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Mecanismos de Metástase e Angiogênese

Marco Antonio Arap


Renata Pasqualini
Wadih Arap

INTRODUÇÃO mento do volume do tumor, e a capacidade de invasão de te-


cidos adjacentes e a distância (esta última denominada mc-
O termo câncer compreende uma vasta coleção de pato- tástase). Todos os eventos que envolvem a gênese, o desen-
logias com comportamentos di versos que dependem de vá- volvimento e crescime.nto dos tumores e a sua capacidade de
rios fatores como sítio primário, condição clínica e imunoló- invasão local e a distância ocorrem simultaneamente e são
gica do paciente e histologia do tumor, entre outros. Uma vez interl igados por complexos mecanismos moleculares, muitos
estabelec ido o diagnóstico de câncer, torna-se imperati vo o ainda por serem esclarecidos. Portanto, para o desenvol vi-
estadiamento e a caracterização histopatológica do tumor, mento de terapias anticâncer mais eficazes, tanto para a doen-
uma vez que o tratamento e o prognóstico irão depender di- ça localizada quanto para a doença metastática, faz-se neces-
retamente desses fatores . sário um melhor entendimento dos mecanismos mQleculares
Alterações no genoma de uma específica população ce- que regulam a biologia dos tumores.
lular resultam em defeitos nos diversos mecanismos de con- Aqui, descrevemos os mecanismos da angiogênese e da
trole da homeostase celular. Devido à complexidade dessa formação de metástases, dois dos eventos que mais caracte-
regulação, não é surpreendente que oncogenes e genes su- rizam os tumores malignos. Esses dois fenômenos estão di-
pressores sejam descritos para quase todos os circ uitos retamente relacionados e serão discutidos separadamente,
regulatórios do ciclo celular. como apoptose (ex. TP53, BCL- apenas com o objetivo de facilitar o entendimento.
2 e BAX) , comunicação celular (ex. caderi nas e integrinas),
estabilidade genética (ex. telomerase) e resposta inflamatória ANGIOGÊNESE
(ex. ciclo-oxigenase 2). Essas alterações genéticas resultam.
em última instância, na formação de um microambiente tu mo- H ISTÓRICO
ral e peritumoral, cujo funcionamento é dependente da cons-
tante comunicação celular parácrina e autócri na (inter e intra- O desenvolvimento e a proliferação das células durante
celular, respectivamente). o crescimento normal e fisiológico dependem diretafuente do
Apesar dos recentes avanços nas várias áreas do conhe- adequado suprimento de oxigênio e de fatores de crescimen-
cimento que envolvem o diagnóstico e o tratamento de tumo- to, além da retirada de resíduos tóxicos que poderiam com-
res malignos. a terapia anticâncer convencional ainda baseia- prometer a sobrevida celular. Já em 1955, Tomlison verificou
se, principalmente, na possibilidade de ressecção cirúrgica e que a difusão radial do oxigênio em tecidos sólidos ocorre
na eficácia das diversas modalidades de tratamento adj uvante em apenas 150 a 2ÜÜJ..lm a partir dos capilares. Sem adequa-
e neo-adjuvante, que variam de acordo com cada tipo de tu- do suprimento vascular, além desse limite ocorre a morte ce-
mor. O microambiente tumoral também influencia significati- lular5. Da mesma follT!a que na organogênese e em situações
vamente a resposta das células ao tratamento, portanto de- de anabolismo fisiológico, por exemplo, durante o processo
termina diretamente a eficácia da terapia antitumoraJI 2• da cicatrização, a expansão tumoral depende.da proliferação
Duas das principais características dos tumores malignos de vasos e capilares, conhecida como angiogênese. Desde
são a capacidade de divisão celular, que resulta num cresci- meados da década de 1940, quando Coman e Sheldon 7 espe-

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cularam sobre a proliferação celular a pat1ir da observação de pericitos e o endotélio tumoraF9 e a expressão significati va ele
hiperemia ao redor de tumores implantados em camundon- marcadores que são inex istentes ou quase indetectáveis no
gos, a angiogênese tem sido ativamente estudada por vári- endotélio de vasos sanguíneos nonnais 33·J 1, como av-integri-
os grupos. Um dos primeiros estudos, realizado em melano- nasJ·5 e receptores para certos fatores de crescimento". Es-
mas, permitiu a classificação da vascularização em dois prin- sas diferenças fazem com que: I) o interstício tumoral seja
cipais tipos de vasos: os que supriam apenas a periferia do mais acess ível a tnoléculas e células ci rculantes e 2) o cnclo-
· tumor, associados à freqüente necrose central observada em télio tu moral possa ser-usado como alvo parã terapi a tumor-
tumores de crescimento rápido, e vasos que pareciam pene- específica.l·1931 . De fato, novas modalidades de tratamento
trar a intimidade do tumor, responsáveis pela real vasculari- anticâncer, dirigidas de acordo com as características mole ~
zação da intim idade do tumor. Posteriormente, a análise de- culares expressas nas células tumorais e em seu endotélio,
talhada da ul tra-estrutura revelou a existência de três tipos foram avaliadas em modelos animais, a ]XIl1ir da utilização ela
principais de vasos: os derivados de capilares, com paredes tecno logia de apresentação de bacteriófagos (P//(fge
delgadas; os sinusóides, desti tuídos de endotélio e recober- disp/ay) .
tos por células tu morais, e finalmente v:1sos maduros, de apa- Bacteriófagos (ou simplesmente fagos) pertencem a um
rência normaiJ7 grupo de vírus bacterianos com fi ta única ele DNA envol ta
A partir do início da década de 1970, quando a direta re- dentro ele um longo capsídeo protéico cilíndrico (Fig. 9.1). A
lação entre angiogênese e crescimento tu moral foi propos- classe Ff de f:1gos é a mais estudada e os fagos pertencen-
ta 15·16, muitos trabalhos confirmaram a angiogênese como tes a essa classe utilizam a ponta do pilo como receptor, por-
condição fundamental para o crescimento tanto do tumor pri- tanto infectam especificamente E. coli que contém o plasmí-
mário quanto das metástases dele originadas. Em 1974, Liotta deo F. Bacteriófagos não promovem a morte da bactéria hos-
e coi.~J concl uíram que o desprendi mento, a embolização e a pedeira, e durante a infecção ocorre a replicação ela fita de
dissemi nação celula res são eventos subseqüentes à vasc u- DNA vira!, resultando na formação de uma nova fi ta ún ica de
larização do tumor primá1io. Estudos mais recentes relaciona- DNA.
ram a mielossupressão decorrente de quimioterápicos como A tecnologia de apresenwção de fagos foi descrita em
a doxorrubicina à supressão da angiogênese 36, suportando o 1985 41 e inicial mente desenvolvida para o mapeamento de sí-
conceito de que tumores usufruem de mecanismos homeos- tios de ligação de anticorpos através do estudo da interação
táticos para o próprio desenvolvimento. de bibliotecas de fagos que expressam peptídeos randomiza-
O conhecimento sobre a fi siopatologia e os mecanismos dos com imunoglobulinas i mobil izad:1s~ . Essa tecnologia tor-
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da angiogênese tem, portanto, avançado muito durante as nou-se uma potente ferramenta par:1 o estudo de interações
últimas seis décadas. No entanto, importantes questões ain- protéicas-19·J 1e é comumente utilizada para a seleção de pep-
da permanecem sem resposta, como por exemplo estágios na tídeos, anticorpos e proteínas recombina ntes capazes de li-
evolução dos neovasos que poderiam ser utilizados como al- gação específica in vitro31 . Uma de suas grandes vantagens
vos em terapias anticâncer. é a capacid:1de de detectar a dispon ibilidade de receptores
nos tecidos não só baseando-se em sua expressão, como
MECANISMOS MOLECULARES DA ANGIOGÊNESE t:1mbém nà·acessibil id:1de a um probe circulante. A constru-
ção da bi bl ioteca de fagos consiste na fusão e expressão de
O processo da angiogênese inicia-se com a formação de polipeptídeos randomizaclos na proteína de superfície piii
brotos originados de células endoteliais de microvasos capi- de bacteriófagos filamentosos M 13. Bibli otecas com enor-
lares que proliferam, migram e penetram o estroma do tecido, me variedade ele permutações (até 109 polipeptídeos) podem
em geral na direção da fonte originári a das moléculas deter- ser expressas na superfície das partículas ele fago, permi -
minantes do processo. Posteriormente, os brotos capilares se tindo o estudo de interações específicas entre esses pep-
desenvolvem e se transformam em capilares madurosL'. A in- tídeos e seus receptores em cul tura de célul:1s e tecidos in
dução da angiogênese é mediada por inúmeros fatores pro- vitro. O estudo do painel consiste basicamente nos seguin-
venientes ta nto de células tu morais quanto não tumorais, tes passos:
como, por exemplo, células endoteliaisu, linfócitos-T26 , mas- exposição ela bibl ioteca ele fagos-peptídeos à proteí-
tócitosJ0, macrófagos 35 ·H e suas citocinas21. Muitos fatores na em questão;
derivados dessas e de outras células são conhecidos, como remoção dos fagos não ligados;
o fator de necrose tumoral a (TNF-a.), a interleucina 8 (IL-8), recuperação e propagação dos fagos ligados através
endotelinas, angiotropinas e moléculas pertencentes à famí- da infecção bacteri:1na;
lia dos fatores de crescimento de fibroblastos (FGF), dos fato- sucessivos rounds são normal mente re:1lizados para a
res de crescimento epidérmico (EGF), dos fatores de crescimen- obtenção da seleção ele peptídeos que se ligam à pro-
to de endotélio vascular (VEGF) e dos fatores de crescimento teína em questão.
endotelial derivadQ de plaquetas (PDGF), entre outros. A utilização in vivo dessa tecnologia foi inicialmente des-
Algumas das características mais importantes dos vaso?. crita em 1996.1-l, quando peptídeos com afinidade seletiva pelo
formados na angiogênese tumoral, diferentes ·da vasculatu- endotélio do rim e do cérebro fora m identificados em· animais
ra resultante da angiogênese fis iológica do crescimento e da de experimentação. A seleção in vivo (Fig. 9.2) consiste in i-
cicatrização são: a presença de um maior número de fenestra- cialmente na injeção endovenosa ela biblioteca de f:1gos -no
ções intercelulares, a associação anormalmente fro uxa entre animal de experimentação (usualmente o camundongo), devi-

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Fig. 9.1 - Estrutura do bacteriófago. As proteinas que constituem o fago estão apontadas (setas). A proteina p/11 é o sítio mais co-
mum para a apresentação de peptídeos.

damente anestesiado. Os fagos devem permanecer circulan- veis que nele estão envolvidas. Apesar dessas dificuldades,
do por cinco a 10 minutos e o camundongo é então perfun- o método apresenta importames vantagens. Primeiro, peptí-
dido com solução salina tamponada com fosfato ou meio de deos expressos no fago são identificados através de avalia-
Dulbecco modificado (DMEM) através de cateter inserido no ção funcional, que deve ser específica e ultrapassar os me-
ventrículo esquerdo. Deve ser realizada secção completa da canismos naturais de degradação. Segundo, peptídeos que
veia cava inferior, para permitir a drenagem do líquido de per- reconhecem proteínas de superfície plasmáticas e/ou inespe-
fu são. Após a perfusão, os órgãos de interesse são recupe- cíficas são depletados do conjunto total de peptídeos. Final-
rados, pesados e homogeneizados. Após três lavagens com mente, a seleção in vivo de peptídeos mostrou ser capaz de
DMEM, os fagos que apresentaram ligação específica e não identificar receptores endoteliais expressos seletivamente em
foram retirados na lavagem são recuperados através de infec- tumores. Esses receptores, específicos do endotélio tumoral,
ção do homogeneizado com solução contendo E. co/i em podem servir como marcadores tumorais moleculares, alvos
fase de multiplicação logarítmica. Após a infecção, diluições para terapias dirigidas e até para o mapeamento da vascula-
seriadas da solução são pipetadas em placas de Petri , con- tura normal e tumoral.
tendo LB/agar e antibióticos apropriados. O resto da cultura
bacteriana permanece em incubadora por aproximadamente 12 TERAPIA ANTICÂNCER D IRIGIDA E ANGIOGÊNESE
horas (usualmente durante a noite). No dia segui nte, a quan-
tificação da afinidade dos fagos é realizada pela contagem Uma das maiores conquistas resu.ltantes da identificação
das colônias bacterianas nas placas de Petri em relação aos de marcadores endoteliais tumorais é o desenvolvimento de
órgãos de interesse. Os fagos são precipitados da cultu ra terapias anticâncer órgão-dirigidas. Dados recentes obtidos
bacteriana que permaneceu em crescimento e utilizados para em nosso laboratório têm mostrado vantagens na utilização
os sucessivos rounds da seleção in vivo. Geralmen te, três de compostos quiméricos, formados por peptídeos órgão-di-
rounds são suficientes para a seleção de fagos-órgão e tu- rigidos associados a peptídeos pró-apoptóticos ou compos-
mor-específicos, no entanto outros rounds podem ser reali- tos quimioterápicos, no tratamento de vários tipos de tumo-
zados. Após o enriquecimento desejado do conj unto de res e na ablação ou retardo do desenvolvimento tumoral em
fagos para um certo órgão ser obtido, aproximadamente 50 modelos animais. Na tentativa de desenvolver uma terapia
clones dos últimos dois rounds de selação são seqüencia- menos traumática a indivíduos portadores de patologias
dos. Essas seqüências são comparadas entre si para a iden- prostáticas, utilizamos peptídeos que apresentavam ligação
tificação de peptídeos semelhantes. Uma observação comum específi ca ao· endotélio vascular prostático no tratamento de
é que a mesma seqüência de tri peptídeos que apresenta a afi- camundo ngos transgênicos que desenvolve m tumores
nidade pelo órgão em questão aparece situada dentro de di- prostáticos malignos (adenocarcinomas) de forma espontâ-
ferentes fagos recuperados. A selelividade dos clones é en- nea (TRAMP). Após a seleção dos peptídeos através da tec-
tão validada pela comparação individual da sua capacidade nologia de apresentação de fagos, estudamos sua habilida-
de ligação a outros órgãos e também da ligação de um fago de em dirigir preferencialmente à próstata um composto bio-
que não contém peptídeo32 . logicamente ativo, capaz de induzir apoptose9 . O resultado foi
Esse estudo foi o primeiro passo na seleção e identifica- a destruição do parênquima prostático e o retardo no apare-
ção de marcadores endoteliais. Desde então, a identificação cimento dos tumores. no grupo de camundongos tratados
de pares receptores/ligantes foi descrita para vários tecidos com a quimera ativa'.
murinos, como rim, pulmões, pele, pâncreas, intestinos, úte- Em outro exemplo da utilização de marcadores molecula-
ro, adrenal, retina e músculos. O processo de seleção in vivo res de angiogênese na terapia anticâncer dirigida, utilizamos
traz consigo desafios devido à grande quantidade de variá- uma quimera formada pela ligação da droga anticâncer doxor-

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Recuperação dos lagos ·~

Lígação in vivo
dos lagos

Perfusão e/ou
lavagens

Vaso sanguíneo
Aumento da afinidade dos lagos

Fig. 9.2 - Caracterização do processo de seleção in vivo de fagos. Inicialmente, a biblioteca de fagos é injetada em veia da cauda do
camundongo. Após tempo preestabelecido de circulação, o órgão ou tecido em questão é coletado e os fagos ligados são recupera -
dos e amplificados através de infecção com E. coli em fase logarítmica de crescimento, sendo então novamente injetados, dando-se
início ao round seguinte da seleção.

rub ic ina ou de peptídeo pró-apo ptótico'J às seqüências apresentaram afi nidade pelo endotélio vascular de diferentes
CNGRC (cisteína-asparagina-glici.na-arginina-cisteína) e RGD- órgãos, numa distribuição não-randômica. Ainda mais, certos
4C (arginina-glicina-ácido aspártico envoltos num peptídeo peptídeos circulantes ligaram-se especificamente a recepto-
duplo-cíclico). identi ficadas a partir de uma biblioteca de res conhecidos do enc.lotélio vascular de órgãos dos quais os
fagos, no tratamento de tumores de mama implantados no te- peptídeos foram recuperados. Um dos exemplos de peptídeo
cido subcutâneo de camundongos. O composto apresentou que apresentou afinidade seleti va pelo endotélio vascular da
aumento na eficácia e redução na freqüência de efeitos cola-. próstata mostrou-se muito semelhante à interleuc.ina-11 (IL-
te ra i s;·~. 11 ) e atualmente está sendo estudado como possível ferra-
Alguns dos fatores de crescimento quase que exclusiva- menta no tratamento do adenocarcinoma de próstata.
mente expressos no endotélio vascular tumoral, como a O mapeamento do endotélio vascu lar oferece. portanto,
aminopeptidase NJJ. as metaloproteases de matriz46 e as inte- muitas aplicaç!3es clínicas em potencial, tanto para a tera-
gri nas a.v~3 e a.v~5 17 • participam também na regulação do pêutica anticâncer quanto para doenças benignas como a
processo da angiogênese 5•11• A aminopeptidase N (também hiperplasia prostática e a endometriose. Acredi tamos que
conhecida como CD 13) tem papel fundamental na angiogêne- em última instância poderá ser possível a realização de um
se. Ela mostrou-se presenre no endotélio vascular tumoral e perfi l molecular da vasculatura dos diversos órgãos em di-
indetectável em todas as outras estruturas endoteliais estu- ferentes condições e. se esse objeti vo for alcançado, visua-
dadas. Seus antagonistas suprimiram o desenvolvimento de lizamos uma nova modalidade de terapia-dirigida de doen-
tumores de mama em modelos animais e suprimiram a angio- ças, baseada no perfil vascular do endotélio do órgão ou
gênese num modelo experimental de neovascularização reti- tecido afetado.
niana induzida por hipóxia·;J_
Uma das maiores dificuldades na elaboração e implanta- METÁSTASE
ção de novas terapias anticâncer é a transição entre os estu-
dos em animais e o tratamento anticâncer de humanos. To- Dentre toda<> as características dos tumores malignos, tal-
dos os trabalhos até aqui descritos, que identificaram recep- vez a que mais influencie a evolução e o prognóstico da
tores no endotélio vascular através do uso da apresentação doença seja a presença de metástases. Definida como sendo
de fagos, foram realizados em modelos animais. A primeira a presença de células tumorais em outros tecidos do organis-
vez q~e essa tecnologia foi utilizada em humanos com o ob- mo que não-o sítio primário do tumor,_usualmente a presen-
jetivo de mapear o endotélio foi por nós descrita recentemen- ça de metástases envolve a circulação de células tu morais por
te!. Através da utilização da tecnologia de fagos em indiví- vasos linfáticos ou sanguíneos!4 . Para que células tumorais
duos com morte cerebral, verificamos que peptídeos circulan- sejam capazes de desenvolver-se numa me'lástase, elas de-
tes contendo mais de 47 mil seqüências de oligonucleotídeos vem sobreviver a uma série de interações com os mecanis-

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mos homeostáticos do hospedeiro que são potencialmente O padrão de envol vimento linfático de um tumor depen-
fatais. Portanto, não é surpreendente ser relativamente rara a de claramente da via de drenagem do órgão primário. Células
freqüência de metástases dentro do imenso uni verso de tu- malignas podem invadir canais linfáticos diretamente, podem
mores malignos descritos no ser humano. A aquisição das passar de vasos sanguíneos para linfáticos e vice-ve rsa,
características fenotípicas que permitem a invasão tecidual e mostrando que existe uma comunicação veno-linfáLica com-
a formação de metástases resulta da ativação ele genes pro- plexa nos linfonodos e ~ m outros tec idos '~.
motores e da inativação ele genes supressores de invasão te- Um dos exemplos mais clássicos de doença metàstática é
ciclual. Entretanto, a cápaciclacle de in vasão não é exclusiva o câncer de próstata. Há muito foi reconhecido que o sítio
ele células neoplásicas. Ela é também observada em células preferencial de formação de metástases no adenocarci noma
embrionárias e leucócitos, e o mecanismo utilizado é seme- de próstata são os ossos, principalmente ossos pélvicos c da
lhante em todos os casos. coluna vertebral. No entanto, o fator que determina essa pre-
Desde o início dos estudos sobre a evolução do câncer, ferência, ou seja, o fator que determina o local (órgão ou te-
o processo de formação das metástases foi dividido em fases cido) aonde células neoplásicas circulan tes vão se ader ir c
que são essenciais e interligadas em todos os tipos de tumo- proliferar, tanto no ade nocarcinoma de prós tata quanto em
rcs18. Inicialmente, a célula neoplásica deve se multiplicar c, outras neoplasias, não é conhecido. Em 1889, Pagct descre-
para isso, utiliza nutrientes provenientes do microambiente do veu a teoria de seed ond soi/ (semente e solo), e concluiu que
tecido onde está local izada. Esse processo ocorre por difu- as células neoplásicas (sementes) tinham uma afinidade es-
são c é suportado pelo conceito que tumores em desenvol- pecial por ambientes encontrados em órgãos e tecidos espe-
vimento podem utilizar mecanismos homeostáticos do hospe- cíficos (solo)'0 . É fácil imaginar que as células neoplásicas
deiro36. Entretanto, conforme discutido anteriormente, o oxi - circul antes não reconhecem moléculas e receptores no
gênio obtido por difusão alcança aproximadamente 15Üf1m e, interstício ou nas células do órgão-alvo, mas sim em seu en-
portanto, é capaz de suprir um tumor de até I ou 2mm de diâ- dotélio, nos pericitos ou ainda na membrana basal de seus
metro13. A partir daí, a angiogênese é necessária para a so- vasos sanguíneos ou linfáticos. Baseados nessa premissa,
brevivência das células e para o crescimento do tumor. O pas- acreditamos que o endotélio de cada órgão ou tecido tem re-
so seguinte na formação de metástases é o desprendimento ceptores, células e propriedades diferentes, seja ele tumoral
das células do tumor primário. Para isso, as células tumorais ou nãot. 2 • 3~·J • Ainda mais, uma vez que a angiogêncsc tu mo-
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dependem da regulação negativa de molécu las de coesão e ral difere da fisiológica, o endotélio tumoral apresenta um re-
adcsinas, como por exemplo as E-caderinas 22 ·-'~, e da capaci- pertório de moléculas e receptores diferentes dos encontra-
dade de motil idade celular. A motil idade celul ar é determi na- dos nos vasos do órgão de origem do tumor. Uma das dife-
da por alterações no citoesqueleto e por resposta a fatores renças entre o endotélio do órgão primário, do tumor c de
como trombopl astinas~9 e de automotilidade 10·~s. suas metástases é a expressão em diferentes níveis de molé-
Após a migração tec idual , as células devem entrar na cir- culas e receptores presentes no endotélio normal. Quando h;í
culação do hospedeiro. Uma vez que caem na circ ulação, a um aumento significativo da expressão de moléculas especí-
grande maioria padece em decorrência de vári os fatores, fi cas no tumor ou na metástase, existe o reconheci mento do
como sua deformabili dade, seu poder de agregação e molé- sistema imu ne que; em última análise, pode ser quanti fic;tclo
culas de adesão expressas em sua superfície. Além destes, pela concentração sérica de an ticorpos fo rmados contra essa
fatores do hospedeiro como macrófagos, plaquetas, cé lulas determinada molécula. Em publicação recente, mostramos que
Hatural killers e a própria turbulência do sangue di ficultam o repertório de anticorpos circulantes de pacientes com cân-
a sobrevivência das células neoplásicas na circulação. As cer de próstata pode ser caracterizad·o através da tecnologia
que sobrevivem devem aderir a receptores presentes nos pe- de fagos~s. Esses anticorpos, puri fi cados de pacientes com
ricitos ou nas células do endotélio e/ou a moléculas da mem- adenocarcinoma de próstata, foram reconhecidos de forma
brana basal do órgão-alvo, como as proteogl icanas e o colá- específica por peptídeos expressos nos fagos. A proteína que
geno tipo IVfi.s_ Em seguida, as células devem sair do vaso e desencadeou essa resposta foi reconhecida e está sendo es-
penetrar o parênquima do órgão-alvo. Entre as enzimas envol- tudada como marcador de doença avançada, já que se mos-
vidas na in vasão tecidual estão as metaloproteinases de ma- trou inversamente relacionada à sobrevi da dos pacientes 2x.
triz, produzidas por células neoplásicas e também por células Além di sso, poderá tornar-se alvo na utilização de terapias
do tecido conectivo6A 3 • Após a adesão e o extravasamento anticâncer dirigidas.
celular, deve ocorrer a proliferação celular para o desenvol- Após o tratamento de pacientes portadores de doença
vimento do tumor. Para isso, as células sofrem influência maligna, a recorrência tumoral é a questão mais importante.
autócrina, endócrina e parácrina de fatores de crescimento, Entretanto, em alguns casos é observada recorrência muitos
além de serem capazes de burlar os mecanismos de defesa do anos após o tratamento do tu mor primúrio. Acredita-se que
órgão-alvo. Uma vez que a metástase alcança o diâmetro l-i- células tumorais podem permanecer quiescentes e viáveis,
mite de difusão do oxigênio, inicia-se novamente o processo no entanto os mecanismos que determinam essa fase do ci-
de angiogênese da mesma forma que no tumor primário, dessa clo celular não são conhecidos. Uma das possíveis explica-
forma permitindo a sobrevivência e o crescimento da n'letás- çõe-s para a ocorrência de metástases longo tem po apos o
tasc. As células da metástase podem então sofrer processo tratamento do tumor primário é o envolvimento das células em
semelhante ao do tumor primário, dessa forma caracterizan- tecido conectivo, mantendo-as relati vamente pouco vascula-
do o que conhecemos por metástases de metástases. rizadas, permitindo a proteção contra os mecanismos ele de-

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fesa e contra os age ntes q u imioterápicos~ • Outra possível
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