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ABSTRACT
This text aims to reflect on the potentialities, limits and challenges of
Community-Based Art Education actions, based on a case study: an action
research in cultural mediation, held in the comunidade do Tomé, Chapada do
Apodi, Ceará, in the year 2014. The region lives in a context of social
vulnerability, deepened by the establishment of agribusiness companies that has
been promoting a process of deterritorialization, with the fragmentation of
communities and the fading of community identity. We recognize that
Community-Based Art Education actions can generate a favorable cultural
environment for the strengthening of cultural identity and a sense of community
solidarity.
Keywords: art education; rural community; action research; cultural mediation.
e Ensino em Arte. Possui Mestrado Profissional em Turismo (UECE), com dissertação sobre
festas populares, e graduação em Licenciatura em Música (UECE). E-mail:
lumacena@ifce.edu.br
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Volume IV
Introdução
Este trabalho apresenta uma pesquisa-ação em mediação
artística e cultural, realizada na comunidade do Tomé, Chapada do
Apodi, Ceará, entre os meses de fevereiro e dezembro de 2014, e tem
por objetivo refletir sobre potencialidades, limites e desafios de ações de
Arte/Educação Baseada na Comunidade (AEBC), a partir de um estudo
de caso.
A pesquisa-ação intentou promover o fortalecimento da
identidade cultural e do sentimento de solidariedade comunitária, a partir
de atividades de mediação artística e cultural, em uma comunidade rural
na Chapada do Apodi, pertencente aos municípios de Limoeiro do Norte
e Quixeré, região do Baixo Jaguaribe cearense, envolvida em conflito
ambiental com empresas do agronegócio de fruticultura irrigada que se
instalaram na região por volta do ano 2000.
Compreendemos que os modos de atuação do Estado – ao
promover a desapropriação de terras de trabalho para a implantação do
Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi (PIJA) e atrair empresas agrícolas, de
médio e grande porte, para a região – e das empresas – ao impor uma
prática produtiva baseada na monocultura, em grandes extensões de
terra, no uso de agrotóxicos e no trabalho assalariado – gerou um
processo de desterritorialização das comunidades da Chapada do Apodi,
com impactos sobre a organização familiar, a saúde da população, a
privação do acesso aos bens comuns indispensáveis à sobrevivência
(terra, água, etc.), a desestruturação dos modos de vida, além de violência
simbólica e física que tem sua maior expressão no assassinato do líder
comunitário José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé, no
ano de 2010 (RIGOTTO, 2011) (RIGOTTO; FREITAS, 2014) (LEÃO;
PINHEIRO, 2017).
Outros fatores que identificamos e que dialogam diretamente
com os objetivos da pesquisa-ação realizada na comunidade do Tomé se
refere a) ao esmaecimento de uma identidade comunitária (e suas formas
de expressão nas narrativas, no imaginário, nos modos de fazer e saber
da comunidade) e b) à fragmentação e aos conflitos internos da
comunidade, em parte causados pela divisão de pensamento dos
moradores operada pelas empresas, em parte pelos conflitos identitários,
principalmente, em consequência da migração de milhares de
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32O nome do movimento faz alusão à data de 21 de abril em que o líder comunitário Zé Maria do
Tomé foi brutalmente assassinado com mais de 20 tiros.
33Trecho do diário de campo de Fernando Antônio Fontenele Leão, fevereiro de 2014.
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35Enfatizamos que as duas outras moradoras, bem como outras/os moradoras/es que se
juntaram ao grupo, ofereceram grandes contribuições para a pesquisa-ação, e apenas não
iremos analisar seus aportes por carência de espaço neste trabalho.
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esses verso, gostava muito, e por aquilo ali nós fazia. Era difícil o
domingo pra não ter uma peçazinha. Vixe, aquilo eu ficava muito
feliz, eu me vestia de baiana, eu me vestia de princesa, eu me vestia
de borralheira, tudo quanto aquele verso tava falando. Eu tinha que
tá no meio. Não tinha perigo, não. Se eu não fosse, também
ninguém ia. Eu gostava, né. Mas aí, pronto. Hoje, em dia, você não
vê mais. É difícil. Esse colégio aí [aponta]... eu faço quase toda
semana... meus neto, os meninos dos colégio acolá, de vez em
quando eles chegam: - “D. Maria, faça uns versim pra mim, a
respeito disso assim, que a professora pediu...”. Ali, de repente eu
faço, eles passam a limpo, e pronto, eles tiram uma nota boa. Mas
tudo isso não podia ter dentro da sala de aula, né? Eu não tenho
vergonha, eu não me importava se o professor chegasse: - “Maria,
hoje vá dá uma ajuda a nós, contar uma história, ler um verso,
brincar com os menino um pouco...”. Mas, se não tem, eu é que não
vou chegar de gaiata: - “Mulher, eu vim contar uma história pros
teus alunos, hoje” (risos)36.
É patente o descontentamento de D. Maria com a falta de
interesse das pessoas pelas narrativas, pelos versos, pelos dramas
populares que já não mais eram ditos, lidos ou cantados naquela
comunidade. Em outros momentos da conversa, ela falou com
saudosismo de quando era dramista e representava por horas a fio, às
vezes, repetindo a mesma canção por diversas vezes, tamanho era o
interesse do público. Também responsabiliza, ao menos em parte, as
escolas que não conhecem e/ou não valorizam a cultura local.
Bastos (2005) aponta como importantes objetivos da AEBC
“(a) preparar professores para identificar, investigar e ensinar
criticamente formas de arte produzidas localmente; e (b) educar
estudantes a interpretar e apreciar a arte local” (p. 229).
Precisávamos ir às escolas, conversar com as professoras,
compreender a realidade da educação na comunidade. Um mês após o
encontro com D. Maria, conseguimos reunir um grupo de nove
professoras de arte, das escolas da comunidade. Diz uma das professoras
que
(...) muitos alunos têm o dom da pintura, do desenho, dos versos, da
escrita, mas nós não sabemos resgatar desse aluno, porque nós não
tivemos aquela formação básica para buscar do aluno. (...) Eu não
sou formada em artes. Mas como o próprio Fundamental II requer
que a gente preencha algumas vagas, eu gosto de trabalhar com
artes, mas, às vezes, sinto dificuldade, porque não sei, porque não
sou formada, nós não temos formadores dentro dessa área, o que a
36Entrevista
I. D. Maria. [28 fevereiro 2014]. Entrevistador: Fernando Leão, Comunidade do
Tomé, casa de D. Maria, poetisa, Quixeré, 2014. Arquivo MP3.
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37Entrevista
II - 9 professoras de Artes da Educação Básica. [28 março 2014]. Entrevistador:
Fernando Leão, Comunidade do Tomé, salão paroquial, professoras, Quixeré, 2014. Arquivo
MP3.
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38Entrevista
III. D. Maria. [29 março 2014]. Entrevistador: Fernando Leão, Comunidade do Tomé,
casa de D. Maria, poetisa, Quixeré, 2014. Arquivo MP3.
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Considerações finais
Nossa pesquisa-ação em mediação artística e cultural, com base
na abordagem da AEBC, essencialmente política, envolvendo noções de
pertencimento histórico e de comunidade, criou um ambiente cultural
favorável para a aquisição de novos conhecimentos, a reformulação de
hábitos culturais, a promoção de uma atitude crítica e criativa diante da
realidade. E, além disso, a) registrou, valorizou e estimulou produções
artístico-culturais locais; b) apresentou informações com conteúdos da
arte e da educação; c) possibilitou o acesso a expressões artísticas em
linguagens como a do teatro, da música, da performance, da literatura;
d) promoveu diálogos interculturais entre as representações do que foi
apresentado e as representações dos moradores da comunidade, a partir
de técnicas de mediação, incluindo observações, comparações,
questionamentos; e) oportunizou momentos de entretenimento, de lazer,
de alegria, de festa.
Em relação aos números, realizamos 06 Noites Culturais
(programações culturais), com um total de 25 apresentações artísticas,
envolvendo mais de 100 artistas e 1.200 pessoas da comunidade (média
de 200 pessoas, por programação); 03 oficinas de arte/educação, com a
participação de 13 arte/educadores e uma média de 150 crianças e
adolescentes; 01 oficina de formação em Contação de Histórias,
beneficiando 38 profissionais da Educação Básica do município de
Quixeré; 01 exposição fotográfica com imagens das programações
culturais realizadas, com visitação média de 150 pessoas.
Nossa abordagem da AEBC mostrou-se completamente
consonante com a proposta freireana para quem
Quanto mais o povo dominado se mobiliza dentro de sua cultura,
mais ele se une, cresce e sonha – sonhar é também parte da cultura –
e está envolvido com o ato de conhecer. A fantasia, na verdade,
antecipa o saber de amanhã. Eu não sei por que tanta gente faz
pouco da fantasia no ato de conhecer. De qualquer maneira, todos
esses atos constituem a cultura dominada que quer se libertar
(FREIRE, 2014, p. 75).
Assim, se a proposta, desde o início, era desenvolver uma ação
política na direção da liberdade, estamos certos de que isso aconteceu.
Sem denúncia, sem dedo em riste, sem os estereótipos que imputam à
arte ou à educação dita engajada. De outro modo, nossa ação amorosa,
fundada no diálogo, na co-criação, na certeza de que a esperança gesta a
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