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A importância da geografia em sala de aula: o

desafio de um ensino capaz de formar o cidadão

Evelyn Monari Belo 1

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira 2

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar ao leitor uma breve discussão sobre
a importância da disciplina Geografia como elemento presente na formação do cidadão,
demonstrando de que maneira o trabalho pedagógico pode contribuir e ampliar o
universo humano e a atuação do indivíduo na sociedade. Trata-se de uma discussão
teórica, não sendo, portanto, apresentados dados oriundos de pesquisa realizada em
campo empírico. O texto traz em sua abordagem a importância da compreensão de
conceitos geográficos como o espaço geográfico bem como a necessidade de formação
do cidadão. Neste sentido, buscamos referenciais atuais que nos permitem o trânsito
entre a Geografia enquanto disciplina numa perspectiva crítica e a sua implicação no
trabalho desenvolvido em sala de aula.

Palavras-chave: Geografia. Ensino. Formação do cidadão.

1
Professora Doutora Adjunta nas Faculdades Integradas Claretianas, Rio Claro – SP. Professora Doutora na
Rede Pública Municipal de Rio Claro – SP. Licenciada em Geografia pelo Centro Educacional Claretiano,
pólo Campinas – SP. E-mail: <evelyn_monari@terra.com.br>.
2
Orientador. Mestrando em Geografia Humana pela USP. Geógrafo. Especialista em Gestão e Manejo
Ambiental. Docência no Ensino Superior nas Modalidades Presencial e EAD. E-mail: <gustavocepolini@
gmail.com>.

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho pedagógico é, indiscutivelmente, necessário e importante


à formação do cidadão. A Geografia, então, é uma disciplina que contribui
com esta formação, pois traz em sua grande abrangência em relação às
diferentes áreas do conhecimento o respaldo necessário à compreensão do
homem enquanto sujeito ativo em um mundo extremamente dinâmico.
Este artigo tem como principal objetivo discorrer sobre possibilidades
de intervenção pedagógica pautada nesta disciplina, de acordo com os
ideais expressos em uma sociedade cada vez mais complexa.
Utilizamos como materiais e métodos a pesquisa de caráter
bibliográfico, transitando entre ideias de autores específicos da área
como Straforini (2008) retratando a globalização e aproximando-se,
portanto, das reflexões de Santos (2004), ao apontar-nos como são
os acontecimentos mundiais. Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007)
são referenciais que podem ser unidos a Trindade e Chiapetti (2007) e
Kimura (2011) para verificarmos a importância da prática docente e da
concepção do que acontece nas instituições de ensino, evidenciando o
que nos diz Oliveira Jr (2010) sobre a prática que realizamos em sala de
aula e permitindo uma leitura das entrelinhas baseada nos objetivos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia, Ensino Fundamental
(BRASIL, 1997). Vesentini (2010) nos permite verificar a concepção e
a importância da Geografia crítica, nos permitindo associá-la com idéias
pertinentes ao ensino da disciplina Geografia em sala de aula e, Corrêa
(2010) nos oferece concepções sobre o espaço geográfico nesta mesma
perspectiva, oferecendo condições de discutir a prática pedagógica no
contexto da formação do cidadão.
Temos neste artigo a possibilidade de buscar a compreensão da
importância expressa no desenvolvimento da disciplina Geografia em sala
de aula requer que voltemos nossos olhares a novas possibilidades de (re)
interpretação da realidade, fato que configura novas visões do mundo.
Assim, é apresentada, sequencialmente, uma breve discussão que

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convida a todos a refletirem sobre sua prática e sua ação, tanto na escola
quanto na sociedade, pois:

[...] num mundo universalizado, os acontecimentos são comandados


direta ou indiretamente por forças mundiais. É a unidade dos acon-
tecimentos e a cumplicidade das formas que perfazem a unidade do
espaço. Pode-se dizer que o espaço é global (SANTOS, 2004, p. 25).

Em outras palavras, a discussão proposta implica em nossa


compreensão sobre a escola como uma instituição que representa fielmente
este espaço global, tornando a Geografia uma das disciplinas de maior
importância e abrangência em contexto educativo formal.

2. POR QUE PENSAR EM GEOGRAFIA?

Para iniciar esta discussão, é interessante refletirmos sobre a seguinte


afirmação: geograficamente, a compreensão sobre o mundo nos traz uma
verdadeira “luta” ideológica na busca pela compreensão de conceitos
que procuram determinar uma definição de caráter único, capaz de
impulsionar novos questionamentos e reflexões sobre o homem e o
mundo, incansavelmente. Assim:

Na empreitada de se buscar as possibilidades para um en-


sino de Geografia considerado bem-sucedido, entende-
se que encontrará condições mais favoráveis se acontecer
com a resolução daqueles aspectos gerais da escola e da
educação. Ou seja, trabalha-se, como sempre, com a rela-
ção entre o particular e o geral (KIMURA, 2011, p. 19).

Esta tentativa redimensiona nossas concepções, constituídas ao longo


do desenvolvimento de relações que estabelecemos conforme vivemos e
“experienciamos” novas situações. Nesta perspectiva, podemos associar

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tais afirmações com as idéias expressas por Oliveira (2010) retratando
a grande maioria dos professores da rede de ensino compreendendo
que o ensino atual da Geografia não satisfaz o aluno e nem o professor.
Em poucas palavras, compete-nos observar que um ensino pautado da
experiência a na vivência de novas situações não se realiza.
Neste sentido, tomar como fundamentação para a compreensão
do mundo conceitos geográficos é algo imprescindível, que tem como
base um currículo oficial, pautado na lógica positivista e, portanto,
“engessado”. Entre as escolas pedagógicas, temos a abordagem humanista
que se aproxima do que denominamos Geografia crítica, contrariando o
“engessamento” que apontamos como empecilho para a realização de uma
prática pedagógica significativa. De acordo com Vesentini apud Oliveira
(2010, p. 37, grifos do autor):

[...] o conhecimento a ser alcançado no ensino, na perspecti-


va de uma Geografia crítica, não se localiza no professor ou
na ciência a ser “ensinada” ou vulgarizada, e sim no real, no
meio onde aluno e professor estão situados e é fruto da prá-
xis coletiva dos grupos sociais. Integrar o educando no meio sig-
nifica deixá-lo descobrir que pode tornar-se sujeito na história.

Se considerarmos uma abordagem de ensino tradicional, teremos


na prática pedagógica uma relação vertical entre professor e aluno,
capaz de confirmar relações que estabelecem numa estrutura hierárquica
já consolidada cultural e historicamente. Esta abordagem retrata
adequadamente a fragmentação de conteúdos e assegura currículos
inflexíveis. Na perspectiva de uma Geografia crítica, não cabe esta
concepção. O dinamismo que caracteriza a prática pedagógica é inerente à
importância da Geografia em sala de aula. Portanto, pensar em Geografia
como disciplina que integra os currículos escolares é o mesmo que pensar
na possibilidade de formação do cidadão.
Quando pensamos, refletimos sobre algo e, indiscutivelmente,
elaboramos imagens que passam a constituir conceitos que construímos

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na medida em que adquirimos conhecimento. Esta aquisição acontece,
principalmente, no cotidiano escolar.
Em contato com livros e textos diversos, o aluno produz suas
“próprias” imagens, desafiando a lógica preestabelecida pelos conteúdos
que constituem o currículo oficial.

Pensar em alterações no ensino da Geografia significa, num pri-


meiro momento, caminhar no sentido de eliminar a feição de
uma disciplina enfadonha e decorativa, características que têm
marcado este campo do saber e, simultaneamente, rever os con-
ceitos e categorias analíticas, numa dinâmica que acabe por desco-
brir e convencer professores e educandos do importante papel que
esta ciência tem no processo de formação do cidadão conscien-
te e crítico de sua realidade. Cidadãos que não se deixam enga-
nar, sejam capazes de reivindicar, lutar por seus direitos e cumprir
com os seus deveres (OLIVEIRA; TRINDADE, 2007, p. 65).

As imagens que o leitor de livros, textos didáticos e, portanto, do


mundo produz sob tais condições correspondem a um processo que retrata
o homem como incapaz, apesar de ser o principal ator que transforma o
espaço geográfico3.
Sua incapacidade se manifesta na impossibilidade que possui para
promover a transformação necessária à obtenção de uma sociedade mais
justa, pois “não se trata de levantar fatos mas levantar questões, ou seja,
negar o discurso competente” (VESENTINI, 2010, p. 37).
Por tal condição, elabora imagens que são capazes de conduzi-lo ao
sonho sem despertá-lo do pesadelo. O sonho é expresso na possibilidade de
conquistar uma melhor condição socioeconômica, por exemplo, assegurando-
lhe a participação em um contexto que, além de geográfico, é histórico.
3
Na abordagem deste artigo, consideramos o espaço concebido na abordagem da Geografia crítica,
sendo o espaço concebido como “lócus da reprodução das relações sociais de produção, isto é, repro-
dução da sociedade.” (CORRÊA apud CASTRO, GOMES, CORRÊA, 2010, p. 26). Esta concepção
coincide em alguns momentos com as propostas dos PCN’s mas nem sempre se tornam concretas em
sala de aula pelo fato de ser o ensino da Geografia associado a práticas de uma Geografia tradicional,
que desconsidera as relações aqui consideradas.

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Portanto:

Hoje, com a globalização, muitos currículos oficiais, principalmen-


te dos denominados países emergentes do mundo ocidental, apre-
sentam concepções curriculares com traços e perspectivas comuns.
No caso específico da Geografia, observam-se propostas curricula-
res diferenciadas: desde currículos que não incluem essa disciplina
no ensino básico até aqueles de países em que ela está presente em
todos os níveis da educação básica, passando por algumas propos-
tas curriculares que a incluem apenas em algumas séries (PON-
TUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p. 113-114).

A “variedade” apresentada nas reflexões anteriores nos permitem


verificar de que maneira a Geografia é compreendida enquanto disciplina que
constitui – ou não – a grade curricular das instituições oficiais de ensino.
Porém:

[...] ainda que timidamente, já se percebe um movimento na dire-


ção de novas práticas pedagógicas baseadas numa outra relação
com o conhecimento, em novas formas de relacionamento com
os alunos e em maneiras mais democráticas de avaliação, pos-
to que mais abertas ao diálogo (TRINDADE, 2007, p. 115).

Esta afirmação nos permite, em contrapartida, a realização de


apostas numa Geografia que, indiscutivelmente, venha a contribuir com
a formação do cidadão. A extrema relação com o conhecimento tem sua
origem na compreensão da realidade, que as imagens citadas anteriormente
se encarregam de definir e até mesmo explicar.
Entretanto, é necessário considerarmos que uma Geografia capaz de
contribuir com a formação do cidadão não se distancia de uma ideologia
forte e marcante, que delimita verdadeiras “regiões” no campo do saber,
pois “a própria ideologia é objetiva, dissimulando o real e tentando impor-
lhe a sua significação no momento crucial da objetividade da totalidade”
(SANTOS, 2004, p. 37).

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Prosseguindo com a reflexão teórica proposta, é cabível a seguinte
questão: qual a relação da Geografia em sala de aula e a formação do
cidadão?

3. Formação do cidadão e
cidadão de formação:
duas faces de uma mesma moeda?

O processo de formação do cidadão é, realmente, importante e


necessário a toda e qualquer transformação social.
Assim, um primeiro critério nos permite identificar aspectos
pertinentes à condição de “ser cidadão”.
Quando utilizamos a expressão “formar o cidadão”, o que realmente
pretendemos?
Formar, em sentido amplo, se traduz na possibilidade de contribuir
com a construção da identidade do indivíduo. Determina nossa
compreensão sobre as peculiaridades que constituem o ser humano e,
portanto, sua individualidade.
No longo e complexo processo de formação do cidadão, o ensino
da Geografia é capaz de oferecer ao indivíduo uma formação abrangente.
Muitas vezes, esta condição é interpretada como necessidade presente em
um mundo globalizado.
O processo de globalização, assim, pode ser observado como
presente nas discussões que são referentes ao currículo oficial conforme
demonstrado anteriormente. É utilizado, com frequência, para justificar
as condições observadas numa sociedade consolidada em imagens que
interferem em toda e qualquer realidade:

[...] a globalização no atual período histórico é uma realidade para


todo o mundo. A globalização é entendida como um todo sistêmico,
desigual e combinado. Pela primeira vez na história da humanidade te-
mos os fenômenos sociais, políticos e econômicos unificados planeta-

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riamente graças aos imperativos técnicos, científicos e informacionais,
que são as características do período (STRAFORINI, 2008, p. 30).

A condição “todo sistêmico, desigual e combinado” expressa,


significativamente, a Geografia enquanto ciência que acumulou, ao longo
dos anos, características pertinentes ao desenvolvimento de um mundo
complexo e surpreendente.
O processo de globalização é, por vezes, associado à lógica
capitalista, determinada pelas condições de poder e consumo. Então, se
nos submetemos a um consumo exagerado, nossa atitude é decorrência
do mundo globalizado. Consumir é uma atitude atual e “natural”.
Praticar o consumismo é integrar-se, conectar-se à lógica de um sistema
já estabelecido.
Neste sentido, formamos pessoas habilitadas ao consumismo e à
manutenção de uma ordem social já estabelecida:

Reconhecemos que o tempo presente é complexo porque é mar-


cado pelos avanços do meio técnico-científico-informacional, da
globalização e de uma política econômica neoliberal, o que está a
exigir uma verdadeira reengenharia do processo educativo, rumo
a uma efetiva, sólida e pertinente formação geográfica dos sujei-
tos. A Geografia é um saber estratégico e se desenvolve junto com
a compreensão do que é o mundo. Essas transformações, derivadas
das recentes lógicas do capitalismo, exigem que a ciência geográ-
fica passe por uma recontextualização, isto se quiser dar conta das
explicações que a ela cabe realizar. [...] A Geografia está atrelada à
história da humanidade, às suas ideologias, à organização territo-
rial, à conquista e luta pelo poder. A Geografia a ser aprendida e
ensinada passa a ser aquela que [...] conduza os indivíduos a com-
preenderem a espacialidade das práticas sociais, para nela intervir
segundo as suas convicções e a um nível do humano genérico, aci-
ma das ações particulares (OLIVEIRA; TRINDADE, 2007, p. 64).

Esta condição da disciplina Geografia pode ser compreendida como


adequada à formação do cidadão que necessitamos: capaz de contribuir com

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verdadeiras transformações sociais e, portanto, incapaz de corresponder a
uma lógica que resulte no controle e manutenção da sociedade.

Entretanto, podemos observar também que:

Como é sempre o professor o mediador do conhecimento a ser de-


senvolvido nas escolas, cabe-lhes trabalhar com desafios como: o que
e de que maneira ensinar? Que dizer, estando no cerne do ato edu-
cacional o fazer-pensar do professor e do aluno, o ensinar-aprender
adquire uma importância fundamental (KIMURA, 2011, p. 81).

Retomando a questão do primeiro tópico da Geografia, “por que


pensar a Geografia?”, é possível compreendermos que “a lógica do mundo
precisa ser apreendida por todos” (OLIVEIRA; TRINDADE, 2007, p.
65).
Neste sentido, o maior desafio expresso no trabalho a ser desenvolvido
com a disciplina Geografia se resume nesta formação do cidadão. De
acordo com Oliveira Jr (2010, p. 358):

Nossas aulas são discursos e práticas sociais nos quais elabo-


ramos uma dada realidade espacial com nossos alunos; por-
tanto, posso pensar que nossas aulas de Geografia são narrati-
vas acerca do espaço geográfico, seu aspecto e seus processos.

Se elaboramos uma realidade nestes moldes, não contribuímos com


a formação do cidadão. Desconsideramos, simplesmente, que a educação
ultrapassa limites e fronteiras físicas. Que formar o cidadão implica,
obrigatoriamente, um investimento nos processos reflexivos voltados à
prática docente. Entretanto, não é possível desconsiderar também que
há algumas manifestações que nos indicam que “o professor nunca irá
conscientizar ninguém, mas no máximo, contribuir para que determinadas
potencialidades do educando (a criticidade, a logicidade, a criatividade) se
desenvolvam” (VESENTINI apud OLIVEIRA, 2010, p.114).
Uma educação fundamentada em princípios voltados à formação do

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cidadão é, simplesmente, formar homens atuantes em nossa realidade. E,
assim, tais princípios podem ser identificados em alguns dos objetivos
expressos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia, Ensino
Fundamental, Ciclo I:

• conhecer a organização do espaço geográfico e o funcio-


namento da natureza em suas múltiplas relações, a fim
de compreender o papel das sociedades em sua constru-
ção e na produção do território, da paisagem e do lugar;

• identificar e avaliar as ações dos homens em sociedade e


suas conseqüências em diferentes espaços e tempos, para
construir referenciais que possibilitem uma participação
propositiva e reativa nas questões socioambientais locais;

• compreender que as melhorias das condições de vida, os


direitos políticos, os avanços técnicos e tecnológicos e as
transformações socioculturais são conquistas decorren-
tes de conflitos e acordos, as quais ainda não são usufruídas
por todos os seres humanos. E, dentro das possibilidades,
empenhar-se em democratizá-las; (BRASIL, 1997, P. 61)

Por tantos motivos aqui apresentados, se torna fácil a compreensão


desta realidade e da necessidade de formação do cidadão. Porém, uma nova
questão emerge na busca pela compreensão de nosso desafio, enquanto
educadores, frente a realização de um ensino significativo: a formação de
professores.

4. Formação do cidadão
versus formação do professor

Iniciando este tópico, podemos questionar o que deve ser compreendido


como prioridade: formar o cidadão ou formar professores?

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Temos uma questão que pode ser analisada de acordo com a seguinte
perspectiva: para contribuirmos com a verdadeira formação do cidadão,
precisamos, primeiramente, formar professores.
Desvincular a Geografia de um ensino caracteristicamente
enfadonho, realizado a partir de práticas “cansativas”, que esgotam toda
e qualquer possibilidade de reflexão e transformação social nos conduz
ao pressuposto do abandono de velhas formas de compreensão e (re)
interpretação da realidade.
Assim, podemos verificar que:

O ensino da Geografia pode atuar em todas as capacidades e


competências a serem exploradas e consolidadas através da edu-
cação. Pode favorecer ao aluno a tomada de consciência de si
mesmo e do mundo que o rodeia, e crítica suficiente para ir cons-
truindo e desenvolvendo o conhecimento, de modo a adquirir
autonomia de pensamento, para um desenvolvimento comple-
to de sua cidadania (SOUZA; CHIAPETTI, 2007, p. 228).

Tais afirmações nos permitem verificar que caminhamos rumo


a uma nova forma de organização dos conteúdos, proporcionando,
consequentemente, novas formas de construção do conhecimento.
Neste sentido, a necessidade de articular o conhecimento geográfico
com as demais áreas do conhecimento:

A preocupação com a interdisciplinaridade deve trazer uma nova


visão didático-pedagógica do ensino de Geografia à forma-ação
do ser humano. Como interdisciplinar, o ensino de Geografia tor-
na-se um espaço de interação, integração e compartilhamento de
competências e saberes (SOUZA; CHIAPETTI, 2007, p. 235).

Temos nesta concepção uma perspectiva de trabalho que associa a


realidade vivida pelos alunos à realidade escolar. Então, a formação dos
professores se torna um elemento fundamental para a consolidação de uma
prática pedagógica que expresse os melhores pressupostos, necessários à

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possibilidade de oferecimento de um ensino que procure corresponder aos
objetivos expressos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1997) e que, verdadeiramente, permitam ao professor pensar:

[...] como os saberes interagem para produzir outro saber, re-


presentado pelo escolar, que não se confunde com o acadêmico,
mas não prescinde deste na construção do saber a ser ensinado
(PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p.114).

A troca de experiências a o que denominados, costumeiramente,


como “bagagem” do aluno constituem o ponto de apoio, o referencial
para o início das modificações que se manifestam, principalmente, na
atuação do professor.
Então, o ensino da Geografia se constitui como um instrumento
capaz de mover o mundo, promovendo novas ações por meio da realização
de novas práticas. Portanto, “na Educação, isso pode ocorrer se o professor,
na relação com os alunos, levar em conta um fenômeno que se encontra
entre aqueles genericamente definidos como oprimidos e dominados”
(STRAFORINI, 2008, p. 54).
A relação estabelecida entre as diferentes classes sociais determina
quais são as oportunidades que verificamos como verdadeiras e possíveis
para cada indivíduo, pois, como é identificada com facilidade, a principal
característica da educação brasileira é, indiscutivelmente, elitista: privilegia
poucos e marginaliza muitos e, “com a mundialização da sociedade,
o espaço, tornado global, é um capital comum a toda a humanidade”
(SANTOS, 2004, p. 32).
Tal condição pode ser compreendida como um fator que define o
perfil do professor atuante no sistema educacional brasileiro: muitas
vezes, sua atuação não é decorrente de uma escolha pessoal, motivada
pela sua busca e pelos seus sonhos. Assim, realiza sua prática desmotivado,
despreocupado em relação ao desempenho de seus alunos. Então, como
podemos esperar que contribua com a formação do cidadão?
É importante salientar que:

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[...] não existe desde os anos 1980, uma estratégia coerente e con-
tínua para a educação no Brasil, e muito menos uma ação concre-
ta para revalorizar a atividade docente. Todos nós conhecemos
as reviravoltas das políticas educacionais dos últimos 15 anos,
tanto no âmbito federal quando no estado. Tudo muda cons-
tantemente a cada novo governo (novos guias ou “propostas
curriculares”, novas diretrizes pedagógicas, novas atividades bu-
rocráticas, novas denominações etc.) e, no final das contas, tudo con-
tinua praticamente igual ao que era (VESENTINI, 2010, p. 238).

A formação docente, nesta perspectiva, se apresenta numa situação


indigna de constituir-se como elemento que venha a assegurar uma
prática pedagógica que expresse um ensino de qualidade, verdadeiramente
significativo.
Observando as considerações sobre a prática pedagógica dos
professores de Geografia exposta por Trindade e Chiapetti (2008, p.
144):
[...] os cursos de licenciatura não podem ficar à margem da produ-
ção de conhecimento na área da educação, pois são os profissionais
formados por eles que irão lidar concretamente com questões que
envolvem a educação. O profissional com licenciatura vai traba-
lhar no processo ensino-aprendizagem de um determinado con-
teúdo, que, por sua vez, é parte de algum currículo escolar. A sua
prática não deve ser a de construir coisas, organizar/administrar
problemas, ensinar/treinar técnicas, mas a de educar. Por educar,
entende-se criar as condições e instrumentalizar pessoas para que
tenham acesso concretamente à sua cidadania e ao exercício dela.

Em outras palavras, temos nestas colocações uma provável resposta


ao título deste tópico, confirmando a necessidade de uma boa formação,
que é denominada “base”, sustentação, para a concretização de uma
prática que contribua com a formação do cidadão: sujeito ativo, crítico,
participativo e “pensante”.
Assim, contrapondo tais colocações e confirmando o que costuma
ocorrer nas salas de aula na grande maioria das vezes:

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Os professores formados em departamentos, cada um no compartimento
de sua ciência, têm dificuldade de pensar em aulas práticas pedagógicas
que possibilitem a inter-relação de um tema com as demais disciplinas es-
colares (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p. 137).

Se tomarmos como exemplo um jogo, uma partida entre times


diferentes, o contexto até aqui discutido poderia apresentar como
interpretação desta análise o seguinte resultado: 0 (zero) para a formação
do cidadão e 0 (zero) para a formação do professor. Por que o empate? A
resposta é simples: o placar demonstrado não negligencia a realidade. Temos
um ensino falho, que se concretiza por meio de uma prática pedagógica
inadequada e, assim, nossos alunos não atendem às necessidades de uma
realidade que caracteriza uma sociedade em constante transformação.
Nossos alunos, infelizmente, não têm sido preparados para vivenciar
novas situações bem como para construírem uma nova realidade.
Enquanto professores, se não somos bem preparados, não
contribuímos com a formação do cidadão. Então, nos resta verificar que:

Ser professor não é fácil! A prática educativa exige de nós, a cada


momento, a reflexão em torno das ações que desenvolvemos junto
com nossos colegas professores e com nossos alunos. Acontece que,
em nenhum momento, atuamos isoladamente, ainda que muitos
professores, por diferentes razões, não exercitem a prática do encon-
tro, do diálogo e da troca de experiências com seus pares. O saber é
sempre fragmentado na nossa prática cotidiana. Para que iniciemos
o trabalho letivo com uma dada turma de alunos, contamos sempre
com um rol de conhecimentos que eles trazem de sua experiência for-
mal e informal anteriormente vivida (TRINDADE, 2007, p. 84)

De acordo com tais considerações, o desafio se encontra na


compreensão da profissão. A práxis educacional expressa a possibilidade de
análise e entendimento de uma atuação consciente, pois exige do docente
constante reflexão sobre sua ação. Neste sentido, a prática pedagógica se
resume como orientação de situações que, consolidadas em sala de aula, se
integram diretamente à formação do cidadão.

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5. CONCLUSÃO

O presente artigo nos permitiu analisar elementos que constituem a


prática pedagógica e determinam de que forma a Geografia contribui com
a formação do cidadão.
Enquanto professores, compreendemos que a prática pedagógica
exercida define, fielmente, o cidadão que desejamos. Este cidadão pode ser
interpretado a partir de várias possibilidades de análise que nos conduzem
a refletir: ativo ou passivo? Influente ou influenciável? Pensante ou
“pensado”?
Um cidadão ativo tem em suas atitudes a iniciativa necessária ao
estabelecimento de relações que lhe permitem (re)construir e/ou (re)
interpretar o conhecimento, acumulando novos saberes a partir de
experiências e vivências.
Um cidadão influente é aquele que sendo ativo, anula toda e qualquer
passividade e aceitação, capaz de promover situações em um contexto de
verdadeiras transformações.
Um cidadão pensante integra os perfis anteriormente relatados e
nos permite compreender como pensado o cidadão que não age, não se
relaciona, não experimenta e, portanto, não vive.
Então, podemos concluir que:

A Geografia, no desenvolvimento de seus conceitos e na maneira de


produzir, ensinar e relacionar-se ou não com seus próprios ramos e
com outras ciências ou disciplinas escolares, é um movimento históri-
co que se encontra em constante transformação. O professor necessi-
ta manter o diálogo permanente com o passado, o presente e o futuro
[...] (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p. 145).

Em outras palavras, cabe ao docente articular o conhecimento


geográfico na medida em que se mantém como elo entre o conhecimento
e o conhecedor. Na figura do conhecedor, temos tanto o aluno quanto o
próprio docente, pois desta relação resulta toda a fonte de conhecimento
necessária à humanidade.

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Enquanto ciência, a Geografia nos permite o conhecimento do
mundo e, neste sentido, torná-la significativa em sala de aula é princípio
fundamental para a organização do tempo e do espaço, que se constituem
tanto como variáveis elementares desta disciplina quanto como
instrumentos de aquisição do conhecimento e aprofundamento do saber
produzido historicamente.

REFERÊNCIAS

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Title: The imprtance of the geography in classroom: the challenge of a teaching
capable to form the citzen.
Authors: Evelyn Monari Belo; Gustavo Henrique Cepolini Ferreira.

ABSTRACT: This article has as objective presents to the reader an abbreviation


discussion on the importance of the discipline Geography as present element in
the citizen’s formation, demonstrating that it sorts out the pedagogic work can
contribute and to enlarge the human universe and the individual’s performance
in the society. It is a theoretical discussion, not being, therefore, presented data
originating from of research accomplished in empiric field. The text brings us in
her approach the importance of the understanding of geographical concepts as
the geographical space as well as the need of citizen’s formation. In this sense, we
looked for current referential that they allow us the traffic among the Geography
while it disciplines in a critical perspective and her implication in the work
developed at classroom.
Keywords: Geography. Teaching. The Citizen’s Formation.

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