Professional Documents
Culture Documents
Organizadores
CURITIBA, 2014
2
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Dilma Roussef
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
José Henrique Paim Fernandes
Vice-Reitor
Rogério Andrade Mulinari
3
Coordenadora Pedagógica da Cipead
Nathália Savione Machado
Diagramação
André Cândido Delavy Rodrigues
Revisora Textual
Tatiane Valéria Rogério de Carvalho
4
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Organizadores
CURITIBA, 2014
5
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, trans-
mitida, gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fo-
tocópia, e outros, sem prévia autorização, por escrito, da UFPR.
Contatos
6
7
SUMÁRIO
8
9
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
MEC - Ministério da Educação / SECADI - Secretaria de
Educação Básica Alfabetização, Diversidade e Inclusão/ CIPEAD -
Coordenação de Políticas de Integração de Educação a Distância / NEAB
- Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Paraná
ABERTURA DO CURSO
Caro(a) cursista,
10
modificado pelas Leis no 10.639/2003 e no 11.645/2008,
por meio da aquisição de instrumentos teóricos de análise das
desigualdades raciais e proposições de formas de superação;
11
Observe a distribuição dos módulos:
TÓPICOS CONTEÚDOS
Proposta de implementação
da Lei no.10.639/2003 nos espaços
escolares.
Construção do Projeto de
pesquisa
Metodologia de pesquisa
educacional
Análise de dados
A monografia
12
Módulo III Os conceitos de raça, racis-
mo, etnia, cultura, discriminação.
Antropologia das populações af- Identidade nacional e identidade ne-
ro-brasileiras gra Religiões Afro-Brasileiras
Profª Liliana de Mendonça Porto
A África pré-colonial
Módulo IV
A Colonização
História da África
Prof. Hector Rolando Guerra A África pós-colonização
A escravidão no Brasil
Módulo VI
A resistência negra à escravidão
História da escravidão e resistência
no Brasil. Movimentos pela abolição
Prof. Carlos Alberto Medeiros de
Lima
Negros e brancos no Paraná do
século XIX e XX
13
Módulo VII Pesquisas sobre desigualda-
des educacionais e relações raciais
Educação e desigualdades raciais no no Brasil. Discriminação racial na
Brasil escola. Identidade da criança negra.
Prof. Josafá Moreira Cunha
14
Módulo X A personagem negra na
literatura brasileira
Literatura africana e afro-brasileira;
arte africana e afro-brasileira Movimentos literários
afro-brasileiros e escritores/as
Prof. João Arhur Pugsley dos movimentos negros
O movimento da Negritude
Literaturas africanas e africanas da
diáspora
15
Os textos que compõem os módulos correspon-
dem a resultados de estudos e pesquisas sobre relações
raciais no Brasil e foram produzidos sob a perspecti-
va teórica de diversos/as docentes. Por isso, embora
haja um fio condutor que promove a interligação en-
tre todos os textos e os módulos, optamos por manter
as escolhas conceituais e de linguagem de cada autor/a.
Dessa forma, algumas dessas produções podem apre-
sentar, como nesse texto de abertura, a chamada “lin-
guagem de gênero”, ou seja, tendência de destacar,
sempre que possível, o gênero masculino e feminino.
Outro aspecto de destaque nas páginas de todos
os textos é a presença dos símbolos adinkra, escolhidos
para, além de ilustrar, homenagear essa arte de origem
africana que é utilizada por povos milenares, como bem
explica Elisa Larkin do Nascimento ao defini-los como:
16
Você também terá acesso a informações adicionais por
meio de boxes como Para refletir e Saiba mais, além de leituras
complementares, indicações de links relacionados aos textos lidos,
bem como sugestões de sites e filmes. A organização da produção
que comporá a avaliação final do curso estará sendo feita desde o
início quando você, cursista, tiver acesso às leituras e orientações
da equipe de tutoria que estará à disposição para auxiliá-lo/a nas
dúvidas. Nesse curso, tal avaliação não deve ser encarada como a mais
importante do ponto de vista de sua formação pois será a atividade
que reunirá os conhecimentos acumulados durante todo o curso.
É importante que você participe ativamente e procure
desenvolver de modo efetivo as atividades propostas em
todos os módulos pois serão valiosas fontes de estudos para a
elaboração de um trabalho final de impacto no ambiente escolar
onde você está inserido/a como profissional da educação.
A Coordenação
17
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
MEC - Ministério da Educação / SECADI - Secretaria de
Educação Básica Alfabetização, Diversidade e Inclusão/ CIPEAD -
Coordenação de Políticas de Integração de Educação a Distância / NEAB
- Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Paraná
ABERTURA DO MÓDULO I
Caro/a cursista,
Neste primeiro módulo você vai conhecer conceitos
relacionados à educação a distância (EaD) e as características
que podem ser atribuídas a essa modalidade de ensino.
No primeiro texto, Concepções e políticas de educação
a distância em diferentes contextos históricos, você terá
acesso a informações importantes para o desenvolvimento e
produção das atividades no decorrer do curso e compreensão da
organização de cursos de aperfeiçoamento na modalidade EaD.
Na sequência, o texto Proposta de implementação da lei
no 10.639/2003 nos espaços escolares apresenta encaminhamentos
iniciais para auxiliar no desenvolvimento do trabalho de conclusão,
em que você relacionará elementos apreendidos durante as
leituras com as atividades elaboradas em todos os módulos.
Esperamos que esse material seja de grande auxílio à sua formação.
Bom trabalho!
A Coordenação
18
INTRODUÇÃO CONCEITUAL
MÓDULO I
Ao final deste módulo, você deverá:
19
Pempamsie
Pempamsie see bebirebe aho oden ne koroye
CONCEPÇÕES E POLÍTICAS
DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
EM DIFERENTES CONTEXTOS
HISTÓRICOS
Suely Scherer1
____________________
1
Doutora em Educação; professora adjunta da Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul e pesquisadora na área de Educação e Educação
Matemática com ênfase em Tecnologias Educacionais e Educação a
Distância, atuando principalmente nas seguintes linhas: educação a distância,
informática na educação, educação matemática e formação de professores.
20
1. CONCEPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA EaD
21
ou quando não estão todos reunidos no mesmo lugar. Isso é
compreensível, pois precisamos conhecer e vivenciar processos
nesta modalidade, assim como em outras, para compreendermos
as possibilidades de ensino e de aprendizagem que a constituem.
22
1.1 INICIANDO A HISTORIA
23
Em 1873,Anna EliotTicknor fundou uma escola em Boston
para o desenvolvimento de estudos em casa. Moore e Kearsley
(2007) afirmam que o objetivo dessa escola era ajudar as mulheres,
a quem, em grande parte, era negado o acesso às instituições
educacionais formais naquela época. Segundo Simonson (2006),
esta escola atraiu mais de dez mil estudantes em 24 anos, que
mantinham uma correspondência mensal com os professores,
que enviavam leituras dirigidas e testes para suas casas. Segundo
Nunes (2009), em 1910, a Universidade de Queensland, na
Austrália, inicia programas de ensino por correspondência, e em
1924, Fritz Reinhardt cria a Escola Alemã por Correspondência.
Alves (2009) afirma que a história da EaD no Brasil
inicia-se com as “Escolas Internacionais”, em 1904. Os cursos
eram oferecidos para pessoas que buscavam empregos,
especialmente nas áreas de serviços e comércio. Assim, a história
da EaD no Brasil iniciou com o ensino por correspondência.
Na etapa do ensino por correspondência, no Brasil,
podemos ressaltar a importância do Instituto Monitor, que
iniciou as suas atividades em 1939, e do Instituto Universal
Brasileiro, que lançou seus primeiros cursos em 1941. Estes
dois institutos contribuíram na formação profissional de muitos
brasileiros para o mercado de trabalho.E assim iniciaram as
atividades na modalidade de EaD, destinada, principalmente,
às pessoas que não conseguiam uma formação pelas escolas
presenciais e/ou na idade própria para estes estudos.
Podemos observar que neste período histórico da EaD, esta
tinha como foco a transmissão da informação, em linguagem escrita,
sem considerar o perfil dos alunos.A comunicação entre professor e
aluno era limitada, com mensagens enviadas por correspondência.
24
O modelo da EaD por correspondência, mesmo com
algumas iniciativas de uso do rádio no decorrer do período,
prevaleceu até a década de 1960. E o que podemos perceber é
que o material impresso, o uso do correio, continuou presente
nas etapas seguintes da história da EaD, sendo integradas outras
tecnologias ao processo de comunicação entre professores e alunos.
É importante percebermos que nesta primeira etapa
da história da EaD, os cursos oferecidos eram mais de caráter
técnico, objetivando a transmissão de informações e sua
memorização por repetição. O diálogo entre professor e
aluno era pouco, pois os contatos pelo correio eram lentos na
época, tornando inviável uma proposta com mais diálogo entre
professor e aluno. No entanto, este mesmo modelo de educação,
da transmissão de uma grande quantidade de informações do
professor para vários alunos, esperando respostas iguais, também
era o modelo que mais se encontrava nas escolas presenciais.
25
University of Lowa oferecia seus primeiros cursos, por rádio,
validando cinco créditos. Na Europa, neste período, houve uma
expansão da EaD, sem muitas mudanças em sua estrutura, mas
com métodos e meios mais sofisticados. Simonson (2006) afirma
que as gravações de áudio eram mais usadas na educação de cegos
e no ensino de línguas para vários estudantes.
26
como a televisão, o rádio, e mais recentemente a internet.
No Brasil, esta etapa da história foi marcada por cursos
a distância utilizando, além do material impresso, transmissões
por televisão e rádio, gravações de áudio e vídeo, dentre ou-
tros. Segundo Alves (2009), em 1923 foi fundada a Rádio So-
ciedade do Rio de Janeiro, numa iniciativa de Edgard Roque-
te Pinto e um grupo de amigos.Operada pelo Departamento
de Correios e Telégrafos, segundo Niskier (1999), a emissora
transmitia programas de literatura, radiotelegrafia e telefonia,
línguas, literatura infantil e outros de interesse comunitário.
27
tabilidade, magistério), com o objetivo de resolver em um curto
prazo os problemas de desenvolvimento econômico e social do país.
No entanto, a revolução de 1964 abortou algumas iniciati-
vas, e o sistema de censura reduziu significativamente o trabalho
da rádio educativa brasileira.
E a televisão? Quando será que começou a ser explorada
no Brasil para fins educacionais?
A televisão, para fins educacionais, foi usada de maneira
positiva em sua fase inicial, e, há registros de vários incentivos
no Brasil a esse respeito, especialmente nas décadas de 1960 e
1970. Como exemplo destacamos a TV Educativa do Maranhão,
criada em 1969; o Programa Nacional de Teleducação (Prontel);
o Centro Brasileiro de TV Educativa (Funtevê), órgão integrante
do Ministério da Educação e Cultura; e a TVE, do Ceará, que ofe-
recia a TV Escolar em 1974. Neste mesmo ano, no estado do Rio
Grande do Norte, é lançado o Projeto SACI (Sistema Avançado
de Comunicações Interdisciplinares), a primeira experiência de
utilização transmissão via satélite para fins educacionais no Brasil.
28
Em 1995 foi lançado pelo MEC o Programa TV Escola
com o objetivo de oferecer formação continuada aos professo-
res da educação básica, para o uso de tecnologias educacionais.
O curso utiliza, principalmente, material impresso, televisão e o
vídeo. A difusão nas escolas é realizada via satélite, por emissoras
de canal aberto ou a cabo.
SAIBA MAIS
Para saber mais sobre este projeto da TV Escola, acesse ao site
:http://tvescola.mec.gov.br/.
No ano de 1973, a Universidade de Brasília (UnB) desta-
ca-se como pioneira na introdução da tecnologia educacional na
EaD. Até hoje seus programas e cursos na modalidade de EaD são
conhecidos.
Segundo Aretio (2001), na década de 1980, quando as te-
lecomunicações começam a ser integradas aos processos de EaD,
surge a possibilidade da comunicação entre grupos de estudantes
e professores, distantes fisicamente, usando recursos de áudio e
vídeo. Assim, por meio do uso de recursos da informática, houve
a potencialização da emissão por rádio e televisão e ampliou-se a
possibilidade de transmissão via satélites, favorecendo a comunica-
ção bidirecional entre professores e alunos a partir de audioconfe-
rências e videoconferências. É também neste período que a comu-
nicação entre professores e alunos começa a acontecer de forma
síncrona (pessoas interagindo ao mesmo tempo) e assíncrona (pes-
soas interagindo em tempos diferidos) através de diversos meios.
29
Segundo Moore e Kearsley (2007, p.39), “a primeira tec-
nologia a ser usada na teleconferência em escala razoavelmente
ampla durante os anos 1970 e 1980 foi a audioconferência”. As au-
dioconferências eram organizadas com alunos individualmente em
suas casas ou em seus locais de trabalho, usando telefone. Quando
estavam em pequenos grupos, usavam microfones e alto-falantes.
Além das audioconferências, neste período, iniciam-se as
experiências com as videoconferências. Segundo Moore e Kearsley
(2007),em 1986,na Penn State University,iniciaram-se os primeiros
cursos completos de graduação transmitidos por teleconferência,
reunindo grupos de alunos em três locais diferentes. No Brasil, po-
demos destacar a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
que,através do Laboratório de Ensino a Distância (LED),ofereceu em
1996 o primeiro Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Pro-
dução, usando, principalmente, a tecnologia das videoconferências.
Nesta etapa da história, segundo Peters (2001), podemos
falar em uma mudança paradigmática na EaD, pois com as tecno-
logias que surgiram neste período, mesmo distantes fisicamente,
os alunos podiam estabelecer comunicação entre si e com os pro-
fessores de forma mais rápida que pelo correio. Com isto, come-
çou-se a pensar em cursos na modalidade de EaD mais individuali-
zados, com aulas e orientações específicas para diferentes grupos.
30
PARA REFLETIR
Escolha um, ou mais, projeto ou programa
mencionado anteriormente (Minerva, TV Escola, Te-
lecurso 2000,...), ou outro projeto ou programa da
modalidade de EaD ofertado no Brasil, e busque in-
formações sobre ele na internet ou em outras fontes.
A partir das informações obtidas, reflita sobre a
contribuição do projeto para a educação no Bra-
sil. Observe elementos como: objetivo, metodo-
logia, público-alvo, número de pessoas atendidas,
abrangência, contexto sociopolítico, entre outros..
Aulas virtuais
31
Com o acesso a internet, surgiram novos modelos de Uni-
versidades, como as universidades puramente virtuais, além de
combinações e colaborações entre instituições de todos os tipos.
Além disso, a internet viabilizou a oferta de cursos na modalidade
de EaD, considerando uma educação sem distância, ou seja, do
modelo de EaD por correspondência, com os recursos de internet
para interação entre professores e alunos, é necessário permanecer
apenas a distância física entre os sujeitos que ensinam e aprendem.
A internet também viabilizou a comunicação com uso de
imagem e som, em tempo real, personalizada, de professor para
aluno, aluno para professor e entre alunos, independente da distân-
cia existente. Hoje, podemos nos conectar à internet, dialogar via
texto escrito e/ou áudio, acessar informações em vá-
rias linguagens, conversar a dois, ou em grupos maio-
res, vendo e ouvindo os interlocutores pelo computador.
32
ências em todo o Brasil e no exterior, desenvolvidas por diferen-
tes instituições educacionais ou centros de formação profissional.
Vale lembrar que os cursos de graduação na modalidade
de EaD começaram a ser ofertados no Brasil, em 1995. A Uni-
versidade Federal do Mato Grosso (UFMT), por intermédio do
Núcleo de Educação Aberta e a Distância do Instituto de Edu-
cação, ofertou o curso de licenciatura em educação, habilitação
em séries iniciais. Segundo Sanchez (2008), no Anuário Brasileiro
Estatístico de Educação Aberta e a Distância, entre 2003 e 2006,
a oferta de cursos superiores a distância passou de 52 para 349.
Em 2007, somente no ensino superior de graduação, o número
de estudantes era de 727.657, e este número cresce a cada ano.
33
SAIBA MAIS
Se você quiser conhecer um pouco mais sobre
os projetos de algumas das principais Universidades
mencionadas, visite os endereços sugeridos a seguir:
Open University da Inglaterra, criada em
1967, que representa um modelo de sucesso até a atu-
alidade, considerada a maior universidade do Reino
Unido. Site: http://www.open.ac.ul.
Univerdad Nacional de Educación a Distância
(UNED), criada em 1973 na Espanha. Site: http://
www.uned.es FernUniversität na Alemanha, criada
em 1975. Site: http://fernunihagen.de Para conhecer
mais detalhes da história da EaD e suas gerações leia:
ALVES, João Roberto Moreira. A história da EaD no
Brasil. In: LITTO, Frederic M.; FORMIGA, Marcos
(Orgs.). Educação a Distância: o estado da arte. São
Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. p. 9-13.
MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a
Distância: Uma visão integrada. Tradução por Rober-
to Galman. São Paulo: Thomson Learning, 2007.
NUNES, Ivônio Barros. A história da EaD no mundo.
In: LITTO, Frederic M.; FORMIGA, Marcos (Orgs.).
Educação a Distância: o estado da arte. São Paulo: Pe-
arson Education do Brasil, 2009. p. 2-8.
34
2.CARACTERÍSTICAS DA EAD
35
espaço em que pode ocorrer a aprendizagem. [...] A fle-
xibilização de gestão de tempo, espaços e atividades é ne-
cessária, principalmente no ensino superior ainda tão en-
gessado, burocratizado e confinado à monotonia da fala
do professor num único espaço que é o da sala de aula.
Ao pensarmos na flexibilização de gestão de tempo, es-
paços e atividades nas instituições educacionais, é importan-
tíssimo focar na aprendizagem dos alunos. É necessário pen-
sar em propostas para uma verdadeira educação, buscando
uma educação coerente com o mundo que queremos juntos
(re)construir. Ou seja, é necessário flexibilizar e democrati-
zar com responsabilidade, sugerindo a corresponsabilidade.
36
Individualização - atenção singular a cada sujeito em seu
contexto de tempo e espaço de estudo.
37
mos continuadamente nossos conhecimentos, seja para a vida
profissional ou apenas para aprimoramentos na vida social e cul-
tural. Afinal, podemos participar de formação continuada a par-
tir de nosso tempo disponível, independente de estarmos próxi-
mos ou distantes geograficamente da instituição que a promove.
38
mente;
39
textos impressos, programas de rádio e televisão, vídeos, material
digitalizado e disponível em ambientes virtuais da internet, etc.;
40
distantes do outro, em nossos pensamentos, ações e sentimentos.
O espaço virtual, disponível na internet, não é um es-
paço físico, mas é um espaço de encontro, um espaço que
comporta a entrada de muitas pessoas, que é democráti-
co ao possibilitar o acesso a todos, mesmo que ainda tenha-
mos problemas com a via tecnológica de acesso a ele, sen-
do limitada a poucos. O ambiente virtual é real, pois estamos
presentes nele, sentindo, aprendendo, comunicando... a par-
tir de uma via de acesso física: o teclado, o monitor, o mouse.
PARA REFLETIR
A partir do estudo realizado até aqui, você
pode fazer comparações entre as características da
EaD e as características da educação presencial, que
vivenciamos nas escolas. E, com essa comparação,
refletir sobre a importância de vivenciarmos proces-
sos de ensino e aprendizagem na modalidade de EaD.
41
3. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A EAD
42
I - custos de transmissão reduzidos em ca-
nais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
II - concessão de canais com finalidades exclusivamente edu-
cativas;
III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Po-
der Público, pelos concessionários de canais comerciais.
A partir deste artigo, em 1998, o Decreto no. 2.494 re-
gulamentou a LDB, detalhando mais os seus processos. Neste
decreto, apontam-se as formas de uma instituição se creden-
ciar para a oferta dos cursos, requisitos para fazer a matrícu-
la de alunos, transferências para o ensino presencial, a diplo-
mação e certificação dos alunos, a avaliação da aprendizagem
(ainda exigida presencialmente). Muitas das concepções pre-
sentes neste decreto estavam vinculadas a uma certa superio-
ridade da modalidade presencial, como a exemplo da avaliação.
Neste decreto, a Educação a Distância é compre-
endida como “uma forma de ensino que possibilita a auto-
aprendizagem com a mediação de recursos didáticos sis-
tematicamente organizados, apresentados em diferentes
suportes de informação, utilizados isoladamente ou combina-
dos, e veiculados através dos diversos meios de comunicação”.
Que características da EaD podemos identificar a
partir desta definição? Vamos refletir sobre essa questão...
Em 19 de dezembro de 2005, foi revogado o decre-
to de 1998, com a publicação do Decreto no. 5.622, que
em certos aspectos ampliou a compreensão da modalida-
de de EaD. Neste decreto, o conceito de EaD aparece como:
43
Modalidade educacional na qual a mediação didá-
tico-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem
ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informa-
ção e comunicação, com estudantes e professores desenvol-
vendo atividades educativos em lugares ou tempos diversos.
44
Decreto no. 5.800, oficializa a UAB, destacando a articulação e in-
tegração de Instituições do ensino superior, municípios e estados,
visando a democratização, expansão e interiorização da oferta de
ensino público no país.
A UAB iniciou suas atividades em 2006, com um pro-
jeto piloto em 20 estados, com o curso de Administração em
parceria com empresas estatais, principalmente o Banco do
Brasil. Articulado ao projeto da UAB, existe o Programa Pró
-Licenciatura, o qual atendia, em 2007, em torno de 20 mil
estudantes em todo o Brasil, prioritariamente professores
em atividade da rede pública da educação básica, sem habilita-
ção, com a oferta de cursos de licenciatura em diferentes áreas.
45
SAIBA MAIS
Para saber mais sobre a legislação brasile-
ira da EaD, acesse o endereço do Ministério de
Educação (MEC): <http://portal.mec.gov.br/
seed> e opte pelo link “Regulamentação da EaD”.
Conheça também o texto completo do Decre-
to n. 5.800, que trata da UAB. Acesse o ende-
reço http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
A t o 2 0 0 4 - 2 0 0 6 / 2 0 0 6 /Dec reto /D5 8 0 0 .htm
46
47
REFERÊNCIAS
48
MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a Distância:
Uma visão integrada. Tradução por Roberto Galman. São Paulo:
Thomson Learning, 2007.
49
arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. p. 02-08.
50
ATIVIDADES
a) Período Histórico
b) Tecnologias utilizadas
c) Papel do professor (Como orienta os alunos?)
d) Papel do aluno (Como o aluno estuda?)
e) Processo de Comunicação entre professores e alunos
Nome:________________________________________________
Pólo:__________________ Turma:_______________________
Módulo:_______________ Atividade:_____________________
Descrição do texto:_______________________________________
51
52
Ohene aniwa
Ohene aniwa twa ho hyia
Os olhos do rei.
Os olhos do rei estão em todos os lugares.
Símbolo da vigilância, proteção, segurança e excelência.
PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO
DA LEI NO 10.639/2003 NOS
ESPAÇOS ESCOLARES
Tânia Aparecida Lopes 1
Este texto propõe às/aos educadoras/es participan-
tes do Curso de Especialização em Relações Étnico-Raciais
reflexões sobre a importância da implementação, nos espaços
escolares, de práticas pedagógicas com vistas a atender à Lei
no. 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da Histó-
ria e Cultura Afro-brasileira e Africana em todos os sistemas,
níveis e modalidades de ensino do Brasil. É, também, a par-
tir desta Lei que o Conselho Nacional de Educação, através
da Resolução no. 01/2004, instituiu as Diretrizes Curricula-
res Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
____________________
1
Mestra em Educação pela UFPR. Professora de História da rede estadual de
educação do Paraná. Coordenadora do IPAD Brasil – Instituto de Pesquisa da
Afrodescendência.
53
1. INTRODUÇÃO
Para além da História e da CulturaAfro-brasileira eAfricana,
a implementação da Lei no 10.639/2003 oportuniza-nos reflexões
e práticas acerca de uma Educação das Relações Étnico-Raciais, no
sentido de valorização das diferentes participações e contribuições
na construção social, política e cultural da sociedade brasileira.
Assim, para a efetiva aplicabilidade de tais práti-
cas que serão discutidas durante o nosso percurso e para
além do aprendizado e das reflexões sobre assuntos relacio-
nados à temática da Lei no 10.639/2003 dependerá a nos-
sa apreensão da importância, no que concerne a uma Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais no Brasil e o combate ao
racismo e a todas as formas de discriminação no espaço escolar.
54
2. A LEI No 10.639/2003 E REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS
PEDAGOGICAS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉT-
NICO-RACIAIS
Entendemos que em nossa sociedade os diferentes per-
tencimentos das/dos sujeitas/os2, sejam étnico-raciais, iden-
tidade de gênero, orientação sexual, religião, geracional, es-
tão intrínsecas às suas oportunidades de mobilidade social.
Também entendemos que os conhecimentos que dizem res-
peito às realidades das/dos diferentes sujeitas/os da nossa so-
ciedade foram e são pouco abordados nos conteúdos curri-
culares, como nos aponta Nilma Lino Gomes (2007, p. 25):
Ainda de acordo com Nilma Lino Gomes (2007), a partir
de reivindicações dos diferentes Movimentos Sociais esses conhe-
cimentos são apontados como fundamentais e como eixos centrais
na elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos e dos Planos de
trabalho Docente nas escolas de diferentes níveis e modalidades
de ensino:
____________________
2
NOTA: Neste texto, utilizamos o adjetivo sujeita/o, na contramão dos
conceitos elaborados e explicitados nos dicionários, que fazem parte das coleções
expostas nas bibliotecas. Entendemos sujeitas/os todas/os aquelas e aqueles que
não se submetem e que estão à frente das transformações das sociedades, que
constroem a história da nossa sociedade. Também optamos por utilizar, sempre
que possível, adjetivos e substantivos no feminino e no masculino. Outra opção
teórica é de informar o nome completo das/dos autoras/res, pois entendemos que
a Identidade de Gênero tem um valor político diferenciado em nossa sociedade.
55
[...] Tais movimentos indagam a sociedade como um todo e, en-
quanto [sujeitas políticas e] sujeitos políticos, colocam em xe-
que a escola uniformizadora que tanto imperou em nosso siste-
ma de ensino. Questionam os currículos, imprimem mudanças
nos projetos pedagógicos, interferem na política educacional
e na elaboração de leis educacionais e diretrizes curriculares
(GOMES, 2007, p. 26).
56
3. CONHECENDO AS/OS SUJEITAS/OS NOS ESPAÇO ES-
COLAR
SAIBA MAIS
Acesse o endereço eletrônico:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diversidade_
apresentacao.pdf .
Nele você encontrará a síntese dos principais
resultados da pesquisa intitulada Pesquisa sobre Preconceito
e Discriminação no Ambiente Escolar.
57
Assim, propomos como parte das nossas discussões sobre
Educação das Relações Étnico-Raciais uma atividade simples e re-
flexiva (que poderá ser articulada com a equipe multidisciplinar da
sua escola), de acordo com a realidade de cada escola, a fim de nos
conhecermos melhor. Esta atividade seria uma possível articulação
de discussões sobre as relações étnico-raciais no Brasil, no Paraná,
a partir das/os sujeitas/os do espaço escolar (representantes de to-
dos os segmentos: educadoras/es, educandas/os, mães, pais e co-
letivos, como Grêmio Estudantil, Conselho Escolar, APMF, entre
outros). Alguns questionamentos podem ser feitos em torno das
experiências de vida de cada uma/um no tocante às impressões,
às apreensões e quanto às nossas práticas e relações entre brancas/
os e negras/os, para que possamos melhor compreender a impor-
tância da implementação da Lei n. 10639/2003 no espaço escolar:
Neste e momento pri-
Quantas/os negras/os fizeram ou fazem vilegiamos as popu-
lações brancas/os e
parte do nosso convívio social, em relação negras/os, pois são os
à brancas/os e pessoas de outras raça-et- grupos que represen-
tam o maior número da
nia? Por que estavam ou estão presentes, ou população brasileira,
não, nos espaços do nosso convívio social? e que deveriam estar
na mesma proporção
das pessoas que fazem
Quais foram as nossas experiências parte dos diferentes
espaços do nosso con-
com namoradas/os, esposas/os, médicas/ vívio social. Nada nos
os, educadoras/es, amigas/os, colegas e impediria de também
problematizar as con-
chefes de trabalho de outras raça-etnia? tribuições de outras
populações, como, por
exemplo, os diferentes
Quantas/os educadoras/es, educan- povos indígenas.
das/os, negras/os, brancas/os e de outras
raça-etnia fazem parte da nossa comuni-
dade escolar?
58
Como se deu a chegada de nossas/os antepassadas/os ao Bra-
sil? Quais foram as ações de políticas públicas que possibilitaram
a permanência deles no Brasil?
Compreendemos que tal discussão, devidamente
contextualizada sobre a possível existência (ou não) de su-
jeitas/os negras/os e brancas/os nos diferentes espaços
do nosso convívio social, e especialmente no espaço esco-
lar, poderá servir, primeiramente, como um momento de
socialização dos depoimentos das diferentes experiências vi-
venciadas. Isso possibilitará um maior entendimento e conhe-
cimento quanto as nossas existências e/ou permanência como
sujeitas/os históricas/os em determinado espaço geográfico.
O diálogo poderá ser uma forma de compreender-
mos as nossas maiores ou limitadas possibilidades de mobi-
lidade social – como pessoas negras e brancas –, pois enten-
demos, por exemplo, que as possibilidades que a população
branca teve e tem para a sua inserção e mobilidade social não
foram e não são as mesmas proporcionadas à população negra.
Esta atividade pode nos levar a alguns conflitos quan-
to às nossas experiências, o que não é demérito nenhum. Pelo
contrário, representa um grande crescimento, pois é partir dos
conflitos que buscamos outras respostas e, por que não dizer,
outras verdades quanto às nossas diferentes histórias de vida.
59
4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DIANTE DAS RELAÇÔES ÉT-
NICO-RACIAIS
Étnico-Raciais?
60
Nós não chegamos às escolas “caídas/os de um paraquedas”,
prontas/os para discutir e entender as diversas situações com as
quais nos deparamos no espaço escolar e que dizem respeito às/aos
diferentes pertencimentos das/os sujeitas/os que lá encontramos.
61
tora dessas práticas.
PARA REFLETIR
Para Henrique Cunha Jr., “[as] os estudantes
afrodescendentes não gostam de falar sobre o escravis-
mo criminoso em sala de aula. Ficam envergonhados
[as] e acanhados [as], trata-se de um assunto indigesto.
As razões desta aversão são muito simples: o assunto é
sempre tratado de forma inadequada e preenchido de
preconceitos e racismo que inferiorizam a população
negra [...]”
Fonte: CUNHA JR., H. Os negros não se deixaram
escravizar. Disponível em: <www.espacoacademico.
com.br/069/69cunhajr.htm>
62
que é exercida contra a identidade da população ne-
gra e de suas/seus descendentes no espaço escolar, e ain-
da afirmamos que a escola trata a todas/os de forma igual.
63
REFERÊNCIAS
64
GOMES, Nilma Lino. Diversidade e Currículo. In: BEAUCHAMP,
Jeanete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribei-
ro do (Orgs.). Indagações sobre currículo: diversidade e currícu-
lo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Bási-
ca, 2007. 48p. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/
arquivos/pdf/Ensfund/indag4.pdf>. Acesso em: 21/11/2010.
65
ATIVIDADES
Nome:________________________________________________
Pólo:__________________ Turma:_______________________
Módulo:_______________ Atividade:_____________________
Descrição do texto:_______________________________________
66
2. Todas as nossas interações no espaço escolar e demais espaços
de convivência em nossa sociedade devem ser pensadas em prá-
ticas que visam o combate a todas as formas de preconceito e
discriminação, sejam de ordem étnico-racial, sexual, social, entre
outras, e que reflitam em nossas relações. Os materiais didáticos
presentes no espaço escolar podem refletir práticas de combate
ou de reforço de tais formas de preconceito e discriminação. As-
sim, comente sobre como a população negra está representada
nos livros didáticos, nos cartazes e em outros trabalhos visuais da
escola onde trabalha.
67
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
TEXTOS:
VÍDEOS:
68
69
Akofena kunim ko a, wobo afena kye no safohene Espadas
cerimoniais de Estado
O grande general que se aposenta sempre tem uma
espada real do descanso. Reconhecimento da galanteria.Símbolo
da autoridade, legitimidade, legalidade do Estado e das façanhas
heroicas
A POLÍTICA EDUCACIONAL
DE EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS:
AS ALTERAÇÕES NA LDB POR
MEIO DAS LEIS No. 10.639/2003
E No. 11.645/2008Luiz Carlos Paixão da Rocha 1
2
Débora Oyayomi Cristina de Araujo
Este breve texto tem como objetivo estabelecer algu-
mas considerações e relações sobre a inclusão dos conteúdos
relacionados à história e à cultura afro-brasileira, no âmbito
curricular, nos estabelecimentos de ensino do Brasil. Inclusão,
esta, a ser considerada no campo das lutas sociais pela supera-
ção do modelo atual de organização social, produtora de de-
sigualdades raciais, sociais e de outras formas de atrocidades
à vida e ao ser humano. Ou seja, essa reivindicação particular
deve ser entendida dentro do interior das lutas dos movimentos
sociais pela ampliação do espaço das políticas sociais dentro do
Estado brasileiro. Além disso, neste texto também são apresen-
tadas considerações sobre a conjuntura da aprovação da Lei no.
11.645/2008, que acrescenta a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Indígena.
____________________
1
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professor de língua
portuguesa da rede estadual do Paraná.
2
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professora de língua
portuguesa da rede estadual do Paraná.
70
1. A LEI No. 10.639/2003
No dia 09 de janeiro de 2003, o Presidente da República,
Luís Inácio Lula da Silva, e o então Ministro da Educação, Cristo-
vam Buarque, assinaram a Lei no. 10.639/03, que, ao alterar
dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei no. 9.394/96 – LDB), tornou obrigatório o ensino da temáti-
ca História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de en-
sino fundamental e médio das redes pública e particular do país.
Lei n. 10.639/2003.
As reações à nova legislação foram Disponível em:
<http://www.planal-
diversas. Por um lado, setores da educa- to.gov.br/ccivil_03/
ção brasileira questionavam a necessidade leis/2003/l10.639.
htm>
de tal medida, por outro, educadores e re- Resolução no.
presentantes do movimento social negro a 01/2004-CNE. Dis-
entendiam como um avanço no campo da ponível em:
< http://portal.mec.
política educacional brasileira. Os críticos gov.br/cne/arquivos/
à nova lei argumentavam que esta era, ao pdf/res012004.pdf>
mesmo tempo, desnecessária e autoritária. Diretrizes Nacionais
para a Educação das
Relações Étnico-Ra-
Desnecessária, pelo fato dos con- ciais e para o Ensino
de História e Cultura
teúdos já estarem previstos na LDB (Lei Afro-brasileira e Afri-
de Diretrizes e Bases da Educação Na- cana.
Disponível
cional) e autoritária por ferir a autono- em: http://portal.
mia curricular dos estados brasileiros. mec.gov.br/dmdocu-
ments/cnecp_003.pdf
71
tas ligados à educação à Lei n. 10.639/03. Entre esses, Ulisses
Panisset (2003), ex-presidente da Câmara de Educação Bási-
ca do Conselho Nacional de Educação, que afirma que além
de ser autoritária, a Lei age contra a autonomia da escola:
72
ria de Educação Con- clusão dos conteúdos de história e cultura
tinuada, Alfabetização
e Diversidade. Educa- afro-brasileira no âmbito escolar, vem de
ção anti-racista: cami- longa data.
nhos abertos pela Lei
Federal n. 10.639/03.
Brasília: MEC / Secre- Sem a ingenuidade de colocar na es-
taria da Educação Con- cola toda a responsabilidade da superação do
tinuada, Alfabetização
e Diversidade, 2005, racismo, os defensores da nova le-
p. 21-39 (Coleção gislação entendem que este é um es-
Educação para Todos).
paço privilegiado de intervenção.
Disponível em:
<http://portal.mec.
gov.br/secad/arqui- Ao omitir conteúdos em relação à
vos/pdf/anti_ra- história do país, relacionados à população
cista.pdf >. Acesso
em: 14/01/2014. negra, ao omitir contribuições do continen-
te africano para o desenvolvimento da hu-
manidade e ao reforçar determinados estereótipos, a escola contri-
bui fortemente para o reforço de construções ideológicas racistas.
Ainda hoje, o negro é apresentado em muitos ban-
cos escolares como o “objeto escravo”, sem passado, passi-
vo, inferiorizado, desconfigurado, desprovido de cultura,
saberes e conhecimentos. É como se o negro não tivesse par-
ticipado de outras relações sociais que não fossem a escravi-
dão. A resistência dos negros à escravidão parece não existir.
As contribuições e as tecnologias trazidas pelos ne-
gros para o país são omitidas. Aliás, o cultivo da cana-de-açú-
car, do algodão, a mineração, a tecnologia do ferro eram ori-
ginárias de onde? Do continente Europeu? O continente
africano é apresentado como um continente primitivo, menos
civilizado. As pirâmides do Egito foram construídas por euro-
peus oupor africanos? Essas lacunas (CHAUÍ, 1980), evidente-
mente, contribuíram para a constituição da ideologia de do-
73
minação racial e do mito de inferioridade da população negra.
SAIBA MAIS
Henrique Cunha Jr., no texto O ensino de His-
tória Africana, apresenta dados importantes que des-
mistificam os equívocos sobre a imagem do continen-
te africano como local primitivo. Veja o que ele afirma
sobre a escrita:
“Sobre a África costuma-se dizer que é um continente
oral, sem entendermos o que representa esta oralida-
de como método de transmissão do conhecimento na
África. A oralidade não é a ausência da escrita. A escri-
ta faz parte das culturas africanas desde as civilizações
egípcias. Pelo menos são quatro os Alfabetos desenvol-
vidos no conjunto das civilizações africanas, em áre-
as diversas do continente. Ademais, anterior a 1500
a África processou uma imensa utilização do Árabe
como língua comercial e cultural, dado pela expansão
do Islamismo em 2/3 do continente a partir dos anos
600, sendo comum a existência de documentos em
Árabe para a história africana. As escritas em Árabe
chegam ao Brasil, onde os escravizados participantes
da revolta dos males, em 1831, escrevem panfletos e
se comunicam em Árabe.
É necessário mais cuidado nas comparações entre a
história africana e a européia. Faz-se necessário maior
informação sobre uma e outra para escaparmos das
idealizações e reduções impostas pelos processos de
dominação racistas. Nesta informação a Europa apa-
rece como fonte do saber e a África como fonte de
ignorância.”
(Texto disponível em: <http://www.historianet.
com.br/conteudo/default.aspx?codigo=499>)
74
Além do mais, a ausência dos conteúdos, numa perspec-
tiva crítica, relacionados à história do negro africano e brasileiro,
faz com que a educação escolar traga uma visão míope da vida
brasileira. Segundo o professor Henrique Cunha, não é possí-
vel conhecer a História do Brasil sem o conhecimento da histó-
ria e da origem dos povos que deram início à nação brasileira.
75
2.INTERVENÇÃO DO MOVIMENTO SOCIAL NEGRO
76
SAIBA MAIS
Em 1977, no 2º Festival Mundial de Artes e
Culturas Negras e Africanas, em Lagos – Nigéria, im-
pedido de apresentar seus estudos que denunciavam o
que chamou de “Genocídio do negro brasileiro”, Ab-
dia do Nascimento (2002) conseguiu, por meio do re-
latório do Grupo IV do Colóquio, informar a todos os
países participantes do evento sobre as desigualdades
raciais da época. Na explanação, com base em dados
históricos, estatísticos e sociológicos, Nascimento já
apresentava propostas relevantes em relação à educa-
ção básica brasileira:
Que o Governo Brasileiro, no espírito de
preservar e ampliar a consciência histórica
dos descendentes africanos da população
do Brasil tome as seguintes medidas:
- permita e promova livre pesquisa e aberta
discussão das relações raciais entre negros e
brancos em todos os níveis: econômico, so-
cial, religioso, político, cultural e artístico;
- promova ensino compulsório da História
e da Cultura da África e dos africanos na di-
áspora em todos os níveis culturais da edu-
cação: elementar, secundária e superior.
Que os governos dos países onde exista sig-
nificativa população de descendência afri-
cana incluam nos currículos educativos de
todos os níveis (elementar, secundário e
superior) cursos compulsórios que inclu-
am História Africana, Swahili, e História
dos Povos Africanos na Diáspora. (NASCI-
MENTO, 2002, p. 68-69).
77
Neste sentido, segundo Rodrigues (2004), foram acatados
dois artigos dentro da Subcomissão dos Negros, Populações In-
dígenas, Pessoas Deficientes e Minorias da Assembléia Nacional
Constituinte:
78
A reivindicação pela inclusão dos
A Marcha Zumbi dos
conteúdos de história e cultura afro-bra- Palmares - contra o ra-
sileira continuou presente na interven- cismo, pela cidadania
ção dos segmentos comprometidos com e a vida foi organizada
com êxito pelo Mo-
a luta antiracista. Em 20 de dezembro de vimento Negro, em
1995, por ocasião da realização da Marcha 1995, para ser um mar-
co em homenagem aos
Zumbi dos Palmares, um dos marcos da 300 anos da morte de
atuação do movimento social negro, em Zumbi dos Palmares,
documento entregue ao governo federal, o líder maior, mais du-
radouro e mais famoso
“Programa de superação do racismo e da símbolo da luta da po-
desigualdade racial”, a temática da edu- pulação negra no Bra-
sil contra o regime es-
cação é destacada. O movimento reivin- cravocrata. . Por meio
dica alterações nos currículos escolares. dele, a Republica Qui-
lombo dos Palmares,
resistiu por um século,
na Serra da Barriga,
no estado de Alagoas.
Conheça mais sobre a
Marcha em: http://
www.leiagonzalez.org.
be/material/Marcha_
Zumbi_1995_divulga-
caoUNEGRO-RS.pdf
79
Cristaliza-se uma imagem mental padronizada que diminui,
exclui, sub-representa e estigmatiza o povo negro, impedin-
do a valoração positiva da diversidade étnico-racial, bloquean-
do o surgimento de um espírito de respeito mútuo entre ne-
gros e brancos e comprometendo a idéia de universalidade da
cidadania (MARCHA ZUMBI DOS PALMARES, 1995).&
Em 1996, durante o debate sobre a nova LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a então Senado-
ra Benedita da Silva, representando o movimento social ne-
gro, traz de volta a proposta de alteração curricular, apre-
sentada no processo constituinte. Sendo assim, o Parágrafo
4° do Artigo 26 da nova LDB ficou com a seguinte redação:
Art. 26
§ 4º O ensino de história do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e
europeia.
No entanto, a proposta do movimento social ne-
gro só veio a ser atendida, em grande parte, em 09 de ja-
neiro de 2003, com a assinatura da Lei no. 10.639/03, oriun-
da do Projeto de Lei n. 259, apresentado em 1999 pela
deputada Esther Grossi e pelo deputado Benhur Ferreira.
A nova legislação acrescentou dois artigos à Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no. 9.394/96):
80
Art.26-A – Nos estabelecimentos de ensino fundamental e mé-
dio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre
História e Cultura Afro-brasileira.
81
3. IDEOLOGIA DE DOMINAÇÃO RACIAL
82
No campo da ciência difundiram-se estudos que propaga-
vam a inferioridade dos negros e a superioridade dos brancos. Um
deles, o “Ensaio sobre as Desigualdades das Raças Humanas”, do
Conde de Gobineau (1854), que ganhou certa notoriedade no Bra-
sil, afirmava “quanto mais diluído o sangue branco/ariano maior
a decadência!”. Desta forma, as raças menos humanas precisariam
estar a serviço dos projetos de sociedade das raças superiores.
83
cavo nacional...” O lema da campanha fala por si só.
PARA REFLETIR
Nas últimas décadas, diversas das reivindica-
ções do movimento social negro têm suscitado deba-
tes polêmicos sobre as políticas afirmativas, sobretu-
do a Lei de Cotas, que institui, por tempo provisório,
reserva de vagas em concursos públicos e vestibulares
para pessoas afrodescentendes. Ao se conhecer a his-
tória da imigração europeia no Brasil e os subsídios
recebidos, é possível afirmar que as primeiras políticas
afirmativas instituídas no país foram para a população
imigrante da Europa?
84
1950. É omitido no censo de 1900, 1920, 1960 e 1970.
Retorna em 1980 por reivindicação do movimento social
negro. A ideia de que no país não há racismo e da convivência
harmoniosa dos grupos étnico/raciais aqui viventes ganhou no-
toriedade em vários países do mundo. Tanto que, a própria Unes-
co, nos anos 50, financiou no país pesquisas de intelectuais como
Florestan Fernandes, Roger Bastide e Oracy Nogueira, sobre as
relações raciais no Brasil, a fim de desvendar a democracia ra-
cial brasileira. Felizmente as pesquisas demonstraram que esta
era apenas mais um mito estruturante da realidade brasileira.
85
4 O CONTEXTO DA LEI NO. 11.645/2008
86
Inicialmente, por falta de informações mais consisten-
tes, surgiram interpretações equivocadas sobre essa Lei: uma
delas dizia respeito à exclusão, no calendário escolar, do Dia
Nacional da Consciência Negra. Na verdade, o que se obser-
va da Lei no. 11.645/2008 é que ela acrescenta ao invés de su-
primir ou omitir qualquer conteúdo da Lei no. 10.63/2009.
87
De acordo com nossas pesquisas, características que desta-
cam a atuação do movimento negro em prol da aprovação da Lei
no.10.639/2003 não se fizeram presentes no contexto de apro-
vação da Lei no. 11.645/2008. Foi por meio do PL (Projeto de
Lei) n. 433/2003 que, cinco anos após (2008), a deputada Mari-
ângela Duarte – SP conseguiu aprovar a sua proposta de alteração
da LDB. Segundo a deputada, a redação da Lei no. 10.639/2003
apresentava uma “lacuna” ao não contemplar a presença dos povos
indígenas:
A sociedade saudou, recentemente, a sanção presidencial à lei
que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-bra-
sileira, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficial e particular.
88
É possível notar que a definição de povos indígenas (centenas de-
les) está sendo expressa no texto como representantes de uma
única etnia, ao lado da outra “etnia”, os afro-brasileiros.
Do ponto de vista dos estudos sobre populações ne-
gras no Brasil, há divergências quanto ao uso do termo “et-
nia” para designar afro-brasileiros, já que, dentre outros argu-
mentos, não há o estabelecimento de relações desiguais entre
“etnias” no mercado de trabalho, na mídia, etc. A discussão sobre a
etnicidade negra acismo científico do século XIX e que foi responsável
por “justificar” as diferenças entre brancos e negros. Assim, é tendência
de muitos pesquisadores e pesquisadoras utilizar a expressão “étnico
-racial”. Sobre as populações indígenas, torna-se inviável, do ponto de
vista do reconhecimento e valorização cultu- O livro O Índio
ral e histórica, a conceituação de que os índios Brasileiro: o que
você precisa saber
compõem no país apenas uma etnia, consi- sobre os povos in-
derando que esse termo, etimologicamente, dígenas no Brasil
de hoje, de Gerson
designa “mistura de raças com a mesma cul- dos Santos Luciano,
tura” (DIC MICHAELS ESCOLAR, 2008). apresenta informa-
ções importantes
sobre a História e
cultura indígena.
Embora críticas tenham sido
manifestadas por estudiosos tanto da Acesse o texto na
História e cultura indígena quanto afro íntegra em:
http://unesdoc.
-brasileira, não se verifica, no contex- unesco.org/ima- ges0015/
to da sanção desta lei, nenhuma produ-
ção teórica que evidencie tal contexto.
89
instituir uma lei que destaca a necessidade de conhecimentos mais
consistentes sobre a história e a cultura dos povos indígenas no
país, estamos diante de um grande passo dado rumo a uma socie-
dade que está construindo possibilidades mais inclusivas de ensino
e de educação. Em outras palavras, ampliam-se as condições de es-
truturação de uma efetiva Educação das Relações Étnico-Raciais,
90
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
91
É mister, ressaltar que até o momento, apesar de algumas
iniciativas do Governo Federal e de alguns Estados, a nova le-
gislação configura-se mais como uma ferramenta de atuação dos
movimentos sociais do que uma realidade concreta no interior
das escolas. Muito ainda precisa ser feito. Para tanto, é funda-
mental que a sociedade organizada e os movimentos sociais ne-
gro e indígena cobrem do Estado espaços, mecanismos e es-
truturas para o acompanhamento da implementação das duas
Leisnas redes de educação pública e privada. Entre outras medi-
das, o poder público precisa urgentemente fazer investimentos
na formação de educadores; renovar as bibliotecas das escolas;
acompanhar a produção de livros e matérias didáticos; rever e
incluir novos conteúdos nos cursos de formação de professores.
92
93
REFERÊNCIAS
94
Afro-Brasileira e Africana, 2004. Disponível em: <http://por-
tal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf> . Acesso em:
04/03/2010.
95
NAMO DE MELLO, Guiomar. O Brasil precisa de Lei para ensi-
nar a história do negro?
Folha de São Paulo, 28 jan. 2003.
96
ATIVIDADES
97
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS - MEC/SECADI E CIPEAD/NEAB-UFPR
Nome:________________________________________________
Pólo:__________________ Turma:_______________________
Módulo:_______________ Atividade:_____________________
Descrição do texto:_______________________________________
Proposta da atividade
Série/ano:______________________________________________
Disciplina/área do conhecimento:___________________________
Descrever a proposta
98
SUGESTÃO DE LEITURA
TEXTOS
SILVA JR., Hédio. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas
sociais. Brasília: Unesco, 2002. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.
org/images/0012/001297/129721por.pdf >. Acesso em: 01/02/2011.
99
100
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
MEC - Ministério da Educação / SECADI - Secretaria de
Educação Básica Alfabetização, Diversidade e Inclusão/ CIPEAD -
Coordenação de Políticas de Integração de Educação a Distância / NEAB
- Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Paraná
ABERTURA DO MÓDULO II
Caro/a Cursista
101
Desta forma, embora não haja a pretensão de esgo-
tar os assuntos aqui abordados, pretende-se trazer elementos
importantes, mesmo que aparentemente simples, para uma
produção acadêmica significativa sobre Educação para as Re-
lações Étnico-Raciais - campo em construção e que demanda
estudos consistentes para sua consolidação e fortalecimento.
As Unidades aqui apresentadas constituem uma base intro-
dutória para o tema Pesquisa educacional. Muitas referências são
utilizadas e atividades sugeridas como parte inerente do processo de
ensino e aprendizagem aqui proposto. O intuito é que este texto di-
dático sirva como roteiro básico para a condução dos estudos sobre
o tema, e as sugestões e bibliografias mencionadas são fundamentais
para o aprofundamento da compreensão das questões abordadas.
Para um melhor aproveitamento, procure desenvolver
o hábito de anotar suas reflexões, percepções e dúvidas, mes-
mo aquelas que pareçam simples. Isso facilita a pesquisa pos-
terior para esclarecimento, bem como podem ser retomadas
nas oportunidades de diálogo com o professor e com o tutor.
Não esqueça: todo este processo será tão mais provei-
toso quanto maior for seu empenho, comprometimento e pre-
paro para e durante as aulas, leituras e atividades; além de
pensar, refletir criticamente e questionar o que leu e ouviu.
A aprendizagem e a formação profissional (inicial e continu-
ada) envolvem seu interesse e participação ativa, a fim de-
senvolver e aprimorar uma atitude crítica e consciente de
sua própria formação.
Bons estudos!
Profa. Dra. Nadia G. Gonçalves
DTPEN/PPGE – UFPR
102
METODOLOGIA DA PESQUISA
EDUCACIONAL
MÓDULO II
Ao final deste Módulo você deverá:
103
1. PLANO DE ENSINO
1.1 MÓDULO
60 horas
1.3 EMENTA
1.4 OBJETIVOS
104
Apresentar elementos importantes para a leitura e a escrita
acadêmica.
1.5 PROGRAMA
As Unidades que constituem este livro são necessaria-
mente articuladas e visam subsidiar uma formação crítica e
fundamentada acerca da produção de pesquisa educacional.
Unidade 1 – Pesquisa educacional: contextualização
Unidade 2 – Teoria e prática
Unidade 3 – Teorias e métodos
Unidade 4 – Pesquisa acadêmica: cuidados iniciais
Unidade 5 – A pesquisa: projeto, desenvolvimento e rela-
tório
105
A partir desse encaminhamento, cada um poderá ques-
tionar, desenvolver e elaborar melhor e mais conscientemen-
te sua ação e sua própria pesquisa, a ser consolidada no TCC.
No decorrer de cada Unidade é proposta ao me-
nos uma atividade relacionada ao tema central. As refe-
rências utilizadas na construção do texto são considera-
das sugestões para pesquisa e aprofundamento do tema.
1.7 AVALIAÇÃO
106
107
Pempamsie
Pempamsie see bebirebe aho oden ne koroye
METODOLOGIA DA PESQUISA
EDUCACIONAL
Nádia G. Gonçalves1
108
É essa autora que também indica a necessidade de
ser realizado um balanço detalhado e sistemático da pro-
dução educacional no país, com vistas a “evitar a multipli-
cação de estudos redundantes” (1974, p. 497), e ressal-
ta que muitos dos trabalhos publicados “não se referem a
pesquisas propriamente ditas” (1976, p.77), dada sua fragilidade:
A fragmentação das pesquisas também é detectada por
Mello (1983), que discute dois problemas históricos e indis-
sociáveis, a pobreza teórica e a inconsequência metodológi-
ca : “o que falta é um modelo teórico consistente, explicitado
e assumido enquanto tal” (p. 69), do que decorre a inconsequ-
ência metodológica2 identificada. Esse panorama, ao mesmo
tempo em que é ilustrado por pesquisas descritivas, contribui
para pesquisas imediatistas e superficiais, que pouco avançam
no conhecimento da área, como indicava Gouveia (1971):
[...] a pressa em obter resultados para pronta utilização pode
levar a estudos superficiais, [...] mas que, por não chegarem
aos mecanismos básicos de causação dos fenômenos, pou-
co ou nada oferecem em termos de explicação. [...] (p. 5)
Os estudos, em geral, são exploratórios e descritivos. Alguns
não passam de simples levantamentos de dados [...]. Percebe-
____________________
2
De certa forma, todos os trabalhos abordados neste tópico mencionam estas ques-
tões, mas este é o primeiro a enunciá-los tão claramente.
109
se que o equipamento de análise é, em geral, limitado. (p. 9)
Os projetos [...] originam-se, freqüentemente, da pre-
ocupação com problemas ‘práticos’. Necessariamen-
te complexos, tais problemas são, em sua inteireza, con-
vertidos em tópicos de pesquisa que, vagamente, levam
diretamente à coleta de dados, sem maiores preocupações
com a operacionalização de conceitos [...]. Disso resultam
projetos demasiadamente ambiciosos que jamais se concluem,
ou que produzem relatórios com alguns dados e muitas es-
peculações, ou muitos dados e poucas generalizações. (p. 9)
Tais problemas estão presentes na análise de Pedro Go-
ergen (1986), que percebe como avanço a tendência à pesquisa
empírica voltada para a compreensão da realidade educacional no
nível interno, mas vê como dificuldades asubdivisão em dois gran-
des blocos: a pesquisa teórica e a pesquisa empírica, que se opõem
mutuamente; a pulverização, o isolamento e a descontinuidade das
pesquisas; a falta de divulgação; e a persistência de modismos – ape-
sar de verificar o início do debate crítico sobre a apropriação de re-
ferenciais teóricos. Em decorrência desse balanço, Goergen indica
que um dos grandes desafios da área é a “integração entre a teoria
que parte do conhecimento empírico e o conhecimento empírico
que procura a explicação maior através da teoria” (1986, p.13).
110
Mais recentemente, Alves-Mazzotti (2001) discute a “Re-
levância e aplicabilidade da pesquisa em educação”, a partir da
deficiência teórico-metodológica e de elementos que devem
ser mais valorizados e incorporados à produção da área, como
a teorização e a transferibilidade do conhecimento, a objetivida-
de e a revalorização do rigor científico. Entende-se que a bus-
ca pela relevância e pelo maior rigor das pesquisas é uma meta
política, tendo em vista a responsabilidade que se deve assumir
enquanto pesquisador e as possibilidades de contribuição que a
pesquisa realizada sob essa perspectiva pode trazer para a com-
preensão da realidade e para as tomadas de decisão na área.
Sobre a questão da objetividade e da revalorização do ri-
gor científico, cabe um esclarecimento. No Brasil, até meados
dos anos de 1980, foram predominantes os estudos quantitativos
no campo educacional. Estes eram associados a uma abordagem
positivista de ciência, em relação à objetividade e à neutralidade
entendidas como desejáveis e ao tipo de dado considerado legíti-
mo para a produção do conhecimento naquele momento. Quan-
do começa a ser divulgada a possibilidade de pesquisas qualita-
tivas para o estudo de questões que os dados quantitativos não
permitiam compreender, houve um movimento de repúdio a
quaisquer características relacionadas à perspectiva anterior. Um
extremo que fragilizou imensamente o reconhecimento cientí-
fico de investigações qualitativas no Brasil, nos anos de 1980 e
mesmo de 1990, porque muitos pesquisadores recusavam-se a
explicitar seu referencial teórico-metodológico, a realizar um
planejamento de sua pesquisa, ou ainda a estabelecer certo dis-
tanciamento do objeto pesquisado. Tais atitudes eram justificadas
como inerentes à pesquisa qualitativa. Aos poucos, aqueles que a
defendiam perceberam essa distorção, e o debate sobre a objeti-
vidade e o rigor na produção de pesquisas qualitativas recome-
111
çou, desta vez abordando parâmetros para esse tipo de estudo.
Fragilidade teórico-metodológica.
112
Parece haver consenso quanto às razões para a exis-
tência e para a permanência destes problemas no campo edu-
cacional: o início da trajetória da pesquisa em Educação no
Brasil estar em órgãos governamentais e a maneira como foi
transferida essa responsabilidade para instituições de ensi-
no superior; o modelo de pós-graduação estabelecido no Bra-
sil, ao longo das últimas décadas do século XX, que favoreceu
o aligeiramento das pesquisas; e uma deficiente formação de
pesquisadores, tanto na graduação como na pós-graduação4 .
Todos os elementos envolvidos se inter-relacionam, e
de certa forma se reforçam mutuamente. Aos fatores exter-
nos, devem ser acrescidas as especificidades da área de Educa-
ção como campo de conhecimento, que, apesar dos problemas,
vem construindo legitimidade e reconhecimento em decorrên-
cia de esforços e do interesse de muitos em discutir os desafios
– a maioria deles, cabe lembrar, não exclusivos da Educação5.
113
da produção de conhecimento em Educação no Brasil. Ao mes-
mo tempo em que esses esforços contribuem para a superação
de alguns dos problemas identificados, também os evidenciam7.
114
tinções entre eles. O senso comum é constituído espontaneamen-
te e pode ter relação com algum conhecimento científico, que
comumente é apropriado de forma generalizante, nem sempre
racionalizada, não sendo necessárias comprovações para queex-
plicações sejam tomadas como verdade. O senso comum consti-
tui grande parte das crenças cotidianas, nas quais são apoiadas as
experiências e práticas.
Por outro lado, não há uma definição precisa para co-
nhecimento científico, devido às acepções que áreas distintas
lhe atribuem, mas se pode afirmar que deve resultar de tra-
balho de investigação e pesquisa racional, planejada, rigoro-
sa e sistemática. Ele não decorre necessariamente do senso co-
mum, embora possa partir dele como problema de pesquisa.
115
ATIVIDADES
Considerando o tema deste Curso de Especializa-
ção, Educação das Relações Étnico-Raciais, identifique:
116
1.3 PESQUISA CIENTÍFICA OU ACADÊMICA
117
seguintes aspectos:
____________________
8
Sobre esse aspecto, ver Azanha (1992), Oliveira (1998) e Laville e Dionne
(1999).
118
sua investigação9. O diálogo com o conhecimento já produzido
faz parte de todo o processo da pesquisa: tem início na definição
do tema, na sua delimitação, na escolha do referencial teórico-
metodológico, continua durante o desenvolvimento da pesquisa,
deve obrigatoriamente estar presente na discussão e análise dos
dados, e na sua divulgação e discussão em eventos acadêmicos e
publicações da área.
____________________
9
Sobre a revisão da literatura, ver Alves-Mazzotti (2002) e Luna (2005).
119
ATIVIDADES
120
2.TEORIA E PRÁTICA
____________________
10
Esta Unidade traz trechos e problematizações que já foram desenvolvidos em ou-
tro material produzido e utilizado no âmbito da Universidade Aberta do Brasil, para
o Curso de Pedagogia em EaD da UFPR, pela mesma autora, em seu capítulo 1:
Escola, teorias, práticas... e o Ensino de História (GONÇALVES, 2011, p.10-30).
Alguns ajustes e atualizações foram inseridos no presente material.
121
Legislação ou normas legais é sinônimo de teoria? Por quê?
122
construção do conhecimento, que é dinâmico e contínuo. Como
esse conceito de teoria não parece ser utilizado na maioria dos ca-
sos, este é um elemento que necessita e merece ser aprofundado.
123
e, com certeza, da escola X de hoje. Por isso, é plausível afir-
mar que muitas das afirmações de Bourdieu a respeito do am-
biente escolar, quando o menciona, não se aplicam de forma
igual no Brasil. Ele não se propôs a explicar outro contexto,
que não aquele que vivenciou: da França. É justo que quem o
leu, não o culpe por não responder ao problema da escola X, da
qual provavelmente este autor nem sabia da existência. Porém,
um leitor atento pode apropriar-se deste referencial e utilizá-lo
para melhor compreender sua escola, dado o contexto no qual
ela se insere (tempo, espaço, sociedade, valores, entre outros).
124
tir de sua especificidade, o que fazer, inclusive tendo por base ou-
tra teoria, que seja voltada à prescrição para o tipo de intervenção
necessário. Outro equívoco comum, é o leitor achar que, porque
o teórico explicou que “é assim que essa situação acontece”, ele
estaria defendendo essa ação ou a permanência dessa situação.
Por exemplo, depois do lançamento do livro A Reprodu-
ção, no início dos anos de 1970, houve vários questionamentos
a Bourdieu e Passeron sobre se não estavam defendendo que a
escola reproduzia a ordem social ao invés de transformá-la.
Bourdieu passa parte de sua trajetória posterior explicando e
evidenciando que eles não defendiam a reprodução, nem a com-
preendiam como inevitável. Por exemplo, em entrevista con-
cedida a Maria Andréa Loyola, em 1999, ou seja, quase 30 anos
depois da publicação de A Reprodução, a primeira pergunta reme-
te aos mal-entendidos que envolveram o livro, e ele responde:
[...] Para mim, ainda hoje é surpreendente, como foi naquela épo-
ca, que o fato de dizer que uma instância como o sistema de en-
sino contribui para conservar as estruturas sociais, ou dizer que
as estruturas tendem a se conservar ou se manter – o que é uma
constatação –, é surpreendente que essa constatação seja percebi-
da como uma declaração conservadora. Basta pensarmos um pou-
co para percebermos que o mesmo enunciado sobre a existência
de mecanismos de conservação pode ter um caráter revolucioná-
rio. [...] Quando você diz as coisas são assim, pensam que você
está dizendo as coisas devem ser assim, ou é bom que as coisas sejam
dessa forma, ou ainda o contrário, as coisas não devem mais ser assim.
[...] será que mudei? Não. Continuo a pensar que o siste-
ma de ensino contribui para conservar. Insisto sobre o contri-
bui, o que é muito importante aqui. Não digo conserva, reproduz;
digo contribui para conservar (2002, p.13-14, grifo do autor).
125
Nesse caso, observa-se a diferença entre explicar e de-
fender, e, ainda, a contribuição que Bourdieu esperava trazer
com sua teoria: que a comunidade escolar (particularmente
a francesa, pois ele tratava deste sistema de ensino, a partir da
situação de 1968), tomasse ciência e consciência de como es-
tava funcionando, sobre quais valores estava agindo, sobre qual
a função que a escola estava desempenhando naquele contex-
to; que ela pudesse parar para refletir e propor novos rumos e
encaminhamentos para aquela situação, se assim o desejasse.
126
tanto, há teorias que apesar do tempo e do espaço distinto podem
ser generalizadas, não, totalmente, em muitos de seus enunciados
e explicações, como é o caso daTeoria dos Campos Sociais de Bour-
dieu, que inclusive não se aplica somente ao campo educacional.
127
tal social, o fato de um filho de atores globais, que tem sobre-
nome famoso, decidir seguir esta carreira, é quase certo que o
nome e as pessoas que os pais conhecem o auxiliarão nesta tra-
jetória; no capital cultural, o valor de um diploma de uma facul-
dade X, particular, em oposição ao valor atribuído (pelo senso
comum, pela sociedade de forma geral) ao diploma do mesmo
curso, feito em uma Universidade Federal. O segundo, em geral,
é mais valorizado, mesmo que a pessoa não tenha ideia precisa
do que distingue os dois cursos, ou da nota do ENADE de cada
um deles; e no capital econômico, em que, por exemplo, para
ser mais valorizado, em alguns ambientes, não basta ser rico, mas
possuir bens que são únicos ou muito exclusivos para demons-
trar isso. Não há relação necessária com o custo de produção,
por exemplo, uma bolsa de couro feita por R$ 100,00, mas cujo
valor de venda é de R$ 5.000,00. Quem a comprar está pagando,
em última instância, aetiqueta que vem na bolsa, e comprando,
assim, todos os elogios que virão em decorrência dessa posse.
Nos três casos, pode-se observar que se trata do valor sim-
bólico atribuído a uma marca ou logotipo, seja o sobrenome, seja o
logotipo da instituição de ensino no diploma, ou, ainda, a etiqueta
da bolsa. Um aspecto importante do capital simbólico é que ele
não é homogêneo na sociedade, ou seja, conforme o campo em que
esse agente se situa, o capital que ele detém pode ser valorizado ou
não. No exemplo da bolsa, o que pode ser questão de sobrevivência
social em alguns campos, pode ser visto como ridículo em outro.
O campo é o espaço social, e o grupo que o compõe tem
suas regras próprias, por exemplo, em uma igreja, deve-se moni-
torar o tom de voz a ser usado, o tipo de roupa, o vocabulário e o
comportamento de forma geral. Em outro espaço, por exemplo,
um churrasco de família, as regras são outras. Assim, se o que é
128
valorizado é o capital social (por exemplo, origem étnica, valores,
etc.), cultural (como formação profissional), ou ainda, econômi-
co (como roupas da moda e de determinadas marcas), comu-
mente há disputas por legitimidade entre os agentes que com-
põem o campo. A mesma pessoa, passando por esses ambientes,
e convivendo com distintos grupos, assimila – em geral sem mui-
tos questionamentos – essas normas sociais naturalizadas como
sendo o certo a se fazer (GONÇALVES; GONÇALVES, 2010).
129
seja tão exigente, porque se eles ficarem com nota baixa você é
que será culpado ou cobrado” ou, ainda, “o mais prático é nivelar
por baixo, porque eles não aprendem mesmo” – e outras mui-
tas, que poderiam ser pensadas aqui –, são formas de coerção, no
sentido de que este novo professor não deve se distinguir tanto
dos demais, ou que deve se acomodar ao padrão dos demais. É
improvável que alguém o impeça de ter uma prática diferenciada,
mas a coerção existirá, seja na crítica, seja por falta de apoio e
colaboração, seja na alegação de que já passaram por isso e não
dará certo, ou de que ele com o tempo se sentirá desanimado.
130
Por exemplo, pense em sua rotina diária. Provavelmente
você já tem uma sequência que considera a mais eficiente para ini-
ciar seu dia, e tende a fazer tudo sempre igual. Se você vai de carro
ao trabalho, deve fazer o mesmo trajeto, ao ponto de automatizá-lo
e por vezes dirigir por vários quarteirões, trocando a marcha do
carro, freando, acelerando, parando em semáforos... e se dar conta
do quanto já andou depois de um tempo, sem nem ter percebido.
Para fazer a faxina da casa, cada um tem uma sequência
que criou, seja a partir do que aprendeu com a mãe, seja o que
adaptou, devido ao tempo disponível para isso, e “ai” de quemdis-
ser que é melhor fazer de outro jeito.
Em um ano letivo, na escola, cada turma se acomoda à sala
de aula, e cada aluno tende a sentar sempre no mesmo lugar que
escolheu no primeiro dia, dentro das condições que encontrou
– desde as carteiras disponíveis, quanto grupo de amigos, entre
outros – e fará o possível para não ter que escolher novamen-
te, ao ponto de haver discussão se outro se senta no “seu” lugar.
131
No caso do estabelecido pela Lei no. 10.639/03, que
traz de forma inerente a necessidade de pensar valores, identi-
dade, currículo, entre outros, a resistência ou omissão em sua
implementação das escolas pode ser compreendida por meio
das proposições teóricas de Bourdieu, trazidas nesta Unidade.
A norma legal, a diretriz curricular, as orientações admi-
nistrativas e pedagógicas que não decorram de decisão e escolha
do grupo, receberão dele, provavelmente, a resistência e a des-
confiança, ao menos em um primeiro momento, principalmen-
te quando confrontarem práticas instauradas. Esse parece ser um
ponto crucial para discussão das políticas educacionais: esta reação
da escola, ou dos agentes que a compõem é absolutamente previsí-
vel, no entanto parece ser ignorada. E é isso que leva ou ao fracas-
so da diretriz; ou à sua adaptação ao jeito da escola; ou a um faz de
conta, em que formal e administrativamente os registros indicam
que está sendo implantada, mas na prática nada ou pouco mu-
dou; ou a apropriações superficiais e equivocadas; ou, finalmente,
a casos, excepcionais, de discussão e apropriação fundamentada e
coletiva da norma, mesmo que inicialmente mais destacada e pro-
blematizada por uma ou algumas pessoas do grupo, que apoiam a
proposta, até chegar ao ponto de ser construída, conscientemente,
uma prática distinta àquela anterior – dependendo daí dos agen-
tes que compõem o grupo e de seu interesse em implementá-la.
Muito provavelmente – quase com certeza –, os alunos do
Curso de Especialização em Educação das Relações Étnico-Ra-
ciais são pessoas interessadas na implementação das diretrizes da
Lei no. 10.639/03 e deparam-se com resistências e dificuldades
na escola para a consolidação e para uma abordagem fundamenta-
da e crítica dos temas que lhe são pertinentes.
132
Bourdieu, por meio de sua Teoria dos Campos Sociais,
mesmo não conhecendo escolas e leis brasileiras, e o processo de
implementação das mesmas, contribui para que se possa compre-
ender de forma mais elaborada e fundamentada os mecanismos
que contribuem para a resistência (explícita ou mais sutil) dessa
questão. A Teoria explica e contribui para a prática. Dessa for-
ma, pode-sepensar a partir daí, em encaminhamentos necessários
para a consolidação das diretrizes da Lei e sua legitimação social e
escolar.
133
ATIVIDADES
Embora a apresentação dos conceitos de Pierre Bourdieu,
nesta Unidade, tenha sido breve, procure aplicar a explicação que ele
traz em suaTeoria, para as relações humanas, a algum campo que você
conhece, por exemplo, o local ou a instituição em que você trabalha.
Busque averiguar, por meio de observação, se os conceitos
podem ser aplicados para explicar como se dão as relações sociais –
incluindo questões referentes à temática do Curso – a fim de com-
preender como uma teoria pode auxiliá-lo na prática profissional.
Posteriormente, discuta com a turma, por meio do Fó-
rum, os elementos que se confirmaram e, se for o caso, aque-
les que não identificou naquele campo; e também, como os
conceitos utilizados auxiliam a melhor compreender os me-
canismos que sustentam valores e práticas no cotidiano.
134
3. TEORIAS E MÉTODOS
135
muitos desses critérios para as Humanas, considerando-se a es-
pecificidade do seu objeto: o homem e a sociedade. No entan-
to, isso não isenta as Ciências Humanas da necessidade de esta-
belecer critérios de validade e objetivação, o que acaba por ser
feito no interior de cada campo de conhecimento - em todo
campo são travadas lutas simbólicas por poder e legitimida-
de; no caso do campo científico ou acadêmico, uma dessas dis-
putas envolve os paradigmas. Em função daquele hegemônico,
em dado momento, é que os agentes pertencentes a este cam-
po definirão o que é uma pesquisa “válida”, o que leva a mu-
danças em alguns dos critérios de validade ao longo do tempo.
____________________
15
A polêmica questão do reconhecimento da Educação como campo de conheci-
mento pode ser observada, por exemplo, no fato de Laville e Dionne (1999) e Chauí
(1995) não a mencionarem, nem quando tratam das Ciências Humanas. Porém, a
Educação consta no quadro de áreas do CNPq nas Ciências Humanas, juntamente
com outras possibilidades a ela relacionadas, não necessariamente como subdvisões.
136
ATIVIDADES
137
3.2 TEORIA, MÉTODO E METODOLOGIA
Apesar das distinções e especificidades que podem
ocorrer entre as áreas de conhecimento, todas elas utili-
zam teorias, métodos e metodologias para a essa produção.
Estes termos, embora de uso comum no meio acadêmi-
co, nem sempre são suficientemente claros para os estudantes,
em especial quanto à sua operacionalização em uma pesquisa.
ATIVIDADES
Antes de ler a continuidade do tópico, reflita:
Lembre-se que a fragilidade na explicitação do referencial
teórico-metodológico é um dos desafios a serem superados pela
produção em Educação, de acordo com os autores mencionados na
Unidade 1. Desta forma, alguns esclarecimentos sobre esses ter-
mos são importantes para a continuidade da abordagem do tema.
Como em todo campo de conhecimento existem distin-
tas possibilidades explicativas.O pesquisador deverá conhecê-las,
identificando aquela mais pertinente para o fenômeno ou aspecto
138
da realidade que pretende investigar e, consequentemente, quais
caminhos são indicados pelos pressupostos epistemológicos.16
Nesse sentido, a teoria assume papel primordial no pro-
cesso investigativo, como indica Popper (1993, p. 61-62): “teorias
são redes, lançadas para capturar aquilo que denominamos ‘o mun-
do’: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo. Nossos esforços
são no sentido de tornar as malhas da rede cada vez mais estreitas”.
139
posta. Esses pressupostos decorrem do método. É por isso
que teoria é indissociável de método, e que a expressão refe-
rencial teórico-metodológico é recorrente no meio acadêmico.
Existem mais teorias do que métodos, porque um mes-
mo método pode ser utilizado como base para a proposi-
ção de teorias que abrangem distintos aspectos da realidade.
140
pesquisador, no sentido de que a explicação selecionada trazineren-
tes algumas hipóteses a serem investigadas. Por outro lado, o pes-
quisador deve estar aberto à possibilidade de encontrar respostas
diferentes daquelas que espera, e ciente de que o referencial que
elegeu condicionará bastante as possíveis respostas que encontrará.
141
representar os conceitos, se estão acessíveis; quais são os ins-
trumentos que utilizará para coletar os dados, se são adequa-
dos para captar as informações relevantes para os conceitos;
como fará a análise desses dados e se essa proposta é adequada
ao tipo de dado que será tratado. Em todas as etapas da meto-
dologia é preciso justificar e explicitar a pertinência destas es-
colhas em relação ao problema de pesquisa e ao referencial.
142
QUADRO 1 - POSTULADOS DO POSITIVISMO
Posição epistemológica Objetivo Referências
Recusa da apreensão ime- Estabelecer leis gerais, a Spencer,
diata da realidade, da com- partir da identificação de Comte,
preensão subjetiva dos fenô- regularidades e da gene- Descartes,
menos (psicologização) e da ralização empírica, pois o Carnap,
pesquisa intuitiva. Defende a conhecimento dessas leis Russell.
objetividade do pesquisador. pode favorecer a eficácia
Pesquisa desenvolvida por na ação humana.
meio de dados da experiên-
cia e das leis gerais relativas
aos fenômenos sociais, passí-
veis de generalização – as leis
positivas ou naturais
Fonte: Bruyne, Herman e Schoutheete (1991, p.136-152)
143
quantificação do “real humano” – representações, valores –, o
debate entre quantitativo e qualitativo parece “frequentemente
inútil e até falso” , pois é possível utilizar procedimentos quanti-
tativos, qualitativos ou ambos combinados; a escolha do pesqui-
sador deverá decorrer essencialmente do problema de pesquisa19.
Tal como o Positivismo, o Funcionalismo é por vezes men-
cionado de forma pejorativa na Educação. Neste caso, a crítica
refere-se a parecer uma abordagem muito naturalizadora das dife-
renças e desigualdades sociais, na medida em que busca explicá-las
e verificar suas inter-relações, mas não se propõe a transformá-las.
Muitos de seus pressupostos envolvem a “harmonia deinteresses
na ordem normativa como inerente a todas as sociedades”, o que
não deixa lugar “para a mudança social, para a história” (ARAÚJO,
____________________
19
Sobre estudos quantitativos e qualitativos em Educação ver: Gatti (2004) e Bog-
dan e Biklen (1994).
144
1993, p. 105-106).
Segundo Richardson (1999, p. 43), o Estruturalismo
contribuiu muito para o desenvolvimento das Ciências Sociais
no século XX: “ao negar a realidade como algo singular, rejei-
tar o império da experiência sensível e considerar insignifican-
te o estudo dos fatos isolados, constitui-se o estruturalismo em
uma alternativa significativa para todas as formas de positivis-
mo”. Uma das críticas feitas ao estruturalismo envolve a restri-
ta atenção à possibilidade de transformação dos fenômenos20.
____________________
20
Richardson indica a existência de três tipos de estruturalismo: o fenomenológico
(Merleau-Ponty), o genético (Piaget) e o de modelos (Lévi-Strauss, Althusser).
145
QUADRO 4 - POSTULADOS DA COMPREENSÃO
Posição epistemológica Objetivos Referências
A apreensão das totalida- Apreender e expli- Weber,
des significativas, históricas, citar o sentido da
está subordinada à compre- atividade social in- Giddens
ensão prévia da ação social dividual e coletiva
– motivos, intenções, pro- enquanto realização
jetos, etc. de uma intenção,
pois a ação huma-
na é a expressão de
uma consciência, o
produto de valores,
a resultante de mo-
tivações. Investiga
fenômenos singu-
lares e únicos: um
acontecimento é
apreendido enquan-
to elemento ori-
ginal e específico.
Fonte: Bruyne, Herman e Schoutheete (1991, p.136-152).
____________________
21
Aqui, optou-se por utilizar o termo pessoas, que é teoricamente neutro, ao invés
de indivíduos, sujeitos ou agentes, que têm marcas teóricas específicas.
146
QUADRO 5 - POSTULADOS DO MATERIALISMO DIALÉTICO
Posição epistemológica Objetivo Referências
Considera que o mundo Apreender as Marx, Engels
exterior existe indepen- relações dialé-
dentemente da consciência; ticas estabele-
sua forma de aproximação cidas histori-
dos fenômenos é dialética. camente entre
Tem por princípios a cone- o homem, a
xão universal dos objetos e natureza e a
fenômenos; o movimento sociedade –
permanente e o desenvolvi- estabelecidas
mento. Explicita leis e cate-
pelo trabalho e
gorias. pelos modos de
produção.
Fonte: Richardson (1999, p. 32-54).
147
pendente das pessoas e que tendem a entender as ações como re-
sultado das posições estruturais e papéis ocupados pelas pessoas.
148
pensamentos e escolhas ocorrem simultaneamente à ação, obten-
do resultados concretos, mas considerando que estão também li-
mitadas no tempo e no espaço. Essas diferentes perspectivas estão
articuladas, como se pode perceber, a proposições epistemológi-
cas de distintos métodos. No entanto, cabe lembrar que por vezes
há teorias derivadas de um único método, mas com abordagens
distintas, devido às diferentes ênfases e apropriações que fizeram.
Por exemplo, o caso do método estruturalista. Pierre Bour-
dieu identifica sua obra – que constitui aTeoria dos Campos – com o
estruturalismo, porém reformula alguns de seus princípios, como
a tendência de ignorar o sentido que os agentes dão a suas ações, e
acrescenta em sua análise a noção de estratégia, à de regra. Segun-
do ele, sua dúvida em relação ao estruturalismo era que “queria
reintroduzir de algum modo os agentes, que Lévi-Strauss e os es-
truturalistas, especialmente Althusser, tendiam a abolir, transfor-
mando-os em simples epifenômenos da estrutura” (2004, p. 21).
149
Por construtivismo, quero dizer que há, de um lado, uma
gênese social dos esquemas de percepção, pensamen-
to e ação que são constitutivos do que chamo de habi-
tus e, de outro, das estruturas sociais, em particular do
que chamo de campos e grupos, e particularmente do que
se costuma chamar de classes sociais (2004, p. 149).
150
ATIVIDADES
Acesse o site do Scielo – www.scielo.br – e escolha
a opção de língua “Português”, no menu à esquerda da página.
Por meio da busca, identifique um artigo que trate do as-
sunto de seu interesse, relacionado à temática deste Curso.
1.Leia o artigo (siga o roteiro apresentado no tópico 4.1), iden-
tificando:
151
O artigo traz (implícita ou explicitamente) sugestões de outras
pesquisas que poderiam derivar desta, como um desdobramento,
que poderia ser um tema para seu TCC? Qual(is)?
152
4.PESQUISA ACADÊMICA: CUIDADOS INICIAIS
153
sendo tratada; como o autor fala sobre o tema, como o res-
ponde; e separar ideias principais e secundárias (podendo utili-
zar mapa conceitual para auxiliar na organização dessas ideias).
154
cio e prática, as três primeiras podem ser feitas simultaneamente,
subsidiando a problematização e a síntese. Desta forma, recomen-
da-se que seja exercitada ao menos uma vez, etapa a etapa, para com-
preender-se o que cada uma contém, e como se inter-relacionam.
155
ATIVIDADES
Escolha um artigo acadêmico utilizado como referência de
um dos módulos do Curso e aplique as etapas de leitura propos-
tas, finalizando com a construção da ficha de leitura, que pode ser
adaptada com outros tópicos que você julgar relevantes para sua
organização pessoal.
Importante: cada módulo do Curso, cada leitura que você
fizer, pode contribuir para a definição futura de seu tema para o
TCC. Leia-os e estude-os com atenção.
156
4.2 ESCRITA ACADÊMICA
157
lho completo, contendo começo, meio e fim da ideia, em vários
níveis.
158
ficou riscando no caderno quantos “né” alguém falava em uma
aula ou palestra? O mesmo pode ocorrer com expressões ou pa-
lavras em textos escritos.
frases feitas, chavões. Em geral são utilizados no senso comum,
ou em conversas, e são adotados sem muita criticidade ou raciona-
lização quanto aos fundamentos do que está sendo afirmado, como
se todos compartilhassem do mesmo sentido para eles, e explicas-
sem muita coisa. Por exemplo, “na prática a teoria é outra”; e
159
ATIVIDADES
160
4.3 NORMAS ACADÊMICAS
Muitas vezes há a expectativa dos alunos de que na disciplina
Metodologia da Pesquisa aprenderão sobre as normas ABNT. Elas
são importantes e necessárias para que haja uma padronização na
formatação e apresentação dos trabalhos acadêmicos, porém não
são as únicas normas existentes, e, também, não constituem o ele-
mento mais relevante de uma pesquisa acadêmica, mas devem ser
atendidas. O ideal é apresentar um bom trabalho (quanto ao conteú-
do), formatado de acordo com as normas assumidas pela instituição.
As normas envolvem procedimentos de registro de refe-
rências, citações diretas e indiretas, utilização de notas de rodapé,
formatação do texto e do trabalho de forma geral. Neste material
do Curso, bem como nos artigos e livros acadêmicos que você ler e
manusear, perceberá que existe um certo padrão na forma como as
citações são feitas, ou as referências aos autores e obras utilizadas.
161
núcias quanto às normas utilizadas na UFPR neste módulo, pois
este detalhamento é disponibilizado e atualizado pelo Sistema de
Bibliotecas da UFPR, em: http://www.portal.ufpr.br/normali-
zacao.html
ATIVIDADES
Acesse o site da Bibliotecas da UFPR e observe os cui-
dados a serem aplicados não somente no TCC, mas em todos os
trabalhos realizados no decorrer deste Curso.
Citação – exemplo
Referências – exemplo
162
4.4 PLÁGIO
163
Muitas vezes, o aluno tem dificuldade em discernir com
clareza essa dimensão de plágio, pois desde a educação básica
pode ter sido frequente a cópia de trechos de livros, artigos ou
de sites, sem referenciar a origem ou indicar que se tratava de có-
pia. No entanto, no âmbito acadêmico, esta prática é inaceitável.
Este alerta é potencializado em sua importância, pois, em
especial em um Curso ofertado por uma instituição públi-
ca, gratuito para os participantes, com o propósito de apri-
morar a formação continuada deste e contribuir para a con-
solidação e fortalecimento do conhecimento sobre o tema
Educação das Relações Étnico-Raciais, é imprescindível que
todos busquem aproveitar a oportunidade de forma ética, res-
ponsável e comprometida, de forma a retribuir à sociedade
que está financiando essa oportunidade, com reflexões e uma
produção final que contribuam para o propósito do Curso.
164
terminado tema pode ser iniciado a partir da leitura de algum
artigo, livro ou capítulo de livro, de cunho acadêmico, sobre ele.
Toda obra acadêmica irá necessariamente trazer as referências
com as quais dialogou na construção do trabalho, e a forma como
tais autores e ideias estiverem abordados ao longo do texto po-
dem trazer pistas sobre o que seria mais interessante você ler.
Assim, o levantamento bibliográfico será uma atividade de ras-
treamento que pode ser iniciada a partir de um trabalho que você
avaliou como relevante, sobre a questão que pretende estudar de
forma mais aprofundada.
165
nadas à pesquisa e pós-graduação na área, é possível acessar, na
íntegra, trabalhos apresentados em seus eventos, Anuais e Regio-
nais; informações sobre os GTs; e a Revista Brasileira de Educa-
ção.
166
Biblioteca Nacional
http://www.bn.br
A Biblioteca Nacional, no Brasil, é o repositório de vá-
rios tipos de produções, inclusive bibliográficas. No link “Acer-
vo”, há subdivisões para o material, além da possibilidade (no
link “Serviços”) de reprodução de itens do acervo para usuários.
167
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq)
http://www.cnpq.br/
O CNPq é uma agência do Ministério da Ciência, Tecno-
logia e Inovação. É o responsável pela Plataforma Lattes, na qual
estão reunidos currículos dos pesquisadores brasileiros, desde
sua formação inicial – banco de dados para identificar produções,
orientações e trajetórias.
168
amplo, quando feito por meio de computadores autorizados,
de instituições de ensino (como a UFPR, em suas bibliotecas).
QUALIS – Capes
http://www.capes.gov.br/avaliacao/qualis
A produção acadêmica no Brasil, em especial relacionada
às pesquisas e Programas de Pós-Graduação, é avaliada por meio
de critérios estabelecidos pelas áreas de conhecimento e a Capes.
No Qualis, encontram-se os critérios das áreas para avalia-
ção de periódicos, e a classificação dos periódicos de cada área.
169
de informações como a referência para localização na biblioteca,
você poderá verificar se a obra existe em mais de uma biblioteca,
e se está disponível ou emprestada, e, neste caso, para quando está
prevista sua devolução. Outro recurso interessante dentro do item
“Detalhe”, é o “Ref. Bib.” Clicando nele, o sistema gera automa-
ticamente a informação da referência de acordo com as normas.
170
Thesaurus Brasileiro da Educação
http://portal.inep.gov.br/pesquisa-thesaurus
O Thesaurus Brasileiro da Educação (Brased) é um vocabulário
controlado que reúne termos e conceitos, extraídos de documen-
tos analisados no Centro de Informação e Biblioteca em Educação
(Cibec), relacionados entre si a partir de uma estrutura concei-
tual da área. Estes termos, chamados descritores, são destina-
dos à indexação e à recuperação de informações. (INEP, 2013).
171
ATIVIDADES
172
5. A PESQUISA: PROJETO, DESENVOLVIMENTO E RELA-
TÓRIO
173
a relevância do estudo, atentando para a potencial con-
tribuição que sua pesquisa poderá trazer para a área de co-
nhecimento, neste caso, para a Educação das relações étni-
co-raciais, e para outros futuros leitores e usuários dela; e
a viabilidade da pesquisa, considerando o tempo necessário
para desenvolvê-la; os recursos materiais e intelectuais que deve-
rão ser mobilizados; a existência, localização e acesso às fontes ou
materiais; a existência de orientador para aquele tema, por exem-
plo, devem ser considerados na definição do objeto da pesquisa.
174
identifica, e que o auxiliará no desenvolvimento da pesquisa, haven-
do algum conceito fundamental que o acompanhará na investigação.
A partir da definição destes tópicos, deve-se pensar nas fon-
tes e metodologia mais adequadas à proposta de investigação. Per-
meando este processo, o levantamento bibliográfico será contínuo.
175
mais clara e precisamente o que será pesquisado.
176
tiva e clara da questão que será investigada, em forma de per-
gunta a ser respondida pela pesquisa. Trata do que será pesqui-
sado. Embora pareça simples, essa questão é fundamental para
o pesquisador ter um foco em seus esforços. Quando o pro-
blema está claro, para cada leitura que você fizer, será mais fá-
cil identificar o que é essencial ou não para sua pesquisa, e,
também, estabelecer relações entre estudos já realizados e
sua pesquisa. Por exemplo, quais propostas vêm sendo desen-
volvidas em escolas brasileiras para a implementação da Lei?
5.2.3 Objetivos
Por meio deles, deve ser evidenciado para que será feita a
pesquisa, seu propósito ou finalidade.
Para a redação de objetivos, são recomendados que:
177
dológica para a realização da pesquisa;
sejam viáveis;
5.2.4 Justificativa
Diz respeito ao por que da pesquisa, sua relevância e possí-
veis contribuições. Nela, deve-se apresentar argumentação exaus-
tiva sobre a importância da realização da pesquisa – em âmbito
pessoal, profissional, acadêmico e social.
178
Embora seja o momento do pesquisador usar suas próprias
palavras na defesa de sua proposta de pesquisa, pode-se, se opor-
tuno, citar outro autor que também evidencie esta necessidade,
com a devida indicação da fonte.
5.2.6 Metodologia
A metodologia é derivada do referencial adotado na pes-
179
quisa, conforme visto na Unidade 3, e trata da forma de desenvol-
vimento da pesquisa, abrangendo algumas perguntas: como, com
que, com quem, quando, quanto, onde vou fazer a pesquisa?
180
dado, bem como os critérios que utilizou para selecioná-los.
Articulada e decorrente do referencial ou con-
ceito, do tipo de material utilizado e do instrumento de
pesquisa está a análise a ser desenvolvida pelo pesqui-
sador, que consistirá no olhar crítico e reflexivo sobre a lite-
ratura e os dados coletados, tendo como foco a construção da
resposta ao problema de pesquisa e aos objetivos enunciados.
181
mento destes estudos; e atualmente, há acesso facilitado a produ-
ções acadêmicas, em especial no caso de periódicos, que disponi-
bilizam os trabalhos na íntegra para download, o que permite ao
aluno que trabalha desenvolver a pesquisa em horários e em locais
que lhe sejam mais adequados. Ou seja, impacta diretamente na
viabilidade de realização da pesquisa.
182
gação da Lei.
183
para buscar explicar ou levantar possíveis explicações para estes
elementos. Por exemplo, se houve um pico no número de artigos
por volta de 2008 e depois decresceu, por que será que ocorreu
isso? Seria por que o tema se esgotou, já que as constatações eram
muito semelhantes? Há elementos que indiquem que a partir
daí passou-se a discutir outros temas como desdobramento des-
se primeiro? Ou, se você não investigou esses desdobramentos,
pode indicar como possibilidade a ser investigada futuramente?
Abaixo há indicação de dois artigos, sendo que o primeiro,
derivado de uma tese de doutorado, trata de uma pesquisa biblio-
gráfica de grande amplitude, chamada de estado da arte (para um
TCC de Especialização não é necessário este porte de pesquisa).
Ambos os trabalhos trazem detalhamentos que ilustram as ques-
tões levantadas neste tópico, sobre a pesquisa bibliográfica.
Acesse os dois artigos e identifique em cada um deles:
O objetivo do trabalho;
184
SUGESTÕES DE LEITURA
ARTIGOS PARA LEITURA
5.2.7 Cronograma
O cronograma constitui a apresentação das etapas de tra-
balho e intervalos de tempo a serem utilizados para desenvolvi-
mento da pesquisa, ou seja, quando será feito o quê. Pergunta:
quanto tempo levará cada etapa?
Ele pode ser organizado na forma de quadro, conforme o
exemplo abaixo, que seria adequado para uma pesquisa bibliográ-
fica. Para outros tipos de pesquisa, as etapas deverão ser ajustadas
conforme cada especificidade.
185
186
Etapas da pesquisa 2014 Jan Fev Mar Abr Mai jun jul Ago Set Out Nov Dez
Levantamento bibliográfico inicial x x
Elaboração do projeto x x
187
Anexo se refere ao que já estava pronto e foi utilizado
(exemplo – lei); e Apêndice é o que você elaborou para a pesquisa
(exemplo: ficha de leitura).
188
ATIVIDADES
1)A partir do que já conhece sobre o tema e das leituras iniciais
desenvolvidas no Curso, inicie um esboço de seu futuro projeto
de pesquisa, contemplando os seguintes tópicos:
Tema
Problema
Delimitação
Objetivo
Metodologia
189
a sua proposta, por isso deve ser bastante minucioso em sua lei-
tura, abrangendo elementos de forma (clareza, normas gramati-
cais e acadêmicas) e de conteúdo (precisão, adequação, coerência
e pertinência). Também deverá, se possível, sugerir leituras que
conheça, sobre o tema de interesse do colega autor da proposta.
Roteiro para análise dos esboços de pré-projeto:
190
seus objetivos, iniciar mais formalmente o processo. A partir das
observações do leitor, que devem ser tomadas como contribui-
ções, o autor do esboço de projeto analisado deverá posteriormen-
te refletir sobre como elas o auxiliam a aperfeiçoar sua proposta.
191
5.3 CUIDADOS NO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Um projeto bem elaborado é fundamental para que o
desenvolvimento da pesquisa transcorra sem grandes percal-
ços – ao menos, aqueles que estão sob controle do pesquisador.
Mesmo assim, ajustes são comuns no processo, e devem
ocorrer sempre que houver a avaliação de que algo que foi pla-
nejado não está tão adequado, ou então, se mostra inviável de
ser realizado. Por exemplo, no caso de pesquisa bibliográfica, não
encontrar artigos sobre o tema nos periódicos selecionados. Uma
possibilidade de ajuste para essa situação seria expandir os títulos
de periódicos abrangidos pela pesquisa. Neste caso, também, a
própria inexistência de artigos sobre o tema (implementação da
Lei no. 10.639/03) em periódicos acadêmicos considerados rele-
vantes na área da Educação pode e deve ser problematizada.
Neste caso, a ausência ou o silêncio na abordagem do tema
pode ser discutido como problema de pesquisa (o ajuste passaria
a ser uma redefinição mais ampla).
192
tem como função auxiliar o aluno no processo de aprendizado e
desenvolvimento de uma pesquisa acadêmica.
Cada orientador tem uma dinâmica própria para desenvol-
ver essa atividade, mas alguns elementos podem ser considerados
consensuais e importantes:
Que o aluno produza material escrito, para as conversas e dis-
cussões de orientação. Isso porque ao forçar-se a escrever, o aluno
exercita precisão, organização das ideias, e a sistematização de sua
pesquisa, ao mesmo tempo em que apresenta ao orientador, sub-
sídios para que este dimensione melhor leituras que devem ser
feitas, ajustes, ou complementos necessários.
193
a delimitação, a problematização, os objetivos, a justificativa e a
metodologia, não necessariamente se mantendo cada item em
separado, com subtítulo. No caso da metodologia, é importante
detalhar como foi feito todo o processo de pesquisa, incluindo os
ajustes em relação ao previsto inicialmente.
194
ter e construir ao longo do desenvolvimento da investigação.
Alguns optam por utilizar a expressão Considerações Finais,
por entender que a questão nunca está totalmente resolvida.
Neste sentido, algo muito positivo que pode constar nes-
ta última parte do texto são aquelas sugestões de possíveis des-
dobramentos para outras futuras pesquisas. Desta forma, o au-
tor auxilia outros interessados no tema a identificar caminhos
necessários para o estudo e aprofundamento daquele tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste módulo foram apresentados cuidados, orientações
e condições, necessários para o desenvolvimento de pesquisas no
campo da Educação.
195
REFERÊNCIAS
196
BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
197
BRUYNE, P.; HERMAN, J.; SCHOUTHEETE, M. Dinâmica da
pesquisa em ciências sociais. 5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Al-
ves, 1991.
198
GOERGEN, P. A pesquisa educacional no Brasil: dificuldades,
avanços e perspectivas. Em Aberto, Brasília, n. 31, p. 1-18, jul./
set. 1986.
199
INEP. Apresentação do Thesaurus. Disponível em: <http://por-
tal.inep.gov.br/pesquisa-thesaurus>. Acesso em: 30/11/2013.
200
SELLTIZ, C.; WHIGHTSMAN, L. S.; COOK, S. W. Métodos de
pesquisa nas relações sociais. 2. ed. São Paulo: EPU, 1987. v 3.
201
202
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
ABERTURA DO MÓDULO III
Caro/a cursista,
Neste módulo III são apresentados dois temas que, embora
diversos, estão inter-relacionados. No primeiro texto, "Aponta-
mentos sobre o racismo no Brasil", o autor Paulo Vinícius Baptis-
ta da Silva explora conceitos fundamentais para a compreensão
da maneira pela qual a temática das relações raciais foi abordada
e vivida ao longo de nossa história. Dentre eles, incluem-se as
noções de raça, racialização, racismo, etnia, discriminação, bem
como a maneira pela qual elas contribuem para a compreensão da
dinâmica das relações raciais no país, tanto no passado quanto no
presente.
203
seguida, passa a delinear a influência da religiosidade africana no
contexto religioso brasileiro, abordando de maneira sintética não
apenas as religiões denominadas afro-brasileiras (religiões de ma-
triz africana - sendo o candomblé a mais conhecida -, e umban-
da), mas também as influências negras no catolicismo e no mundo
evangélico (tendo como foco, neste último caso, o neopente-
costalismo, em especial a Igreja Universal do Reino de Deus).
204
ANTROPOLOGIA DAS POPU-
LAÇÕES AFRO-BRASILEIRAS
MÓDULO III
Ao final deste módulo, você deverá:
205
206
Ohene aniwa
Ohene aniwa twa ho hyia
Os olhos do rei.
Os olhos do rei estão em todos os lugares.
Símbolo da vigilância, proteção, segurança e excelência.
1. O CONCEITO DE RAÇA/COR
207
quiriram importância para explicar diversos fenômenos sociais e
justificar novas desigualdades (WIEVIORKA, 1992).
208
Ato contínuo a essas tragédias, o conceito de raça passou a
ser recusado pela Biologia e as Ciências Sociais que tomaram o ra-
cismo como objeto de estudo. Raça passou a ser entendida como
uma construção social. As diferenças entre os seres humanos, reais
ou atribuídas, são significativas a partir dos sentidos a elas conferi-
dos. A maioria absoluta da comunidade científica passou a refutar
as teorias racistas, mas diversas práticas sociais mantêm vivos os
conceitos de raça e racismo. As pessoas continuam a classificar as
outras em função de diferenças imputadas à raça, crença que conti-
nuou a exercer papel importante sobre diversos fenômenos sociais.
209
[...] as diferenças contemporâneas entre o México, o Brasil e
a Argentina, por exemplo, são profundas devido a uma dife-
rente história de imigração, desenvolvimento histórico e po-
sição dos grupos minoritários. A Argentina e o Chile recebem
imigrantes de países vizinhos que são economicamente me-
nos importantes. O México está ‘exportando’ seus próprios
emigrantes para os Estados Unidos e, ao mesmo tempo, per-
segue e explora emigrantes da América Central que atraves-
sam o país a caminho dos Estados Unidos. O Brasil tem com-
parativamente uma pequena minoria indígena. Na Argentina
e especialmente no Chile, os grupos minoritários podem ser
um pouco maiores, mas deve-se considerar que a maioria da
população possui raízes indígenas. Os povos indígenas for-
mam grandes minorias ou a maioria no México, na Guate-
mala, na Bolívia e no Peru. Por outro lado, os latino-ameri-
canos de origem africana representam minorias consideráveis
apenas no Caribe, na Venezuela, na Colômbia, [...] e grupos
muito menores em outros lugares, como México e Peru.
O processo denominado racialização implica que, ao
ser tratado como inferior o grupo social racializado têm, siste-
maticamente, negado ou dificultado o acesso a bens materiais
ou simbólicos, fazendo com que raça, mesmo não existindo
como diferença biológica, exista do ponto de vista social. Ou
seja, ao se tratar sistematicamente determinados grupos sociais
como inferiores, as raças tornam-se plenas de existência social.
210
Mas, passemos ao contexto brasileiro.
PARA REFLETIR
Quais grupos têm sistematicamente tratamen-
to como inferiores, dificultando ou impedindo acesso
a bens sociais e pessoais no Brasil?
Observemos, por exemplo, o Programa Nacional de Di-
reitos Humanos II (BRASIL, 2002) que têm propostas específicas
para negros, indígenas e a ciganos. São estes os grupos que têm
sistematicamente acesso negado a bens materiais e simbólicos no
Brasil, a ponto de necessitarem de amparo específico na legislação
e propostas de ações relativas aos Direitos Humanos. São estes
os grupos que constantemente recebem tratamento diferenciado
baseado em suposto pertencimento a “raças”.
Sobre a população cigana brasileira, a falta de informações e
de estudos continua como principal marca. As instituições oficiais
de pesquisa pouco integram em seus estudos informações sobre a
população cigana e, no campo acadêmico, nas ciências humanas em
geral e na educação em específico, também são raros os estudos.
A população indígena foi dizimada durante séculos no
processo de colonização e interiorização do país e, segundo os
dados do IBGE de 2006, era de somente 0,3% do total da po-
pulação do país. O reconhecimento de direitos das populações
indígenas convive com processos sistemáticos de discriminação
e violações diversas. No campo educacional ocorre um atraso
muito grande que, em certa medida, tem sido contraposto por
políticas educacionais específicas bastante recentes, em especial
a necessidade de construção de uma Educação Escolar Indígena
211
caracterizada pela afirmação das identidades étni-
cas, pela recuperação das memórias históricas, pela va-
lorização das línguas e conhecimentos dos povos
indígenas, pela vital associação entre escola-sociedade-iden-
tidade, e em consonância com os projetos societários defini-
dos autonomamente por cada povo indígena (BRASIL, 2009).
A população negra corresponde a cerca de 50% do to-
tal do país, segundo dados do IBGE, que trabalha com uma
classificação de cor/etnia contendo os grupos: branco, pre-
to, pardo, amarelo e indígena. O mesmo instituto convencio-
nou utilizar o termo “negro” como correspondente ao agru-
pamento dos grupos de cor “preto” e “pardo”, o que foi, em
grande medida, incorporado pelos movimentos sociais negros.
O racismo, no Brasil, em especial em relação a indígenas
e negros, é um racismo ambíguo, que se afirma por sua negação,
bastante amparado num imaginário de mestiçagem (MUNAN-
GA, 2004). A negação do racismo gerou uma hegemonia do de-
nominado “mito da democracia racial” em grande parte do século
XX. Atualmente esse ideário de um país não racista deixou de ser
hegemônico, mas continua muito presente no imaginário social.
212
cimento de que raças biológicas não existem. Raça é uma cons-
trução social, destituída de fundamentos biológicos. A ideia de
raças humanas e as bases sociais do racismo foram historicamen-
te criadas e difundidas, com objetivos políticos bem determina-
dos, mas carecem de fundamento científico. As ideias de raça têm
efetividade social em função de sua inserção no universo simbó-
lico, na construção e negociação de sentidos. Dizer que raça é
uma construção social é assumir que lhe são atribuídos sentidos
que influenciam a percepção a respeito de indivíduos e grupos e
muitas das práticas sociais a que esses são submetidos. 2) A de-
núncia de que a ideia de raça modifica-se continuamente e ma-
nifesta-se sob diferentes formas e tropos3. “O não-racialismo
não é garantia para o não-racismo, podendo mesmo cultivá-lo
se, para tanto, utilizar um bom tropo para raça” (GUIMARÃES,
2002, p. 53). O Brasil apresenta um contexto que serve para re-
futar a ideia de que o racismo depende do uso do termo raça:
213
Para lutar contra a discriminação, é necessário lhe dar rea-
lidade social (GUIMARÃES, 1995). Certas discriminações sociais
são compreensíveis somente pela ideia de raça.As desigualdades no
Brasil, na sua “estrutura”, são perpassadas pela ideia de raça, como
mostraram os estudos sobre relações raciais realizados a partir da
década de 1970 (HASENBALG, 1979; SILVA, 1980). A classifica-
ção racial determina oportunidades sociais, sendo necessário des-
velar como a produção e a reprodução das iniquidades sociais são
perpassadas pela ideia de raça. “Afinal, a linguagem científica deve
justamente ser capaz de desvendar e revelar o que o senso comum
escondeu” (GUIMARÃES, 2002, p. 56). O uso do conceito de raça,
como categoria analítica, tem um efeito político, que é lutar contra
as desigualdades que são definidas/redefinidas pelas ideias de raça.
214
2. O CONCEITO DE ETNIA / ÉTNICO
215
sido uma tendência recente utilizar a junção dos dois termos,
raça e etnia, para designar os afro-brasileiros. A expressão étni-
co-racial, portanto, tem sido usada comumente no que se refere
a leis e propostas educacionais, por exemplo. É o caso da legis-
lação que compõe a Educação das Relações Étnico-Raciais (Lei
no. 10.639/2003, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana e Lei n. 11.645/2008 – que
inclui o estudo da história e cultura sobre os povos indígenas).
216
3. O CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO E SUA RELAÇÃO
COM CULTURA
O ideário de branqueamento alimentou a noção de de-
mocracia racial. A partir dos anos 1930, a concepção do mesti-
ço como símbolo da identidade nacional passou a ser dominante
(GUIMARÃES, 2002). Ideias sobre a harmonia entre os grupos
raciais foram gestadas e difundidas. A obra Casa Grande & Senza-
la, de Gilberto Freire, foi veículo importante para a difusão das
ideias sobre a cordialidade nas relações raciais no Brasil. Em 1944,
Freire utilizou a expressão “democracia étnica e social” para des-
crever o Brasil.
No mesmo ano, num artigo de jor- No artigo Democra-
cia racial, de Antônio
nal em que relatava uma entrevista com Sérgio A. Guimarães,
Freire, Roger Bastide grafou pela primei- você encontrará mais
informações sobre esse
ra vez a expressão “democracia racial”. A conceito. Disponível
concepção de que o Brasil era um país sem em: http://www.ffl-
ch.usp.br/sociologia/
barreiras que impediam a ascensão social asag/Democracia%20
firmou-se internamente. O país esforçou- racial.pdf
se para divulgar esta imagem no exterior,
o ideário de que no Brasil as relações ra-
Acessando o link a se-
ciais eram cordiais, e que não existiam de- guir, você encontra o
marcações sociais baseadas em critérios de prefácio da obra Casa
Grande & Senzala.
raça. Tal ideário foi, após a década de 1930,
absorvido rapidamente na sociedade brasi- http://prossiga.bvgi.
igi.org/por tugues/
leira, e passou a ter uma ampla aceitação. obra/livros/pref_bra-
Mesmo integrantes do movimento negro, sil/casagrande.htm
como os líderes do Teatro Experimental do
Negro/TEN, consideraram a “democracia
racial” como presente no contexto brasilei-
ro, e utilizaram o conceito em seu discurso
217
(GUIMARÃES, 2002, p. 146). Prevaleceu a ideia de um país sem
linha de cor. “Tal idéia, no Brasil moderno, deu lugar à constru-
ção mítica de uma sociedade sem preconceitos e discriminações
raciais” (GUIMARÃES, 2002, p. 139).
Maio (1997, p.14)
aponta a mudança sig-
O início das críticas à concepção de nificativa na redação
relações raciais harmônicas chega com os do projeto da Unes-
co, mesmo antes de
resultados de pesquisas do “Projeto Unes- sua execução. O ob-
co”4, no início da década de 1950. O receio jetivo da pesquisa, na
primeira redação, era
da repetição do terror nazista era forte em “determinar os fato-
grande parte do mundo. A Unesco, recém- res que contribuíram
para a existência de
criada, visava à prevenção de tragédias se- relações harmoniosas”.
melhantes, e patrocinava estudos diversos Na versão definitiva
ficou “determinar os
sobre a questão. A imagem do Brasil como fatores econômicos,
país onde as relações raciais seriam predo- sociais, políticos, cul-
turais e psicológicos
minantemente pacíficas foi fundamental favoráveis ou desfavo-
para a escolha recair sobre o país, que re- ráveis à existência de
relações harmoniosas
presentava a esperança de relações raciais sobre grupos huma-
harmônicas. A concepção que motivou os nos”. Maio argumenta
que os resultados do
estudos era de um país como “laboratório “Projeto Unesco”, con-
da civilização” ou uma “democracia étnica” forme esse objetivo,
não foram frustrados.
(expressões de Arthur Ramos e Gilberto
Freire).
218
d e concepção no campo das Ciências Sociais brasileiras (particu-
larmente da sociologia).
Os dados da pesquisa, em São Paulo, descreveram a conti-
nuidade, após a escravidão, da subalternidade de pretos e pardos.
Os estereótipos contra os negros se mantinham e impediam a sua
ascensão (FERNANDES, 1971). Também no Rio de Janeiro, os
dados demográficos e educacionais apresentaram grandes distân-
cias sociais entre os grupos de cor (COSTA PINTO, 1998).
A libertação dos antigos escravizados não significou mu-
dança na estrutura de poder na sociedade. Na passagem ao mode-
lo capitalista de produção foram mantidas interdições aos chama-
dos “homens de cor”, o poder centralizado nas mãos das mesmas
classes dirigentes e foram ampliadas as distâncias sociais entre os
grupos raciais. Durante o início do século XX, as condições da
população negra mantiveram-se inalteradas, num jogo ambíguo.
Mesmo com muitos contatos e comunicação entre brancos e ne-
gros, os grupos raciais constituíam grupos socialmente separados
e irredutíveis um ao outro (FERNANDES, 1971). As relações en-
tre os grupos raciais foram regidas por uma “etiqueta” de relações
raciais que tornou o tema racial um tabu. Assim, a opinião pública
esteve informada pelos ideários do branqueamento e da integra-
ção racial. Os movimentos negros que se constituíram nas déca-
das de 1920 e 1930 foram importantes instrumentos de luta con-
tra as assimetrias raciais, mas sucumbiram em face desse quadro
particularmente porque os ideais da “integração nacional”, acima
das desigualdades raciais, foram incorporados pela população ne-
gra.
219
Os dados das pesquisas, em São Paulo, apontaram que a
cor branca facilita a ascensão social (embora sem garanti-la), ao
passo que a cor escura implica numa preterição social, não sendo
uma exclusão incondicional, (NOGUEIRA, 1985). Ao competir
por recursos ou posições sociais, os negros sofrem sistemática in-
terdição (BASTIDE, 1971) ou preterição (NOGUEIRA, 1985).
Como se trata de uma lógica de preterição5, e não de exclusão
incondicional, a ascensão social pode, em circunstâncias especí-
ficas, levar um negro a romper determinadas barreiras impostas
às “pessoas de cor”. Um indivíduo negro que conquista recursos
materiais pode suplantar certas barreiras de segregação, tornan-
do-se sócio de um clube, por exemplo, mas seus traços fenotípi-
cos continuam a impor-lhe preterições. O fato de determinados
indivíduos romperem algumas barreiras foi, e é, utilizado como
argumento em prol da concepção de democracia racial.
220
com a “desmistificação” do discurso da democracia racial nos úl-
timos anos, continua uma representação extremamente comum.
Como mostram as explicações dos habitantes de Vasália (TWINE,
1998).
Vasália foi um pseu-
Perguntados por que na cidade de dônimo atribuído pela
Vasália não havia nenhum negro na câ- pesquisadora a uma
pequena cidade no no-
mara de vereadores, ou por que entre os roeste do estado do
proprietários de terra não havia negros, Rio de Janeiro, palco
da pesquisa (TWINE,
os habitantes da cidade, tanto os de clas- 1998).
se média/alta quanto os pobres, tanto os
negros quanto os brancos, afirmaram, quase em uníssono, que o
motivo era a pobreza dos negros. A explicação é quase tautológi-
ca e naturaliza a condição de pobreza dos negros de Vasália, mas,
para os habitantes da cidade, é explicação suficiente.
221
no momento de sua publicação, pouca ou nenhuma repercussão
sobre as concepções da população brasileira em geral. Diríamos
que tais repercussões não foram imediatas, mas impulsionaram
outros estudos sobre as desigualdades raciais e foram sustentáculo
importante da retomada das discussões, na academia e nos movi-
mentos sociais, na década de 1970.
Um capítulo da tese de Florestan Fernandes, apresentada
em 1964, foi intitulado “mito da democracia racial”, para criticar
o processo de dissimulação das atitudes raciais no Brasil. Militan-
tes e ativistas negros logo incorporaram tal ideia ao seu discurso,
e passaram a tratar a democracia racial como uma ideologia a ser
combatida. As críticas passaram a ser sistemáticas às afirmações de
que no país não ocorre preconceito, discriminação, ou barreiras
para a ascensão social dos negros.
222
No dia do centenário da Lei Áurea, 13 de maio de 1988, o
editorial manteve o mesmo tom:
Não é de estranhar tal argumento em 1988. O momento
era de embate pela legitimação simbólica da democracia racial ou
dos discursos alternativos, sobre a profundidade das desigualda-
des e sobre a valorização da cultura afro (HASENBALG, 1991).
Os trechos de discurso da imprensa mostram como as ideias miti-
ficadas sobre um país miscigenado e livre de problemas raciais são
utilizadas como argumentos para encobrir e negar as desigualda-
des raciais.
No caso brasileiro, a negação da existência de discrimina-
ção e desigualdades raciais serviu como forma de ocultar a domi-
nação racial. O período da ditadura militar, do início até próximo
ao seu final (período em que se insere a primeira citação do jornal
ATarde), representou uma lacuna para as pesquisas sobre relações
raciais e para os movimentos sociais de reivindicação de direitos
(SKIDMORE, 1991). A própria oposição ao regime militar tra-
tava a questão racial como destituída de importância, compar-
tilhando da perspectiva, anteriormente descrita, de redução da
desigualdade racial à social.
223
Com o processo de abertura política, no final da década de
1970, as críticas à pretensa democracia racial foram intensifica-
das. O movimento negro foi revigorado, com o objetivo principal
de “desmacarar a ‘democracia racial’, em sua versão conservado-
ra, de discurso estatal que impedia a organização das lutas anti-ra-
cistas” (GUIMARÃES, 2002, p. 158). A construção de identida-
de negra, valorizando as origens culturais africanas, e a denúncia
contra o mito da democracia racial foram as principais bandeiras
do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Ra-
cial/MNU, que foi importante para dar corpo a reivindicações
de entidades diversas, que tinham atuação mais local. No mesmo
período, as pesquisas sobre relações raciais foram retomadas, e
seus resultados somaram-se ao esforço do movimento negro no
sentido de apontar o engodo que representavam as ideias de re-
lações raciais harmônicas, particularmente, a ausência de “linha
de cor” na estratificação social. Com base em análise de macro
dados, particularmente dos dados gerados pelo Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), tais pesquisas enunciaram
as intensas desigualdades sociais entre brancos, pretos e pardos.
Os indicadores sociais de áreas diversas – trabalho e renda, mo-
bilidade social, saúde, educação, padrões de casamento – mos-
traram-se fortemente favoráveis a brancos, em comparação com
pretos e com pardos. Na maior parte dos indicadores a diferença
encontrada entre pretos e pardos era diminuta, o que levou ao
seu agrupamento, com a finalidade de realizar provas estatísticas
de maior confiabilidade. Os grupos preto e pardo foram reunidos
em segmento único, chamado de “negros”.
Da década de 1980 em diante, as pesquisas sobre relações
raciais passaram a ser muitos mais frequentes e a estar presentes
em áreas diversificadas. Apesar da multiplicação de pesquisas e
224
campos de interesse, ainda temos uma produção aquém da im-
portância que as relações raciais apresentam no contexto brasilei-
ro (de modo geral, as pesquisas sobre relações raciais são minori-
tárias nas diversas áreas de conhecimento).
225
REFERÊNCIAS
226
COSTA PINTO, Luiz A. O Negro no Rio de Janeiro: relações de
raça numa sociedade em mudança. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1998 [1ª Ed. 1953].
227
SKIDMORE, Thomas E. Fato e mito: descobrindo um problema
racial no Brasil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 79, p. 5-16,
nov. 1991.
228
ATIVIDADES
Nome:________________________________________________
Pólo:__________________ Turma:_______________________
Módulo:_______________ Atividade:_____________________
229
SALES JR., Ronaldo. Democracia racial: o não-dito racista. Tem-
po Social, revista de sociologia da USP, v. 18, n. 2. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a12v18n2.pdf>
230
SUGESTÃO DE LEITURA
TEXTOS
231
232
Pempamsie
Pempamsie see bebirebe aho oden ne koroye
233
verso complexo que não se restringe, como em geral se supõe,
a perspectivas unificadas do candomblé e da umbanda –, o que
responderia somente a parte da primeira das dificuldades acima
colocadas. É fundamental também refletir sobre o segundo dos
problemas levantados – a conjugação dos preconceitos racial e
religioso, perpassada pelo temor à magia – que gera resistências
e reações afetivas (muitas vezes intensas) tanto no corpo docen-
te quanto discente, impedindo até mesmo que as temáticas se-
jam abordadas. Ou, em alguns casos, levando a que a exposição
das dinâmicas das religiões afro-brasileiras tenha resultado opos-
to àquele visado – ou seja, que este conhecimento seja tomado
como reforço dos preconceitos religiosos e raciais preexistentes.
Foram as considerações acima que estimularam a redação
deste texto tal como se propõe. Nele, partimos de uma refle-
xão sobre as relações entre religião, magia e preconceito racial
no Brasil, fundamentais para que os professores compreendam os
dilemas e as resistências enfrentados ao se trabalhar com a temá-
tica no ensino fundamental e médio, bem como que possam ela-
borar estratégias para lidar com contextos específicos de sala de
aula. Em seguida, fazemos uma breve reflexão sobre as religiões
de matriz africana – com destaque para as religiões de orixás/vo-
duns, mas ressaltando também as especificidades das religiões de
origem banto3 – e a umbanda (pensada como uma religião sincré-
tica e brasileira, que contém em si importante diversidade inter-
na). Neste momento, as relações e divergências entre a umbanda
e o candomblé serão fundamentais. No entanto, não esgotamos
aí a análise, pois o universo do cristianismo também é essencial
para se pensar a influência africana na constituição e perfil atual
da religiosidade brasileira. Consideramos, portanto, a relevância
das irmandades religiosas de “homens pretos” – inclusive de seus
234
ritos e festas que celebram os santos de devoção – na formação
do catolicismo nacional. Ao final, passamos às religiões neopente-
costais, a partir do modelo da Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD). Esta será abordada sob duas perspectivas: por um lado,
a maneira pela qual a “guerra santa” por ela preconizada reforça
o preconceito racial/religioso a que nos referimos e dificulta o
estudo das religiões afro-brasileiras; por outro, como o universo
afro-brasileiro é fundamental na constituição da IURD – que im-
porta (embora invertendo) vários símbolos e seu calendário ritual
(principalmente da umbanda), bem como os reitera e reconhece
sua eficácia. Esperamos que, desta forma, seja possível simulta-
neamente trazer informações necessárias e auxiliar na compre-
ensão dos contextos concretos de dificuldade enfrentados pelos
professores ao discutir a religiosidade afro-brasileira. Pois, apesar
do discurso prevalente, no senso comum, do país como caldeirão
cultural e marcado pela “democracia racial”, na prática, como se
explicitará, a visão construída do negro e de sua religião os vin-
cula a características não só desvalorizadas, mas também social-
mente condenadas. Sabemos, contudo, que a tarefa de questio-
nar ideias consolidadas ao longo de séculos não é nada simples4 .
____________________
3
Como se esclarecerá ao longo do texto, estudiosos sobre negros do Brasil, inspirados
por Nina Rodrigues (1988), dividem-nos em dois grandes grupos de origens diversas
no contexto africano: sudaneses, provenientes da região subsaariana (África seten-
trional), e bantos, originários do centro-sul da África (África meridional).As religiões
de orixás vinculam-se ao primeiro desses grandes grupos – que, por sua vez, subdivi-
dem-se em várias nações distintas: dentre os sudaneses estão os nagô, jeje, mina, haus-
sás, malês, entre outros; dentre os bantos, angola, moçambique, congo, cabinda, etc.
235
I. INTRODUÇÃO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS RELA-
ÇÕES ENTRE RELIGIÃO, MAGIA E PRECONCEITO RACIAL
NO BRASIL
Nossa experiência com cursos de formação sobre história
e cultura afro-brasileiras para professores do ensino fundamental
e médio no Paraná indicam os empecilhos enfrentados pelos par-
ticipantes ao tentar levar para o contexto de sala de aula a temática
religiosa, principalmente quando o foco são as religiões afro-bra-
sileiras. Os relatos ouvidos apontam o desconhecimento do tema,
mas, principalmente, as resistências apresentadas por alunos, pais
e mesmo colegas professores e funcionários das instituições de
ensino. Sendo assim, é fundamental a todos que pretendem am-
pliar sua reflexão neste sentido a adoção de uma postura de fle-
xibilidade e a disposição de abrir mão de preconceitos e ideias
já estabelecidas como verdades (mesmo que temporariamente).
Em outras palavras, deixar de lado condenações racionais e mo-
rais, e tentar identificar de que maneira tais condenações foram
elaboradas, de onde partiram e como se sustentam. Não só reco-
nhecer a diversidade e complexidade inerentes ao mundo, mas
apostar no seu potencial em termos de abertura, ampliação de
nossa reflexividade e capacidade de pensar e agir. Com efeito, ou-
tros modos de ser e viver trazem consigo saberes diferenciados e
perspectivas interessantes sobre o cosmos, o ambiente, a socieda-
de em que vivemos, e sobre os quais podemos, também, intervir.
236
Ao se falar na constituição e perfil da religiosidade nacional, é
importante partir da premissa de que não se está referindo a um
período específico em que esta teria sido gerada, ou mesmo a um
processo já concluído. Ao contrário, refletir sobre as influências
africanas no quadro religioso nacional exige que se considerem pro-
cessos históricos que remontam ao período colonial e se estendem
até os dias de hoje, apontando sistemas de dominação, segregação e
resistência ao longo deste tempo. Com efeito, a religiosidade bra-
sileira é tanto muito diversificada quanto dinâmica, está em cons-
tante reconfiguração. Reconhecer tal dinamicidade é fundamental
para se pensar a questão das religiões afro-brasileiras e de sua po-
sição no cenário religioso mais amplo. Principalmente quando o
foco é o sistema educacional, pois tanto professores quanto pais e
alunos reagem à temática de acordo com seus próprios contextos
sócio-culturais e religiosos. Citamos como exemplo relevante da
dinâmica contemporânea a propagação das denominações evan-
gélicas – com destaque para as neopentecostais e a demonização
explícita das religiões afro-brasileiras realizada por algumas de-
las –, que altera o quadro religioso atual de forma muito parti-
cular, estimulando o recrudescimento da intolerância religiosa;
237
No Brasil, há uma conjugação entre preconceito racial, pre-
conceito religioso e condenação moral da magia. Em outras
palavras, abordar a temática das religiões afro-brasileiras leva à
necessidade de enfrentar as constantes e muitas vezes veladas
acusações dirigidas a elas a partir de sua identificação com o uso
de magia maléfica – feitiçaria ou “magia negra”. Em outras pala-
vras, aciona-se como base para a compreensão um sistema clas-
sificatório que aproxima o catolicismo e as religiões cristãs em
geral do pólo “religião”, enquanto as religiões afro-brasileiras são
identificadas com o pólo oposto, moralmente condenado, da fei-
tiçaria ou “macumbaria”. Esta identificação, por sua vez, reforça
e é reforçada por uma perspectiva dicotômica do mundo, que
o divide em “bem” e “mal”. Estabelece-se, então, um ideal que
valoriza a estética e as práticas vinculadas a um modelo bran-
co como expressão do “bem”, enquanto a estética e as práticas
identificadas com os negros seriam identificadas com o “mal”5
. Enfrentar as dificuldades colocadas por este preconceito, que
se desdobra e reforça, é condição para que as influências africa-
nas no cenário religioso nacional sejam desvinculadas de qual-
quer condenação moral. Bem como que as religiões afro-brasi-
leiras possam ser conhecidas e respeitadas na sua especificidade.
Esta última questão, por sua vez, nos leva a iniciar nos-
sas reflexões a partir do lugar ocupado pelo “medo do feiti-
ço” no Brasil, como ressalta Yvonne Maggie (1992) no títu-
lo de seu livro. Com efeito, a prevalência deste temor entre
____________________
5
Rita Fazzi (2004), em O Drama Racial das Crianças Brasileiras. Socialização entre
Pares e Preconceito, ao estudar escolas públicas do ensino fundamental em Belo
Horizonte, identifica três eixos de construção do racismo entre as crianças, que
refletem o que apontamos aqui: as ideias de que “preto é feio”, “ladrão é preto” e
“preto parece o diabo”. Em outras palavras, expressões que conjugam o estético
ao comportamental e ao religioso, em todos os casos reforçando sua negatividade.
238
praticamente todos os grupos sociais do país – independen-
te de origem étnica, social, cultural, econômica – se conso-
lida desde o período colonial e se estende até a atualidade.
239
Acrescente-se, ainda, que não só as práticas religiosas de
não brancos são desqualificadas e identificadas como feitiçaria,
mas também práticas semelhantes, realizadas por pessoas diferen-
tes, vão ser avaliadas de maneiras distintas. É o que aponta Mário
Sá (2010) ao analisar a documentação sobre a Devassa da Visi-
ta Geral da Comarca Eclesiástica de Cuiabá, ocorrida em 1785.
Neste texto, o autor indica como, embora o “medo do feitiço” seja
geral, não é possível dizer o mesmo sobre a “cor do feitiço”. Isto
pode ser percebido na análise dos perfis raciais de denunciadores e
denunciados, em que os primeiros são majoritariamente brancos,
mas também índios e pardos, enquanto os segundos principal-
mente índios, pardos e negros6 . Há uma incidência significativa
de denúncias de índios a outros índios aos visitadores, mas a pre-
dominância da acusação de negros por brancos. Além disso, Sá ob-
serva que “delitos” de mesmo tipo, como processos divinatórios,
são classificados de maneiras distintas quando os perfis raciais dos
denunciados são diversos: assim, enquanto adivinhações feitas por
brancos são definidas como magia – um “delito” mais brando –,
práticas semelhantes realizadas por negros constituem feitiçaria
– “delito” bem mais grave. Em outras palavras, interpretações dis-
tintas para ações semelhantes, orientadas pelo preconceito racial.
240
Desta maneira, se dá continuidade à construção de uma
visão do negro como por princípio condenável tanto do pon-
to de vista moral (feiticeiro, praticante de “magia negra”7 )
quanto corporal (neste caso esteticamente – contrapondo-se
ao padrão de beleza branco, com “cabelo ruim”, “feio” – e hi-
gienisticamente – visto como “sujo”, alcoólatra, sexualmente
degenerado, etc.). Preconceito fundamental para a garantia de
manutenção da dominação branca, imposição de padrões de
comportamento e pensamento europeus, bem como legitima-
ção da presença negra nas camadas mais baixas da população.
241
social se prolongou por conseguinte – justificando-se também
– pela oposição entre as forças do Bem, que iam de Deus ao
senhor de engenho, e as forças do Mal, que iam de Satã até
os seus sequazes das senzalas e dos mocambos. Assim, ele re-
cuperou a “boa consciência”, e as danças místicas dos negros,
ao redor de suas pedras lavadas de sangue de animais sacri-
ficados, tornavam válida, aos seus olhos, a distância social
que mantinha entre si e eles. A definição de civilizações afri-
canas como diabólicas foi uma racionalização da brutalida-
de e da falta de humanidade da escravidão (1985: 198-199).
242
caracteristicamente negras, como o caso da capoeira. Com relação
à temática aqui abordada, pela primeira vez práticas vinculadas à
religiosidade afro-brasileira são criminalizadas no Código Penal
de 1890 (cf. Maggie, 1992, Schritzmeyer, 2004). No entanto, não
como criminalização à religião, mas como repressão à “magia” –
pois a constituição republicana de 1891 separava o Estado da Igre-
ja e garantia a liberdade religiosa no país. Assim, como ressalta
Schritzmeyer, os dispositivos do Código Penal republicano que in-
cidem sobre esta temática “concentram-se no Título III – Dos Cri-
mes contra a Tranquilidade Pública – Capítulo III – Dos Crimes
contra a Saúde Pública, especialmente nos arts. 156 a 158” (2004:
76). Estes abordam o exercício não autorizado da prática médi-
ca, dentária ou farmacêutica (Art. 156); a prática do espiritismo,
magia e seus sortilégios (Art. 157); o desempenho da atividade de
curandeiro (Art. 158). Oficializa-se, em outras palavras, o direi-
to policial de intervenção nos templos e cultos das religiões afro
-brasileiras, mas através de sua identificação com a magia. Que,
por sua vez, é lida como risco à saúde da população – pela junção
de perspectivas jurídicas e médicas que percebem em tais práticas
populares uma ameaça não só ao corpo dos cidadãos, mas ao cor-
po social da República. Podemos afirmar, em síntese, que a iden-
tificação da religiosidade afro-brasileira com a magia se torna aqui
estratégica, pois permite no ano seguinte afirmar a liberdade reli-
giosa sem, com isto, torná-la efetiva para as religiões dos negros.
243
raças, da miscigenação, das possibilidades de instaurar o “progres-
so” no país fazem com que o negro se torne um problema e, ao
mesmo tempo, um tema fundamental e legítimo de pesquisa no
advento da República. E embora posteriormente as teorias ra-
cistas sejam explicitamente abandonadas, modelos classificatórios
e de interpretação do contexto dos negros no Brasil construí-
dos por Nina Rodrigues se mantêm como quadro interpretati-
vo das manifestações de africanos e seus descendentes no país9 .
244
aportaram no Brasil. Não somente sua cosmologia é desvalorizada,
mas também seu conhecimento sobre doenças e seus tratamentos
desconsiderados. E este é mais um aspecto relevante na invisibili-
zação da importância do negro para a constituição da religiosidade
brasileira, pois entre nós religião e cura sempre estiveram vincu-
ladas. Com efeito, processos de adoecimento e cura são caminhos
importantes nas dinâmicas de conversão e trânsito religioso no país.
A perspectiva sobre as práticas religiosas afro-brasileiras
presente nos ambientes de elite intelectualizados, no entanto,
não é exclusiva deles, como se pode perceber em texto do se-
gundo autor da época citado como uma das primeiras referên-
cias no estudo sobre o tema: João do Rio. O autor publica, em
1904, uma série de reportagens intituladas As Religiões do
Rio, na Gazeta de Notícias, com grande sucesso. Estas se ba-
seiam em investigações realizadas por ele com este fim, em que
visita as regiões da cidade em que as várias religiões são predo-
minantes e convive com adeptos e frequentadores. Dentre elas,
os textos intitulados “No mundo dos feitiços” têm um destaque
significativo. Neles, o jornalista faz afirmações que demons-
tram como o preconceito racial/religioso consolidado nos sécu-
los anteriores é uma realidade no início do século XX. Apenas
como exemplo, citamos um dos trechos em que ele se evidencia:
As iaôs10 abundam nesta Babel da crença, cruzando-se com a gente
diariamente, sorriem aos soldados ébrios nos prostíbulos baratos,
mercadejam doces nas praças, às portas dos estabelecimentos co-
merciais, fornecem ao hospício a sua cota de loucura, propagam a
histeria entre as senhoras honestas e as cocotes, exploram e são ex-
ploradas, vivem da crendice e alimentam o caftismo inconsciente.
As iaôs são as demoníacas e as grandes farsistas da raça preta, as ob-
sedadas e as delirantes. A história de cada uma delas, quando não é
sinistra pantomima de álcool e mancebia, é um tecido de fatos cru-
éis, anormais, inéditos, feitos de invisível, de sangue e de morte. Nas
____________________
10
Nome dado às mulheres que estão em processo de iniciação nos candomblés.
245
iaôs está a base do culto africano. Todas elas usam sinais exteriores
do santo, as vestimentas simbólicas, os rosários e os colares com as
cores preferidas da divindade a que pertencem; todas elas estão li-
gadas ao rito selvagem por mistérios que as obrigam a gastar a vida
em festejos, a sentir o santo e respeitar o pai de santo (2006: 35-36).
246
perceber nos seguintes trechos, o primeiro deles falando de Exu:
247
Nina Rodrigues11 ) impede o enfrentamento efetivo da perspec-
tiva discriminatória do negro, da concepção de que ele traz em si
uma inadequação moral e um risco social – que passam pela re-
ligião. E, embora nas últimas décadas a atuação intensa do movi-
mento negro e as perspectivas críticas cada vez mais elaboradas no
mundo acadêmico atuem em sentido de desconstruir tais precon-
ceitos, sua força é ainda muito marcante na sociedade brasileira.
248
lores e ideias muito consolidados no imaginário brasileiro, e
esta desconstrução deve ser ativa. Não basta falar das religiões
afro-brasileiras, mas é fundamental enfrentar a questão da ma-
gia – das acusações de feitiçaria – não através de sua negação,
mas da reflexão sobre ela. Tendo sempre em mente que pro-
cessos mágicos marcam toda a religiosidade nacional – não
apenas a dos negros. Caso contrário, a mera apresentação da
estrutura e dinâmicas das religiões afro-brasileiras aos alunos
pode resultar no reforço do preconceito racial/religioso, e não
em uma maior abertura para a compreensão da diversidade12 .
Ou, então, na folclorização das religiões afro, sem que se per-
ceba que elas carregam cosmologias e práticas que estruturam
a perspectiva de mundo e o comportamento de seus membros;
249
impedindo que as diferenças se tornem desigualdade como no
presente, o caminho é longo e difícil. Mas é necessário trilhá-lo.
250
II - AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA
251
Para compreender como este panorama é constituído faz-
se necessário refletir sobre sua abordagem pelos pesquisadores,
desde as pesquisas de Nina Rodrigues iniciadas no final do sec.
XIX (cf. Rodrigues, 1988, 2006). Este autor, conhecido por suas
posturas explicitamente racistas (e muitas vezes sequer lido de-
vido a este fato), destaca-se pelo interesse genuíno na presença
africana e sua influência no Brasil da época. Além disso, propõe a
divisão dos negros que chegaram ao país em dois grandes grupos,
que reuniriam em conjuntos com certa homogeneidade as inú-
meras nações de onde estes provieram: os sudaneses – oriundos
da região subsaariana – e os bantos – originários do centro-sul da
África. Divisão esta que é acompanhada de uma valorização dos
sudaneses em detrimento dos bantos – estes últimos vistos como
mais “primitivos”, “atrasados”, etc. (cf. Rodrigues, 1988).
252
gia maléfica, observa-se uma ausência de estudos mais aprofun-
dados sobre tais manifestações religiosas. Estas são desvalorizadas
e normalmente apenas uma referência dos pesquisadores para se
pensar a origem da umbanda no país. Como exemplo, Bastide
(2001), ao descrever uma festa de iniciação, afirma que:
O candomblé de Joãozinho pertence à nação angola. Portan-
to, a uma nação banta. Na verdade, os orixás dessa nação não
diferem dos orixás dos quetos ou dos jejes. Mas se a mitologia
é a mesma, se o ritual é comum, existe assim mesmo no can-
to, no ritmo, e na liturgia um certo número de diferenças. A
nação angola resiste menos às influências estrangeiras que nas-
cem do meio, brotam na nova pátria. Enquanto os nagôs e os
daomeanos permanecem fiéis à pureza africana, o banto aceita
com mais facilidade a linguagem dos portugueses em seus cân-
ticos festivos. E também não despreza os espíritos de caboclos.
Unem aos deuses de seus pais os deuses da terra adotiva. É ver-
dade que o sincretismo não é tão grande quanto na macumba...
(:328).
253
cidades. A primeira seria a incorporação, pelo fiel, da divindade.
Para entender tal incorporação e sua particularidade – distinta
das incorporações do espiritismo, da umbanda e da pajelança – é
importante ter em mente algumas características da cosmovisão e
da estrutura ritual destas religiões.
254
multiplicidade e abertura: na medida em que os orixás possuem
várias formas de ser, com aspectos tanto positivos quanto negati-
vos, não se propõe uma perspectiva dicotômica de mundo, onde
bem e mal seriam bem marcados16 . Esta divisão, imposta pelo
cristianismo, terá relevância somente com a formação da umban-
da.
255
as incorporações não são genéricas. Em outras palavras, cada fiel
iniciado desenvolve um orixá pessoal, ou seja, possui uma mani-
festação individual da divindade mais ampla. O que faz com que
não seja possível que o orixá de uma pessoa se manifeste em ou-
tra, bem como que possam ser comparadas e avaliadas manifesta-
ções individuais de um mesmo orixá como sendo distintas – por
exemplo, é possível considerar que o Xangô ou a Iansã de alguém
é mais bonito ou mais intenso que de uma outra pessoa. Ressalte-
se, ainda, que mesmo para um único orixá pode haver represen-
tações diferenciadas, como no caso de Xangô, que pode ocorrer
como jovem ou velho.
256
o que permite a realização de consultas diretamente com entida-
des incorporadas.
257
Exu não possui “filhos” (em outras palavras, não é o orixá de cabe-
ça dos membros do culto). Consequentemente, não incorpora, e
a atenção que recebe dos adeptos está vinculada a sua posição de
mensageiro. No entanto, por um lado suas características – irre-
verência, controle das encruzilhadas, sexualidade, ambiguidade,
papel de mensageiro entre mundos –, e por outro sua apropriação
nas macumbas e atualmente na umbanda/quimbanda levaram a
que fosse identificado com o diabo cristão.
258
devidas por seus “filhos” a eles, o calendário ritual (incluindo as
festas), a organização social das casas de culto, a hierarquia dos
adeptos e suas motivações no estabelecimento e manutenção do
vínculo com o candomblé e as outras religiões de matriz africana,
as diferenças entre elas. Todos estes aspectos que devem ser pen-
sados como dinâmicos, e não como uma busca de algum modelo
original legítimo, que precise ser “resgatado” ou tenha se “perdi-
do” ao longo do tempo. A proposta de “resgate” deve ser interpre-
tada, em si mesma, como um discurso político resultante de um
momento particular: veja-se, a título de exemplo, como motiva-
ções para adesão ao culto podem variar, sendo recorrentes, nas
últimas décadas, histórias de estabelecimento de vínculo com o
candomblé por militantes do movimento negro, que vêem na re-
ligião a afirmação de características mais genuinamente africanas,
o que não se colocava em momentos históricos anteriores.
259
III - O CATOLICISMO DAS IRMANDADES NEGRAS E OS
“SANTOS DE PRETO”
Neste sentido, Julita Scarano (1978) traça uma diferen-
ciação do contexto religioso negro nas regiões litorâneas e no
interior do país, ainda no período colonial. Segundo a autora,
enquanto no litoral era mais fácil manter as tradições religiosas
de origem africana devido à constância do comércio atlântico de
escravos – que levava a que os negros brasileiros estivessem em
contato frequente com os africanos recentemente chegados do
continente natal –, em Minas, por exemplo, estes ficavam como
que ilhados no interior do país, e os vínculos se tornavam cada vez
mais fracos. Por isto, enquanto no litoral as religiões de matriz
africana ocuparam lugar de destaque, nas Minas a forma mais co-
mum para a perpetuação de tradições negras foi sua incorporação
ao catolicismo, principalmente através das irmandades leigas e de
260
suas festas, crenças e cultos19.
doras, por outro lado, às maiores chances de mobilidade social na região, fazendo
com que a mentalidade do branco se tornasse mais atrativa.
20
Salles ressalta as distinções das irmandades no caso do litoral e da região minera-
dora, embora seja aqui também importante deixar clara a presença de irmandades
importantes em várias das cidades litorâneas: “Dois fatores contribuíram para o
caráter de classe dessas corporações: o primeiro é que, sendo o Estado ligado à
Igreja, isto determinou o interesse daquela em estimular a eclosão das corpora-
ções; o segundo é que a estratificação social do Brasil colônia se efetuou calcada
na diferenciação interétnica da população, o que está intimamente vinculado ao
colonialismo e ao regime escravocrata. Neste sentido, foi completamente diferente
a função social das irmandades em Minas e no litoral. É que ali havia, para propagar
a religião e exercer as suas funções sócio-econômicas, as grandes congregações reli-
giosas, como os jesuítas e carmelitas. Em Minas, não as existindo, a Coroa tratou de
estimular as irmandades, a fim de – com elas e através delas – transferir ao próprio
povo, isto é, aos mineradores, comerciantes e escravos, os encargos tão dispendio-
sos de construir os grandes templos, os cemitérios, etc. Todos os complexos e caros
cerimoniais do culto religioso eram, desta forma, transferidos à população. Em
virtude disso, tanto à coroa como ao clero interessava muito o desenvolvimento das
ordens terceiras e confrarias.
A população, por sua vez, encontrava nestas corporações uma estrutura eficiente
e legal, uma forma orgânica para expandir suas necessidades ou reivindicações co-
letivas. E então vemos as irmandades não só lutando umas contra as outras, como
também trabalhando para prestar aos seus filiados pronta e vária assistência. Com o
aumento do poderio econômico dessas corporações, a coroa começa a restringir os
seus direitos ou, pelo menos, as suas possibilidades de enriquecimento” (1963: 27).
261
Compreender a importância de tais irmandades exige um
conhecimento mínimo sobre o contexto que as gerou. Este se
vincula às relações entre Estado e Igreja no período: assim, sendo
o monarca português também Grão-Mestre da Ordem de Cris-
to – ou seja, estando poder temporal e espiritual unidos – cabia
à Coroa o recolhimento de dízimos, bem como os investimentos
necessários à implantação e manutenção do catolicismo na Colô-
nia. Responsabilidade que era ainda maior nas regiões de minera-
ção aurífera, em que a ausência de regulares impedia que as ordens
religiosas assumissem o custo de parte da catequização21. Entre-
tanto, a política mercantilista e o recolhimento dos dízimos como
um imposto qualquer levavam a que houvesse uma contenção de
recursos e tentativa de atribuição dos custos da catequização a
particulares. O estímulo à formação de irmandades leigas foi im-
portante estratégia para atingir estes objetivos22 . Elas acabaram
arcando com a maior parte do ônus da propagação do catolicismo
na área mineradora, pois se tornou sua responsabilidade cobrir
todos os gastos com a construção de seus altares, capelas e igrejas,
de seus cemitérios, e com todo o tipo de obras assistenciais que
realizavam em benefício de seus membros – que iam desde a aju-
da em casos de crise financeira ou doença até o sepultamento e a
garantia dos “sufrágios” (missas que se mandava celebrar pela alma
do irmão morto). Assim, a metrópole se esquivava não apenas dos
gastos com a construção de templos e sustento de padres – sendo
os capelães e demais padres que celebravam quaisquer rituais para
as confrarias por elas devidamente remunerados – mas também
____________________
21
O temor da metrópole de contrabando de ouro e pedras preciosas fez com que ela
proibisse a presença de ordens religiosas nas regiões de mineração.
22
As irmandades leigas já se encontravam presentes em Portugal, vinculadas às cor-
porações de ofício, e isto facilita a adoção do modelo na Colônia. No entanto, aqui
passam a se relacionar não com ofícios, mas com grupos raciais particulares.
23
O exemplo mais claro deste último ponto são as Misericórdias, organizações reli-
giosas leigas de elite que se responsabilizavam pela construção e funcionamento de
hospitais e atendimento da população carente. Elas se distinguem das irmandades,
pois nestas a assistência era voltada diretamente aos irmãos e suas famílias.
262
de uma série de serviços sociais de assistência que seriam sua fun-
ção23.
No ambiente urbano que se compôs na região de extração
aurífera, as irmandades foram não somente as principais organi-
zações de propagação da fé católica, mas também os grandes ei-
xos da sociabilidade local. Praticamente todos os eventos sociais
coletivos e particulares de relevo – festas, celebrações religiosas,
batizados, casamentos, sepultamentos, etc. – eram por elas coor-
denados, e muitos deles ocorriam em seus espaços. Disputas por
questões aparentemente simples, como a ordem das irmandades
nas romarias, se tornavam fundamentais, na medida em que de-
finiam o status social dos grupos. No entanto, em uma socieda-
de marcada pelas divisões raciais instauradas a partir da escravi-
dão negra, a constituição das associações e suas atividades não se
deram sem que tais divisões estivessem também nelas inscritas.
Constituiram-se irmandades fundadas em clivagens étnico-raciais
e sociais, que eram explicitadas em seus documentos regulatórios
– os compromissos. Assim, houve uma tendência a que, com a
formação de qualquer povoado na região das Minas, fossem orga-
nizadas duas irmandades: a Irmandade do Santíssimo Sacramento,
composta por brancos e que normalmente tinha o controle da
Igreja Matriz, e a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos, que reunia os negros libertos e cativos. Poste-
riormente, com a diversificação das categorias sociais dos mo-
radores urbanos, estas poderiam se desdobrar em várias outras
irmandades – como de brancos vinculados a ofícios ou grupos
sociais específicos, negros libertos, pardos, cada uma delas com
seus respectivos santos de devoção e celebrações.
263
gregação no caso das irmandades de brancos, que muitas vezes
explicitavam em seus compromissos não somente o controle da
ascendência de seus membros, mas também de suas relações fa-
miliares. O mesmo não ocorria nas irmandades de pretos, que na
maioria das vezes não somente não limitavam a filiação a um gru-
po racial específico, mas chegavam mesmo a prever a participação
de brancos em suas diretorias, principalmente em cargos que exi-
giam domínio da escrita e de conhecimentos financeiros – como
secretaria e tesouraria. Neste sentido, pode-se pensar a ambigui-
dade representada pelas irmandades dos “santos de preto”: por
um lado, foram uma forma de imposição da religião dominante
aos negros, inserindo-os, mas simultaneamente segregando-os,
no contexto mais amplo do catolicismo; por outro, permitiram a
formação de espaços de relativa autonomia dos negros, de legiti-
midade de agremiação e de auxílio mútuo, e de possibilidade de
celebração de suas próprias festas, missas, ritos sociais e fúnebres.
264
Alguns santos específicos foram os oragos mais recorren-
tes das irmandades de negros do período colonial. Destaca-se,
como já indicamos, Nossa Senhora do Rosário, cuja devoção já se
encontrava presente na África, através da ação de catequese dos
dominicanos. Os demais santos são negros, como São Benedito
e Santa Efigênia. No caso de pardos ou libertos, há a devoção a
Nossa Senhora das Mercês – que teria sido responsável pela liber-
tação de escravos em Roma. Os festejos dedicados a estes santos
também foram (e continuam sendo em muitos casos) momentos
importantes na constituição de uma forma específica de catolicis-
mo negro e de resistência destes grupos. Pois, havendo orientação
da Igreja no período para que se aceitasse a inclusão de aspectos
da religiosidade negra e índia na religião católica, com o objetivo
de facilitar a conversão (desde que esses não entrassem em cho-
que com os preceitos básicos definidos pela cúpula eclesiástica),
vemos em tais festas a possibilidade destes grupos demonstrarem
concepções culturais próprias, embora muitas vezes travestidas.
Este é o caso dos reinados, que obtêm grande destaque em várias
partes da Colônia, em que reis negros – com grande prestígio
durante o ano em que vigora seu reinado –, ricamente vestidos,
saem às ruas para serem coroados, respeitados e admirados. Mui-
tas vezes acompanhados de cortejos em que o batuque era um ele-
mento presente e até mesmo central. Aqui, uma citação de Priore
sobre as festas dos reis do Congo parece muito ilustrativa:
... sublinhando a importância e a função que tais comemorações
tinham para a comunidade negra. Aparato, luxo e riquezas ja-
mais sonhadas para esses segmentos, considerados tradicional-
mente pela historiografia como subalternos, enfatizam, como
já dissemos, sua capacidade de acumulação. Seu potencial polí-
tico frente à comunidade reafirmava-se, nesse momento, pela
apresentação do que poderia parecer uma inversão completa: a
sagração de um rei negro... Mas é justamente essa capacidade
de expor outras realidades que devolvia a festiva dignidade aos
negros e à sua cultura (1994: 83).
265
Aqui, vários aspectos se destacam: o coroamento de ne-
gros, nos moldes da realeza metropolitana, mas com elementos
característicos de sua tradição cultural – batuques, danças, consu-
mo de bebidas alcoólicas – possibilita tanto uma apropriação do
poder do dominador através da mimese, quanto marca um lugar
de não subordinação, de exposição pública do negro, coroado rei,
como eixo de festividade católica que o tem como centro e é
por sua irmandade organizada. Aos reinados se relaciona, ainda,
a formação de várias “guardas” negras – os conhecidos ternos de
congo, moçambique, catupés, marujos, entre outros – com seus
capitães, suas dinâmicas peculiares e uma nova mimese dos sis-
temas de dominação. Em alguns casos, os grupos de dançadores
se tornam mais relevantes que o próprio reinado, fazendo com
que os festejos passem a ser conhecidos como Congadas. Acres-
cente-se que a estas festas se vinculam vários relatos que apon-
tam os negros como verdadeiros cristãos, preferidos pelos santos,
em oposição aos dominadores, que apesar de aparentemente os
portadores da fé, não seguem os preceitos religiosos fundamen-
tais. E, ao trazerem para o centro do catolicismo, em condição
de igualdade com as festividades das irmandades de brancos, as
celebrações dos “santos de preto”, marcam no catolicismo suas
especificidades e o transformam em seu conjunto.
266
reinterpretada e adaptada de acordo com a situação do momen-
to, e que continua sendo reinterpretada até a atualidade – o que
em Uberlândia e região resultou na diminuição da importância
dos reinados e no crescimento e valorização da atuação dos vários
ternos. Assim como apontamos no caso das religiões de matriz
africana, observa-se a possibilidade de leitura destas tradições de
várias maneiras a partir do presente, inclusive como possibilidade
de afirmação da negritude por integrantes do movimento negro.
267
IV - UMBANDA COMO RELIGIÃO BRASILEIRA
que não se observa na prática. Em vários casos, o que há é mais uma adoção da de-
nominação de umbanda por praticantes das antigas macumbas – como uma forma
de se proteger da repressão policial e reivindicar o direito à liberdade religiosa –
que uma reconfiguração das atividades dos grupos (sem, contudo, negarmos sua
dinamicidade). A denominação macumba passa a ser utilizada apenas por agentes
externos, como forma de discriminação.
268
não haver uma unanimidade sobre a interpretação do que defi-
ne o bem ou mal – sendo constantes as negociações dos adeptos
em torno do que pode ser identificado, principalmente, como
“mal” – a estrutura se impõe e se expressa em várias das dico-
tomias constituintes do culto – como mesa branca x esquerda,
entidades batizadas x não batizadas, guias x exus, entre outras25.
269
por Bastide (1988), isto se esclarece. Segundo o autor, seus supre-
mos sacerdotes se chamavam embandas ou umbandas (kimbandas
na Angola) – termos que dão nome tanto à nova religião quanto a sua
“esquerda”. Suas filhas, assim como no espiritismo, também eram
denominadas médiuns. Os grandes orixás, identificados com san-
tos católicos, estariam presentes no panteão, mas adorados em suas
correspondentes imagens católicas, presentes no altar dos templos
– de maneira semelhante ao contexto umbandista contemporâneo.
270
guês quando incorporadas, o toque de tambores, o uso de pontos
riscados são outras proximidades com as macumbas. E o desdobra-
mento da figura de Exu, que passa não apenas a ter perfil múltiplo,
mas a ser identificado com o diabo cristão. Uma entidade que, em
suas manifestações particulares (p.ex. Exu Caveira, Exu Tranca
Rua, Exu Sete Encruzilhadas, etc.), se incorpora regularmente
nos adeptos e é fundamental para a parte da umbanda que mais
se identifica com uma magia maléfica, bem como com o poder
de enfrentar tal magia: a quimbanda ou “esquerda”. Exu também
adquire um correspondente feminino, a Pombagira, estereotipa-
da como prostituta, lasciva, amante dos prazeres, de champanhe,
de cigarros. Exu e Pombagira trazem, por sua vez, um potencial
importante de intervenção no mundo para os adeptos e clientes
da umbanda, como estratégia de enfrentamento de aflições e dire-
cionamento da própria vida em sentidos desejados. Mas, ao mes-
mo tempo, uma visão do mundo como conflituoso, repleto de pe-
rigos, e em que ritos e mecanismos de proteção são necessários.
271
objetivos do cliente não têm por que submeter-se aos da enti-
dade; sua heterogeneidade está pressuposta na oferenda como
pagamento de serviços (1991: 259).
272
Neste sentido, outro aspecto da influência espírita que
marca a estrutura da umbanda é a importância atribuída ao aten-
dimento à clientela, a partir de uma valorização da “caridade”.
Assume, então, lugar de destaque a ideia de “trabalho”. Isma-
el Pordeus Jr., ao abordar o tema, afirma o uso recorrente “do
termo trabalho como expressão da imensa e complexa gama de
rituais praticados nessa religião. E, principalmente, o fato de os
próprios umbandistas considerarem trabalho e magia como sendo
um único fenômeno” (2000: 39). O termo adquire relevância ao
ponto de José Guilherme Magnani (1991) afirmar que, enquanto
o candomblé se constitui em um “teatro dos deuses”, a umbanda
se caracteriza como o espaço do “trabalho”.
O fato de se dirigir para o atendimento a uma clientela
que não possui vínculos mais estreitos com a religião – embora os
processos de atendimento e cura possam provocar estes vínculos
posteriormente –, traz um segundo aspecto importante relativo
à divisão da umbanda em umbanda e quimbanda: o problema da
cobrança por “trabalhos”. Neste sentido, a umbanda como pri-
meiro termo da divisão passa a ser valorizada não só por apontar
para uma maior distância dos rituais e da cosmologia afro-brasi-
leiros, além de trazer uma ideia moral do bem se contrapondo ao
mal, mas também por carregar uma perspectiva da importância
do “trabalho” de caridade, não remunerado. Assim, a quimbanda
será simultaneamente condenada por ser mais “negra” – tanto do
ponto de vista de suas referências religiosas como de vínculo atri-
buído com a “magia negra” – e por ser mais voltada para o ganho
financeiro. Novamente, o preconceito não é enfrentado, mas des-
locado para outro grupo – neste caso, para uma parte marginal do
mesmo grupo.
273
No entanto, a moralização e branqueamento propostos por uma
elite umbandista e articulados através da produção de literatura
e da organização de federações – com a promoção de eventos
e tentativa de instauração de uma unidade na umbanda – não se
concretiza de maneira eficiente. Não há, apesar dos esforços, su-
cesso no sentido de unificar as práticas dos inúmeros terreiros es-
palhados pelo país, ou de reprimir a quimbanda como indesejável
e moralmente condenada. Segundo Patrícia Birman:
A umbanda mais praticada, que se dissemina sem nenhum con-
trole, é essa – misturada, que não dá importância à pureza, seja
esta de cunho moral, com a pretensão de impor códigos dou-
trinários, seja de caráter ritual. Através da representação das
diferenças religiosas como linhas possíveis e legítimas coman-
dadas pelos espíritos e orixás, torna-se sempre possível para o
umbandista compor, somar, articular princípios diversos na sua
prática (1985: 90).
Vê-se, portanto, na umbanda uma ambiguidade que traz
a riqueza da religião e sua capacidade de penetração em todo o
território nacional: uma incorporação da moralidade e da lógi-
ca cristãs que, embora presentes no discurso e nos processos de
avaliação e construção de legitimidade interna dos vários grupos,
não se mostra absoluta. A diversidade, aliada a uma perspectiva
que torna a dicotomia complexa, permite a abertura para com-
274
portamentos e desejos diferenciados, e uma negociação sempre
possível entre bem e mal. Além disso, a umbanda dialoga com o
universo da religiosidade popular brasileira, em que o mundo é
percebido como repleto de perigos – estando a maior fonte deles
nos contatos próximos entre o humano e o sobrenatural27 –, os
males são atribuídos a fatores externos, a inveja é uma das princi-
pais ameaças à vida, ritos de proteção devem fazer parte do coti-
diano. E a possibilidade de intervenção no mundo traz um alívio
às várias aflições que permeiam as histórias das pessoas – sejam
adeptos ou clientes.
275
outros) se reúne ao culto às almas, e a uma ritualística caracte-
rística da umbanda (com o uso de velas coloridas e pipocas jun-
tamente com ex-votos, por exemplo). Estas igrejas têm missas
regularmente celebradas, e são aquelas da região central da cidade
que congregam público significativo.
276
V - O NEOPENTECOSTALISMO DA IGREJA UNIVERSAL DO
REINO DE DEUS (IURD)
277
Espírito Santo”) passa a ser um elemento fundamental dos cultos.
A sacralização de objetos e a realização de ritos com eficácia mági-
ca são componentes do calendário religioso – como o uso de óleos
consagrados, a passagem por corredores ou portais, a queima de
roupas e objetos, etc., com consequências diretas nas vidas dos que
se submetem a tais ritos. Acrescente-se, ainda, o lugar fundamen-
tal ocupado pelo sacrifício – agora não mais pela mobilização do
sangue sacrificial, mas das doações monetárias29. Pontos de contato
mais ou menos próximos, que pedem uma análise aprofundada.
278
ses ou Demônios?, Edir Macedo (2000) explicita de que forma
estabelece tais relações em vários trechos, como por exemplo:
Quando os primeiros escravos chegaram ao Brasil, trouxeram
com eles as seitas animistas e fetichistas que permeavam seus
países de origem na África. Aqui, encontraram muita afinidade
por parte dos índios que tinham também uma forma de religião
semelhante, onde os espíritos dos mortos eram consultados e
onde se faziam trabalhos para agradarem aos desencarnados ou
deuses em seus rituais, ora folclóricos, ora macabros. Para evi-
tar atritos com a Igreja Católica, os escravos que praticavam
a macumba, inspirados pelas próprias entidades demoníacas,
passaram a relacionar os nomes de seus deuses ou, para ficar
mais claro, demônios, com os santos da Igreja Católica. Assim,
podiam escapar à grande perseguição que a própria Igreja Ca-
tólica moveu contra eles, após a libertação dos escravos, por
praticarem tais cultos (:44).
279
rituais, como os acarajés das baianas) podem colocar alguém em
perigo. Além disso, pode-se herdar a possessão por um “espírito
demoníaco” de familiares, ou ser atingido por ritos intencional-
mente feitos por terceiros. Assim, não basta se converter, mas é
necessária uma verdadeira “guerra santa” com o objetivo de com-
bater as religiões a que se opõem.
____________________
32
As sextas são dias com uma sacralidade especial nas religiões afro-brasileiras,
como se explicita no seguinte trecho de Silva (2007): “Os dias iniciais ou terminais
da semana são consagrados ao domínio do fogo, elemento transformador. Assim,
segunda e sexta-feira são dias consagrados a Exu, que sendo orixá dos caminhos e
das passagens é cultuado nesses dias liminares que circunscrevem as mudanças en-
tre períodos de trabalho e de descanso. Suas horas consagradas são as de mudanças
de períodos, como a meia-noite. Por esse motivo, nesses dias e horário são feitas,
preferencialmente, as giras de exus (ou dos guias da esquerda) nos terreiros de um-
banda, e lhes são entregues oferendas em locais de passagens, como encruzilhadas
e cemitérios. Sexta-feira também é o dia consagrado a Oxalá, no candomblé. Por
ser o orixá da criação que se veste de branco (e não recebe oferendas com óleo de
dendê ou sacrifício de sangue), Oxalá foi associado a Jesus ou às suas denominações,
como o Senhor do Bonfim na Bahia. Muitos iniciados se vestem de branco neste
dia e evitam comer carne vermelha, preferindo o peixe. Existe nessa associação
uma alusão ao tabu da quaresma ou da Sexta-feira Santa, dia em que Cristo foi
crucificado, o que torna essa data um dia de morte, mas também de esperança na
ressurreição” (:237).
280
Acrescente-se que o calendário litúrgico da umbanda pas-
sa a ser um guia para as atividades da IURD33. Além da impor-
tância atribuída à sexta-feira, Mariano (1999) e Almeida (2009)
fazem referência à preocupação da igreja, por exemplo, com a
aproximação do dia de São Cosme e Damião, em que há tradi-
cionalmente a distribuição de doces por membros das religiões
afro-brasileiras. A fim de que as crianças da membresia não sejam
contaminadas – já que a simples ingestão de alimentos vinculados
a tais religiões tem potencial deletério –, a IURD organiza, ela
mesma, um evento infantil com a doação de guloseimas para suas
crianças. E, ainda, estão presentes nos ritos e produtos (com efi-
cácia mágica) oferecidos pela igreja ervas e óleos utilizados tanto
nas religiões de matriz africana e na umbanda quanto na religio-
sidade popular de maneira mais ampla – como, por exemplo, a
arruda (cf. Silva, 2007).
281
No entanto, ao ter como foco a libertação, e não a salvação, há um
esvaziamento de noções como autocontrole, culpa ou pecado (cf.
Mariano, 1999). Com efeito, a fonte do mal é externa, sua mani-
festação (inclusive) corporal, o sofredor é uma vítima tanto dire-
tamente de seres sobrenaturais quanto da ação de outras pessoas
(que mobilizam tais seres). O contato do mundo humano como o
sobrenatural é constante e perigoso, e a alteridade é a expressão
de tal perigo. A magia é eficaz, e assim como atos de magia malé-
fica podem destruir a vida das pessoas, também é necessário rea-
lizar constantemente ritos mágicos de proteção – no que a IURD
teria uma função essencial para seus adeptos e clientela34.
34
Não é necessário ser um membro da IURD para se beneficiar de seus ritos má-
gicos e sessões de libertação. Neste sentido, é possível observar mais um ponto
de proximidade com a umbanda, em que os templos são frequentados tanto por
adeptos da religião quanto por uma clientela de não adeptos. Em síntese, a IURD é
também uma denominação que oferece serviços mágico-religiosos que se definem
como eficazes para uma clientela de não adeptos.
282
ja Universal, na realidade, criou uma cosmologia de seres ma-
lignos povoando seu inferno com as entidades. Logo, por um
sincretismo às avessas, a Igreja Universal acabou produzindo
sua pombagira, seu exu Tranca-Rua, sua Maria Padilha. (...) A
guerra travada consegue, dessa forma, conjugar um sincretismo
invertido com a ideia de pluralismo religioso. E, como con-
sequência, a Igreja Universal combate aquilo que, em parte,
ajudou a criar.
Paradoxalmente, assim, a Igreja Universal ficou mais parecida
com sua inimiga. Mesmo sendo pentecostal, ela acabou se situ-
ando em um meio caminho entre os evangélicos e as religiões
afro-brasileiras. (...) mais que um sincretismo às avessas, a Igre-
ja Universal, em seu processo de constituição, elaborou, pela
guerra, uma antropofagia da fé inimiga. (...) Em resumo, muito
mais que pela oposição ou pelo contraste, a Igreja Universal
rege seu processo de expansão por uma antropofagia religio-
sa, na qual as mais diversas crenças podem ser negadas em seu
conteúdo religioso original e, ao mesmo tempo, parcialmente
assimiladas em suas formas de apresentação e funcionamento
Este processo, por sua vez, não é tão distinto daquele ob-
servado nos contextos seja do catolicismo negro, seja da umbanda
283
– em que vários aspectos da religiosidade africana são incorpo-
rados, embora muitas vezes com uma resignificação de seus ele-
mentos. Mas há, no entanto, uma diferença fundamental: resulta
do discurso da libertação e da consequente “guerra santa” efetua-
dos pela IURD o recrudescimento do preconceito religioso – ge-
rando, inclusive, ataques físicos diretos a templos e membros das
religiões afro-brasileiras35. Assim, ao incorporar aspectos das reli-
giões afro-brasileiras através de sua identificação com “o mal”, que
deve ser extirpado, a IURD contribui de maneira direta e violenta
para consolidação da relação inicialmente abordada neste texto
entre preconceito religioso, preconceito racial, temor à feitiçaria
e identidade entre os três termos. Neste sentido, reforça (e, em
certa medida, recria) uma construção que se deu ao longo de toda
a história nacional – exercendo influência muito mais abrangente
que apenas sobre seus membros (tanto no meio evangélico quanto
não evangélico).
É importante ressaltar, ainda, que a “guerra santa” baseada
na importância atribuída à ação de demônios na vida das pesso-
as, a necessidade de investir em rituais de libertação e proteção,
a identificação do diabo com o universo religioso afro-brasileiro
não são exclusividade da Igreja Universal do Reino de Deus. Tais
ideias estão difundidas no interior de várias denominações pente-
costais – de maneira muito semelhante na Igreja Internacional da
Graça de Deus. Vagner Silva (2007) afirma, inclusive, que:
A “demonização” das religiões afro-brasileiras propagada pelo
neopentecostalismo já estava presente em fases anteriores do
movimento pentecostal, como elemento da teologia da cura
____________________
35
Cabe apontar, como se explicita no livro Intolerância Religiosa. Impactos do
Neopentecostalismo no Campo Religioso Afro-Brasileiro, organizado por Vagner
Gonçalves da Silva (2007), que os adeptos das religiões afro-brasileiras não foram
vítimas passivas de tais processos, mas, juntamente com associações do movimento
negro, se organizaram em sua defesa através de meios políticos e jurídicos.
284
divina. Sendo uma das partes constitutivas do ritual da benção
aos doentes, a cura servia para mostrar a vitória de Deus sobre
o demônio, geralmente identificado com a umbanda e o can-
domblé (...). Nesse período, entretanto, não se convocavam os
“exércitos de Cristo” para saírem às ruas para impedir rituais
afro-brasileiros ou mesmo tentar fechar terreiros como têm
ocorrido nas duas últimas décadas (:195).
Esta identificação das religiões afro-brasileiras com o de-
mônio de maneira mais ampla também é explicitada em pesquisa
realizada entre evangélicos do Grande Rio de Janeiro em 1994
(cf. Mariano in Silva, 2007), em que 95% dos entrevistados de-
clararam considerar candomblé e umbanda como religiões de-
moníacas. Contudo, dentre as denominações de grande projeção
nacional e presença midiática, é na IURD que o ataque direto às
religiões afro-brasileiras tem maior centralidade, e toma sua for-
ma mais agressiva. Analisar seu exemplo contribui para compre-
ender como a expansão das religiões evangélicas no país trouxe
consigo a reativação, fortalecimento e reconfiguração do precon-
ceito racial/religioso36. Mas, por outro lado, permite perceber
como o diálogo com as religiões afro-brasileiras e a mobilização
do “medo do feitiço” são elementos de evangelização importantes
mobilizados por certas denominações evangélicas. É possível, em
suma, apontar tais conformações do campo religioso evangélico
brasileiro também como resultados da influência da religiosidade
____________________
36
Isto tem um efeito direto no contexto de salas de aula do ensino fundamental e
médio. Principalmente em áreas onde a presença evangélica é significativa. Alguns
dados censitários sobre a população paranaense são aqui interessantes: os evangéli-
cos subiram de 16,16% da população paranaense em 2000 para 20,99% em 2010.
Número ainda maior entre os negros paranaenses, que de 18,71% de evangélicos
em 2000 passaram para 25,48% em 2010. Dentre os negros evangélicos em 2010,
por sua vez, 67,03% são pentecostais (em 2000, o percentual de evangélicos que
se declaravam pentecostais era significativamente maior no Paraná: 77,91%). Já o
número de adeptos negros declarados da IURD é muito menos relevante: apenas
3,64% do total de evangélicos negros em 2010.
285
africana no país.
286
boram perspectivas de mundo complexas e saberes diversificados.
O reconhecimento de um cosmos que não se orienta apenas por
uma racionalidade científica e não se reduz à visão maniqueísta de
bem e mal, mas legitima formas diferenciadas de ser, aponta neste
sentido.
287
288
REFERÊNCIAS
289
Bantos, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
290
NEGRÃO, Lísias N. 1996. Entre e Cruz e a Encruzilhada.
Formação do Campo Umbandista em São Paulo, São Pau-
lo: EDUSP.
291
RAMOS, Arthur. 2001. O Negro Brasileiro, Rio de Janeiro: Gra-
phia.
292
SEGATO, Rita. 2005. Santos e Daimones. O Politeísmo Brasilei-
ro e a Tradição Arquetipal, Brasília: EdUnB.
293