You are on page 1of 11

ACÚSTICA DE SALAS PARA MÚSICA

Para descrever o comportamento de uma sala de música e dos que a ocupam,


dispõe-se de leis físicas e psicológicas. É, porém, dificil explicitar que um concerto de Mozart
deve soar límpido, cristalino, que Vivaldi deverá soar bucólico...

P. MARTINS DA SILVA

A apreensão de sinais sonoros é um processo


complexo, compreendendo o ouvir - fenóme-
no fisiológico - e o escutar, acto psicológico.
A escuta a nível primário, de alerta, orienta-se
para indícios, onde nada distingue o homem do ani-
tem que desempenhe junções de complementaridade
da informação visual, que apresenta um campo direc-
cional restrito em consequência da angulação da base
do crânio e da limitação dos movimentos laterais da
cabeça. Alcançando a extremidade cefálica segundo di-
mal. A um nível superior a escuta é uma descodifi- versas direcções, as ondas sonoras vão experimentar
cação, em que o homem (aqui começa o homem...) reflexões e difracções que, avaliadas pelo ouvido, for-
tenta captar signos pela audição. necem informação que comple-
Embora o homem partilhe, menta a percepção espacial.
com o animal superior, os sentidos, O sistema auditivo global inte-
o desenvolvimento filogenético e a gra um conjunto de órgãos perifé-
técnica criaram hierarquias diferen- ricos e regiões específicas no
tes para os sentidos no homem e no sistema nervoso central.
animal. Construída a partir da au- Os órgãos periféricos com-
dição, a escuta é o sentido do espa- preendem o pavilhão auricular e o
ço e do tempo – a apropriação do canal auditivo externo (que consti-
espaço pelo homem é, em grande tuem o «ouvido externo»), o tímpa-
parte, de índole sonora. A escuta no e um sistema ossículo-
levanta-se, sobre o fundo auditivo, -muscular («ouvido médio») e, final-
como uma função de inteligência, mente, as estruturas membranosas
isto é, de selecção. Quando o fun- e os líquidos do ouvido interno, de
do auditivo atinge intensidades tais cujo movimento resulta a estimula-
que invade todo o domínio sonoro ção do órgão de Corti e a transfor-
apreensível ao homem, a selecção, mação da solicitação mecânica
a inteligência do espaço, deixa de numa de índole nervosa. A impor-
ser possível – a poluição sonora tância do sistema auditivo periféri-
impede que se escute. co resulta do facto de ser ele quem,
em situações normais, determina
A audição é um processo com-
essencialmente as condições em
plexo, cujo conhecimento apresen- Licenciado em engenharia electrotécnica (IST),
que se processa a audição, pois que
ta ainda muitas lacunas, e que P. Martins da Silva logo inicia colaboração com
toda a informação auditiva que o
interessa sistemas periféricos e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil on-
de é, presentemente, investigador-coordena- sistema nervoso central pode utili-
componentes centrais, reagindo à
pressão (*), de modo que, se o va- dor, chefiando o Núcleo de Acústica e Ilumina- (*) Designa-se por pressão sonora (num dado
ção. A sua actividade tem-se desenvolvido es-
lor desta e a frequência a que ocor- sencialmente na área da acústica aplicada. local e instante, onde e quando esteja estabe-
re a sua variação, se encontram Doutorado em engenharia de sistemas (IST), ob- lecido um campo sonoro) a diferença, entre
dentro de certos limites é determi- teve, na Faculdade de Ciências de Lisboa, o grau valor instantâneo da pressão e o valor de re-
nada uma sensação sonora. de agregado; exerce aí funções docentes, sen- ferência, que corresponde à ausência de estí-
do presentemente professor associado convida- mulos sonoros. Em condições normais, o va-
O ouvido é um órgão par e si- do. Além de trabalhos especializados é autor de lor de referência é de cerca de 105 Pa e a
métrico, situado na extremidade ce- numerosas obras didácticas e de divulgação pressão sonora varia, em termos médios, en-
fálica. Estas características permi- técnica. tre 20. 10-6 Pa e 20 Pa.

79
lizar deve ser transmitida pelos órgãos sensoriais que que o ouvido médio possui músculos que podem
são os que impõem os limites globais de actuação. São contrair-se, constituindo um dos mecanismos reflexos
estes órgãos que devem estar aptos a resolver níveis que operam no ouvido.
de intensidade na vizinhança de 10 -12 W/m 2 , a fun- As vibrações do último ossículo da cadeia são trans-
cionar em frequência numa extensão de três décadas mitidas ao fluido que preenche a cavidade do ouvido
e a preservar padrões de evolução temporal com aci- interno. Aqui, no ducto coclear e em contacto íntimo
dentes de duração extremamente reduzida, procedi- com a membrana basilar, encontra-se o órgão de Cor-
mentos que são realizados mediante uma adaptação de ti, que constitui o receptor sensorial do processo au-
processos mecânicos, hidráulicos, eléctricos e bioquí- ditivo; é constituído por uma moldura de células de
micos, excepcionalmente bem realizada. suporte na qual estão embebidas as células sensoriais
Na Figura 1 apresenta-se o esquema-bloco do sis- (Figura 2).
tema auditivo, com definição das divisões estruturais Sob a acção das ondas de pressão, as células senso-
lógicas, indicando-se as funções dos blocos ou grupos riais vão sofrer deformações, o que constitui o último
de blocos e o modo de operação considerado predo- acontecimento de natureza mecânica no processo que
minante. tem início com as ondas sonoras propagando-se no ar,
O primeiro bloco representa o ouvido externo cu- prossegue nos movimentos da cadeia óssea do ouvido
ja porção visível é o pavilhão auricular que funciona médio e continua-se em fenómenos de natureza me-
como uma pequena corneta acústica, embora desem- cânica (fina) e hidrodinâmica no ouvido interno.
penhe como tal um papel reduzido, dado que tem pou- As células sensoriais são transdutores que conver-
ca mobilidade por serem rudimentares os músculos que tem as deformações mecânicas em sinais eléctricos e
o interessam. O pavilhão comunica com o canal audi- desencadeiam fenómenos químicos que proporcionam
tivo externo, tubo formado por uma porção externa a ligação ao nervo auditivo. As fibras deste nervo trans-
cartilaginosa e uma porção interna óssea e que canali- portam toda a informação relativa ao ambiente acús-
za a energia sonora até ao tímpano, exercendo, mercê tico, sob a forma de impulsos nervosos cuja
de apresentar uma frequência de ressonância vizinha distribuição temporal codifica esta informação.
de 3 kHz, uma acção de reforço de componentes vizi- Além do fluxo centrípeto de informação que vai
nhas dessa frequência. alcançar o cortex auditivo através de diversas hastes
O ouvido médio desempenha um papel de adapta- cerebrais, ocorre um fluxo centrífugo a partir do cor-
dor entre a baixa impedância acústica específica do tex, através do sistema auditivo eferente, estabelecen-
meio aéreo do canal auditivo externo e a alta impe- do processos de reinformação que desempenham papel
dância específica do meio aquoso do ouvido interno. importante no fenómeno auditivo. É o caso do coman-
Compreende o tímpano e a cadeia de ossículos – do da contracção dos músculos do ouvido médio a au-
martelo, bigorna e estribo – o último dos quais actua mentar a rigidez do sistema tímpano-ossicular e a
a janela oval que estabelece a comunicação para o ou- constituir, essencialmente, um reflexo protector que
vido interno. Mercê da diferença entre as áreas do tím- aumenta a impedância do ouvido médio de modo se-
pano e da platina do estribo, e do efeito de alavanca lectivo, em termos de atenuar o efeito mascarador das
do sistema martelo-bigorna, o ouvido médio funcio- componentes de baixa frequência sobre as de frequên-
na como um amplificador de força. Ainda a assinalar cia mais elevada.

Fig. 1 - Esquema bloco do sistema auditivo.

80
Fig. 2 – Organização esquemática do sistema auditivo.

Muito antes do surgimento da escrita ou da figura- mente do seu espectro, embora influenciado por ou-
ção litográfica, a reprodução intencional de um ritmo tras características (intensidade e evolução temporal).
fez entrar a criatura pré-antrópica na humanidade dos As durações relativas das notas musicais e dos si-
Australopitecos. Pelo ritmo, a escuta deixa de ser lêncios, que traduzem a pontuação, são indicadas pe-
pura vigilância, para tornar-se criação. las figuras das notas e das pausas.
Cada estímulo sonoro que é recebido durante a au- A altura, que é o atributo sonoro considerado de
dição musical contém uma grande quantidade de in- maior importância no sistema tonal, traduz uma apre-
formação. Percebe-se a altura, a intensidade auditiva, ciação complexa por parte do auditor, pelo que, em-
o timbre. Percebe-se se a altura se mantém estacioná- bora determinada essencialmente pela frequência, vai
ria ou se é marcada por um vibrato; também se aper- depender também, em certa medida, da intensidade
cebem as alterações na intensidade auditiva, bem como e da forma de evolução temporal do estímulo.
o tipo de ataque de cada nota. Todos estes detalhes A necessidade de proceder à afinação dos meios de
traduzem uma apreciação global do estímulo, do que produção de sons musicais, de modo a tornar possí-
se extrai alguma informação de natureza estritamente vel a actuação conjunta e a tradução apropriada das
musical, o reconhecimento do instrumento actuante composições, coloca duas ordens de questões:
(se a nossa memória auditiva o permitir...) e, mesmo, – Fixação da altura de uma nota de referência;
uma noção das dimensões (acústicas) do local onde o – Fixação das relações de frequência da totalidade
estímulo em questão foi produzido. A realidade refe- das notas, entre si ou relativamente à nota de
rida implica um conjunto de fenómenos físicos, sen- referência, o que é equivalente.
do, porém, difícil descrevê-la em termos físicos, já que
ocorrem relações complexas, de modo que cada atri- Considerando o lá 3 como nota de referência, os
buto não pode ser descrito apenas à custa de um úni- valores fixados para a sua frequência têm apresentado
co parâmetro. diferenças ao longo da evolução histórica da música
Seguindo a metodologia geral da física para descre- – a título ilustrativo refere-se que, na música do pe-
ver a complexidade do real, surge o recurso a um mo- ríodo barroco (meados do séc. XVIII), aquele valor era
delo, que se desenvolve com base em três
variáveis-chave: tempo, frequência e nível de pressão (*) Como é sabido, o desenvolvimento de uma metrologia adequa-
sonora (*) – Figura 3. da à sensação auditiva leva a não exprimir a pressão sonora em ter-
O diagrama da Figura 4 localiza o subdomímio dos mos das unidades apropriadas à sua fórmula dimensional, mas sim
em termos de nível considerado relativamente a um valor de refe-
estímulos musicais, no domínio dos estímulos sono- rência; sendo P o valor eficaz da pressão sonora de dado estímulo,
ros audíveis. o seu nível, expresso em decibel, é dado por:
Na escrita musical a intensidade auditiva é tradu-
zida por símbolos que constituem abreviaturas conven- P
N = 20 log
cionais de designações italianas consagradas 20.10-6
(ff - fortíssimo; f - forte; mf - mezzo forte...). A aplicação do operador logaritmo «comprime» a gama de variação
O timbre é um atributo multidimensional que tra- das pressões sonoras dos estímulos audíveis a uma dimensão com-
duz a coloração tonal do som, dependendo essencial- patível com a discriminação sensorial respectiva.

81
Fig. 3 - Modelação de estímulos musicais. Fig. 4 - Domínio dos estímulos sonoros musicais.

de cerca de 415 Hz e, no final do séc. XIX, de, aproxi- quência do reavivamento – em intensidade e
madamente, 435 Hz. A Segunda Conferência Interna- extensão – experimentado desde já há algum tempo
cional do Diapasão (Londres, 1939) fixou em 440 Hz pela vida cultural portuguesa, se verifica a construção
a frequência do lá 3, valor também estabelecido na de novas salas para música, algumas com capacidade
Norma Portuguesa NP 491. Refira-se, porém, que al- ultrapassando largamente as mil pessoas – Figuras 5
gumas orquestras afinam por valores mais elevados, e 6.
sendo corrente o de 444 Hz, o que conduz a sonori- Acresce – do ponto de vista do interesse do trata-
dade mais brilhante por parte dos instrumentos de cor- mento científico do tema – que, para algumas salas,
da friccionada. se exige uma polivalência marcada, e se pretende, em
O estabelecimento das relações de frequências en- prospectiva expectante, levar esta polivalência a situa-
tre notas designa-se por temperamento da escala, que ções inaceitáveis, ao entender-se estabelecer conglo-
se pode estabelecer de diversos modos. Actualmente, merados de exigências funcionais inconciliáveis.
na música ocidental, a escala mais utilizada é a de igual Afigura-se, assim, oportuna uma reflexão que se po-
temperamento, que estabelece a divisão da oitava em larize na análise das condições acústicas de salas para
doze intervalos iguais (*). concerto sinfónico e para ópera, utilizações que se pre-
tende convivam, com frequência, no mesmo espaço.
Obviamente, consideram-se apenas questões de índo-
le acústica, não tomando em atenção aspectos relati-
Uma sala onde ocorra a transmissão de sinais so- vos à organização do espaço cénico e suporte da
noros é um sistema acústico constituído por uma en- montagem dos espectáculos, que colocam exigências
volvente, um volume de ar, fontes sonoras e receptores muito diferenciadas entre si para os dois tipos de salas
(humanos ou transdutores eléctricos) que, para além em análise.
de abrigo, segurança e integração estética visual, deve Para descrever o comportamento de uma sala, dos
proporcionar fruição adequada da componente au- seus auditores e dos que produzem o som (ou coman-
ditiva. dam esta produção), dispõe-se de um conjunto de leis
Na percepção da componente auditiva há, obvia- fisicas e psicológicas, estas no que toca o comporta-
mente, que distinguir situações diversas, conforme a mento dos executantes e auditores. Da satisfação des-
importância relativa da voz e da música, que é máxima tes, os auditores, depende em grande parte o futuro
para a voz no teatro falado e no cinema; na ópera in- da sala de música como tal. Para que esta satisfação,
tervêm a voz e a música, numa igualdade rica de cam- seja conseguida, não só cada auditor deve ter visão e
biantes, não estando a voz presente, em expressão audição adequadas, como os componentes da orques-
significativa, no concerto instrumental. tra e o seu condutor devem «sentir-se bem», ouvir-se
A importância de factores de ordem estética e afec-
tiva é muito relevante, naquela percepção, a par de as- (*) O intervalo entre duas notas consecutivas, de frequências f1 e f2,
será consequentemente
pectos que são susceptíveis de tratamento objectivo,
a desenvolver no âmbito da acústica musical. O tema f1
= 12
√2
assume importância muito actual quando, em conse- f2

82
adequadamente uns aos outros e sentir a resposta da científica, porque é, também, um trabalho de arte, e,
sala em termos de poderem fazer música como um con- por isso, não admira que em centenas de anos de «prá-
junto de diversos naipes instrumentais equilibrados, o tica» da Acústica muitos mitos tenham surgido. Pro-
que depende não apenas da forma de condução da or- pagados de geração em geração, acrescentados e
questra mas também das condições acústicas propicia- embelezados, recebem a patina da história e a credibi-
das, essencialmente pela envolvente da zona que a lidade de axiomas... Para uns, pode ser o dourado do
orquestra ocupa. revestimento interior que confere condições acústicas
É, porém, difícil explicitar características físicas que particularmente boas, enquanto para outros poderão
possam traduzir, por exemplo, que um concerto de ser as traves de madeira do átrio que beneficiam tais
Mozart, para piano e orquestra, deve ter um som «lím- condições. Muitas são as variedades, com a fantasia e
pido», «fluente», «cristalino» (se a execução for boa...). a imaginação a darem-se mãos para as produzir. Aliás,
Ou traduzir, fisicamente, que as «Quatro Estações» de poucos são os que não julgam ter alguma noção acer-
Vivaldi devem soar «bucólicas». Os sinos da «Catedral ca de acústica de auditórios e a inquirição mais displi-
Submersa» de Debussy têm mesmo de ouvir-se vindos cente mostra bem a discordância de conceitos...
das profundezas dos mares... Em «Porgy and Bess» ou Em muitos casos, no projecto de salas para concer-
em «Blues» de Gershwin, o som tem de sentir-se «acon- tos e ópera, procedeu-se a uma simples variação de es-
chegante», «insinuante». E será «dilacerante» em Rach- cala, na cópia de formas de modelos considerados
maninoff ou de uma despreocupação infantil em satisfatórios acusticamente. Modelos que eram, em
Scarlatti ou no nosso Carlos Seixas... muitos casos, salas para as quais a música das épocas
Dimensionar uma sala para espectáculos com com- respectivas havia sido composta, e que não poderiam
ponente musical é mais do que uma tarefa técnica ou responder de forma satisfatória quando utilizadas

Fig. 5 - Auditdrio da FIL.

83
Fig. 6 - Maqueta do auditório do Centro Cultural de Belém.

para a execução de trechos musicais de características electrónica às salas ou aos instrumentos. A Nova Ópe-
muito diferentes. ra de Paris (Bastilha) é um exemplo eloquente deste
Os auditórios a construir actualmente devem tipo de práticas.
acomodar-se a reportórios musicais que se estendem A acústica dos auditórios exerce uma influência
por vários séculos e, com frequência, devem poder marcante em todos os estágios do processo musical:
conter assistência em quantidade tal que se tornam re- criação, execução/recreação, audição/fruição. Na au-
cintos com problemas acústicos bem diferenciados dos dição, é óbvia esta influência, mas também os execu-
que se levantam para os de dimensões menores. Acres- tantes e os condutores de orquestra sentem bem a
ce que lhes é exigido, como se referiu, um carácter po- necessidade de ajustar-se às condições acústicas dos lo-
livalente – concerto, representação de teatro cais onde se realizam as suas actuações. Nos composi-
dramático, ópera, bailado, conferências – o que, aten- tores, pelo menos em épocas mais recuadas, a
dendo ao facto de praticamente todo o detalhe do influência da acústica dos auditórios para que compu-
espaço-auditório contribuir, em maior ou menor grau, nham era nítida: através dos séculos, os compositores
para as condições acústicas finais, vai tornar complexo de música sacra exploraram o efeito da reverberação
o projecto destes recintos. Aliás o futuro próximo da elevada das igrejas; a música do período barroco foi
música vai levar certamente o técnico ao confronto pensada nitidamente para ser executada em auditórios
com soluções muito pouco exploradas até hoje. Que- de dimensões reduzidas, com definição elevada, en-
rerá, talvez, envolventes de geometria ajustável para quanto as composições sinfónicas do período român-
a afinação das condições acústicas às características dos tico e as óperas de Wagner foram compostas declara-
trechos musicais em execução; possivelmente damente para execução em locais de elevada riqueza
generalizar-se-á a utilização de reverberação por via tonal.

84
A qualificação acústica de uma sala para música tra- Há cerca de cinquenta anos, as preocupações
duz globalmente a adaptação do sistema à finalidade centravam-se em obter uma intensidade sonora quan-
que lhe é atribuída, e é assunto de apreciação simulta- to possível uniforme por todo o espaço. Os problemas
neamente objectiva e subjectiva, aspectos que se apre- da forma – questão fundamental mas tratada, então,
sentam imbricados e a condicionar-se mutuamente. de modo empírico – mereciam grande consideração.
Daqui, talvez, uma das dificuldades maiores, porque E o tempo de reverberação funcionava como elemen-
se trata de disciplinar a construção de locais onde cer- to isolado de apreciação, juntamente com a preocu-
tas características fisicas condicionam o «valor acús- pação (que nada perdeu em acuidade) de evitar ecos
tico», definido segundo critérios subjectivos. Para a francos, focalizações, reflexões parasitas, susceptíveis
dificuldade de conjugação de critérios de apreciação, de originar ecos modulados capazes de dar a impres-
não é pequena a influência da diferença de vocabulá- são subjectiva de distorção.
rios entre a música e a acústica, o que não surpreende O tempo de reverberação, se bem que estando em
dado terem evoluído independentemente. aberto a discussão acerca de valores óptimos, dá, no
Em muitas situações, todas as questões são reduzi- entanto, uma primeira (e muito útil) indicação global
das, de forma muito simplista, à colocação de mate- – o respeito de certa gama de valores torna possível
riais absorventes sonoros em termos de conseguir um uma primeira aproximação de qualidade, no fundo um
tempo de reverberação adequado (*) – resultado de condicionamento necessário mas de forma nenhuma
um compromisso, quando são diversas as exigências suficiente; por seu turno, a difusão deve ser o mais con-
para aplicações várias. É evidente que isto não chega seguida possível. O atraso das primeiras reflexões re-
e, no entanto, é bem verdade que a bibliografia dispo- lativamente às componentes de incidência directa,
nível não oferece outras propostas satisfatórias, por- deve situar-se em gama conveniente.
que a maior parte dos elementos existentes constitui A descrição do campo sonoro no interior de um
apenas a expressão de critérios baseados numa opinião espaço fechado, de contorno com geometria e consti-
de auditor ou de condutor de orquestra, opiniões re- tuição quaisquer, é complexa, dados os problemas de
colhidas de forma um tanto aleatória, ao ponto de a natureza matemática e física que levanta, pela dificul-
acústica de auditórios para música surgir como um pro- dade em definir, com rigor, a geometria do contorno,
blema só «de gosto». Ora, se pode admitir-se um certo traduzir quantitativamente os processos de dissipação
desacordo de opiniões acerca da qualidade acústica, de energia sonora no ar e na envolvente e estimar as
não pode negar-se a existência de «bom» e «mau», de- alterações das características direccionais das fontes so-
finíveis em termos que forneçam informação na fase noras quando emitem em espaços fechados.
de projecto, por forma que as condições acústicas dos São possíveis duas formas modelares de descrição,
auditórios não fiquem, a priori, na dependência de al- dependendo a escolha de uma ou outra da situação em
terações correctivas a introduzir após execução, cor- causa e apresentando-se, em geral, complementares no
recções aliás sempre de eficácia muito reduzida, para entendimento dos fenómenos que ocorrem. Assim, pa-
além de muito onerosas. Só a correlação de dados de ra recintos de dimensões reduzidas, limitados por con-
natureza acústica com os de apreciação musical – e tornos de definição geométrica simples, de absorção
aqui surge, grande, a dificuldade, que se referiu, ine- fraca e sensivelmente uniforme, a descrição pode fazer-
rente a uma diferença dos vocabulários do músico e -se em termos da distribuição espacial da pressão so-
do técnico acústico – pode permitir uma aplicação nora dos modos normais de ondulação excitados pela
real dos conhecimentos da Acústica arquitectural à rea- fonte. O interesse desta «descrição ondulatória» resi-
lização de auditórios com características satisfatórias. de no facto de pôr em evidência e fornecer um princí-
Um auditório para música será aceitável quando pio de explicação para fenómenos que ocorrem em
«soar» bem; nisto, há concordância, por parte de mú- espaços de grandes dimensões, onde este tipo de des-
sicos e melómanos, É, porém, difícil enunciar critérios crição não é possível. Nos recintos de grandes dimen-
físicos de quantificação acústica por ordem de eficiên- sões, de contorno irregular, com absorção sonora
cia das suas contribuições para alcançar aquele re- apreciável e distribuída de maneira pouco uniforme,
sultado. a descrição do campo sonoro estabelecido pode fazer-
-se em termos da média espacial do valor eficaz da pres-
são sonora no interior do recinto. Tal «descrição
estatística» conduz ao estabelecimento de expressões
simples, de aplicação larga no estudo dos problemas
(*) O fenómeno da reverberação consiste na existência de campo so- da acústica de salas – é o caso, a título ilustrativo, da
noro num recinto fechado, para além do instante em que cessa a emis- bem conhecida fórmula de Sabine para determinação
são das fontes que dão origem ao campo. do tempo de reverberação:
Designa-se por tempo de reverberação o intervalo de tempo corres-
pondente a uma descida de 60 dB do nível de pressão sonora, após a
extinção da fonte; trata-se, obviamente, de um parâmetro que é fun- 0.16V
T(f) =
ção da frequência. A(f)

85
em que T(f) representa o tempo de reverberação (s) po de reverberação, sendo a «vida» do local tanto
para a frequência f, sendo A(f) (m2) a área de absorção maior quanto mais elevado for o tempo de reverbera-
sonora do recinto e V (m 3) o seu volume. Faça-se no- ção. Uma sala anecóica é, em sentido auditivo, «mor-
tar que o modelo de Sabine admite uma distribuição ta» na medida em que o parâmento interno da
homogénea da energia sonora no espaço considerado envolvente respectiva absorve toda a energia sonora
e que a absorção ocorre a taxa proporcional ao valor nele incidente, de modo que o campo estabelecido no
da densidade de energia, pelo que os valores obtidos interior será composto apenas das componentes emi-
da aplicação da expressão referida serão tanto menos tidas directamente pelas fontes.
fiáveis quanto maior for o afastamento das condições A «vida», como impressão subjectiva da reverbera-
reais relativamente às que se enunciaram como defi- ção, depende, essencialmente, do valor médio do tem-
nindo o campo de pertinência do modelo. po de reverberação na gama das frequências médias
A bibliografia vasta existente sobre o projecto acús- (oitavas de frequências centrais 500 Hz e 1000 Hz).
tico de salas para música parece demonstrar que não Considera-se actualmente que um tempo de reverbera-
existem soluções únicas, ideais, para a concepção ar- ção inferior a 1,7 s (gama de frequências médias)
quitectónica, no que toca aquele projecto acústico. conduz a auditórios pouco vivos. Como valores de re-
São conhecidas soluções de planta rectangular, em ferência, embora sem corresponder ao sentido musi-
leque, ferradura e mesmo assimétricas que conduziram cológico correcto, indica-se o seguinte:
a resultados de sucesso.
O projecto de condicionamento acústico deve co- Música «romântica»: 2,1 s a 2,3 s
meçar nas primeiras fases em que está em discussão Música «sinfónica»: 1,7 s a 2,0 s
a capacidade e o tipo de utilização da sala a construir. Música «barroca»: 1,4 s a 1,8 s
Deve sentir-se ainda presente a influência do técnico
de acústica na escolha do local de implantação, por
forma que seja considerado, na medida devida, o am-
biente acústico exterior.
No desenvolvimento do projecto, a acústica impõe
o volume e influencia fortemente a orientação de ca-
da superficie reflectora, dos materiais de acabamentos
interiores e, mesmo, do tipo de assentos, pois cada ele-
mento do auditório faz sentir a sua influência no com-
portamento acústico final e, muitos deles, não são
susceptíveis de correcção, uma vez determinada a sua
forma básica.
O número total de lugares a integrar num auditó-
rio é o primeiro elemento a tomar em consideração,
já que determina globalmente as dimensões. Segue-se
a fixação da densidade de distribuição da assistência
que é, na generalidade dos auditórios, o elemento prin-
cipal de absorção sonora. Ora, uma das conclusões de
estudos sobre a absorção sonora proporcionada por
pessoas agrupadas é que tal absorção não depende de
Fig. 7 – Valores de referência para o tempo de reverberação na ga-
forma simples do número de pessoas presentes mas, ma das frequências médias.
essencialmente, da superfície total que ocupam. Por
outras palavras, quanto mais espalhada estiver a assis-
tência, maior é a absorção, consequentemente o espa-
çamento dos assentos é tão importante como o seu
número total. A área ocupada pela assistência deve ser O tempo de reverberação de uma sala, que é de-
a menor possível desde que se pretenda alcançar uma terminado pelo seu volume e pelas características de
certa «vida», com um volume razoável – recomenda- absorção sonora que exibe, depende – no que diz res-
-se 0,62 m 2/pessoa. peito aos valores julgados mais aconselháveis – das
Apontam-se aspectos considerados de maior rele- aplicações a dar ao auditório em causa com interven-
vância para efeito do projecto acústico de salas para ção também sensível do que pode classificar-se de
música. . «moda».
A título de indicação de base representa-se na fi-
Vida gura 7 um diagrama construído à custa das indicações
fornecidas por diversos autores e dando os valores
O termo exprime a resposta integrada da sala à es- aconselháveis do tempo médio de reverberação em
timulação sonora caracterizada fisicamente pelo tem- função do volume, para a frequência de 500 Hz.

86
Calor-Brilho Intimidade

Os termos exprimem, como gradações opostas, a O termo exprime a dimensão apercebida da sala em
permanência relativa da resposta acústica (reverbera- termos auditivos e é função da desfasagem temporal
da) da sala nas gamas de frequências baixas e altas. entre as componentes directa e de primeira reflexão,
Quanto mais elevado for o tempo médio de reverbe- que atingem o auditor.
ração na gama das frequências baixas, relativamente Trata-se de propriedade considerada muito impor-
ao valor médio correspondente na gama das frequên- tante para a qualificação acústica de uma sala para mú-
cias elevadas, maior será o «calor» e menor será o sica, considerando-se que o valor desta desfasagem se
«brilho». deve situar entre 20 e 30 ms, para salas de concertos,
No diagrama da Figura 8 apresenta-se a forma de admitindo-se que possa ser ligeiramente mais elevado.
variação, no domínio da frequência, dos valores do para salas de ópera.
tempo de reverberação que se considera adequada. Na Figura 9 representa-se, a título ilustrativo, uma
fotografia da envolvente do espaço ocupado pela or-
questra no Teatro Municipal de S. Luís disposta em ter-
mos de corrigir a intimidade acústica da sala (instalação
de canópio, a reduzir o valor da desfasagem entre as
componentes directas e de primeira reflexão).

Textura

O termo exprime a estrutura do cronograma de re-


cepção sonora por parte dos auditores, obviamente di-
ferente com a localização na sala. Uma «textura»
apropriada exige a ocorrência de, pelo menos, cinco
reflexões no intervalo de 70 ms imediatamente após
a recepção do som directo, exigindo-se que a intensi-
Fig. 8 - Variação típica do tempo de reverberação no domínio da fre- dade das componentes de reflexão se vá reduzindo à
quência. medida que aumenta a ordem delas.

Fig. 9 – Envolvente do palco no teatro Municipal de S. Luis, com canópio instalado.

87
Plenitude-Definição Justifica-se, assim, uma nota especial de referência
às salas de ópera.
Os termos exprimem, como gradações opostas, o As exigências de ordem acústica para uma sala de
recorte da sensação auditiva, dependendo da relação ópera são de ordem bastante mais complexa do que
entre as intensidades dos campos directo e reverbera- para uma sala de concertos, pois se trata de realizar
do, pelo que se trata de característica variável com a equilíbrio entre as emissões sonoras produzidas pelos
localização na sala. cantores e pela orquestra. Há que levar adequadamente
Quanto mais intenso for o campo reverberado re- as primeiras à assistência, sem que o som orquestral
lativamente ao campo directo, menor será a definição perca o seu significado, para o efeito praticando o jo-
e mais marcada a plenitude. A existência de canópios go apropriado entre as potências sonoras das fontes
de posição adaptável – como se considera instalar no e as distribuições espectrais respectivas, aspectos que
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, pre- não podem considerar-se com independência.
sentemente em fase de projecto, dará a possibilidade As passagens de bel canto requerem uma certa re-
de regulação consoante a natureza da obra a ser exe- verberação de modo a conferir volume à voz e coesão
cutada. à linha melódica; aliás os cantores de ópera desejam
sentir» esta reverberação, que lhes dá confiança no
desenvolvimento da voz.
Por outro lado, é necessário que seja realizada a de-
Mistura
finição suficiente para garantir compreensão adequa-
da do texto. Assim, nas passagens rápidas de parlando
O termo exprime a capacidade da sala em realizar
ou nos recitativos, há que ser realizado o reforço apro-
a composição das emissões sonoras das diversas fon-
priado das reflexões pouco desfasadas (em relação ao
tes (naipes orquestrais ou corais, solistas), dependen-
som directo), na gama das frequências elevadas.
do esta possibilidade das propriedades de reflexão
A propósito das condições acústicas das salas de
sonora (difusa) do paramento da envolvente do espa-
ópera não deve esquecer-se que, na sua evolução his-
ço ocupado pelas fontes sonoras.
tórica, ocorreu mudança profunda da posição dos mú-
sicos que, nos teatros do barroco e no tempo de
Mozart, ocupavam (agrupamentos com poucas figuras)
Conjunção as primeiras filas da zona da assistência, fracamente se-
parados dela.
O termo exprime a capacidade de interaudição dos A partir do séc. XIX a orquestra vai localizar-se em
diversos executantes que integram o conjunto em ac- fossos, nalguns casos relativamente profundos. Situa-
tuação, o que depende, obviamente, da organização ção paradigmática é a do Bayreuth Festspielhaus em
espacial deste sobre a zona de cena e das característi- que, retirada a orquestra da visão do público, elimina-
cas de reflexão sonora do paramento da envolvente da a iluminação da sala, estabelece-se a concentração
do local que ocupam. total da atenção do público no palco, na fusão, numa
Sublinha-se a importância desta característica na massa sonora algo hipnotizante, das vozes e da músi-
obtenção de uma execução a tempo, e equilibrada em ca instrumental, realizando-se assim o ideal possessi-
intensidades. vo do drama wagneriano como que numa pré-visão da
A ópera é uma forma de expressão artística envol- tela do cinema (*).
vendo as componentes visual e auditiva de modo mui- Com esta mudança, o campo sonoro estabelecido
to mais profundo que o teatro em sentido corrente, pela orquestra situada no fosso (com várias dezenas de
dado que a música participa de forma essencial no de- figuras nalguns casos) será essencialmente difuso, com
senvolvimento argumental e na descrição de estados as componentes directas muito atenuadas, quase que
anímicos e sentimentos. Consegue-se assim – porque, para a generalidade dos lugares da plateia, afigurando-
digamos, a música pode alcançar directamente o cora- -se aceitável, portanto, uma modelação por campo di-
ção sem passar pelo intelecto – ampliar as emoções fuso, com evidente reforço do papel desempenhado
humanas, detalhá-las de maneira clara, directa, defi- pelo tempo de reverberação da sala.
nitiva. Esta disposição vai influenciar também a distribui-
Na ópera, a música dá amplitude à acção e leva o ção espectral do som recebido pela assistência, por ser
texto a um grau emocional tão elevado que a função maior a atenuação das componentes de frequências
das palavras é quase rudimentar: O canto simultâneo mais elevadas, facilitando o sobressaimento dos for-
dá maior amplitude à realidade; o leimotiv, nitida-
mente conotado com o conceito de drama musical
(*) Refira-se, a título ilustrativo a clara oposição, a este modelo, do
wagneriano, desempenha papel análogo ao da metá- Teatro Nacional de S. Carlos – «Teatro de Corte», com o camarote real
fora ou alegoria, permitindo toda uma complexa es- a fazer concorrência ao palco, numa relação claramente autoritária da
trutura de relações músico-poéticas. sala para o palco.

88
mantes das vozes dos cantores, que se localizam na oi- da orquestra no fosso, por exemplo trocando as posi-
tava de frequência central 4000 Hz. Note-se que a ate- ções dos primeiros e segundos violinos, de modo
nuação mais marcada das componentes de frequência a obviar a perdas de brilho consequentes de atenua-
mais elevada pode obrigar a alterações da disposição ções por difracção.

AGRADECIMENTOS

Aos Senhores Arquitectos Raúl Branco e Manuel Salgado, pela cedência das fotografias, respectivamente, do Auditório da FIL e da maqueta do
Auditório do Centro Cultural de Belém.

SUGESTÕES DE LEITURA

BERANEK, L. L. – Music, acoustics and architecture, John MACKENZIE R. – Auditorium acoustics, Applied Science
Wiley and Sons, New York, 1962. Publishers, London, 1975.

JORDAN, V. L. – Acoustical design of concert halls and thea- MARTINS DA SILVA, P. – Elementos de acústica musical,
tres, Applied Science Publishers, London, 1990. Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa, 1989.

89

You might also like