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O ESCRITOR CENTENÁRIOS JORNAL DA UBE

A primeira edição de Os Sertões


O que ainda não se sabe
Adelino Brandão em 1909. O documento foi doado, posterior-
mente, à Academia Brasileira de Letras, onde
Quantos exemplares foram realmente im- o encontrou Aníbal Bragança, autor de um
pressos, da primeira edição de Os Sertões? trabalho de pós-graduação junto à USP (Es-
Durante muito tempo e até recentemente, cola de Comunicação e Artes, 1997).
essa foi uma pergunta sem resposta. Na cor- Como se sabe, até à terceira edição (1905),
respondência trocada entre Euclides da Cu- o livro de Euclides saiu sob a responsabili-
nha, seus amigos e parentes, não aparece dade da Gráfica Laemmert. A partir de 1911,
nenhuma informação. Pelas cartas enviadas passou a ser editado pela Francisco Alves.
pelo escritor ao pai, de Lorena (SP), onde Vejamos o texto do contrato celebrado en-
se encontrava, quando do lançamento do tre Euclides e a primeira editora, na parte
livro, ficamos sabendo do êxito da primeira que interessa aqui:
edição, esgotada em dois meses. Como ve- “Os abaixo-assinados contrataram a impres-
mos de uma carta datada dessa cidade, aos são do livro “Os Sertões” (Canudos), sob as
19-02-1903, em que, entre outras coisas seguintes condições:
comenta: Hontem, ... recebi uma carta do 1ª – O autor, Dr. Euclydes da Cunha, entre-
Laemmert declarando-me que é obrigado a ga aos editores Laemmert & Cia, os manus-
apressar a 2ª. edição, já em andamento, dos critos do seu livro “Os Sertões” para ser por
Sertões, para atender a pedidos que lhe che- eles editado.
gam até de Mato Grosso – e aos quais não 2ª – Os editores Laemmert & Cia. obrigam-
pode satisfazer por estar esgotada a 1ª ...” se a fazer uma edição nítida em papel igual
(Francisco Venâncio Filho: Euclides da Cu- ao livro “Sonhos”, e em número de mil e
nha a seus Amigos, p. 83). duzentos (1.200)exemplares).
3ª – O autor contribui com a quantia de
“Em cada página meu olhar fisga um conto e quinhentos mil réis
(R$1:500$000) para as despesas de impres-
um erro, um acento importuno, são, sendo metade no ato da assinatura d’este
uma vírgula vagabunda, um (;) contrato e o resto até 30 dias de abril de
1902, prazo em que deverá ficar pronta a
impertinente... Um horror! Quem obra.” ... Rio de Janeiro, etc.
sabe se isto não irá destruir todo O contrato tem a data de 17 de dezembro
o valor daquele pobre e de 1901, e está assinado por Euclides e a
editora. Como se verifica da cláusula tercei-
estremecido livro?...” ra, Os Sertões deveria estar pronto para ser
lançado até abril de 1902 – o que não acon-
teceu. Em carta de 10 de abril desse ano, ao
Noutras cartas, a amigos da Academia, na seu amigo Francisco Escobar (então em São
mesma época, Euclides refere-se à próxima José do Rio Pardo, SP. Euclides estava em
edição de Os Sertões, mas nada fala sobre a Lorena), o escritor comunica: “... meu livro
tiragem da primeira. Seus melhores biógra- vai muito regularmente. Ainda hoje respon- Antônio Conselheiro, óleo de Grover Chapman
fos tambëm nada esclarecem sobre o assun- di a carta do Laemmert, sobre o papel a em- nos dá as pistas, para concluirmos que Os impresso, não permitindo mais correções,
to. Olímpio de Souza Andrade (História e pregar. Tenho revisto algumas provas. Não Sertões não foi lançado em dezembro, nem como explicar que o autor e a editora ficas-
Interpretação de Os Sertões), por exemplo, estará pronto no fim deste, conforme con- em novembro, mas antes. Realmente, em car- sem inativos, esperando ainda dois meses
calculou em 6 mil exemplares o total da ti- trato” (Francisco Venâncio Filho, obra cit., ta a Escobar, datada de 19 de outubro de para o lançamento do “pobre e estremecido
ragem da primeira, segunda e terceira edi- p. 71-72). Em maio do mesmo ano, ainda 1902, diz o escritor: Tenho passado mal. livro?”. Não faz sentido. O lógico é concluir
ções, esgotadas em um ano e seis meses, em carta a Escobar, avisa Euclides: “Preten- Chamaste-me a atenção para vários descui- como o faz Aníbal Bragança (Revisões e pro-
isto é, de dezembro de 1902 a abril de 1904. do levar-te as primeiras páginas, já definiti- dos dos meus “Sertões”, fui lê-lo com mais vas – Notas para a história editorial de “Os
Mas os cálculos de Olímpio para a primeira vamente impressas, do meu livro...”; e em cuidado... e fiquei apavorado! Já não tenho Sertões”, S. Paulo, 1997), que já a 19 de
edição, estimada por ele em 2 mil exempla- 10 de agosto, comunica ao mesmo amigo: coragem de o abrir mais. Em cada página outubro Os Sertões estava lançado, à venda
res, não passam de suposições. O biógrafo “Venho do Rio, onde fui – celeremente, de meu olhar fisga um erro, um acento impor- nas livrarias e circulando. Para Olímpio de
de Euclides não dispunha de nenhum docu- um noturno a outro, – para conversar com o tuno, uma vírgula vagabunda, um (;) imper- Souza Andrade, não havia dúvida: Os Ser-
mento ou fonte idônea em que se apoiar. Laemmert e saber o dia em que, afinal, fica- tinente... Um horror! Quem sabe se isto não tões deve ter sido lançado entre os meses
Assim como Olímpio, Francisco Venâncio Fi- rá pronto o meu encaiporado livro...”. (F.V.F., irá destruir todo o valor daquele pobre e es- de agosto e outubro, “e não em dezembro,
lho (Glória de Euclides da Cunha) e Sílvio idem, p. 73-74). Em 3 de outubro do mes- tremecido livro?...” (F. V. F., obra cit., p. como se tem afirmado” e vem sendo come-
Rabelo (Euclides da Cunha – biografia) são mo ano, Euclides volta a tratar do assunto 78). morado (História e Interpretação de “Os Ser-
igualmente silentes. O que teria levado, de- com Escobar, contando que tinha ido ao Rio Ora, se naquela altura o livro já estava tões”, p.262).#
pois, Walnice Nogueira Galvão a afirmar: “Os de Janeiro, a fim de conversar com os edi-
dados a respeito de tiragens e preços das tores, “sobre o livro que estará pronto no
primeiras edições de Os Sertões são
inexistentes, entrando no quadro geral das
fim deste (ano)”. Como, de fato, sucedeu.
Mas, em que mês? Em que dia?
Livro atinge maturidade centenária
calamidades que assolaram o conhecimento Diferente do que sucedeu em relação ao Francisco Marins
No 101 - Dezembro/2002 - Pág. 8 !

possível das condições materiais de publi- número de exemplares e preço da edição,


cação de livros em nosso país”(Os Sertões. até o momento ainda não apareceu um do- O livro Os Sertões, considerado clássico, no dizer da crítica, teria para a literatura
Ed. Crítica, 1998, p. 523). cumento, uma testemunha, uma prova ca- brasileira a mesma importância de Os Lusíadas para a nacionalidade portuguesa, o Dom
A operosa pesquisadora euclidiana enga- paz de nos garantir a data exata do lança- Quixote para os espanhóis, a Divina Comédia para os italianos, o Paraíso Perdido para os
nou-se. Não somente os dados sobre a tira- mento de Os Sertões. Fiada numa tradição e ingleses, o Fausto para os alemães, O Facundo Quiroga para os argentinos. Isto sem
gem da primeira edição de Os Sertões exis- com base apenas na data de publicação do nos referirmos às epopéias do mundo antigo – à Ilíada, à Odisséia dos gregos e à Eneida
tem, como os sobre o valor correto do con- artigo de José Veríssimo, que saudou o apa- virgiliana. Um dos nossos críticos propõe-lhe o termo crioulo: “Canudosséia”!
trato firmado entre o autor e a editora. A recimento do novo livro em crítica estam- Os Sertões alcançam a maturidade centenária, o que constitui um fenômeno raro
primeira edição, bancada, em parte por pada no Correio da Manhã (Rio de Janeiro, 3 entre nós, como a mais importante mensagem social da inteligência brasileira, com
Euclides, custou-lhe 1:500$000 (um conto e de dezembro de 1902), a Casa de Cultura inexcedível contributo à língua portuguesa, pois, sem fugir aos padrões gramaticais e
quinhentos mil réis, moeda da época). O con- Euclides da Cunha festeja o aniversário da ao vocabulário tradicional, acresceu ao idioma rica onomatologia, toponímia e
trato (original) se encontrava nos arquivos obra aos 2 de dezembro, quando, suposta- antroponímia, do falar nacional. O estudo da obra euclidiana comporta, longo curso –
da editora Francisco Alves, herdeira do acer- mente, o livro teria aparecido nas vitrines face às suas complexidades.#
vo da Laemmert, quando esta abriu falência, das livrarias. Ora, é o próprio Euclides quem FRANCISCO MARINS, autor de A Aldeia Sagrada, A Guerra de Canudos.
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