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DSM 5: INCORPORANDO O "ESPECTRO

ESQUIZOFRÊNICO"

(DE COMO ATÉ OS MELHORES CONCEITOS PODEM SER MAL USADOS)


Finalmente está se impondo às Classificações um conceito que vem sendo utilizado em Psiquiatria
há algumas décadas: o de que muitos dos transtornos, anteriormente considerados isolados,
configuram, em verdade, um espectro, implicando pequenas variações quantitativas e modificações
em continuum (sem saltos qualitativos). Para que não se percam alguns conceitos fundamentais,
entretanto, é sempre bom lembrar que a expressão prototípica de um espectro, até porque universal,
é a resultante do desmembramento da luz branca em vários fachos de luz com comprimento
variável de ondas. Aquilo que parecia um fenômeno único, depois da passagem por um prisma
mostra-se o resultado de uma composição. Sendo fiel ao princípio, não se deve aceitar o movimento
no sentido oposto: a partir de um mero compartilhamento de algumas características, tentar
construir um agregado, chamando-o de espectro, como é o caso daquilo que se vem tentando impor
como "Espectro Obsessivo-compulsivo".
As Esquizofrenias se prestam à aplicação do conceito e era natural que esse princípio terminasse
por se impor nas classificações. O DSM5 está propenso ao seu uso, mas sua proposta apresenta
alguns riscos para a boa avaliação clínica e para a pesquisa. A inclusão da Schizoaffective Disorder
nesse espectro representou---além de um retorno ao tempo em que se tomava o transtorno mais
grave (sic) como prioridade*---uma perspectiva a partir das Esquizofrenias, quando tudo faz supor
serem aquelas condições muito mais próximas dos Trans. do Humor. Diagnósticos "intermediários"
representam sempre uma insuficiência no conhecimento acerca de uma condição qualquer, não
apenas de um clínico ou pesquisador, mas do saber acumulado até então. Uma coisa, porém, é certa:
eles não representam uma "terceira psicose". Tomando o interesse clínico/terapêutico como
referência, temos um critério: sempre que observamos uma preservação quantitativa importante
dos afetos---por mais bizarros que possa parecer sua expressão---damos prioridade e trabalhamos
com a hipótese de o paciente fazer parte de um outro espectro: o dos transtornos do humor.
Considerando a insuficiência de nossos métodos complementares (imagens, exames de laboratório e
outros) para o diagnóstico de situações ditas intermediárias, melhor parece ser investir na hipótese
que gera mais mobilização e instrumentos terapêuticos. Dirão alguns: "Mas isso é do tempo em que
não havia medicamentos que mudavam o curso das esquizofrenias" e nós responderíamos que,
apesar dos avanços nessa área, não conseguimos impedir que esses pacientes sofram deterioração
dos afetos e da vontade/pragmatismo. Além disso, e por definição, os "esquizoafetivos" apresentam
manifestações na esfera dos afetos que seriam mitigadas com estabilizadores do humor e/ou
antidepressivos. É verdade que, para esse uso, não é necessário um diagnóstico de Transt. do
Humor, mas um olhar a partir das Esquizofrenias costuma retardar essa decisão. De qualquer
maneira, estão na obrigação de apresentar as razões que os levaram a essa inclusão, uma vez que
não se devem aceitar meros acordos e negociações que deixem de lado a clínica e a pesquisa.
Algo de parecido pode ser dito da inclusão aqui também da "Delusional Disorder", embora ela nos
pareça natural. Costuma haver, também nesses casos, um importante componente afetivo envolvido,
suficiente até para, em muitos casos, associar estabilizadores do humor a antipsicóticos. Sugerir,
entretanto que a duração suficiente para o diagnóstico seja de 1m, parece-nos totalmente
inadequado, ferindo mesmo o próprio conceito de cronicidade, necessário a esse diagnóstico.
Quando, além disso, dizem, em seu critério D: "Se episódios afetivos aconteceram juntamente com
os delírios, sua total duração foi breve em relação à do delírio", deixam margem para uma total
incongruência. Imaginem como seria toda essa "contabilidade", quando restrita a 1m?
A inclusão nesse espectro de 3 ítens associados a condições de origem orgânica específica: uso de
substâncias, delírios e catatonia "associated with another medical condition", parece ter ferido
também um bom princípio aplicado em outras classificações. Transtornos não psiquiátricos em sua
origem, e por mais que possam ter relação com o estado mental e acontecimentos do meio, devem
ser classificados nas seções mais específicas onde os fatores psicológicos/ambientais seriam
assinalados. Foi esse critério que excluiu os Tr. ditos Psicossomáticos da seção referente às
condições psiquiátricas. Como não conhecemos bem as demais seções das classificações norte-
americanas, não sabemos como lidam com isso. De qualquer maneira, se os psiquiatras ignoram
outras especialidades, na organização de sua própria Classificação, é um mau sinal.
Por fim, as "Brief Psychotic Disorder", herdeiras das anteriormente denominadas Psicoses Reativas
breves, maneira muito melhor de as denominar. Diga-se de passagem, poucas vezes uma
denominação em psiquiatria foi tão clara: Psicose, por apresentar uma perda importante do juízo de
realidade; Reativa, por decorrer de um acontecimento externo/ambiental importante (não associado
à ingestão de substância, por exemplo); Breve, pois de curta duração e tendência a desaparecer
(quando cessado o estímulo externo). Na proposta do DSM5 desapareceu o "Reativa" e isso gerou
uma situação quase cômica. Passou-se a poder especificar se o quadro tinha ou não relação "with
marked stressor". Considerando, entretanto, que o quadro não pode ser atribuível a qualquer das
grandes psicoses ou ao uso de substâncias, essa exclusão de "stressfull events" como fatores
determinantes nos atira à totalmente absurda possibilidade da existência de uma "Psicose
Espontânea". Quem sabe, foi deixada aberto um caminho para as POSSESSÕES DEMONÍACAS
"verdadeiras"? Ou seja, o diabo existiria mesmo! Há ou não algo de cômico nisso? Bem melhor
seria especificar apenas se esses fatores foram identificados ou não. Caso contrário, muito mais
prudente seria não atribuir esse diagnóstico e investigar uma condição orgânica transitória. Afinal, a
maior função de uma Classificação deve ser, além da criação de uma linguagem comum,
INSTRUMENTALIZAR a clínica e a investigação diagnóstica

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