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A influência das mídias na cultura infantil: um ensaio

Gislene Natera Azor


UFSC
gigiazor@uol.com.br

Resumo: Este ensaio circunscreve-se em uma pesquisa que tem como objetivo investigar o
papel da música na produção cultural infantil, no contexto da influência das mídias. A partir
disso, investigar como o educador musical em parceria com o pedagogo pode ampliar os
processos imaginativos, possibilitando diversificação na linguagem musical. O texto
apresenta um breve levantamento e análise da produção acadêmica sobre os meios de
comunicação, utilizando-se como referencial teórico Martín-Barbero (2008). Conclui-se
provisoriamente, que este breve levantamento nos ajudou na contextualização de nosso objeto
de estudo, e que a partir daqui, podemos dar asas as nossas imaginações, nos tornarmos mais
provocadores, porosos e insistentes no trabalho em parceria, acreditando que o diálogo de
forma intencional pode favorecer o reconhecimento das diferentes culturas e tornar as
experiências escolares mais significativas.
Palavras chave: educação musical, cultura infantil, mídias, parceria.

Este ensaio circunscreve-se em uma pesquisa que tem como objetivo investigar o
papel da música na produção cultural infantil, no contexto da influência das mídias. A partir
disso, investigar como o educador musical em parceria com o pedagogo pode ampliar os
processos imaginativos, possibilitando diversificação na linguagem musical.
Com esta proposta, muitos leques para investigações são possíveis e consideramos
alguns importantes. Neste texto apresentamos um breve levantamento das teses disponíveis
no site da ABEM que se referem aos meios de comunicação e ao popular, procurando desta
forma mapear a dedicação do educador musical neste novo contexto.
Na sociedade contemporânea nós observamos diferentes mudanças na vida cotidiana,
nas relações de trabalho e nas maneiras que interagimos no mundo, devido ao avanço
tecnológico dos meios de comunicação e principalmente pelo surgimento da internet.
Também encontramos pesquisadores que acreditam ser fundamental uma re-significação das
ações educativas, onde a compreensão das mídias, a sua complexidade, seus benefícios,
riscos, acessos, inclusão e exclusão se tornam necessários também dentro do contexto escolar.
Partimos então do pressuposto que as crianças sempre existiram, porém, várias
pesquisas procuram resgatar a noção de infância como objeto de conhecimento nas suas
múltiplas articulações com as diversas esferas, categorias e estruturas da sociedade (PINTO,
1997; SARMENTO; PINTO, 1997; CAPPARELLI, 2003; SARMENTO, 2004; CORSARO,
2005; COHN, 2005; KRAMER, 2007; BUCKINGHAM, 2007), estando assim, em processo
de progresso e desenvolvimento.
Considerando-as como atores sociais de pleno direito, reconhecemos a capacidade
“de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas representações e
crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas” (SARMENTO; PINTO, 1997, p. 20).
Acreditamos em crianças espontâneas, criativas, questionadoras, exigentes, sem pais,
abandonadas, crianças-bandidas, consumidoras, hiperativas, crianças das lan-houses, das
favelas, do hip-hop, da geração Xuxa, das músicas infantis, informatizadas e sem informação,
que desafiam a todo o momento os pais, os professores e as autoridades.
Martín-Barbero (2008) assegura que a comunicação se tornou questão de mediações
mais que de meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimento, mas de
reconhecimento. Para o autor, os grafites ou pichações são exemplos da criatividade estética
popular na cidade e a música se constitui num processo de reelaborações e montagens onde a
“apropriação e a reelaboração musical se ligam ou respondem a movimentos de constituição
de novas identidades sociais”. (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 279)
Do ponto de vista da Educação Musical, Souza (2000) afirma que a globalização
modificou a noção de música e que os hábitos cotidianos trazem aprendizagem musical, pois
desenvolvem preferências musicais e formação de hábitos e comportamentos auditivos.
Segundo a autora, as mídias deixaram de emitir informações e passaram a ser “mídias
comunicativas, de interação, que não apenas sustentam as múltiplas necessidades de
comunicação, mas também as estimulam e apóiam”. (SOUZA, 2008, p.9)
Assim, podemos afirmar que acreditamos em professores porosos e questionadores,
que não se limitam aos conteúdos pré-estabelecidos e buscam de diferentes maneiras
entenderem a influência das mídias na construção da cultura infantil. Segundo Alves-Mazzotti
apud Fernandes (2007, p. 98) o “levantamento é fundamental para alunos e pesquisadores,
uma vez que eles passam a conhecer a situação do campo, o que ajuda na contextualização de
seus objetos de estudos [..] e também na produção de conhecimento novo”.
A partir disso, buscamos entre as 385 teses catalogadas e disponíveis no site da
Abem1, dois caminhos: as teses que nos remetessem aos meios de comunicação (mídia e
novas tecnologias), e as que nos remetessem ao popular, por sua denominação ficar

...atribuída à cultura de massa [...], não só aquilo que culturalmente


produzem as massas, mas também o que consomem, aquilo de que se
alimentam, [...], como algo ligado à modernidade, à mestiçagem e à
complexidade do urbano (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 70).

1
http://www.abemeducacaomusical.org.br/teses. Organização de Fernandes (2006). Acesso em 21-10-2008.
Encontramos 31 teses sobre meios de comunicação e 27 teses sobre popular,
totalizando assim 58 teses, ou seja, 15,06% do total de teses cadastradas no site da Abem.
Cabe aqui ressaltar, que esta “classificação” não significa necessariamente, que o autor da
mesma tenha focado seu olhar exclusivamente para este tema, ao qual esta pesquisa se
propõe.
Definimos “meios de comunicação”, os temas que continham como palavras-chaves:
mídia, web, internet, tecnologias, computador (ou microcomputadores ou computacional),
informática, softwares, [educação] à distância, TV (ou televisivo), radio, chats, clips, sistema
e programação.
Dentre as 58 teses, nos “meios de comunicação” (31 teses ou 53,44%), destaca-se a
UFRGS com 09 teses, em seguida a USP3 e o Conservatório Brasileiro de Música com 03
2

teses cada uma. Com 02 teses encontramos a Unicamp4, a Federal da Paraíba, a UNESP5, e a
Universidade do Rio de Janeiro. Já com apenas 1 tese as Universidades: Federal de
Pernambuco, PUC-SP6, UFSC7, Universidade de Brasília e Universidade do Vale do Rio dos
Sinos.
Em um segundo momento, observamos que as mesmas (31 teses) possuíam três
pontos distintos: como ferramenta pedagógica com 18 teses; como possibilidade de educação
continuada com 5 teses; e como observação dos meios de comunicação na cultura com 8
teses.
O ano de 2002 destaca-se com o maior número de produções como ferramenta
pedagógica com 5 teses (nas quais 2 são da Universidade do Rio de Janeiro) e como
possibilidade de educação continuada com 2 teses (destacando-se a USP).
Tendo como foco de estudo, a música dentro do espaço escolar, acreditamos na
importância do uso do computador como ferramenta pedagógica, como auxílio à percepção
musical e ao ato de compor. Porém, consideramos que esta possibilidade ainda é bastante
remota neste espaço, não cabendo aqui maiores reflexões. Além disso, a formação continuada
não se refere única e exclusivamente ao ambiente da escola básica, entretanto, ela é uma
ferramenta bastante interessante e possível de ser utilizada na educação como um todo,
possibilitando trocas de conhecimentos e experiências entre os educadores e educandos, como
entre os educadores de forma geral.

2
UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
3
USP- Universidade de São Paulo.
4
Unicamp- Universidade Estadual de Campinas.
5
Unesp- Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”.
6
PUC-SP- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
7
UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina.
Para este objeto de estudo, as teses que se referem à observação dos meios de
comunicação na cultura (2 teses voltadas para a TV, 2 para o rádio, 1 para clipes, 1 para chats,
e 2 para a mídia eletrônica e a influência desta na cultura) parece-nos possibilitar a
identificação de qual meio é mais influente nas diferentes culturas e “como” isto se dá e se
transforma no cotidiano.
Correa8 (2000), por exemplo, mostra “como” os jovens treinam insistentemente a
mesma música junto aos seus computadores aprendendo violão via internet. Fariam este
treino insistente a pedido de um professor? O que os movem, para passar horas e horas,
sozinhos, junto ao PC? O autor, não apresenta respostas, mas instiga-nos a refletir sobre a
importância da realidade musical dos adolescentes fazer parte da formação de professores.
Por outro lado, definimos que “popular”, conteria as palavras-chaves: música popular
brasileira ou cultura popular, samba, maracatu, choro, capoeira, catira, hip-hop e DJs. Dentre
as 58 teses, no “popular” (27 teses ou 46,55%), destaca-se a Universidade Federal da Bahia
com 4 teses, e em seguida com 3 teses, as Universidades do Rio de Janeiro, Conservatório
Brasileiro, Federal do Rio de Janeiro e a UFRGS. Com 2 teses a UNESP, Federal de São
Carlos, e Metodista de Piracicaba. Com apenas 1 tese, as Universidades: de Goiás, da Paraíba,
de Uberlândia , Federal do Amazonas e Federal do Paraná.
Em um segundo momento, optamos em separá-las por estilos musicais. Desta forma,
encontramos com a palavra-chave samba 7 teses (onde a Universidade do Rio de Janeiro
contempla 2), com a palavra-chave capoeira 3 teses, com a palavra choro 2 teses, e com
apenas 1 tese as palavras catira, maracatu, hip-hop e DJs. O ano de 1998 e o ano de 2002 são
dentro do “popular” os anos que mais aparecem produções, com 5 teses em cada.
Utilizando a palavra- chave popular, encontramos 11 teses. Porém, neste caso, há
uma distinção entre elas, pois 3 teses refere-se a MPB (Música Popular Brasileira), 3 teses à
Música Popular, e as 5 restantes, trata-se de cultura, de dança e de educação entre outros.
Neste caso, não se sobressai nenhuma Universidade, porém, com o máximo de 2 teses
aparecem a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Metodista de Piracicaba.
Observamos assim, o interessante foco na cultura de massa, acreditando que quando
falamos sobre samba, capoeira, maracatu, choro e música popular de forma geral, estamos
falando do cotidiano de algumas pessoas, ou seja, do que se vive e do que se escuta,
independente da mercantilização musical. Desta forma, evidencia-se a importância de
percebermos, como educadores, o público que estamos atendendo e proporcionarmos trocas

8
Não está na relação dos classificados, pois não contém nenhuma palavra-chave estipulada nesta pesquisa.
de experiências dentro deste universo. Gomes 9 (1998), por exemplo, nos mostra “como” os
músicos de rua aprendem e “como” isto é passado para seus familiares, fazendo-nos refletir
sobre a importância de levarmos para dentro de sala a cultura familiar.
Conhecendo a situação do campo e a produção selecionada (58 teses), percebemos
que os cursos de pós-graduação em Música destacam-se com 26 teses, em seguida o curso de
Educação com 18 teses, e em terceiro lugar os cursos de Engenharia Elétrica e Ciências da
Computação.
A partir da pesquisa que realizamos, constatamos que a UFRGS (na nossa
concepção) se torna um forte referencial para quem quer estudar os meios de comunicação,
devido ao grande número de teses que se referem ao tema. Este dado, nos fez observar que a
Universidade é pioneira na implantação da disciplina de tecnologia aplicada no seu currículo
de licenciatura em música, incentivando de alguma forma seus alunos a outros olhares e a
outras pesquisas.
Percebemos que a cultura popular é algo muito forte na Universidade da Bahia, pois
seus temas (samba, capoeira, maracatu e choro) demonstram a preocupação em estudar o que
os rodeiam, o que os envolvem e o que é preciso entender de forma reflexiva e intencionada
naquele ambiente.
As pesquisas de Bellochio (2000), Torres (2003), Subtil (2003) e Bona (2006) nos
ajudam não só a conhecer, mas a reconhecer as relações das pessoas com as músicas de
diversas épocas e origens, instigando-nos a reflexões sobre as diferentes possibilidades de
práticas pedagógicas e à necessidade da música na formação do professor.
Nesta perspectiva, concluímos que não devemos desmerecer a importância da cultura
letrada, mas reivindicar e valorizar a presença da cultura oral e da audiovisual, acreditando
que a escola precisa se inserir nos processos de mudanças que acontecem na sociedade
contemporânea, mudando assim o papel do professor. Segundo Martín-Barbero (2004, p. 353-
354) o professor deve ser:

...formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de


equipes de trabalho, sistematizador de experiências, e memória viva de uma
educação que, em lugar de aferrar-se ao passado, destaca e possibilita o
diálogo entre culturas e gerações.

Provisoriamente, podemos concluir que este breve levantamento nos ajudou na


contextualização de nosso objeto de estudo, e que a partir daqui, podemos dar asas as nossas
imaginações, nos tornarmos mais provocadores, porosos e insistentes no trabalho em parceria,

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Não está na relação dos classificados, pois não contém nenhuma palavra-chave estipulada nesta pesquisa.
acreditando que o diálogo intencional pode favorecer o reconhecimento das diferentes
culturas e tornar as experiências escolares ainda mais significativas.
Referências

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