You are on page 1of 14

VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E


ECONOMIA SOLIDÁRIA.

MÚSICA E HISTÓRIA: APROXIMAÇÕES CURRICULARES


Italan Carneiro

Instituto Federal da Paraíba - IFPB

italancarneiro@gmail.com

Resumo: Neste texto, abordamos possibilidades de aproximação entre a Música e a


disciplina História, presente no currículo do Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico
em Instrumento Musical. A partir de pesquisa bibliográfica envolvendo a literatura das
duas áreas, compreendemos a produção musical enquanto produção social, cultural,
histórica e política da sociedade. Desse modo, discutimos a possibilidade do trabalho
com música na aulas de História seja como fonte ou como objeto, do mesmo modo que
que enfatizamos a importância da historicização (SAVIANI, 2011) dos conhecimentos
musicais na busca de ofertar uma formação efetivamente integral para os estudantes.

Palavras-chave: Currículo Integrado. Educação Musical. História.

1. Introdução

Este trabalho discute questões abordadas na pesquisa de doutorado denominada


“Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio em Instrumento Musical do IFPB: reflexões
a partir dos perfis discente e institucional”5 que apontou como um dos seus objetivos
específicos a reflexão acerca da integração entre a área da Música e as disciplinas do
currículo do Ensino Médio, buscando uma efetiva materialização do Currículo
Integrado em Instrumento Musical. Neste texto, abordamos especificamente
possibilidades de aproximação entre os conhecimentos musicais e os conhecimentos da
História.

5
Pesquisa desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Música, subárea Educação Musical, da
Universidade Federal da Paraíba – UFPB, sob a orientação do prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz.
Disponível em:
<https://www.academia.edu/35060454/Curso_T%C3%A9cnico_Integrado_ao_Ensino_M%C3%A9dio_e
m_Instrumento_Musical_do_IFPB_reflex%C3%B5es_a_partir_dos_perfis_discente_e_institucional>.
Acesso em 14 jun. 2018.

827
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

A partir de pesquisa bibliográfica envolvendo a literatura das duas áreas,


enfatizamos que a integração entre os conhecimentos musicais e os conhecimentos
históricos contribui significativamente para a compreensão da produção musical
enquanto produção social, cultural, e política da sociedade, favorecendo assim para que
os estudantes sejam formados numa perspectiva efetivamente integral (omnilateral)6.

2. Música e História

Acerca da presença da disciplina História no currículo do Ensino Médio


brasileiro, faz-se importante assinalar que, de modo semelhante às disciplinas Filosofia
e Sociologia, as medidas do Regime Militar autoritário, institucionalizado na década de
1960, “tornaram as Ciências Humanas suspeitas e baniram do ‘ensino de 1º grau’ a
História e a Geografia, dissolvidas nos ‘Estudos Sociais’, que incluíam a ‘Educação
Moral e Cívica’, tentativa de atualização para as massas de uma educação de caráter
moral, sem o componente cultural próprio às humanidades” (BRASIL, 2000, p. 7).
Sendo este o panorama educacional instituído durante o regime ditatorial, mudanças
significativas vêm a ocorrer apenas ao longo da década de 1980, de modo que,
conforme Silva (2015, p. 22), “a redemocratização proporcionou também o retorno das
disciplinas História e Geografia”. Caracterizando o contexto educacional do Regime
Militar, apontamos a seguinte reflexão contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio:

A lógica tecnoburocrática ali presente, embora assumindo um viés


autoritário explícito, não fazia mais do que acompanhar uma tendência
geral das sociedades contemporâneas. Pressionadas pelas necessidades
imediatas de uma civilização cada vez mais apoiada nas Ciências
Naturais e nas tecnologias delas decorrentes, tanto as humanidades
quanto as Ciências Humanas perderam o prestígio e o espaço que
detinham na sociedade e na escola. (BRASIL, 2000, p. 7)

6
O termo “omnilateral” associa-se à proposta de educação integral pretendida pelo Currículo Técnico
Integrado. Para um maior aprofundamento acerca dessa proposta de educação, consultar Ramos
(2008).

828
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

O documento ressalta como responsabilidade que precisa ser assumida pelas


Ciências Humanas, frente à sociedade brasileira e aos estudantes do Ensino Médio, “a
necessária superação dos ‘anos de chumbo’ da história recente do País, com todas as
suas conseqüências nefastas para o convívio social e, em especial, para a educação”
(BRASIL, 2000, p. 8). Partindo deste entendimento, destacamos como necessária a
reflexão por parte dos docentes acerca de ações como a já referida Lei nº 13.415/2017.
Conforme discutido, o documento configura explicitamente uma proposta que objetiva
“flexibilizar” o currículo do Ensino Médio, indo na direção contrária ao discurso dos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio quando estes enunciam que “o
momento, hoje, porém, é o de se estruturar um currículo em que o estudo das ciências e
o das humanidades sejam complementares e não excludentes. Busca-se, com isso, uma
síntese entre humanismo, ciência e tecnologia, que implique a superação do paradigma
positivista” (BRASIL, 2000, p. 7).

Nesse sentido, fazendo referência ao aspecto sócio-histórico inerente ao


conhecimento produzido pelo ser humano, onde nos apoiamos no conceito de
“historicização” evidenciado por Saviani (2011), entendemos que a disciplina História
caracteriza-se como estritamente essencial à formação das próximas gerações. Assim, os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ressaltam que:

Os conhecimentos de História são fundamentais para a construção da


identidade coletiva a partir de um passado que os grupos sociais
compartilham na memória socialmente construída. A ênfase em
conteúdos de História do Brasil – como reza a LDB –, construídos em
conexão com conteúdos da chamada História Geral, em uma relação
de “figura” e “fundo”, é parte da estratégia de auto-construção e auto-
reconhecimento, que permite ao indivíduo situar-se histórica, cultural
e socialmente na coletividade, envolvendo seu destino pessoal no
destino coletivo. Na perspectiva formativa, isso não implica negar a
individualidade, mas combater os excessos do individualismo.
(BRASIL, 2000, p. 12)

Refletindo sobre a natureza das fontes utilizadas no trabalho do historiador,


Calissi (2003, p. 103) entende que estas devem ser compreendidas como uma
construção do pesquisador, de modo que “os registros ou vestígios humanos se tornam
documento ou fonte histórica quando são reconhecidos como tal; quando o pesquisador
lhe atribui esse sentido ao lhe imputar questões que visam respostas para confirmar,
contestar ou aprofundar o conhecimento sobre um determinado objeto ou problema

829
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

estudado”. Partindo deste entendimento acerca das fontes que podem compor o material
de trabalho dos pesquisadores em História, Calissi (2003) reflete que,

Nas últimas décadas, a historiografia tem sido enriquecida com a


adoção de uma abundante diversidade de fontes históricas, o que
permite a ampliação do campo de análise. Entre essas fontes, destaca-
se a música, que pode ser considerada uma nova linguagem dentro do
ensino e do livro didático de História. (CALISSI, 2003, p. 82)

Refletindo sobre a importância histórica da música, referindo-se mais


especificamente à música popular7, Moraes (2000, p. 212) aponta que esta “pode ser
compreendida como parte constitutiva de uma trama repleta de contradições e tensões
em que os sujeitos sociais, com suas relações e práticas coletivas e individuais e por
meio dos sons, vão (re)construir partes da realidade social e cultural”. Nessa
perspectiva, o autor indica que as canções podem “ser encaradas como uma rica fonte
para compreender certas realidades da cultura popular e desvendar a história de setores
da sociedade pouco lembrados pela historiografia” (MORAES, 2000, p. 204-205).

Enfatizando especificamente a importância do estudo histórico da música


popular que tradicionalmente foi relegado à segundo plano em favor do estudo histórico
da música erudita, Napolitano (2007, p. 170) indica que “seja como fonte ou como
objeto, a música popular pode gerar trabalhos instigantes de história política,
econômica, social ou cultural. Pode até ser a base de uma nova história da música, tout
court”.

Apesar do entendimento contemporâneo da música enquanto documento


histórico em potencial, conforme destacado anteriormente, segundo Blomberg (2011, p.
422), “assume-se que houve pouco contato dos historiadores com a música no Brasil.
Atualmente corroboram esta visão, uma análise quantitativa de artigos em periódicos e
de teses e dissertações”. A autora aponta que poucos historiadores, como Francisco

7
Conforme Napolitano (2007, p. 155), “a música popular é fruto de um cruzamento da música ligeira
com as músicas tradicionais, das danças de salão com as danças folclóricas. Até aí nenhuma novidade,
não fosse o momento histórico que propiciou este encontro, marcado pela expansão da industrialização
da cultura e pelo surgimento das sociedades de massa. Portanto, não se trata de um cruzamento
simples, de descendência direta, mas de uma filha bastarda, um ‘logro’ recalcado da experiência cultural
moderna como escreveu José Miguel Wisnik”.

830
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

Varnhagen, Capistrano de Abreu e Gilberto Freyre8, debruçaram-se sobre a história da


música, indicando que nomes como Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda
não produziram conhecimentos expressivos envolvendo a temática. Conforme
Blomberg (2011, p. 423), “nas gerações que se seguiram persistiu uma surdez
historiográfica. Poucos historiadores atreveram-se no campo da história da música e
consequentemente foram poucos os trabalhos históricos que enfocaram o tema”.
Refletindo sobre a produção brasileira realizada a partir dos anos de 1950, a autora
acrescenta que:

A história da música no Brasil, escrita a partir da segunda metade do


século XX, parece retornar àquela forma das crônicas tradicionais,
sem intenção de abordar documentos originais, entregando-se às
edições muitas vezes encomendadas, como a de [Vasco] Mariz9, sem
também pretensões críticas, permanecendo quase que como um
gênero literário. O ápice se dá na obra de Mariz, na qual a exacerbada
forma biográfica adotada, inserida numa evolução dos estilos musicais
parece legitimar conhecimentos através de uma apologia de virtudes
individuais. (BLOMBERG, 2011, p. 436)

Corroborando com este entendimento, Napolitano (2007, p. 158) indica que,


tradicionalmente, “falar em história da música significava articular uma narrativa que
desse conta, na sucessão do tempo, de autores-obras-movimentos musicais. Leia-se:
autores considerados gênios criadores, obras consideradas obras primas e movimentos
relevantes para a história da cultura e da sociedade”, de modo que a música produzida
pela grande maioria dos músicos, caracterizando-se como um elemento representativo
da cultura da sociedade, não despertava o interesse dos historiadores daquele período.

8
Moraes (2007, p. 8) destaca que “Gilberto Freyre é exceção no quadro historiográfico brasileiro.
Infelizmente o esboço, ainda que rarefeito, das relações entre música e trabalho historiográfico
proposto por ele teve continuidade muito dispersa e limitada entre os historiadores de ofício”.
9
Blomberg (2011) refere-se à obra “História da Música no Brasil”, cuja primeira edição data de 1981.
Conforme a autora, a “obra História da Música no Brasil recebeu sua sétima reedição recentemente em
2009 e é, junto do livro de [Bruno] Kiefer, [intitulado História da Música Brasileira (1977),] a bibliografia
utilizada como referência nos cursos de nível superior de música pelo país (BLOMBERG, 2011, p. 419).
Ainda segundo Blomberg (2011, p. 425-426), a obra de Mariz, “é a uma ordenação de gerações de
compositores à que ele recorre ao organizar seus capítulos cronologicamente. Narra suas biografias
dividindo-as em ‘fases de evolução’, ou seja, elegendo e organizando as produções de acordo com o
‘amadurecimento do autor’. Paralelamente às biografias identificou os períodos políticos: colônia,
império até chegar à república, para então passar a combiná-las com estilos: romantismo, nacionalismo,
entreato dodecafônico, pós-nacionalismo, e um capítulo intitulado ‘outros valores’”.

831
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

Refletindo sobre a natureza do materiais utilizados pelos historiadores do


contexto, sendo estes fontes primárias ou secundárias, Napolitano (2007, p. 158) adverte
que “muitas vezes era produto de memorialistas e cronistas, historiadores não
acadêmicos, que legaram narrativas clássicas da história da música popular brasileira.

Ainda caracterizando a produção historiográfica dos anos de 1950, Blomberg


(2011, p. 428) indica que nos trabalhos de história da música brasileira podem ser
identificadas duas formas de “evolucionismo”: “a da concepção de uma música que
evolui do simples para o complexo e a segunda concepção, a da história baseada na
evolução de gêneros musicais e ou de estilos”. Refletindo sobre a primeira das
concepções acima descritas, a autora acrescenta que:

Na primeira, a noção de evolução visou a formação de uma unidade


nacional. Nesta leitura incluem-se as obras de Melo10 e Almeida11, nas
quais se tentou sintetizar as várias identidades musicais, em prol de
uma unidade. Para Melo, por exemplo, “reconhecer-se-ia a arte
musical de um país, através da influência dos povos que contribuíram
para a constitucionalização de sua nacionalidade”. A crença destes
autores baseou-se na ideia de uma mestiçagem que não apresentou
conflitos, nem sociais nem políticos, e que permaneceu isenta de
problemas na sua apropriação de diferenças e na transmissão de suas
características. Esta maneira de descrever o processo gerou a
impressão de que a música brasileira já nascera mista. (BLOMBERG,
2011, p. 428)

Caracterizando a concepção evolucionista presente nas obras de maior


repercussão dentro da produção brasileira no século XX, Blomberg (2011, p. 437)
indica que “a História da Música no Brasil parece ter passado incólume por tendências
históricas pós-evolucionismo. Nada de Micro-história, ou da História das diferentes
fases da escola de Anais, ou da História Nova, ou História cultural”. Ainda refletindo
sobre a produção que vai até meados da década de 1990, Moraes (2007, p. 9) destaca
que nas publicações especializadas na área da História, como por exemplo a “Revista de

10
Conforme Blomberg (2011, p. 418), Guilherme de Melo (1867-1932) publicou a primeira história da
música do Brasil, no ano de 1908, intitulada “A música no Brasil: desde os tempos coloniais até o
primeiro decênio da República”.
11
Renato Almeida (1895-1981) foi o autor do segundo livro abordando a história da música no Brasil,
tendo publicado em 1926 a obra “A História da Música Brasileira” (BLOMBERG, 2011, p. 418).

832
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

História”12, uma das revistas especializadas em História mais antigas do Brasil,


identifica-se uma ausência significativa de publicações relativas à música,
caracterizando-as como “episódicas”. Nesse sentido, o autor ressalta “em tom diferente
da sociologia e da antropologia, poucos foram os historiadores que realizaram pesquisas
tendo a música como objeto ou fonte documental antes dos anos [19]90” (MORAES,
2007, p. 10). Refletindo sobre este panorama, Moraes (2007) acrescenta que:

Claro que esse relativo silêncio revela também a rarefação das


investigações em torno da música e as dificuldades em desenvolver
pesquisas na oficina da História até pelo menos a década de 1990.
Essa situação repleta de obstáculos é perfeitamente visível na
trajetória docente e de pesquisador do professor Arnaldo Contier. Em
depoimento exclusivo para a Revista de História ele apresenta e
comenta as dificuldades enfrentadas pelo historiador de ofício em
tratar com o objeto sonoro. Durante anos ele foi uma espécie de solista
na formação de pesquisadores e na evolução deste novo campo de
pesquisa. (MORAES, 2007, p. 9)

Ainda sobre aquele contexto, especificamente o final dos anos 1980, momento
em que uma historiografia renovada da música começa a adquirir forma nos programas
de pós-graduação brasileiros, Napolitano (2007) assinala que:

[...] o contexto era marcado por um legado forte da área de letras


(busca da forma e do sentido poético das canções), sociologia (crítica
aos padrões de mercado, normalmente com base adorniana) e por uma
história da música popular que buscava as origens, o momento mais
autêntico da tradição. Do ponto de vista metodológico, pautava-se por
uma mistura de narrativa linear e tradicional (sucessão de obras,
autores, gêneros e movimentos) e por um marxismo mais ou menos
mecanicista. (NAPOLITANO, 2007, p. 159)

Ainda apontando a escassez de trabalhos que abordassem a intersecção entre


História e Música (principalmente a música popular) daquele contexto, Calissi (2003)
enfatiza que até a década de 1980 havia pouca incidência de músicas nos livros e
manuais didáticos voltados para o Ensino Fundamental e Médio (Educação Básica).

12
O periódico “Revista de História” é uma publicação do Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP e destaca-se como uma das
revistas especializadas em História mais antigas do Brasil, fundada no ano de 1950. O periódico pode ser
acessado em: <http://www.revistas.usp.br/revhistoria/index>. Sobre a escassa publicação de artigos
relacionados à Música na Revista, conforme Moraes (2007, p. 9), “o número de artigos publicados
relacionados ao tema [música e história] ao longo dos seus cinqüenta anos não soma os doze sons da
escala cromática: foram somente onze textos, sendo oito deles de autoria de apenas três autores”.

833
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

Após examinar 58 materiais publicados entre 1980 e 2000, a autora contabiliza


propostas de trabalho relacionadas à música em 21 destes (equivalentes a 36,2% do total
de materiais pesquisados) e afirma que “percebe-se um aumento em número, de livros
no decorrer da década de [19]90” (CALISSI, 2003, p. 158), portanto, a partir do
processo de abertura política e redemocratização do país. Sobre aquele contexto, Calissi
(2003) reflete que:

A utilização da canção como nova linguagem, ou seja, como novo


documento empregado nos manuais [didáticos], de acordo com as
categorias aqui estabelecidas (instrumento metodológico ou recurso
didático), está mais presente na segunda metade da década de 1990.
As canções encontradas na década anterior foram predominantemente
utilizadas apenas como ilustrações das produções artísticas de um
determinado período estudado, e não como novos documentos aos
moldes propostos pela História Nova e pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais. (CALISSI, 2003, p. 158)

Apontando a parcela de autores que se dedicaram à temática da música em sua


perspectiva histórica, e caracterizando o entendimento que paulatinamente cresce na
área da História e na da Música, Moraes (2000, p. 206) indica que “alguns autores já há
certo tempo têm pregado a necessidade de compreender a história da arte integrada aos
movimentos sociais e históricos”. Nesse sentido, Pieroli (2007, p. 7) reflete que “parece
ter sido bastante comum nos últimos anos, a utilização da canção como fonte de
pesquisa histórica e como recurso didático em sala de aula, auxiliando o aluno na
construção de seu conhecimento histórico, a música permite a compreensão da nossa
identidade e da história do nosso país”. Nesta perspectiva, Chaves (2006, p. 94) salienta
que “a música, seus compositores e interpretes possibilitam uma construção do tempo
que revela parte de nossa memória e da História, elementos da cultura primeira que a
escola, portadora e transmissora de um saber elaborado, tem como tarefa reelaborar e
sistematizar”. Caminhando em direção semelhante, Abud (2005, p. 312) aponta que as
letras de músicas populares se configuram como evidências de fatos históricos,
entendendo que “elas são representações, não se constituem num discurso neutro, mas
identificam o modo como, em diferentes lugares e em diferentes tempos, uma
determinada realidade social é pensada e construída”. A autora ainda acrescenta que as
letras evidenciam “por meio de múltiplas configurações intelectuais como os diferentes
grupos constroem, contraditoriamente, a realidade social” (ABUD, 2005, p. 312).

834
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

Refletindo sobre o trabalho que pode ser desenvolvido nas aulas de História, Abud
(2005) sinaliza que:

Um trabalho com a linguagem expressa das canções foge ao


convencional em sala de aula. Seu propósito é auxiliar o aluno a
construir o conhecimento histórico a partir de documentos
diferenciados dos costumeiramente presentes nas aulas e, por isso, sua
utilização está relacionada a propostas alternativas de organização de
conteúdos. Os diferentes temas tratados na canção (trabalho, disciplina
do trabalho, mentalidade, cotidiano, moda, comportamentos, entre
outros) podem sugerir ao professor novos roteiros de organização dos
conteúdos a serem desenvolvidos, desviando-se de propostas guiadas
exclusivamente pela cronologia, predominante nos manuais didáticos
[...] (ABUD, 2005, p. 315-316)

Aprofundando as questões que permeiam as análises histórico-musicais,


especificamente em relação à análise interna do documento musical, Moraes (2000, p.
214-215) enfatiza a importância de decompor o trabalho em duas instâncias distintas,
apesar de totalmente associadas: a da linguagem poética e a da linguagem musical.
Elucidando seu raciocínio, o autor propõe que:

A música popular não deve ser compreendida apenas como texto, fato
muito comum em alguns trabalhos historiográficos que se arriscam
por essa área. As análises devem ultrapassar os limites restritos
exclusivamente à poética inscrita na canção, no caso específico a
poesia popular, pois, ainda que de maneira válida, estaria se
realizando uma interpretação de texto, mas não da canção
propriamente dita. (MORAES, 2000, p. 215)

Caracterizando a predominância de análises voltadas ao aspecto textual das


músicas, Linhares e Borém (2011, p. 28) refletem acerca discrepância entre a
quantidade de trabalhos que abordam as linguagens poética e musical, apontando que
“ainda é emergente a pesquisa sobre a música instrumental brasileira, especialmente se
comparada ao volume de estudos sobre as canções brasileiras, que têm o atrativo do
conteúdo de suas letras ou das relações texto-música”.

Refletindo acerca da análise musical realizada a partir dos dois aspectos acima
mencionados, Napolitano (2007, p. 154) ressalta que “existem duas formas básicas de
abordagem [das composições musicais]: uma que prioriza um olhar externo à obra e
outra que procura suas articulações internas, estruturais”. Ainda conforme o autor, “os
campos da história, da sociologia e da comunicação, tendem mais para o primeiro caso.

835
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

Os campos da semiótica, da musicologia e das letras, tendem mais para a segunda


abordagem. Mesmo assim, esta tensão é presente e assumida, mesmo nestes casos bem
sucedidos” (NAPOLITANO, 2007, p. 154).

Refletindo sobre o aspecto estrutural “especificamente musical”, Moraes (2000,


p. 215) assinala que os elementos da música, tais quais a forma, a melodia, os timbres, o
andamento, as células rítmicas, a harmonização, etc., configuram-se como “elementos
da linguagem musical que podem ser analisados isoladamente e nas relações entre si,
pois têm um discurso e características próprias que normalmente apontam indícios
importantes e determinantes para sua compreensão”. Ou seja, tais elementos contêm
indicações fundamentais para a compreensão da canção “em si mesma”, mas também
para o entendimento das relações que estabelece com os contextos sociais e culturais de
seu tempo. Ainda sobre a análise dos materiais que compõem o documento sonoro,
Moraes (2000, p. 215) afirma que “eles também devem ser compreendidos na lógica do
desenvolvimento da visão de mundo do autor que está, obviamente, vinculada também
aos aspectos sociais e culturais de um determinado gênero e estilo”.

Acerca dos contextos sociais e culturais que influenciam a produção da música,


Moraes (2000, p. 216) ressalta as questões relacionadas à sua produção, difusão e
circulação, sinalizando que é preciso levar em conta que a canção popular urbana na sua
forma contemporânea encontra-se irreversivelmente vinculada aos meios de
comunicação e ao mercado fonográfico. Nesse sentido, o autor acrescenta que:

Esses meios [de comunicação] que despontaram de forma ascendente


entre o final dos anos vinte e a década de 1930, foram determinantes
na alteração dos modos de produção e difusão da cultura/música
popular, e por consequência, nas formas de sentir, refletir e ver o
mundo. O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente
pelo rádio, disco, profissionalização dos artistas, lógica dos
espetáculos e imprensa especializada. As relações com os meios de
comunicação foram, e ainda são, contraditórias, variando da mais
profunda pobreza estética, passando pelos mais nítidos e fortes
interesses comerciais ou ideológicos, chegando a uma incrível e rica
divulgação da produção cultural. (MORAES, 2000, p. 216-217)

Desse modo, caracteriza-se como fundamental a realização de análises que


compreendam a influência dos meios de distribuição e produção musical, considerando,
por exemplo, que gravações distintas de uma mesma música, especialmente ao serem

836
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

realizadas em períodos distintos, inevitavelmente vão representar diferentes


perspectivas e questões. Em outras palavras, conforme Pieroli (2007, p. 9), “é
necessário, portanto, que se identifique a gravação da época que se pretende analisar”13.
Atentando ainda para a necessidade de “localizar o veículo (rádio, TV, etc.) que fez com
que a canção se tornasse conhecida, e mapear o espaço (social e cultural) de sua
criação” (PIEROLI, 2007, p. 9). Refletindo sobre o contexto social da produção
musical, Pieroli (2007, p. 9) ressalta que “é necessário articular ao contexto histórico, os
agentes formadores do gosto musical de uma determinada sociedade, pois isto é o que
leva ao consumo”.

Sobre a natureza dos estudos sócio-musicais historicamente realizadas no


contexto brasileiro, é necessário ressaltar, conforme discutido anteriormente, que
“tradicionalmente, estão ligados ao processo de legitimação sócio-cultural do objeto
estudado, como se apenas os gênios e obras-primas pudessem informar sobre as
relações entre música, história e sociedade” (NAPOLITANO, 2007, p. 166). Portanto,
visando a ruptura com este cenário, que ainda se encontra em transformação, Napolitano
(2007) entende que:

[...] a grande contribuição dos historiadores, neste sentido, seria


entender criticamente o processo histórico de legitimação sócio-
cultural de autores, gêneros e obras, necessariamente diacrônico,
marcado por descontinuidades, monumentalizações, lugares de
memória e invenção de tradições. (NAPOLITANO, 2007, p. 167)

Ainda nesse sentido, o autor acrescenta que para o historiador o desafio consiste
em superar os temas já consagrados, tais como, compositores canônicos de MPB, a
vanguarda e o movimento tropicalista ou os aspectos histórico-sociais do samba.
Napolitano (2007, p. 170) compreende que outras temáticas histórico-musicais
demandam pesquisas urgentes e aponta, por exemplo, “os diversos gêneros pop que
marcaram a cena musical brasileira [...], tampouco as músicas populares não canônicas

13
Sobre o impacto do processo de gravação (registro fonográfico) para o resultado final da obra musical,
Napolitano (2007, p. 156) indica que “uma canção veiculada pelo mercado fonográfico mobiliza um
aparato tecnológico imenso de execução e registro, um conjunto de profissionais que muitas vezes
interferem estruturalmente no resultado da canção, uma série de estratégias de veiculação em circuitos
massivos”.

837
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

ou legitimadas (brega, axé, bolero etc.)”. O autor acrescenta à lista de temáticas que
ainda não foram contempladas com pesquisas acadêmicas as seguintes possibilidades:

Quase nada se sabe sobre temas importantes, tais como: práticas de


dança de salão ao longo do século XX, a formação e ensino musical, a
relação entre televisão, cinema e música popular, os padrões de
arranjo instrumental da música brasileira, a crítica musical, o vídeo
clip como linguagem audiovisual e musical, o mercado de partituras e
dos livretos de cancioneiros. (NAPOLITANO, 2007, p. 170-171)

Concordamos com Napolitano (2007) quando este afirma que o Brasil


caracteriza-se como um dos países mais ricos em diversidade sonora do mundo, assim
como um lugar privilegiado na história da música popular do século XX, portanto,
também fazemos nossas as suas palavras ao afirmar que “dedicar-se à história da
música, pensada em diálogo com a história intelectual, social, política e cultural, é dar
um passo a mais na compreensão da própria sociedade e suas formas de auto
representação. E ainda há muito por fazer” (NAPOLITANO, 2007, p. 171).

É de extrema importância ressaltar que as reflexões acima realizadas relacionam-


se à integração entre os conhecimentos musicais e históricos a serem trabalhados tanto
nas aulas da disciplina História quanto nas aulas de Música. Problematizando o contexto
da disciplina História da Música vinculada aos cursos de Música do Brasil, Blomberg
(2011) afirma que:

[...] os professores de História da Música são, em sua maioria,


bacharéis em Música, com pouca ou nenhuma formação histórica e
que raramente enfocaram a história da música como uma história
sujeita a discussões do método histórico. É interessante notar que
neste sentido, o Brasil seguiu uma tendência oposta a do exterior,
onde grande parte de historiadores da música são historiadores.
(BLOMBERG, 2011, p. 434)

3. Considerações finais

Entendemos que a integração entre conhecimentos musicais e históricos pode


contribuir para o panorama anteriormente destacado, de modo que os professores de
história da música têm muito a ganhar ao aproximarem-se e apropriarem-se de reflexões
e métodos provenientes da História, assim como os historiadores enriqueceriam bastante

838
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

sua abordagem histórico-musical ao adquirirem condições de analisar com maior


propriedade os aspectos sonoros das produções musicais (não resumindo portanto sua
análise às letras de canções).

Desse modo, podemos apontar que nos mais variados contextos de educação
musical, a integração entre os conteúdos musicais e os conhecimentos das demais áreas
apresenta-se como uma estratégia enriquecedora para a formação dos estudantes, no
entanto, no contexto da Educação Profissional realizada de forma Integrada com o
Ensino Médio, tal conexão configura-se ainda mais como fundamental e indispensável.

Referências

ABUD, Katia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de


História. Cadernos Cedes, Campinas/SP, v. 25, n. 67, p. 309-317, set./dez., 2005.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n67/a04v2567.pdf>. Acesso em:
22/10/2016.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino


Médio): Parte IV - Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 2000.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf>. Acesso em:
01/02/2013.

BLOMBERG, Carla. Histórias da Música no Brasil e Musicologia: uma leitura


preliminar. Projeto História, São Paulo/SP, v. 43, 2011. Disponível em:
<http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/8040>. Acesso em: 19/10/2016.

CALISSI, Luciana. A música popular brasileira no livro didático de história


(décadas de 1980 e 1990). 2003.194 f. Dissertação (Mestrado em História), Programa
de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE, 2003.
Disponível em:
<http://repositorio.ufpe.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/7797/arquivo7731_
1.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 22/10/2016.

CHAVES, Edilson Aparecido. A música caipira em aulas de história: questões e


possibilidades. 2006. 165 f., Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba/PR, 2006.
Disponível em: <http://www.ppge.ufpr.br/teses/teses/M06_chaves.pdf>. Acesso em:
22/10/2016.

839
VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, ETNIAS E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.

LINHARES, Leonardo Barreto; BORÉM, Fausto. A composição e interpretação de


Victor Assis Brasil em Pro Zeca: hibridismo entre o baião e o bebop. Per Musi, Belo
Horizonte/MG, n. 23, p. 28-38, 2011. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/pm/n23/n23a04>. Acesso em: 07/03/2017.

MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento
histórico. Revista Brasileira de História, São Paulo/SP, v. 20, n. 39, p. 203-221, 2000.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/v20n39/2987.pdf>. Acesso em:
19/10/2016.

_______. Sons e música na oficina da história. Revista de História, São Paulo/SP, v.


157, n. 2, p. 7-13, 2007. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/19059/21122>. Acesso em:
2010/2016.

NAPOLITANO, Marcos. História & música: história cultural da música popular. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002. 120p.

PIEROLI, Sarita Maria. Ditadura militar no brasil (pós-64) através da música: uma
experiência em sala de aula. Programa de Desenvolvimento da Educação do Paraná,
2007. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/648-
4.pdf>. Acesso em: 22/10/2016.

RAMOS, Marise Nogueira. Concepção do Ensino Médio Integrado. In: SEMINÁRIO


ENSINO MÉDIO DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ,
1., Paraná, 2008. Anais… Belém: Secretaria de Educação do Estado do Paraná, 2008.
Disponível em:
<http://forumeja.org.br/go/sites/forumeja.org.br.go/files/concepcao_do_ensino_medio_i
ntegrado5.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2018.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11.ed. rev.


Campinas/SP: Autores Associados, 2011.

SILVA, Aline Gonçalves da. Práticas do ensino de História: escutar, analisar e


apreender. 2015. 99 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre/MG, 2015.
Disponível em: <http://www.univas.edu.br/me/docs/dissertacoes2/16.pdfa>. Acesso em:
28/10/2016.

840

You might also like