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COMENTÁRIO TEOLÓGICO DO EVANGELHO DE MARCOS

Se chamamos a Jesus de Messias de Israel, percebemos que no início do seu relato (até 8.26)
Marcos economiza no uso do título Messias e de outras referências à pessoa de Jesus. Somente
algumas exceções são feitas nas indicações sobre o mistério da sua pessoa (2.10,17b,19,28). No mais,
o relato nessa primeira parte é marcada, pelo questionamento intrigante: “Quem é este, que realiza
esses poderosos feitos?” (4.41; 6.2,14 – 16).
Mas isso muda radicalmente com a pergunta de Jesus em Cesaréia de Filipe: “Mas vós, quem
dizeis que eu sou?” (8.29), que Pedro responde com a confissão: “Tu és o Cristo”. A partir daí Jesus
fala com os discípulos sobre a necessidade do seu sofrimento (8.31; 9.31; 10.33s) e da sua morte
expiatória (10.45). Ele permite que os seus discípulos mais íntimos participem da transfiguração (9.2 –
8), responde a questões sobre o profeta Elias, que virá outra vez (9.11 – 13), declara que ele mesmo é
o Cristo (9.41) e prepara a sua entrada triunfal em Jerusalém (11.1 – 11). Em Jerusalém, a questão da
sua autoridade e de sua reivindicação de ser o Messias continua a ter relevância (11.27 – 33; 12.1 –
12; 12.35 – 37; 13.26, 27, 32). Ela é colocada pelo sumo sacerdote no interrogatório diante do
sinédrio: “És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito?” Jesus responde com a declaração: “Eu sou, e
vereis o Filho do homem assentado à direita do Todo-poderoso e vindo com as nuvens do céu”
(14.61s). Com isso o mistério sobre a sua pessoa é revelado. Essa revelação também suscita a
oposição declarada, que resulta na sentença de morte.
Os outros escritores de evangelhos lidam de forma diferente com a questão do mistério sobre a
pessoa de Jesus. João coloca a proclamação de Jesus como o Filho de Deus no centro do seu
evangelho desde o início (Jo 1.14). A razão de Marcos ter escolhido outra forma certamente está
relacionada à questão: Qual é a relação entre o poder da mensagem e dos milagres de Jesus, e o seu
sofrimento e morte na cruz? O que causou a mudança de rumo? Onde exatamente surgiu o conflito?
Por que só em Jerusalém esse conflito chegou ao clímax?
Marcos relata que Jesus ordenava aos seus discípulos e às pessoas curadas por ele, que não
falassem dele. Até aos demônios ordenou que se calassem (1.34, 44; 3.11, 12; 5.43; 7.36; 8.26, 30;
9.9). Por outro lado, na intimidade Jesus falava aos seus discípulos sobre a sua missão (7.17s; 9.30s;
10.10); às vezes era necessário explicar-lhes as parábolas (4.10ss,34 b). Segundo o relato de Marcos,
ele fez todo o possível para proteger o mistério do Messias. Muitos estudiosos do NT argumentam
que essa não é uma forma teológica de se estruturar um evangelho. Mas o que Marcos queria era
documentar o que é imprescindível no relato sobre a vida de Jesus: Se Jesus quisesse realizar a
missão que o pai celestial lhe delegara — levar o reino de Deus às pessoas, ensinar os discípulos e
prepará-los para a sua missão — ele precisaria de tempo. Confessar precocemente que era o Messias
teria causado o fim imediato do seu ministério. Os romanos tinham ojeriza por esse tipo de
comportamento. Mesmo que em geral fossem tão tolerantes em questões religiosas, não toleravam a
reivindicação do poder por alguém outro que o imperador. Um “rei dos judeus” não iria muito longe.
Devemos a Marcos a representação tão dramática dessa situação na vida de Jesus. Os seus
leitores teriam a oportunidade de sentir esse drama e, dessa forma, entender melhor o mistério da
pessoa de Jesus. Ele não era nenhum libertador político e também não queria que as expectativas
pelo Messias, tão grandes naquela época, levassem o povo a aclamá-lo como tal (cf. Jo 6.15!). Ele
queria simplesmente cumprir a missão do seu Pai celestial, que era de entregar a sua vida como
pagamento por muitos (10.45). Dessa forma ele se tornou salvador de muitas pessoas.

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