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Resumo
O presente texto reflete o estado atual de uma pesquisa de doutorado desenvolvida na área de
Teoria e História da Arte, acerca da pertinência da paisagem enquanto objeto de pesquisa. Ao
apresentar uma breve revisão bibliográfica sobre o tema e resultados obtidos até o momento,
espera contribuir para a discussão do tema também em disciplinas correlatas, tais como
arquitetura, filosofia e literatura. A partir de uma perspectiva histórica, busca-se compreender o
panorama atual de pesquisas sobre o objeto, considerando que é por meio da construção e
estruturação de paisagens que experenciamos o mundo visível e invisível. Partindo do pressuposto
de que na arte contemporânea há uma série de procedimentos característicos, busca-se localizar
os processos de produção de paisagens artísticas e os anseios de artistas contemporâneos que têm
este objeto como fonte de pesquisa, tendo como exemplo a obra de Cristina Iglesias.
Palavras-Chave: Paisagem, História da Arte, Arte Contemporânea, Cristina Iglesias.
Abstract
The present text reflects the current state of a doctoral research developed in the area of Theory and
History of Art, about the pertinence of the landscape as object of research. In presenting a brief
bibliographic review on the subject and results obtained so far, it hopes to contribute to the discussion
of the subject also for related disciplines. From a historical perspective, we seek to understand the
current panorama of research on the object, considering that it is through the construction and
structuring of landscapes that we experience the visible and invisible world. Based on the assumption
that in contemporary art there are series of characteristic procedures, it seeks to locate the processes
of production of artistic landscapes and the longings of contemporary artists who have this object as
a source of research, taking as an example the work of Cristina Iglesias.
Keywords: Landscape; Art History; Contemporary Art; Cristina Iglesias
Volume 1 | Edição 1
Janeiro – Junho 2018
abordagem. Entre elas, Milton Santos (2002) a Embora este texto tenha iniciado com
exprime as sucessivas relações entre homem conhecimento, durante quase dois séculos o
e natureza. Também corresponde “a porções termo paisagem não foi utilizado como fato
paisagem são utilizadas por um número falar sobre a paisagem na arte: a relação do
sempre crescente de disciplinas, que artista com o espaço, com a natureza, com o
encontram pontos de partida semelhantes. ambiente que o cerca, com a arquitetura, etc.,
Em todos os casos, a paisagem é um dado o que pode ser constatado com algumas das
ganhando maior importância no século XIX. Entretanto, reconhecia ainda que o que era
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Em Paisagem na arte, Kenneth Clark (1949, p. importante como reflexão eram os mistérios
23) apresenta algumas formas de enxergá-la ligados à existência humana. (CLARK, 1949, p.
como meio de expressão pictórica, 26).
mostrando como a pintura de paisagem Paralelamente a essa reflexão, foram
marca diferentes fases da nossa concepção de desenvolvidos novos sistemas de
natureza. representação, como a perspectiva e assim,
No período medieval, com o com uma nova concepção de luz e espaço, a
pensamento baseado na filosofia cristã, a paisagem pôde ser apreendida em sua
natureza foi vista como parte do ciclo da vida. totalidade. De acordo com Cauquelin (2007, p.
Sendo um ambiente terreno e pecaminoso, 36), “ao fixar a ordem de apresentação e os
não deveria ser absorvido. Na Idade Média, a meios de realizá-la em um corpo de doutrina”,
natureza em seu conjunto era atemorizante. a presença da paisagem no quadro é
Assim, o homem poderia se fechar em um totalmente justificável, com importância
jardim, um recorte da natureza domesticada, crescente ao longo do século XIX.
local de refúgio e ao mesmo tempo proteção Desde a experiência de Petrarca no
contra os perigos naturais. Não foram Monte Ventoux, muitas mudanças ocorreram
encontrados indícios claros de que ainda no campo da arte e a pintura de paisagem aos
neste contexto, já se desenvolvia uma poucos passou a agradar facilmente ao gosto
concepção específica de paisagem que popular. Ao longo dos séculos, a relação
substituísse a de ‘natureza’. Porém, a situação homem/natureza passou pelo sentimento de
parece se modificar com o desenvolvimento medo, pela conexão com a poesia, até chegar
da filosofia humanista. É possível que a ideia à confiança na natureza; o pensamento
de paisagem tenha surgido com o poeta científico do período baseou-se na crença de
Francisco Petrarca. Ao subir o Monte Ventoux que a natureza agia corretamente em suas
(em 1336, na Provence) teria experimentado o operações (CLARK,1949, p. 165). A partir do
prazer do olhar, encarando a natureza de uma realismo de Gustave Courbet1, a dedicação à
forma distinta em relação aos medievais. visão natural da realidade passou a ser o
1 Gustave Courbet (1819-1877) foi um pintor Universal de 1855, optou por realizar uma mostra
francês, que, ao ser recusado pelo júri da Exposição individual – O realismo. O título dá nome também ao
principal modo de representar uma paisagem O ato de fazer paisagem é comum a todos,
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e assim, era fundamental o conhecimento da mesmo que inconscientemente. Ao
movimento inaugurado pelo pintor, que pregava o contato direto com a realidade. (FEIST et al., 2006).
linguagens artísticas como a land art2, outras paisagem poderia seguir os mesmos rumos
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maneiras de propor paisagens na arte surgem previamente apontados pela história da arte?
como alternativas de vivência da realidade. Entre tantas concepções de paisagem, seria
Para experimentar a paisagem artística, possível sistematizar um denominador
outros sentidos além da visão são recrutados comum, ou um conjunto de elementos
para a experenciação da obra e do espaço paisagísticos, passíveis de reconhecimento na
envolvido. produção artística contemporânea3?
A sinalização desses momentos na Com tais questionamentos, priorizou-
história da arte, em que a paisagem é se um objetivo central a ser alcançado no
explorada como desenvolvimento de uma decorrer da investigação: compreender as
poética artística, leva à constatação de que principais noções operatórias e
esse objeto de estudo é inesgotável, seu procedimentos poéticos presentes na obra de
conceito altera-se e se adapta conforme as artistas contemporâneos. Para isso, iniciou-se
demandas de seus estudiosos. A paisagem é uma busca por artistas que possuem a
capaz de fornecer uma carga de informação paisagem como objeto de pesquisa artística,
sobre a organização social nela junto ao acréscimo de novas referências
compreendida, é uma reflexão sobre a arte bibliográficas, conforme aponta a
em relação ao lugar, seu entorno e o ato de metodologia de pesquisa apresentada a
construí-la leva a redescoberta dos lugares seguir.
aos quais se faz a referência visual. Partindo 2. Metodologia
desse pressuposto, surgiram outros
questionamentos no decorrer da pesquisa: Na Considerando a área de conhecimento
contemporaneidade, a forma de se pensar a em que esta pesquisa se situa, o campo da
2 A land art, também nomeada earthwork, propõe ambos desenvolvidos na década de 1960. Contrariando a
uma relação com o ambiente natural. Mas neste caso, não ideia da metalinguagem proposta pela Arte Modernista,
há intenção de representar a natureza enquanto uma artistas passam a se dirigir às coisas do mundo, à natureza,
paisagem, mas de torná-la o lugar onde ocorrem à realidade urbana e tecnologia. A pesquisa por novos
intervenções. Artistas como Michael Heizer (1944 - ), suportes, mistura de materiais e técnicas torna problemática
Robert Smithson (1938 - 1973) e Walter de Maria (1935 - a rígida categorização ‘pintura’ e ‘escultura’. Assim,
2013) propuseram trabalhos que se dirigem à natureza, diversos procedimentos de produção artística se
transformando e até reconfigurando o ambiente. disseminam, como a apropriação e assemblage; o que
(KRAUSS, 1983). resulta em diferentes vertentes: expressionismo abstrato,
3 O marco do surgimento da Arte Contemporânea pós-minimalismo, land art, happening e performance.
frequentemente está associado à Pop Art e ao Minimalismo, (ARCHER, 2012).
Arte, optou-se por escolher a abordagem arte pode ser explorada por diferentes
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qualitativa, pela flexibilidade permitida e por abordagens, como a sociológica, formalista,
melhor adequar-se à área em questão, iconológica, estruturalista etc. Para evitar um
constituída de processos e relações que não estudo que se restrinja a descrições
são reduzidas a variáveis. Assim, a formalistas, tornou-se essencial a
metodologia tem se apoiado na articulação contribuição de referências de áreas
das reflexões resultantes do estudo de correlatas, construindo um trabalho por meio
referências sobre paisagem e procedimentos de uma montagem metodológica do ponto de
na arte contemporânea. A metodologia vista pós-estruturalista. Essa montagem
envolve pesquisa bibliográfica e documental, mescla teorias, métodos e coletas de dados,
desenvolvendo-se através de consulta a sempre buscando revelar a pluralidade e a
catálogos e textos críticos, entrevistas e polissemia da linguagem artística.
visitas a exposições e ateliê de artistas. Desse
modo, pode-se fazer um levantamento de 3. Resultados e Discussão
dados a respeito de suas respectivas
Iniciada a revisão bibliográfica e um
trajetórias e, finalmente, delimitar um
mapeamento da produção artística que seja
conjunto de obras de artistas cujas pesquisas
relevante para aprofundamento da reflexão,
considerem a paisagem como objeto
chegou-se à obra da artista espanhola Cristina
relevante. A delimitação desse conjunto é
Iglesias (San Sebastián, 1956). Seu trabalho foi
seguida por uma identificação das
eleito por supor que nele comparecem
características físicas das obras, sua relação
questões relativas à paisagem. Trata-se de
com o contexto em que se inserem
uma artista de reconhecimento internacional,
(exposições, museus de arte e a história da
cujo trabalho tem sido exibido em grandes
arte) e problemas conceituais que incitam,
museus e coleções de todo o mundo, como o
evidenciando sua relação com o tema
Museu de Arte Contemporânea (Nimes),
proposto (a paisagem na arte
Centro Georges Pompidou (Paris), Fundação
contemporânea).
Serralves (Porto), Fundação La Caixa
Aqui, é importante esclarecer o
(Barcelona) Museu Guggenheim (New York e
posicionamento epistemológico que essa
Bilbao), Museu de Arte Contemporânea de
pesquisa adota. Reconhece-se que a obra de
Figura 1 - Cristina Iglesias. Sem título, 1987. trabalho da escultora em mostras temporárias
4 Análise formal e plástica, com a identificação no agotar nunca y que extiende a lo largo de muchos años
dos materiais e significados, considerando a participação de en piezas diferentes aunque unidas por halo de
Cristina Iglesias na Bienal de Veneza em 1993, como uma ‘familiaridad’ (y que se asemeja a “series”). De ahí la
das representantes espanholas. Trata-se de um “antes e dificultad de establecer etapas marcadas a lo largo de su
depois”, até o ano de 2007. producción escultórica.” Tradução livre da autora.
5 “se concentra sobre una investigación que parece
6 Para assimilar a problemática do gesto, é preciso incessante experimentação. [...] O gesto é o modus
lembrar a situação artística no século XX. Nas últimas operandi que os aproxima”. (CHEREM, 2014, p. 7 - 8).
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décadas, temos observado artistas que não podem ser É importante considerar que no momento de
reconhecidos por uma unidade temática nem estilística. À produção desse texto, a pesquisa de doutorado está em vias
sua maneira, artistas desenvolvem diferentes processos que de submissão de qualificação, devendo sofrer alguns
remetem à de produção e articulação de sentidos, “em ajustes. Também antecede o período de doutorado-
comum têm o fato de utilizar diversos materiais e sanduíche (com bolsa Capes) quando novas análises das
procedimentos, através de gestos nos quais as implicações obras devem ser feitas, além de entrevista com a artista.
sobre a linguagem e sua materialidade se encontram em
para Vegetation Room Inhotim. Aço inox, O autor delineia a gênese do conceito de
Com essas novas referências teóricas motor e água. 112 x 260 x 260 com. Gallery