabólica ao trauma cirúrgico. O
primeiro deles é esse neurônio C e Aδ, que chega ao
corno dorsal da medula e faz sinapse com o neurônio
eferente do sistema nervoso simpático, seja de
tronco dorsal ou uma víscera como a suprarrenal.
Então o paciente que tem estímulo doloroso vai
naturalmente ativar o sistema nervoso simpático.
Antes de corticalizar o estímulo, existe uma aferência que faz um arco reflexo simples com o
neurônio eferente simpático, que vai ativar tanto os gânglios paravertebrais simpáticos como
vísceras como a suprarrenal, com liberação de catecolaminas. Aí vai ter um estímulo simpático
intenso. Dor gera um estímulo simpático intenso. Para um paciente saudável, isso simula um
exercício físico extenuante. Mas para um paciente cardiopata, coronariopata, esse estímulo
pode levar ele a uma insuficiência coronariana e ser deletério. Por isso é preciso diminuir essa
resposta ao trauma cirúrgico.
O outro tipo de arco reflexo é motor. Há um estímulo aferente que vai fazer sinapse com um
neurônio eferente de músculo esquelético. Aí no local da cirurgia vai haver aquela contratura
ou espasmo da musculatura como resposta à dor. E isso gera um círculo vicioso, porque o
paciente tem um espasmo que gera mais dor, e a dor gera mais espasmo. Esse ciclo se
perpetua. E existem diversas formas de diminuir esses arcos reflexos.

Além disso a ativação do simpático vai ativar o sistema renina-angiotensina-aldosterona e


levar à liberação de citocinas inflamatórias, e isso é proporcional ao trauma cirúrgico. Quanto
maior o trauma, maior a liberação de citocinas inflamatórias, e isso em excesso pode ser
prejudicial ao paciente. Tem como diminuir também a liberação de mediadores inflamatórios,
porque existem várias técnicas e drogas antiinflamatórias sistêmicas.

A avaliação pré-anestésica é obrigatória para todos os procedimentos eletivos. O ideal é que


ela seja feita na forma de uma consulta médica como outra qualquer. Se não for possível, deve
ser feita a visita, no paciente já internado. O anestesista vai no leito do paciente consultar ele.

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Não é obrigatório o mesmo anestesista que faz a avaliação que faça a anestesia na cirurgia.
Seria o ideal, porque o paciente já estabelece algum vínculo de confiança nesse momento. Os
objetivos principais da avaliação pré-anestésico são fazer um planejamento estratégico do ato
anestésico, para aumentar a segurança, melhorar resultados e diminuir morbimortalidade.
Seguidos a esses, é preciso captar a confiança do paciente e explicar o ato (possíveis técnicas e
atos anestésicos a serem realizados), determinar a condição física do paciente, classificando-o
no ASA, escolher a medicação pré-anestésica (não é obrigatório, mas desejável; toda cirurgia
acaba envolvendo algum grau de ansiedade pré-cirúrgica; então às vezes é desejável induzir
algum grau de ansiólise antes da cirurgia). É obrigatório o preenchimento do termo de
consentimento informado da anestesia. E por último, é preciso determinar o jejum pré-
operatório do paciente.

Sólidos e líquidos com resíduos 6 a 8 horas


Líquidos sem resíduos 2 horas
Leite materno 4 horas
Fórmulas para neonatos 6 horas
Chicletes, balas 2 horas

Líquido sem resíduo é água e alguns tipos de suco não ácidos, sem a polpa da fruta e sem
açúcar. Esses tipos de líquidos podem e devem ser dados ao paciente até 2 horas antes do
procedimento. Esses líquidos têm uma hora de trânsito gástrico. Os guidelines colocam 2 horas
por segurança. O consumo deles melhora a satisfação do paciente, e os sucos até reduzem a
chance de hipoglicemia.

É preciso ter jejum pré-operatório para evitar broncoaspiração. Em situação de vigília ou sono
fisiológico, existe uma presevação de reflexo protetor de vias aéreas. É um reflexo em que
existe isolamento do trato respiratório em relação ao TGI. Há o fechamento das cordas vocais
e uma projeção da epiglote protegendo a glote, no momento da deglutição, para proteger as
vias aéreas do suco gástrico, que é ácido e pode levar a uma pneumonite aspirativa. Porém,
em situações de sono não fisiológico (coma ou anestesia geral, que é o coma induzido), esse
reflexo pode estar deprimido ou mesmo abolido. Se o paciente tiver algum conteúdo gástrico,
ele pode ganhar as vias aéreas superiores e inferiores, causando a pneumonite aspirativa
(irritação de epitélio brônquico e alveolar), com destruição de epitélio, de pneumócitos tipo 1
e 2, diminuição da produção de surfactante, lesão da membrana alvéolo-capilar com edema
alveolar, e que posteriormente pode ou não (felizmente a maioria não segue essa evolução)
ser colonizado por germes típicos do TGI (gram negativos e anaeróbios), gerando uma
pneumonia aspirativa propriamente dita. É a síndrome de Mendelson. É necessário um volume
mínimo de 20ml e com pH menor do que 2,5 para desencadear esse quadro.
O jejum serve para diminuir o volume gástrico, o resíduo gástrico, para diminuir a chance de
broncoaspiração. Na anestesia geral, a intubação traqueal com balonete insuflado protege a
árvore brônquica, a via aérea, do paciente que perdeu aquele reflexo protetor, e mesmo que
ele tenha uma regurgitação ele não broncoaspira. Mas mesmo assim, para prevenir, se
submete o paciente a esse tipo de jejum.
Dentro do sistema cardiovascular, a doença mais comum é a hipertensão arterial. O objetivo é
manter o paciente normotenso. O paciente hipertenso sangra mais. O sangue ocupa o campo
cirúrgico, atrapalhando o cirurgião, além de não ser desejável que o paciente perca sangue.
Porém a anestesia por si só já é hipotensiva. Algumas medicações podem potencializar essa
hipotensão do bloqueio do neuroeixo, da ventilação mecânica e até do sangramento. A
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manutenção, até 24 horas antes, desses agentes, predispõem o paciente a uma hipotensão
refratária ao uso de volume e vasopressor. Além disso, o paciente com risco cardiovascular
tem maior chance de infarto e mortalidade. Tem que suspender essas medicações 24 horas
antes.

Paciente com doença da artéria coronariana, que tem algum grau de obstrução coronariana,
tem mais risco que o hipertenso. Esse paciente pode ter isquemia ou até mesmo um infarto,
durante algumas situações de risco, como hipotensão, taquicardia e anemia. A oferta de
oxigênio para a coronária depende do conteúdo arterial de oxigênio e do fluxo sanguíneo da
coronária. A demanda aumenta de acordo com o estado de contratilidade, a pré-carga, a pós-
carga e a frequência cardíaca. O paciente que tem uma obstrução em um dos ramos da
coronárias, quanto mais rápido e mais forte bate aquele coração, maior é a demanda de
oxigênio para aquele miocárdio. Se ele tem uma oferta fixa (porque o fluxo está obstruído por
uma placa ateromatosa), ele pode entrar em isquemia. Existe um desequilíbrio entre oferta e
demanda de oxigênio por esse miocárdio. Além disso, a perfusão coronariana é
essencialmente diastólica. Se o paciente entra numa situação de taquicardia, ele diminui o
tempo de enchimento coronariano, que é predominantemente diastólico. Na taquicardia,
aumenta a demanda, e a oferta está diminuída pela diminuição do tempo de enchimento
coronariano. As coronárias são perfundidas por pressão na raiz da aorta. Se tem uma
hipotensão (e a anestesia tem chance de ser hipotensiva), esse paciente vai ter uma
diminuição da pressão de perfusão da coronária. Se ele tem uma anemia, o conteúdo arterial
de oxigênio está diminuído. Logo, o que é mais deletério para o paciente coronariopata é a
hipotensão com taquicardia e anemia. E a anemia e a hipotensão muitas vezes levam à
taquicardia. Então, pode-se, em medicação pré-anestésica para diminuir a taquicardia, para
um paciente coronariopata é prescrever beta-bloqueador. Outra forma é, no paciente
coronariopata que tem anemia prévia, fazer reserva de sangue para a cirurgia dele, pois há
chance dele precisar de hemotransfusão na cirurgia.
Dentro ainda do sistema cardiovascular, para o paciente com insuficiência cardíaca, é preciso
evitar sobrecarga volêmica. Esse paciente tolera pouco uma sobrecarga de volemia, então
muitas vezes vai ter que usar inotrópico pra ele. Sabe-se que o coração dele vai lidar mal com
uma pré-carga elevada, porque ele não tem força para ejetar essa pré-carga. É preciso tomar
cuidado ou evitar drogas anestésicas depressoras do miocárdio (propofol, por exemplo, ou
alguns anestésicos inalatórios).

No sistema respiratório, o mais comum é o paciente com asma brônquica ou DPOC. Esse tipo
de paciente responde a alguns insultos em via aérea com tentativa de proteger aquela via
aérea. Esse insulto pode ser mecânico ou químico. É o paciente que tem via aérea irritável. Um
insulto significa broncoespasmo no sentido de tentar proteger a via aérea mais inferior. O
insulto mecânico mais comum em anestesia que pode provocar broncoespasmo em via aérea
irritável é a intubação traqueal. Ela tende a gerar broncoespasmo nesse tipo de paciente. O
organismo entende que aquele tubo é uma agressão, e tenta proteger a via aérea causando
broncoespasmo. E esse broncoespasmo pode ser muito deletério, ao causar uma dificuldade
de ventilação e oxigenação. O que se deve fazer é diminuir a reatividade dessas vias aéreas.
Isso é feito através do uso de uma medicação pré-anestésica com beta-2 agonista inalatório,
para diminuir a chance de broncoespasmo, e corticoesteróide (de preferência dias antes,
porque o corticóide tem uma ação de depósito). Além disso, se a intubação é um exemplo de
agressão mecânica, é preciso atenuar esse estímulo mecânico, buscando outra técnica
anestésica, como uma raqui ou peridural em vez de uma anestesia geral, ou então fazer em
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vez da intubação uma máscara laríngea, que estimula muito menos que o tubo traqueal. No
caso do estímulo químico, algumas drogas anestésicas liberam histamina (como o atracúrio),
que é broncoconstritora. No caso do paciente tabagista, a supressão do tabagismo diminui a
reatividade da via aérea. O ideal é que a supressão do tabagismo seja feita 4 a 6 semanas antes
da cirurgia. Mas de 24 a 48 horas antes da cirurgia já é bom para reduzir a reatividade. Além
disso, pode ser importante prescrever uma droga para diminuir a ansiedade e compulsividade
do paciente em fumar antes da cirurgia.

A endocrinopatia mais comum é o diabetes. É preciso fazer o controle da glicemia. O paciente


vai ser submetido a jejum. É preciso fazer uma glicemia capilar antes da cirurgia e no final do
jejum, para ver se ele fez hipoglicemia. O paciente com níveis de glicemia elevados de forma
crônica (isso vale para o paciente renal crônico com uremia crônica), a glicose em excesso
(assim como produtos de excreta que deveriam ser eliminados na urina mas não são no
paciente renal crônico) se deposita em axônios de neurônios na periferia, e vão lesar esses
axônios. Isso é proporcional ao tempo de evolução da doença, e inversamente proporcional ao
grau de controle. É uma neuropatia autonômica. Isso se manifesta, principalmente nos
diabéticos de longa data, através de maior dificuldade de esvaziamento gástrico, mesmo no
tempo de jejum normal. O peristaltismo é basicamente parassimpático. Uma neuropatia
autonômica também atinge fibras parassimpáticas, e esse paciente pode não ter o
esvaziamento gástrico adequado após aquelas 6 a 8 horas de jejum. Tem maior chance de
resíduo gástrico para causar broncoaspiração. Nessas situações de neuropatia autonômica
com gastroparesia diabética, não faz diferença aumentar o tempo de jejum. O que se deve
utilizar são fármacos que diminuam o volume gástrico e aumentem o pH. É a profilaxia da
broncoaspiração. Ela é indicada em situações de risco para broncoaspiração, sendo uma delas
a neuropatia autonômica com gastroparesia diabética. Serão utilizadas medicações desde o
início do jejum até uma hora antes do procedimento para ajudar o estômago a esvaziar e
aumentar o pH. Os diabéticos têm esse tipo de indicação.
Eles têm uma neuropatia autonômica também do simpático, com diminuição do tônus
simpático. Esse paciente tem muito mais chance de hipotensão na vigência da anestesia, do
bloqueio do neuroeixo, da utilização de gases anestésicos, da ventilação mecânica com
pressão positiva. Clinicamente, se suspeita que o diabético tem neuropatia autonômica se ele
tem hipotensão postural (queda significativa da PA na posição ortostática).

No Brasil existe grande incidência de alcoolismo e cirrose hepática. O fígado é o produtor da


maior parte dos fatores de coagulação. Um fígado doente tem maior chance de coagulopatias
e sangramentos. O fígado é o grande órgão metabolizador, da maioria das drogas exógenas, e
principalmente das drogas anestésicas. Um paciente hepatopata tem maior chance de
coagulopatia e sangramento, e maior chance de diminuição de metabolismo de drogas que
têm metabolismo hepático. É preciso diminuir dose de drogas anestésicas que têm
metabolismo hepático, ou mesmo não utilizar essas drogas. Esse paciente tem que avaliar a
coagulação dele através do coagulograma.

Situações de hipercloridria, como gastrite, ou refluxo gastroesofágico, extremamente comuns,


deve-se evitar drogas irritantes gástricas, como os antiinflamatórios. Se o paciente tem refluxo
gastroesofágico ele tem incompetência da principal barreira contra a regurgitação, que é o
esfincter esofágico inferior. Essa incompetência pode ser funcional ou anatômica. Esse
paciente tem que ser submetido à quimiprofilaxia da broncoaspiração. É preciso reduzir o

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volume gástrico e aumentar o pH, porque esse paciente tem maior chance de ter
broncoaspiração.

A insuficiência renal é muito parecida com o diabetes pela situação da uremia, já explicada. É
preciso diminuir dose de anestésico de eliminação renal, ou evitar essas drogas. É preciso
também evitar sobrecarga volêmica, porque muitas vezes esse paciente não tem por onde
eliminar o volume infundido, levando a sobrecarga volêmica. Deve-se ainda evitar colóide. E
pela uremia crônica, eles têm gastroparesia urêmica, com maior chance de resíduo gástrico,
sendo indicada a profilaxia de broncoaspiração. E há maior chance de hipotensão também,
pelas fibras simpáticas atingidas pela uremia crônica.

É preciso pesquisar a história alérgica do paciente. Não se pode prescrever ou administrar


nenhuma droga no paciente sem pesquisar a história alérgica dele, sob risco de fazer uma
iatrogenia. O mais comum é analgésico ou antiinflamatório, alguns antibióticos (a maioria das
cirurgias potencialmente contaminadas vão exigir profilaxia, e a profilaxia é com cefalosporina;
o paciente que relata alergia a um betalactâmico pode ter reação cruzada com outros em
cerca de 20% das vezes; não deve ser feito a cefalosporina, deve-se escolher outra classe de
antibiótico, como clindamicina, vancomicina), iodo (altamente alergênico), esparadrapo. E a
alergia ao látex é algo que vem surgindo muito, principalmente no paciente exposto desde a
infância (crianças com anormalidades urogenitais, expostas a sondagem vesical desde a
infância), ou no profissional de saúde. A proteína do látex tem reação cruzada com alergia a
algumas frutas (banana, kiwi, abacate, castanha). Esse tipo de paciente pode ter alergia a látex.
Felizmente a maior parte das alergias ao látex são reações cutâneas, mas pode chegar ao
choque anafilático.
Em termos de exame físico, é preciso saber peso, altura, IMC, principalmente porque se calcula
dose de medicamento a partir de peso. Pressão arterial, ausculta cardiovascular e pulmonar. É
preciso fazer previsão de acesso venoso fácil ou difícil. É possível prever se um paciente é mais
fácil ou mais difícil de intubar. Verificar a presença de dentaduras e próteses, porque se for
intubar tem que retirar.

De exames complementares, não existe obrigatoriedade de nenhum exame complementar.


Isso aumenta custa e não diminui morbimortalidade. Os pedidos vão ser guiados de acordo
com cada paciente, com o bom senso. Uma exceção são as mulheres em idade fértil, em que
deve ser feito o teste de gravidez (alguns procedimentos anestésicos podem induzir
abortamento). Mas é preciso o consentimento da paciente.

Classificação do risco cirúrgico da ASA:

ASA I Saudável, sem doenças orgânicas, bioquímicas ou psiquiátricas.


ASA II Doença sistêmica leve compensada sem impacto nas atividades diárias.
ASA III Doença sistêmica severa que limita as atividades diárias.
ASA IV Doença sistêmica severa incapacitante com ameaça constante à vida.
ASA V Moribundo com expectativa de morrer nas próximas 24 horas.
ASA VI Doador de órgãos com morte encefálica.

A letra E é acrescentada quando o procedimento é de urgência ou emergência. Os ASAs V e VI


sempre são E, pois sempre são situações de urgência.

A medicação pré-anestésica tem como objetivo primordial a ansiólise, sedação e amnésia. As


crianças menores, principalmente pré-escolares, muitas vezes culpam os pais por negligência

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por serem levadas por estranhos que vão fazer mal para elas, e desenvolvem uma síndrome de
estresse pós-traumático. Por isso pode-se permitir uma separação atraumática dos pais com o
uso do ansiolítico. Essas crianças morrem de medo de agulha. Mas não é só a criança.

Os benzodiazepínicos, que são os mais utilizados, têm algum poder amnéstico, e muitas vezes
o paciente tem pouquíssima lembrança de que entrou na sala de cirurgia. Dentre os
benzodiazepínicos, se destaca o midazolam, porque ele tem uma meia-vida curta (2 a 4 horas),
e serve como pré-anestésico. Mas às vezes o serviço não tem midazolam, e se usa o diazepam.
O ideal é usar na véspera do procedimento, para o paciente ter uma noite confortável antes da
cirurgia, e pelo menos uma hora antes do procedimento, para ele entrar mais tranquilo, e isso
serve para as crianças também. No Brasil, existe a cultura de prescrever por via oral, mas tanto
faz. Existe na forma de xarope com gosto bom para a criança. Se o paciente tem acesso
venoso, pode fazer por ele. Se a criança não aceitar o xarope, uma opção é o pai ou a mãe
pega a criança no colo e fazer intramuscular. Vai doer mas daqui a pouco ela esquece e fica
tranquila. A ação do midazolam é potencializadora GABAérgica, diminuindo a função global
cortical, de amígdalas e hipocampo também, e com isso diminui a retenção de memória
também.
A quimioprofilaxia da broncoaspiração, que pode ser feita por via oral ou venosa, vai ser
indicada naqueles pacientes diabéticos, urêmicos, com refluxo gastroesofágico, que têm maior
risco de broncoaspiração mesmo com o jejum adequado. O objetivo é diminuir o volume e
aumentar o pH. Utilizar um antiácido, que é um tampão, não vai diminuir o volume, mas vai
tamponar o pH. O único indicado é o citrato de sódio por via oral, mas é pouco usado. O que
mais se usam são medicação que atuam no pH e no volume. Os bloqueadores H+ (ranitidina2) e
de bomba de prótons (omeprazol) vão inibir a produção de suco gástrico e vão portanto atuar
no pH, apesar de atuar um pouco também no volume. Elas são utilizadas no início e no final do
jejum (uma a duas horas antes da cirurgia). Os procinéticos (metoclopramida) vão acelerar o
esvaziamento gástrico. Com isso diminui o pH e o volume gástrico.
Por fim, a redução da reatividade das vias aéreas, no paciente asmático, DPOC, tabagista. É
usado um agonista beta-2 adrenérgico (fenoterol) com corticóide. O corticóide pode ser
inalado ou oral. Se for oral tem que começar 3 dias antes pelo menos. O agonista beta-2
adrenérgico pdoe ser usado na bombinha do paciente ou em nebulização. Ele vai ser
administrado na véspera e uma hora antes do procedimento.

Caso clínico: paciente do sexo feminino, hipertensa e portadora de doença do refluxo


gastroesofágico, em uso de enalapril para controle da hipertensão, compensada. Sente dor
abdominal, faz ultrassom e é avaliada pelo cirurgião. Tem cálculo na vesícula, e é indicada uma
colecistectomia eletiva por videolaparoscopia com anestesia geral. Qual jejum pré-operatório
vai ser prescrito para a paciente? Qual a classificação ASA da paciente? Que tipo de medicação
pré-anestésica deve ser prescrita?

O jejum é mais permissivo para agentes com pouca gordura, as chamadas refeições leves (chá,
café sem açúcar, torrada sem manteiga). Esses podem ser usados até 6 horas antes. O resto é
8 horas. Água e suco sem açúcar e sem polpa da fruta pode até 2 horas antes. O enalapril que
ela usa deve ser suspenso 24 horas antes. Essa paciente é ASA II. As medicações pré-
anestésicas a serem usadas são: midazolam (ou diazepam) na noite anterior e uma hora antes,
ranitidina e metoclopramida no início do jejum e uma a duas horas antes da cirurgia.

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A ranitidina é muito eficiente, ou seja, capaz de gerar efeitos positivos com menor custo.
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ANESTÉSICOS LOCAIS

O primeiro anestésico local veio das folhas de cocaína. Anestésicos locais são fármacos que
produzem um bloqueio transitório dos impulsos das vias do sistema nervoso central e
periférico. Esse efeito é obtido através de injeção por agulha percutânea. Na maioria das vezes
os anestésicos locais serão usados ao redor de mucosas, de fragmentos de pele, de tecidos, de
nervos, de plexos, para eles banharem essas estruturas e bloquearem a transmissão dos
impulsos nervosos tanto a partir do SNC (raqui, peridural) quanto em vias periféricas. Existe a
interrupção do impulso periférico em nível central, e o indíviduo não tem nenhum tipo de
sensibilidade. Usa-se para isso infiltração com agulha percutânea, ou uso tópico, por spray, gel
ou creme.

No mecanismo de ação, o anestésico local vai promover um bloqueio da condução do axônio


do neurônio, através do bloqueio de canais de sódio. Um estímulo tátil, térmico, doloroso, se
transforma em um estímulo elétrico através de terminações nervosas livres e abertura de
canais de sódio (entra sódio e sai potássio), gerando um potencial de ação. O estímulo é
transmitido então por contiguidade em fibras não mielinizadas, ou saltatória em fibras
mielinizadas. Há propagação do estímulo da periferia até a medula, da medula até centros
supramedulares, e no córtex há a corticalização, a percepção, a caracterização e a memória do
estímulo. Se foi injetado ao redor do axônio de um nervo uma substância que promove
bloqueio do canal de sódio, a partir do ponto em que ela foi injetada acontece uma
interrupção da transmissão do impulso aferente até a medula, e não há percepção do mesmo,
seja ele qual for (doloroso, térmico, tátil).
Há uma teoria de que existiram receptores específicos dentro do canal de sódio para receber o
anestésico local, e o anestésico local promoveria o bloqueio desse canal de sódio, com a
interrupção da despolarização neste ponto. Um estímulo doloroso distal a essa injeção vai
impedir a passagem do estímulo nesse ponto, se houver uma concentração mínima adequada
ideal para ação do anestésico local, e não há percepção da dor até que o anestésico local seja
metabolizado e deixe esse seu local específico de ação ligado ao receptor no interior do canal
de sódio.

É importante lembrar que essas drogas são anestésicos locais, e portanto não são indicadas
para utilizar deliberadamente para injeção em altas doses na veia. Imagine essa substância
bloqueando canais de sódio no coração. Vai bloquear desde a origem do estímulo no nó
sinusal, até a propagação em feixes internodais, nó AV e fibras de His-Purkinje. Ela pode causar
parada cardíaca. E esse é um dos mecanismos de toxicidade da cocaína. Imagine essa
substância chegando no SNC e bloqueando canais de sódio. Isso também gera toxicidade. Por
isso não é uma droga feita para uso deliberado em altas doses por via venosa, pois ela vai
exercer sua toxicidade e pode levar à mortalidade.

Além da primeira teoria, que é a principal, existe outra para explicar a ação dos anestésicos
locais. É a teoria da expansão de membrana, que funcionalmente é a mesma coisa. Segundo a
primeira teoria, as moléculas do anestésico (verde na imagem) vão atravessar a membrana do
axônio, de fora para dentro, e lá dentro elas bloqueiam o canal de sódio se ligando a um
receptor no canal. A fibra tem que ser trespassada pelo anestésico local para que ela bloqueie
do interior. Na segunda teoria, não necessariamente a molécula do anestésico precisa
trespassar a membrana do axônio. O anestésico local tem uma porção lipossolúvel, ele tem

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capacidade de se difundir e ser absorvido pela matriz lipídica do axônio. As moléculas de
anestésico local (N em amarelo na imagem), na medida em que elas vão se difundindo pela
matriz lipídica, de um lado e de outro do canal de sódio, elas possuem um efeito de expandir a
membrana, levam à expansão da matriz lipídica lateralmente. Isso provoca o fechamento do
canal de sódio. No fim das contas, nas duas teorias há fechamento do canal de sódio. Há quem
diga que as duas teorias coexistem.

Existem diferentes tipos de fibras nervosas. Dependendo do jeito que for manipulado o
anestésico local, consegue-se um bloqueio mais de um tipo de fibras do que de outros. O
nervo é composto pelo perineuro, epineuro,
endoneuro, e pelos diferentes tipos de fibras.
Existem basicamente os tipos de fibras
nervosas A, B e C. Dentro do tipo A, existem os
subtipo Aα, Aβ, Aγ e Aδ. Os tipos A e B são
fibras mielinizadas, enquanto o tipo C é
amielínica. As fibras mielinizadas Aα e Aβ têm
uma bainha de mielina concêntrica, formando
vários invólucros ao redor da fibra nervosa, a
partir das células de Schwann. Tanto as fibras
Aα e Aβ são fibras grossas, calibrosas, às custas
de várias camadas de bainha de mielina que
vão protegê-las. A fibra Aγ é mielinizada, mas a
capa de bainha de mielina já é bem mais fina.
A fibra C é exposta, não tem bainha de mielina.
O anestésico local precisa penetrar na fibra
para agir, e ele vai ter mais facilidade de
penetrar na fibra C, e tem maior dificuldade de
penetrar nas fibras Aα e Aβ.
A fibra Aα, assim como a Aβ, é uma fibra grossa, com alta velocidade de condução do estímulo.
Porém a fibra Aα é uma fibra eferente dos músculos, com função de motricidade. A fibra Aβ é
semelhante à Aα, só que ela é aferente de pele e articulações, e vai gerar tato e propriocepção
(propriocepção consciente é a percepção temporo-espacial de partes do corpo). A fibra Aγ,
também dotada de bainha de mielina, tem um diâmetro bem menor que as anteriores e
menor velocidade de condição. Ela é uma fibra eferente de tônus muscular (estado contrátil
involuntário da musculatura estriada esquelética, que existe para a manutenção do trofismo

44
da musculatura, para ela não atrofiar). Muitas vezes é preciso abolir esse tônus para dar
relaxamento muscular e o cirurgião poder operar (exemplo: numa fratura de fêmur em que a
musculatura da coxa causa um desvio do fêmur, é preciso bloquear as fibras Aγ para reduzir o
tônus, assim como qualquer cirurgia abdominal). As fibras Aδ são mielinizadas, são muito finas,
e funcionalmente são semelhantes às fibras C. É uma fibra puramente sensitiva (dor, frio e
tato). A fibra B tem bainha de mielinizada, mas de todas as mielinizadas é a mais fina e com
menor velocidade de condução. Ela é uma fibra autonômica simpática. O tipo C é o único
amielinizado, com um diâmetro muito pequeno, velocidade de condução baixa, e ela pode ser
tanto autonômica quanto sensitiva.

Mielina Diâmetro Velocidade de Localização Função


(μm) condução
Aα + 6-22 30-120 Eferente aos músculos Motora
Aβ + 6-22 30-120 Aferente da pele e Tato e
articulações propriocepção
Aγ + 3-6 15-35 Eferente aos fusos Tônus
musculares muscular
Aδ + 1-4 5-25 Aferentes sensoriais Dor, frio,
nervosos toque
B + <3 3-1 Simpático pré- Autonômica
ganglionar
C - 0,3-1,3 0,7-2 Pós-ganglionares Autonômica,
simpáticos e aferentes dor, calor,
sensoriais toque

Em algumas situações, é preciso manipular o anestésico local para um subtipo de bloqueio


específico. O maior exemplo é na analgesia de parto e na analgesia pós-operatória. Na
analgesia de parto é preciso fazer um bloqueio de fibras sensitivas. Não pode fazer um
bloqueio motor, porque a mãe precisa de força expulsiva. Outro exemplo é quando acabou a
cirurgia e não precisa mais de bloqueio muscular, mas de analgesia, porque o paciente
inclusive deve ser estimulado a deambular. É preciso um bloqueio diferencial sensitivo. E tem
como fazer isso. À medida em que se utiliza uma massa maior de anestésico local, a tendência
é bloquear todos os tipos de fibras. Porque o mais fácil ele vai bloquear, e com uma massa
grande, vai ter bloqueio de todos os tipos de fibras. Será um bloqueio simpático, autonômico,
sensitivo e motor. Se usar uma quantidade menor, a tendência é de bloquear especificamente
fibras C, B e Aδ. Ou seja, vai ter um bloqueio sensitivo e autonômico. Se tem bloqueio sensitivo
tem bloqueio autonômico também. Ou seja, de acordo com a situação, pode-se manipular a
dose de anestésico local, de forma a usar o mínimo possível de massa para que o anestésico
penetre somente em fibras finas, facilmente bloqueáveis, que são as simpático-sensitivas. Isso
se chama bloqueio diferencial. Por outro lado, não há como utilizar um anestésico local e ter
somente bloqueio motor. Se tiver bloqueio motor, fatalmente terá bloqueio simpático-
sensitivo também.
A molécula de anestésico local típica tem uma porção lipofílica (anel benzênico), separado de
uma amina terciária ou quartenária (que é a parte hidrofílica) por uma ligação éster ou amida.
Essa cadeia intermediária que liga o anel benzênico à amina é que dá a classificação dos
anestésicos locais. Eles podem ser classificados em tipo éster ou amida (aminoéster ou
aminoamida). Os ésteres são a benzocaína, tetracaína, procaína (essas 3 só existem na forma
tópica), cloroprocaína (não existe no Brasil) e a cocaína (é droga ilícita). Os que mais são

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utilizados clinicamente são os os anestésicos locais do tipo amida, e o que mais é utilizado é a
lidocaína, mas tem também a bupivacaína, ropivacaína (isômero da bupivacaína), a
mepivacaína e a prilocaína (essas são mais usadas pelos dentistas, pois têm menor potência e
menor toxicidade, podendo ser usadas no consultório dentário).

Quanto mais lipossolúvel for um anestésico local, mais potente ele é, mas também mais tóxico
(para SNC e coração principalmente). Essa lipossolubilidade e potência está relacionada à
capacidade de expansão de membrana e também com a afinidade pelo canal de sódio,
mantendo o canal de sódio fechado de forma mais potente e prolongada. Um exemplo de
anestésico local muito lipossolúvel e potente é a bupivacaína, e um menos lipossolúvel e
menos potente é a lidocaína.

A latência tem a ver com o início de ação. É o intervalo entre a injeção do anestésico local por
agulha percutânea, a penetração das moléculas pela bainha de mielina, a interação com o
canal de sódio e o seu efetivo bloqueio. Isso demanda tempo. É a latência ou início de ação.
Não tem muito a ver com lipossolubilidade e potência. Apesar de existirem algumas
coincidências, são propriedades distintas. Ela está relacionada com o pKa do anestésico. O pKa
é o pH em que metade das moléculas está sob a forma ionizada e a outra metade sob a forma
não-ionizada. Ionizada é quando está ligada um íon, um próton (H+). É a forma ionizada,
protonada, ácida, hidrofílica. A outra forma é a não-ionizada, não-protonada, lipossolúvel ou
básica. As moléculas de anestésico local que penetram de fora para dentro da fibra são formas
principalmente não-ionizadas, as formas básicas, lipofílicas. A forma que entra para dentro da
fibra é a forma não-ionizada. As formas ionizadas não conseguem penetrar através da
membrana e não conseguem, portanto, exercer sua função.

Anestésico pKa % de ionização Lipossolubilidade


Bupivacaína 8,1 83 3420
Lidocaína 7,9 76 366
Mepivacaína 7,6 61 130
Prilocaína 7,9 76 129
Ropivacaína 8,1 83 775
Cloroprocaína 8,9 95 810
Procaína 8,9 97 100
Tetracaína 8,5 93 5822

Todos os pKas dos anestésicos locais são mais elevados que o pH fisiológico (7,35-7,45). Todos
eles são bases fracas. A bupivacaína tem um pKa de 8,1. Quando ela é submetida ao nosso
meio, o meio vai doar prótons para a bupivacaína, de forma que o percentual de ionização
dentro do organismo é 83%. Isso significa que apenas 17% da bupivacaína injetada vai
penetrar no nervo para exercer sua ação. Segundo este raciocínio, quanto maior o percentual
de moléculas não-ionizadas, mais rápido é o início de ação, e o anestésico local com início de
ação mais rapido é a mepivacaína (pKa mais próximo do pH fisiológico), e o com início de ação
mais lento, maior latência, é a procaína. O anestésico mais potente é a tetracaína (maior
lipossolubilidade), e o menos potente é a procaína.
Uma das formas de melhorar a latência de um anestésico local é adicionando um tampão a
esse anestésico local. O bicarbonato de sódio se liga ao H+. Ao adicionar o bicarbonato a um
anestésico local, ele vai ligar ao H+, e sobra mais anestésico na forma lipossolúvel, e vai haver
uma penetração mais rápida e uma latência mais curta. Se for adicionado um tampão a
qualquer anestésico local, é possível acelerar o início de ação. Numa situação de tecido com
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abscesso, é um meio ácido, por ser um tecido pobre em oxigênio, desvitalizado, em que ocorre
metabolismo anaeróbio. Esse meio é rico em H+, que vai se ligar às formas não-ionizadas do
anestésico local, tornando-as ionizadas, com prejuízo de latência e de penetração. Uma das
formas de abreviar latência e melhorar a passagem das moléculas no caso de uma infiltração
de absesso é utilizando o bicarbonato de sódio.

Normalmente perto de um nervo existem vasos. Fatalmente, onde for injetado anestésico
local vai ter absorção. O anestésico é injetado perineural, mas será perivascular também. Parte
do anestésico irá para o nervo, mas parte vai para onde não se quer, ser absorvido e circular. A
absorção depende de vários fatores. O principal é a vascularização do local onde vai se
executar a anestesia. Quando mais vascularizado for o local, mais absorvido será o anestésico.
A mucosa traqueal é muito vascularizada, tem uma superfície de absorção muito grande.
Depois dela, tem os nervos intercostais. Depois vem o bloqueio caudal (peridural em
pediatria), o plexo braquial, ciático-femoral. O bloqueio subcutâneo, entretanto, é
extremamente seguro. O subcutâneo tem muito pouca absorção. A infiltração subcutânea é a
que tem menor absorção.
Outro fator fundamental na absorção ou não do anestésico local é a presença ou não do
vasoconstritor, que no Brasil é a adrenalina, no frasco de anestésico local. A presença da
adrenalina causa uma vasoconstrição do leito vascular próximo, minimizando a absorção, a
exposição sistêmica e a toxicidade. Mas existem exceções. Não se pode adicionar adrenalina
em extremidades, pois pode levar a isquemia.

Uma vez que o anestésico local é absorvido, os órgãos com maior vascularização vão receber
uma maior parcela de anestésico. Mas as principais toxicidades são no sistema nervoso central
e coração.

O metabolismo, uma vez absorvido, depende da classe. Os ésteres vão sofrer hidrólise
plasmática pela pseudo-colinesterase, produzida pela fígado, mas ela é circulante. É uma via
de metabolismo muito rápida, porque a enzima é circulante, ela é quase onipresente no
plasma. Uma vez absorvido, o anestésico é metabolizado. Por isso os ésteres têm potencial
menor de toxicidade. Mas os ésteres são pouco usados, porque para estocagem e distribuição
são muito pouco estáveis. A indústria farmacêutica não conseguiu chegar a uma formulação de
éster mais estável. Os anestésicos locais do tipo amida precisam de passagem pelo fígado para
serem metabolizados pelo citocromo P-450, e é um metabolismo lento. Na maioria das vezes,
os metabólitos dessas drogas são metabólitos ativos, ainda têm função de bloqueio de canais
de sódio. Se houver absorção, eles têm potencial maior de toxicidade.

Os anestésicos locais podem ser usados de forma tópica. O EMLA (50% lidocaína e 50%
prilocaína) é usado para pequenos procedimentos. Ele atravessa a camada córnea íntegra da
pele e após cerca de 2 horas exerce sua ação anestésica (usada em pequenas cirurgias de pele,
venopunção em criança e algumas tatuagens). A infiltrativa é direta nos tecidos. A mais
comum é a anestesia no consultório de odontologia.

A toxicidade se dá por dois mecanismos fundamentais. Um é a absorção de altas doses, outro


é por uma injeção intravascular inadvertida, acidental. Em 98% das vezes que uma agulha
entra dentro de um vaso, se for aspirada vem sangue. Durante a execução da anestesia local,
deve-se aspirar. Se vier sangue, retira a agulha e executa o processo novamente. Porém, em
2% das vezes, o vaso é tão delgado que a parede do endotélio vascular tapa o bisel da agulha e
não volta sangue.

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Para prevenir a toxicidade, além de aspirar a seringa para ver se pegou um vaso, a primeira
coisa é respeitar as doses máximas preconizadas. Essas doses são por quilo de peso. O uso da
adrenalina, com exceção das extremidades, é bom pois limita a absorção de doses elevadas.

Agente Concentração Dose máxima (mg/kg)


Bupivacaína 0,25 a 0,5% 2a3
Ropivacaína 0,2 a 1% 3
Lidocaína 1 a 2% 5a7
Prilocaína 0,5 a 2% 5 a 10

A tabela acima mostra os principais anestésicos locais usados no Brasil. Em termos de


toxicidade, a tabela está em ordem decrescente de potência e, portanto, de toxicidade: a
lidocaína é menos tóxica que a ropivacaína, que é menos tóxica que a bupivacaína. Essa faixa
de dose máxima é porque o limite inferior é do anestésico sem adrenalina, e o limite superior
é do anestésico com adrenalina. A ropivacaína não tem essa faixa, porque ela já tem uma
propriedade vasconstritora intrínseca, e por isso não se associa adrenalina a ela, e ela não
deve ser utilizada em extremidades. A pergunta é qual o volume que pode se fazer
respeitando as doses máximas. No exemplo de um adulto de 60kg usando lidocaína a 2%, qual
seria o volume máximo a ser usado? Se a droga é a 2% significa que ela tem 2g de anestésico
em 100ml de solução. Ou seja, ela tem 0,02g para cada ml de solução, ou 20mg. Ou seja, a
solução a 2% tem 20mg/ml. Um adulto de 60kg, então, poderá receber uma dose de 300mg de
lidocaína sem adrenalina (5mg/kg), ou um volume de 15ml de solução.
A dose-teste é feita para excluir aqueles 2% dos casos em que a aspiração é negativa. Pode-se
usar um marcador de injeção intravascular, com adrenalina. Vai injetar uma pequena
quantidade de anestésico com adrenalina, esperar em torno de um minuto, que é o tempo
que a droga leva para circular, e monitorar o cardiovascular do paciente, sendo o marcador
principal a frequência cardíaca. Se a frequência cardíaca tiver um aumento de 10 a 20
batimentos, supõe-se que foi feita uma dose-teste intravascular, e aborta-se a injeção, fazendo
nova tentativa. Além disso, se o anestésico local circular e chegar ao SNC, vai causar sensações
estranhas no paciente, chamadas sintomas premonitórios: mudança auditiva (normalmente
zumbido), excitação, dormência perioral e gosto metálico na boca. No caso da ropivacaína, que
não se associa adrenalina, pode fazer a dose-teste com lidocaína e depois trocar.

Outra forma de prevenção é a injeção guiada por ultrassom.

No SNC, a toxicidade se inicia sob a forma de convulsões tônico-clônicas. À medida em que o


anestésico vai chegando ao SNC, ele vai bloqueando primeiro circuitos inibitórios, levando ao
predomínio de circuitos excitatórios, e por isso a convulsão. Na medida em que o anestésico
vai ganhando outras faixas do SNC, eles vão bloquear os excitatórios também, levando a
apnéia e coma. Se o indivíduo estiver bem assistido, a toxicidade do SNC é o de menos, porque
pode intubar o paciente e ventilar, e esperar o anestésico ir embora. No caso das convulsões, é
preciso abolir com anticonvulsivantes, como benzodiazepínicos, propofol e tiopental.

O problema é a toxicidade cardiovascular. No primeiro momento, principalmente por causa da


adrenalina, tem hipertensão com taquicardia. Depois, à medida em que o anestésico vai
ganhando os canais de sódio do coração, ele bloqueia toda a atividade elétrica do coração, e aí
tem parada cardíaca. Tem que reanimar o paciente e dar suporte hemodinâmico, e é muito
difícil voltar, se não tiver um antídoto.

48
A emulsão lipídica a 20% parece que, uma vez que inicia sua infusão no paciente intoxicado,
quando ela chega no SNC ou coração, pela lipossolubilidade há uma migração de parte das
moléculas do anestésico dos canais de sódio para esta emulsão. Sem essa emulsão, em um
caso grave de intoxicação é muito difícil do paciente sair.

Existe um anestésico local desenvolvido no Brasil que é um dos mais usados pelos
anestesiologistas, pelo seu custo-benefício. Os anestésicos locais, exceto a lidocaína, têm
carbono assimétrico, e por isso têm moléculas isômeras, que desviam a luz polarizada para a
esquerda ou direita. A bupivacaína tem a S-bupivacaína (levógira) e a R-bupivacaína
(dextrógira). Em termos de cardiotoxicidade, o isômero R tem mais afinidade pelo canal de
sódio do coração que o S, e por isso é mais cardiotóxica. As formas levógiras são mais seguras
do ponto de vista cardiovascular. Porém, o isômero levógiro tem uma desvantagem: pouca
afinidade por canal de sódio de fibra Aα, que são fibras motoras. Ou seja, são isômeros que
dão pouco relaxamento muscular. Elas são boas quando não se quer relaxamento muscular,
mas se é uma cirurgia em que se quer relaxamento cirúrgico eles não são tão bons. Uma
pesquisadora brasileira 3 resolveu misturar dextrógiro e levógiro em proporções diferentes. A
bupivacaína, a droga-mãe, é 50% dextrógira e 50% levógira (bupivacaína racêmica). Ela alterou
a proporção de isômero levógiro para 75% e dextrógiro para 25%. Com isso manteve-se um
grau de cardioproteção porque tem prodomínio de levógiro, mas ainda tem um percentual de
dextrógiro que atende ao relaxamento muscular. É a novabupi, ou levobupivacaína em excesso
enantiomérico de 50%.
Os anestésicos locais são isoladamente a forma mais eficaz de prevenir e tratar a dor, porque
eles bloqueiam a chega do estímulo doloroso à medula e centros superiores. O problema é
que eles bloqueiam canais de sódio e podem ser tóxicos. Por isso é importante a prevenção e
tratamento adequado de toxicidade.

3
Maria dos Prazeres Barbalho Simonetti.
49
MANUSEIO DAS VIAS AÉREAS E INTUBAÇÃO TRAQUEAL

O manuseio adequado das vias aéreas é aquele que permite tanto a permeabilidade quanto a
proteção das vias aéreas. A permeabilidade é mais importante que a proteção. É preciso fazer
uma ventilação artificial em que o oxigênio entre e o CO2 seja eliminado, ou seja, que ocorram
trocas gasosas. Uma via aérea protegida é aquela em que mesmo que o paciente regurgite o
coteúdo gástrico, ele não vai broncoaspirar. Uma situação de intubação com balonete íntegro
insuflado considera-se uma via aérea protegida.

Num paciente comatoso, que não está respirando espontaneamente, a forma mais rápida,
simples e efetiva de conseguir uma via aérea permeável é a respiração sob máscara facial.
Porém, ela não garante a via aérea protegida. Na intubação traqueal consegue-se a via aérea
protegida. Numa situação em que não se consegue intubar, ou não tem treinamento para tal,
é preciso tornar a via aérea pelo menos permeável.

O que existe de mais simples para tornar uma via


aérea permeável é a ventilação sob máscara facial.
Para obter uma ventilação sob máscara facial adequada
é preciso posicionar bem o paciente. A máscara é
siliconada, não tem látex, e é transparente. Ela é
projetada para adaptação anatômica à face. Antes de
adaptar a máscara é preciso posicionar o paciente na
chamada posição olfativa (“sniffin position”). É a
hiperextensão da cabeça, tração do queixo e um coxim
de 5 a 10cm no occipito. Na posição neutra, os eixos oral, faríngeo e laríngeo estão
incongruentes. O objetivo da posição olfativa é para tentar alinhar os eixos oral, faríngeo e
laríngeo (não se consegue alinhar totalmente) para que o ar entre e saia com mais facilidade.
Não será usada a posição olfativa quando houver suspeita de trauma cervical. A posição
olfativa é o primeiro passo tanto para ventilação quanto para intubação, porque também
facilita a visão de laringoscopia.

Na posição neutra, numa condição de inconsciência ou coma, há uma predisposição de queda


da base da língua sobre as cordas vocais ou sobre a epiglote, e isso atrapalha a inspiração e
expiração. A posição olfativa por si só tende a tracionar a base da língua anteriormente, e o ar
entra e sai com mais facilidade. Às vezes a posição olfativa por si só não é capaz de tratar uma
queda de base de língua muito acentuada por si só (paciente obeso, por exemplo). Existe um
dispositivo utilizado para tracionar a base da língua para a frente, que é a cânula orofaríngea,
50
ou cânula de Guedel. É preciso escolher o tamanho correto para o paciente. Coloca-se a cânula
do lado da mandíbula do paciente. Se o bucal ultrapassar a rima oral, e a parte posterior tocar
o ângulo da mandíbula, ela é adequada. Se ela for menor do que isso, ela não vai na parte
posterior da base da língua, vai no meio da língua e piora a obstrução. Se ela for muito grande,
o bucal dela vai se projetar para a frente, atrapalhando a adaptação da máscara facial. Ela é
inserida na posição oposta, faz um giro de 180o até a posição final. Ela entra de cabeça para
baixo, vai girar, e se ela for do tamanho adequado ela vai buscar a base da língua e já vai
tracionar a base da língua. Uma condição imprescindível para colocação da cânula orofaríngea
é o paciente estar inconsciente. O paciente consciente não tolera a cânula e faz reflexo de
vômito. Existe também a cânula nasofaríngea, que é menos utilizada no Brasil. O paciente com
suspeita de fratura de base de crânio é contraindicada inserção de cânula nasofaríngea.

A técnica correta de ventilação sob máscara facial é, independente de ser destro ou canhoto,
pega-se a máscara facial com a mão esquerda, e a ventilação com o AMBU é feita com a mão
direita. A pega na máscara facial com a mão esquerda é a pega C e E. Faz-se uma pinça com o
polegar e indicador, formando um C, sendo que o
polegar fica no sulco nasal e o indicador no sulco
mentoniano. O E são os outros 3 dedos, que ficam
apenas na parte óssea do ramo de mandíbula do lado
esquerdo, nunca em parte mole (se apertar a parte
mole piora a obstrução). Uma vez adotada essa
posição, pega-se com a mão direita, a bolsa do AMBU
(que é auto-inflável), e faz-se a inspiração, sendo que a
expiração é totalmente passiva. É feita em um segundo:
um segundo de inspiração, um segundo de expiração.
Para saber se a ventilação sob máscara está adequada,
é preciso verificar a expansibilidade torácica, a ausculta
pode ser feita, e a análise do CO2 expirado pela
capnografia. O capnógrafo pode ser adaptado entre a máscara
e a unidade ventilatória. Ele é fundamental para a confirmação
de uma ventilação sob máscara facial adequada. Segundo o
ACLS, em adultos, se é conseguida, a partir de uma ventilação
com a mão direita, uma verificação de expansão torácica, está
sendo dado um volume corrente de cerca de 500ml, que é
satisfatório. Porém, pode ser que a hemiface direita, que está
solta, pode deixar vazar o ar, pois ela não tem ponto de apoio,
e aí não vai verificar uma expansão torácica e nem curva de

51
capnografia. Se houver dificuldade, pode ser preciso fazer a ventilação a 4 mãos: quem estiver
na máscara vai usar as duas mãos de forma diametralmente oposta para segurar a máscara
dos dois lados. O auxiliar vai pegar a unidade ventilatória para fazer a inspiração e expiração.

A laringoscopia convencional é feita com um laringoscópio, que tem um cabo que se articula
com uma lâmina. É obrigatório testar se o laringoscópio está funcionando. Existe a lâmina
curva (lâmina de Macintosh) e a lâmina reta (lâmina de Miller). A mais utilizada é a lâmina
curva. A primeira coisa é colocar o paciente na posição olfativa. Se pedir um paciente para
abrir a boca e botar a língua para fora, vai se ver só base de língua. Então precisa de um
instrumento que vá levar a base de língua e epiglote para cima e para a esquerda,
possibilitando ver as cordas vocais e passar o tubo sob visão direta. A epiglote é que tampa as
cordas vocais, é a cartilagem principal na proteção das cordas vocais, prevenindo a
broncospiração. É preciso tirar da frente a base da língua e a epiglote para ter visão direta das
cordas vocais. A ponta da lâmina do laringoscópio vai ser colocado na valécula da epiglote
(ponto de inserção da epiglote na base da língua). A partir daí faz-se o movimento para cima e
para a esquerda (11h no relógio de ponteiro), tracionando a base da língua e a epiglote. A
altura ideal para se intubar é na altura da crista
ilíaca do médico. O objetivo é ter a visão das
cordas vocais (imagem ao lado), para passar um
tubo traqueal com balonete. Vai-se insuflar o
piloto do balonete, e o balonete insuflado vai
proteger as vias aéreas de uma broncoaspiração.
Independente de ser destro ou canhoto, vai se
pegar o laringoscópio com a mão esquerda, e
intuba com a direita. O primeiro movimento é a
laringoscopia. Pega-se o cabo do laringoscópio
com três dedos na articulação do laringoscópio.
Nunca se pode fazer o movimento de báscula
(apoiar sobre os dentes ou sobre a maxila). Entra-se com a
lâmina sempre pela rima labial direita do paciente. Com a
lâmina, vai-se empurrando a língua e a base da língua para a
esquerda, até a lâmina de Macintosh tocar na valécula. Nesse
momento foi feito o primeiro movimento, que é o
posicionamento do laringoscópio. Ainda não se fez a
laringoscopia ainda, apenas o posicionamento do
laringoscópio. Uma vez posicionado, executa-se o movimento
da laringoscopia, para cima e para a esquerda. É importante
nunca fazer o movimento de báscula. É o movimento do
laringoscópio como um
todo, não apenas do cabo. Uma vez mantendo esse
movimento do laringoscópio e visualizando as cordas
vocais, pega-se o tubo pelo meio dele, e pela rima
labial direita entra-se com o tubo sob visão direta até
que esse tubo ultrapasse as cordas vocais com o
balonete. Isso é feito para não ter uma progressão
excessiva do tubo traqueal, e o o tubo ficar no
brônquio, fazendo uma intubação seletiva. No adulto, o
tubo vai ficar mais ou menos na posição de 22cm
52
interincisivos. Posicionado o tubo, retira-se o laringoscópio, insufla-se o balonete e aí vai se
testar na ventilação manual a expansibilidade torácica bilateral, a ausculta bilateral e curva de
capnografia. Quando o auxiliar vai auscultar, a primeira ausculta tem que ser no epigástrio, e
não pode ouvir nada, porque se tiver ruído hidroaéreo é porque o tubo bateu na corda vocal e
foi para o esôfago. Em 90% das vezes se vê as cordas vocais, mas alguns pacientes a intubação
vai ser às cegas. Uma vez feita a intubação e insuflado o balonete, é preciso fixar o tubo
(normalmente com esparadrapo).

Existe uma manobra interessante que o auxiliar pode


fazer, que é a manobra BURP (“backward, upward,
rightward pressure”, ou manipulação externa da
laringe). É uma manobra em que o auxiliar, para
facilitar a visualização das cordas vocais, enquanto se
realiza o movimento da laringoscopia, chega perto ao
pomo de adão, da cartilagem tireóide e cricóide, e faz
um movimento para trás, para cima, para a direita e
mantém a pressão. Isso facilita demais a visualização
da pregas vocais.

A classificação de Cormack Lehane se baseia no que se consegue ver de cordas vocais


mediante uma tentativa ótima de laringoscopia direta. A visualização da fenda glótica (espaço
entre as cordas vocais) vai diminuindo à medida em que se avança na classificação.

Na classe 1 se vê a maior parte da fenda glótica, e é fácil de passar o tubo, porque tem visão
direta. Na classe 2a apenas a porção posterior da glote é visível. Ainda assim é uma
visualização e intubação fácil. Na 2b apenas as aritenóides são visíveis. Da classificação 3 para
cima não se vê mais corda vocal e fenda glótica, mesmo usando a melhor técnica possível. É a
minoria dos pacientes. Na 3a apenas a epiglote é visível e passível de elevação, ou seja, ela é
móvel, mas não consegue desobstruir a visão da fenda glótica. Na 3b a epiglote é fixa à faringe
e base de língua, ela não mexe. A classe 4 só se vê base de língua.

O principal dispositivo supraglótico é a máscara laríngea. Ela é


inserida também no paciente inconsciente. Ela deve ser
totalmente desinflada antes de ser inserida. A posição olfativa
não é obrigatória, mas ajuda. A inserção da máscara laríngea é
muito mais fácil do que a intubação ou ventilação sob máscara
facial. A inserção é com a mão dominante. Coloca-se o dedo
entre o piloto do balonete e o extensor, e empurra-se a
máscara laríngea no espaço entre a base da língua e o palato
duro, e ela para onde tem que parar se estiver no tamanho
correto. Não precisa de laringoscópio. Ela estimula muito menos que qualquer tubo traqueal.
Ela fica entre base da língua e epiglote. Uma vez insuflado o manguito pneumático da máscara
laríngea, ela vai selar acima das cordas vocais, e se consegue ventilar por cima das cordas
53
vocais (por isso é supraglótico). Quando inflada, os limites dela são: superiormente, base de
língua e epiglote; inferiormente, esfíncter esofagiano superior; posteriormente, a hipofaringe;
e lateralmente, os seios piriformes. Insuflada, ela previne vazamento de ar tanto na inspiração
quanto na expiração, e se consegue uma ventilação
fácil através dela. Estando na posição correta,
teoricamente ela é um obstáculo à
broncoaspiração, só que ninguém garante. Então a
desvantagem de todos os dispositivos supraglóticos
não garantem uma proteção 100% contra
broncoaspiração. Isso porque do mesmo jeito que a
inserção é muito fácil, a saída acidental da posição
também é fácil. Não se considera que ela seja uma
garantia de proteção das vias aéreas. Os
dispositivos supraglóticos constituem uma opção à
intubação onde não há risco aumentado de broncoaspiração. Em situação de emergência, em
que os indivíduos não conseguem ser nem intubados nem ventilados, a máscara laríngea seria
um dispositivo ideal de permeabilidade de vias aéreas, e não de proteção. Em alguns países da
Europa, em procedimentos eletivos, em que o paciente está com o jejum adequado, estômago
vazio e sem risco de broncoaspiração, 80% das anestesias são feitas sob máscara laríngea. Isso
não é realidade no Brasil, até pelo custo. Não precisa de relaxamento muscular para inserção
de máscara laríngea. Uma das indicações do bloqueador neuromuscular é para intubação
orotraqueal, para relaxar a musculatura das cordas vocais, para que o tubo passe pelas cordas
vocais sem trauma. Corda vocal é estrutura nobre. O dispositivo supraglótico não mexe com
corda vocal.
Existem as máscaras laríngeas de segunda geração. Elas diminuem o risco de broncoaspiração,
porque selam um pouco melhor. Elas são chamadas de Proseal. Ela tem um orifício na
extremidade onde fica o esfíncter esofágico superior, que permite a passagem de uma sonda
orogástrica, que vai para o estômago e possibilita a aspiração do conteúdo líquido do
estômago, minimizando o risco de uma broncoaspiração. Existe ainda a máscara laríngea i-gel,
que quando é posicionada, ela é aquecida com a temperatura do corpo e os gases, o
elastômero termoplástico dela é expandido, adotando a anatomia periglótica individual do
paciente. Ela não precisa de balonete. Ele também tem o conduto para passagem da sonda
orogástrica.

Via aérea difícil é uma situação em que o médico treinado tem dificuldade para manutenção
de permeabilidade e/ou proteção de vias aéreas. Existem preditores de ventilação sob
máscara facial difícil quanto preditores de intubação difícil. Alguns são comuns a ambas. Os
preditores de ventilação difícil são sexo masculino, índice de massa corporal elevado
(sobrepeso ou obeso), barba (prejudica a adaptação da máscara facial), apnéia do sono (o
paciente tem base de língua de sobra), idade acima de 55 anos (flacidez de musculatura da
bochecha e face), ausência de dentes (a presença de prótese para ventilação sob máscara é
até boa porque preserva a arquitetura e anatomia de mandíbula e maxila; porém, para
intubação ela pode atrapalhar), protrusão mandibular limitada (esse indivíduo tem chance de
hipognatismo, que é o queixo para trás, e o hipognatismo pode dificultar a adaptação da
máscara facial) e, por último, a classificação de Mallanpati III ou IV.
A classificação de Mallampati deve ser feita na avaliação pré-anestésica, e mede o tamanho da
língua em relação à orofaringe e abertura bucal do paciente. Ou seja, se a língua vai atrapalhar
54
muito ou pouco numa laringoscopia. Para a classificação de Mallampati, o indivíduo não pode
estar deitado, a língua tem que estar totalmente protraída, e sem fonação. Mallampati I
consegue-se ver o palato duro, palato mole, úvula, pilares amigdalianos e amígdalas.
Teoricamente vai ter uma laringoscopia fácil. No Mallampati II se vê palato duro, palato mole,
úvula e parte dos pilares. Não se vê amígdalas e parte dos pilares. No Mallampati III vê-se
palato duro, palato mole e parte da úvula. Não se vê amígdalas, pilares. No Mallampati IV só vê
céu da boca (palato duro). Existe, principalmente no sexo feminino, o Mallampati 0, que é
quando consegue se ver parte da epiglote.

Os preditores de intubação difícil são Mallampati III ou IV, abertura bucal pequena (o ideal é
uma distância interincisivos de 3 dedos), protrusão mandibular limitada, pequena capacidade
de flexo-extensão cervical ou mobilidade atlanto-occipital (encostar o queixo no peito e elevar
a cabeça; significa dificuldade de adotar a posição olfativa), pescoço curto e grosso, distância
tireo-mentoniana pequena (entre o pomo de adão e o mento, deve ser no mínimo 3 dedos; se
for menos, a prega vocal está muito escondida debaixo de língua). Quanto maior o número de
preditores, maior a chance de uma intubação difícil.

Existem algumas situações de via aérea difícil: trauma facial e cervical, gestante
(principalmente a termo e mais ainda se tem pré-eclâmpsia; ela tem vias aéreas edemaciadas,
as estruturas de vias aéreas ficam friáveis, sangrativas; se há algo que atrapalha para intubar é
sangue), alterações de anatomia de vias aéreas (mal formações congênitas, tumores de vias
aéreas).

O que fazer numa situação de via aérea difícil predita? A primeira coisa é chamar ajuda. O
padrão-ouro para uma situação de via aérea difícil é a intubação com broncofribroscópio
flexível, com o paciente acordado, sedado e sob anestesia tópica de laringe com lidocaína. O
broncofibroscópio é dotado de um cabo, com uma ocular, uma manete, e a sua ponta mexe
para cima e para baixo. Ela tem 3 orifícios: uma fibra óptica, uma fonte luminosa, e um orifício
para fazer biópsia, ofertar oxigênio, etc. O broncofibroscópio é flexível, na maioria das vezes se
faz por via nasal (porque indo pelo nariz já sai quase alinhado com as cordas vocais), e o tubo
traqueal é colocado como dedo de luva na parte flexível, no corpo, do broncofibroscópio. O
objetivo é mediante visão direta (pode ser por via óptica ou por videobroncofibroscópio), ir
guiando pela manete (isso requer muito treinamento), chegar nas cordas vocais, ultrapassar as
cordas vocais, e uma vez tendo visão direta da carina, o tubo é escorregado pela parte flexível
55
do broncofibroscópio, que sai e deixa o tubo ali, e depois se insufla o balonete e vai ventilar o
paciente.

Outro artifícil para manuseio de via aérea difícil é o bougie. O bougie é uma espécie de fio-guia
flexível para intubação. Ele tem uma ponta em taco de hóckey, e serve para situações em que
não se consegue ver as cordas vocais, e não foi prevista a via aérea difícil ou não tem acesso ao
broncofibroscópio. Vai se tentar passar por trás da epiglote sem ver. Se sabe que ele chegou
na traquéia, com uma sensação tátil de clique da raspagem do bougie nos anéis traqueais. O
próximo passo é passar o tubo traqueal como dedo de luva pelo bougie, guiando o tubo até a
traquéia do paciente. Depois se retira o bougie.

Existem os videolaringoscópios, que também podem ser usados nas situações de via aérea
difícil. Existe também o air track, que usa um sistema de prismas. Numa situação de via aérea
difícil pode usar um dispositivo supraglótico, como a máscara laríngea, que garante a
permeabilidade, apesar de não garantir proteção. Então na via aérea difícil prevista usa o
broncofibroscópio. Se não previu, usa bougie, videolaringoscópios, máscaras laríngeas.
O combitube é um dispositivo que está caindo em desuso, porque causa muito trauma e
laceração de esôfago, traquéia, e vem sendo substituído pelo tubo laríngeo e pelas máscaras
laríngeas. O combitube é um tubo de duplo lúmen. Ele é septado. Ele tem dois balonetes. Um
lúmen é em fundo cego, e o outro igual outro tubo traqueal qualquer. Se introduzir um tubo às
cegas, em 90% das vezes ele vai para o esôfago (primeira imagem). O combitube parte dessa
premissa. O lúmen esofágico ele tem alguns orifícios para ventilação e é em fundo cego. Ele
tem um balonete distal, que é o esofágico, e um balonete de base de língua. Existe uma
marcação no combitube que fica na linha dos incisivos. Uma vez inserido, presume-se que o
combitube foi para o esôfago. Por isso, insufla-se os dois balonetes, e insufla-se no lúmen de
fundo cego. O ar vai para a traquéia, pois se consegue uma ventilação supraglótica (o
combitube é um dispositvo supraglótico). Se o combitube foi para a traquéia, vai se usar o
outro lúmen para ventilar (segunda imagem). Testa-se primeiro se existe ventilação com
expansão torácica, ausculta e capnografia com o lúmen esofágico. Se tem ventilação, significa
que o combitube adotou a posição esofágica. Se tentar a ventilação nesse lúmen e não houve
ventilação, troca-se e ventila o segundo lúmen, o lúmen traqueal. O combitube é muito
calibroso, pode lesar a corda vocal, tem chance de perfuração esofágica, laceração de mucosa,
e por isso seu uso vem caindo.

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Se nada disso deu certo, ou se não tem nenhum desses dispositivos disponíveis, e não se
consegue ventilar nem intubar. Esse paciente vai morrer se não se garantir uma
permeabilidade de via aérea. A primeira coisa é chamar ajuda. E aí se vai para a via aérea
invasiva, que é a cricotireoidostomia. Ela é feita direto na membrana cricotireoidea, que é o
que se tem de mais externo para acesso à laringe. A membrana é infraglótica. Ela pode ser por
punção ou por incisão. O mais comum é por punção. Usa-se o cateter venoso mais calibroso
que se tem (14). Vai se entrar com esse cateter através da membrana cricotireoidea por uma
punção. Conecta-se esse sistema a uma seringa com líquido (pode ser soro fisiológico).
Ultrapassa pele e subcutâneo. O acesso é feito de cefálico para caudal. Sabe-se que
ultrapassou a membrana cricotireoidea aspirando pela agulha e vendo o aparecimento de
bolhas (por isso o líquido). Conecta-se um dispositivo de ventilação a jato (pode ligar no AMBU
também), em que se aperta um segundo para inspiração e deixa 4 segundos de expiração. É
uma atitude temporária, para salvar a vida do paciente, até que um cirurgião faça uma
traqueostomia.

A cricotireoidostomia pode ser feita por incisão também, e aí é possível passar um tubo. Faz-
se a incisão, insere-se o bougie, que sente o clique dos anéis traqueais, e por ele passa-se um
tubo traqueal fino. Hoje em dia tem-se preconizado o uso da incisão em vez da punção, pois a
punção é menos eficiente, o índice de falha é muito grande, com mortalidade elevada.

57
BLOQUEIOS NO NEUROEIXO

Os bloqueios do neuroeixo têm como objetivo a injeção por agulha percutânea de anestésico
local no respectivo espaço: subaracnóideo ou intratecal (raquianestesia) ou peridural. Há uma
interrupção temporária dos impulsos nervosos a partir do local de injeção do anestésico. O
acesso se dá a partir do dorso do paciente para a parte posterior da coluna.

O que há de mais nobre nessa região é a medula espinhal, envolvida por um arcabouço ósseo,
e ela está dentro de um saco (o saco dural), no espaço subaracnóideo, onde ela está protegida
também por um coxim líquido, que é o líquor. O líquor é produzido pelos plexos coróides em III
e IV ventrículos, ele circula de cima para baixo, e se constitui um arcabouço líquido, formando
um coxim líquido de proteção mecânica e biológica. Um trauma tende a ser dissipado por esse
coxim líquido, de forma a haver uma atenuação desse trauma para a medula. Além disso, ele
tem células de defesa que podem lutar contra microorganismos que possam violar as
meninges e atingir esse espaço. O líquor serve também para sustentação supraespinhal. Ele
sustenta o encéfalo no seu lugar. Quando há uma perda liquórica, o encéfalo tende a ter uma
queda quando da ação da gravidade e a postura bípede (indivíduo em pé). O sinal que se tem
de penetração no espaço subaracnóideo é a obtenção de líquor através da agulha de raqui. A
raquianestesia nada mais é que uma punção liquórica com injeção de anestésico.
A agulha passa entre os processos espinhosos, passa pelos ligamentos e chega ao espaço
peridural (ao redor da dura-máter). É um espaço milimétrico, mas é real, não é virtual. O
espaço peridural, no trajeto da agulha, é anterior ao espaço subaracnóideo. Passa-se pela pele,
tecido subcutâneo, ligamento supraespinhos, interespinhoso, ligamento amarelo e chega ao
espaço peridural posterior. O espaço peridural tem como limite externo o ligamento amarelo,
e como limite interno a dura-máter. Depois da dura-máter, existe o complexo dura-aracnóide,
porque o espaço entre a dura-máter e a aracnóide é virtual. Quando a agulha ultrapassa a
dura-máter, ela vai ultrapassar a aracnóide também, pois esta está aderida internamente à
dura-máter. E aí chega no espaço subaracnóideo. A partir de L2 não tem medula mais nesse
espaço, apenas cauda equina. O anestésico injetado ali chega na cauda equina e, dependendo
da dose que se faz, mesmo em nível baixo, lombar, consegue-se que, por difusão, o anestésico
atinja níveis superiores da medula, até torácicos. Esse anestésico local vai bloquear canais de
sódio da medula, obtendo perda de sensibilidade e motricidade até o ponto em que ele se fixa
na medula.

58
O espaço peridural é a mesma coisa, em inglês, que epidural. O espaço subaracnóideo é o que
vem depois da aracnóideo. O espaço subdural é virtual, entre a dura-máter e a aracnóide.

As punções para raquianestesia ou para obtenção diagnóstica de líquor devem ser abaixo de
L2 no adulto ou L3 na criança, porque é o local de término da medula. São punções
exclusivamente lombares baixas. Já a peridural pode ser feita em qualquer nível da coluna
vertebral, porque não há perfuração da dura-máter. No espaço peridural já há nervo formado
(raiz ventral e dorsal), há o plexo venoso vertebral interno e gordura. Não tem líquor. Na
anestesia peridural precisa injetar um volume muito maior de anestésico, para poder banhar
todos os nervos espinhais, um por um, de forma metamérica, para cima e para baixo. Ao
contrário, na raquianestesia precisa de uma quantidade muito pequena de anestésico, porque
já está muito perto da cauda equina, da medula, e o anestésico vai diretamente ali. Uma
vantagem da peridural é que é possível colocar um cateter dentro do espaço peridural, que
fica ali para injetar anestésico local e opióide a hora que quiser. Então o cateter de peridural
serve tanto para cirurgia, para intra-operatório, quanto para analgesia no pós-operatório.
A raquianestesia, ou anestesia subaracnóidea, vai servir basicamente para cirurgias de
abdome, pelve e membro inferior. É uma anestesia terminal. A peridural pode ser usada para
isso, além de ter a vantagem de poder puncionar em níveis mais cefálicos para procedimentos
torácicos. Ela é metamérica.

As indicações de bloqueio de neuroeixo são cirurgias de tórax (peridural), abdome (ambas),


pelve (ambas) e membro inferior (ambas). Ou seja, de tórax para baixo. Não se consegue fazer
cirurgia de cabeça e pescoço e membro superior. No Brasil se utiliza bastante os bloqueios de
neuroeixo. São anestesias seguras, mais baratas que a anestesia geral. E, principalmente, o
cateter de peridural dá uma qualidade de analgesia no pós-operatório praticamente
insuperável. Lá fora se usa menos, pois eles têm medo das complicações e processos.

O anestésico, seja na raqui ou na peridural, quando é injetado, vai bloquear a condução


nervosa, seja diretamente na medula, ou seja nos nervos formados, vai ter bloqueio simpático
(o simpático é toraco-lombar), e isso traz consequências. Se tem um bloqueio simpático na sua
origem, vai haver principalmente vasodilatação venosa. O contingente mais afetado é o de
capacitância venosa. Como consequência vai haver uma diminuição do retorno venoso e da
pré-carga. Se diminui retorno venoso e pré-carga, diminui volume sistólico. Se diminui volume
sistólico, diminui débito cardíaco, e com isso cai a PA. É claro que existe diminuição da
resistência vascular periférica, que é o contingente de resistência, o contingente arterial. Só
que é em torno de 17 a 20% apenas. O que predomina é uma venodilatação. Há um aumento
do continente (o sistema de capacitância venosa), com o mesmo conteúdo (o volume
sanguíneo), e com isso há diminuição de retorno venoso, de pré-carga, de volume sistólico e
débito cardíaco, e com isso diminuição da PA. Se essa anestesia for muito alta, entre T1 e T4 (e
raramente se faz isso), é a origem do plexo cardíaco, da fibras cardioaceleradoras. É o
simpático para o coração. Se bloqueia as fibras cardioaceleradoras, predomina o
parassimpático com bradicardia. Há diminuição da PA em todos os seus componentes (volume
sistólico, frequência cardíaca e resistência vascular periférica). Isso vai acontecer, em maior ou
menor grau.
Por um lado, essa hipotensão diminui sangramento na cirurgia. Mas, por outro lado, sabendo
que isso vai acontecer, vai se fazer reposição volêmica com cristalóide e colóide, segundo
fluidorresponsividade, e droga vasoativa. Se está faltando o simpático, mimetiza ele com droga

59
vasoativa. Se o conteúdo está menor que o continente, aumenta o conteúdo com reposição
volêmica. E aí se corrige essa queda de PA. É preciso estar preparado para essa hipotensão.

A complicação mais comum dos bloqueios do neuroeixo é a dor lombar, porque vai entrar com
uma agulha que pode ser mais fina ou mais grossa, e passar por ligamento, periósteo,
estruturas que têm nervo. Normalmente a dor lombar é de leve a moderada e é autolimitada.
Lesão neurológica é raríssima, mas pode acontecer por agulhamento. Infecções, abscesso e
meningite, acontece principalmente quando tem fator predisponente para tal, como infecção
em região lombar cutânea (no local da punção), estado imune do paciente e, principalmente
se houver uma solução de continuidade, ou seja, o cateter (por isso o cateter não pode ficar
muito tempo, porque ele pode colonizar e infectar). Pode acontecer, mas é raríssimo,
hematoma espinhal (se o paciente tem coagulopatia ou se ele está tomando anticoagulante ou
antiagregante).

A recusa do paciente é uma contra-indicação absoluta para fazer bloqueio do neuroeixo. Ele
assina um termo recusando e se faz anestesia geral. É contra-indicado se houver alguma
infecção no local da punção (estreptococcia, micose). Não pode levar microorganismo para
dentro da meninge. Outra coisa: tatuagem, não pode, porque pode levar pigmento da
tatuagem para dentro da meninge. Coagulopatia ou na vigência de anti-coagulação, não pode,
porque ele pode fazer hematoma espinhal, gerando um processo expansivo que comprime o
sistema nervoso central. É raríssimo mas é grave. Hipovolemia é uma contra-indicação relativa.
Pesa-se o risco/benefício. Agora no choque já é absoluto, porque vai fazer um bloqueio
simpático no indivíduo que já tem o transporte de oxigênio prejudicado. No choque vai tornar
esse choque refratário.
Raquianestesia

Pode ser feita com o paciente sentado ou em


decúbito, tanto faz. As crianças geralmente se
punciona de lado, ou indivíduo que não
consegue sentar. É preciso ter referência
anatômica para puncionar abaixo de L2. Essa
referência é uma linha imaginária que passa
entre as cristas ilíacas ântero-superiores (linha
de Tuffier). Ela passa no corpo da vértebra L4,
ou no interespaço L4-L5. O acesso será entre os
processos espinhosos. A punção será de L2 para
baixo (interespaços L2-L3, L3-L4 ou L4-L5). Essa
palpação é feita antes de qualquer coisa,
inclusive da antissepsia.
A agulha vai passar, até chegar no espaço
subaracnóide, por pele, subcutâneo, ligamento
supraespinhoso (entre os processos espinhosos,
é bem pequeno, quase imperceptível), ligamento interespinhoso (é um ligamento de fibras
entrelaçadas, coesas, é o maior trajeto que a agulha vai seguir), ligamento amarelo, espaço
peridural, complexo dura-aracnóide.

A agulha de raqui é uma agulha bem fina. Não é fácil perceber pelo tato a passagem por todos
esses segmentos. Em mãos treinadas, se consegue, num percentual aleatório de vezes, a

60
sensação como se a agulha estivesse furando um pedaço de papel. Quando se sente isso,
teoricamente ultrapassou o complexo dura-aracnóide, e pode se testar para perda de líquor.

É preciso fazer uma antissepsia ampla. Hoje usa-se muito clorexidina alcoólica (não se usa mais
iodo porque é muito alergênico), ao redor da linha mediana, em geral 3 passadas. É preciso
esperar o veículo alcoólico evaporar. Não precisa tirar excesso. Colocam-se então os campos.
Palpa-se as cristas ilíacas, e definido o local, faz-se anestesia local com agulha fina, usando
lidocaína. A anestesia do trajeto é feita até o ligamento interespinhoso. Insere-se a agulha de
raqui, e quando há a sensação de que chegou no espaço subaracnóideo, testa-se para ver se
sai líquor quando tira o mandril. Pega-se a agulha de forma bimanual.

A raquianestesia se estende em níveis mais superiores dependendo da dose. Se fizer doses


baixas ela fica confinada a níveis mais baixos (pelve e membros inferiores). Com doses
maiores, ela consegue chegar em níveis toraco-abdominais, mas sempre tórax baixo.

O anestésico que se usa é a bupivacaína. Pode-se pensar que a bupivacaína tem potencial de
toxicidade, mas a grande vantagem da raqui é que se usa dose muito pequena (3 ml no
máximo). Adjuvantes são principalmente os opióides. A morfina, quando feita no neuroeixo,
dá de 18 a 20 horas de analgesia no pós-operatório. A raqui sempre é feito em punção única,
não se utiliza cateter, por causa do risco da cefaléia pós-raqui.

A agulha de raqui viola um espaço fechado, que é o saco dural. Quanto mais calibrosa a
agulha, maior o furo e maior o estrago. Aquele furo no complexo dura-aracnóide ainda fica
aberto por um tempo e possibilita a perda de líquor com hipotensão liquórica. Essa perda é
invisível, e ela é proporcional ao calibre da agulha. Uma das funções do líquor é sustentação do
encéfalo. Se existe um grau de hipotensão liquórica, e isso dá uma síndrome, cuja cefaléia é o
principal sintoma, com perda de sustentação do encéfalo. Quando o paciente adota a posição
ortostática, acontece uma queda milimétrica do encéfalo, mas suficiente para tracionar e
comprimir estruturas vásculo-nervosas (trigêmeo: cefaléia frontal; glossofaríngeo e vago:
cefaléia occipital; porção vestibular do vestibulococlear: sintomas labirínticos - tonteira,
náusea e vômito). Outra teoria diz que a cefaléia pós-raqui se deve à vasodilatação pela teoria
de Monro-Kellie. Dentro da caixa craniana existem 3 componentes básicos: sangue, líquor e
parênquima. Por essa teoria, se diminui um dos componentes há compensação pelos outros.
Se há perda liquórica, tende-se a ter uma vasodilatação, e essa vasodilatação leva a distensão
de vasos da meninge, levando a um caráter doloroso e pulsátil muitas das vezes.
A cefaléia pós-raqui é mais comum em jovens,
principalmente do sexo feminino, em gestantes
(parece que a progesterona facilita a cefaléia),
minimizar o número de tentativas, agulhas calibrosas
e cortantes. A agulha de bisel cortante é chamada
agulha de Quincke. Existe outro tipo de agulha, que é
a agulha de Whitacre, que tem um bisel rombo, em
ponta de lápis. Essas agulhas não cortam as fibras do complexo dura-aracnóide, apenas
divulsionam essas fibras, de forma que esse orifício praticamente não existe e cicatriza muito
rápido. Essas agulhas são mais caras e difíceis de manusear. Por outro lado o orifício feito pela
agulha de Quincke é um corte biselado que leva a mais perda liquórica. O design das agulhas é
muito importante na prevenção dessa complicação. O idoso tem menos esse efeito porque ele
tem uma hipotensão liquórica fisiológica, ele tem menos líquor, e tem menos pressão no
líquor para perder. Além disso, as estruturas encefálicas são mais rígidas, calcificadas. O idoso
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quando adota a posição ortostática não tem tanta queda. Por isso a incidência da cefaléia pós-
raqui cai para menos da metade no idoso.

Essas cefaléias podem ser leves, moderadas, severas ou incapacitantes (o paciente não
consegue levantar da cama de tanta dor). Para tratar a cefaléia pós-raqui leve e moderada usa-
se um tratamento mais conservador, e a severa e incapacitante um tratamento mais radical. O
tratamento conservador nada mais é que colocar o paciente em repouso, dar
antiinflamatório/analgésico comum, cafeína (que é vasoconstritora, é uma das terapêuticas
mais eficazes da cefaléia pós-raqui), gabapentina, hidrocortisona, corticóide venoso, entre
outros. Mas isso é indesejável porque o ideal é o paciente não ficar na cama após a cirurgia. O
tratamento conservador é tolerado em até 3 a 5 dias. Em caso de falha no tratamento
conservador ou cefaléia grave ou incapacitante pode-se usar o tampão sanguíneo peridural.
Precisa de 2 profissionais treinados para isso. Vai ser colhido sangue do paciente (15 a 20 ml)
em condições antissépticas totais, e o anestesiologista vai injetar no espaço peridural. Ele vai
formar um tampão sanguíneo. De imediato vai aumentar a pressão no espaço peridural, o que
já diminui a perda de líquor. E ele vai providenciar a chegada de polimorfonucleares, células de
defesa, fibroblastos para reparar aquela lesão e acelerar a cicatrização. A eficácia do tampão
sanguíneo é acima de 70%. Deixa-se o paciente em repouso absoluto na horizontal por 30
minutos, que é o tempo de fixação do coágulo, e ele pode andar para ver se melhorou.
Anestesia peridural

Se quiser fazer uma peridural


torácica, não precisa contar desde a
linha de Tuffier até lá em cima. Existe
outra referência anatômica, que é o
nível inferior de escápula, que está
em torno de T7.
A agulha de peridural (agulha de
Weiss) é bem diferente da agulha da
raqui. Ela tem ponta romba em ski,
para cima. Ela é dotada de mandril
também, e tem duas haletas laterais
para facilitar a pega do profissional.
O objetivo é chegar a ponta em ski
num espaço milimétrico. Não pode
fazer tentativa e erro, tem que ser
mais exata. É preciso um teste para saber se a agulha ultrapassou o ligamento amarelo e
chegou no espaço peridural.

Da mesma forma se faz antissepsia com clorexidina alcoólica. Colocam-se os campos estéreis,
faz-se a anestesia de trajeto. Nesse caso, entra-se com a agulha de peridural até o ligamento
interespinhoso apenas. Quando a agulha chega no ligamento interespinhoso, que é cheio de

62
fibras entrelaçadas, coesas, a agulha fica
firme. Aí se conecta uma pequena
seringa contendo uma pequena
quantidade de ar no canhão da agulha.
Vai então milimetricamente
empurrando agulha ao longo do
ligamento interespinhoso e vai testando
se consegue empurrar o êmbolo da
seringa. Esse é o chamado teste de
Dogliotti ou teste da perda de
resistência aérea. Enquanto a agulha
estiver no ligamento interespinhoso, ela não consegue injetar o ar. Quando ela ultrapassar o
ligamento amarelo, ela consegue facilmente injetar o ar, porque a pressão no espaço peridural
é subaracnóidea. Então existe uma perda súbita da resistência à tentativa de compressão com
o êmbolo da agulha. A quantidade de anestésico a ser usada é muito maior. Assim como no
anestésico local é importante fazer aquela dose-teste com adrenalina e esperar um minuto
para ver se dá taquicardia, de forma a prevenir uma injeção intravascular inadvertida. Se for
inserir o cateter, ela passar por dentro da agulha. Enquanto na raqui usa bupivacaína, na
peridural pode usar qualquer anestésico local. E a morfina da mesma forma leva a uma
analgesia prolongada por 18 a 20 horas. A grande vantagem da peridural é permitir a
colocação do cateter para injetar anestésico local ou mesmo repetir a morfina depois que
acabar a dose. Pode ainda ligar a uma bomba de infusão. Normalmente esse cateter não fica
mais do que 3 a 5 dias, pelo risco de infecção.

Característica Raquianestesia Peridural


Latência Curta Longa
Duração do bloqueio Menor Maior
Massa de AL Pequena Grande
Relaxamento muscular Superior Inferior
Possibilidade de cateter Não Sim
Pessibilidade de cefaléia Sim Não (?)

Latência é início de ação. A raqui tem início muito mais rápido. Pelo fato de acessar o líquor, o
anestésico chega à cauda equina e medula muito mais rápido. A latência da raqui é de 2 a 5
minutos, enquanto da peridural é de 10 a 15 minutos, porque ela tem que banhar os nervos,
exercer a penetração até bloquear canal de sódio e dar o efeito clínico desejado. A duração do
bloqueio em injeção simples (única), pela renovação liquórica, a duração da raqui é menor (2 a
3 horas no máximo) e da peridural maior (4 horas). Se for um procedimento curto, pode
selecionar a raqui, e se for longo pode selecionar a peridural. Depende do anestésico local a
ser utilizado também. A massa de anestésico local (dose) é pequena na raqui e grande na
peridural. Na peridural tem chance de toxicidade sistêmica dos anestésicos locais. Na raqui
não, porque a quantidade é muito pequena. O relaxamento muscular dado pela raqui é
superior ao dado pela peridural. Na raqui não há possibilidade de cateter, porque se fizer um
orifício e deixar aquele orifício no espaço subaracnóide vai haver uma perda de líquor muito
grande, gerando cefaléia pós-raqui. É a grande vantagem da peridural, a possibilidade do
cateter a ser usado como convier. Na raqui há possibilidade de cefaléia. Na peridural feita com

63
técnica correta não há essa possibilidade. Porém, se a técnica não for correta e a agulha for um
pouco mais para a frente vai perfurar o complexo dura-aracnóide, e como a agulha é grossa,
calibrosa, a chance de cefaléia é de 70 a 80%. Isso chama-se perfuração inadvertida de dura-
máter. E se essa agulha de peridural entrar no espaço subaracnóide e for injetada dose de
anestésico de peridural, aí sim vai ter anestesia inclusive de encéfalo. Chama-se raqui total.
Porém na maioria das vezes que a agulha de peridural ultrapassa o complexo dura-aracnóide,
vem líquor. Num percentual muito pequeno das vezes, forma-se um mecanismo valvular e
pode-se injetar anestésico inadvertidamente no espaço subaracnóide, fazendo uma raqui
total. Aí tem que tratar como uma intoxicação de anestésico local no SNC: intubar o paciente,
ventilar até o anestésico ser renovado pelo líquor. Mas isso é raríssimo.

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ANESTÉSICOS VENOSOS

Anestesia geral é uma depressão do sistema nervoso central induzida por drogas. É um coma
induzido. Os três pilares básicos da anestesia geral são analgesia (diminuição da sensibilidade
dolorosa), hipnose (o paciente em anestesia geral precisa estar inconsciente) e a imobilidade
(para segurança do ato anestésico, e o relaxamento muscular pode ou não ser utilizado - nas
laparotomias é obrigatório).

É preciso checar todos os equipamentos, ver se estão funcionando, antes de iniciar a anestesia
geral. A indução da anestesia é o momento em que o paciente está desperto, e vai se induzir a
analgesia, a inconsciência e a imobilidade. A indução pode ser venosa (é o que mais se faz) ou
pode ser inalatória (numa criança que está sem acesso venoso, por exemplo). A manutenção
da anaestesia geral é no momento em que a cirurgia está ocorrendo. Essa manutenção é feita
só com agentes venosos, só com agentes inalatórios, ou com ambos os agentes (anestesia
geral balanceada). Anestesia inalatória pura (indução e manutenção inalatórias) raramente é
feita, só em criança. A recuperação do paciente, o despertar, na maioria das vezes é feita de
forma passiva, ou seja, o indivíduo vai eliminar os agentes anestésicos. Às vezes se utilizam
antagonistas.
O que se utiliza de agentes venosos no adulto para providenciar os 3 pilares? Os opióides
venosos para analgesia, agentes hipnóticos para inconsciência, bloqueadores neuromusculares
se necessário. A manutenção da anestesia no adulto pode ser feita de forma balanceada
(associando agentes venosos e inalatórios), ou pode ser feita a anestesia venosa total (indução
venosa e manutenção venosa em bomba de infusão). É nessa manutenção que é realizada a
cirurgia. Todos os agentes inalatórios dão, em maior ou menor grau, todos os pilares da
anestesia. Já os venosos é preciso separar: cada agente venoso para cada pilar. O despertar,
que na maioria das vezes é passivo, é quando se deixa de administrar o anestésico, o paciente
metaboliza esse agente e atinge condições de voltar ao nível de consciência, mas nunca sem
antes de despertar providenciar analgesia pós-operatória.
A maioria dos efeitos colaterais dos anestésicos venosos são dose-dependentes. Quanto maior
a dose maior a chance de efeitos colaterais.

O objetivo da utilização dos opióides é levar à analgesia. Nenhum deles dá inconsciência. O


precursor deles é a morfina. A analgesia é feito por acesso venoso periférico comum na grande
maioria das vezes. Os opióides sintéticos, exógenos, nada mais fazem que mimetizar a ação de
opióides endógenos. Só que esses opióides usados para promover analgesia são muito mais
potentes que os opióides endógenos, principalmente encefalinas, dinorfinas e β-endorfinas. Os
opióides endógenos, assim como os sintéticos, se ligam em receptores específicos (os
principais são μ, κ, δ e σ), distribuídos ao longo de todo o sistema nervoso central. A ativação
desses receptores causa bloqueio de ação de neutotransmissores excitatórios por bloquear a
entrada de cálcio pré-sináptico e potencializar a abertura de canais de potássio pós-sináptico,
hiperpolarizando essa fibra. Há uma diminuição da propagação do estímulo doloroso em nível
medular e supra-espinhal. Eles diminuem a ascenção de estímulos dolorosos que vêm da
periferia. Daí se entende que os opióides causam efeitos colaterais, pois há receptores
opióides no bulbo, onde existe o centro cardiovascular e centro respiratório. São eles morfina,
meperidina (esses dois em ampola), fentanil (existe tanto em ampola quanto em frasco),
remifentanil (é um pó liofilizado, precisa de reconstituir em água ou soro fisiológico). A

65
meperidina (ou dolantina) hoje em dia é proscrita por autoridades internacionais, mas existe
ainda no Brasil. Órgãos de acreditação hospitalar dão ponto para o hospital que não tem
meperidina. A meperidina é 10 vezes menos potente que a morfina, tem um potencial de
dependência maior do que quase todos eles, tem uma semelhança estrutural com a atropina
(anti-colinérgico muscarínico que bloqueia atividade muscarínica colinérgica no nó sinusal
gerando taquicardia), podendo gerar taquicardia e taquiarritmia. E a meperidina é
metabolizada em um metabólito chamado normeperidina, que se acumula e é excitatório do
sistema nervoso central, podendo levar a convulsões. É uma medicação, portanto, que não
deve ser utilizada. No lugar dela, se utiliza a morfina. A morfina é uma droga extremamente
segura para se utilizar na analgesia pós-operatória ou também eventualmente nos pronto-
socorros. Os 3 principais opióides usados no Brasil são a morfina, o fentanil e o remifentanil.
A morfina é considerada o padrão-ouro da analgesia pós-operatória. Ela tem potência 1, ação
em 5 a 10 minutos e duração de 2 a 4 horas (curta ação). Ela tem uma ação vasodilatadora
fraca (por atuar em centro cardiovascular no bulbo e liberar histamina). Ela não serve para
analgesia intra-operatória, apenas analgesia pós-operatória. Sea morfina for usada de forma
venosa, numa cirurgia, de forma venosa, o paciente sente dor, porque ela não tem potência
para levar o pilar analgesia durante incisões, afastamentos, extipações ou amputações que o
cirurgião possa fazer. Ela só é utilizada no final da anestesia para analgesia pós- operatória. É o
principal agente para analgesia pós-operatória. O que serve para analgesia intra-operatória é o
fentanil e o remifentanil, porque eles têm 100 vezes mais potência que a morfina.

O fentanil é o opióide mais usado para analgesia intra-operatória no Brasil. É uma droga
barata, com bom perfil de aceitação. O início de ação é de 3 a 5 minutos, com duração de 4 a 6
horas.

O remifentanil é um derivado do fentanil, também com potência 100. Ele tem início de ação
em 1 minuto, mas duração de 5 a 10 minutos (ação ultra-curta). Ele só pode ser usado em
bomba de infusão contínua. O metabolismo de remifentanil é feito por esterases plasmáticas e
eritrocitárias não-específicas, enzimas presentes no plasma. Quando o fentanil é distribuído
pelo plasma ele já está sendo metabolizado. Ele não depende de fígado para metabolismo
como o fentanil. Ele tem uma meia-vida de eliminação chamada ultra-curta. É uma boa opção
para rápida recuperação (cirurgias de pequeno e médio porte se deseja que o paciente tenha
alta o mais rápido e mais precoce possível; o remifentanil é muito bem-vindo). O problema
dele é que não dá analgesia pós-operatória nenhuma. O paciente pode acordar com dor se for
usado só ele. E ele é mais caro que o fentanil. O fentanil e a morfina podem ser usados em
intervalos regulares, em bolus regulares ou seringas.
O prurido é o efeito colateral mais comum dos opióides (principalmente no nariz e face,
porque a raiz do gânglio do trigêmeo é rica em receptores opióides μ, mas também braço e
tórax), totalmente beningo. Náuseas e vômitos já não é um efeito beningo, porque posterga
alta do paciente. Pode dar retenção urinária (existe receptor opióide no detrusor), sedação
(pode ser efeito colateral ou intencional). O efeito mais temido é depressão respiratória (por
causa dos receptores opióides no bulbo), só que ela é dose-dependente. Costipação, tolerância
e dependência são mais comuns com o uso crônico. No uso agudo, com exceção da
meperidina, a dependência é muito rara.

Se houver um efeito colateral grave, como depressão respiratória grave, muito sedado, com
vômitos incoercíveis, existe um antagonista opióide: a naloxona. A naloxona é um antagonista
competitivo, que vai competir com o agonista opióide pelo receptor. Vai ser usada quando
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houver efeitos colaterais severos. Mas a morfina usada em doses preconizadas pela literatura
tem raros efeitos adversos.

Os anestésicos venosos não-opióides servem para o pilar inconsciência. A maioria deles não é
analgésico, apenas tirar a consciência. São o tiopental, propofol, etomidato e cetamina. No
sistema nervoso central, tanto espinhal quanto supra-espinhal (principalmente supra-espinhal)
existem circuitos neuronais interconectados, que podem ser excitatórios ou inibitórios. Os
agentes venosos não-opióides vão agir potencializando circuitos neuronais inibitórios
(tiopental, propofol, etomidato e benzodiazepínicos), ou bloqueando circuitos excitatórios
(cetamina). No caso dos circuitos neuronais inibitórios, o alvo são ó córtex cerebral, sistema
reticular ativador ascendente. O córtex é que nos dá percepção de consciência (percepção do
que está acontecendo no meio ambiente). O alvo desses agentes é potencializar circuitos
inibitórios corticais e com isso o paciente deixa de ter consciência, ou bloquear circuitos
excitatórios, e nesse caso o alvo é o receptor NMDA. A potencialização da inibição se dá por
meio de receptores GABA, em que os agentes se ligam, potencializando sua ação. A ação do
receptor GABA é permitir a entrada do íon cloro na célula neuronal, levando a uma
hiperpolarização daquele circuito neuronal, que fica mais difícil de ativar. Já a cetamina
bloqueia o receptor NMDA, que permite a entrada do glutamato, o principal neurotransmissor
excitatório.
Da mesma forma que os opióides, a administração é feita por via venosa periférica. São eles o
tiopental (não é mais utilizado, é um pó liofilizado reconstituído com água destilada), propofol
(de aspecto leitoso), a cetamina (único que bloqueia excitação) e o etomidato.

O tiopental tem uma ação prologanda, ou seja, ele tem ação residual (o paciente fica
sonolento). Ele causa potente depressão cardiovascular e respiratória. Ele libera histamina, e
por isso não é indicado em pacientes asmáticos (pode piorar o broncosespasmo). Ele é
emetizante (assim como todos os opióides e não-opióides, com exceção do propofol). Ele está
em franco desuso.

O propofol é o agente venoso mais usado no Brasil, e só vai usar outro se tiver contra-
indicação a ele. Do contrário, o que se usa para indução é o propofol. Ele tem curta duração.
Sua grande desvantagem é que, de todos eles, é o que mais leva a depressão cardiovascular
(hipotensão) e respiratória. Ele é um potente bloqueador de canal de cálcio de coração e de
musculatura lisa vascular (leva a cronotropismo negativo, inotropismo negativo e
vasodilatação, deprimindo o sistema cardiovascular em todos os seus componentes). Ou seja,
o propofol não é indicado em casos de instabilidade hemodinâmica ou choque, ou em
insuficiência cardíaca. De todos eles, é o único anti-emético. Um dos efeitos colaterais mais
comuns é uma dor à injeção em veias periféricas, por irritação direta do endotélio e atividade
inflamatória com liberação principalmente de bradicinina e irritação de veia. Para diminuir isso
pode misturar uma pequena quantidade de lidocaína ao propofol.
A cetamina é o único que bloqueia a excitação. Ela tem curta duração. Ela pode levar a
hipertensão arterial sistêmica e aumento da frequência cardíaca, ela tem um efeito
simpaticomimético, estimulante. É o contrário do propofol, tem ação semelhante à da
efedrina. Ela inibe recaptação de catecolaminas, e aí sobra mais noradrenalina para ter
atividade simpática. Ou seja, ela é usada nas contra-indicações do propofol. Ela causa pouca
depressão respiratória, tem ação broncodilatadora (ação beta-2 da musculatura lisa por causa
desse estímulo simpático, é boa para pacientes asmáticos). Ela é emetizante. Ela tem efeitos
dissociativos é dissociar o córtex do sistema límbico. Ela deprime córtex mas não age no
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sistema límbico (emoções, desejos, delírios, desvarios), e por isso o paciente pode ter
alucinações. Ela é usada na anestesia veterinária, e hoje em dia ela é usada como droga. Para
minimizar esses efeitos dissociativos da cetamina, usam-se junto dela agentes que vão inibir
ação do sistema límbico. São eles o propofol em pequenas doses, ou os benzodiazepínicos
(principalmente). Hoje existe um isômero da cetamina que é mais potente e causa menos
efeitos dissociativos.

O etomidato tem curta duração. Não causa depressão cardiovascular (pode ser opção ao
propofol em pacientes em choque). Causa potente depressão respiratória. Também dá dor à
injeção. É emetizante. Vem sendo pouco utilizado. Mesmo em dose única, pode causar
supressão da adrenal, ao inibir enzimas precursoras de cortisol. O indivíduo pode ter uma
insuficiência adrenal aguda. Por isso vem caindo em desuso. Logo, hoje em dia se conta
basicamente com propofol e cetamina. Nos pacientes que têm contra-indicação ao propofol, o
etomidato pode ser considerado.
A anestesia geral venosa total é aquela em que os pilares vão ser administrados de forma
contínua por bomba de infusão. O que mais se usa no Brasil é o remifentanil, porque é um
agente que precisa ser usado em bomba de fentanil, e no momento em que se desliga, de 5 a
10 minutos já não tem remifentanil e o paciente já pode despertar. E o propofol pela sua curta
duração de ação. O propofol é mantido em infusão contínua o tempo todo para manutenção
da anestesia. A anestesia geral venosa total tem como vantagem um despertar rápido, suave, e
uma incidência menor de náuseas e vômitos, na medida em que o propofol está sendo usado.
Todos os agentes inalatórios, e quase todos os agentes em anestesia geral, exceto o propofol,
são emetizantes. Porém é uma anestesia mais cara. A anestesia geral venosa total está contra-
indicada em situações de choque, instabilidade hemodinâmica, insuficiência cardíaca. Então
ela é para ser usada no paciente ASA I ou II, estável, numa cirurgia curta, para o paciente ter
uma rápida recuperação e ir embora no mesmo dia.
Sedação é diferente de anestesia geral. Uma resolução do CFM define as sedações leve,
moderada e profunda. A sedação leve é um estado obtido com o uso de medicamentos em
que o paciente responde ao comando verbal. A função cognitiva e a coordenação podem estar
comprometidas, mas ele ainda tem essas funções. As funções cardiovascular e respiratória não
apresentam comprometimento. Sedação moderada é um estado de depressão da consciência,
obtido com o uso de medicamentos, no qual o paciente responde ao estímulo verbal isolado
ou acompanhado de estímulo tátil. Não são necessárias intervenções para manter a via aérea
permeável, a ventilação espontânea é suficiente e a função cardiovascular geralmente é
mantida adequada. Não se usa droga suficiente para dar depressão respiratória. Sedação
profunda (a que mais se aproxima da anestesia geral) é uma depressão da consciência
induzida por medicamentos, e nela o paciente dificilmente é despertado por comandos
verbais, mas responde a estímulos dolorosos. A ventilação espontânea pode estar
comprometida e ser insuficiente (pode ter depressão respiratória). Pode ocorrer a necessidade
de assistência para a manutenção da via aérea permeável. A função cardiovascular geralmente
é mantida.
Em nenhum sedação se usa droga que dê depressão cardiovascular. O que pode acontecer é
depressão respiratória. Mesmo paciente hipotenso, ou com insuficiência cardíaca, pode ser
submetido a sedação. À medida em que se aprofunda a sedação, o paciente vai aumentando
seu nível de inconsciência e diminuindo a capacidade de resposta, seja a estímulos verbais ou
táteis, a ponto de ter que usar estímulo doloroso.

68
A sedação é feita primeiro para conforto do paciente, não só pré-cirúrgica, mas também, por
exemplo, em exames desconfortáveis como uma ressonância magnética, exames
endoscópicos, ou em pequenos procedimentos que se usa apenas anestesia local, ou
associada a anestesia regional (exceto gestante, em que o sedativo passa para o feto). A
maioria dos pacientes que é submetido a uma raqui ou peridural é sedado para ficar mais
confortável. O efeito de amnésia também é desejável.

Os agentes sedativos mais utilizados são os benzodiazepínicos. Os mais usados são o diazepam
e o midazolam (o preferido), e o flumazenil é um antagonista. Os benzoadiazepínicos agem
potencializando os receptores GABA. O flumazenil é um antagonista competitivo de
benzodiazepínico. Se tiver um paciente com efeito colateral de benzodiazepínico e precisa
reverter pode usar o flumazenil.

O diazepam é pouco potente, causa depressão respiratória dose-dependente, causa dor à


injeção IV, e tem uma meia-vida de de eliminação longa, de 20 a 40 horas. Uma dose de
diazepam mantém metabólitos ativos por 20 a 40 horas. E isso não é desejável. Prefere-se o
midazolam, que é o mais utilizado. Ele é mais potente que o diazepam, também causa
depressão respiratória dose-dependente, mas tem meia-vida de eliminação curta, de 2 a 4
horas. Ele não dá nenhum tipo de dor à injeção.

Pode-se sedar o paciente ainda com o propofol ou com o fentanil. São usados em baixas doses.
O propofol em altas doses vai causar inconsciência, então tem que ser em baixas doses. E ele
pode ser usado tanto em bolus simples repetidos ou em infusão contínua. O fentanil tem ação
analgésica, mas ele dá certo grau de sedação. O interessante de usar o fentanil associado ao
propofol ou midazolam é em procedimentos que existe algum tipo de dor, como as
infiltrações. É bom usar um agente que aumenta o limiar de dor do paciente para ele tolerar a
dor.

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ANESTÉSICOS INALATÓRIOS

O anestésico inalatório consegue proporcionar quase todos os pilares da anestesia,


principalmente a hipnose, mas também a analgesia e o bloqueio neuromuscular em menor
grau. O que não tem tão forte com eles é a sedação e ansiólise. Na anestesia geral existem 3
momentos: a indução, a manutenção (durante a cirurgia) e a recuperação e despertar ao final
da cirurgia, que na maioria das vezes é passivo. No adulto pode se fazer uma indução venosa, a
manutenção se for feita com inalatório é a anestesia geral balanceada, e se fizer com venoso
se chama anestesia geral venosa total. A anestesia geral na criança vai ser normalmente
induzida de forma inalatória. Depois pode ser feita a manutenção com agentes inalatórios ou
venosos.

Os anestésicos inalatórios agem em circuitos neuronais tanto em sistema nervoso central


quanto periférico, assim como os anestésicos venosos. A maioria deles age potencializando
inibição, através de receptores GABAA e glicina. Esses receptores permitem a entrada de cloro,
e hiperpolarizam a célula, inibindo a passagem do potencial de ação.E podem agir através de
inibição da excitação (mecanismo do óxido nitroso e xenônio), competindo pelos receptores
de glutamato (NMDA). Exceto óxido nitroso e xenônio, os anestésicos inalatórios agem
potencializando a inibição.

A evolução dos anestésicos inalatórios se deu a partir de uma halogenação deles. Eles foram
sendo cada fez mais fluoretados, substituindo os hidrogênios nas moléculas mais antigas. Os
anestésicos mais antigos tinham a característica de serem inflamáveis. Essa fluoretação
aumentou a segurança deles.

O óxido nitroso e o xenônio são gases à temperatura ambiente. O óxido nitroso costuma ser
acoplado à rede hospitalar. O xenônio é um excelente anestésico inalatório, mas ele é pouco
usado, pois sua extração é muito difícil, por ser um gás nobre.

Todo anestésico inalatório tem sua cor. O halotano será sempre vermelho, o enflurano
sempre laranja, o isoflurano sempre roxo, o sevoflurano sempre amarelo e o desflurano
sempre azul. Eles têm uma característica de serem fotossensíveis, e por isso são armazenados
sempre em vidros de cor âmbar, ou em alumínio. Eles são líquidos à temperatura ambiente.
Cada vaporizador é específico para cada anestésico, porque o vaporizador libera a
concentração pré-determinada de cada um. O circuito respiratório da anestesia é um circuito
fechado. Isso significa que o anestésico não tem local de escape. Além de não intoxicar a
equipe, ainda é possível reaproveitar o anestésico, reduzindo custos.
O anestésico, ao ser inalado, chega ao pulmão. Lá, vai haver um preenchimento do alvéolo,
causando uma pressão parcial no alvéolo. É essa pressão que garante que ele passe para os
capilares, e de lá vão sendo distribuídos até chegar ao nível de sistema nervoso.

A CAM é a concentração alveolar mínima em que 50% dos pacientes não se movimentam a um
estímulo doloroso padronizado. É um valor numérico inversamente proporcional à potência do
anestésico. O coeficiente de solubilidade sangue/gás é um valor numérico diretamente
proporcional à sua solubilidade (afinidade) no plasma. Quando o anestésico chega no sangue,
se ele for muito solúvel no sangue (lipossolúvel), vai ser mais difícil retirá-lo do sangue para
que ele cumpra sua ação. Se existem dois anestésicos, o que demora mais a fazer efeito é o
que tem maior coeficiente de solubilidade sangue/gás.

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CAM Coef. Solub. Sg/Gás
N2O 105 0,47
Halotano 0,75 2,5
Isoflurano 1,2 1,4
Sevoflurano 2,0 0,65
Desflurano 6,0 0,42

Quem tem a maior CAM é o óxido nitroso, e a menor é o halotano. Logo, o halotano é o mais
potente. O halotano tem o maior coeficiente de solubilidade sangue/gás, logo ele terá maior
latência, ou seja, mais vai demorar a iniciar sua ação. O que tem ação mais rápida é o
desflurano. Além disso, a velocidade de recuperação, de despertar, do sevoflurano e
desflurano é bastante rápida, eles são rapidamente eliminados quando para a administração.

Potência Veloc. Indução Veloc. Recuperação


N2O Muito baixa --- Rápida
Halotano Alta Lenta Lenta
Isoflurano Alta --- Lenta
Sevoflurano Baixa Rápida Rápida
Desflurano Baixa --- Rápida

Na tabela acima, a velocidade de indução do N2O, isoflurano e desflurano não está indicada
porque alguns anestésicos inalatórios não podem ser usadas para indução anestésica, por
serem pungentes de vias aéreas. Eles irritam as vias aéreas superiores, podendo levar a tosse,
sialorréia, laringoespasmo, e não serão usados para indução. Dos que não são, o halotano até
tem um cheiro, mas um cheiro bom, e o sevoflurano não tem cheiro. Esses que são contra-
indicados para indução, podem ser usados na manutenção, porque são administrados pelo
tubo traqueal ou máscara laríngea, ultrapassando as vias aéreas superiores e, por isso, não
fazem mal, sendo inclusive broncodilatadores.

O analisador de gases é um aparelho que faz uma análise em tempo real dos gases inalados e
exalados por espectrofotometria de massa, para que se possa fazer um melhor controle da
anestesia.

O óxido nitroso (N2O) tem capacidade de expandir cavidades aéreas fechadas. Por isso se evita
em manipulação de alças intestinais, ouvido médio, o próprio balonete do tubo traqueal pode
ser expandido pelo óxido nitroso. Ele tem boa estabilidade cardiovascular e baixo custo, porém
não é tão utilizado mais, porque é muito pouco potente. Quem usa hoje em dia são os
dentistas, mais para analgesia e sedação.

O halotano é bem tolerado na indução. Ele é inotrópico, cronotrópico negativos, e


vasodilatador. Então ele causa uma potente depressão cardiovascular. Por isso ele acaba
sendo menos usado hoje em dia. Em regiões com menor poder aquisitivo acaba sendo usado
ainda, pelo baixo custo.

O isoflurano é pungente, então não se faz indução com ele, so manutenção. Tem boa
estabilidade cardiovascular e baixo custo.

O sevoflurano pode ser usado para induzir. Tem uma estabilidade cardiovascular boa, bem
melhor que o halotano. Porém tem alto custo.

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O desflurano tem ponto de ebulição de 23oC. É pungente, não pode ser usado para indução,
somente manutenção. Tem boa estabilidade cardiovascular e alto custo.

Os anestésicos inalatórios não podem ser misturados, pois têm propriedades diferentes. O que
pode fazer é indução com um e manutenção com outro. Todos os anestésicos inalatórios têm
potencial emetizante. Eles podem causar algum grau de depressão respiratória, com
diminuição do volume minuto (volume corrente x frequência respiratória) porque faz a queda
da base da língua. O genioglosso é muito sensível aos anestésicos inalatórios. Como se
costuma intubar o paciente, não tem tanto problema. Com exceção do óxido nitroso e do
xenônio, todos são broncodilatadores (boas opções para paciente asmáticos, DPOC).

A hipertermia maligna é uma doença genética, rara, em que a temperatura do paciente


aumenta para mais de 40oC. Essa doença é ligada ao gene da rianodina, que controla os canais
de cálcio do retículo sarcoplasmático do músculo estriado esquelético. A doença, causada por
uma alteração genética autossômica dominante, tem como gatilho o uso de certas substâncias
(mais comumente os anestésicos inalatórios e a succinilcolunina, mas não o N2O e o xenônio).
Há uma saída de cálcio do retículo sarcoplasmático. Quando sai muito cálcio, a primeira coisa a
ter é uma rigidez muscular (observa-se uma rigidez de masseter, que acaba generalizando). O
corpo, para tentar compensar isso, ativa bombas de transporte ativo, para tentar jogar o cálcio
de novo para dentro do retículo sarcoplasmático. Só que bomba de transporte ativo tem
consequências, liberando energia na forma de calor (daí a hipertermia). Há um processo
intenso de destruição muscular. Há ativação de caspases, que promovem a apoptose do
músculo. Isso tudo leva a febre alta, rabdomiólise, hiperpotassemia, acidose (pela liberação de
K e H que estavam dentro das células), insuficiência renal (a mioglobina causa lesão na cápsula
de Bowman). O tratamento vai ser intensivo, resfriando o paciente com compressas geladas,
infusão de líquido, hidratar o paciente (para hiperpotassemia, acidose, insuficiência renal),
fechar o circuito da anestesia. Além disso, se usa o antídoto, que é o dantrolene sódico
(antagonista de canal de cálcio específico do retículo sarcoplasmático).
Os anestésicos inalatórios têm facilidade de utilização pois independem de órgãos para
metabolismo (exceto o halotano, que tem um grau de metabolização hepática). O isoflurano e
sevoflurano são os mais utilizados no Brasil. O desflurano tem introdução recente no Brasil. Ele
é muito bom, mas muito caro, e por isso é pouco comum em nossa realidade.

A anestesia geral venosa total deve ser evitada no paciente em choque, porque o propofol é
depressor do sistema cardiovascular. Então deve-se usar anestesia inalatória, com isoflurano,
sevoflurano ou desflurano (estáveis do ponto de vista cardiovascular). Faz uma indução venosa
e manutenção inalatória. Na criança, a indução deve ser com sevoflurano, assim como a
manutenção.

A maioria dos adultos, em que já se tem acesso venoso, utiliza-se o anestésico venoso para
indução. A anestesia geral venosa total é uma anestesia menos usada, porque é mais cara que
o inalatório. Em termos de custo, risco/benefício, o mais comum é, no adulto, indução venosa
(opióide, hipnótico e BNM sim ou não) e manutenção inalatória. A analgesia geral venosa total,
quando possível e disponível, tem vantagens, como o fato do propofol ser anti-emetizante, o
despertar é muito rápido e suave. Porém, o remifentanil, opióide usado na venosa total, tem
meia-vida de 5 a 10 minutos, então ele não dá analgesia pós-operatória nenhuma. Vai ser
preciso usar outro agente, como a morfina, para o paciente acordar sem dor. Em criança, a
indução e manutenção é inalatória. Mas é desejável que se faça um acesso venoso para dar
opióide para analgesia pós-operatória.
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BLOQUEIO NEUROMUSCULAR

Os bloqueadores neuromusculares eram chamados antigamente de curares. O curare er usdo


pelos índios para envenenar suas flechas, para utilizar tanto em presas quanto em inimigos.
Esse veneno paralisava suas vítimas mantendo-as conscientes. Os bloqueadores
neuromusculares hoje são usados em anestesia geral para dois fins. Eles bloqueiam toda a
musculatura estriada esquelética do indivíduo para que se consigam condições ideais para
intubação traqueal, conseguindo um relaxamento de toda a musculatura glótica, para que o
tubo passe pelas cordas vocais de forma o mínimo traumática possível. Pode fazer intubação
sem bloqueador neuromuscular, mas é exceção, pois há um risco muito maior de lesão de
corda vocal. O outro objetivo é obter um relaxamento cirúrgico, como da parede abdominal
para que o cirurgião possa atuar. Tem que ser na anestesia geral, porque para usar o
bloqueador neuromuscular precisa do paciente inconsciente.
A unidade motora corresponde a um neurônio motor (Aα) inervando uma fibra muscular. Às
vezes um neurônio pode inervar até 3 fibras musculares. A eferência do estímulo se dá de
forma consciente, vinda do córtex. O potencial de ação chega na fibra muscular desejada. Esse
impulso, ao chegar no terminal do axônio, vai ativar um canal de cálcio voltagem-dependente.
O cálcio pré-sináptico é fundamental para mobilização das vesículas sinápticas e contração das
mesmas, com consequente exocitose do neurotransmissor, que é a acetilcolina. Existem dois
tipos de transmissão colinérgica: a nicotínica, que é o caso da junção neuromuscular, e a
muscarínica. Então o receptor da acetilcolina aqui é o receptor colinérgico nicotínico. Ele tem
uma estrutura pentamérica, constituída por 5 proteínas que formam um canal iônico. No seu
estado de repouso, esse canal iônico está fechado. No entanto, quando existe uma ligação
concomitante de duas moléculas de acetilcolina (e tem que ser duas moléculas) às
subunidades α do receptor nicotínico, esse receptor é dito ativado, há uma rotação dessas
proteínas de forma a abrir o canal iônico. E aí, por gradiente eletroquímico, entra sódio e cálcio
para a fibra muscular, e sai potássio. Esse potencial de ação, por somação, chega ao retículo
sarcoplasmático também, liberando mais cálcio para o sarcoplasma. Essa entrada maciça de
cálcio no sarcoplasma vai anular a inibição que o complexo troponina-tropomiosina exerce
sobre os filamentos de actina e miosina, levando à interação desses filamentos, com contração
muscular.
A contração muscular vem a partir de um estímulo cortical voluntário. No entanto, o tônus
muscular, que é um estado contrátil basal, não precisa de estímulo cortical. Existe uma
liberação quântica involuntária de moléculas de acetilcolina, levando a um estado mínimo
basal de contração, que é o tônus. Para os fins de bloqueio neuromuscular, é preciso abolir o
tônus, tornar a musculatura flácida. É preciso abolir contração voluntária e tônus.

O término da transmissão neuromuscular se dá pela degradação da acetilcolina por uma


enzima presente na fenda sináptica, chamada acetilcolinesterase, capaz de degradar a
acetilcolina inclusive ligada ao receptor nicotínico. Ela metaboliza a acetilcolina, que deixa de
exercer sua ação agonista. Em milissegundos o receptor nicotínico se fecha e há o fim da
contração voluntária, o relaxamento. A acetilcolina é metabolizada em colina, que é recaptada
pela fibra pré-sináptica. Essa colina vai se unir à acetil-CoA do metabolismo mitocondrial pela
ação da enzima colina acetil transferase, e vai ficar armazenada em uma vesícula sináptica.

73
Os bloqueadores neuromusculares podem ser adespolarizantes (não chegam a despolarizar a
fibra muscular antes de relaxá-la) e o despolarizante (que tem ação bifásica: primeiro
despolariza fibra e depois relaxamento).

Os blqueadores neuromusculares adespolarizantes são antagonistas competitivos da


acetilcolina pelo receptor nicotínico. Esses bloqueadores competem com a acetilcolina pela
ligação no sítio α do receptor. E basta que uma molécula de bloqueador se ligue ao receptor,
para que esse receptor não seja ativado. Na medida em que esse bloqueador se liga ao
receptor, deixa de haver contração, há um relaxamento inclusive do tônus. É uma paralisia
flácida de toda a musculatura estriada esquelética4.
O único bloqueador neuromuscular despolarizante é a succinilcolina. A succinilcolina nada
mais é que duas moléculas de acetilcolina interligadas. Elas têm semelhança estrutural muito
grande, mas o metabolismo das duas é diferente. Quando se administra a succinilcolina, ela
tem ação bifásica: primeiro ela vai causar despolarização para depois relaxar. Ela se liga
simultaneamente a ambas as subunidades α do receptor. Numa fase inicial, por ser
semelhante estruturalmente à acetilcolina, ela vai levar a uma despolarização com contração
muscular. Só que a succinilcolina não é substrato para o metabolismo em milissegundos pela
acetilcolinesterase. Ela é metabolizada pela pseudocolinesterase plasmática, que é produzida
no fígado. Ela está presente em pequenas quantidades na fenda sináptica. A succinilcolina não
é metabolizada em milissegundos, ela é metabolizada em segundos ou minutos. A fase de
despolarização permite uma entrada maciça de sódio e cálcio, e tem uma contração de toda a
musculatura estriada esquelética, de forma às vezes simultânea, e forte, severa. É possível ver
essas contrações na forma de fasciculações musculares. O paciente se contrai como um todo.
Na segunda fase, existe um processo (muito pouco conhecido em nível muscular) de
dessensibilização aguda. O receptor deixa de responder a esse agonismo da succinilcolina e se
fecha. Acontece então o relaxamento com paralisia flácida. O término da ação da succinilcolina
é quando a pseudocolinesterase chega na fenda sináptica e quebra a ligação éster entre as
duas moléculas de acetilcolina que formam a succinilcolina. Nesse momento a succinilcolina
deixa as subunidades α livres para a ligação da acetilcolina. O tempo que essa enzima demora
para metabolizar a succinilcolina é em torno de 5 a 10 minutos. É o tempo que a succinilcolina
fica na segunda fase. A primeira fase dura normalmente de 30 segundos a 1 minuto. A
succinilcolina hoje em dia ainda é usada só para intubação traqueal. Depois que a
succinilcolina for eliminada é preciso usar um adespolarizante, a não ser que a cirurgia não
precise de relaxamento muscular. Às vezes a cirurgia não exige relaxamento muscular, só
precisa de relaxamento para intubar o paciente, e aí pode-se usar a succinilcolina. Agora, se a
cirurgia precisa de um relaxamento muscular prolongado, vai ter que lançar mão de um
adespolarizante.
A succinilcolina é liofilizada, e tem que ser reconstituída. Ela tem início de ação rápido, em
torno de 30 e segundo a 1 minuto. Isso é bom para intubar. A duração de ação dela é ultra-
curta, de 5 a 10 minutos. Por isso ela só serve para intubação traqueal.

A intubação com indução de rápida sequência é indicada para o indivíduo em jejum duvidoso,
ou de alto risco para broncoaspiração. Lançam-se mão de agentes venosos que tenham início
de ação em torno de 1 minuto (opióide de ação curta, hipnótico de ação curta e bloqueador
neurmuscular). Isso porque se quer os pilares da anestesia no tempo mais rápido possível para

4
Só tem receptor nicotínico na musculatura estriada esquelética. Não há bloqueio de musculatura lisa
nem musculatura cardíaca.
74
conseguir intubar esse paciente e proteger sua via aérea. Isso porque no momento em que
esse paciente perde a consciência e a proteção das vias aéreas, ele pode regurgitar e
broncoaspirar. Por isso precisa de droga de início de ação curta. Porque esse paciente vai ficar
descoberto antes de intubar no tempo que as drogas levam para agir. Vai se usar o analgésico
(opióide), hipnótico (propofol por exemplo) e bloqueador neuromuscular que dêem o tempo
de ação de um minuto. Nesse minuto, enquanto se espera a ação dos medicamentos, esse
paciente pode regurgitar e broncoaspirar. Nesse momento pode-se lançar mão da manobra de
Sellick. Essa manobra é controversa, pois não
tem eficaz comprovada, mas também ela não
tem efeito negativo. A rápida sequência pode
ser feita com ou sem manobra de Sellick. Nela,
precisa-se de um auxiliar, que nesse um
minuto, vai chegar no nível da cartilagem
cricóide e, com dois dedos, pressioná-la contra
a coluna cervical. Nesse nível está o esôfago
(ou hipofaringe). O objetivo é, a partir dessa
manobra feita por um profisional treinado,
comprimir o esôfago de modo que nesse
tempo vulnerável, se houver uma regurgitação, ela vai parar nesse ponto. A compressão deve
ser mantida até a confirmação da intubação traqueal e insuflação do balonete. A força a ser
feita é de 30 N, uma força considerável (30kg). Ela é controversa quando há suspeita de fratura
cervical.
Os efeitos colaterais da succinilcolina são oriundos da fase de despolarização mantida. As
fasciculações musculares são contrações severas, que podem causar no pós-operatório dor
muscular (mialgia), que é o efeito colateral mais comum da succinilcoluna. É benigno. Outro
efeito é aumento da pressão intragástrica e intraocular. Se tem contração da musculatura
abdominal há aumento da pressão intragástrica, e o paciente pode regurgitar. A pressão
intraocular pode ser por fasciculação da musculatura do olho. Por isso ela é contra-indicada
para pacientes com glaucoma. E mais, em situações de perfuração de globo, pois pode causar
extrusão de conteúdo. Outro efeito colateral é a hiperpotassemia, pois o estímulo nicotínico
mantido leva a entrada de sódio e cálcio e saída de potássio. No paciente hígido pode ser
benigno, mas no paciente renal crônico ou aquele que já tem níveis elevados previamente de
potássio, pode levar a arritmias cardíacas e, muito raramente, parada cardíaca. A
succinilcolina, como os anestésicos inalatórios, é gatilho para hipertermia maligna.
Entre os bloqueadores adespolarizantes, existem os benzil-isoquinoleínicos e os esteróides. Os
benzil-isoquinoleínicos são o atracúrio e o cisatracúrio. O cisatracúrio é isômero do atracúrio,
tem menos efeitos colaterais, é melhor e mais caro.

Latência Metabolismo Duração de Liberação de


ação histamina
Atracúrio 2 a 3 minutos Via de Hoffman Intermediária Sim
Cisatracúrio 3 a 4 minutos Via de Hoffman Intermediária Não

A latência diz respeito ao início de ação. Pode-se ver que eles não se prestam para indução de
rápida sequência, pois eles têm uma latência longa. A grande vantagem dessa classe é que eles
têm metabolismo específico, independendo de fígado e rins para eliminação. Eles sofrem uma
hidrólise não enzimática, espontânea, em pH e temperatura fisiológicos (eles simplesmente se

75
quebram e deixam de exercer sua ação). A duração de ação deles é intermediária, em torno de
30 a 40 minutos. A grande vantagem deles em relação aos esteróides é para pacientes com
dano ou insuficiência hepática ou renal (os esteróides têm metabolismo hepático e eliminção
renal). A grande vantagem do cisatracúrio sobre o atracúrio é que ele não leva a liberação de
histamina. Em pacientes atópicos, com asma, deve-se evitar o atracúrio, capaz de liberar
histamina e causar, por exemplo, broncoconstrição. O cisatracúrio é um dos bloqueadores
neuromusculares mais utilizados, tem um perfil de segurança muito grande.

Os esteróides são o pancurônio (em franco desuso, mas ainda existe), o vecurônio e o
rocurônio. Todos eles têm metabolismo hepático e eliminação renal. O rocurônio tem latência
de 60 a 90 segundos. Por isso ele é indicado para indução de rápida sequência. Ele é mais caro
que a succinilcolina, mas hoje não é tanto. O pancurônio é o único que tem duração de ação
longa, em torno de uma hora ou mais. Os outros duram em torno de 30 a 40 minutos. Os
esteróides têm efeitos cardiovasculares, pois eles costumam ter ação de antagonista
competitivo da acetilcolina também em receptores colinérgicos muscarínicos. Uma droga com
o pancurônio, que tem uma maior potência, e é capaz de se ligar a receptor colinérgico
muscarínico no coração, ele vai causar principalmente taquicardia. A estimulação colinérgica
no coração (vago) dá bradicardia. Se bloqueia esse receptor muscarínico vai causar taquicardia
e, às vezes, hipertensão. É uma desvantagem do pancurônio. O vecurônio está para o
pancurônio assim como o cisatracúrio está para o atracúrio. O vecurônio não tem efeitos
cardiovasculares muscarínicos. O rocurônio não consegue zerar essa ação indesejável, ele
pode aumentar a frequência cardíaca, mas não no nível que o pancurônio faz.

Latência Metabolismo Duração de Efeitos CV


ação
Pancurônio 3 a 4 minutos Hepático e Longa ↑↑ PA
eliminação renal ↑↑↑ FC
Vecurônio 3 a 4 minutos Hepático e Intermediária Nenhum
eliminação biliar
e renal
Rocurônio 60 a 90 Hepático e Intermediária ↑ FC
segundos eliminação renal

Desses bloqueadores, os mais utilizados hoje são o cisatracúrio e o rocurônio (porque pode
substituir a succinilcolina). Mesmo sendo um pouco mais caro, o rocurônio hoje é um pouco
mais utilizado pelos tipos de reversão que podem ser feitas.

Existe um monitor de bloqueio neuromuscular (TOF). A literatura mostra que alguns grupos
musculares que, se monitorizar se eles estão contraídos ou relaxados, é muito semelhante à
musculatura da laringe (que precisa relaxar para intubar) e à musculatura abdominal (que
precisa relaxar para o cirurgião atuar). Um desses músculos é o adutor do polegar, que é
inervado pelo nervo ulnar. O princípio da monitorização é o seguinte: liga-se o monitor, que é
um estimulador de nervo periférico, no trajeto do nervo ulnar. Esse aparelho vai fazer uma
corrente elétrica de frequência baixa (2 Hz) no nervo ulnar. Ele vai simular um potencial de
ação nesse nervo. O aparelho vai medir o grau de contração do músculo inervado pelo nervo
estimulado. Esse monitor dá um estímulo de 2 Hz, que são 2 contrações por segundo, por 2
segundos, a cada 15 segundos. Ou seja, ele estimula 4 contrações. O aparelho vai medir a
velocidade de aceleração do polegar, e tranformar em força de contração do polegar. Nessas 4
contrações, no paciente sem bloqueio neuromuscular nenhum, a tendência é as 4 contrações

76
terem a mesma força. Na medida em que as moléculas do bloqueador vão ocupando os
receptores nicotínicos, a força vai diminuindo, e sempre é da primeira para a última contração
que a força vai caindo. Tendência é a quarta contração desaparecer primeiro, seguida da
terceira, segunda e primeira. Quando a primeira contração desaparecer, ou seja, não há
nenhuma contração, é o momento de intubar.

A monitorização serve para a indução, a manutenção e a recuperação. Na manutenção, para


saber se o relaxamento abdominal está ótimo para o cirurgião, o ideal é ter zero de contração.
Mas se, das 4 contrações, houver somente 2, considera-se o relaxamento adequado. Se tiver
mais de 2 contrações, é preciso repetir nova dose do relaxante muscular. O monitor mostra
também quando o paciente não tem mais relaxamento muscular nenhum, indicando que o
paciente pode ser extubado em condições de segurança, sem nenhum tipo de fraqueza. O
monitor é capaz de contar o número de contrações, mas também mensurar o grau de força de
contração de uma em relação à outra. Ele faz uma relação percentual entre a quarta
contração, que é a mais fraca, e a primeira, que é a mais forte. Se a força da quarta contração
está acima de 90% ou, idealmente, 100% em relação à primeira, o paciente pode ser extubado,
porque não há bloqueio neuromuscular residual.
Existem dois tipos de reversão para o bloqueio neuromuscular: a convencional, que serve para
todos os adespolarizantes, e a específica, que serve para o rocurônio. A succinilcolina não
necessita de reversão nunca, porque tem metabolismo próprio em 5 a 10 minutos. A reversão
convencional é uma reversão indireta, então não é ideal. Utiliza-se anticolinesterásicos, e aqui
no Brasil é a neostigmine. Os anticolinesterásicos bloqueiam a ação da acetilcolinesterase, e
com isso a enzima deixa de degradar as moléculas de acetilcolina. Vai ter um número maior de
moléculas de acetilcolina para competir com o bloqueador pelo seu receptor (no antagonismo
competitivo ganha quem tem mais moléculas). Porém, a neostigmine não é um
anticolinesterásico específico da junção neuromuscular, e ela pode bloquear a
acetilcolinesterase de sítios muscarínicos, como coração (bradicardia), glândulas salivares
(sialorréia), mucosa traqueobrônquica (broncoespasmo), trato gastrointestinal (aumento de
peristaltismo), causando uma hiperestimulação colinérgica em todos esses sítios. Para
bloquear esses efeitos indesejados de um anticolinesterásico, é preciso usar um anticolinérgico
muscarínico, que é a atropina.
Existe a reversão com o sugamadex, que consegue encapsular as moléculas de todos os
esteróides, mas ele tem uma especificidade muito maior pelo rocurônio. Por isso o rocurônio
vem sendo cada vez mais utilizado. O sugamadex é uma droga cara. O sugamadex se liga ao
rocurôniom, formando um complexo que inativa a ação do rocurônio, de forma específica e

77
ultra-curta. Ou seja, consegue-se uma reversão ultra-curta, em menos de 5 minutos, e
confiável.

O bloqueador despolarizante (succinilcolina) não precisa de reversão. A reversão do


bloqueador adespolarizante com neostigmine ou sugamadex se faz necessária quando o valor
mostrado pelo monitor está menor que 90% na quarta contração em relação à primeira. Se, ao
final da cirurgia, de forma espontânea, o monitor está mostrando um valor maior que 90%,
não será necessária a reversão. Se não tiver o monitor disponível (na maior parte dos lugares),
a reversão será feita em 100% dos pacientes. O que não pode é extubar o paciente com
possibilidade de bloqueio neuromuscular residual e fraqueza.

78
FISIOPATOLOGIA DA DOR E ABORDAGEM DA DOR AGUDA

Dor é uma experiência sensorial e emocional


desagradável, associada a lesão tecidual
presente, potencial ou descrita como tal.
Nocicepção é a estimulação de nociceptores,
receptores que vão transformar estímulos
traumáticos em potencial de ação, que vai
chegar até a medula e ascender a centros
superiores. Isso começa com a transdução, que
é a tradução de um sinal térmico, doloroso,
nocivo ao organismo em potencial de ação.
Quando essa dor ameaça a integridade física e
emocional do indivíduo, ela causa sofrimento.
Esse indivíduo, a partir do sofrimento, pode
exibir um comportamento doloroso. A dor
crônica é aquela que ultrapassa o período de reparação do tecido.

A figura ao lado mostra a aferência e o caminho do


estímulo doloroso. Na periferia, as fibras C e Aδ são
fibras sensitivas. Na ponta dessas fibras existem os
nociceptores. São receptores de alto limiar de
estímulos. Eles precisam de um estímulo de alto
limiar, de impacto, de trauma, para ele ser ativda,
para abrir canais de sódio e levar à despolarização. A
partir de uma incisão na pele e ativação de
receptores mais superficiais, vai haver ativação
dessas fibras, com a deflagração de um potencial de
ação (entra sódio e sai potássio) de um nervo
periférico, que vai formar um nervo espinhal, que
adentra a medula pelo corno posterior. Esse primeiro
neurônio que transmite o estímulo doloroso até a
medula é o neurônio aferente primário, ou neurônio
de primeira ordem. O aferente primário faz sinapse
no corno dorsal da medula com o neurônio aferente
secundário. Esse neurônio cruza a linha mediana, e
transmite esse estímulo através de dois fascículos até
o tálamo: espinotalâmico (principalmente) ou
espinorreticular. No tálamo, que ainda é subcortical,
ele vai fazer sinapse com o neurônio de terceira
ordem. Este vai formar as projeções tálamo-corticais,
levando esse estímulo do tálamo até o córtex
sensitivo. No córtex somato-sensitivo há uma
representação corporal proporcional ao grau de
sensibilidade (homúnculo de Penfield), e ali vai haver
a percepção do estímulo doloroso, com caracterização, intensificação, localização e memória
da dor.

79
Nesse caminho vão haver os 4 conceitos principais. A transdução do estímulo doloroso é a
transformação de um estímulo nocivo, pelos nociceptores, em potencial de ação. Uma vez que
a transdução é um fenômeno tudo ou nada, a somação desses potenciais de ação de todos os
neurônios vai levar a ascenção desse estímulo até a medula. Essa ascenção é chamada de
transmissão. A transmissão é a propagação do potencial de ação do nervo periférico até a
medula, e também da medula até o tálamo e dali até o córtex. Quando o estímulo chega ao
córtex há a percepção da aferência dolorosa, através da caracterização, intensificação,
localização e memória da dor. Há ainda a modulação da dor, feita em nível medular, na
conexão do primeiro neurônio com o segundo neurônio. São estímulo descendentes que vêm
de áreas subcorticais, que vão tentar frear a transmissão do estímulo doloroso naquele ponto,
através de impulsos descendentes inibitórios, de forma a diminuir ou cessar a percepção do
estímulo doloroso ascendente. Essa modulação é natural do organismo.

A transdução se dá através da ativação de nociceptores. Os nociceptores são receptores de


alto limiar. Normalmente eles não são ativados por estímulos mecânicos, térmicos normais.
Eles são ativados apenas por estímulos intensos, nocivos. Esses nociceptores estão localizados
na pele, mas também em estruturas mais profundas, como ao redor de articulações, músculos,
paredes de vasos, mucosas e cápsulas de órgãos. As terminações nervosas livres são formadas
por fibras C e Aδ.

O fenômeno de ativação dos nociceptores, que é a transdução, é chamada também de


sensibilização periférica. A lesão tecidual vai, na medida em que leva a perda de integridade de
membrana celular, levar à ativação de fosfolipase, com a degradação de fosfolípide de
membrana, ativação da lipooxigenase e ciclooxigenase, gerando produtos de degradação do
ácido araquidônico. Ou seja, um processo inflamatório. Aumenta então a expressão da COX-2,
que é uma enzima induzida pela inflamação. Ela normalmente só existe no cérebro, hemácias
e nos rins. Numa situação de inflamação ela é proliferada. Ela vai aumentar a degradação do
ácido araquidônico em produtos de degradação do mesmo, que são tromboxano,
prostaciclinas e prostaglandinas. Desses produtos, destaca-se uma prostaglandina, a PGE-2,
que é a maior vilã da sensibilização periférica. Ela vai estimular o nociceptor e diminuir o limiar
de atividade do nociceptor. Ela estimula o nociceptor, ativando segundos mensageiros, que
vão ativar canais de sódio. A PGE-2 tanto provoca abertura direta de canais de sódio, quanto
80
diminui seu limiar de excitabilidade. Muitas vezes, através da sensibilização periférica, um
estímulo não doloroso, como o toque, passa a ativar nociceptor e passa a ser também
doloroso, porque o limiar do nociceptor, que é normalmente alto, agora está diminuído pela
ação da PGE-2.

A partir da trasdução, que é a transformação de um estímulo nocivo em potencial de ação, há


a condução ou transmissão desse potencial do nociceptor cutâneo, através de um nervo
periférico, e esse estímulo chega à raiz posterior do H medular.

A seguir, há a transmissão do estímulo, do potencial de ação, do primeiro neurônio para o


segundo neurônio, lá na medula. É a sensibilização central. Quando o potencial de ação chega
perto da junção entre esses dois
neurônios, vai ser ativado um
canal de cálcio voltagem-
dependente. O cálcio entra na
célula pré-sináptica (neurônio
aferente primário). Esse cálcio pré-
sináptico entra e provoca a
mobilização e exocitose de
neurotransmissores excitatórios. O
principal é o glutamato, seguido do
aspartato. Existe ainda a
substância P, NKA (neurocinina A)
e peptídeo geneticamente
relacionado à calcitonina (CGRP). Esses neurotransmissores, uma vez liberados, viajam pela
fenda sináptica e vão se ligar a receptores específicos pós-sinápticos (neurônio de segunda
ordem). O glutamato se liga ao receptor NMDA, o aspartato ao AMPA (o glutamato também se
liga ao AMPA, mas menos). A substância P ativa o receptor NK1, a NKA ativa o receptor NK2, e
o peptídeo geneticamente relacionado à calcitonina vai ativar o seu receptor (receptor do
CGRP). Cada um desses neurotransmissores tem receptores específicos que são ativados no
neurônio de segunda ordem.
O principal receptor envolvido na perpetuação da via dolorosa é o NMDA. Ele é ativado de
acordo com a ligação maciça do glutamato. Quando esse receptor é ativado pelo glutamato,
ele permite a entrada de cálcio. O AMPA, quando ativado, é um canal de sódio, que leva à
despolarização. O mesmo o receptor NK1. O excesso de cálcio no interior desse neurônio de
segunda ordem ativa a fosfolipase C, que atua em alguns segundos mensageiros, levando à
degradação de fosfolípides de membrana em ácido araquidônico, que será novamente
degradado em seus produtos de degradação. Isso gera um processo inflamatório dentro desse
neurônio. O excesso do cálcio, também pode levar, via proteinoquinase C, a alteração de
transcrição gênica do RNA desse neurônio. Isso acontece através da ativação de vários genes,
81
especialmente C-fos e C-jun, que são proto-oncogenes de ação rápida. Eles rapidamente
alteram as transcrições de RNA do núcleo, perpetuando esse processo. Ocorre uma
fosforilação em receptores NMDA e AMPA. Se um receptor é fosforilado, ele é ativado,
potencializado. Com isso há mais entrada de cálcio, gerando um círculo vicioso. O excesso de
cálcio ativa também uma enzima chamada óxido nítrico sintetase, que vai promover a
formação do óxido nítrico, que é um neurotransmissor gasoso. A retrodifusão do NO permite
maior liberação de glutamato. Com isso, mesmo depois da resolução do processo inflamatório
na periferia, da reparação tecidual, existe a perpetuação do estímulo doloroso, através da
geração de potenciais pós-sinápticos excitatórios em nível medular.

O estímulo então sobe pelo trato espinotalâmico ou espinorreticular até o tálamo. Lá no


tálamo há a sinapse entre neurônio de segunda ordem e de terceira ordem. As projeções
tálamo-corticais levam o estímulo até o córtex, onde há a percepção do estímulo doloroso.
Todo esse processo é patológico.

O estímulo passa por vias subcorticais, incluindo o locus ceruleus, o núcleo da rafe magna e a
substância cinzenta periaquedutal (que são importante para a modulação). O estímulo passa
por isso tudo e chega no tálamo.

O organismo, fisiologicamente, para brecar o estímulo fisiopatológico nocivo, proteger a


medula e córtex de toda essa excitação, quando o estímulo passa pelas regiões do locus
ceruleus, núcleo da rafe magna e substância cinzenta periaquedutal, o estímulo vai provocar a
liberação de peptídeos opióides endógenos. Nessas 3 regiões existem opióides endógenos,
que são, principalmente, encefalinas, dinorfinas e beta-endorfinas. Nessas regiões existe uma
grande população de receptores opióides. A partir da passagem desse estímulo excitatório por
esses 3 locais, há liberação dos opióides endógenos para tentar modular essa dor, a partir do
estímulo de um outro trato, que é descendente e inibitório, que é fascículo descendente
dorso-lateral. Ele é ativado a partir de estímulos excitatórios ascendentes, e ele vai estabelecer
conexões sinápticas com neurotransmissores inibitórios em nível medular, no local de conexão
dos neurônios de primeira e segunda ordem. Ele vai tentar hiperpolarizar a ligação entre
primeiro e segundo neurônio.
Os neurotransmissores inibitórios são o
GABA e a glicina. Esses neurotransmissores,
quando ativados, vão ativar canais de cloro
e potássio, tentando hiperpolarizar a fibra
aferente secundária. Esse neurônio, uma
vez hiperpolarizado, fica mais difícil de ser
despolarizado, gerando analgesia. É a
teoria do portal da dor de Melzack.

O neurônio aferente primário pode fazer


um arco reflexo ao chegar na medula, com
um neurônio eferente simpático. A
consequência cardiovascular de dor, então, é hipertensão, taquicardia, retensão hídrica por
ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. No paciente jovem isso pode simular um
exercício extenuante. Mas um paciente coronariopata, com insuficiência cardíaca, ele pode
descompensar por causa desse arco reflexo. O cardiopata pode ter fenômeno isquêmico, e a
retenção de líquido pode descompensar a insuficiência cardíaca. Além disso, quanto mais
próximo o sítio da cirurgia for próximo do, mais consequência respiratória tem. O paciente vai
82
hipoventilar. Se o paciente tem dor, a respiração será rasa. Vai ter uma quantidade de alvéolo
fechado, com atelectasia, e vai ter hipoxemia. Ele não tem força para tossir porque ele tem
dor, não faz o toalete brônquico. Ele fica acamado, tem retenção de secreção, e pode dar
pneumonia. Assim, se a dor não for apropriadamente prevenida e tratada, o paciente pode
descompensar ou ter pneumonia. No TGI, o simpático diminui o peristaltismo, causando íleo
paralítico. Numa cirurgia gastrointestinal, isso lentifica a recuperação. Ele precisa recuperar o
trânsito para ter alta. Isso aumenta o tempo de internação. Além disso, o paciente com dor
fica ansioso, tem insônia.

Para evitar que a PGE-2 estimule o nociceptor ou diminua o seu limiar, pode-se usar
antiinflamatório. Além disso, pode-se bloquear os canais de sódio na com anestésico local.
Então, na periferia, para diminuir a transdução, pode-se usar antiinflamatórios não esteroidais,
pode-se infiltrar a ferida cirúrgica (pequenas feridas) com anestésico local, de preferência de
longa duração (ou seja, não a lidocaína), para bloquear os canais de sódio por mais tempo.
Então a primeira estratégia é usar AINE e infiltrar anestésico local. Para diminuir a
transmissão/condução, já que é canal de sódio, pode usar também anestésico local (bloqueio
periférico, como bloqueio de plexo braquial, por exemplo). Para bloquear a via ascendente
excitatória em nível periférico, usa o bloqueio periférico com anestésico local, e para bloquear
a via ascendente excitatória em nível central, espinhal, usa anestésico local em nível central
(raqui ou, principalmente, peridural, porque dá pra passar um cateter). Uma das formas de
maior qualidade de analgesia pós-operatória é com o cateter de peridural com infusão
contínua de anestésico local, e aí nem chega potencial de ação.
Além disso, pode usar opióide, gabapentinóide, cetamina e os antidepressivos. O mecanismo
de ação dos opióides, que têm uma ação analgésica forte, é hiperpolarizando as fibras. Eles
bloqueiam canal de cálcio pré-sináptico e atuam em canais de potássio pós-sinápticos. O
opióide se liga tanto em pré quanto em pós-sináptico. Os gabapentinóides bloqueiam os canais
de cálcio voltagem-dependentes na fibra pré-sináptica. Eles só existem por via oral, e são
muito bem tolerados, e bastante usados tanto em dor aguda como crônica. Os
antidepressivos, principalmente os tricíclicos (mas também os ISRS), vão diminuir a recaptação
pré-sináptica de neurotransmissores. Eles vão aumentar a ação de neurotransmissores como a
dopamina, adrenalina, noradrenalina e, destacadamente, a serotonina. A serotonina é um
hormônio relacionado ao humor. Os receptores serotoninérgicos, tanto pré quanto pós-
sinápticos, têm uma ação muito semelhante aos opióides. Quando a serotonina se liga a esses
receptores, eles vão hiperpolarizar as fibras pré e pós. O grande problema dos antidepressivos
é que eles demoram a fazer efeito, às vezes de 7 a 15 dias. Os antidepressivos não se prestam
para dor aguda, porém são de primeira linha em dor crônica. O antidepressivo tem ação
analgésica de fato, a serotonina tem ação analgésica. Não é um efeito “psicológico”. A
cetamina é um agente indutor hipnótico, ela bloqueia receptor NMDA. O NMDA é o principal
receptor relacionado à entrada de cálcio. É uma droga útil de ação central, inibindo a entrada
de cálcio pós-sináptico. Além disso, alguns AINEs atravessam a barreira hemato-encefálica e
chegam em nível espinhal.
Para diminuir a percepção e potencializar a modulação, pode usar analgésico (dipirona e
paracetamol), que inibem COX-3. O problema que eles têm ação fraca. Existe uma população
grande de receptores opióides em locus ceruleus, núcleo da rafe magna e substância cinzenta
periaquedutal. Usando opióide em nível central ou mesmo sistêmico, os opióides vão
estimular o fascículo dorso-lateral inibitório. Os opióides exógenos mimetizam os opióides
endógenos, porém são muito mais potentes.
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Há ainda o baclofeno, que é um análogo de GABA e glicina. Ele é um relaxante muscular. Ele
atua diminuindo a espasticidade. Existe um outro reflexo quando o neurônio de primeira
ordem é ativado. Lá na medula, ele pode fazer uma conexão direta na raiz ventral com um
motoneurônio (fibra Aα), levando a uma contratura na região injuriada. Não raro, numa região
de trauma, há uma contratura muscular reflexa. O baclofeno é indicado em casos de
contratura muscular e espasticidade. O que o baclofeno faz é agir em nível medular, levando a
um relaxamento muscular. Ele diminui a dor causada pela contratura muscular. Ele é usado
mais em casos de dor crônica.

A quantificação da dor pode ser feita pela escala analógica visual da dor. Ela é um score de dor
apontada pelo paciente. Ela é graduada de 0 a 10, sendo 0 ausência de dor e 10 a pior dor
imaginada. De 1 a 3 é dor leve, 4 a 6 moderada e 7 a 10 dor intensa. O paciente aponta com o
dedo na régua a graduação da dor dele naquele momento.

O mecanismo de ação dos antiinflamatórios é bloqueio de COX. Eles vão diminuir a síntese de
produtos de degradação do ácido araquidônico, entre eles a PGE-2. Os analgésicos comuns
(dipirona e paracetamol) têm ação central, mas a ação é fraca. Entre os antiinflamatórios,
destacam-se os mais utilizados e que têm ação central (atravessam barreira hemato-
encefálica), como o cetoprofeno e o cetorolaco, que são antiinflamatórios não seletivos, e os
coxibes, que são bloqueadores seletivos de COX-2. Como eles bloqueiam somente a COX-2,
têm menos efeitos colaterais. As vias de administração desses antiinflamatórios são tanto VO
quanto IV. Os efeitos colaterais são intolerância gástrica, principalmente com os não seletivos
(bloqueiam a formação de COX-1, e as prostaglandinas na mucosa gástrica são citoprotetoras),
todos eles podem causar broncoespasmo (eles bloqueiam a COX, e sobra mais ácido
araquidônico para ser metabolizado pela lipooxigenase, que forma leucotrieno, que é
broncoconstritor; evitar em paciente asmático) ou lesão renal (as prostaglandinas nos rins são
vasodilatadoras). Os antiinflamatórios são indicados em todos os pacientes, exceto nas suas
contra-indicações, casos em que se lança mão dos analgésicos comuns, que são quase isentos
de efeitos colaterais. Os antiinflamatórios devem ser prescritos em intervalos fixos, e não “se
necessário”. Nesse intervalo, aí sim, vai prescrever os analgésicos comuns se necessário
(analgésico de resgate). Os antiinflamatórios têm que ter horários fixos. Na dor aguda vai usar
por 3 a 5 dias, não mais que isso para não aumentar a chance de efeitos colaterais.
Os gabapentinóides no Brasil só tem a gabapentina e a pregabalina. A pregabalina é uma
evolução da molécula da gabapentina, ela é mais potente e consegue espaçar mais a
posologia, mas as duas são muito boas. Os gabapentinóides vão bloquear o canal de cálcio pré-
sináptico voltagem-dependente, prevenindo a exocitose dos neurotransmissores excitatórios.
Eles têm um perfil de efeito colateral muito bom. Os efeitos colaterais são normalmente
benignos, muito bem tolerados (tonteira, boca seca, algum grau de sedação). A desvantagem é
que só existe por via oral. Eles são usados na dor aguda e dor crônica.
Existem opióides fortes (para dor forte) e fracos (para dor moderada; dor fraca é analgésico e
antiinflamatório). Os opióides fortes que existem para dor aguda por via oral são a morfina e
oxicodona (metadona é mais para dor crônica). Os fracos são a codeína e o tramadol. De
venoso tem a morfina. A morfina é o padrão-ouro de opióide, em termos de custo-benefício. A
oxicodona é muito boa, mas tem custo alto e só tem por via oral. O problema do tramadol é
que ele é um agonista μ1 fraco, ele é muito específico, só um subtipo de receptor opióide. O
tramadol não dá depressão respiratória (porque depressão respiratória é receptor μ2). Mas ele

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é imbatível entre os opióides em incidência de náuseas e vômitos, principalmente em dor
aguda. Ele é muito pouco tolerado. Por isso ele não é muito recomendado em dor aguda.

Pode ainda fazer, na prevenção da transdução, infiltração da ferida operatória com anestésico
local, de preferência os de longa duração (bupivacaína, ropivacaína, novabupi). Isso em
cirurgias de menor porte, em incisões pequenas. Lembrar de respeitar as doses tóxicas.

De antagonista NMDA tem o sulfato de magnésio e, principalmente, a cetamina. A cetamina é


usada principalmente a cetamina venosa. Em alguns casos pode usar espinhal, peridural, mas
ela é mais usada em bomba de infusão venosa contínua, porque ela tem uma meia-vida mais
curta. Ela é usada durante todo o estímulo cirúrgico álgico, para bloquear o receptor NMDA
durante todo o estímulo cirúrgico. Ela bloqueia o principal receptor responsável pela entrada
de cálcio no neurônio secundário, que é o NMDA. Ela é muito útil para dor aguda. Ela pode
causar algum grau de sialorréia, mas é benigno, de hipertensão arterial e taquicardia, por isso
tomar cuidado em pacientes hipertensos (mas pode ser usada em paciente chocado). O maior
problema dela são os efeitos dissociativos.

A peridural é quase imbatível na dor pós-operatória. Pode fazer uma peridural simples sem
cateter, mas aí fica limitado ao tempo de ação dos agentes. O ideal é sempre usar o cateter de
peridural, ligado em bomba de infusão, porque aí se programa a velocidade de infusão de
anestésico local, e aí o paciente pode ficar dias com esse cateter, e pode zerar a dor. Também
se prefere usar os anestésicos locais de long duração. E lembrar que a morfina espinhal,
mesmo em uso único, pode dar 18 a 20 horas de analgesia. A analgesia peridural contínua é
limitada, pois não pega cirurgias de cabeça e pescoço, membros superiores.

Existe a analgesia controlada pelo paciente (PCA). Ela pode ser tanto venosa (mais comum)
quanto peridural. A venosa é de morfina, e a peridural pode ser anestésico local sozinho ou
com morfina. Nessa bomba de PCA é programada a dose que o paciente vai receber (o mais
comum é iniciar com 1 a 2 mg por vez). O paciente aperta o botão quando acha necessário, e
será administrada a dose programada. Existe um intervalo mínimo programado de redose.
Num serviço de dor aguda tem que fazer busca ativa. É preciso perguntar ao paciente se ele
sente dor e pedir que ele quantifique. De acordo com essas informações ir ajustando o PCA. O
que limita o uso de PCA é o custo.

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DOR CRÔNICA

A dor crônica é uma dor que persiste além do período de reparação tecidual, ou que se
associa a doenças naturalmente crônicas. Hoje em dia a dor é tratada como o quinto sinal vital,
e deve ser buscada ativamente. A dor neuropática é aquela dor por lesão ou compressão
nervosa, mais corretamente definida como lesão ou compressão do sistema somatossensorial.

Os antidepressivos são inibidores da recaptação de catecolaminas (adrenalina, noradrenalina,


serotonina, dopamina). Existe um aumento desses neurotransmissores na fenda sináptica. O
que mais interessa em termos de humor e dor é a serotonina (5HT). Vai haver um aumento
desse neurotransmissor, que vai se ligar à fibra pré-sináptica, hiperpolarizando a fibra,
diminuindo a exocitose dos neurotransmissores excitatórios, e de forma pós-sináptica,
hiperpolarizando a fibra com canais de cloro e de potássio, prevenindo a sua despolarização.
Os antidepressivos não são usados em dor aguda, somente em dor crônica, porque eles
demoram a fazer efeito (de 7 a 14 dias).

Os gabapentinóides (gabapentina e pregabalina) são antagonistas do canal de cálcio voltagem-


dependente. Quando o potencial de ação chega na fibra pré-sináptica, o cálcio está bloqueado
e há inibição pré-sináptica de exocitose dos neurotransmissortes excitatórios.

Os anestésicos locais (lidocaína em pomada ou gel passado no local da dor) agem bloqueando
canais de sódio.

Os opióides têm mecanismo de ação semelhante ao dos antidepressivos, porém os receptores


são diferentes e a potência também. Os opióides se ligam aos seus receptores na fibra pré-
sináptica, com hiperpolarização dessa fibra. Eles bloqueiam canais de cálcio, prevenindo a
despolarização e exocitose. Eles também se ligam a receptores pós-sinápticos, canais de cálcio
e cloro, impedindo a propagação do potencial de ação.
O baclofeno é um análogo sintético do GABA, que age como relaxante muscular. Ele diminiu
aquela dor reflexa com espasmo. Quando há uma aferência de fibra C ou Aδ, e ela faz ligação
com fibra motora, e na região dor acontece uma contração. É aí que o baclofeno age.

Os antidepressivos, gabapentinóides e anestésicos locais são de primeira linha no


tratamento da dor crônica, e os opióides de segunda linha.

Os antidepressivos são de primeira linha no tratamento da dor crônica neuropática. São os


tricíclicos e os inibidores seletivos de recaptação quase que exclusiva da serotonina, então vai
dar menos efeito colateral. Os tricíclicos são mais potentes. Então, se puder escolher, se o
paciente não tiver intolerância, deve-se dar o tricíclico. A amitriptilina é o mais barato, que o
SUS dá, e um dos mais potentes. Porém tem como efeitos colaterais arritmias (porque
aumenta a quantidade de adrenalina e noradrenalina também), boca seca, sedação (é bom
para melhorar insônia, os tricíclicos são sempre dados à noite), ganho de peso (é o maior
responsável pelo abandono do tratamento). A nortriptilina tem bem menos esses efeitos. Os
inibidores da recaptação de serotonina são bem mais caros: duloxetina (é a primeira linha na
neuropatia diabética, e é muito boa para lombalgias neuropáticas) e venlafaxina. Eles têm um
perfil de efeitos colaterais bem menor, são bem mais tolerados. Geralmente o que atrapalha a
adesão são as náuseas. Elas são mais caras e menos potentes. Por isso deve-se dar preferência
aos tricíclicos, se o paciente tolerar. Todos eles são dados em dose única diária, os tricíclicos à
noite e os inibidores seletivos pela manhã.
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Os gabapentinóides são muito bem tolerados. Os efeitos adversos são benignos. A maioria dos
pacientes reclama de um pouco de tonteira, e essa tonteira vai levando a tolerância. Elas
podem causar um pouco de sedação também, mas é menos e também causa tolerância. É a
gabapentina e a pregabalina. A gabapentina é menos potente e tem que ser tomada mais
vezes ao dia (8-8h), e a pregabalina é mais potente e pode ser tomada menos vezes ao dia (12-
12h ou dose única diária). A pregabalina é mais cara.

A lidocaína tópica pode ser em creme ou gel. Hoje existe também em adesivo com emplastro.
Só serve para dor neuropática periférica. O ideal, no caso do gel, é fazer um curativo oclusivo
para o anestésico ficar ali, e trocar 3 vezes ao dia. O máximo que pode dar é alergia ao
anestésico local, mas é raro.

Esses medicamentos de primeira linha são usados por no mínimo um mês. O opióide é
considerado de segunda linha por causa dos seus efeitos colaterais. Vai entrar com opióide na
falha dos medicamentos de primeira linha no primeiro mês, ou em algum momento se o
paciente tiver uma dor severa. No caso de dor severa começar com os medicamentos de
primeira linha junto com o opióide. Sempre vai usar o primeira linha de qualquer jeito. O
opióide fraco pode servir como medicamento inicial na dor moderada, como para intervalos
em caso de resgate. O único opióide fraco de via oral recomendado para dor neuropática no
Brasil é o tramadol. Ele dá muita náusea e vômitos na dor aguda, mas em dor crônica por via
oral ele é mais tolerado. Mas é para dor moderada. Se o paciente tiver dor severa (7 a 10 na
escala) vai entrar com opióide forte. A morfina comum de 10 mg o SUS dá. Só que ela tem uma
meia-vida curta, tem que dar de 4 em 4 horas. Ou então pode começar com a morfina de ação
lenta, de 30 mg, que pode ser dada de 12 em 12 horas. E existem outras medicações um pouco
melhores que a morfina, como a oxicodona. Ela é usada tanto para dor aguda quanto crônica.
Além dela ser um pouco mais potente que a morfina, ela leva menos a tolerância. Alguns
pacientes não respondem à morfina e respondem à oxicodona. O problema da oxicodona é o
preço. A metadona tem um perfil parecido com o da oxicodona, dá para fazer de 12 em 12
horas. A grande vantagem dela é que, semelhante à cetamina, ela é o único opióide que
bloqueia o receptor NMDA. Ela é muito boa para dor neuropática. Mas normalmente não se
inicia com ela, reservando para quando as outras drogas não trazerem boa resposta.
A receita de opióide deve ser de um mês só, para o paciente voltar para reavaliação. Supondo
que começou com a morfina de 10 mg de 4 em 4 horas, com uma dose total diária de 60 mg
para tirar a dor, e depois passa para a morfina de 30 mg de 12 em 12 horas, mantendo a
mesma dose. Esse é um princípio de dor crônica, começa com medicação de liberação curta e
depois passa para a liberação longa. E tem que ter medicação de resgate, para caso o paciente
sinta dor nos intervalos de 12 horas. Ele vai tomar a morfina de liberação curta nesse caso. Se
a dor for melhorando, pode passar para um opióide fraco (tramadol).

Existem os opióides de formulação transdérmica. O fentanil de liberação longa, que troca o


curativo a cada 72 horas, pode substituir morfina, oxicodona, metadona. Mas ele só deve ser
usado pelo paciente que já está em uso de opióide. Existe ainda a buprenorfina, e ela é muito
cara. Ela tem que ser trocada a cada 7 dias, e pode ser dada a paciente virgem de opióide.
Lembrar de sempre deixar medicação de resgate, porque essas drogas demoram a começar o
efeito, pois têm que ultrapassar a pele íntegra.

Existem 2 fenômenos que o paciente em uso de opióide pode ter que lidar. A tolerância é
certa, e a dependência é mais rara. Tolerância ou taquifilaxia é a necessidade do aumento
progressivo de dose para obter o mesmo efeito clínico desejado. O principal mecanismo é a
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dessensibilização do receptor de opióide, o receptor passa a responder menos ao seu agonista
por exposição crônica, e por isso deve-se aumentar progressivamente as doses. O outro
mecanismo é a ativação do receptor NMDA. Se o paciente tem dor e tem ativação o receptor
NMDA ele faz mais tolerância ao opióide. Por isso a metadona é interessante em pacientes
tolerantes ao opióide. O ideal é rodiziar os medicamentos, pois há menor tolerância cruzada.
Ou seja, se o paciente está usando um opióide e vai se tornando tolerante, se começa a ter
que aumentar a dose, é melhor trocar o opióide (de morfina para oxicodona por exemplo, ou
para formulação transdérmica, e nada impede de depois voltar).

A depressão respiratória, sedação e náuseas, efeitos adversos dos opióides, também levam a
tolerância, ou seja, esses efeitos passam a ser menos importantes com o tempo. Mas a
constipação não. Todo paciente em uso de opióide é constipado, e deve fazer uso de laxativo e
dietas laxativas. São pacientes cronicamente constipados.

Outro fenômeno é a dependência, que é muito menos comum do que se imagina. A


dependência é um estado de adaptação à droga, e na medida em que ele fica longe da droga
ele tem a síndrome de abstinência. O paciente em abstinência tem taquicardia, hipertensão,
hiperatividade simpática, e pode chegar a ter convulsão, que podem aparecer com a redução
da dose, suspensão abrupta ou uso de antagonista (por isso nunca tratar a dependência com
naloxona, vai tratar com benzodiazepínico ou propofol). A dependência começa com a
tolerância. Para desmamar o paciente dependente, usa sempre a metadona (por isso deixa ela
por último). Ela é a que tem a liberação mais longa, a meia-vida mais longa, e ela tem ação
como antagonista NMDA. Usar benzodiazepínico sempre para reduzir a ansiedade, prevenir
crises. Ir diminuindo as doses de metadona até retirá-la. Se tiver síndrome de abstinência tem
que reintroduzir.

A dor oncológica às vezes é a primeira manifestação do câncer. Ela é mais frequente em


regiões inervadas (componente neuropático é dominante, por compressão de nervo, plexo,
medula). O tratamento da dor será com antidepressivos tricíclicos, gabapentinóides, lidocaína
tópica (se for dor periférica), e na segunda linha tramadol na dor moderada e opióides fortes
na dor severa. Essa é a base de todo o tratamento de dor neuropática.

No caso de espasticidade, se tiver contratura muscular no local da dor, usar o baclofeno (VO).
É uma droga muito bem tolerada. A ciclobenzaprina é mais barata, mas tem mais efeitos
colaterais (sedação). Benzodiazepínico tem ação miorrelaxante, mas é a última linha. Às vezes
tem que usar no paciente que tem um grau de ansiedade muito grande, ou tem síndrome de
abstinência.

Todo paciente internado com dor oncológica de difícil tratamento por via oral, e essa dor é de
membro inferior, pelve, abdome ou tórax, sempre cabe cateter de peridural contínua, com
anestésico de longa duração mais morfina.

A síndrome complexa dolorosa regional tem 2 tipos: tipo I (distrofia simpático-reflexa) e tipo II
(causalgia). É uma síndrome multifatorial. O principal mecanismo proposto é de uma dor
mediada pelo simpático. O paciente tem uma sensibilização central, envolvendo neurônio de
primeira e segunda ordem. A partir de traumas repetidos ou ocultos de membros superiores (é
mais comum em mulheres em membros superiores, mas pode acontecer em membros
inferiores também, como fratura mal tratada, ou um paciente com movimentos repetidos, o

paciente tem uma lesão em fibras C e Aδ. O caminho da dor não segue somente o caminho
tálamo-cortical. Há aquele famoso arco reflexo, das fibras sensitivas fazendo sinapse direta

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com neurônio eferente para gânglio simpático. O paciente faz um trauma de membro superior
e tem uma exacerbação da inervação simpática naquela membro com isquemia daquele local.
É uma lesão repetitiva que faz um
arco reflexo com neurônio
simpático. O gatilho para o paciente
ter dor é qualquer coisa que
aumente o tônus simpático. Está
ligado a ansiedade, por exemplo.
Ou então o que cause
vasoconstrição, como o frio. Ou
mesmo o toque (alodínia, que é a
dor a estímulos não dolorosos). O
diagnóstico é essencialmente
clínico. A distrofia simpático-reflexa
não se consegue saber o fator
desencadeante, e não existe lesão
neurológica ou neuropática
envolvida. Já na causalgia se
consegue chegar a um diagnóstico
de lesão neurológica. A dor
geralmente acomete extremidade.
Pela isquemia, diminui o retorno
venoso e há edema. E pela dor há
impotência funcional, diminuindo a
mobilidade, que pode levar a
distrofia e até atrofia. Esse paciente tem a mão mais fria, e chegam a recuar a mão quando vai
se encostar neles, tamanha a alodínia em certos casos. Esse paciente tem que ser reabilitado.
Existe um componente inflamatório grande. Além disso, deve existir susceptibilidade genética,
que parece ser dominante.

O tratamento dessa síndrome segue o mesmo esquema, com antidepressivos,


gabapentinóides, tramadol ou opióides fortes, lidocaína tópica. Além disso, existe outro creme
que é o creme de capsaicina, feito da pimenta do tipo chili. O ideal é fazer um bloqueio ou
introduzir a lidocaína para depois entrar com o creme de capsaicina. A capsaicina parece agir,
no local onde é administrada, por esgotamento de substância P. Ela causa uma ardência e
depois esgota a substância P. A que funciona melhor é a mais concentrada, a 8%, que causa
maior ardência, mas melhora mais a dor. O ideal é passar primeiro a lidocaína e depois usar a
capsaicina. Na fase aguda, o paciente com dor lancinante, se tem um processo inflamatório,
vale a pena uma pulsoterapia rápida com corticóide. E é preciso fazer fisioterapia para
reabilitação do membro.
Em termos de intervenção, pode-se fazer o bloqueio do gânglio estrelado, que é a junção do
gânglio cervical inferior com o primeiro gânglio torácico. Ele é responsável pela inervação
simpática do membro superior. É uma denervação simpática do membro com anestésico local.
Palpa-se o processo transverso de C6, que fica no nível da cartilagem cricóide. Toca com a
agulha no processo transverso de C6. É um bloqueio por difusão do anestésico. Vai usar
anestésico local mais clonidina. A clonidina é um α-2 agonista, que tem uma ação
simpatolítica. Ela vai diminuir a ação do simpático naquele membro. Esse bloqueio costuma

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amenizar a dor mesmo depois do efeito do anestésico local e clonidina. Quando o paciente
está com dor aguda pode ir fazendo a cada 3 a 4 dias. Depois vai espaçando, até parar com os
bloqueios. É uma das principais formas terapêuticas de tratar a síndrome complexa. Uma
forma de saber que houve bloqueio
eficaz é melhora da dor e síndrome
de Horner, porque pega a inervação
simpática da face também. Depois do
bloqueio do gânglio estrelado fica
mais fácil passar a capsaicina.

A síndrome dolorosa miofascial é a


única síndrome das citadas que não é
neuropática, ela é musculo-
esquelética. Ela é muito comum em
ambulatório de dor. Ela é uma dor
muscular causada por espasmo ou
contratura da musculatura. É devida a
traumas ou microtraumas de
repetição. Pode ser por carga ou
esforço repetitivo de cintura
escapular ou cintura pélvica, por. O
músculo vai sofrendo microlesões, e
lesões dentro do miócito permitem a saída do cálcio do retículo sarcoplasmático para o
sarcoplasma, e vai haver contração muscular naquele local. É patognomônico pela evidência
de nódulos palpáveis, de tamanhos distintos,
que podem ser arredondados ou bandas
musculares. É uma região contraída que se
chamam pontos-gatilho de dor ou trigger
points. Aquela contratura vai isquemiar
aquela região. É uma região de contratura e
isquemia que forma um nódulo. Quando se
palpa na musculatura esse nódulo e aperta,
o indivíduo vai ter uma dor intensa com
irradiação local. Isso é patognomônico.

O tratamento é teoricamente simples, mas


às vezes eles voltam. É feito através de agulhamento. Apesar de não ser dor neuropática pode
usar antidepressivo e gabapentinóide, porque eles têm ação analgésica. Miorrelaxante é
obrigatório, porque está se lidando com região de contratura. Pode ser o baclofeno ou
ciclobenzaprina. Uma terapia altamente eficaz e muito fácil é a infiltração dos pontos-gatilhos
com 2 ml de anestésico local (lidocaína ou bupivacaína).

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Na hora de agulhar dói, mas a tendência é que a dor se dissipe. Faz a injeção com a agulha de
insulina. É a chamada infiltração dos pontos-gatilho com anestésico local. Além disso é
importante fisioterapia (para alongamento) e massoterapia (a massoterapia desfaz esses
nódulos ou bandas).

A dor lombar não oncológica mais comum é postural, contratura ou distensão de musculatura
paravertebral. É uma dor aguda e totalmente benigna. Ela pode cronificar. E aí entra com
antidepressivo, tem que fazer miorrelaxante. Se palpar nódulo miofascial em musculatura
paravertebral tem que infiltrar com anestésico local. Tirando a dor, tem que fazer
alongamento, reeducação postural, fisioterapia. O TENS é a neuroestimulação elétrica
transcutânea. O TENS é primeira linha em lombalgia. O princípio é dar estímulo elétrico,
potencialmente álgico, de choques repetitivos por eletrodos. Esses choques vão estimular
fibras que vão passar pelo locus ceruleus, substância cinzenta periaquedutal e núcleo da rafe
magna, e vão estimular a liberação de opióides endógenos e do fascículo descendente
dorsolateral a liberar GABA e glicina naquele local, ou seja, estimular o portal da dor de
Melzac.
O paciente com algum tipo de hérnia discal, o mais comum é a protusão do disco, por uma
degeneração do anel fibroso e consequente herniação do núcleo pulposo. A hérnia comprime
uma raiz espinhal, e o paciente tem uma lombociatalgia. O diagnóstico é essencialmente de
imagem. Para tratar, pode usar anestesia peridural naquela região com anestésico local de
longa duração e corticóide de depósito. Pode usar antidepressivo, gabapentinóide,
miorrelaxante, pode entrar com opióide se a dor for intensa. Mas se faz sessões de anestesia
peridural com anestésico local e corticóide de depósito. O TENS é altamente indicado para
qualquer tipo de lombalgia.

Um quadro agudo de herpes zoster é a reativação do vírus varicela zoster no gânglio dorsal da
raiz espinhal, com rash vesicular na maioria das vezes restrito a um metâmero (em 20% dos
casos pega metâmeros adjacentes). É uma doença muito mais comum no idoso, mas pode
surgir em qualquer situação de imunossupressão. Esse vírus tende a lesar o gânglio da raiz
dorsal e, como tal, é uma dor neuropática. O herpes zoster é a fase aguda, e deve ser tratado
desa forma. Geralmente se usa aciclovir. A fase crônica é a neuralgia pós-herpética. É depois
que passa a fase aguda, desaparece o rash. É uma dor radicular, mesmo pós a resolução do
quadro agudo e do rash. Tem incidência de 20 a 50% após o herpes zoster. Para ter neuralgia
pós-herpética tem que ter tido dor na fase aguda. A prevenção da neuralgia pós-herpética é o
tratamento da fase aguda. Se for feito o diagnóstico e tratamento precoce, diminui muito a
chance de fazer neuralgia pós-herpética. No entanto, se esse quadro não for bem tratado e
tiver dor, a chance de ter neuralgia pós-herpética é maior. Ela aparece de 25 a 30 dias após a
fase aguda, sem nenhuma manifestação cutânea associada. Os metâmeros mais acometidos
são os torácicos e o ramo oftálmico do trigêmeo.
Para tratar a neuralgia pós-herpética, primeiro tem que tratar adequadamente a fase aguda. E
na neuralgia, pode usar antidepressivo, gabapentinóide, opióides. Aqui cabe muito usar
lidocaína creme, ou capsaicina, porque é uma dor periférica. Existe ainda, de terceira linha, um
creme de amitriptilina com cetamina (primeira linha é lidocaína, segunda capsaicina). A
fisioterapia também é fundamental. Novamente, pode fazer os bloqueios peridurais. Os
bloqueios peridurais com anestésico local de longa duração podem ser feitos na fase aguda.
Na fase pós-herpética, associar corticóide de depósito (não pode fazer corticóide no vírus

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reativo, porque vai imunossuprimir, e fica mais difícil de tratar). Na fase pós-herpética não
tem mais o vírus, mas só aquela raiz danificada, machucada.

A dor do membro amputado tem em sua gênese a sensibilização central com memória de dor
daquele membro. A representação cortical do membro amputado continua lá. Os cotos de
nervo podem ter um componente neuropático, porque existe uma proliferação que cria um
neuroma, que pode gerar atividade elétrica espontânea. O paciente pode ter sensações de
posições bizarras do membro. A dor do membro amputado tende a desaparecer com o tempo.
O “fenômeno telescópico” é quando o paciente sente que a extremidade do membro vai

recuando até chegar no coto, e nesse momento a dor desaparece. A má notícia é que na fase
aguda é muito difícil de tratar. Não tem muito o que fazer, além do já citado: antidepressivos,
gabapentinóides, lidocaína tópica (é muito boa nos neuromas), vai ter que usar opióide forte,
talvez metadona. O TENS traz resposta boa. Existe uma fisioterapia que é a terapia do espelho,
que faz o paciente aceitar mais a ausência do membro e vai diminuindo dor. A utilização de
próteses também é importante. A prótese no coto o estimula e ajuda a melhorar a dor.
A acupuntura age através do agulhamento de alguns meridianos. Parece que isso leva a um
pequeno estímulo álgico, com limiar suficiente para ativar nociceptores, e à medida em que o
estímulo doloroso ascende, ativar aquelas regiões subcorticais (locus ceruleus, núcleo da rafe
magna e substância cinzenta periaquedutal), estimulando o fascículo inibitório descendente
lateral, que vai liberar GABA e glicina, hiperpolarizando o neurônio de segunda ordem. Essa é a
teoria do portal da dor de Melzac.

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