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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS

Organizadores

Paulo Vinícius Baptista da Silva


Judit Gomes da Silva
Nathália Savione Machado
Josafá Moreira Cunha

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO A DISTÂNCIA

EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

CURITIBA, 2014

2
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Dilma Roussef

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
José Henrique Paim Fernandes

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL


Diretor
João Carlos Teatini de Souza Clímaco

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Reitor
Zaki Akel Sobrinho

Vice-Reitor
Rogério Andrade Mulinari

Pró-Reitora de Graduação (Prograd)


Maria Amélia Sabbag Zainko

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG)


Edilson Sergio Silveira

Pró-Reitora de Extensão e Cultura (Proec)


Deise Lima Picanço

Pró-Reitor de Gestão de Pessoas (Progepe)


Adriano do Rosário Ribeiro

Pró-Reitor de Administração (PRA)


Álvaro Pereira de Souza

Pró-Reitora de Planejamento, Orçamento e Finanças (Proplan)


Lucia Regina Assumpção Montanhini

Pró-Reitora de Assuntos Estudantis (Prae)


Rita de Cássia Lopes

COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO


A DISTÂNCIA (CIPEAD)/ UFPR
Coordenadora EaD
Marineli Joaquim Meier

Coordenação de Recursos Tecnológicos


Melissa Milleo Reichen

3
Coordenadora Pedagógica da Cipead
Nathália Savione Machado

COORDENAÇÃO DE POLÍTICAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES


(COPEFOR)
Glaucia da Silva Brito

COORDENAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS INOVADORAS NA


GRADUAÇÃO (CEPIGRAD)
Laura Ceretta Moreira

COORDENAÇÃO DO NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS


(NEAB-UFPR)
Marcos Silva da Silveira
Paulo Vinícius Baptista da Silva

Coordenador do Curso de Especialização a Distância em Educa-


ção das Relações Étnico-raciais
Josafá Moreira da Cunha

Supervisora do Curso de Especialização a Distância em Educação da Rela-


ções Étnico-Raciais
Judit Gomes da Silva

Formadora EaD do Curso de Especialização a Distância em Edu-


cação das Relações Étnico-Raciais
Nathália Savione Machado

Concepção de Projeto Gráfico


Paulo Vinícius Baptista da Silva
Projeto Gráfico
Paulo Negri Filho

Diagramação
André Cândido Delavy Rodrigues

Revisora Textual
Tatiane Valéria Rogério de Carvalho

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS

Organizadores

Paulo Vinícius Baptista da Silva


Judit Gomes da Silva
Nathália Savione Machado
Josafá Moreira Cunha

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO A DISTÂNCIA

EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

CURITIBA, 2014

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Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, trans-
mitida, gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fo-
tocópia, e outros, sem prévia autorização, por escrito, da UFPR.

Contatos

NEAB/UFPR - Praça Santos Andrade, 50, subsolo- CEP 80020-300 - Curitiba-PR


Fone: (41) 3310-2707 / Site: www.neab.ufpr.br / E-mail: neabufpr@gmail.com

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SUMÁRIO

MÓDULO I - INTRODUÇÃO CONCEITUAL

Concepções e políticas de Educação a Distância em dife-


rentes contextos históricos..................................... 20
Suely Sherer

Proposta de implementação da Lei no 10.639/2003 nos es-


paços escolares....................................................53
Tânia Aparecida Lopes

A política educacional da educação das relações étni-


co-raciais: as alterações na LDB por meio das leis no
10.639/2003 e no 11.645/2008...................................70
Luiz Carlos Paixão da Rocha
Débora Oyayomi Cristina de Araújo

MÓDULO II - METODOLOGIA DA PESQUISA EDUCA-


CIONAL

Metodologia da pesquisa Educacional.....................109


Nádia G. Gonçalves

MÓDULO III - ANTROPOLOGIA DAS POPULAÇÕES


AFRO-BRASILEIRAS

Apontamentos sobre o racismo no Brasil...................207


Paulo Vinícius Baptista da Silva

O ensino da história e cultura afro-brasileiras e a temá-


tica religiosa: dilemas enfrentados na aplicação da lei
no 10.639/03........................................................233
Liliana Porto

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9
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
MEC - Ministério da Educação / SECADI - Secretaria de
Educação Básica Alfabetização, Diversidade e Inclusão/ CIPEAD -
Coordenação de Políticas de Integração de Educação a Distância / NEAB
- Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Paraná

ABERTURA DO CURSO

Caro(a) cursista,

O Curso de Especialização em Educação das Relações


Étnico-Raciais convida você a ingressar em uma sequência de
debates, leituras e produções acadêmicas que tem como objetivo
principal propiciar uma ampliação na sua formação sobre a
Educação das Relações Étnico-Raciais. Os temas relacionados à
implementação das Leis no. 10.639/2003 e no. 11.645/2008, que
alteram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB,
têm sido alvo de muitos estudos e pesquisas, buscando formas
de promover mudanças nos conteúdos e currículos escolares,
baseados, grande parte, em um modelo eurocêntrico de ensino.

Os objetivos específicos propostos para este curso são:Propiciar


formação inicial em cultura e história afro brasileira, preparando
profissionais da educação para uma efetiva implementação do
Artigo 26A da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)

10
modificado pelas Leis no 10.639/2003 e no 11.645/2008,
por meio da aquisição de instrumentos teóricos de análise das
desigualdades raciais e proposições de formas de superação;

Atualizar profissionais da educação para que


desenvolvam conteúdos de História e Cultura Afro-
Brasileira e de Educação das Relações Étnico-Raciais

A mudança proposta pela Educação das Relações


Étnico-Raciais implica em alterações para além do espaço
escolar. Implica em alterações no modo de conceber a atual
organização da sociedade: no reconhecimento da desigualdade
racial como fator preponderante para a desigualdade social e na
busca de superação dessas desigualdades. Assim, as produções
científicas responsáveis por tais abordagens representam
possibilidades de compreensão e proposições que
nos auxiliam no desenvolvimento dessas mudanças.

Este curso está estruturado em 12 módulos,


compondo um total de 180 horas, distribuídas em
carga horária de formação a distância e de formação
presencial em menor proporção. Tal organização visa
apresentar de modo mais didático e acessível elementos
relacionadinterpretação das relações raciais no campo
simbólico, socioeconômico e educacional da sociedade
brasileira.

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Observe a distribuição dos módulos:

TÓPICOS CONTEÚDOS

Módulo I Concepções e políticas de


Educação a Distância em diferentes
Introdução conceitual contextos históricos
Dr. Paulo Vinícius Baptista da Silva
Conceitual EaD e ferramenta
Moodle

Proposta de implementação
da Lei no.10.639/2003 nos espaços
escolares.

A LDB, Lei no. 1069/03, o


parecer 01/2004 do CNE, a deli-
beração 04/2006 do CEE, o Plano
Nacional de Implementação da Lei
no .10.639, os Fóruns Estaduais de
Diversidade étnico-Racial

Módulo II O levantamento bibliográfico


e ferramentas web
Metodologia da Pesquisa Educacio-
nal Tema, objeto e problema de
Profª Nádia Gaiofato pesquisa

Construção do Projeto de
pesquisa

Metodologia de pesquisa
educacional

Análise de dados

A monografia

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Módulo III Os conceitos de raça, racis-
mo, etnia, cultura, discriminação.
Antropologia das populações af- Identidade nacional e identidade ne-
ro-brasileiras gra Religiões Afro-Brasileiras
Profª Liliana de Mendonça Porto

A presença negra no catolicis-


mo: Irmandades e Festas de Santo

Questão racial e corporalidade

A África pré-colonial
Módulo IV
A Colonização
História da África
Prof. Hector Rolando Guerra A África pós-colonização

Módulo V As origens da humanidade no


continente africano
Arqueologia da África e arqueolgia
da diáspora africana Arqueologia da diáspora africa-
Prof. Luis Claudio Symanski na nas Américas

A escravidão no Brasil
Módulo VI
A resistência negra à escravidão
História da escravidão e resistência
no Brasil. Movimentos pela abolição
Prof. Carlos Alberto Medeiros de
Lima
Negros e brancos no Paraná do
século XIX e XX

Movimentos negros em Curi-


tiba

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Módulo VII Pesquisas sobre desigualda-
des educacionais e relações raciais
Educação e desigualdades raciais no no Brasil. Discriminação racial na
Brasil escola. Identidade da criança negra.
Prof. Josafá Moreira Cunha

Eixos de desigualdade: gêne-


ro, raça e diversidade sexual

Módulo VIII Do projeto Unesco ao con-


ceito de “Mito da democracia racial”
Sociologia dos grupos raciais e re- – desigualdades raciais para Flo-
flexões antropológicas sobre rela- restan Fernandes, Roger Bastide e
ções raciais no Brasil Oraci Nogueira

Prof. Alexandro Dantas Trindade


Quilombismo: Guerreiro
Ramos e Abdias do Nascimento

As pesquisas sobre desigual-


dades raciais no plano estrutural:
do retomar as pesquisa na década de
1970 aos dias atuais

Ações afirmativas: conceitos,


histórico e análise de políticas atuais

Movimentos negros no Brasil

Módulo IX Negros e brancos nos livros


dirigidos à infância
Desigualdades no plano simbólico
Prof. Toni Andre Sharlau Vieira
Negros e brancos nos jornais,
televisão, cinema e publicidade.

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Módulo X A personagem negra na
literatura brasileira
Literatura africana e afro-brasileira;
arte africana e afro-brasileira Movimentos literários
afro-brasileiros e escritores/as
Prof. João Arhur Pugsley dos movimentos negros

O movimento da Negritude
Literaturas africanas e africanas da
diáspora

Módulo XI Artes plásticas na África

A “mão afro-brasileira” nas artes Artes plásticas afro-brasilei-


Prof. Marcolino Oliveira Neto ras

Módulo XII Estruturação de projeto de


implantação do artigo 26-A da LDB
(modificado pela Lei no. 10.639/03)
Estruturação de projeto de im- na instituição escolar.
plantação do artigo 26-A da
LDB
Profª Lucimar Rosa Dias Avaliação

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Os textos que compõem os módulos correspon-
dem a resultados de estudos e pesquisas sobre relações
raciais no Brasil e foram produzidos sob a perspecti-
va teórica de diversos/as docentes. Por isso, embora
haja um fio condutor que promove a interligação en-
tre todos os textos e os módulos, optamos por manter
as escolhas conceituais e de linguagem de cada autor/a.
Dessa forma, algumas dessas produções podem apre-
sentar, como nesse texto de abertura, a chamada “lin-
guagem de gênero”, ou seja, tendência de destacar,
sempre que possível, o gênero masculino e feminino.
Outro aspecto de destaque nas páginas de todos
os textos é a presença dos símbolos adinkra, escolhidos
para, além de ilustrar, homenagear essa arte de origem
africana que é utilizada por povos milenares, como bem
explica Elisa Larkin do Nascimento ao defini-los como:

[...] um conjunto ideográfico estampado em


tecido, esculpido em pesos de ouro, talhado em
peças de madeira anunciadoras de soberania. [...]
Adinkra significa adeus, e as pessoas das etnias acã usam
o tecido estampado com adinkras nas ocasiões fúnebres
ou festivais de homenagens. São mais de oitenta símbolos,
destacados pelo conteúdo que trazem como ideograma. Não só os
desenhos do adinkra são estética e idiomaticamente tradicionais,
como, mais importante, incorporam, preservam e transmitem
aspectos da história, filosofia, valores e normas socioculturais
[...] (NASCIMENTO, 2009, p. 7, destaques da autora).

Durante todo o curso, além das leituras, serão propostas


atividades para serem desenvolvidas individualmente e em grupos,
por meio do envio de arquivos de modo on line ou da participação
em fóruns e chats na plataforma moodle. Tais atividades têm
como objetivo ampliar a interação entre as produções científicas
que compõem o material e a leitura que você fará dos textos.

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Você também terá acesso a informações adicionais por
meio de boxes como Para refletir e Saiba mais, além de leituras
complementares, indicações de links relacionados aos textos lidos,
bem como sugestões de sites e filmes. A organização da produção
que comporá a avaliação final do curso estará sendo feita desde o
início quando você, cursista, tiver acesso às leituras e orientações
da equipe de tutoria que estará à disposição para auxiliá-lo/a nas
dúvidas. Nesse curso, tal avaliação não deve ser encarada como a mais
importante do ponto de vista de sua formação pois será a atividade
que reunirá os conhecimentos acumulados durante todo o curso.
É importante que você participe ativamente e procure
desenvolver de modo efetivo as atividades propostas em
todos os módulos pois serão valiosas fontes de estudos para a
elaboração de um trabalho final de impacto no ambiente escolar
onde você está inserido/a como profissional da educação.

Desejamos a você um bom curso!

A Coordenação

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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
MEC - Ministério da Educação / SECADI - Secretaria de
Educação Básica Alfabetização, Diversidade e Inclusão/ CIPEAD -
Coordenação de Políticas de Integração de Educação a Distância / NEAB
- Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Paraná

ABERTURA DO MÓDULO I
Caro/a cursista,
Neste primeiro módulo você vai conhecer conceitos
relacionados à educação a distância (EaD) e as características
que podem ser atribuídas a essa modalidade de ensino.
No primeiro texto, Concepções e políticas de educação
a distância em diferentes contextos históricos, você terá
acesso a informações importantes para o desenvolvimento e
produção das atividades no decorrer do curso e compreensão da
organização de cursos de aperfeiçoamento na modalidade EaD.
Na sequência, o texto Proposta de implementação da lei
no 10.639/2003 nos espaços escolares apresenta encaminhamentos
iniciais para auxiliar no desenvolvimento do trabalho de conclusão,
em que você relacionará elementos apreendidos durante as
leituras com as atividades elaboradas em todos os módulos.
Esperamos que esse material seja de grande auxílio à sua formação.
Bom trabalho!
A Coordenação

18
INTRODUÇÃO CONCEITUAL

MÓDULO I
Ao final deste módulo, você deverá:

Identificar as principais concepções e características de


Educação a Distância;

Conhecer o percurso histórico da EaD, sua difusão no Brasil e


a legislação que a ampara;

Identificar os questionamentos básicos que fundamentarão


o curso de Educação a Distância sobre Educação das Relações
Étnico-Raciais;

Elaborar estratégias de observação e análise da presença/


ausência da diversidade étnico-racial no ambiente escolar.

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Pempamsie
Pempamsie see bebirebe aho oden ne koroye

A unidade é a força. Esteja preparado. Fique atento.


Simbolo da prontidão, da persistência, resistência, bravura e coragem.

CONCEPÇÕES E POLÍTICAS
DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
EM DIFERENTES CONTEXTOS
HISTÓRICOS
Suely Scherer1

O que você sabe sobre Educação a Distância? O que sabe


da história da Educação a Distância? Afinal, o que é Educação
a Distância e quais as suas características? Você conhece outros
cursos que são oferecidos nesta modalidade? Como acontecem?
Você deve estar pensando: para que tantas perguntas...
É por meio de questionamentos que somos instigados,
mobilizados a conhecer mais sobre diferentes assuntos.
As respostas a esses questionamentos dialogam com
o texto, e o estudo deste contribuirá para você conhecer
melhor a modalidade de educação que escolheu para cursar.

____________________
1
Doutora em Educação; professora adjunta da Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul e pesquisadora na área de Educação e Educação
Matemática com ênfase em Tecnologias Educacionais e Educação a
Distância, atuando principalmente nas seguintes linhas: educação a distância,
informática na educação, educação matemática e formação de professores.

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1. CONCEPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA EaD

A educação nas escolas apresenta uma diversidade muito


grande de atitudes, metodologias, paradigmas e histórias. Isto
revela o quanto podemos ser diferentes e o quanto, pela riqueza da
diversidade, precisamos respeitar e sermos respeitados em nossas
diferenças.No entanto,o respeito e a diversidade não impedem novas
buscas e pesquisas que geram mudanças, devendo, sim, realizá-las.

O que se percebe é que, em muitos casos, as escolas ainda


estão centradas em processos de transferência de informações,
esquecendo de pensar em movimentos que viabilizem uma relação
maior delas com o mundo. Enquanto nos diferentes espaços da
comunidade, local ou global, se pesquisa continuamente os avanços
da ciência e da tecnologia, as escolas precisam se articular a estes
movimentos, repensando seus processos educacionais.

Neste sentido, precisam fazer parte da escola a


compreensão da complexidade, da autonomia, da criatividade e
criticidade, da liberdade, da comunicação, bem como do uso de
recursos tecnológicos e ambientes que favoreçam movimentos de
ensino e aprendizagem. O que se observa com frequência é que o
certo, a ordem e o acabado ainda representam os movimentos de
muitas escolas. O acaso, a incerteza, a desordem, o contraditório,
a autonomia, pouco são considerados como possibilidades para
educar.Assim, falar em uso de tecnologias, ambientes virtuais, EaD,
é algo novo para muitas pessoas, e para outras, parece “impossível”.

Vivendo nessa realidade, a EaD ainda é compreendida por


muitos professores e alunos como um espaço para a “folga” e para
o descompromisso. Para eles, parece difícil compreender que
é possível educar quando os alunos estão distantes fisicamente,

21
ou quando não estão todos reunidos no mesmo lugar. Isso é
compreensível, pois precisamos conhecer e vivenciar processos
nesta modalidade, assim como em outras, para compreendermos
as possibilidades de ensino e de aprendizagem que a constituem.

Então, vamos conhecer possibilidades de ensino e


aprendizagem da modalidade de EaD? Ao mesmo tempo em
que estudamos estas possibilidades, vivenciamos processos de
ensino e aprendizagem nesta modalidade. Iniciaremos estudando
concepções e políticas que constituíram a história da EaD ao longo
destes anos. Procure ir dialogando com o texto a partir de seus
conhecimentos prévios, questionando ao identificar concepções,
políticas e características que trazem informações sobre essa
modalidade de ensino que não eram de seu conhecimento.

22
1.1 INICIANDO A HISTORIA

Na história da EaD podemos identificar os diferentes


avanços da ciência e da tecnologia, e esta pode ser apresentada de
diferentes formas.

Segundo Aretio (2001) há três gerações de EaD: ensino


por correspondência, ensino multimídia e ensino telemático,
enquanto Moore e Kearsley (2007) apresentam cinco gerações:
estudo por correspondência, transmissão por rádio e televisão,
uma abordagem sistêmica, que envolve o nascimento da
Universidade Aberta, teleconferência, e aulas virtuais baseadas no
computador e na internet.

Nesta disciplina, a partir do que sugerem os autores citados


e outros que iremos estudar, a história da EaD será apresentada
em três etapas: ensino por correspondência, ensino multimídia e
teleconferência, e aulas virtuais baseadas na internet. Estas etapas
se complementam, como será visto a seguir.

Ensino por correspondência

Segundo Nunes (2009), a etapa do ensino por


correspondência provavelmente iniciou com o anúncio de aulas
de taquigrafia, em 20 de março de 1728, na Gazeta de Boston,
ministradas por Caleb Philips. O curso foi oferecido para as
pessoas da região, que semanalmente recebiam as suas lições
em casa. Mais adiante, em 1833, segundo Simonson (2006),
um anúncio no diário sueco oferecia a oportunidade de estudar
“redação por correio”. Depois, em 1840, na Grã-Bretanha, Isaac
Pitman anunciava que iria ensinar o seu sistema de taquigrafia por
correspondência.

23
Em 1873,Anna EliotTicknor fundou uma escola em Boston
para o desenvolvimento de estudos em casa. Moore e Kearsley
(2007) afirmam que o objetivo dessa escola era ajudar as mulheres,
a quem, em grande parte, era negado o acesso às instituições
educacionais formais naquela época. Segundo Simonson (2006),
esta escola atraiu mais de dez mil estudantes em 24 anos, que
mantinham uma correspondência mensal com os professores,
que enviavam leituras dirigidas e testes para suas casas. Segundo
Nunes (2009), em 1910, a Universidade de Queensland, na
Austrália, inicia programas de ensino por correspondência, e em
1924, Fritz Reinhardt cria a Escola Alemã por Correspondência.

Alves (2009) afirma que a história da EaD no Brasil
inicia-se com as “Escolas Internacionais”, em 1904. Os cursos
eram oferecidos para pessoas que buscavam empregos,
especialmente nas áreas de serviços e comércio. Assim, a história
da EaD no Brasil iniciou com o ensino por correspondência.

Na etapa do ensino por correspondência, no Brasil,
podemos ressaltar a importância do Instituto Monitor, que
iniciou as suas atividades em 1939, e do Instituto Universal
Brasileiro, que lançou seus primeiros cursos em 1941. Estes
dois institutos contribuíram na formação profissional de muitos
brasileiros para o mercado de trabalho.E assim iniciaram as
atividades na modalidade de EaD, destinada, principalmente,
às pessoas que não conseguiam uma formação pelas escolas
presenciais e/ou na idade própria para estes estudos.

Podemos observar que neste período histórico da EaD, esta
tinha como foco a transmissão da informação, em linguagem escrita,
sem considerar o perfil dos alunos.A comunicação entre professor e
aluno era limitada, com mensagens enviadas por correspondência.

24
O modelo da EaD por correspondência, mesmo com
algumas iniciativas de uso do rádio no decorrer do período,
prevaleceu até a década de 1960. E o que podemos perceber é
que o material impresso, o uso do correio, continuou presente
nas etapas seguintes da história da EaD, sendo integradas outras
tecnologias ao processo de comunicação entre professores e alunos.

É importante percebermos que nesta primeira etapa
da história da EaD, os cursos oferecidos eram mais de caráter
técnico, objetivando a transmissão de informações e sua
memorização por repetição. O diálogo entre professor e
aluno era pouco, pois os contatos pelo correio eram lentos na
época, tornando inviável uma proposta com mais diálogo entre
professor e aluno. No entanto, este mesmo modelo de educação,
da transmissão de uma grande quantidade de informações do
professor para vários alunos, esperando respostas iguais, também
era o modelo que mais se encontrava nas escolas presenciais.

Ensino Multimídia e Teleconferência



Na década de 1960, segundo Aretio (2001), começa uma
nova etapa de EaD, denominada por ele de ensino multimídia.
Esta surge com a utilização de vários recursos que favorecem o
processo de aprendizagem. Além do texto escrito, começam a ser
produzidos áudios e vídeos, com o uso de rádio e televisão. O
telefone também se incorpora ao processo para a comunicação
entre professores e alunos. Quando o rádio surgiu como uma nova
tecnologia no inicio do século XX, muitos educadores perceberam
uma oportunidade de articular novas propostas de EaD. Segundo
Nunes (2009), a primeira autorização para uma emissora educativa
foi concedida em 1921, pelo Governo Federal à Latter Day Saints’
da University of Salt Lake City. Em fevereiro de 1925, a State

25
University of Lowa oferecia seus primeiros cursos, por rádio,
validando cinco créditos. Na Europa, neste período, houve uma
expansão da EaD, sem muitas mudanças em sua estrutura, mas
com métodos e meios mais sofisticados. Simonson (2006) afirma
que as gravações de áudio eram mais usadas na educação de cegos
e no ensino de línguas para vários estudantes.

Além dos programas radiofônicos, em 1934, a televisão


educativa também estava em desenvolvimento. Naquele ano, se-
gundo Moore e Kearsley (2007) a State University of Iowa realizou
transmissões pela televisão sobre temas como higiene e astronomia.
Em 1951 a Western Reserve University foi a primeira universida-
de que ofereceu cursos valendo créditos, com o uso da televisão.

A EaD, segundo Giusta (2003), por muito tempo, repre-


sentou a distância do ponto de vista geográfico e do ponto de
vista político, pela marginalização dos seus estudantes em compa-
ração com quem usufruía da modalidade presencial. A visão era
de que se usavam tecnologias para chegar apenas até aqueles que
de outro modo não poderiam se beneficiar da educação escolar.

Neste sentido, Giusta (2003) lembra que um acontecimento
mudou em definitivo esta visão da EaD: a criação, em 1969, da Uni-
versidade Aberta da Grã-Bretanha – a Open University. Na sequên-
cia, outras Universidades contribuíram para elevar a importância
da modalidade de EaD, como a Fern Universität, na Alemanha, e a
UNED, na Espanha, que criaram cursos de graduação e pós-gradu-
ação de ótima aceitação por parte dos estudantes de todo o mundo.

Estas Universidades mostraram que era possí-
vel oferecer cursos na modalidade de EaD com qualida-
de, usando materiais impressos, e investindo em tecnologias

26
como a televisão, o rádio, e mais recentemente a internet.

No Brasil, esta etapa da história foi marcada por cursos
a distância utilizando, além do material impresso, transmissões
por televisão e rádio, gravações de áudio e vídeo, dentre ou-
tros. Segundo Alves (2009), em 1923 foi fundada a Rádio So-
ciedade do Rio de Janeiro, numa iniciativa de Edgard Roque-
te Pinto e um grupo de amigos.Operada pelo Departamento
de Correios e Telégrafos, segundo Niskier (1999), a emissora
transmitia programas de literatura, radiotelegrafia e telefonia,
línguas, literatura infantil e outros de interesse comunitário.

Os programas educativos, a partir deste período, foram


sendo implantados a partir da criação, em 1937, do serviço de
radiodifusão educativa do Ministério da Educação. Destacaram-
se a Escola Rádio-Postal e A Voz da Profecia, criada pela Igreja
Adventista em 1943, com o objetivo de oferecer cursos bíbli-
cos. Neste período, em 1946, o SENAC iniciou as suas atividades
e, logo depois, desenvolveu no Rio de Janeiro e em São Paulo
a Universidade do Ar, que, em 1950, já atingia 318 localidades.

Em 1956, o Movimento Educação de Base (MEB), com a
promoção da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
cria as escolas radiofônicas. Estas foram criadas com o objetivo
de alfabetizar e apoiar os primeiros passos da educação de jo-
vens a adultos que não tinham acesso à escola. Este movimento
ocorreu, principalmente, nas regiões Norte e Nordeste do país.

Podemos citar outros movimentos de EaD nesta etapa da
história, como o Projeto Minerva (rádio educativo), criado em
1970. Este projeto, vinculado ao Governo Federal, ofertava cursos
nos níveis do ensino fundamental e ensino médio (científico, con-

27
tabilidade, magistério), com o objetivo de resolver em um curto
prazo os problemas de desenvolvimento econômico e social do país.

No entanto, a revolução de 1964 abortou algumas iniciati-
vas, e o sistema de censura reduziu significativamente o trabalho
da rádio educativa brasileira.

E a televisão? Quando será que começou a ser explorada
no Brasil para fins educacionais?

A televisão, para fins educacionais, foi usada de maneira
positiva em sua fase inicial, e, há registros de vários incentivos
no Brasil a esse respeito, especialmente nas décadas de 1960 e
1970. Como exemplo destacamos a TV Educativa do Maranhão,
criada em 1969; o Programa Nacional de Teleducação (Prontel);
o Centro Brasileiro de TV Educativa (Funtevê), órgão integrante
do Ministério da Educação e Cultura; e a TVE, do Ceará, que ofe-
recia a TV Escolar em 1974. Neste mesmo ano, no estado do Rio
Grande do Norte, é lançado o Projeto SACI (Sistema Avançado
de Comunicações Interdisciplinares), a primeira experiência de
utilização transmissão via satélite para fins educacionais no Brasil.

Em 1978, surgem os projetos da Fundação Roberto Mari-


nho (Rede Globo do Rio de Janeiro), que em parceria com a Fun-
dação Padre Anchieta (TV Cultura de São Paulo) lança o Telecurso
2º Grau, com o objetivo de formar em nível de ensino médio vários
brasileiros jovens e adultos. Neste projeto era disponibilizado ma-
terial impresso, fitas de vídeo e aulas pela televisão. Em 2000, o Te-
lecurso foi reestruturado, passando a denominar-se 2000. Esse ma-
terial também foi utilizado nos Centro de Estudos Supletivos, hoje
mais conhecidos como Centros de Educação de Jovens e Adultos.

28
Em 1995 foi lançado pelo MEC o Programa TV Escola
com o objetivo de oferecer formação continuada aos professo-
res da educação básica, para o uso de tecnologias educacionais.
O curso utiliza, principalmente, material impresso, televisão e o
vídeo. A difusão nas escolas é realizada via satélite, por emissoras
de canal aberto ou a cabo.

SAIBA MAIS
Para saber mais sobre este projeto da TV Escola, acesse ao site
:http://tvescola.mec.gov.br/.


No ano de 1973, a Universidade de Brasília (UnB) desta-
ca-se como pioneira na introdução da tecnologia educacional na
EaD. Até hoje seus programas e cursos na modalidade de EaD são
conhecidos.

Segundo Aretio (2001), na década de 1980, quando as te-
lecomunicações começam a ser integradas aos processos de EaD,
surge a possibilidade da comunicação entre grupos de estudantes
e professores, distantes fisicamente, usando recursos de áudio e
vídeo. Assim, por meio do uso de recursos da informática, houve
a potencialização da emissão por rádio e televisão e ampliou-se a
possibilidade de transmissão via satélites, favorecendo a comunica-
ção bidirecional entre professores e alunos a partir de audioconfe-
rências e videoconferências. É também neste período que a comu-
nicação entre professores e alunos começa a acontecer de forma
síncrona (pessoas interagindo ao mesmo tempo) e assíncrona (pes-
soas interagindo em tempos diferidos) através de diversos meios.

29
Segundo Moore e Kearsley (2007, p.39), “a primeira tec-
nologia a ser usada na teleconferência em escala razoavelmente
ampla durante os anos 1970 e 1980 foi a audioconferência”. As au-
dioconferências eram organizadas com alunos individualmente em
suas casas ou em seus locais de trabalho, usando telefone. Quando
estavam em pequenos grupos, usavam microfones e alto-falantes.

Além das audioconferências, neste período, iniciam-se as
experiências com as videoconferências. Segundo Moore e Kearsley
(2007),em 1986,na Penn State University,iniciaram-se os primeiros
cursos completos de graduação transmitidos por teleconferência,
reunindo grupos de alunos em três locais diferentes. No Brasil, po-
demos destacar a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
que,através do Laboratório de Ensino a Distância (LED),ofereceu em
1996 o primeiro Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Pro-
dução, usando, principalmente, a tecnologia das videoconferências.

Nesta etapa da história, segundo Peters (2001), podemos
falar em uma mudança paradigmática na EaD, pois com as tecno-
logias que surgiram neste período, mesmo distantes fisicamente,
os alunos podiam estabelecer comunicação entre si e com os pro-
fessores de forma mais rápida que pelo correio. Com isto, come-
çou-se a pensar em cursos na modalidade de EaD mais individuali-
zados, com aulas e orientações específicas para diferentes grupos.

Vale lembrar, ainda, que não é o recurso em si que possibi-


lita uma educação mais dialogada, pois o movimento de uma edu-
cação ocorre a partir da compreensão de educação do grupo de
professores, alunos e gestores do curso. Ou seja, podemos usar as
videoconferências apenas para transmitir informações, sem opor-
tunizar diálogos, estudos em grupos, debates, seminários, entre
outras atividades.

30

PARA REFLETIR
Escolha um, ou mais, projeto ou programa
mencionado anteriormente (Minerva, TV Escola, Te-
lecurso 2000,...), ou outro projeto ou programa da
modalidade de EaD ofertado no Brasil, e busque in-
formações sobre ele na internet ou em outras fontes.
A partir das informações obtidas, reflita sobre a
contribuição do projeto para a educação no Bra-
sil. Observe elementos como: objetivo, metodo-
logia, público-alvo, número de pessoas atendidas,
abrangência, contexto sociopolítico, entre outros..

Aulas virtuais

Esta etapa da história, de aulas virtuais, inicia-se na década


de 1990 e é apresentada por Taylor (apud ARETIO, 2001) como
a geração do Ensino por Internet. Segundo Moore e Kearsley
(2007), em 1993, apareceu o primeiro navegador WEB ou WWW
(World Wide Web - que em português significa “Rede de alcan-
ce mundial”). No entanto, anterior a este período, em meados
de 1980, a National Sciences Foundation desenvolveu uma rede
com cinco centros de supercomputadores conectados a univer-
sidades e organizações de pesquisa, que, aperfeiçoada em 1987,
possibilitou usar a rede para troca de e-mails e arquivos de dados.

Na década de 1990, algumas universidades ofereciam pro-


gramas de graduação completos por meio da web, entre elas o On
-line Campus do NewYork Institute ofTechnology. No final desta dé-
cada, nos Estados Unidos, segundo Moore e Kearsley (2007, p.47),
“84,1% das universidades públicas e 83,3% das faculdades públi-
cas com cursos de quatro anos ofereciam cursos com base na web.

31
Com o acesso a internet, surgiram novos modelos de Uni-
versidades, como as universidades puramente virtuais, além de
combinações e colaborações entre instituições de todos os tipos.
Além disso, a internet viabilizou a oferta de cursos na modalidade
de EaD, considerando uma educação sem distância, ou seja, do
modelo de EaD por correspondência, com os recursos de internet
para interação entre professores e alunos, é necessário permanecer
apenas a distância física entre os sujeitos que ensinam e aprendem.

A internet também viabilizou a comunicação com uso de
imagem e som, em tempo real, personalizada, de professor para
aluno, aluno para professor e entre alunos, independente da distân-
cia existente. Hoje, podemos nos conectar à internet, dialogar via
texto escrito e/ou áudio, acessar informações em vá-
rias linguagens, conversar a dois, ou em grupos maio-
res, vendo e ouvindo os interlocutores pelo computador.

É importante lembrar que muitas pessoas ainda não pos-


suem acesso à internet, mas este é um caminho que juntos temos
de trilhar, lutando juntos por este direito, independente do bair-
ro, município, estado ou país em que vivemos. Fazemos parte de
uma grande rede, e, para aprendermos a nos relacionar com ela
e por ela, aprendendo e ensinando, temos de estar conectados.

São várias pessoas, várias experiências e histórias, fazendo
a história da EaD, e muito ainda há por fazer. O importante é
participar deste processo como sujeito, sendo e fazendo história.
Agora você é parte desta história, ajude a construí-la!

Com o acesso a “novas tecnologias”, as experiências e pes-


quisas em EaD se multiplicaram e continuam se multiplicando.
São várias as abordagens de educação que qualificam essas experi-

32
ências em todo o Brasil e no exterior, desenvolvidas por diferen-
tes instituições educacionais ou centros de formação profissional.

Vale lembrar que os cursos de graduação na modalidade
de EaD começaram a ser ofertados no Brasil, em 1995. A Uni-
versidade Federal do Mato Grosso (UFMT), por intermédio do
Núcleo de Educação Aberta e a Distância do Instituto de Edu-
cação, ofertou o curso de licenciatura em educação, habilitação
em séries iniciais. Segundo Sanchez (2008), no Anuário Brasileiro
Estatístico de Educação Aberta e a Distância, entre 2003 e 2006,
a oferta de cursos superiores a distância passou de 52 para 349.
Em 2007, somente no ensino superior de graduação, o número
de estudantes era de 727.657, e este número cresce a cada ano.

O que pesquisadores e educadores buscam são propos-


tas de EaD ricas em comunicação e aprendizagem, que integrem
ao material impresso outros materiais e recursos tecnológicos,
oportunizando a comunicação entre alunos, e destes com os pro-
fessores e/ou tutores. O “ensino a distância”, em que o aluno es-
tuda sozinho, apenas “por leitura”, abre espaço para a educação a
distância. Uma educação, nas palavras de Freire (1992), promo-
vida pela comunicação entre sujeitos que ensinam e aprendem.

33
SAIBA MAIS
Se você quiser conhecer um pouco mais sobre
os projetos de algumas das principais Universidades
mencionadas, visite os endereços sugeridos a seguir:
Open University da Inglaterra, criada em
1967, que representa um modelo de sucesso até a atu-
alidade, considerada a maior universidade do Reino
Unido. Site: http://www.open.ac.ul.
Univerdad Nacional de Educación a Distância
(UNED), criada em 1973 na Espanha. Site: http://
www.uned.es FernUniversität na Alemanha, criada
em 1975. Site: http://fernunihagen.de Para conhecer
mais detalhes da história da EaD e suas gerações leia:
ALVES, João Roberto Moreira. A história da EaD no
Brasil. In: LITTO, Frederic M.; FORMIGA, Marcos
(Orgs.). Educação a Distância: o estado da arte. São
Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. p. 9-13.
MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a
Distância: Uma visão integrada. Tradução por Rober-
to Galman. São Paulo: Thomson Learning, 2007.
NUNES, Ivônio Barros. A história da EaD no mundo.
In: LITTO, Frederic M.; FORMIGA, Marcos (Orgs.).
Educação a Distância: o estado da arte. São Paulo: Pe-
arson Education do Brasil, 2009. p. 2-8.

34
2.CARACTERÍSTICAS DA EAD

Para estudarmos as características da EaD, iremos, inicial-


mente, discutir o conceito de educação para, então, sistematizar
alguns elementos conceituais relacionados a esta modalidade. Ba-
seados em Paulo Freire, podemos afirmar que a ação de educar
é uma ação na qual todos (educadores e educandos) ensinam e
aprendem dirigidos pelo educador ou educadora; dirigidos, não
direcionados. É uma ação em que o professor ou professora, en-
tão educadora ou educadora, não apenas informa, mas estabe-
lece uma interação com os educandos e ao dirigir o processo,
sendo conhecedor profundo de sua área, é também aprendiz na
busca constante de novos conhecimentos em todos os espaços.

Neste sentido, Morin (2001, p.11) afirma que “a educação


pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes, e nos ensi-
nar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas vidas.”

E a EaD? Sendo educação, busca os sentidos e signi-
ficados aqui apresentados. A EaD, compreendida como edu-
cação, mobiliza professores e alunos para criarem novas
rotinas, exigindo, como toda mudança, novas atitudes, no-
vas leituras, novas formas de ver e se organizar no mun-
do. Ao vivenciar e conhecer a EaD, muitas vezes, professores
e alunos mudam processos de ensino e aprendizagem da edu-
cação presencial. Neste sentido, Moran (2004) afirma que:
[...] obrigar alunos a ficar confinados horas seguidas
de aula numa mesma sala, quando temos outras possibilidades,
torna-se cada dia mais contraproducente. Para alunos que têm
acesso à Internet, à multimídia, as universidades e instituições
educacionais têm que repensar esse modelo engessado de currí-
culo, de aulas em série, de considerar a sala de aula como único

35
espaço em que pode ocorrer a aprendizagem. [...] A fle-
xibilização de gestão de tempo, espaços e atividades é ne-
cessária, principalmente no ensino superior ainda tão en-
gessado, burocratizado e confinado à monotonia da fala
do professor num único espaço que é o da sala de aula.


Ao pensarmos na flexibilização de gestão de tempo, es-
paços e atividades nas instituições educacionais, é importan-
tíssimo focar na aprendizagem dos alunos. É necessário pen-
sar em propostas para uma verdadeira educação, buscando
uma educação coerente com o mundo que queremos juntos
(re)construir. Ou seja, é necessário flexibilizar e democrati-
zar com responsabilidade, sugerindo a corresponsabilidade.

Para conhecermos mais da educação que acontece na


modalidade de EaD, iremos apresentar as características des-
sa modalidade, partindo dos estudos realizados por Landim
(1997), Oliveira (2001) e Moraes (2008). Lembre-se que es-
tas são apenas algumas características selecionadas para o nosso
estudo nesta disciplina, mas vocês poderão encontrar outras ao
longo de seus estudos no curso ou demais espaços de formação.

A seguir conheça as características selecionadas para este
momento:

Democratização – pela EaD há possibilidade de edu-


cação para todos, com redução ou eliminação das dificulda-
des de acesso a cursos. Representa a igualdade de oportunida-
des de formação, de modo especial para as pessoas que não
puderam frequentar a escola presencial em sua idade de es-
colarização. Esta característica pode ser encontrada ao lon-
go da história da EaD, e está presente até os dias de hoje.

36
Individualização - atenção singular a cada sujeito em seu
contexto de tempo e espaço de estudo.

Autonomia – é importante desenvolver a capacidade de


auto-organização, de autoprodução, a capacidade do estudan-
te de emancipar-se, de se tornar sujeito da aprendizagem. A
autonomia é a capacidade que precisamos desenvolver para or-
ganizar as nossas ideias, para fazer sínteses de pensamentos e
usar os conhecimentos em diferentes situações, tirando nos-
sas próprias conclusões. Segundo Moraes (2008), a EaD, se
bem planejada, pode se constituir em um instrumento útil de
formação do aprendiz e desenvolvimento de sua autonomia.

Dialogicidade – é a possibilidade de diálogo consigo mesmo,


com os colegas e professores, com os objetos de estudo, nos pro-
cessos de reflexão e produção. O diálogo é possível quando há com-
preensão do outro, dos significados que atribuímos ao que é discuti-
do, é a busca coletiva pelo entendimento de um objeto em estudo.

Socialização - estimula a colaboração, o desenvolvimento da


capacidade de participação de grupos, de gerar espaços sociais e
políticos em seu entorno.

Abertura – diversidade e amplitude na oferta de cursos. No


contexto histórico discutido anteriormente, percebemos esta ca-
racterística ao observarmos o quanto os cursos podem ser oferta-
dos de forma diferente, atingido a poucos ou muitos, com pequenas
ou grandes distâncias, dispersos geograficamente ou aglomerados.

Educação Permanente – a EaD é um caminho para a


aprendizagem ao longo da vida. É a oportunidade de ampliar-

37
mos continuadamente nossos conhecimentos, seja para a vida
profissional ou apenas para aprimoramentos na vida social e cul-
tural. Afinal, podemos participar de formação continuada a par-
tir de nosso tempo disponível, independente de estarmos próxi-
mos ou distantes geograficamente da instituição que a promove.

Flexibilidade – essa modalidade foi criada para atender es-


tudantes em diferentes necessidades, principalmente em relação
a tempo e local de estudo.

Construcionismo contextualizado – a proposta de EaD


precisa atender ao interesse dos alunos, sugerindo produções a
partir dos contextos que constituem a realidade destes. Um pro-
duto contextualizado, segundo Valente (1999), está vinculado
à realidade da pessoa ou do local onde é produzido e utilizado.

A partir destas características, podemos mencionar alguns


movimentos que caracterizam os processos de ensino e de apren-
dizagem nesta modalidade. Fazendo a leitura de textos de autores
como Nunes (1992) e Preti (2000), podemos destacar que na EaD:

Professores e alunos que podem ficar separados por uma dife-
rença temporal e espacial;

O aluno precisa aprender a fazer a gestão de seu tempo


de estudo, pois cabe a ele escolher os melhores horários e lo-
cais para estudar. É importante incluir neste processo de ges-
tão os horários de comunicação com colegas e professores;

Os alunos são em sua maioria adultos e dispersos geografica-

38
mente;

Os estudos são realizados pelo aluno, na maioria dos ca-


sos, de forma individual e flexível em termos de horários, pois
o aluno estuda no horário e local que lhe é mais conveniente;

Há necessidade de recursos tecnológicos para viabilizar a


interação entre professores e alunos (telefone, computadores
com acesso a internet, tecnologia de videoconferência, (...);

Há uma estrutura organizacional a serviço do educando:sis-


tema de informação e comunicação, secretaria, tutoria, equipe
de produção de material didático, campus central, polos de
apoio presencial, etc.;

A linguagem para comunicação é a escrita, mas a depender


do modelo de EaD outras linguagens são utilizadas, como a lin-
guagem sonora, de vídeo, etc., usando recursos como o telefone,
e-mail, ambientes virtuais de aprendizagem com fóruns, chats,
webconferência, audioconferências;

Os materiais didáticos usados são elaborados para o estudo


independente do professor, com linguagem clara, reflexões ao
longo do processo, atividades avaliativas e sugestão de estudos
complementares;

Há a possibilidade de comunicação simultânea com um gran-


de número de estudantes;

Os cursos são antecipadamente planejados, e os materiais são


produzidos com antecedência. Há uma espécie de pré-produção.
Esta pré-produção pode envolver a organização de materiais em

39
textos impressos, programas de rádio e televisão, vídeos, material
digitalizado e disponível em ambientes virtuais da internet, etc.;

A produção de materiais impressos é feita em grandes quan-


tidades, contando, na maioria das vezes, com grandes equipes de
trabalho para a criação e produção;

Existe a tendência a uma estrutura curricular flexível, em mó-


dulos, por exemplo, possibilitando uma maior adaptação aos inte-
resses de cada aluno.

Essas são algumas das características da EaD. Mas


há outras que você poderá perceber ao longo do cur-
so. O interessante é vivenciar e continuar estudando so-
bre esta modalidade para a caracterizarmos ainda mais.

E como caracterizar um pouco mais a EaD em ambientes


virtuais acessados pela internet? Este ambiente/espaço virtual de
aprendizagem é a possibilidade de estarmos juntos, mesmo dis-
tantes. Podemos estar juntos em uma sala de aula em um prédio,
como podemos estar juntos em uma “sala de aula virtual”. Para
estarmos juntos na sala de aula de um prédio, ao participarmos
de um curso temos de nos locomover de nossas casas ou local
de trabalho até o prédio, em um determinado horário; para es-
tarmos juntos em uma “sala de aula virtual” (fórum ou chat, por
exemplo), para participarmos de um curso, podemos permane-
cer em diferentes lugares, distantes ou não (poucos metros ou
milhões de quilômetros) e nos unirmos independente de horário.

Estas são duas maneiras de “estar junto”, e uma não anula
a outra. Nos dois casos podemos estar muito próximos ou muito

40
distantes do outro, em nossos pensamentos, ações e sentimentos.

O espaço virtual, disponível na internet, não é um es-
paço físico, mas é um espaço de encontro, um espaço que
comporta a entrada de muitas pessoas, que é democráti-
co ao possibilitar o acesso a todos, mesmo que ainda tenha-
mos problemas com a via tecnológica de acesso a ele, sen-
do limitada a poucos. O ambiente virtual é real, pois estamos
presentes nele, sentindo, aprendendo, comunicando... a par-
tir de uma via de acesso física: o teclado, o monitor, o mouse.

PARA REFLETIR
A partir do estudo realizado até aqui, você
pode fazer comparações entre as características da
EaD e as características da educação presencial, que
vivenciamos nas escolas. E, com essa comparação,
refletir sobre a importância de vivenciarmos proces-
sos de ensino e aprendizagem na modalidade de EaD.

41
3. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A EAD

No contexto histórico da EaD apresentado, conhecemos


concepções e políticas de EaD. Agora discutiremos questões rela-
cionadas diretamente à legislação brasileira para cursos nesta mo-
dalidade.

A EaD começou a existir legalmente no Brasil em 20
de dezembro de 1996, quando foi instituída pela LDB (Lei
no. 9.394). Anterior a esta data existiam várias ações em EaD,
como dito anteriormente. No entanto, a modalidade ain-
da não estava oficializada por uma lei. Com a LDB instituí-
da podiam ser oferecidos cursos em todos os níveis e moda-
lidades de ensino e de educação continuada, concedendo
certificação com o mesmo valor que do ensino presencial.

Abordando sobre a EaD, o artigo 80 da LDB prevê:

Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a


veiculação de programas de ensino a distância, em todos os
níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.
§1º A educação a distância, organizada com aber-
tura e regime especiais, será oferecida por insti-
tuições especificamente credenciadas pela União.
§2º A União regulamentará os requisitos para a realização de exa-
mes e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância.

§3º As normas para produção, controle e avaliação de progra-


mas de educação a distância e a autorização para sua imple-
mentação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, poden-
do haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas.
§4º A educação a distância gozará de tratamento diferenciado,
que incluirá:

42
I - custos de transmissão reduzidos em ca-
nais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
II - concessão de canais com finalidades exclusivamente edu-
cativas;
III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Po-
der Público, pelos concessionários de canais comerciais.


A partir deste artigo, em 1998, o Decreto no. 2.494 re-
gulamentou a LDB, detalhando mais os seus processos. Neste
decreto, apontam-se as formas de uma instituição se creden-
ciar para a oferta dos cursos, requisitos para fazer a matrícu-
la de alunos, transferências para o ensino presencial, a diplo-
mação e certificação dos alunos, a avaliação da aprendizagem
(ainda exigida presencialmente). Muitas das concepções pre-
sentes neste decreto estavam vinculadas a uma certa superio-
ridade da modalidade presencial, como a exemplo da avaliação.

Neste decreto, a Educação a Distância é compre-
endida como “uma forma de ensino que possibilita a auto-
aprendizagem com a mediação de recursos didáticos sis-
tematicamente organizados, apresentados em diferentes
suportes de informação, utilizados isoladamente ou combina-
dos, e veiculados através dos diversos meios de comunicação”.

Que características da EaD podemos identificar a
partir desta definição? Vamos refletir sobre essa questão...

Em 19 de dezembro de 2005, foi revogado o decre-
to de 1998, com a publicação do Decreto no. 5.622, que
em certos aspectos ampliou a compreensão da modalida-
de de EaD. Neste decreto, o conceito de EaD aparece como:

43
Modalidade educacional na qual a mediação didá-
tico-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem
ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informa-
ção e comunicação, com estudantes e professores desenvol-
vendo atividades educativos em lugares ou tempos diversos.

Esta é a legislação mais recente que trata da especificidade da


modalidade de EaD. Alguns pontos a destacar neste decreto são: a
obrigatoriedade de momentos presenciais para avaliações, estágios,

defesas e atividades em laboratórios; a necessidade de criação de
polos presenciais; que os resultados de avaliações presenciais devem
prevalecer sobre os demais resultados de avaliação, entre outros.

Outro registro importante da legislação brasileira sobre EaD


é o Decreto no. 5.800, de 8 de junho de 2006, que oficializa a UAB.

Você sabe o significado de UAB? É a Universidade Aberta do
Brasil, um projeto elaborado pelo Ministério de Educação e a As-
sociação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino, como
a Universidade Federal do Paraná, na qual você é hoje cursista.

A UAB faz parte do atual conjunto de políticas públicas
desenvolvidas pelo Governo Federal para a área de educação, vol-
tadas para a expansão da educação superior com qualidade e pro-
moção da inclusão social. O objetivo é proporcionar uma alter-
nativa para o atendimento às demandas reprimidas pela educação
superior, pois, segundo Mota (2007), no Brasil, apenas 11% dos
jovens entre 18 e 24 anos têm acesso a este nível de educação.

De maneira geral, a UAB tem por objetivo estabelecer


um amplo sistema nacional de educação superior a distância, am-
pliando o acesso à educação superior no Brasil, gratuitamente. O

44
Decreto no. 5.800, oficializa a UAB, destacando a articulação e in-
tegração de Instituições do ensino superior, municípios e estados,
visando a democratização, expansão e interiorização da oferta de
ensino público no país.

A UAB iniciou suas atividades em 2006, com um pro-
jeto piloto em 20 estados, com o curso de Administração em
parceria com empresas estatais, principalmente o Banco do
Brasil. Articulado ao projeto da UAB, existe o Programa Pró
-Licenciatura, o qual atendia, em 2007, em torno de 20 mil
estudantes em todo o Brasil, prioritariamente professores
em atividade da rede pública da educação básica, sem habilita-
ção, com a oferta de cursos de licenciatura em diferentes áreas.

A UAB articula experiências das instituições de ensi-


no superior, as quais, isoladamente, não teriam como atuar em
toda a abrangência do Brasil. A UAB nasceu com o objetivo de
expandir e levar até o interior dos estados a oferta de cursos e
programas de educação superior do país, oferecendo, priorita-
riamente, cursos de licenciatura e formação inicial e continuada
de professores da educação básica, como é o caso deste curso.

Além de cursos de licenciatura, também é objeti-


vo da UAB ofertar cursos superiores nas diferentes áre-
as do conhecimento, reduzindo as desigualdades de ofer-
ta de ensino superior entre as diferentes regiões do país.

45



SAIBA MAIS
Para saber mais sobre a legislação brasile-
ira da EaD, acesse o endereço do Ministério de
Educação (MEC): <http://portal.mec.gov.br/
seed> e opte pelo link “Regulamentação da EaD”.
Conheça também o texto completo do Decre-
to n. 5.800, que trata da UAB. Acesse o ende-
reço http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
A t o 2 0 0 4 - 2 0 0 6 / 2 0 0 6 /Dec reto /D5 8 0 0 .htm

46
47
REFERÊNCIAS

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Distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Bra-
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a dis-


tância. Referenciais de qualidade para cursos a distância. Dispo-
nível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/refe-
renciais.pdf>. Acesso em: 6 jan. 2009.

______. Decreto n. 5622, de 19 de dezembro de 2005. Regula-


menta o art.80 da Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/seed/legislação>. Acesso em
18 jan. 2009.

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co e situação atual. In: GIUSTA, Agnela da Silva; FRANCO, Iara
Melo (Orgs.). Educação a Distância: Uma articulação entre a teo-
ria e a prática. Belo Horizonte-MG: PUCMinas, 2003.

LANDIM, Cláudia Maria Mercês Paes Ferreira. Educação a Dis-


tância: algumas considerações. Rio de Janeiro: [s.n.], 1997.

48
MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a Distância:
Uma visão integrada. Tradução por Roberto Galman. São Paulo:
Thomson Learning, 2007.

MORAES, Maria Cândida. Educação à Distância e a ressignifi-


cação dos paradigmas educacionais: fundamentos teóricos e
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MORAN, José Manoel. Propostas de mudança nos cursos presen-


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SANCHEZ, Fabio (Org). Anuário Brasileiro Estatístico de Educa-


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VALENTE, José Armando. O computador na sociedade do co-


nhecimento. Campinas-SP: Unicamp/NIED, 1999.

50
ATIVIDADES

1. A partir do estudo do contexto histórico da EaD crie um qua-


dro com a síntese das etapas apresentadas no material, apontando:

a) Período Histórico
b) Tecnologias utilizadas
c) Papel do professor (Como orienta os alunos?)
d) Papel do aluno (Como o aluno estuda?)
e) Processo de Comunicação entre professores e alunos

Encaminhe-a para seu/sua tutor(a) em arquivo único, no seguinte


formato:

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES


ÉTNICO-RACIAIS - MEC/SECADI E CIPEAD/NEAB-UFPR

Nome:________________________________________________
Pólo:__________________ Turma:_______________________
Módulo:_______________ Atividade:_____________________
Descrição do texto:_______________________________________

2. A partir da leitura sobre a legislação brasileira de EaD, par-


ticipe de um fórum virtual com colegas, apresentando a(s) ca-
racterística(s) da EaD que mais se diferencia(m) das carac-
terísticas da educação presencial, justificando sua escolha.

51
52
Ohene aniwa
Ohene aniwa twa ho hyia

Os olhos do rei.
Os olhos do rei estão em todos os lugares.
Símbolo da vigilância, proteção, segurança e excelência.

PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO
DA LEI NO 10.639/2003 NOS
ESPAÇOS ESCOLARES
Tânia Aparecida Lopes 1


Este texto propõe às/aos educadoras/es participan-
tes do Curso de Especialização em Relações Étnico-Raciais
reflexões sobre a importância da implementação, nos espaços
escolares, de práticas pedagógicas com vistas a atender à Lei
no. 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da Histó-
ria e Cultura Afro-brasileira e Africana em todos os sistemas,
níveis e modalidades de ensino do Brasil. É, também, a par-
tir desta Lei que o Conselho Nacional de Educação, através
da Resolução no. 01/2004, instituiu as Diretrizes Curricula-
res Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

____________________
1
Mestra em Educação pela UFPR. Professora de História da rede estadual de
educação do Paraná. Coordenadora do IPAD Brasil – Instituto de Pesquisa da
Afrodescendência.

53
1. INTRODUÇÃO

Para além da História e da CulturaAfro-brasileira eAfricana,
a implementação da Lei no 10.639/2003 oportuniza-nos reflexões
e práticas acerca de uma Educação das Relações Étnico-Raciais, no
sentido de valorização das diferentes participações e contribuições
na construção social, política e cultural da sociedade brasileira.

Assim, para a efetiva aplicabilidade de tais práti-
cas que serão discutidas durante o nosso percurso e para
além do aprendizado e das reflexões sobre assuntos relacio-
nados à temática da Lei no 10.639/2003 dependerá a nos-
sa apreensão da importância, no que concerne a uma Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais no Brasil e o combate ao
racismo e a todas as formas de discriminação no espaço escolar.

54
2. A LEI No 10.639/2003 E REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS
PEDAGOGICAS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉT-
NICO-RACIAIS

Entendemos que em nossa sociedade os diferentes per-
tencimentos das/dos sujeitas/os2, sejam étnico-raciais, iden-
tidade de gênero, orientação sexual, religião, geracional, es-
tão intrínsecas às suas oportunidades de mobilidade social.
Também entendemos que os conhecimentos que dizem res-
peito às realidades das/dos diferentes sujeitas/os da nossa so-
ciedade foram e são pouco abordados nos conteúdos curri-
culares, como nos aponta Nilma Lino Gomes (2007, p. 25):

Há diversos conhecimentos produzidos pela humanidade que ainda


estão ausentes nos currículos e na formação [das professoras e] dos
professores, como por exemplo, o conhecimento produzido pela
comunidade negra ao longo da luta pela superação do racismo, o
conhecimento produzido pelas mulheres no processo de luta pela
igualdade de gênero, o conhecimento produzido pela juventude na
vivência da sua condição juvenil, entre outros. [...]


Ainda de acordo com Nilma Lino Gomes (2007), a partir
de reivindicações dos diferentes Movimentos Sociais esses conhe-
cimentos são apontados como fundamentais e como eixos centrais
na elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos e dos Planos de
trabalho Docente nas escolas de diferentes níveis e modalidades
de ensino:
­____________________
2
NOTA: Neste texto, utilizamos o adjetivo sujeita/o, na contramão dos
conceitos elaborados e explicitados nos dicionários, que fazem parte das coleções
expostas nas bibliotecas. Entendemos sujeitas/os todas/os aquelas e aqueles que
não se submetem e que estão à frente das transformações das sociedades, que
constroem a história da nossa sociedade. Também optamos por utilizar, sempre
que possível, adjetivos e substantivos no feminino e no masculino. Outra opção
teórica é de informar o nome completo das/dos autoras/res, pois entendemos que
a Identidade de Gênero tem um valor político diferenciado em nossa sociedade.

55
[...] Tais movimentos indagam a sociedade como um todo e, en-
quanto [sujeitas políticas e] sujeitos políticos, colocam em xe-
que a escola uniformizadora que tanto imperou em nosso siste-
ma de ensino. Questionam os currículos, imprimem mudanças
nos projetos pedagógicos, interferem na política educacional
e na elaboração de leis educacionais e diretrizes curriculares
(GOMES, 2007, p. 26).

Desta forma, acreditamos que para a implementação da Lei


n . 10.639/2003 seja de fundamental importância uma permanen-
o

te reflexão e apreensão em torno dessa temática, relacionando-a às


nossas práticas cotidianas, ao nosso convívio social de forma geral
e, nesse momento especificamente, às nossas relações no espaço es-
colar, no que diz respeito à Educação das Relações Étnico-Raciais.

56
3. CONHECENDO AS/OS SUJEITAS/OS NOS ESPAÇO ES-
COLAR

Acreditamos que o racismo ainda está entranhado nas re-


lações sociais, desiguais, entre as/os negras/os e brancas/os no
Brasil. Um racismo herdado desde o período colonial brasilei-
ro, que garantiu e legitimou a escravização de africanas/os, ba-
seados em supostas “justificativas” racistas, que hierarquizaram e
classificaram mulheres e homens brancas/os em superioras/es e
negras/os em inferiores. Possivelmente são estas “justificativas”
permeiam algumas práticas pedagógicas nos espaços escolares.

Em 2009, uma pesquisa realizada em várias escolas brasi-
leiras pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e
o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), na qual o objetivo proposto foi analisar situações
de discriminação no ambiente escolar, “de forma a subsidiar a for-
mulação de políticas e estratégias de ação que promovam a redu-
ção das desigualdades em termos de resultados educacionais, o
respeito e a própria educação para a diversidade”, nos explicita
que 94,2% das pessoas entrevistadas têm algum tipo de precon-
ceito e/ou discriminação quanto ao pertencimento étnico-racial.


SAIBA MAIS
Acesse o endereço eletrônico:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diversidade_
apresentacao.pdf .
Nele você encontrará a síntese dos principais
resultados da pesquisa intitulada Pesquisa sobre Preconceito
e Discriminação no Ambiente Escolar.

57
Assim, propomos como parte das nossas discussões sobre
Educação das Relações Étnico-Raciais uma atividade simples e re-
flexiva (que poderá ser articulada com a equipe multidisciplinar da
sua escola), de acordo com a realidade de cada escola, a fim de nos
conhecermos melhor. Esta atividade seria uma possível articulação
de discussões sobre as relações étnico-raciais no Brasil, no Paraná,
a partir das/os sujeitas/os do espaço escolar (representantes de to-
dos os segmentos: educadoras/es, educandas/os, mães, pais e co-
letivos, como Grêmio Estudantil, Conselho Escolar, APMF, entre
outros). Alguns questionamentos podem ser feitos em torno das
experiências de vida de cada uma/um no tocante às impressões,
às apreensões e quanto às nossas práticas e relações entre brancas/
os e negras/os, para que possamos melhor compreender a impor-
tância da implementação da Lei n. 10639/2003 no espaço escolar:
Neste e momento pri-
Quantas/os negras/os fizeram ou fazem vilegiamos as popu-
lações brancas/os e
parte do nosso convívio social, em relação negras/os, pois são os
à brancas/os e pessoas de outras raça-et- grupos que represen-
tam o maior número da
nia? Por que estavam ou estão presentes, ou população brasileira,
não, nos espaços do nosso convívio social? e que deveriam estar
na mesma proporção
das pessoas que fazem
Quais foram as nossas experiências parte dos diferentes
espaços do nosso con-
com namoradas/os, esposas/os, médicas/ vívio social. Nada nos
os, educadoras/es, amigas/os, colegas e impediria de também
problematizar as con-
chefes de trabalho de outras raça-etnia? tribuições de outras
populações, como, por
exemplo, os diferentes
Quantas/os educadoras/es, educan- povos indígenas.
das/os, negras/os, brancas/os e de outras
raça-etnia fazem parte da nossa comuni-
dade escolar?

58
Como se deu a chegada de nossas/os antepassadas/os ao Bra-
sil? Quais foram as ações de políticas públicas que possibilitaram
a permanência deles no Brasil?

Compreendemos que tal discussão, devidamente
contextualizada sobre a possível existência (ou não) de su-
jeitas/os negras/os e brancas/os nos diferentes espaços
do nosso convívio social, e especialmente no espaço esco-
lar, poderá servir, primeiramente, como um momento de
socialização dos depoimentos das diferentes experiências vi-
venciadas. Isso possibilitará um maior entendimento e conhe-
cimento quanto as nossas existências e/ou permanência como
sujeitas/os históricas/os em determinado espaço geográfico.

O diálogo poderá ser uma forma de compreender-
mos as nossas maiores ou limitadas possibilidades de mobi-
lidade social – como pessoas negras e brancas –, pois enten-
demos, por exemplo, que as possibilidades que a população
branca teve e tem para a sua inserção e mobilidade social não
foram e não são as mesmas proporcionadas à população negra.

Esta atividade pode nos levar a alguns conflitos quan-
to às nossas experiências, o que não é demérito nenhum. Pelo
contrário, representa um grande crescimento, pois é partir dos
conflitos que buscamos outras respostas e, por que não dizer,
outras verdades quanto às nossas diferentes histórias de vida.

59
4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DIANTE DAS RELAÇÔES ÉT-
NICO-RACIAIS

Diante da diversidade que compõe os grupos dos quais fa-


zemos
parte (como um coletivo de cursistas, por exemplo), é
possível afirmar que tivemos diferentes processos educativos e di-
ferentes aprendizados nos diversos espaços sociais de nossa exis-
tência, sejam aprendizados em nossos ambientes familiares ou na
nossa formação acadêmica.
Segundo a Lei de Dire- E, a partir desses aprendizados, constru-
trizes e Bases (LDB) no. ímos as nossas verdades, muitas vezes
9.394/96, Art. 1º - “A
educação abrange os verdades “absolutas”, algumas delas pos-
processos formativos
que se desenvolvem na sivelmente carregadas de preconceitos e
vida familiar, na convi- de práticas discriminatórias.
vência humana, no tra-
balho, nas instituições
de ensino e pesquisa,
nos movimentos so- No entanto, o espaço escolar é múlti-
ciais e organizações da plo e representa um local privilegia-
sociedade civil e nas
manifestações cultu- do para interações e para aprendiza-
rais. Também enten-
demos por processos dos entre as diferenças. A escola é o
educativos, outras pos- espaço onde se encontram diferentes
síveis formas de ensino
e aprendizagem, ou crianças, adolescentes e adultas/os e é
seja, não apenas a esco- um local onde podem acontecer dife-
la”. (Ver mais em: Ri-
cardo Vieira. Processo rentes conflitos, reforçados diante de
educativo e contextos
culturais: notas para possíveis outras diferenças, sejam elas
uma antropologia da culturais, geracionais, de classe, das
educação. Disponível
em: <http://revis- sexualidades, dos pertencimentos étnico
taseletronicas.pucrs.
br/ojs/index.php/ -raciais, das religiosidades, entre outras.
faced/article/viewFi-
le/490/359>)
E quanto às nossas práticas pedagógicas
diante da Lei n 10.639/2003 e de uma Educação das Relações
o.

Étnico-Raciais?

60
Nós não chegamos às escolas “caídas/os de um paraquedas”,
prontas/os para discutir e entender as diversas situações com as

quais nos deparamos no espaço escolar e que dizem respeito às/aos

diferentes pertencimentos das/os sujeitas/os que lá encontramos.

Nossos conflitos começam diante das nossas práticas,


na escolha dos conteúdos, supostamente necessários confor-
me os nossos processos de formação e os conhecimentos das/
os nossas/os educandas/os e as diferentes realidades no espa-
ço escolar, a partir da fala e práticas dessas/es diferentes sujei-
tas/os e seus pertencimentos. Assim, devemos nos questionar:

De que forma são representadas/os as/os sujeitas/


os negras/os, nas imagens utilizadas no espaço escolar?

E as produções culturais, as produções intelectuais, tecnológi-


cas, produzidas por nossas/os antepassadas/os negras/os, de que
forma são abordadas nos conteúdos escolhidos como importante?

Qual o lugar que os temas oriundos da Lei no. 10.639/2003


têm nos Projetos Políticos Pedagógicos? Como eixo central
que orientará as práticas escolares ou como “modismo”, te-
mas “exóticos”, lembrados em algumas datas pontuais do ca-
lendário escolar, como o dia “13 de Maio” e “20 de novembro”?

Será que os conteúdos são propostos de uma forma que to-


das/os as/os educandas/os descendentes de negras/os te-
nham sua autoestima elevada e orgulho da sua ascendência?

Não é a nossa pretensão responsabilizar a escola por todas
as práticas racistas e discriminatórias do espaço escolar. No entan-
to, seria ingênuo da nossa parte não identificá-la como reprodu-

61
tora dessas práticas.

PARA REFLETIR

Para Henrique Cunha Jr., “[as] os estudantes
afrodescendentes não gostam de falar sobre o escravis-
mo criminoso em sala de aula. Ficam envergonhados
[as] e acanhados [as], trata-se de um assunto indigesto.
As razões desta aversão são muito simples: o assunto é
sempre tratado de forma inadequada e preenchido de
preconceitos e racismo que inferiorizam a população
negra [...]”
Fonte: CUNHA JR., H. Os negros não se deixaram
escravizar. Disponível em: <www.espacoacademico.
com.br/069/69cunhajr.htm>

No cotidiano das nossas práticas



O artigo As con- escolares, possivelmente naturalizamos
tradições expressas algumas falas preconceituosas que foram
nos discursos sobre
inclusão/exclusão, fundamentadas/os pelas nossas verdades
de Débora Cristi- adquiridas nos nossos diferentes proces-
na de Araújo, apre-
senta uma análise sos de aprendizados. Por exemplo, ainda
do racismo discur- é comum na sala das/dos professoras/es
sivo presente em
comentários e no- ouvirmos piadas de negras/os e achar-
menclaturas do co- mos engraçado, chamarmos o bolo de
tidiano, como a uti-
lização da expressão chocolate de “nega maluca” e, quando
“nega maluca”. estamos em uma situação difícil de solu-
(Texto disponí- cionarmos, com a maior “naturalidade”,
vel em: < http:// falarmos que a “situação está preta”. Não
w w w. e d u c a d o -
res.diaadia.pr.gov. nos damos conta, muitas vezes, que re-
br/arquivos/ produzimos e legitimamos essas práticas
File/2010/artigos_
teses/Pedagogia2/ racistas e discriminatórias e, ao não ser-
acontrad_discur- mos capazes de questionarmos essa natu-
sos_inclusao.pdf >)
ralização, legitimamos a violência

62
que é exercida contra a identidade da população ne-
gra e de suas/seus descendentes no espaço escolar, e ain-
da afirmamos que a escola trata a todas/os de forma igual.

Talvez, ao refletirmos sobre as questões e situações pro-


postas até o momento nesse texto, possamos organizar e elabo-
rar práticas pedagógicas, com o conjunto da comunidade escolar,
que possam atender o previsto na Lei n. 10.639/2003 e que nos
orientará para uma Educação das Relações Étnico-Raciais em que
todas/os se sintam inseridas/os e respeitadas/os.

63
REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacio-


nais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 2004. Disponí-
vel em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.
pdf>. Acesso em: 21/11/2010.

_____. Presidência da República. Lei n. 10.639 de 9 de janei-


ro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras pro-
vidências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/
LEIS/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 20/11/2010.

______. Conselho Nacional de Educação, Conselho Pleno. Re-


solução n. 1 de 17 de junho de2004. Institui Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais em
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
res012004.pdf>. Acesso em: 21/11/2010.

______. Ministério da Educação, Fundação Instituto de Pesquisas


Econômicas e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio-
nais Anísio Teixeira. Pesquisa sobre Preconceito e Discriminação
no Ambiente Escolar. Disponível em: <http://portal.mec.gov.
br/dmdocuments/diversidade_apresentacao.pdf>. Acesso em:
04/01/2011.

64
GOMES, Nilma Lino. Diversidade e Currículo. In: BEAUCHAMP,
Jeanete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribei-
ro do (Orgs.). Indagações sobre currículo: diversidade e currícu-
lo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Bási-
ca, 2007. 48p. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/
arquivos/pdf/Ensfund/indag4.pdf>. Acesso em: 21/11/2010.

VIEIRA, Ricardo. Processo educativo e contextos culturais: no-


tas para uma antropologia da educação. Disponível em: <http://
revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view-
File/490/359>. Acesso em: 04/01/2011.

65
ATIVIDADES

1. Tendo em vista a sua realidade e as suas experiências como es-


tudante ou profissional da educação, comente (em até 20 linhas)
sobre as possíveis diferenças percebidas nas suas relações com as/
os diferentes sujeitas/os (negras/os, brancas/os, indígenas) no
espaço escolar.

Envie esta atividade em arquivo único, no seguinte formato:

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES


ÉTNICO-RACIAIS - MEC/SECADI E CIPEAD/NEAB-UFPR

Nome:________________________________________________
Pólo:__________________ Turma:_______________________
Módulo:_______________ Atividade:_____________________
Descrição do texto:_______________________________________

66
2. Todas as nossas interações no espaço escolar e demais espaços
de convivência em nossa sociedade devem ser pensadas em prá-
ticas que visam o combate a todas as formas de preconceito e
discriminação, sejam de ordem étnico-racial, sexual, social, entre
outras, e que reflitam em nossas relações. Os materiais didáticos
presentes no espaço escolar podem refletir práticas de combate
ou de reforço de tais formas de preconceito e discriminação. As-
sim, comente sobre como a população negra está representada
nos livros didáticos, nos cartazes e em outros trabalhos visuais da
escola onde trabalha.

Poste sua reflexão nesse fórum e aproveite para interagir com


colegas.

67
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
TEXTOS:

GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. Revista Brasilei-


ra de Educação, n. 23, maio/jun./jul./ago. 2003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a05.pdf>

PRAXEDES, Walter Lúcio. A questão racial e a superação do eu-


rocentrismo na educação escolar. Revista Espaço Acadêmico, n.
89, ano 8, out. 2008. Disponível em: <http://www.espacoaca-
demico.com.br/089/89praxedes.htm>

VÍDEOS:

Dia-a-Dia Educação Especial – Consciência Negra.TV Paulo Frei-


re. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=O6n-
j4NFbgj0

MANIFESTO Porta na Cara. Flagrante na agência bancária.


Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=LQee_
J0K4BY>

Curta-metragem Vista minha pele:


Parte 01-03 - http://www.youtube.com/watch?v=fNssyjM3_
Y8&list=PLE9E69CF777D69E2F
Parte 02-03 - http://www.youtube.com/watch?v=h_5MpJS-
6cKg&list=PLE9E69CF777D69E2F
Parte 03-03 - http://www.youtube.com/watch?v=anBESp9o_
G4&list=PLE9E69CF777D69E2F

68
69
Akofena kunim ko a, wobo afena kye no safohene Espadas
cerimoniais de Estado
O grande general que se aposenta sempre tem uma
espada real do descanso. Reconhecimento da galanteria.Símbolo
da autoridade, legitimidade, legalidade do Estado e das façanhas
heroicas

A POLÍTICA EDUCACIONAL
DE EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS:
AS ALTERAÇÕES NA LDB POR
MEIO DAS LEIS No. 10.639/2003
E No. 11.645/2008Luiz Carlos Paixão da Rocha 1
2
Débora Oyayomi Cristina de Araujo


Este breve texto tem como objetivo estabelecer algu-
mas considerações e relações sobre a inclusão dos conteúdos
relacionados à história e à cultura afro-brasileira, no âmbito
curricular, nos estabelecimentos de ensino do Brasil. Inclusão,
esta, a ser considerada no campo das lutas sociais pela supera-
ção do modelo atual de organização social, produtora de de-
sigualdades raciais, sociais e de outras formas de atrocidades
à vida e ao ser humano. Ou seja, essa reivindicação particular
deve ser entendida dentro do interior das lutas dos movimentos
sociais pela ampliação do espaço das políticas sociais dentro do
Estado brasileiro. Além disso, neste texto também são apresen-
tadas considerações sobre a conjuntura da aprovação da Lei no.
11.645/2008, que acrescenta a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Indígena.

____________________
1
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professor de língua
portuguesa da rede estadual do Paraná.
2
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professora de língua
portuguesa da rede estadual do Paraná.

70
1. A LEI No. 10.639/2003

No dia 09 de janeiro de 2003, o Presidente da República,
Luís Inácio Lula da Silva, e o então Ministro da Educação, Cristo-
vam Buarque, assinaram a Lei no. 10.639/03, que, ao alterar
dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei no. 9.394/96 – LDB), tornou obrigatório o ensino da temáti-
ca História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de en-
sino fundamental e médio das redes pública e particular do país.
Lei n. 10.639/2003.
As reações à nova legislação foram Disponível em:
<http://www.planal-
diversas. Por um lado, setores da educa- to.gov.br/ccivil_03/
ção brasileira questionavam a necessidade leis/2003/l10.639.
htm>
de tal medida, por outro, educadores e re- Resolução no.
presentantes do movimento social negro a 01/2004-CNE. Dis-
entendiam como um avanço no campo da ponível em:
< http://portal.mec.
política educacional brasileira. Os críticos gov.br/cne/arquivos/
à nova lei argumentavam que esta era, ao pdf/res012004.pdf>
mesmo tempo, desnecessária e autoritária. Diretrizes Nacionais
para a Educação das
Relações Étnico-Ra-
Desnecessária, pelo fato dos con- ciais e para o Ensino
de História e Cultura
teúdos já estarem previstos na LDB (Lei Afro-brasileira e Afri-
de Diretrizes e Bases da Educação Na- cana.
Disponível
cional) e autoritária por ferir a autono- em: http://portal.
mia curricular dos estados brasileiros. mec.gov.br/dmdocu-
ments/cnecp_003.pdf

Estes argumentos podem ser identificados, no longo ar-


tigo intitulado O Brasil precisa de Lei para ensinar a história
do negro?, publicado na edição do jornal Folha de São Paulo,
de 28 de janeiro, dias após a assinatura da Lei. Nele, o jorna-
lista Antônio Góis apresenta as principais críticas de especialis-

71
tas ligados à educação à Lei n. 10.639/03. Entre esses, Ulisses
Panisset (2003), ex-presidente da Câmara de Educação Bási-
ca do Conselho Nacional de Educação, que afirma que além
de ser autoritária, a Lei age contra a autonomia da escola:

Essas medidas se tornam artificiais quando são determinadas


de cima para baixo. A LDB deixou os currículos mais flexíveis
e deu mais liberdade para as escolas. A liberdade de ensinar,
que consta da Lei, é baseada num artigo da Constituição. No
momento em que você começa a determinar muita coisa, acaba
transformando o currículo numa camisa de força em que tudo é
o governo que diz que tem que ser ensinado (PANISSET, 2003).

Guiomar Namo de Mello (2003), também conselheira do


CNE, concorda com Panisset e destaca a preocupação com o en-
gessamento do currículo:

Temos uma mentalidade de achar que currículo escolar se faz


por legislação. Basta escrever uma lei e ela será aplicada. Cur-
rículo é assunto pedagógico. Se não for assim, vira uma árvo-
re de natal. Cada um quer pendurar o que acha importante e
sugere o ensino de arte, sociologia ou filosofia, mas ninguém
lembra de pensar num currículo harmônico (MELLO, 2003).

Em que pese às considerações O artigo de


Sales Augusto dos San-
desses educadores, estes desconsideram tos apresenta um pa-
um elemento central da análise das polí- norama da relação da
Lei no. 10.639/2003
ticas educacionais: ignoram o movimen- e o movimento ne-
to histórico e político dos movimentos gro. Conheça o tex-
to na íntegra: SAN-
sociais. A reivindicação do movimento TOS, S. A. A Lei no.
social negro e de educadores compro- 10.639/03 como fru-
to da luta anti-racista
metidos com a luta antirracista pela al- do Movimento Negro.
teração da abordagem dada ao negro no
In: BRASIL. Ministério
currículo e, consequentemente, pela in- da Educação. Secreta-

72
ria de Educação Con- clusão dos conteúdos de história e cultura
tinuada, Alfabetização
e Diversidade. Educa- afro-brasileira no âmbito escolar, vem de
ção anti-racista: cami- longa data.
nhos abertos pela Lei
Federal n. 10.639/03.
Brasília: MEC / Secre- Sem a ingenuidade de colocar na es-
taria da Educação Con- cola toda a responsabilidade da superação do
tinuada, Alfabetização
e Diversidade, 2005, racismo, os defensores da nova le-
p. 21-39 (Coleção gislação entendem que este é um es-
Educação para Todos).
paço privilegiado de intervenção.
Disponível em:
<http://portal.mec.
gov.br/secad/arqui- Ao omitir conteúdos em relação à
vos/pdf/anti_ra- história do país, relacionados à população
cista.pdf >. Acesso
em: 14/01/2014. negra, ao omitir contribuições do continen-
te africano para o desenvolvimento da hu-
manidade e ao reforçar determinados estereótipos, a escola contri-
bui fortemente para o reforço de construções ideológicas racistas.

Ainda hoje, o negro é apresentado em muitos ban-
cos escolares como o “objeto escravo”, sem passado, passi-
vo, inferiorizado, desconfigurado, desprovido de cultura,
saberes e conhecimentos. É como se o negro não tivesse par-
ticipado de outras relações sociais que não fossem a escravi-
dão. A resistência dos negros à escravidão parece não existir.
As contribuições e as tecnologias trazidas pelos ne-
gros para o país são omitidas. Aliás, o cultivo da cana-de-açú-
car, do algodão, a mineração, a tecnologia do ferro eram ori-
ginárias de onde? Do continente Europeu? O continente
africano é apresentado como um continente primitivo, menos
civilizado. As pirâmides do Egito foram construídas por euro-
peus oupor africanos? Essas lacunas (CHAUÍ, 1980), evidente-
mente, contribuíram para a constituição da ideologia de do-

73
minação racial e do mito de inferioridade da população negra.

SAIBA MAIS
Henrique Cunha Jr., no texto O ensino de His-
tória Africana, apresenta dados importantes que des-
mistificam os equívocos sobre a imagem do continen-
te africano como local primitivo. Veja o que ele afirma
sobre a escrita:
“Sobre a África costuma-se dizer que é um continente
oral, sem entendermos o que representa esta oralida-
de como método de transmissão do conhecimento na
África. A oralidade não é a ausência da escrita. A escri-
ta faz parte das culturas africanas desde as civilizações
egípcias. Pelo menos são quatro os Alfabetos desenvol-
vidos no conjunto das civilizações africanas, em áre-
as diversas do continente. Ademais, anterior a 1500
a África processou uma imensa utilização do Árabe
como língua comercial e cultural, dado pela expansão
do Islamismo em 2/3 do continente a partir dos anos
600, sendo comum a existência de documentos em
Árabe para a história africana. As escritas em Árabe
chegam ao Brasil, onde os escravizados participantes
da revolta dos males, em 1831, escrevem panfletos e
se comunicam em Árabe.
É necessário mais cuidado nas comparações entre a
história africana e a européia. Faz-se necessário maior
informação sobre uma e outra para escaparmos das
idealizações e reduções impostas pelos processos de
dominação racistas. Nesta informação a Europa apa-
rece como fonte do saber e a África como fonte de
ignorância.”
(Texto disponível em: <http://www.historianet.
com.br/conteudo/default.aspx?codigo=499>)

74
Além do mais, a ausência dos conteúdos, numa perspec-
tiva crítica, relacionados à história do negro africano e brasileiro,
faz com que a educação escolar traga uma visão míope da vida
brasileira. Segundo o professor Henrique Cunha, não é possí-
vel conhecer a História do Brasil sem o conhecimento da histó-
ria e da origem dos povos que deram início à nação brasileira.

O argumento principal para o ensino da História Africana está


no fato da impossibilidade de uma boa compreensão da história
brasileira sem o conhecimento das histórias dos atores africanos,
indígenas e europeus. As relações trabalho-capital realizadas no
escravismo brasileiro são antes de tudo, relações entre africanos
e europeus.A exclusão da História Africana é uma dentre as várias
demonstrações do racismo brasileiro (CUNHA JR., 1997, p. 67).

75
2.INTERVENÇÃO DO MOVIMENTO SOCIAL NEGRO

É de longa data a reivindicação do movimento social negro


pela inclusão da História da África e da Cultura Afro-Brasileira no
currículo das escolas brasileiras. Exemplo disso é a realização do I
Fórum sobre o Ensino da História das Civilizações Africanas nas Es-
colas Públicas,em 1991,na Universidade Estadual do Rio de Janeiro:

É antiga a preocupação dos movimentos negros com a integra-


ção dos assuntos africanos e afro-brasileiros ao currículo esco-
lar. Talvez a mais contundente das razões esteja nas consequên-
cias psicológicas para a criança afro-brasileira de um processo
pedagógico que não reflete a sua face e de sua família, com sua
história e cultura própria, impedindo-a de se identificar com o
processo educativo. Erroneamente seus antepassados são retra-
tados apenas como escravos que nada contribuíram ao processo
histórico e civilizatório, universal do ser humano. Essa distor-
ção resulta em complexos de inferioridade da criança negra,
minando o desempenho e o desenvolvimento de sua persona-
lidade criativa e capacidade de reflexão, contribuindo sensi-
velmente para os altos índices de evasão e repetência (NASCI-
MENTO, 1993, p. 11).

A preocupação do movimento social negro com a educação


teve reflexos nas suas reivindicações efetuadas junto às estruturas
do Estado. Destacam-se aqui algumas ações do movimento no últi-
mo período. Na década de 80, por ocasião do processo constituinte,
várias atividades e debates foram realizados pelas organizações ne-
gras. Um dos focos centrais de atuação do movimento social negro
foi o da educação. O objetivo era o de incluir no capítulo da edu-
cação da nova constituição ações visando ao combate do racismo.

76

SAIBA MAIS
Em 1977, no 2º Festival Mundial de Artes e
Culturas Negras e Africanas, em Lagos – Nigéria, im-
pedido de apresentar seus estudos que denunciavam o
que chamou de “Genocídio do negro brasileiro”, Ab-
dia do Nascimento (2002) conseguiu, por meio do re-
latório do Grupo IV do Colóquio, informar a todos os
países participantes do evento sobre as desigualdades
raciais da época. Na explanação, com base em dados
históricos, estatísticos e sociológicos, Nascimento já
apresentava propostas relevantes em relação à educa-
ção básica brasileira:
Que o Governo Brasileiro, no espírito de
preservar e ampliar a consciência histórica
dos descendentes africanos da população
do Brasil tome as seguintes medidas:
- permita e promova livre pesquisa e aberta
discussão das relações raciais entre negros e
brancos em todos os níveis: econômico, so-
cial, religioso, político, cultural e artístico;
- promova ensino compulsório da História
e da Cultura da África e dos africanos na di-
áspora em todos os níveis culturais da edu-
cação: elementar, secundária e superior.
Que os governos dos países onde exista sig-
nificativa população de descendência afri-
cana incluam nos currículos educativos de
todos os níveis (elementar, secundário e
superior) cursos compulsórios que inclu-
am História Africana, Swahili, e História
dos Povos Africanos na Diáspora. (NASCI-
MENTO, 2002, p. 68-69).

77
Neste sentido, segundo Rodrigues (2004), foram acatados
dois artigos dentro da Subcomissão dos Negros, Populações In-
dígenas, Pessoas Deficientes e Minorias da Assembléia Nacional
Constituinte:

Art.4ºA Educação dará ênfase à igualdade dos sexos,à luta


contra o racismo e a todas as formas de discriminação, afirmando
as características multiculturais e pluriétnicas do povo brasileiro.

Art. 5º O ensino de “História das Popula-


ções Negras do Brasil” será obrigatório em todos os ní-
veis da educação brasileira, na forma que a lei dispuser.


Ao ser apresentada à Comissão geral da Ordem Social e
à Comissão de Sistematização, a proposta ganhou outra redação:

Art. 85 O poder público reformulará, em todos os


níveis, o ensino da história do Brasil, com o objetivo de con-
templar com igualdade a contribuição das diferentes etnias
para a formação multicultural e pluriétnica do povo brasileiro.

No entanto, com argumentação de que o artigo deveria


ser regulamentado em legislação específica, a redação final ficou
desta maneira:

Art. 242 O ensino de história do Brasil levará em con-
ta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a for-
mação do povo brasileiro.

78
A reivindicação pela inclusão dos
A Marcha Zumbi dos
conteúdos de história e cultura afro-bra- Palmares - contra o ra-
sileira continuou presente na interven- cismo, pela cidadania
ção dos segmentos comprometidos com e a vida foi organizada
com êxito pelo Mo-
a luta antiracista. Em 20 de dezembro de vimento Negro, em
1995, por ocasião da realização da Marcha 1995, para ser um mar-
co em homenagem aos
Zumbi dos Palmares, um dos marcos da 300 anos da morte de
atuação do movimento social negro, em Zumbi dos Palmares,
documento entregue ao governo federal, o líder maior, mais du-
radouro e mais famoso
“Programa de superação do racismo e da símbolo da luta da po-
desigualdade racial”, a temática da edu- pulação negra no Bra-
sil contra o regime es-
cação é destacada. O movimento reivin- cravocrata. . Por meio
dica alterações nos currículos escolares. dele, a Republica Qui-
lombo dos Palmares,
resistiu por um século,
na Serra da Barriga,
no estado de Alagoas.
Conheça mais sobre a
Marcha em: http://
www.leiagonzalez.org.
be/material/Marcha_
Zumbi_1995_divulga-
caoUNEGRO-RS.pdf

Refletindo os valores da sociedade, a escola se afigura


como espaço privilegiado de aprendizado do racismo, especial-
mente devido ao conteúdo eurocêntrico do currículo escolar,
aos programas educativos, aos manuais escolares e ao compor-
tamento diferenciado do professorado diante de crianças negras
e brancas. A reiteração de abordagens e estereótipos que desva-
lorizam o povo negro e supervalorizam o branco resulta na na-
turalização e conservação de uma ordem baseada numa suposta
superioridade biológica, que atribui a negros e brancos papéis e
destinos diferentes. Num país cujos donos do poder descendem
de escravizadores, a influência nefasta da escola se traduz não
apenas na legitimação da situação de inferioridade dos negros,
como também na permanente recriação e justificação de atitu-
des e comportamentos racistas. De outro lado, a inculcação de
imagens estereotipadas induz a criança negra a inibir suas po-
tencialidades, limitar suas aspirações profissionais e humanas
e bloquear o pleno desenvolvimento de sua identidade racial.

79
Cristaliza-se uma imagem mental padronizada que diminui,
exclui, sub-representa e estigmatiza o povo negro, impedin-
do a valoração positiva da diversidade étnico-racial, bloquean-
do o surgimento de um espírito de respeito mútuo entre ne-
gros e brancos e comprometendo a idéia de universalidade da
cidadania (MARCHA ZUMBI DOS PALMARES, 1995).&


Em 1996, durante o debate sobre a nova LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a então Senado-
ra Benedita da Silva, representando o movimento social ne-
gro, traz de volta a proposta de alteração curricular, apre-
sentada no processo constituinte. Sendo assim, o Parágrafo
4° do Artigo 26 da nova LDB ficou com a seguinte redação:

Art. 26
§ 4º O ensino de história do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e
europeia.


No entanto, a proposta do movimento social ne-
gro só veio a ser atendida, em grande parte, em 09 de ja-
neiro de 2003, com a assinatura da Lei no. 10.639/03, oriun-
da do Projeto de Lei n. 259, apresentado em 1999 pela
deputada Esther Grossi e pelo deputado Benhur Ferreira.


A nova legislação acrescentou dois artigos à Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no. 9.394/96):

80
Art.26-A – Nos estabelecimentos de ensino fundamental e mé-
dio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre
História e Cultura Afro-brasileira.

Parágrafo Primeiro – O conteúdo programático a que se refere


o caput deste artigo incluirá o estudo da África e dos Africanos,
a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro
na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição
do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinen-
tes à História do Brasil.

Parágrafo segundo – Os conteúdos referentes à História e Cul-


tura Afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo currí-
culo escolar, em especial, nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e Histórias Brasileiras.

Art. 79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro


como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

81
3. IDEOLOGIA DE DOMINAÇÃO RACIAL

A Lei no. 10.639/03 pode constituir-se como uma fer-


ramenta importante para o combate ao racismo e, consequen-
temente, para a superação do quadro de desigualdades raciais
e sociais presente na sociedade brasileira. Infelizmente, para a
grande maioria dos envolvidos no processo de educação escolar,
a relação entre raça/racismo e educação passa despercebida. Esta
parece ser invisível aos olhos dos brancos, amarelos, índios e dos
próprios negros. Perpassa pelos bancos escolares uma névoa ide-
ológica, “quase imperceptível” de sustentação à crença de infe-
rioridade do grupo negro e de naturalização das desigualdades.
Para tanto, a Lei no. 10.639/03 deve atuar no sentido de desvelar
construções ideológicas que deram suporte à efetivação do qua-
dro de exclusão social da população negra no país, como a da in-
ferioridade do negro e a do mito da democracia racial brasileira.

Para compreender a situação da população negra no país


e estabelecer ações para transformá-la, é preciso compreender
e superar essa “névoa ideológica” produzida pelas relações de
dominação no Brasil. Os colonizadores e, em seguida, a recém
elite capitalista brasileira utilizaram-se de uma série de ideias
para justificar a escravidão de africanos, bem como manter os
negros à margem das novas relações sociais oriundas com o tra-
balho livre. No primeiro momento, é constituído um conjunto
de ideias no campo da ciência, do Estado e da religião, a fim de
justificar a escravidão e facilitar a administração dos escravos.
Esse conjunto de ideias, aqui denominado “Ideologia de Domi-
nação Racial”, construiu uma imagem do negro irreal, porém,
hegemônica para os dominantes da época. Assim, os negros e
indígenas eram considerados seres inferiores e não civilizados.

82
No campo da ciência difundiram-se estudos que propaga-
vam a inferioridade dos negros e a superioridade dos brancos. Um
deles, o “Ensaio sobre as Desigualdades das Raças Humanas”, do
Conde de Gobineau (1854), que ganhou certa notoriedade no Bra-
sil, afirmava “quanto mais diluído o sangue branco/ariano maior
a decadência!”. Desta forma, as raças menos humanas precisariam
estar a serviço dos projetos de sociedade das raças superiores.

A legitimidade para a escravidão também foi justifica-


da por uma interpretação bíblica feita pela igreja. Por esta, os
africanos seriam um povo amaldiçoado, descendente de Cam,
filho de Noé, que teria cometido um pecado grave ao espiar o
pai nu. Para além da justificativa, durante a escravidão, religio-
sos se aprofundam em sermões e publicações sobre métodos de
administração dos escravos. Em 1700, é publicado o livro do
padre Jorge Benci, “Economia Cristã dos Senhores no Governo
dos Escravos”, que tinha como objetivo ensinar aos senhores de
escravos como ampliar os ganhos, através de uma boa adminis-
tração de seus escravos. Benci (1977, p. 50) propõe uma verda-
deira pedagogia para a dominação do escravo: “Haja acoites, haja
correntes e grilhões, tudo ao seu tempo e com regra e modera-
ção devida e vereis como em breve tempo fica domada a rebeldia
dos servos. Porque as prisões e açoites, mais de qualquer outro
gênero de castigos, lhes abatem o orgulho e quebram os brios”.

Outro elemento que corroborou com a difusão do mito
da inferioridade do negro foi a campanha oficial para o embran-
quecimento da população brasileira, realizada pelo governo
brasileiro e por intelectuais da época. Acreditavam estes que o
país só progrediria se a sua população ficasse mais branca. As-
sim, o Estado brasileiro investiu pesadamente em programas
de imigração de europeus. “A albumina branca depura o mas-

83
cavo nacional...” O lema da campanha fala por si só.

PARA REFLETIR

Nas últimas décadas, diversas das reivindica-
ções do movimento social negro têm suscitado deba-
tes polêmicos sobre as políticas afirmativas, sobretu-
do a Lei de Cotas, que institui, por tempo provisório,
reserva de vagas em concursos públicos e vestibulares
para pessoas afrodescentendes. Ao se conhecer a his-
tória da imigração europeia no Brasil e os subsídios
recebidos, é possível afirmar que as primeiras políticas
afirmativas instituídas no país foram para a população
imigrante da Europa?

Aliado ao mito da inferioridade do negro, ocupa terreno na


sociedade brasileira, o mito da democracia racial. A elite brasileira
por séculos tentou esconder ou minimizar os efeitos da escravidão
e da inserção no capitalismo brasileiro para a população negra,
transformando, assim, o quadro de exclusão do negro em algo na-
tural.As desigualdades raciais são assim naturalizadas e justificadas.

Para o êxito da constituição do O artigo De-
mocracia Racial, de
mito da democracia racial foi neces- Antonio Sérgio Alfredo
sário apagar a história da resistência Guimarães, apresenta
considerações relevan-
dos negros à escravidão, bem como tes sobre o que se con-
a presença do grupo étnico negro no cebeu como o “mito
da democracia racial”.
país. Para tanto, o Estado brasileiro, Conheça o artigo na
em 1890, determina a queima dos do- íntegra em: < http://
www.fflch.usp.br/so-
cumentos relacionados à escravidão ciologia/asag/Demo-
e omite dos recenseamentos a com- cracia%20racial.pdf>
posição étnico-racial da população.
O quesito cor aparece no Censo de

84
1950. É omitido no censo de 1900, 1920, 1960 e 1970.

Retorna em 1980 por reivindicação do movimento social
negro. A ideia de que no país não há racismo e da convivência
harmoniosa dos grupos étnico/raciais aqui viventes ganhou no-
toriedade em vários países do mundo. Tanto que, a própria Unes-
co, nos anos 50, financiou no país pesquisas de intelectuais como

Florestan Fernandes, Roger Bastide e Oracy Nogueira, sobre as
relações raciais no Brasil, a fim de desvendar a democracia ra-
cial brasileira. Felizmente as pesquisas demonstraram que esta
era apenas mais um mito estruturante da realidade brasileira.

A consciência da desigualdade racial começa a ganhar um


pouco mais de espaço no conjunto da sociedade recentemente, a
partir das denúncias efetuadas pelo movimento social negro e, es-
pecialmente, pela divulgação de vários estudos e pesquisas sobre
as desigualdades raciais no país. Uma boa parte destas incentivadas
pelo clima da realização da Conferência Mundial da ONU (Orga-
nização das Nações Unidas) contra o Racismo, a Discriminação, a
Xenofobia e a Intolerância ocorrida em Durban, na África do Sul,
de 31 de agosto a 7 de setembro de 2001. No entanto, estas cons-
truções ideológicas, estes mecanismos ideológicos de dominação,
continuam presentes, ainda hoje, nas escolas, no livro didático, na
formação do professor e do aluno, na consciência social do país.

85
4 O CONTEXTO DA LEI NO. 11.645/2008

No dia 10 de março de 2008 foi sancionada a Lei no.


11.645, que tem a seguinte redação:
LEI Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008.

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modifi-


cada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabe-
lece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que


o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 26-A da Lei n0 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental
e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigató-
rio o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este arti-
go incluirá diversos aspectos da história e da cultura que
caracterizam a formação da população brasileira, a partir
desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da histó-
ria da África e dos africanos, a luta dos negros e dos po-
vos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena bra-
sileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas so-
cial, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasi-


leira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no
âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
educação artística e de literatura e história brasileiras.” (NR)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Fernando Haddad

86
Inicialmente, por falta de informações mais consisten-
tes, surgiram interpretações equivocadas sobre essa Lei: uma
delas dizia respeito à exclusão, no calendário escolar, do Dia
Nacional da Consciência Negra. Na verdade, o que se obser-
va da Lei no. 11.645/2008 é que ela acrescenta ao invés de su-
primir ou omitir qualquer conteúdo da Lei no. 10.63/2009.

Ao propor a alteração da LDB no Art. 26-A não houve


qualquer prejuízo ao Art. 79-B, cuja redação expressa que o “ca-
lendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Na-
cional da Consciência Negra’”. O entendimento por parte dos
sistemas educacionais em geral tem sido de que, ao se instituir
uma lei que torna obrigatório o ensino de História e cultura afro
-brasileira e indígena, ampliam-se as possibilidades de promoção
de uma educação que contempla matrizes civilizatórias da for-
mação cultural, social e étnico-racial dos brasileiros e brasileiras.
O próprio Plano Nacional de Im-
plementação das Diretrizes Curriculares Na- Você pode aces-
sar esse documento
cionais para a Educação das Relações Ét- na íntegra pelo link:
nico-Raciais e para o ensino de História e <http://www.portal-
cultura afro-brasileira e africana, uma pro- daigualdade.gov.br/
dução resultante do diálogo com diversas arquivosleiafrica.pdf >
instituições públicas e civis, considera que
[...] os preceitos enunciados na nova legislação trouxeram para
o Ministério da Educação o desafio de constituir em parceria
com os sistemas de ensino, para todos os níveis e modalida-
des, uma Educação para as Relações Étnico-raciais, orientada
para a divulgação e produção de conhecimentos, bem como
atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à
pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de
negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos
direitos legais e valorização de identidade, na busca da conso-
lidação da democracia brasileira. Por este motivo, a compre-
ensão trazida pela Lei no. 11.645/2008, sempre que possível,
está expressa neste Plano Nacional (BRASIL, s/d, p. 10-11).

87
De acordo com nossas pesquisas, características que desta-
cam a atuação do movimento negro em prol da aprovação da Lei
no.10.639/2003 não se fizeram presentes no contexto de apro-
vação da Lei no. 11.645/2008. Foi por meio do PL (Projeto de
Lei) n. 433/2003 que, cinco anos após (2008), a deputada Mari-
ângela Duarte – SP conseguiu aprovar a sua proposta de alteração
da LDB. Segundo a deputada, a redação da Lei no. 10.639/2003
apresentava uma “lacuna” ao não contemplar a presença dos povos
indígenas:
A sociedade saudou, recentemente, a sanção presidencial à lei
que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-bra-
sileira, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficial e particular.

Referida lei foi criticada, no entanto, pela comunidade indí-


gena, que não foi contemplada com a previsão de disciplinas
para os alunos conhecerem a realidade indígena do País (PL
433/2003).

Levando-se em conta a pertinência de tais críticas, a Lei
n . 11.645/2008 cumpre uma importante função e contribui
o

para uma proposta de educação mais equitativa no que se refe-


re à representação das matrizes civilizatórias. Contudo, é pos-
sível verificar que equívocos desencadearam problemas de or-
dem conceitual. Trata-se da redação da Lei nO. 11.645/2008
que apresenta reflexões muito vagas e até mesmo estereotipadas
sobre a cultura e História indígena e afro-brasileira. Observe:
§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo inclui-
rá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam
a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos
étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africa-
nos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura
negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas
social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

88
É possível notar que a definição de povos indígenas (centenas de-
les) está sendo expressa no texto como representantes de uma
única etnia, ao lado da outra “etnia”, os afro-brasileiros.

Do ponto de vista dos estudos sobre populações ne-
gras no Brasil, há divergências quanto ao uso do termo “et-
nia” para designar afro-brasileiros, já que, dentre outros argu-
mentos, não há o estabelecimento de relações desiguais entre
“etnias” no mercado de trabalho, na mídia, etc. A discussão sobre a
etnicidade negra acismo científico do século XIX e que foi responsável
por “justificar” as diferenças entre brancos e negros. Assim, é tendência
de muitos pesquisadores e pesquisadoras utilizar a expressão “étnico
-racial”. Sobre as populações indígenas, torna-se inviável, do ponto de
vista do reconhecimento e valorização cultu- O livro O Índio
ral e histórica, a conceituação de que os índios Brasileiro: o que
você precisa saber
compõem no país apenas uma etnia, consi- sobre os povos in-
derando que esse termo, etimologicamente, dígenas no Brasil
de hoje, de Gerson
designa “mistura de raças com a mesma cul- dos Santos Luciano,
tura” (DIC MICHAELS ESCOLAR, 2008). apresenta informa-
ções importantes
sobre a História e
cultura indígena.
Embora críticas tenham sido
manifestadas por estudiosos tanto da Acesse o texto na
História e cultura indígena quanto afro íntegra em:
http://unesdoc.
-brasileira, não se verifica, no contex- unesco.org/ima- ges0015/
to da sanção desta lei, nenhuma produ-
ção teórica que evidencie tal contexto.

Não exploraremos nesse texto, portanto, tais críticas,


sob o risco de apresentarmos informações não comprovadas.
Em suma, a nossa compreensão é de que, embora não tenham as
mesmas características da construção histórica pela qual passou
a educação brasileira até a sanção da Lei no. 10.639/2003, ao se

89
instituir uma lei que destaca a necessidade de conhecimentos mais
consistentes sobre a história e a cultura dos povos indígenas no
país, estamos diante de um grande passo dado rumo a uma socie-
dade que está construindo possibilidades mais inclusivas de ensino
e de educação. Em outras palavras, ampliam-se as condições de es-
truturação de uma efetiva Educação das Relações Étnico-Raciais,

[...] orientada para a divulgação e produção de conhecimentos,


bem como atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos
quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de in-
teragir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos,
respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca
da consolidação da democracia brasileira. (BRASIL, s/d, p. 11).

90
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei no. 10639/03 trouxe a obrigatoriedade do ensino


da História da África e da Cultura Afro-Brasileira nos estabele-
cimentos de ensino. Apesar dos seus limites, a mesma poderá
se constituir em um mecanismo importante para a constituição
de novas relações raciais e sociais na sociedade brasileira. Da
mesma forma, a Lei no. 11.645/2008 atua de modo a ampliar
o que se concebe como Educação das Relações Étnico-Raciais.

Neste sentido, parece ser fundamental uma opção me-
todológica no processo de implementação da nova legislação.
Mais do que valorizar o negro, a Lei no. 10.639/03 deve atu-
ar no sentido de desconstruir mecanismos ideológicos que dão
sustentabilidade aos mitos da inferioridade do negro e da demo-
cracia racial. Da mesma maneira, a Lei no. 11.645/2008 deve
desconstruir a compreensão generalizada sobre os povos indí-
genas no Brasil e fortalecer os movimentos organizados em de-
fesa dos direitos a território e livre exercício da cultura indíge-
na. Esse entendimento parece ser fundamental para o êxito da
nova legislação, na perspectiva da transformação das estruturas
de produção das desigualdades sociais e étnico-raciais do país.

Os conteúdos relacionados à cultura e à História da
África e dos afro-brasileiros e indígenas poderão atuar no
sentido de contrapor as ideias que fundamentaram a ideo-
logia de dominação racial. Assim, as Leis no. 10.639/2003
e no. 11.645/2008 podem constituir-se como instrumen-
tos de luta contra-ideológica, pois “o silêncio, ao ser fala-
do, destrói o discurso que o silenciava” (CHAUÍ, 2001, p. 25).

91
É mister, ressaltar que até o momento, apesar de algumas
iniciativas do Governo Federal e de alguns Estados, a nova le-
gislação configura-se mais como uma ferramenta de atuação dos
movimentos sociais do que uma realidade concreta no interior
das escolas. Muito ainda precisa ser feito. Para tanto, é funda-
mental que a sociedade organizada e os movimentos sociais ne-
gro e indígena cobrem do Estado espaços, mecanismos e es-
truturas para o acompanhamento da implementação das duas
Leisnas redes de educação pública e privada. Entre outras medi-
das, o poder público precisa urgentemente fazer investimentos
na formação de educadores; renovar as bibliotecas das escolas;
acompanhar a produção de livros e matérias didáticos; rever e
incluir novos conteúdos nos cursos de formação de professores.

Deste modo, a implementação efetiva da nova legislação


poderá trazer contribuições para a superação do quadro de desi-
gualdades raciais e sociais no Brasil. É evidente, porém, que esta su-
peração não depende apenas da educação escolar. No entanto, não
há como negar que esta se configura como um espaço privilegiado
para a desconstrução de mecanismos ideológicos que deram sus-
tentabilidade ao projeto de sociedade da elite dominante brasileira.

Além disso, e acima de tudo, não podemos esquecer
que a implementação da Educação das Relações Étnico-Ra-
ciais trata-se, nada mais nada menos, de evidenciar e dar o des-
taque necessário ao cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional e, acima de tudo, da própria Constitui-
ção Federal, que prevê uma organização social que contempla
e valoriza as diferenças de origem e a equidade de direitos.

92
93
REFERÊNCIAS

BENCI, Jorge. Economia cristã dos senhores no governo dos es-


cravos. São Paulo: Grijalbo, 1977.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Re-


solução nº 1 de 17 de junho de 2004. Institui Diretrizes Curri-
culares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
res012004.pdf>. Acesso em: 05/10/2009.

BRASIL. Lei nO. 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nO.


9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultu-
ra Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm
>. Acesso em: 23/06/2009.

______. Lei nO. 11.645 de 10 de março de 2008. Altera a Lei


n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nO.
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e ba-
ses da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede
de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro
-Brasileira e Indígena”. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm>.
Acesso em: 23/06/2009.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Edu-


cação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

94
Afro-Brasileira e Africana, 2004. Disponível em: <http://por-
tal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf> . Acesso em:
04/03/2010.

______. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Cur-


riculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana. Se-
cretaria de Especial Políticas Públicas de Promoção da Igualdade
Racial. s/d.

______. Projeto de Lei nO. 433/2003. Altera a Lei nO. 9.394, de


20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nO. 10.639, de 09
de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educa-
ção nacional, para incluir, no currículo oficial da Rede de Ensino,
a obrigatoriedade da temática “Hístória e Cultura Afro-Brasileira
e Indígena”. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/
integras/118507.pdf>. Acesso em: 03/11/2010.

CHAUÍ, Marilena de Sousa. Ideologia e educação. Revista Educa-


ção e Sociedade, ano 2, n. 5, São Paulo, 1980.

CUNHA Jr., Henrique Cunha. Educação popular afro-brasileira.


In: LIMA, I.; ROMÃO, J. (Org.). Série Pensamento Negro em
Educação, n. 5, Santa Catarina, Editora Núcleo de Estudos Ne-
gros (NEN), 1997.

GOBINEAU, Arthur de. Essai sur l’inégalité des races humaines.


5. ed. Paris: Librairie de Paris, 1854. v. 2.

MARCHA ZUMBI DOS PALMARES. Programa de superação do


racismo e da desigualdade racial, 1995. Disponível em: <http://
www.pt.org.br/racismo>. Acesso em: out. 2005.

95
NAMO DE MELLO, Guiomar. O Brasil precisa de Lei para ensi-
nar a história do negro?
Folha de São Paulo, 28 jan. 2003.

NASCIMENTO, Abdias do. O Brasil na mira do pan-africanismo.


Segunda edição das obras O genocídio do negro brasileiro e Sitia-
do em Lagos. Salvador: EDUFBA: CEAO, 2002.

NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). A África na escola brasileira.


Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1993.

PANISSET, Ulisses. O Brasil precisa de Lei para ensinar a história


do negro? Folha de São
Paulo, 28 jan. 2003.

RODRIGUES, Tatiane Cosentino. Movimento negro, raça e polí-


tica educacional. Anped, 2004.

96
ATIVIDADES

1. No fórum de atividades, responda: Na sua experiên-


cia acadêmica, você teve acesso a conhecimentos sistemáti-
cos sobre a cultura e história africana e indígena para além
dos conceitos de primitivismo, tribalismo ou desigualdades
econômicas e sociais? Em que medida a formação que obte-
ve tem influenciado na representação que você construiu acer-
ca do continente africano e dos povos indígenas no Brasil?
Poste sua reflexão e discuta com, pelo menos, dois colegas.

2. Acesse o link: http://migre.me/hqNbu . Nele, você


pode baixar o livro Superando o racismo na escola, orga-
nizado por Kabengele Munanga. Leia o artigo Aprendiza-
gem e ensino das africanidades brasileiras, de Petronilha Bea-
triz Goncalves e Silva, em que a autora apresenta conteúdos,
sob a perspectiva da Lei no. 10.639/2003, para serem desen-
volvidos em diversas disciplinas ou áreas do conhecimento.
A partir dessa leitura, produza uma atividade que
pode ser aplicada em uma das disciplinas ou áre-
as do conhecimento apresentados pela autora.
Envie-a em arquivo único, no seguinte formato:

97
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS - MEC/SECADI E CIPEAD/NEAB-UFPR

Nome:________________________________________________
Pólo:__________________ Turma:_______________________
Módulo:_______________ Atividade:_____________________
Descrição do texto:_______________________________________

Proposta da atividade
Série/ano:______________________________________________
Disciplina/área do conhecimento:___________________________
Descrever a proposta

3. Acesse o site da revista África e Africanidades (http://www.


africaeafricanidades.com.br/) e identifique textos que podem
subsidiar seu trabalho docente na implementação da Educação das
Relações Étnico-Raciais.

Poste no fórum e indique o link do texto que lhe interessou.

98
SUGESTÃO DE LEITURA
TEXTOS

PORTAL DO MEC. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e


Diversidade (SECAD). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=290&Itemid=816> . Acesso
em: 01/02/2011.

ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Educação das Relações Étnico-Ra-


ciais: pensando os referenciais para a organização da prática pedagógica. Belo
Horizonte: Mazza Edições, 2007.

SILVA JR., Hédio. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas
sociais. Brasília: Unesco, 2002. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.
org/images/0012/001297/129721por.pdf >. Acesso em: 01/02/2011.

99
100
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
MEC - Ministério da Educação / SECADI - Secretaria de
Educação Básica Alfabetização, Diversidade e Inclusão/ CIPEAD -
Coordenação de Políticas de Integração de Educação a Distância / NEAB
- Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Paraná

ABERTURA DO MÓDULO II

Caro/a Cursista

Uma pesquisa acadêmica deve atender a cuidados e crité-


rios de rigor científico, para que possa contribuir para a reflexão,
o aprofundamento e a discussão do tema que aborda. Assim, neste
módulo, o principal objetivo é trazer, a você estudante, subsídios
para a construção de seu trabalho de conclusão de curso (TCC),
bem como auxiliá-lo na leitura e compreensão de textos, arti-
gos e livros com os quais lidará neste período, e posteriormente.

As Unidades deste material foram selecionadas de acor-
do com o perfil e demandas de estudantes que passaram por
este curso em sua versão presencial, sendo que muitos de-
les não desenvolveram monografias ou TCCs em sua gradu-
ação, ou estão afastados de leituras e produções mais acadê-
micas a algum tempo, ou ainda, têm muitas dúvidas, mesmo
básicas, sobre leitura e escrita acadêmica e a produção do TCC.

101
Desta forma, embora não haja a pretensão de esgo-
tar os assuntos aqui abordados, pretende-se trazer elementos
importantes, mesmo que aparentemente simples, para uma
produção acadêmica significativa sobre Educação para as Re-
lações Étnico-Raciais - campo em construção e que demanda
estudos consistentes para sua consolidação e fortalecimento.

As Unidades aqui apresentadas constituem uma base intro-
dutória para o tema Pesquisa educacional. Muitas referências são
utilizadas e atividades sugeridas como parte inerente do processo de
ensino e aprendizagem aqui proposto. O intuito é que este texto di-
dático sirva como roteiro básico para a condução dos estudos sobre
o tema, e as sugestões e bibliografias mencionadas são fundamentais
para o aprofundamento da compreensão das questões abordadas.

Para um melhor aproveitamento, procure desenvolver
o hábito de anotar suas reflexões, percepções e dúvidas, mes-
mo aquelas que pareçam simples. Isso facilita a pesquisa pos-
terior para esclarecimento, bem como podem ser retomadas
nas oportunidades de diálogo com o professor e com o tutor.

Não esqueça: todo este processo será tão mais provei-
toso quanto maior for seu empenho, comprometimento e pre-
paro para e durante as aulas, leituras e atividades; além de
pensar, refletir criticamente e questionar o que leu e ouviu.
A aprendizagem e a formação profissional (inicial e continu-
ada) envolvem seu interesse e participação ativa, a fim de-
senvolver e aprimorar uma atitude crítica e consciente de
sua própria formação.
Bons estudos!
Profa. Dra. Nadia G. Gonçalves
DTPEN/PPGE – UFPR

102
METODOLOGIA DA PESQUISA
EDUCACIONAL

MÓDULO II
Ao final deste Módulo você deverá:

Contextualizar a pesquisa educacional no Brasil.

Discutir aspectos básicos que permeiam os debates sobre a



produção científica (objeto, método, referencial teórico-metodo-

lógico, entre outros).

Apresentar elementos importantes para a leitura e a escrita


acadêmica.

Discutir elementos que devem compor um projeto e um rela-


tório de pesquisa e os cuidados que devem permear esse processo.

103
1. PLANO DE ENSINO

1.1 MÓDULO

Metodologia da Pesquisa Educacional

1.2 CARGA HORÁRIA

60 horas

1.3 EMENTA

Produção de conhecimento em Ciências Humanas e Educa-


ção. Fundamentos teórico-metodológicos das pesquisas em Educa-
ção. Processo e etapas da pesquisa. Elementos de projetos e relató-
rios de pesquisa. Normas para apresentação do trabalho científico.

1.4 OBJETIVOS

1.4.1 Objetivo Geral



Discutir o processo de produção de co-
nhecimento em Educação e os elementos teóri-
co-metodológicos e operacionais para sua construção.

1. 4.2 Objetivos Específicos

Contextualizar a pesquisa educacional no Brasil.

Discutir aspectos básicos que permeiam os debates sobre a


produção científica (objeto, método, referencial teórico-metodo-
lógico, entre outros).

104
Apresentar elementos importantes para a leitura e a escrita
acadêmica.

Discutir elementos que devem compor um projeto e um rela-


tório de pesquisa e os cuidados que devem permear esse processo.

1.5 PROGRAMA

As Unidades que constituem este livro são necessaria-
mente articuladas e visam subsidiar uma formação crítica e
fundamentada acerca da produção de pesquisa educacional.

Unidade 1 – Pesquisa educacional: contextualização
Unidade 2 – Teoria e prática
Unidade 3 – Teorias e métodos
Unidade 4 – Pesquisa acadêmica: cuidados iniciais
Unidade 5 – A pesquisa: projeto, desenvolvimento e rela-
tório

1.6 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

Cada Unidade aqui proposta visa subsi-


diar e promover reflexões a respeito da constru-
ção de uma pesquisa acadêmica, no campo da Educação.

O pressuposto metodológico é de que cada pessoa
já traz ideias a respeito do tema, construídas a partir de sua
própria vivência e trajetória. Dessa forma, busca-se promo-
ver a problematização de algumas dessas certezas e a inser-
ção de novos elementos que permitam a reflexão crítica e os
subsídios fundamentados a respeito da pesquisa acadêmica.

105
A partir desse encaminhamento, cada um poderá ques-
tionar, desenvolver e elaborar melhor e mais conscientemen-
te sua ação e sua própria pesquisa, a ser consolidada no TCC.

No decorrer de cada Unidade é proposta ao me-
nos uma atividade relacionada ao tema central. As refe-
rências utilizadas na construção do texto são considera-
das sugestões para pesquisa e aprofundamento do tema.

1.7 AVALIAÇÃO

Atividades presenciais com 75% de frequência (aula na UFPR).

Atividades e exercícios sobre os textos e materiais de apoio.

Leituras complementares indicadas.

Projeto de TCC como trabalho final do módulo.

106
107
Pempamsie
Pempamsie see bebirebe aho oden ne koroye

A unidade é a força. Esteja preparado. Fique atento.


Simbolo da prontidão, da persistência, resistência, bravura e coragem.

METODOLOGIA DA PESQUISA
EDUCACIONAL
Nádia G. Gonçalves1

1.PESQUISA EDUCACIONAL: CONTEXTUALIZAÇÃO

Nesta Unidade, o objetivo é apresentar rapidamente a tra-


jetória da pesquisa em Educação no Brasil, evidenciando principais
dilemas e desafios. Em seguida, busca-se esclarecer algumas espe-
cificidades da pesquisa acadêmica necessárias como pressuposto
metodológico para o desenvolvimento posterior do seu TCC.

1.1 PESQUISA EDUCACIONAL NO BRASIL: BREVE BA-


LANÇO

Provavelmente, o primeiro trabalho que avalia a produção


do conhecimento no campo educacional no Brasil é o de Gouveia
(1971), no qual a autora aborda as condições institucionais em que
as pesquisas vinham sendo realizadas até então, como a negligência
que sofriam nos orçamentos das universidades e o papel secundá-
rio que desempenhavam na carreira do professor universitário.
____________________
1
Possui doutorado em Educação na área: Estado, Sociedade e Educação (2003) pela
Universidade de São Paulo. Atualmente é professora adjunta da Universidade Fede-
ral do Paraná, docente do Departamento de Teoria e Prática de Ensino, atuando nas
disciplinas de Metodologia e Prática de Ensino e Estágio Supervisionado de História
(cursos de Pedagogia e de História). É docente do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFPR, da Linha de História e Historiografia da Educação, orientadora
de Mestrado e Doutorado, e Coordenadora do Centro de Documentação e Pesquisa
em História da Educação - CDPHE.

108

É essa autora que também indica a necessidade de
ser realizado um balanço detalhado e sistemático da pro-
dução educacional no país, com vistas a “evitar a multipli-
cação de estudos redundantes” (1974, p. 497), e ressal-
ta que muitos dos trabalhos publicados “não se referem a
pesquisas propriamente ditas” (1976, p.77), dada sua fragilidade:

[...] o predomínio de certa corrente [de pensamento] durante


determinado período, com prejuízo do apoio que se poderia
dispensar a outros tipos de orientação, bem como a substitui-
ção, em tempo relativamente curto, de uma orientação por
outra, pode prejudicar o desenvolvimento da pesquisa em dois
sentidos: primeiro, não se chega a colher os frutos de uma tra-
dição de trabalho suficientemente amadurecida; em segundo
lugar, não se criam as condições necessárias para a realização
de projetos interdisciplinares. (GOUVEIA, 1971, p. 4-5).


A fragmentação das pesquisas também é detectada por
Mello (1983), que discute dois problemas históricos e indis-
sociáveis, a pobreza teórica e a inconsequência metodológi-
ca : “o que falta é um modelo teórico consistente, explicitado
e assumido enquanto tal” (p. 69), do que decorre a inconsequ-
ência metodológica2 identificada. Esse panorama, ao mesmo
tempo em que é ilustrado por pesquisas descritivas, contribui
para pesquisas imediatistas e superficiais, que pouco avançam
no conhecimento da área, como indicava Gouveia (1971):
[...] a pressa em obter resultados para pronta utilização pode
levar a estudos superficiais, [...] mas que, por não chegarem
aos mecanismos básicos de causação dos fenômenos, pou-
co ou nada oferecem em termos de explicação. [...] (p. 5)
Os estudos, em geral, são exploratórios e descritivos. Alguns
não passam de simples levantamentos de dados [...]. Percebe-
____________________
2
De certa forma, todos os trabalhos abordados neste tópico mencionam estas ques-
tões, mas este é o primeiro a enunciá-los tão claramente.

109
se que o equipamento de análise é, em geral, limitado. (p. 9)
Os projetos [...] originam-se, freqüentemente, da pre-
ocupação com problemas ‘práticos’. Necessariamen-
te complexos, tais problemas são, em sua inteireza, con-
vertidos em tópicos de pesquisa que, vagamente, levam
diretamente à coleta de dados, sem maiores preocupações
com a operacionalização de conceitos [...]. Disso resultam
projetos demasiadamente ambiciosos que jamais se concluem,
ou que produzem relatórios com alguns dados e muitas es-
peculações, ou muitos dados e poucas generalizações. (p. 9)

Tais problemas estão presentes na análise de Pedro Go-
ergen (1986), que percebe como avanço a tendência à pesquisa
empírica voltada para a compreensão da realidade educacional no
nível interno, mas vê como dificuldades asubdivisão em dois gran-
des blocos: a pesquisa teórica e a pesquisa empírica, que se opõem
mutuamente; a pulverização, o isolamento e a descontinuidade das
pesquisas; a falta de divulgação; e a persistência de modismos – ape-
sar de verificar o início do debate crítico sobre a apropriação de re-
ferenciais teóricos. Em decorrência desse balanço, Goergen indica
que um dos grandes desafios da área é a “integração entre a teoria
que parte do conhecimento empírico e o conhecimento empírico
que procura a explicação maior através da teoria” (1986, p.13).

Estas preocupações são compartilhadas por José Má-


rio Pires Azanha (1992), que destaca, entre outros, o praticis-
mo, tendência que enfatiza as questões práticas, e que levou à
rarefação de esforços teóricos que pudessem “tornar interes-
sante a investigação educacional empírica. Paradoxalmente,
parece que o efeito do ‘praticismo’ é a penúria de resultados
práticos” (p. 21); e o abstracionismo, que não pode ser confun-
dido com pesquisa teórica, se caracteriza pela tentativa de des-
crever ou explicar situações educacionais reais “desconside-
rando as determinações específicas de sua concretude” (p. 42).

110
Mais recentemente, Alves-Mazzotti (2001) discute a “Re-
levância e aplicabilidade da pesquisa em educação”, a partir da
deficiência teórico-metodológica e de elementos que devem
ser mais valorizados e incorporados à produção da área, como
a teorização e a transferibilidade do conhecimento, a objetivida-
de e a revalorização do rigor científico. Entende-se que a bus-
ca pela relevância e pelo maior rigor das pesquisas é uma meta
política, tendo em vista a responsabilidade que se deve assumir
enquanto pesquisador e as possibilidades de contribuição que a
pesquisa realizada sob essa perspectiva pode trazer para a com-
preensão da realidade e para as tomadas de decisão na área.

Sobre a questão da objetividade e da revalorização do ri-
gor científico, cabe um esclarecimento. No Brasil, até meados
dos anos de 1980, foram predominantes os estudos quantitativos
no campo educacional. Estes eram associados a uma abordagem
positivista de ciência, em relação à objetividade e à neutralidade
entendidas como desejáveis e ao tipo de dado considerado legíti-
mo para a produção do conhecimento naquele momento. Quan-
do começa a ser divulgada a possibilidade de pesquisas qualita-
tivas para o estudo de questões que os dados quantitativos não
permitiam compreender, houve um movimento de repúdio a
quaisquer características relacionadas à perspectiva anterior. Um
extremo que fragilizou imensamente o reconhecimento cientí-
fico de investigações qualitativas no Brasil, nos anos de 1980 e
mesmo de 1990, porque muitos pesquisadores recusavam-se a
explicitar seu referencial teórico-metodológico, a realizar um
planejamento de sua pesquisa, ou ainda a estabelecer certo dis-
tanciamento do objeto pesquisado. Tais atitudes eram justificadas
como inerentes à pesquisa qualitativa. Aos poucos, aqueles que a
defendiam perceberam essa distorção, e o debate sobre a objeti-
vidade e o rigor na produção de pesquisas qualitativas recome-

111
çou, desta vez abordando parâmetros para esse tipo de estudo.

André (2001), além de discutir os rumos da pesquisa no


Brasil a partir dos anos de 1980, desenvolve o trabalho a partir
das seguintes questões: “a. O que caracteriza um trabalho cien-
tífico? Qual a relação entre conhecimentos científicos e outros
tipos de conhecimento? [...] b. Como julgar o que é uma boa
pesquisa? Quem define esses critérios? [...] c. Que procedimen-
tos devem ser seguidos para manter o rigor na coleta e análise
dos dados?” (p. 55). A autora também problematiza as condições
reais de produção do conhecimento nos programas de pós-gradu-
ação do país e defende que a proposta e o debate de critérios de
rigor e qualidade para avaliação das pesquisas da área educacio-
nal, enquanto tarefa coletiva e séria, é algo necessário e urgente.

Com base nos questionamentos apresentados por estes


autores, acerca da trajetória da pesquisa educacional no Brasil,
pode-se destacar os seguintes problemas principais identificados
como permanências:

Fragilidade teórico-metodológica.

Pulverização e irrelevância dos temas.

Adoção acrítica de modismos nos quadros teórico-metodoló-


gicos.

Preocupação com aplicabilidade imediata dos resultados.

Divulgação restrita dos resultados e pouco impacto sobre as


práticas e políticas da área3 .

112
Parece haver consenso quanto às razões para a exis-
tência e para a permanência destes problemas no campo edu-
cacional: o início da trajetória da pesquisa em Educação no
Brasil estar em órgãos governamentais e a maneira como foi
transferida essa responsabilidade para instituições de ensi-
no superior; o modelo de pós-graduação estabelecido no Bra-
sil, ao longo das últimas décadas do século XX, que favoreceu
o aligeiramento das pesquisas; e uma deficiente formação de
pesquisadores, tanto na graduação como na pós-graduação4 .

Todos os elementos envolvidos se inter-relacionam, e
de certa forma se reforçam mutuamente. Aos fatores exter-
nos, devem ser acrescidas as especificidades da área de Educa-
ção como campo de conhecimento, que, apesar dos problemas,
vem construindo legitimidade e reconhecimento em decorrên-
cia de esforços e do interesse de muitos em discutir os desafios
– a maioria deles, cabe lembrar, não exclusivos da Educação5.

Azanha (1992) ressalta que apesar da constatação dessas de-


ficiências, deve-se reconhecer que o esforço desenvolvido até então
não pode ser invalidado, e que não há como afirmar que não tenha
algum valor, sob “o risco de cometer um erro lógico e histórico” (p.
16), considerando-se que pode ter ao menos levado ao debate, à crí-
tica, e contribuído para a constituição do campo de conhecimento.

Finalmente, em especial nas últimas três décadas, ob-
serva-se a constituição e fortalecimento de grupos de pesquisa
na área, e a atuação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Educação (ANPEd)6 como elemento agregador
­____________________
3
No aspecto histórico de constituição do campo, sugere-se a leitura de Ferreira
(2009).
4
Sobre esta discussão, ver, principalmente, Goergen (1986), Brandão (1986) e War-
de (1990).

113
da produção de conhecimento em Educação no Brasil. Ao mes-
mo tempo em que esses esforços contribuem para a superação
de alguns dos problemas identificados, também os evidenciam7.

Nos tópicos que seguem, alguns esclarecimentos para a


superação de deficiências identificadas na produção da pesquisa
educacional são apresentados, uma vez que, embora insistente-
mente lembradas, nem sempre os trabalhos que as abordam se
propõem a esclarecer os termos e procedimentos.

Paradoxalmente, eles deveriam ser óbvios no meio aca-


dêmico, mas seu desconhecimento parece ser parte inerente
das fragilidades abordadas. Entende-se que muitos dos pressu-
postos assumidos por aqueles que avaliam a produção em Edu-
cação são desconhecidos ou não precisamente explicitados
aos leitores, limitando o debate necessário, ou mesmo con-
tribuindo menos do que poderiam no esclarecimento daque-
les que adentram ao campo, possíveis futuros pesquisadores,
dos quais se espera a superação dos recorrentes problemas.

Por outro lado, é certo que tal esforço de esclareci-
mento ultrapassa em muito o propósito desta Unidade, daí a
indicação de leituras que permitam aprofundar a abordagem
introdutória e didática proposta, e a escolha em tratar da pro-
dução do conhecimento como processo, e não de elemen-
tos externos a ele, como os programas de pós-graduação.

1.2 SENSO COMUM E CONHECIMENTO CIENTÍFICO


Embora senso comum e conhecimento científico sejam di-
mensões de conhecimento, podem ser estabelecidas algumas dis-
­____________________
­
6
Ver o site: www.anped.org.br
7
Ver Gatti (2001).

114
tinções entre eles. O senso comum é constituído espontaneamen-
te e pode ter relação com algum conhecimento científico, que
comumente é apropriado de forma generalizante, nem sempre
racionalizada, não sendo necessárias comprovações para queex-
plicações sejam tomadas como verdade. O senso comum consti-
tui grande parte das crenças cotidianas, nas quais são apoiadas as
experiências e práticas.

Por outro lado, não há uma definição precisa para co-
nhecimento científico, devido às acepções que áreas distintas
lhe atribuem, mas se pode afirmar que deve resultar de tra-
balho de investigação e pesquisa racional, planejada, rigoro-
sa e sistemática. Ele não decorre necessariamente do senso co-
mum, embora possa partir dele como problema de pesquisa.

115
ATIVIDADES


Considerando o tema deste Curso de Especializa-
ção, Educação das Relações Étnico-Raciais, identifique:

Um exemplo de senso comum que não é confirmado por


meio dos estudos;

Um exemplo de senso comum que é confirmado nos estu-


dos acadêmicos;

Discuta no Fórum estes seus exemplos.

116
1.3 PESQUISA CIENTÍFICA OU ACADÊMICA

O termo pesquisa é utilizado de diversas formas, con-


forme o espaço social e para que ou para quem o enuncia. Por
exemplo, quando se diz “vou pesquisar o preço de tal pro-
duto”, ou quando se solicita pesquisas mal orientadas e uti-
lizadas no âmbito escolar, como: “pesquisem sobre a inde-
pendência do Brasil”. Nestes dois casos, pesquisa é utilizada
simplesmente como sinônimo de busca, comparação, ou como
consulta e cópia, em uma acepção mais de senso comum.

Os termos acadêmica e científica, que por ve-
zes são utilizados como adjetivos de pesquisa, comumen-
te são compreendidos como sinônimos, por distinguirem
mais o espaço em que aquele conhecimento é produzido.

Sempre que dizemos pesquisa acadêmica, nos referimos


ao ambiente (em geral, Universidades) no qual ela foi produ-
zida, e necessariamente deve ter seguido os cuidados para que
tenha o status de científica. Por outro lado, uma pesquisa cien-
tífica não necessariamente é desenvolvida em um ambiente aca-
dêmico - pode ser realizada em uma empresa, por exemplo.

Em resumo:toda pesquisa acadêmica deve ter rigor científico;


mas nem toda pesquisa científica é realizada em espaço acadêmico.

Neste módulo, pesquisa será compreendida como “ativida-


de de investigação capaz de oferecer (e, portanto, produzir) um
conhecimento ‘novo’ a respeito de uma área ou de um fenômeno,
sistematizando-o em relação ao que já se sabe a respeito dela(e)”
(LUNA, 1999, p. 26). Ela necessariamente deve contemplar os

117
seguintes aspectos:

Atividade de investigação: no âmbito acadêmico, excede em mui-


to a noção do senso comum. No dia a dia o uso simplista do ter-
mo pode ser cabível, mas não no meio acadêmico. Assim, quando
Luna (1999) se refere à atividade de investigação, trata de uma
ação desenvolvida intencionalmente, com um planejamento, pre-
paração adequada do pesquisador (formação, acompanhamento,
orientação), de forma sistemática, organizada, crítica e criativa.

Produção de um novo conhecimento: seu objetivo principal, sua
função, sua razão de ser é o avanço na compreensão de um fe-
nômeno ou aspecto da realidade. Não é preciso ser absolu-
tamente inédito, mas deve contribuir para que haja um me-
lhor entendimento de uma parte dele, delimitado previamente
pelo pesquisador. A contribuição almejada com uma pesquisa
é que, de forma competente, rigorosa e séria, possa auxiliar a
esclarecer um pouco mais sobre o tema e recorte escolhidos,
de forma a ser científica e socialmente relevante. Deve avan-
çar na análise, na explicação do que está sendo pesquisado, ex-
plicitando o que está implícito, indo além da descrição do ób-
vio, no que o referencial teórico ou analítico é fundamental8.

Sistematização do novo conhecimento em relação ao que já se sabe


a respeito dele: a produção do conhecimento científico é um pro-
cesso necessariamente coletivo. O pesquisador não pode ignorar
o que já foi produzido e discutido a respeito de seu tema, para
não correr o risco de fazer uma pesquisa que já tenha sido rea-
lizada, ou desconhecer um trabalho que poderia ser crucial para

­____________________
­­­
8
Sobre esse aspecto, ver Azanha (1992), Oliveira (1998) e Laville e Dionne
(1999).

118
sua investigação9. O diálogo com o conhecimento já produzido
faz parte de todo o processo da pesquisa: tem início na definição
do tema, na sua delimitação, na escolha do referencial teórico-
metodológico, continua durante o desenvolvimento da pesquisa,
deve obrigatoriamente estar presente na discussão e análise dos
dados, e na sua divulgação e discussão em eventos acadêmicos e
publicações da área.

____________________
9
Sobre a revisão da literatura, ver Alves-Mazzotti (2002) e Luna (2005).

119
ATIVIDADES

Embora os elementos anteriormente enunciados se-


jam consensuais em relação à compreensão do que ca-
racteriza uma pesquisa científica em todas as áreas de
conhecimento, cada área pode ter outros elementos, espe-
cíficos de seu objeto de estudo ou complementares a estes.

Averigue em sua área de formação outros três elementos


que necessariamente devem perpassar o conhecimento nela produ-
zido, para que este seja reconhecido e legitimado como científico.

Apresente no Fórum quais são esses elementos es-


pecíficos de sua área de formação, identificando semelhan-
ças e diferenças com relação aos elementos levantados pe-
los demais. Discutam o que é comum em todas as áreas.

120
2.TEORIA E PRÁTICA

Nesta Unidade10, a proposta é aprofundar um viés


identificado como problemático, relacionado às questões le-
vantadas na Unidade 1: a dicotomia entre teoria e prática,
uma vez que um dos propósitos de uma produção acadêmi-
ca na área de Humanas e, particularmente, da Educação, deve
ser contribuir para a melhor compreensão da realidade, espe-
cificamente daquele objeto pesquisado, e, desta forma, con-
tribuir para uma ação – e até para mudanças – melhor subsi-
diada e mais consciente acerca dos elementos que o envolvem.

2.1 NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA?

Na prática, a teoria é outra.


Você já disse essa frase?
Você concorda com esta afirmação?
Se nos dois casos sua resposta foi sim, responda:

Se você entende que teoria não se aplica à prática, o que é
teoria? O que deve caracterizar necessariamente uma teoria?

No campo educacional, que é o foco central nes-


te curso, o que você espera de uma teoria para sua apli-
cação na prática? E no que é que a teoria o decepciona?

____________________
10
Esta Unidade traz trechos e problematizações que já foram desenvolvidos em ou-
tro material produzido e utilizado no âmbito da Universidade Aberta do Brasil, para
o Curso de Pedagogia em EaD da UFPR, pela mesma autora, em seu capítulo 1:
Escola, teorias, práticas... e o Ensino de História (GONÇALVES, 2011, p.10-30).
Alguns ajustes e atualizações foram inseridos no presente material.

121
Legislação ou normas legais é sinônimo de teoria? Por quê?

Estas questões são importantes para que você re-


flita se a sua expectativa tem por base o senso comum,
ou se ela está fundamentada e claramente racionalizada.

É comum o uso da afirmação “na prática a teoria é ou-
tra” para dizer que uma diretriz normativa não é aplicada na
prática. Cabe uma importante ressalva a esse respeito: nor-
ma legal não é sinônimo de teoria. A proposição de uma
lei ou diretriz pode até, em sua essência, ter por base uma
perspectiva teórica, mas ela em si não constitui uma teoria.

Outro equívoco comum é assumir toda produção acadêmi-


ca como teoria. Isso porque uma teoria é um tipo de conhecimento
muito elaborado, que envolve hipóteses que, com base na dimensão
empírica, se confirmaram. Dessa forma, uma teoria pode ser utili-
zada para a análise de outras hipóteses e casos, mas isso não signifi-
ca que o resultado desta pesquisa constitui em si uma nova teoria.

O uso do chavão “na prática a teoria é outra” parece in-


correr em um sentido diferente do contexto em que é lembra-
do, pois traz um olhar pejorativo para teoria. No entanto, ao
se afirmar que “a teoria é outra”, assumi-se que ela é necessá-
ria, ou talvez que fosse somente o caso de se ter uma outra te-
oria, diferente da primeira e mais adequada àquela realidade.

Um olhar mais otimista sobre o senso crítico de quem diz


essa frase remeteria à esperança de que a pessoa tem consciência
de que as teorias não são inertes ou prontas e acabadas e que, ao
dizer tal frase, ela estaria afirmando que a teoria é um processo de

122
construção do conhecimento, que é dinâmico e contínuo. Como
esse conceito de teoria não parece ser utilizado na maioria dos ca-
sos, este é um elemento que necessita e merece ser aprofundado.

Parece possível afirmar que este chavão não é verdadeiro, e,


em geral, quem o repete11 não tem clareza sobre o que está falando,
por uma questão muito simples: essa pessoa não sabe o que é teoria, no
sentido acadêmico, nem qual é sua função. Este desconhecimento
ou equívoco talvez seja um dos mais graves problemas de formação,
e pode ser também a essência dos problemas da produção na área
educacional, identificadas pelos autores abordados na Unidade 1.

Considerando a discussão sobre teoria desenvolvida nesta


Unidade, é possível afirmar que quem usa a frase “na prática a teo-
ria é outra” parece remeter à teoria e ao seu autor a responsabilida-
de de resolverem algo ou de darem respostas prontas a algumcaso
específico. Por exemplo: para a escola X, mesmo tendo a Lei no.
10.639/03 (teoria), há dificuldade de implementação (prática)
do estabelecido nela. Além disso, as pessoas parecem esperar que
tudo o que é dito na teoria seja confirmado como um reflexo na
realidade. Assim, sobre essas situações, é importante esclarecer:

1 - Toda teoria é limitada por vários fatores, entre os quais o


contexto de sua elaboração, porque é nele que foram observa-
dos os elementos empíricos envolvidos. Por exemplo, no caso da
Teoria dos Campos Sociais, de Pierre Bourdieu, que foi elabo-
rada na França, a partir dos anos de 1960 e por cerca de três
décadas. A sociedade francesa possui história, cultura, organiza-
ção social, valores e instituições bastante distintas das do Brasil
____________________
11
Vamos tratar neste material, especificamente, do campo educacional, embora essa
discussão sobre teoria possa ser estendida a outras áreas de conhecimento.

123
e, com certeza, da escola X de hoje. Por isso, é plausível afir-
mar que muitas das afirmações de Bourdieu a respeito do am-
biente escolar, quando o menciona, não se aplicam de forma
igual no Brasil. Ele não se propôs a explicar outro contexto,
que não aquele que vivenciou: da França. É justo que quem o
leu, não o culpe por não responder ao problema da escola X, da
qual provavelmente este autor nem sabia da existência. Porém,
um leitor atento pode apropriar-se deste referencial e utilizá-lo
para melhor compreender sua escola, dado o contexto no qual
ela se insere (tempo, espaço, sociedade, valores, entre outros).

2 - O fato de reconhecer as limitações inerentes a qualquer te-


oria não impede, porém, de que, conhecendo uma teoria que
se julgue plausível, este leitor ou profissional utilize os elemen-
tos explicativos que ela traz para pensar, compreender ou agir
no seu ambiente de trabalho, como a escola. No entanto, cabe
a este profissional a responsabilidade de conhecer a teoria, para
avaliar o que pode ser utilizado neste novo ambiente e verificar
quais adequações que talvez precisem ser feitas, relativas às espe-
cificidades deste outro tempo e espaço. Cabe totalmente a este
profissional a responsabilidade de conhecer o referencial teórico,
apropriar-se dele e utilizá-lo , e não ao autor teórico original.

3 - É preciso lembrar que nem toda teoria se propõe a dizer o que


deve ser feito, ou seja, prescrever ações, mas sim, o que acontece
e porque e como aquilo acontece, auxiliando no diagnóstico e análise
mais aprofundada. Ou seja, reconhecendo que as respostas e ações
podem ser muito específicas, conforme o contexto, os teóricos
propõem-se a realizar uma parte muito significativa da explica-
ção, para que as pessoas, compreendendo melhor os mecanismos
que sustentam aquele fenômeno ou prática, possam pensar, a par-

124
tir de sua especificidade, o que fazer, inclusive tendo por base ou-
tra teoria, que seja voltada à prescrição para o tipo de intervenção
necessário. Outro equívoco comum, é o leitor achar que, porque
o teórico explicou que “é assim que essa situação acontece”, ele
estaria defendendo essa ação ou a permanência dessa situação.

Por exemplo, depois do lançamento do livro A Reprodu-
ção, no início dos anos de 1970, houve vários questionamentos
a Bourdieu e Passeron sobre se não estavam defendendo que a
escola reproduzia a ordem social ao invés de transformá-la.
Bourdieu passa parte de sua trajetória posterior explicando e
evidenciando que eles não defendiam a reprodução, nem a com-
preendiam como inevitável. Por exemplo, em entrevista con-
cedida a Maria Andréa Loyola, em 1999, ou seja, quase 30 anos
depois da publicação de A Reprodução, a primeira pergunta reme-
te aos mal-entendidos que envolveram o livro, e ele responde:

[...] Para mim, ainda hoje é surpreendente, como foi naquela épo-
ca, que o fato de dizer que uma instância como o sistema de en-
sino contribui para conservar as estruturas sociais, ou dizer que
as estruturas tendem a se conservar ou se manter – o que é uma
constatação –, é surpreendente que essa constatação seja percebi-
da como uma declaração conservadora. Basta pensarmos um pou-
co para percebermos que o mesmo enunciado sobre a existência
de mecanismos de conservação pode ter um caráter revolucioná-
rio. [...] Quando você diz as coisas são assim, pensam que você
está dizendo as coisas devem ser assim, ou é bom que as coisas sejam
dessa forma, ou ainda o contrário, as coisas não devem mais ser assim.
[...] será que mudei? Não. Continuo a pensar que o siste-
ma de ensino contribui para conservar. Insisto sobre o contri-
bui, o que é muito importante aqui. Não digo conserva, reproduz;
digo contribui para conservar (2002, p.13-14, grifo do autor).

125
Nesse caso, observa-se a diferença entre explicar e de-
fender, e, ainda, a contribuição que Bourdieu esperava trazer
com sua teoria: que a comunidade escolar (particularmente
a francesa, pois ele tratava deste sistema de ensino, a partir da
situação de 1968), tomasse ciência e consciência de como es-
tava funcionando, sobre quais valores estava agindo, sobre qual
a função que a escola estava desempenhando naquele contex-
to; que ela pudesse parar para refletir e propor novos rumos e
encaminhamentos para aquela situação, se assim o desejasse.

4 - Esperar que a teoria traga as respostas prontas é inú-


til e equivocado, porém mais cômodo, porque assim está
remetendo a responsabilidade pela manutenção do pro-
blema a um teórico, e não a quem está ali na escola, como
profissional ou membro desta comunidade, que muitas vezes,
somente coletivamente, pode enfrentar e mudar a situação.

Teorias, em especial na área das Ciências Humanas, não se
propõem a fornecer fórmulas prontas, porque seu objeto de estudo,
o homem (com sua cultura,história,entre outros),é muito específico.

Explicar ações e escolhas humanas é muito diferente de
explicar, por exemplo, a fotossíntese. Neste caso, se forem feitos
experimentos com plantas da mesma espécie, sob as mesmas con-
dições, em qualquer lugar do planeta Terra, estes fornecerão um
padrão de resposta igual ou muito similar. Ou, por exemplo, na
área da geologia ou engenharia é possível determinar que para de-
terminada construção, em certo tipo de solo e relevo, será preciso
um certo tipo de fundação. No caso do homem, há muitas variáveis
que interferem nas respostas, em especial a cultura (que envolve
sua percepção de mundo, valores, que orientarão sua ação). No en-

126
tanto, há teorias que apesar do tempo e do espaço distinto podem
ser generalizadas, não, totalmente, em muitos de seus enunciados
e explicações, como é o caso daTeoria dos Campos Sociais de Bour-
dieu, que inclusive não se aplica somente ao campo educacional.

Na obra A distinção, Bourdieu apresenta uma fórmula na


qual estão presentes e articulados alguns de seus principais con-
ceitos: “[(habitus).(capital)] + campo = prática” (2007, p. 97).

De forma simples, pode-se dizer que habitus corresponde
ao conjunto de valores, crenças, “certezas”, que foram constituídas
ao longo da sua vida e de sua vivência, e que constitui cada um. Ele é
individual, mas ao mesmo tempo coletivo, no sentido de que cada
um, a partir dos ambientes e experiências pelas quais passou, vai ab-
sorvendo de forma particular, e muitas vezes acriticamente, os va-
lores e as práticas desses campos – família, religião, escola e outros.

Bourdieu também trata de distintos capitais, que têm maior
ou menor valor, de acordo com o campo. O capital pode ser:

Social - correspondendo à rede de relações sociais a que o


agente tem acesso;

Cultural - que abrange desde dimensão mais informal (por exem-


plo, uma criança que cresce em uma família de músicos, desenvolve
uma sensibilidade que é apreendida naturalmente por ela, em seu
cotidiano) à formal (como diploma de uma instituição de ensino);

econômico - relativo aos bens materiais que o agente possui; e



simbólico - que não existe por si mesmo, mas confere ônus
ou bônus aos capitais anteriores. Por exemplo, no caso do capi-

127
tal social, o fato de um filho de atores globais, que tem sobre-
nome famoso, decidir seguir esta carreira, é quase certo que o
nome e as pessoas que os pais conhecem o auxiliarão nesta tra-
jetória; no capital cultural, o valor de um diploma de uma facul-
dade X, particular, em oposição ao valor atribuído (pelo senso
comum, pela sociedade de forma geral) ao diploma do mesmo
curso, feito em uma Universidade Federal. O segundo, em geral,
é mais valorizado, mesmo que a pessoa não tenha ideia precisa
do que distingue os dois cursos, ou da nota do ENADE de cada
um deles; e no capital econômico, em que, por exemplo, para
ser mais valorizado, em alguns ambientes, não basta ser rico, mas
possuir bens que são únicos ou muito exclusivos para demons-
trar isso. Não há relação necessária com o custo de produção,
por exemplo, uma bolsa de couro feita por R$ 100,00, mas cujo
valor de venda é de R$ 5.000,00. Quem a comprar está pagando,
em última instância, aetiqueta que vem na bolsa, e comprando,
assim, todos os elogios que virão em decorrência dessa posse.

Nos três casos, pode-se observar que se trata do valor sim-
bólico atribuído a uma marca ou logotipo, seja o sobrenome, seja o
logotipo da instituição de ensino no diploma, ou, ainda, a etiqueta
da bolsa. Um aspecto importante do capital simbólico é que ele
não é homogêneo na sociedade, ou seja, conforme o campo em que
esse agente se situa, o capital que ele detém pode ser valorizado ou
não. No exemplo da bolsa, o que pode ser questão de sobrevivência
social em alguns campos, pode ser visto como ridículo em outro.

O campo é o espaço social, e o grupo que o compõe tem
suas regras próprias, por exemplo, em uma igreja, deve-se moni-
torar o tom de voz a ser usado, o tipo de roupa, o vocabulário e o
comportamento de forma geral. Em outro espaço, por exemplo,
um churrasco de família, as regras são outras. Assim, se o que é

128
valorizado é o capital social (por exemplo, origem étnica, valores,
etc.), cultural (como formação profissional), ou ainda, econômi-
co (como roupas da moda e de determinadas marcas), comu-
mente há disputas por legitimidade entre os agentes que com-
põem o campo. A mesma pessoa, passando por esses ambientes,
e convivendo com distintos grupos, assimila – em geral sem mui-
tos questionamentos – essas normas sociais naturalizadas como
sendo o certo a se fazer (GONÇALVES; GONÇALVES, 2010).

Com a escola ocorre a mesma coisa. Por exemplo, um


professor que acabou de passar em um concurso público, e as-
sume o cargo em uma escola na qual nunca trabalhou. Ele tem
certa forma de compreender a escola, sua função como docen-
te, a disciplina que lecionará, a função dos alunos, entre outros.
Tudo isso, resultado do que vivenciou (como aluno, tanto na es-
cola, como na Universidade, por exemplo), constituindo-se em
valores e certezas sobre como deve ser exercida sua profissão.

Ao chegar na escola, ele se depara com um grupo já cons-
tituído, com normas e valores estabelecidos, aos quais todos – ou
pelo menos a maioria – se conformam, no sentido de que, se
não são entusiastas, no mínimo aderiram, ou então, preferem se
omitir, ou seja, não criticam, não se opõem, não propõem nada
diferente. Caso as ideias do novo professor, ou a sua prática, se-
jam muito distintas do que está estabelecido naquela escola, ele,
com certeza, sofrerá algum tipo de coerção, mais ou menos sutil,
conforme o caso. Por exemplo, se tem uma prática inovadora,
buscando respostas sobre como agir com as diferentes turmas, ou
usa recursos didáticos variados, enfim, se com sua prática ele pas-
se a ser reconhecido e admirado pelos alunos, isso ocasionará um
desconforto nos demais professores. Frases como “você é novo
ainda, daqui a pouco vai perceber que não vale a pena” ou “não

129
seja tão exigente, porque se eles ficarem com nota baixa você é
que será culpado ou cobrado” ou, ainda, “o mais prático é nivelar
por baixo, porque eles não aprendem mesmo” – e outras mui-
tas, que poderiam ser pensadas aqui –, são formas de coerção, no
sentido de que este novo professor não deve se distinguir tanto
dos demais, ou que deve se acomodar ao padrão dos demais. É
improvável que alguém o impeça de ter uma prática diferenciada,
mas a coerção existirá, seja na crítica, seja por falta de apoio e
colaboração, seja na alegação de que já passaram por isso e não
dará certo, ou de que ele com o tempo se sentirá desanimado.

É provável que estes que hoje o coagem, passa-


ram pela mesma situação, mas aos poucos, por razões diver-
sas, tenderam a aceitar a regra colocada pelo grupo, acomo-
dando-se – não no sentido de serem preguiçosos, mas no
sentido de assumirem uma certa rotina e resistirem a sair dela.

É importante destacar que não necessariamente o que che-
ga, novo, está correto. Pode acontecer da escola ter uma equipe bem
organizada, dinâmica e em sintonia, e a pessoa que chega não trazer
a mesma disposição ou concepção de escola e de trabalho docente.

Essa é uma situação que Bourdieu bem explica em sua
Teoria dos Campos Sociais: mudanças são desgastantes, tanto
por gerarem conflitos, quanto por obrigarem as pessoas a terem
que repensar suas certezas, valores e práticas. Repensar esco-
lhas é um processo biológica e psicologicamente estressante, por
isso a resistência, e isso ocorre nas menores coisas do cotidiano.

130
Por exemplo, pense em sua rotina diária. Provavelmente
você já tem uma sequência que considera a mais eficiente para ini-
ciar seu dia, e tende a fazer tudo sempre igual. Se você vai de carro
ao trabalho, deve fazer o mesmo trajeto, ao ponto de automatizá-lo
e por vezes dirigir por vários quarteirões, trocando a marcha do
carro, freando, acelerando, parando em semáforos... e se dar conta
do quanto já andou depois de um tempo, sem nem ter percebido.

Para fazer a faxina da casa, cada um tem uma sequência
que criou, seja a partir do que aprendeu com a mãe, seja o que
adaptou, devido ao tempo disponível para isso, e “ai” de quemdis-
ser que é melhor fazer de outro jeito.

Em um ano letivo, na escola, cada turma se acomoda à sala
de aula, e cada aluno tende a sentar sempre no mesmo lugar que
escolheu no primeiro dia, dentro das condições que encontrou
– desde as carteiras disponíveis, quanto grupo de amigos, entre
outros – e fará o possível para não ter que escolher novamen-
te, ao ponto de haver discussão se outro se senta no “seu” lugar.

São inúmeros os exemplos que se poderia dar a este res-


peito, mas o ponto em que se pretende chegar com essa discussão
é: o mesmo tende a ocorrer na escola, nas práticas dos professo-
res. Os hábitos12 são sedimentados pela e na rotina e, muitas ve-
zes, torna-se menos desgastante e mais cômodo não repensá-los.
Se as práticas estão funcionando – mesmo que o resultado não for
ótimo, mas somente razoável ou suficiente – cada um e o grupo
tenderão a compactuar, a fim de não gerar conflitos, nem de se
ter o trabalho de criar, testar, adequar e ajustar novas respostas.
­­
____________________
12
Não confundir com o habitus de Bourdieu. O conceito de habitus é mais amplo,
ou seja, os hábitos fazem parte do habitus.

131
No caso do estabelecido pela Lei no. 10.639/03, que
traz de forma inerente a necessidade de pensar valores, identi-
dade, currículo, entre outros, a resistência ou omissão em sua
implementação das escolas pode ser compreendida por meio
das proposições teóricas de Bourdieu, trazidas nesta Unidade.

A norma legal, a diretriz curricular, as orientações admi-
nistrativas e pedagógicas que não decorram de decisão e escolha
do grupo, receberão dele, provavelmente, a resistência e a des-
confiança, ao menos em um primeiro momento, principalmen-
te quando confrontarem práticas instauradas. Esse parece ser um
ponto crucial para discussão das políticas educacionais: esta reação
da escola, ou dos agentes que a compõem é absolutamente previsí-
vel, no entanto parece ser ignorada. E é isso que leva ou ao fracas-
so da diretriz; ou à sua adaptação ao jeito da escola; ou a um faz de
conta, em que formal e administrativamente os registros indicam
que está sendo implantada, mas na prática nada ou pouco mu-
dou; ou a apropriações superficiais e equivocadas; ou, finalmente,
a casos, excepcionais, de discussão e apropriação fundamentada e
coletiva da norma, mesmo que inicialmente mais destacada e pro-
blematizada por uma ou algumas pessoas do grupo, que apoiam a
proposta, até chegar ao ponto de ser construída, conscientemente,
uma prática distinta àquela anterior – dependendo daí dos agen-
tes que compõem o grupo e de seu interesse em implementá-la.

Muito provavelmente – quase com certeza –, os alunos do
Curso de Especialização em Educação das Relações Étnico-Ra-
ciais são pessoas interessadas na implementação das diretrizes da
Lei no. 10.639/03 e deparam-se com resistências e dificuldades
na escola para a consolidação e para uma abordagem fundamenta-
da e crítica dos temas que lhe são pertinentes.

132
Bourdieu, por meio de sua Teoria dos Campos Sociais,
mesmo não conhecendo escolas e leis brasileiras, e o processo de
implementação das mesmas, contribui para que se possa compre-
ender de forma mais elaborada e fundamentada os mecanismos
que contribuem para a resistência (explícita ou mais sutil) dessa
questão. A Teoria explica e contribui para a prática. Dessa for-
ma, pode-sepensar a partir daí, em encaminhamentos necessários
para a consolidação das diretrizes da Lei e sua legitimação social e
escolar.

133
ATIVIDADES


Embora a apresentação dos conceitos de Pierre Bourdieu,
nesta Unidade, tenha sido breve, procure aplicar a explicação que ele
traz em suaTeoria, para as relações humanas, a algum campo que você
conhece, por exemplo, o local ou a instituição em que você trabalha.

Busque averiguar, por meio de observação, se os conceitos
podem ser aplicados para explicar como se dão as relações sociais –
incluindo questões referentes à temática do Curso – a fim de com-
preender como uma teoria pode auxiliá-lo na prática profissional.

Posteriormente, discuta com a turma, por meio do Fó-
rum, os elementos que se confirmaram e, se for o caso, aque-
les que não identificou naquele campo; e também, como os
conceitos utilizados auxiliam a melhor compreender os me-
canismos que sustentam valores e práticas no cotidiano.

134
3. TEORIAS E MÉTODOS

Nesta Unidade, o objetivo principal é esclarecer especifici-


dades de produção do conhecimento nas áreas de Humanidades, e
particularmente da Educação, bem como trazer subsídios sobre ter-
mos e conceitos utilizados na produção de conhecimento acadêmico.

3.1 ESPECIFICIDADES DA PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMA-
NAS E EDUCAÇÃO

Devido à multiplicidade de objetos de estudo, são diver-
sas as possibilidades de classificação das ciências, visto que essa
categorização mudou e continua mudando, ao longo do tempo,
com a especialização crescente e algumas fronteiras entre áreas
diferentes tornaram-se muito permeáveis, o que origina novas es-
pecificidades. Considerando o fim introdutório e didático deste
trabalho, pode-se pensar em duas grandes áreas: as Ciências Natu-
rais e as Ciências Humanas, que por sua vez, possuem subáreas13 .

A História e a Filosofia da Ciência explicam algumas ob-
jeções feitas às Ciências Humanas, por parte das Ciências Natu-
rais14 . Isso porque as Ciências Naturais começaram a existir e se
organizar antes das Humanas, que por algum tempo buscaram
impor-se as mesmas condições de validade científica estabeleci-
dos pelas Naturais. Com o tempo, ficou clara a inadequação de
____________________
13
Por vezes utiliza-se a expressão Ciências Sociais como sinônima de Ciên-
cias Humanas. A divisão ampla aqui utilizada é proposta por Laville e Dion-
ne (1999) e Chauí (1995); no Brasil, a grande referência para a classifica-
ção das áreas de conhecimento é o CNPq (muito mais fragmentada), que pode
ser consultada em: http://www.cnpq.br/areasconhecimento/index.htm.
14
As principais críticas são: a imprevisibilidade dos fenômenos huma-
nos; a dificuldade ou impossibilidade de quantificação dos fenômenos; a
possível interferência da subjetividade dos pesquisadores; a inviabilida-
de de utilização de pesquisas experimentais. Para introdução à história e
filosofia da ciência, ver Granger (1994), Laville e Dionne (1999), e Araújo (1993).

135
muitos desses critérios para as Humanas, considerando-se a es-
pecificidade do seu objeto: o homem e a sociedade. No entan-
to, isso não isenta as Ciências Humanas da necessidade de esta-
belecer critérios de validade e objetivação, o que acaba por ser
feito no interior de cada campo de conhecimento - em todo
campo são travadas lutas simbólicas por poder e legitimida-
de; no caso do campo científico ou acadêmico, uma dessas dis-
putas envolve os paradigmas. Em função daquele hegemônico,
em dado momento, é que os agentes pertencentes a este cam-
po definirão o que é uma pesquisa “válida”, o que leva a mu-
danças em alguns dos critérios de validade ao longo do tempo.

No caso específico da Educação, discute-se sua cons-


tituição como campo de conhecimento, quanto à definição
de seu objeto e de um referencial teórico-metodológico pró-
prio, na medida em que o diálogo e a apropriação que pesqui-
sadores da área fazem de outros campos de conhecimento per-
meiam significativamente a produção educacional. Um exemplo
dessa questão pode ser a História da Educação: ela é uma sub-
divisão da História, da Educação, ou uma área à parte? Embo-
ra a grande base teórica para sua constituição como campo de
conhecimento seja derivada da História, já há produções e con-
ceitos constituídos internamente, como os de cultura escolar.

Apesar dessas discussões, a Educação identifica-se como


parte das Ciências Humanas15 .

____________________
15
A polêmica questão do reconhecimento da Educação como campo de conheci-
mento pode ser observada, por exemplo, no fato de Laville e Dionne (1999) e Chauí
(1995) não a mencionarem, nem quando tratam das Ciências Humanas. Porém, a
Educação consta no quadro de áreas do CNPq nas Ciências Humanas, juntamente
com outras possibilidades a ela relacionadas, não necessariamente como subdvisões.

136
ATIVIDADES

Acesse a tabela de áreas de conhecimento do CNPq


(http://memoria.cnpq.br/areasconhecimento/index.htm) para
observar quais áreas são reconhecidas por este importante órgão
de fomento de pesquisas no Brasil.

Verifique as subdivisões previstas, localizando sua área de
formação.

137
3.2 TEORIA, MÉTODO E METODOLOGIA

Apesar das distinções e especificidades que podem
ocorrer entre as áreas de conhecimento, todas elas utili-
zam teorias, métodos e metodologias para a essa produção.

Estes termos, embora de uso comum no meio acadêmi-
co, nem sempre são suficientemente claros para os estudantes,
em especial quanto à sua operacionalização em uma pesquisa.

ATIVIDADES


Antes de ler a continuidade do tópico, reflita:

O que você entende por teoria?

Qual a função de uma teoria em sua área


de conhecimento?

Qual a diferença entre método e metodologia?


Lembre-se que a fragilidade na explicitação do referencial
teórico-metodológico é um dos desafios a serem superados pela
produção em Educação, de acordo com os autores mencionados na
Unidade 1. Desta forma, alguns esclarecimentos sobre esses ter-
mos são importantes para a continuidade da abordagem do tema.

Como em todo campo de conhecimento existem distin-
tas possibilidades explicativas.O pesquisador deverá conhecê-las,
identificando aquela mais pertinente para o fenômeno ou aspecto

138
da realidade que pretende investigar e, consequentemente, quais
caminhos são indicados pelos pressupostos epistemológicos.16

Nesse sentido, a teoria assume papel primordial no pro-
cesso investigativo, como indica Popper (1993, p. 61-62): “teorias
são redes, lançadas para capturar aquilo que denominamos ‘o mun-
do’: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo. Nossos esforços
são no sentido de tornar as malhas da rede cada vez mais estreitas”.

Desta forma, podemos compreender uma teoria como


uma explicação possível sobre determinado fenômeno ou aspecto
da realidade, construída a partir de conceitos articulados e coe-
rentes entre si, dos quais deriva um conjunto de hipóteses. Esse
sistema de conceitos e hipóteses, no caso das Ciências Humanas,
visa à explicação de regularidades, mecanismos ou dinâmicas so-
ciais existentes por trás do fenômeno, ou seja, não busca somente
a descrição do que ele é, tal como pode ser percebido, mas a com-
preensão ou explicação do porquê ele é ou ocorre daquela forma.

Toda teoria é parcial e limitada por vários elementos,


como a formação de seu autor, o contexto em que foi constituída,
o fenômeno que visa explicar. Assim, todo aquele que se dispõe
a utilizar uma teoria deve conhecer exigências, possibilidades e
limites explicativos que lhe são inerentes, e saber que a apropria-
ção e o uso que se faz dela para explicar outros aspectos, tempos
e recortes é responsabilidade sua, e não do autor teórico original.

Toda teoria tem por base pressupostos acerca de deter-
minado fenômeno ou aspecto da realidade que se propõe a ex-
plicar e sobre um caminho adequado para construir essa res-
____________________
16
Epistemologia trata da teoria do conhecimento; é a procura para responder
questões sobre a capacidade do homem de conhecer algo.

139
posta. Esses pressupostos decorrem do método. É por isso
que teoria é indissociável de método, e que a expressão refe-
rencial teórico-metodológico é recorrente no meio acadêmico.

Existem mais teorias do que métodos, porque um mes-
mo método pode ser utilizado como base para a proposi-
ção de teorias que abrangem distintos aspectos da realidade.

Na construção do conhecimento científico, o método


assinala “um percurso escolhido entre outros possíveis” (OLI-
VEIRA, 1998, p. 17). Sobre sua utilização, Oliveira afirma:

Não é sempre [...] que o pesquisador tem consciência de to-


dos os aspectos que envolvem este seu caminhar; nem por isso
deixa de assumir um método. Todavia, neste caso, corre mui-
tos riscos de não proceder criteriosa e coerentemente com as
premissas teóricas que norteiam seu pensamento. Quer dizer,
o método não representa tão somente um caminho qualquer
entre outros, mas um caminho seguro, uma via de acesso que
permita interpretar com a maior coerência e correção possíveis
as questões sociais propostas num dado estudo, dentro da pers-
pectiva abraçada pelo pesquisador. (1998, p. 17).


No entanto, o método não deve ser compreendido como
um roteiro rígido de regras à qual o objeto deve se submeter e ser
formatado, nem como garantia de êxito. Não há um método cor-
reto. Embora ele seja essencial, por si só não garante a qualidade
de uma pesquisa: “assim como as bússolas são inúteis a quem não
escolheu o seu porto de destino, também os roteiros metodoló-
gicos são ilusórios a quem não definiu uma perspectiva teórica a
respeito da realidade” (AZANHA, 1992, p. 78, grifo do autor).

A escolha do referencial teórico-metodológico é orientada
por um tipo de resposta que se espera encontrar – definida pelo

140
pesquisador, no sentido de que a explicação selecionada trazineren-
tes algumas hipóteses a serem investigadas. Por outro lado, o pes-
quisador deve estar aberto à possibilidade de encontrar respostas
diferentes daquelas que espera, e ciente de que o referencial que
elegeu condicionará bastante as possíveis respostas que encontrará.

Da mesma forma que toda teoria é limitada, toda escolha


teórica é arbitrária. Ou seja, cada pesquisador identifica-se com
um tipo de explicação sobre o mundo e particularmente o obje-
to que se propõe a investigar. Não significa que aquela é a única
explicação possível, nem que aquela explicação é a melhor exis-
tente. Ela é a melhor, de acordo com a concepção daquele pesqui-
sador – o que será colocado à prova pelo campo de conhecimento
no qual aquela pesquisa está inserida.

É importante ter essa consciência, porque em todas as áre-
as de conhecimento há embates entre teorias, por isso, ao escolher
um referencial, o pesquisador deve também se propor a conhecer
outras possibilidades, até para ter mais segurança e argumentos
na defesa de sua escolha, que deve ser adequada e pertinente ao
objeto pesquisado.

A metodologia, por sua vez, é derivada deste referencial.


Metodologia constitui a operacionalização do método em função da
investigação realizada, envolvendo fontes, instrumentos, critérios
e procedimentos.

Após o pesquisador explicitar o referencial teórico-me-


todológico que utilizará e os conceitos relevantes para sua in-
vestigação, deve detalhar, na metodologia, quais são as fontes
– primárias e secundárias – necessárias, se são suficientes para

141
representar os conceitos, se estão acessíveis; quais são os ins-
trumentos que utilizará para coletar os dados, se são adequa-
dos para captar as informações relevantes para os conceitos;
como fará a análise desses dados e se essa proposta é adequada
ao tipo de dado que será tratado. Em todas as etapas da meto-
dologia é preciso justificar e explicitar a pertinência destas es-
colhas em relação ao problema de pesquisa e ao referencial.

Na Unidade 4 esta questão será abordada mais detalhada-


mente.

3.2.1 Teorias e métodos nas Ciências Humanas e na pesquisa edu-


cacional

Em relação às teorias e aos métodos possíveis nas


Ciências Humanas e na Educação, é proposta arrisca-
da apresentar uma lista de quais são, dadas as múltiplas cor-
rentes e abordagens e ao risco de simplificação. No en-
tanto, considerando os fins introdutórios deste módulo,
serão indicadas algumas possibilidades para orientação inicial.

Há alguns métodos marcantes nas Ciências Humanas, que


de alguma forma sempre estão presentes, quanto a seus pressu-
postos epistemológicos, em pesquisas da área educacional. Nos
quadros que seguem, está uma síntese de postulados de cada mé-
todo17 . É preciso ressaltar que de acordo com o autor que os
aborda, alguns métodos são unidos, ou um método compartilha
princípios de outro, ou mesmo é derivado de outro, por isso essa
classificação não é definitiva nem estática, somente ilustrativa.

142
QUADRO 1 - POSTULADOS DO POSITIVISMO
Posição epistemológica Objetivo Referências
Recusa da apreensão ime- Estabelecer leis gerais, a Spencer,
diata da realidade, da com- partir da identificação de Comte,
preensão subjetiva dos fenô- regularidades e da gene- Descartes,
menos (psicologização) e da ralização empírica, pois o Carnap,
pesquisa intuitiva. Defende a conhecimento dessas leis Russell.
objetividade do pesquisador. pode favorecer a eficácia
Pesquisa desenvolvida por na ação humana.
meio de dados da experiên-
cia e das leis gerais relativas
aos fenômenos sociais, passí-
veis de generalização – as leis
positivas ou naturais
Fonte: Bruyne, Herman e Schoutheete (1991, p.136-152)

O Positivismo traz em seus princípios, de forma inerente,


a discussão acerca da cientificidade das Ciências Humanas, uma
vez que em geral são inviáveis para estas18 . Não é incomum, nas
Ciências Humanas e na Educação, haver referência com sentido
pejorativo ao Positivismo – embora muitas vezes superficial e sem
especificar exatamente o que está sendo designado como positi-
vista. No caso brasileiro, uma distorção recorrente é a associa-
ção desse método somente a dados quantitativos e a menção à
pressão que essa perspectiva exerceu sobre a pesquisa educacio-
nal, até que a possibilidade de estudos qualitativos começasse a se
fortalecer em legitimidade e reconhecimento acadêmicos.

Laville e Dionne (1999, p. 43) afirmam que embora “a
pesquisa de espírito positivista aprecie números”, e seja difícil a
­____________________
­
17
Toda classificação tem suas limitações, mas se entende que para os fins deste tra-
balho, estes são suficientes.A escolha teve como base os trabalhos de Araújo (1993),
Richardson (1999) e Bruyne, Herman e Schoutheete (1991) – todos sugeridos para
leitura de aprofundamento no tema. Os quadros 1 a 5 foram elaborados a partir de
* Bruyne, Herman e Schoutheete (1991, p. 136-152); e ** Richardson (1999, p.
32-54). Os asteriscos indicam a fonte mais direta de cada informação.
18
Talvez uma exceção parcial seja a Psicologia, pois em alguns de seus ramos é pos-
sível, por exemplo, realizar experimentos controlados.

143
quantificação do “real humano” – representações, valores –, o
debate entre quantitativo e qualitativo parece “frequentemente
inútil e até falso” , pois é possível utilizar procedimentos quanti-
tativos, qualitativos ou ambos combinados; a escolha do pesqui-
sador deverá decorrer essencialmente do problema de pesquisa19.

QUADRO 2 - POSTULADOS DO FUNCIONALISMO


Posição Epistemológica Objetivo Referências
Concepção totalizante, sistê- Apreender cada insti- Durkheim,
mica, dos fatos sociais – cada tuição em sua função Mauss,
um deles é englobado num e contribuição à ma- Malinowski,
conjunto integrado e cada nutenção do sistema, Merton
elemento determina um cer- pois a instituição é es-
to estado da totalidade, a qual sencialmente a respos-
condiciona seu funcionamen- ta a uma necessidade
to de conjunto. * da sociedade, é uma
condição útil ao seu
funcionamento. Inves-
tiga as formas duráveis
da vida social e cultu-
ral, produtos de uma
institucionalização: os
papéis, as organizações,
as normas etc. **
Fonte: *Bruyne, Herman e Schoutheete (1991, p. 136-152); e ** Richard-
son (1999, p. 32-54).


Tal como o Positivismo, o Funcionalismo é por vezes men-
cionado de forma pejorativa na Educação. Neste caso, a crítica
refere-se a parecer uma abordagem muito naturalizadora das dife-
renças e desigualdades sociais, na medida em que busca explicá-las
e verificar suas inter-relações, mas não se propõe a transformá-las.
Muitos de seus pressupostos envolvem a “harmonia deinteresses
na ordem normativa como inerente a todas as sociedades”, o que
não deixa lugar “para a mudança social, para a história” (ARAÚJO,
____________________
19
Sobre estudos quantitativos e qualitativos em Educação ver: Gatti (2004) e Bog-
dan e Biklen (1994).

144
1993, p. 105-106).

QUADRO 3 - POSTULADOS DO ESTRUTURALISMO


Posição epistemológica Objetivo Referências
Desvendar o sen- Saussure,
Procura apreender proprie-
dades intrínsecas de certos
tido atribuído à
estrutura-sistema, Jakobson,
tipos de ordens – simbólicas,
por meio de análise Barthes,
de signos e de sentido.* Con-
sidera que a estrutura nunca
estrutural desen-
volvida ao nível da Lévi-Strauss
existe na realidade concreta,
mas é ela que define o sistema
linguagem. Desven-
de relações e transformações
dar a representação
possíveis dessa realidade. **
ideológica que está
na base da estrutu-
ra. **
Fonte: *Bruyne, Herman e Schoutheete (1991, p. 136-152); e ** Richard-
son (1999, p. 32-54).


Segundo Richardson (1999, p. 43), o Estruturalismo
contribuiu muito para o desenvolvimento das Ciências Sociais
no século XX: “ao negar a realidade como algo singular, rejei-
tar o império da experiência sensível e considerar insignifican-
te o estudo dos fatos isolados, constitui-se o estruturalismo em
uma alternativa significativa para todas as formas de positivis-
mo”. Uma das críticas feitas ao estruturalismo envolve a restri-
ta atenção à possibilidade de transformação dos fenômenos20.

____________________
20
Richardson indica a existência de três tipos de estruturalismo: o fenomenológico
(Merleau-Ponty), o genético (Piaget) e o de modelos (Lévi-Strauss, Althusser).

145
QUADRO 4 - POSTULADOS DA COMPREENSÃO
Posição epistemológica Objetivos Referências
A apreensão das totalida- Apreender e expli- Weber,
des significativas, históricas, citar o sentido da
está subordinada à compre- atividade social in- Giddens
ensão prévia da ação social dividual e coletiva
– motivos, intenções, pro- enquanto realização
jetos, etc. de uma intenção,
pois a ação huma-
na é a expressão de
uma consciência, o
produto de valores,
a resultante de mo-
tivações. Investiga
fenômenos singu-
lares e únicos: um
acontecimento é
apreendido enquan-
to elemento ori-
ginal e específico.
Fonte: Bruyne, Herman e Schoutheete (1991, p.136-152).

No caso da Compreensão, muitas vezes chamada de in-


terpretativismo, não se nega a produção humana de estrutu-
ras, mas essas só existem na medida em que afirmadas e reafir-
madas na ação humana; são um misto de dupla influência, das
pessoas que as criam e dão significado e da influência dessas
estruturas sobre as ações das pessoas21, alterando, no curso da
história, tanto pessoas, quanto estruturas. A principal críti-
ca feita à Compreensão é o fato de se tratar de um postulado
analítico, que busca explicação para fatos únicos, apresentando
pouco uso para predição ou interpretação em outros contextos.

____________________
21
Aqui, optou-se por utilizar o termo pessoas, que é teoricamente neutro, ao invés
de indivíduos, sujeitos ou agentes, que têm marcas teóricas específicas.

146
QUADRO 5 - POSTULADOS DO MATERIALISMO DIALÉTICO
Posição epistemológica Objetivo Referências
Considera que o mundo Apreender as Marx, Engels
exterior existe indepen- relações dialé-
dentemente da consciência; ticas estabele-
sua forma de aproximação cidas histori-
dos fenômenos é dialética. camente entre
Tem por princípios a cone- o homem, a
xão universal dos objetos e natureza e a
fenômenos; o movimento sociedade –
permanente e o desenvolvi- estabelecidas
mento. Explicita leis e cate-
pelo trabalho e
gorias. pelos modos de
produção.
Fonte: Richardson (1999, p. 32-54).

Uma das principais críticas a esse método refere-se à ten-


dência a um determinismo causal, na medida em que “a rique-
za e complexidade históricas ultrapassam [...] o mecanicismo do
conflito polar simples. A história dificilmente se acomoda a esta
visão do conflito de classes e de sua superação dialética, em ter-
mos de leis e de devir determinados” (ARAÚJO, 1993, p. 85).
No entanto, como todos os métodos citados, há desdobramen-
tos e novas proposições, como é caso da Escola de Frankfurt22.

Os postulados de cada método apresentado comportam
variações de intensidade, indo de um mundo de construção sub-
jetiva até o outro extremo, objetivo. Dessa forma, pode haver,
por exemplo, estruturalismos mais próximos da subjetividade,
nos quais é considerada a produção de estruturas sociais pelas
pessoas, estabelecendo-se uma relação de construção recursiva
tanto delas, quanto das estruturas. De outro lado, pode haver
posições estruturalistas que têm o mundo como existência inde-
____________________
22
Esta Escola tinha como uma de suas metas básicas “a incorporação siste-
mática de todas as disciplinas da pesquisa social científica em uma teoria
materialista da sociedade, facilitando assim a mútua fertilização entre a ci-
ência social acadêmica e a teoria marxista” (HONNETTH, 1996, p.242).

147
pendente das pessoas e que tendem a entender as ações como re-
sultado das posições estruturais e papéis ocupados pelas pessoas.

Além disso, é preciso ressaltar que todo método, como


toda teoria, tem limitações. Alguns se inter-relacionam ou mes-
mo são desdobramentos ou conjunções de outros – sendo que
tais ramificações não foram aqui abordadas. Também há dife-
rentes apropriações deles por diferentes teorias, o que leva a
muitas possibilidades de variantes teórico-metodológicas, e a
distintas maneiras de relacionar os autores a esses referenciais.

As teorias, como afirmado anteriormente, são muito di-
versas e amplas, definidas a partir das áreas de conhecimento e dos
fenômenos ou aspectos da realidade que se propõem a explicar, e
de sua apropriação e relação com o método. Seria impossível apre-
sentar uma relação delas, dada a multiplicidade de aspectos que
podem ser estudados, mesmo considerando apenas a Educação.

Entretanto, pode-se afirmar que nas Ciências Humanas,


que têm como objeto o homem e a sociedade, há dois extremos:
de um lado estão as teorias mais preocupadas em compreender
as pessoas e como elas constroem suas explicações da realida-
de e suas práticas, mesmo quando não têm consciência disso; e
de outro, aquelas que se dispõem a explicar a estrutura, o que é
concreto, ou seja, a realidade independente da vontade ou per-
cepção das pessoas, contemplando inclusive processos e práticas
cristalizados, aos quais as pessoas estão submetidas, como fun-
ções sociais. Entre estes dois extremos, as teorias se distribuem.

Explicações intermediárias admitem, por exemplo, que as


pessoas criam a sua realidade ao longo da história, ou seja, seus

148
pensamentos e escolhas ocorrem simultaneamente à ação, obten-
do resultados concretos, mas considerando que estão também li-
mitadas no tempo e no espaço. Essas diferentes perspectivas estão
articuladas, como se pode perceber, a proposições epistemológi-
cas de distintos métodos. No entanto, cabe lembrar que por vezes
há teorias derivadas de um único método, mas com abordagens
distintas, devido às diferentes ênfases e apropriações que fizeram.

Por exemplo, o caso do método estruturalista. Pierre Bour-
dieu identifica sua obra – que constitui aTeoria dos Campos – com o
estruturalismo, porém reformula alguns de seus princípios, como
a tendência de ignorar o sentido que os agentes dão a suas ações, e
acrescenta em sua análise a noção de estratégia, à de regra. Segun-
do ele, sua dúvida em relação ao estruturalismo era que “queria
reintroduzir de algum modo os agentes, que Lévi-Strauss e os es-
truturalistas, especialmente Althusser, tendiam a abolir, transfor-
mando-os em simples epifenômenos da estrutura” (2004, p. 21).

Dessa forma, visava superar a dicotomia entre uma abor-


dagem objetivista, determinista, em que as pessoas são totalmen-
te submetidas às estruturas, e uma subjetivista, em que as pes-
soas são privilegiadas na análise e têm reconhecida e valorizada
sua liberdade em relação às estruturas. Pierre Bourdieu identifi-
ca sua obra com o que chama de estruturalismo construtivista23:

Por estruturalismo ou estruturalista, quero dizer que exis-


tem, no próprio mundo social e não apenas nos siste-
mas simbólicos [...], estruturas objetivas, independen-
tes da consciência e da vontade dos agentes, os quais são
capazes de orientar ou coagir suas práticas e representações.
____________________
23
Bourdieu distingue o uso do termo estruturalismo com o qual se identifica, do
sentido do de Lévi-Strauss, pois reconhece a existência de estruturas objetivas que
atuam sob os agentes e que lhes são independentes, porém aplica essa noção aos
sistemas simbólicos e às suas práticas e representações.

149
Por construtivismo, quero dizer que há, de um lado, uma
gênese social dos esquemas de percepção, pensamen-
to e ação que são constitutivos do que chamo de habi-
tus e, de outro, das estruturas sociais, em particular do
que chamo de campos e grupos, e particularmente do que
se costuma chamar de classes sociais (2004, p. 149).

Dessa forma, pode-se notar que há apropriações particula-


res do método, por isso a dificuldade de classificação. Nem sem-
pre os autores explicitam essa identidade e, por vezes, embora
neguem, podem ser avaliados por seus leitores como utilizando
tal ou qual método.

Para cada nível de produção do conhecimento, há corres-
pondentes exigências para a pesquisa, que vão sendo ampliadas.
Assim, em um TCC de graduação ou especialização, não é ne-
cessário haver uma explicitação teórico-metodológica detalha-
da ou tão aprofundada, quanto seria solicitado a uma disserta-
ção ou tese. Conforme o objeto da pesquisa, a apresentação de
um conceito principal e de obras de referência sobre o tema,
evidenciando qual a sua contribuição para pensar aquele tema,
pode ser suficiente, o que deverá ser discutido com o orientador.

No entanto, é importante que se tenha o conhecimen-


to sobre os elementos teórico-metodológicos, pois eles estarão
perpassando as leituras e discussões desenvolvidas ao longo do
Curso, bem como as leituras específicas que serão feitas para a
produção de seu TCC.

Identificar qual é a perspectiva teórico-metodológica do


autor que você está lendo é um exercício que deve ser contínuo, a
fim de aprimorar sua compreensão sobre o tema e, se for o caso,
perceber distintas perspectivas sob as quais ele pode ser abordado.

150

ATIVIDADES


Acesse o site do Scielo – www.scielo.br – e escolha
a opção de língua “Português”, no menu à esquerda da página.
Por meio da busca, identifique um artigo que trate do as-
sunto de seu interesse, relacionado à temática deste Curso.

1.Leia o artigo (siga o roteiro apresentado no tópico 4.1), iden-
tificando:

Qual o objetivo do artigo, segundo o autor? Ele o atingiu?



Quais as palavras-chave utilizadas pelo autor?

Qual o principal conceito que o autor utilizou?

Quais os autores de referência do artigo, que sustentam a dis-
cussão sobre o tema abordado?

A partir dos quadros do tópico 3.2.1., qual o método que
parece mais presente no artigo selecionado? Quais elementos o
levaram a essa opção?

O artigo traz explicitamente proposições para aplicação práti-
ca, a partir das discussões ou análises feitas? Quais?

Se o artigo não traz explicitamente proposições práticas, iden-
tifique ao menos dois elementos que o compõem, que podem ser
úteis para a reflexão e até mesmo a orientação para ações relacio-
nadas ao tema do artigo.

151
O artigo traz (implícita ou explicitamente) sugestões de outras
pesquisas que poderiam derivar desta, como um desdobramento,
que poderia ser um tema para seu TCC? Qual(is)?

2. Compartilhe com a turma o artigo selecionado no site Scielo,


por meio do Glossário. Insira ali o link e a referência do artigo,
utilizando uma palavra-chave (aquela que melhor reflete o tema
abordado), com um breve comentário (3 a 5 linhas) sobre as con-
tribuições do trabalho para quem quer conhecer melhor o tema.

152
4.PESQUISA ACADÊMICA: CUIDADOS INICIAIS

Considerando as discussões desenvolvidas nas Unidades


anteriores, neste o propósito é trazer orientações mais práticas,
até operacionais, decorrentes e relacionados aos cuidados que fo-
ram enunciados e fundamentados anteriormente.

4.1 LEITURA – CUIDADOS E ORGANIZAÇÃO

Muitas vezes, por estar a algum tempo distante de leituras


acadêmicas, o aluno de um curso de especialização pode ter algu-
ma dificuldade em como ler e organizar suas leituras, tanto para
seu uso pessoal e profissional, quanto para posterior utilização na
construção de seu TCC. Assim, alguns cuidados são importantes.

Na obra Metodologia de Pesquisa, de Severino (2000, p. 47-
61), são apresentados, no capítulo “Diretrizes para a leitura, aná-
lise e interpretação de textos”, alguns cuidados relacionados à lei-
tura. O autor propõe camadas ou etapas desse processo, a saber:

I - Análise textual – Constitui a primeira abordagem do texto, na
qual o leitor deve identificar: a autoria (quem é o autor); o con-
texto (quando foi produzido, se há alguma finalidade para além da
acadêmica, por exemplo); o vocabulário (se há termos ou concei-
tos específicos, que o leitor deve compreender para também com-
preender o texto como um todo); e estrutura básica (do texto).

II - Análise temática – Visa à compreensão da mensagemglo-
bal do texto. Nela, o leitor deve buscar “ouvir” o autor, sem
intervir (ou seja, sem julgar as ideias, mas somente entenden-
do o que o autor quer dizer); identificar claramente do que
fala - tema ou assunto; qual a problematização feita; como está

153
sendo tratada; como o autor fala sobre o tema, como o res-
ponde; e separar ideias principais e secundárias (podendo utili-
zar mapa conceitual para auxiliar na organização dessas ideias).

III - Análise interpretativa – Nesta etapa, o objetivo é situar o


texto no contexto do autor (vida, formação, história, referen-
cial teórico), para poder explicitar os pressupostos que ele as-
sume no texto. Também visa a aproximar e associar ideias
do autor com outras ideias relacionadas à mesma temática,
e exercer uma atitude crítica frente às posições do autor em
termos de coerência interna da argumentação; validade dos
argumentos utilizados; originalidade do tratamento; profun-
didade de análise do tema; alcance de suas conclusões e con-
sequências; e apreciação e juízo pessoal das ideias defendidas.

IV – Problematização – Esta pode ser desenvolvida individualmen-


te ou em grupo, se inserida como exercício de discussão do texto.
Nela, deve-se levantar e debater questões explícitas ou implíci-
tas no texto; e questões afins sugeridas pelo leitor, tendo como
base as apreciações pessoais desenvolvidas nas etapas anteriores.

V - Síntese pessoal – A última etapa trata, como o título enuncia,
da síntese pessoal acerca da leitura desenvolvida, na qual o leitor
deve buscar reelaborar a mensagem do texto, ou seja, espera-se
que neste momento possa desenvolver sua retomada pessoal e um
raciocínio personalizado a respeito das ideias do texto; e elaborar
um novo texto, com redação própria, com apreciação pessoal.

Pode parecer exagerada a proposição acima, com tantas eta-
pas, e mesmo inviável, se cada etapa exigir nova leitura do texto. No
entanto, elas são elaboradas com finalidade didática, e, com exercí-

154
cio e prática, as três primeiras podem ser feitas simultaneamente,
subsidiando a problematização e a síntese. Desta forma, recomen-
da-se que seja exercitada ao menos uma vez, etapa a etapa, para com-
preender-se o que cada uma contém, e como se inter-relacionam.

Também é importante que seja organizado um cader-


no, ou fichas (em papel ou utilizando algum programa ou sof-
tware, conforme o aluno se sentir mais confortável) para cada
texto lido no decorrer do curso, nas quais sejam anotadas as
informações principais, que podem facilitar novas consultas
e utilização para outras discussões e trabalhos, para além dos
específicos do módulo em que foi lido e discutido. Por exem-
plo, após leitura de um texto, você pode anotar a referência
dele; o tema; o referencial teórico-metodológico utilizado; o
principal argumento ou trechos relevantes (alguma frase ou
ideia que sintetiza a proposição); as observações importantes
(decorrentes da síntese pessoal realizada); as palavras-chave.

Estas anotações serão úteis quando você precisar


de uma referência ou indicação de leitura e não ser neces-
sário olhar todos os textos para lembrar em qual ela está.

155
ATIVIDADES


Escolha um artigo acadêmico utilizado como referência de
um dos módulos do Curso e aplique as etapas de leitura propos-
tas, finalizando com a construção da ficha de leitura, que pode ser
adaptada com outros tópicos que você julgar relevantes para sua
organização pessoal.

Importante: cada módulo do Curso, cada leitura que você
fizer, pode contribuir para a definição futura de seu tema para o
TCC. Leia-os e estude-os com atenção.

156
4.2 ESCRITA ACADÊMICA

Outra dificuldade comum na produção de textos aca-


dêmicos é a escrita, que tem exigências de rigor e preci-
são que são resultado de um exercício de lapidação, cons-
truído ao longo do tempo. É essencial que esta questão seja
evidenciada, pois, em muitos trabalhos, a forma compromete
seriamente a compreensão do conteúdo. Assim, expressar-se
de forma adequada é fundamental em um trabalho acadêmico.
Alguns cuidados principais, a serem tomados:

Clareza: exprimir com exatidão uma ideia em uma frase.



Concisão: escrever o máximo de ideias com um mínimo de
palavras.

Correção: escrever em português correto e com a pontuação


adequada.

Precisão: ser preciso nas palavras e conceitos utilizados.

Unidade: escrever sobre uma coisa de cada vez.

Coerência: seguir uma sequência lógica para a exposição de


uma ideia.

Frase: construir com uma ideia forte e indispensável.

Parágrafo: construir de forma a não ficar muito longo, embo-


ra deva conter uma ideia completa.

Encadeamento: necessário no parágrafo, no capítulo, no traba-

157
lho completo, contendo começo, meio e fim da ideia, em vários
níveis.

Com estes elementos, o texto deve ser bastante compreen-


sível para o leitor a que se destina. Pode-se observar, pelos tópicos
enunciados, que um texto acadêmico não pode ser feito de improvi-
so, pois exige domínio do conteúdo de que irá tratar, e de um plane-
jamento de como deve ser construído, incluindo a melhor ordem de
ideias a serem apresentadas, para chegar-se à conclusão almejada.

Assim, como cuidados adicionais, deve-se evitar no texto


acadêmico:

o abuso de destaques e aspas. Um texto com muitos destaques


acaba por não evidenciar o que quer ser destacado, como um tex-
to que foi todo grifado na sua leitura, por isso é preciso ter bom
senso e só destacar o que de fato precisa aparecer. Por outro lado,
as aspas podem ser utilizadas como um recurso de fuga para não
explicar algumas ideias;

afirmações taxativas e generalizações. Sempre, todos, tudo,


nunca, ou ainda, as escolas, os professores (o artigo generaliza),
são indicadores comuns de generalização, que dificilmente pode-
rão ser comprovadas. Então, sempre deve-se deixar claro aquilo
que se tem certeza e pode ser fundamentado. Por exemplo, mui-
tas escolas, ou nas escolas X e Y;

repetições. É comum termos vícios de linguagem, queapare-


cem na fala e na escrita. Nos habituamos com algumas entradas
que se tornam padrões na nossa construção de frases, e, em geral,
não percebemos isso. Por outro lado, para quem nos ouve ou lê
nossos escritos, elas saltarão aos olhos. Por exemplo, quem nunca

158
ficou riscando no caderno quantos “né” alguém falava em uma
aula ou palestra? O mesmo pode ocorrer com expressões ou pa-
lavras em textos escritos.

frases feitas, chavões. Em geral são utilizados no senso comum,
ou em conversas, e são adotados sem muita criticidade ou raciona-
lização quanto aos fundamentos do que está sendo afirmado, como
se todos compartilhassem do mesmo sentido para eles, e explicas-
sem muita coisa. Por exemplo, “na prática a teoria é outra”; e

pormenores desnecessários, conhecidos como enrolação. Me-


diante o planejamento da escrita, busca-se identificar o que é essen-
cial para a proposição apresentada no texto, evitando-se divagações
ou pormenores que não auxiliam na explicitação do argumento.

Um encaminhamento simples que pode ser realiza-


do, que auxilia bastante na identificação e correção de proble-
mas em nossos escritos, é pedir para que outra pessoa leia um
texto que você escreveu, apontando incorreções, ambiguida-
des, imprecisões, ou mesmo formas que suscitam dúvidas ou
que poderiam ser apresentadas de outra maneira. Peça que seu
leitor seja bastante rigoroso e exigente nesta leitura. Você irá
perceber que muito do que escreve, e que parece estar tão cla-
ro e evidente, nem sempre é tão claro assim para um leitor.

Por outro lado, se fizer uma troca, e você ler o trabalho de


outra pessoa, também deverá identificar problemas ou, ainda, se ele
estiver bem escrito, você aprenderá formas adequadas de apresen-
tar uma ideia. Ou seja, é um caminho positivo para o autor e o leitor.

159
ATIVIDADES

Leia o trecho abaixo, que é um parágrafo retirado de um


texto acadêmico de graduação. Com base nos elementos apresen-
tados neste tópico, identifique os problemas que ele apresenta.

“Analisando esta forma esquemática de raciocinar, onde a mídia


e os mais intelectuais sobre o assunto, sempre incentivaram a prática des-
portiva como natação, basquetebol, artes marciais entre outras atividades
para indivíduos pré-púbere e púbere, preconizando a saúde, higienização
e formação sócio-cultural, onde estas se expostas em uma grande quanti-
dade, provocam lesões em articulações, stress físico e mental e até a perca
do prazer em pratica-la, eu me pergunto: porque a musculação, se utili-
zada de maneira bem planejada e acompanhada por um educador físi-
co qualificado pode trazer todos estes adjetivos as vidas de adolescentes?”

Discuta com a turma os problemas que identificaram, e


como eles dificultam a compreensão da ideia que o autor parece
querer defender.

Agora, reescreva o texto, buscando deixar mais clara e


precisa a ideia que o autor parece defender. Atenção para forma e
conteúdo.

160
4.3 NORMAS ACADÊMICAS

Muitas vezes há a expectativa dos alunos de que na disciplina
Metodologia da Pesquisa aprenderão sobre as normas ABNT. Elas
são importantes e necessárias para que haja uma padronização na
formatação e apresentação dos trabalhos acadêmicos, porém não
são as únicas normas existentes, e, também, não constituem o ele-
mento mais relevante de uma pesquisa acadêmica, mas devem ser
atendidas. O ideal é apresentar um bom trabalho (quanto ao conteú-
do), formatado de acordo com as normas assumidas pela instituição.

As normas envolvem procedimentos de registro de refe-
rências, citações diretas e indiretas, utilização de notas de rodapé,
formatação do texto e do trabalho de forma geral. Neste material
do Curso, bem como nos artigos e livros acadêmicos que você ler e
manusear, perceberá que existe um certo padrão na forma como as
citações são feitas, ou as referências aos autores e obras utilizadas.

Embora possa aparentar ser complicada, a aplica-


ção dessas normas nada mais é do que ler um manual e seguir
suas orientações no trabalho. Uma sugestão é conhecê-las an-
tes de começar a escrever um texto acadêmico, tanto para já
habituar-se a elas – o que aos poucos permitirá sua aplicação
quase que automática, à medida que você digitar seus traba-
lhos – quanto para anotar informações necessárias, e não per-
der tempo depois, por exemplo, procurando em qual pági-
na de qual texto está aquela citação direta que foi utilizada, ou
a página (site) em que está disponível o trabalho referenciado.

Justamente por ser de aplicação simples (mas detalhada)
e poder ser atualizada periodicamente, não entraremos em mi-

161
núcias quanto às normas utilizadas na UFPR neste módulo, pois
este detalhamento é disponibilizado e atualizado pelo Sistema de
Bibliotecas da UFPR, em: http://www.portal.ufpr.br/normali-
zacao.html

ATIVIDADES


Acesse o site da Bibliotecas da UFPR e observe os cui-
dados a serem aplicados não somente no TCC, mas em todos os
trabalhos realizados no decorrer deste Curso.

Leia as orientações dos seguintes tópicos:

Estrutura de trabalhos acadêmicos

Apresentação gráfica – formatação

Página de texto – exemplo

Citação – exemplo

Referências – exemplo

Desta forma, ao final do processo, estará bastante familiarizado


com estas exigências acadêmicas.

162
4.4 PLÁGIO

Tratando-se de um trabalho acadêmico, o cuidado com


plágio deve ser constante, e não somente no TCC, mas em todas
as atividades do Curso.

De acordo com Edlund, citado por Vasconcelos (2007, p.


4):
[...] o plágio é uma violação direta da honestidade acadêmica
e intelectual. Muito embora ele possa existir sob várias for-
mas, todos os tipos de plágio se resumem na mesma prática:
representar as idéias ou palavras de outrem como se fossem
suas... mesmo a utilização das idéias do outro nas suas próprias
palavras sem citação também pode ser qualificado como tal.

Assim, sempre que utilizar trecho escrito por outra pes-


soa, como citação direta, ou quando parafrasear ideia de outro
autor, ou ainda, utilizar argumento de outrem, deve-se dar o cré-
dito ao autor original, indicando, de acordo com as normas, essa
autoria.

A utilização de plágio em um trabalho acadêmico pode ser


considerada fraude acadêmica, com diversas consequências pos-
síveis, como nota zero no trabalho, reprovação na disciplina e até
mesmo expulsão do curso (ANDRICH, 2013).

O plágio envolve uma dimensão ética. Na Unidade 1, com
base nas observações de Luna (2005), foi abordada a produção do
conhecimento como um processo coletivo, no sentido de neces-
sariamente estabelecer um diálogo com o que já existe sobre o
tema, o que deve ser feito com competência, atribuindo-se crédi-
to aos autores originais.

163
Muitas vezes, o aluno tem dificuldade em discernir com
clareza essa dimensão de plágio, pois desde a educação básica
pode ter sido frequente a cópia de trechos de livros, artigos ou
de sites, sem referenciar a origem ou indicar que se tratava de có-
pia. No entanto, no âmbito acadêmico, esta prática é inaceitável.

Este alerta é potencializado em sua importância, pois, em
especial em um Curso ofertado por uma instituição públi-
ca, gratuito para os participantes, com o propósito de apri-
morar a formação continuada deste e contribuir para a con-
solidação e fortalecimento do conhecimento sobre o tema
Educação das Relações Étnico-Raciais, é imprescindível que
todos busquem aproveitar a oportunidade de forma ética, res-
ponsável e comprometida, de forma a retribuir à sociedade
que está financiando essa oportunidade, com reflexões e uma
produção final que contribuam para o propósito do Curso.

4.5 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO E FERRAMENTAS


WEB

Em qualquer pesquisa que se proponha desenvolver no
âmbito acadêmico, necessariamente deve ser realizado um le-
vantamento bibliográfico sobre o tema, com vários propósitos,
como identificar o que já foi pesquisado, quando, onde, como,
por quem, com quais referenciais. Identificando pesquisas já pro-
duzidas, e aplicando-se a elas a leitura cuidadosa e crítica (confor-
me sugerido nesta Unidade), será possível ao interessado no tema
tanto aprofundar-se nele quanto identificar possíveis lacunas ou
questões que necessitam melhor estudo e compreensão. Ou seja,
um possível problema de pesquisa.

O caminho de busca de materiais bibliográficos sobre de-

164
terminado tema pode ser iniciado a partir da leitura de algum
artigo, livro ou capítulo de livro, de cunho acadêmico, sobre ele.
Toda obra acadêmica irá necessariamente trazer as referências
com as quais dialogou na construção do trabalho, e a forma como
tais autores e ideias estiverem abordados ao longo do texto po-
dem trazer pistas sobre o que seria mais interessante você ler.
Assim, o levantamento bibliográfico será uma atividade de ras-
treamento que pode ser iniciada a partir de um trabalho que você
avaliou como relevante, sobre a questão que pretende estudar de
forma mais aprofundada.

Também pode ter início em uma pesquisa física em biblio-


tecas, ou então, em uma busca pela internet. No entanto, neste
caso, se for uma primeira aproximação com o tema, pode haver o
risco de não saber exatamente por onde começar as leituras, caso
encontre muitas opções de títulos.

Identificando os trabalhos de interesse para leitura, a pro-
posta é que seja feita uma leitura atenta deles e a sistematização
dessas leituras, conforme o encaminhamento proposto no início
desta Unidade.

Abaixo, seguem alguns sites e ferramentas de busca via


web, úteis para o levantamento bibliográfico.

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em


Educação (ANPEd) http://www.anped.org.br/
A ANPEd, criada em 1976, possui atualmente 23 gru-
pos de trabalho, de distintos temas relacionados à Educação, sen-
do que um deles, é o GT Educação e Relações Étnico-Raciais.
No site da ANPEd, além de informações diversas relacio-

165
nadas à pesquisa e pós-graduação na área, é possível acessar, na
íntegra, trabalhos apresentados em seus eventos, Anuais e Regio-
nais; informações sobre os GTs; e a Revista Brasileira de Educa-
ção.

Banco de Teses e Dissertações (Capes)


http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses
Este banco de dados é alimentado com informações enca-
minhadas pelos Programas de Pós-Graduação brasileiros, com as
dissertações e teses neles defendidas. Ele faz parte do Portal de
Periódicos da Capes.

Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações


(BDTD)
http://bdtd.ibict.br/
Esta Biblioteca é gerenciada pelo Instituto Brasileiro de In-
formação em Ciência eTecnologia (IBICT), integrando “os sistemas
de informação de teses e dissertações existentes nas instituições de
ensino e pesquisa brasileiras, e também estimula o registro e a pu-
blicação de teses e dissertações em meio eletrônico” (IBICT, 2013).

A busca avançada permite várias entradas, procure tes-


tar palavras diferentes como assunto. O resultado da busca pode
remeter diretamente ao trabalho na íntegra, ou ao acervo da
biblioteca em que ele está depositado. Conforme a biblioteca
(como, por exemplo, a da Unicamp) pode ser solicitado um ca-
dastro simples para acessar o conteúdo. No caso da biblioteca da
UFPR, o acesso é livre, o link remete para os arquivos em pdf.

166
Biblioteca Nacional
http://www.bn.br
A Biblioteca Nacional, no Brasil, é o repositório de vá-
rios tipos de produções, inclusive bibliográficas. No link “Acer-
vo”, há subdivisões para o material, além da possibilidade (no
link “Serviços”) de reprodução de itens do acervo para usuários.

No Brasil, o ISBN (International Standard Book Num-


ber), que é o sistema internacional de identificação de livros
publicados, está sob responsabilidade da Biblioteca Nacional.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível


Superior (Capes)
www.capes.gov.br
A Capes é um órgão de fomento e normatização relaciona-
da à produção do conhecimento acadêmico. Em seu site é possível
encontrar, além do Portal de Periódicos e o Portal de Dissertações
eTeses, o Qualis, a tabela de áreas de conhecimento e editais especí-
ficos.Também é a Capes que avalia os programas de pós-graduação
stricto sensu (Mestrado e Doutorado), atribuindo-lhes notas perió-
dicas, a partir de critérios estabelecidos por área de conhecimento.

Congresso Nacional – Rede virtual de bibliotecas


http://www.senado.gov.br/senado/biblioteca/pes-
quisa/pesquisa.asp
Esta rede é “composta por quatorze bibliotecas da Admi-
nistração Pública Federal e do governo do Distrito Federal, dos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e coordenada pela Bi-
blioteca do Senado Federal” (BRASIL, 2013). Abrange a Biblio-
teca Virtual do Senado Federal, e permite a busca por coleções.

167
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq)
http://www.cnpq.br/
O CNPq é uma agência do Ministério da Ciência, Tecno-
logia e Inovação. É o responsável pela Plataforma Lattes, na qual
estão reunidos currículos dos pesquisadores brasileiros, desde
sua formação inicial – banco de dados para identificar produções,
orientações e trajetórias.

Além de editais e programas relacionados ao propósito da


agência, também podem ser acessadas informações sobre ações
para divulgação e popularização da ciência.

Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio


Teixeira (Inep)
http://portal.inep.gov.br/
O Inep, ligado ao Ministério da Educação, é responsável
por produzir, como seu próprio nome anuncia, estudos e pesqui-
sas relacionados à educação, incluindo os relativos à avaliação do
sistema educacional brasileiro (avaliação de aprendizagem, insti-
tucional, censo, entre outros).

Além de informações sobre estas avaliações, o Inep dispo-
nibiliza suas publicações para download (disponível em: http://
www.publicacoes.inep.gov.br/)

Portal de Periódicos – Capes


http://www.periodicos.capes.gov.br/
Este portal é uma biblioteca virtual que reúne periódi-
cos acadêmicos brasileiros e internacionais, boa parte com tex-
to disponível na íntegra. Existe o acesso gratuito e outro, mais

168
amplo, quando feito por meio de computadores autorizados,
de instituições de ensino (como a UFPR, em suas bibliotecas).

QUALIS – Capes
http://www.capes.gov.br/avaliacao/qualis
A produção acadêmica no Brasil, em especial relacionada
às pesquisas e Programas de Pós-Graduação, é avaliada por meio
de critérios estabelecidos pelas áreas de conhecimento e a Capes.
No Qualis, encontram-se os critérios das áreas para avalia-
ção de periódicos, e a classificação dos periódicos de cada área.

Scientific Electronic Library Online (SciELO)


www.scielo.br
A SciELO é “uma biblioteca eletrônica que abrange uma-
coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros” (SCIE-
LO, 2013).

Para acessar o site, entrar no menu à esquerda da pági-


na inicial e escolher a língua “Português”. A busca pode ser
por periódico, autor ou assunto. Na SciELO também são dis-
ponibilizados, em pdf, os artigos, na íntegra, para download.

Sistema de Bibliotecas da UFPR (Sibi)


http://acervo.ufpr.br/
A busca simples pode ser feita por campos diferentes, e tam-
bém por bibliotecas. Já a busca combinada pode agregar elementos
distintos, como o assunto, a biblioteca e o tipo de material, sendo
que há materiais físicos depositados nas bibliotecas, e outros digitais.

Por exemplo, na busca simples, se colocarmos o assunto


“étnico”, virá uma listagem do acervo. Escolha uma obra e entre
no item “Detalhes”, no menu à direita da obra de interesse. Além

169
de informações como a referência para localização na biblioteca,
você poderá verificar se a obra existe em mais de uma biblioteca,
e se está disponível ou emprestada, e, neste caso, para quando está
prevista sua devolução. Outro recurso interessante dentro do item
“Detalhe”, é o “Ref. Bib.” Clicando nele, o sistema gera automa-
ticamente a informação da referência de acordo com as normas.

Ter cadastro no Sibi como usuário permite o acesso a alguns


recursos muito úteis para o levantamento bibliográfico. Paraisso,
antes da consulta ao acervo, você deverá entrar com seu login e
senha (os mesmos cadastrados para retirar livros pessoalmente), e
então poderá utilizar os recursos de Reserva on-line (e, posterior-
mente, renovações de empréstimos) e, ainda, o “Selecionar”, que
remete os dados da obra para sua seleção particular, ou seja, gera
uma listagem de obras de seu interesse em sua conta de cadastro.

O Sibi também oferece outros serviços de apoio, entre
os quais, indica caminhos para bases de acesso público (http://
www.portal.ufpr.br/bases_publicas.html) e o guia do usu-
ário (http://www.portal.ufpr.br/guia_usuario_sibi.pdf).

Scientific Periodicals Eletronic Library (Spell)


http://www.spell.org.br/
O Spell é um sistema que permite o acesso à produção cien-
tífica, em especial de periódicos. Embora não seja voltado especi-
ficamente à Educação, por abranger Administração Pública, pode
trazer materiais interessantes para alguns dos temas pesquisados.

170
Thesaurus Brasileiro da Educação
http://portal.inep.gov.br/pesquisa-thesaurus
O Thesaurus Brasileiro da Educação (Brased) é um vocabulário
controlado que reúne termos e conceitos, extraídos de documen-
tos analisados no Centro de Informação e Biblioteca em Educação
(Cibec), relacionados entre si a partir de uma estrutura concei-
tual da área. Estes termos, chamados descritores, são destina-
dos à indexação e à recuperação de informações. (INEP, 2013).

Por meio do Thesaurus, você pode identificar, por exem-


plo, palavras-chave a serem utilizadas no levantamento bibliográ-
fico. Essa ferramenta está disponível no site do Instituto Nacio-
nal de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Também é possível acessar a base Thesaurus da Unesco
(em inglês), que envolve outras áreas, para além da Educação.
(Disponível em: http://databases.unesco.org/thesaurus/)

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ci-


ência e a Cultura (Unesco)
http://www.unesco.org.br
O site da Unesco traz informações diversas sobre as suas
áreas de abrangência, como Editais, notícias, ações e projetos em
desenvolvimento. Muitos diagnósticos e estudos são disponibi-
lizados para download no item “Publicações”, havendo também a
possibilidade de pesquisa por área, como Educação.

Como exemplo, destaca-se nesta área, o Programa Bra-
sil-África e a coleção de oito volumes, intitulada História Geral da
África, disponibilizada em pdf.

171
ATIVIDADES

Entre em alguns dos sites indicados, fazendo uma busca


de assuntos de seu interesse, relacionado à temática do Curso.
Crie uma pasta para baixar os trabalhos que selecionar,e pense na me-
lhor maneira de organizá-la,se com subtemas ou por tipos de trabalho.

Compartilhe dois trabalhos que achou interessan-
tes com a turma, por meio do Glossário (link, referência do
trabalho conforme as normas e comentário de 3 a 5 linhas.
Por meio do Fórum, discuta com a turma as dificuldades
da realização da busca, e os caminhos que pensou para esta-
belecer as palavras-chave utilizadas para este levantamento.

172
5. A PESQUISA: PROJETO, DESENVOLVIMENTO E RELA-
TÓRIO

Nesta Unidade, o objetivo é apresentar passos iniciais para a


construção do projeto de pesquisa, incluindo seu planejamento ini-
cial e os tópicos que compõem um projeto, além de algumas orien-
tações quanto ao seu desenvolvimento e finalização, como TCC.

Essas minúcias são necessárias porque, conforme abordado


na Unidade 1,uma pesquisa acadêmica deve ser planejada para atender
a exigências da área em que se situa e, também, para que tenha maio-
res chances de trazer contribuições para o campo de conhecimento.

É importante destacar que necessariamente o projeto de pes-


quisa desenvolvido no âmbito deste Curso de Especialização deverá
ser relacionado à questão da Educação para as relações étnico-raciais.

5.1 ETAPAS DE CONSTRUÇÃO



A primeira coisa em que se deve pensar para a rea-
lização de uma pesquisa é a seleção do tema a ser pesquisa-
do, ou seja, a área de interesse, mesmo que neste momen-
to não consiga estabelecer uma delimitação muito precisa.
Alguns critérios podem auxiliar na definição do tema:

a sua formação, ou seja, buscar um tema que se relacio-


ne com os conhecimentos que você já têm mais aprofundados;

o interesse pessoal, buscando articular necessidades forma-
tivas que você identifica em sua trajetória com demandas que
percebe de aprofundamento, na produção acadêmica que leu;

173
a relevância do estudo, atentando para a potencial con-
tribuição que sua pesquisa poderá trazer para a área de co-
nhecimento, neste caso, para a Educação das relações étni-
co-raciais, e para outros futuros leitores e usuários dela; e

a viabilidade da pesquisa, considerando o tempo necessário
para desenvolvê-la; os recursos materiais e intelectuais que deve-
rão ser mobilizados; a existência, localização e acesso às fontes ou
materiais; a existência de orientador para aquele tema, por exem-
plo, devem ser considerados na definição do objeto da pesquisa.

Identificado o tema, mesmo que amplo neste primeiro


momento, deve-se realizar um levantamento bibliográfico ini-
cial, conforme proposto na Unidade 4, a fim de mapear o que
já existe e aprofundar e atualizar seu conhecimento sobre ele . É
possível que durante estas leituras você encontre respostas para
algumas das questões que o mobilizavam, e perceba outras muitas
possibilidades e demandas de pesquisas a serem realizadas, o que
o orientador, posteriormente, o auxiliará a equilibrar. Estas lei-
turas também auxiliarão na delimitação ou recorte do tema para
a pesquisa, que é a fase seguinte, juntamente com os objetivos.

Definindo o foco da investigação, deve-se formular um


problema de pesquisa, uma questão que o mobiliza. Isto exi-
ge reflexão crítica do pesquisador sobre o tema, pois o enun-
ciadodo problema inicia o processo de investigação, orien-
ta a coleta de dados e resultados da pesquisa. Ele deve ser
elaborado em forma de pergunta, e ser bastante claro e preciso.

Esse problema estará relacionado, conforme abordado na
Unidade 2, ao referencial teórico-metodológico com o qual você se

174
identifica, e que o auxiliará no desenvolvimento da pesquisa, haven-
do algum conceito fundamental que o acompanhará na investigação.

A partir da definição destes tópicos, deve-se pensar nas fon-
tes e metodologia mais adequadas à proposta de investigação. Per-
meando este processo, o levantamento bibliográfico será contínuo.

5.2 ESTRUTURA DO PROJETO DE PESQUISA



O projeto de pesquisa consiste no planejamento da in-
vestigação a ser realizada. A estrutura que segue é uma base
importante para a elaboração do projeto, e como você po-
derá observar, cada tópico corresponde a uma questão im-
portante que deve ser explicitada pelo pesquisador, de for-
ma a apresentar uma proposta coerente, consistente e viável.

Conforme a finalidade do projeto (por exemplo, para


uma futura seleção para o mestrado), a exigência dos tópicos
pode ter pequenas variações na ordem, ou mesmo, juntando-
se alguns deles. No entanto, o importante é que no conjunto,
todas as questões a que eles se referem estejam contempladas.

5.2.1 Tema e título



Você sabe qual é a diferença entre tema e título? Veja abai-
xo.
Tema – assunto geral a ser tratado; amplo.
Pergunta a ser respondida: Qual assunto vou estu-
dar/discutir?
Exemplo: Implementação da Lei no. 10.639/03.

Título – é mais específico, traz o tema, mas deve explicitar

175
mais clara e precisamente o que será pesquisado.

Pergunta: Qual é o objeto específico que vou pesquisar?

Exemplo: Implementação da Lei no. 10.639/03 em esco-


las brasileiras: caminhos em construção

O título pode ser ajustado, de forma a ficar preciso, até
o final do processo de desenvolvimento da pesquisa. É impor-
tante lembrar que ele deve ter essa precisão, pois gera expec-
tativa no leitor, que deverá ser atendida no corpo do trabalho.

5.2.2 Introdução, problematização e delimitação



Na introdução, deve-se trazer uma abordagem inicial
do assunto/tema tratado, sem a necessidade de ser muito de-
senvolvida, mas que dê uma ideia geral sobre o que será pes-
quisado. Ou seja, é uma apresentação do tema para o leitor.

Pergunta: O que é importante o leitor saber, inicialmente,


sobre o assunto da pesquisa? Por exemplo, tratar do contexto de
promulgação da Lei no. 10.639/03 e o desafio que ela traz para as
equipes escolares.

Após a apresentação inicial, deve-se esclarecer a proble-
matização e a delimitação que pretende desenvolver.

No caso da problematização, a pergunta a ser respondida


para o leitor é: qual questão pretendo responder ao final da pesquisa?

A problematização é o enunciado, a descrição obje-

176
tiva e clara da questão que será investigada, em forma de per-
gunta a ser respondida pela pesquisa. Trata do que será pesqui-
sado. Embora pareça simples, essa questão é fundamental para
o pesquisador ter um foco em seus esforços. Quando o pro-
blema está claro, para cada leitura que você fizer, será mais fá-
cil identificar o que é essencial ou não para sua pesquisa, e,
também, estabelecer relações entre estudos já realizados e
sua pesquisa. Por exemplo, quais propostas vêm sendo desen-
volvidas em escolas brasileiras para a implementação da Lei?

A problematização deve ser acompanhada de uma de-


limitação, que consiste na explicitação dos limites de seu pro-
blema de pesquisa, ou seja, qual recorte você faz para ela
(por exemplo, temporal, espacial, ou quanto à fonte, etc.).

Pergunta: Qual o recorte estabelecido para o desen-


volvimento da pesquisa? No nosso exemplo, uma possibili-
dade seria aseguinte: Para identificar estas propostas, será re-
alizada pesquisa bibliográfica em periódicos acadêmicos da
área de Educação, publicados no período de 2003 a 2012.

5.2.3 Objetivos

Por meio deles, deve ser evidenciado para que será feita a
pesquisa, seu propósito ou finalidade.

Para a redação de objetivos, são recomendados que:

cada objetivo tenha apenas um verbo de ação;

não faça parte dos objetivos o que se constitua obrigação meto-

177
dológica para a realização da pesquisa;

representem etapas a serem cumpridas para que seja possível


responder ao problema;

sejam viáveis;

sejam divididos em geral e específicos;

os objetivos específicos não podem ser mais amplos que o ge-


ral, mas sim partes dele.

Pergunta a ser respondida no objetivo geral: O que pre-


tendo fazer ou atingir com o desenvolvimento da pesquisa?
No nosso exemplo, um possível objetivo geral seria: Identificar
quais têm sido as ações desenvolvidas por escolas brasileiras para a im-
plementação da Lei no. 10.639/03, relatadas em periódicos acadêmi-
cos da área da Educação, ao longo de uma década de existência da Lei.

No caso dos objetivos específicos, devem ser o desdobra-
mento do geral, podendo envolver as etapas da pesquisa e ques-
tões mais detalhadas, como por exemplo: averiguar os princi-
paissucessos e dificuldades da implementação da Lei em escolas.

5.2.4 Justificativa

Diz respeito ao por que da pesquisa, sua relevância e possí-
veis contribuições. Nela, deve-se apresentar argumentação exaus-
tiva sobre a importância da realização da pesquisa – em âmbito
pessoal, profissional, acadêmico e social.

178
Embora seja o momento do pesquisador usar suas próprias
palavras na defesa de sua proposta de pesquisa, pode-se, se opor-
tuno, citar outro autor que também evidencie esta necessidade,
com a devida indicação da fonte.

Perguntas: Por que vou fazer e qual a contribuição espe-


rada ao término da pesquisa? No caso do nosso exemplo, uma
justificativa acadêmica poderia ser a sistematização das produ-
ções já existentes sobre as experiências e iniciativas desenvolvidas
em escolas, relativas à implementação da Lei no. 10.639/03, a
fim de que, a partir daí, se possa identificar os caminhos neces-
sários para a superação das dificuldades encontradas nessas pes-
quisas , e para a maior publicização das experiências de sucesso.

5.2.5 Revisão da literatura



É a apresentação do levantamento bibliográfico inicial,
buscando-se discutir o que já foi dito a respeito do tema estudado,
evidenciando o referencial ou conceito central para a sua pesquisa.
Perguntas: O que já há sobre o tema? Qual será meu olhar
sobre ele?

Deve-se abordar a literatura existente e relevante so-
bre o tema, não somente aqueles autores que corroborem suas
ideias, mas também os que delas divergem, evidenciando en-
tão sua opção e suas limitações, e relacionando esta discus-
são com sua pesquisa. No texto, aos poucos deverá ficar evi-
dente quais são suas escolhas e visão sobre o objeto estudado.

5.2.6 Metodologia

A metodologia é derivada do referencial adotado na pes-

179
quisa, conforme visto na Unidade 3, e trata da forma de desenvol-
vimento da pesquisa, abrangendo algumas perguntas: como, com
que, com quem, quando, quanto, onde vou fazer a pesquisa?

Há diferentes orientações sobre como deve ser elaborada,


mas em geral, deve contemplar:

a) descrição passo a passo de como será realiza-
da a pesquisa, por exemplo, quais os materiais ou fon-
tes serão utilizados, de forma que ao final da leitura, o lei-
tor não fique com dúvida sobre “como será feito isso?”, e
permitindo que outra pessoa habilitada possa repetir o processo;

b) descrição do instrumento de coleta de dados (por


exemplo, ficha de registro dos textos pesquisados ou ro-
teiro de questões), como, quando e onde será aplicado;

c) como será feita a organização e análise dos dados.



No caso da seleção das fontes ou materiais, podem ser os
mais variados: escritos, orais, visuais, já existentes ou produzidos
pelo pesquisador. Seja qual for o material, é importante justificar a
pertinência e acessibilidade da fonte escolhida em função do proble-
ma de pesquisa, e também os critérios utilizados para sua escolha.

Os instrumentos para coleta e organização dos dados es-


tão relacionados ao tipo de fonte para a pesquisa. Por exemplo,
no caso de pesquisa bibliográfica, pode ser utilizado um formu-
lário ou ficha para anotação dos itens de interesse. Quaisquer
que sejam os instrumentos escolhidos, o pesquisador deve ex-
plicar porque eles são os mais adequados para captar as infor-
mações relevantes para o referencial adotado e o problema abor-

180
dado, bem como os critérios que utilizou para selecioná-los.

Articulada e decorrente do referencial ou con-
ceito, do tipo de material utilizado e do instrumento de
pesquisa está a análise a ser desenvolvida pelo pesqui-
sador, que consistirá no olhar crítico e reflexivo sobre a lite-
ratura e os dados coletados, tendo como foco a construção da
resposta ao problema de pesquisa e aos objetivos enunciados.

5.2.6.1 Pesquisa bibliográfica



Existem várias possibilidades quanto a tipos de pes-
quisa que podem ser realizadas, mas devido ao tempo dispo-
nível, à finalidade formativa e às exigências relacionadas ao
TCC de Curso de Especialização, a pesquisa bibliográfica é
a mais recomendada, por várias razões, como por exemplo:

permite a familiarização e aprofundamento de leitura do alu-


no, em relação à produção acadêmica existente sobre o tema,
como a pesquisa em si;

caso o aluno almeje posteriormente continuar os estudos, em


um mestrado, por exemplo, este aprofundamento de leitura e
compreensão lhe trará benefícios importantes na formação e no
domínio sobre o tema. A permanência do mesmo tema do TCC
(com outro nível de problematização) em um projeto de mestrado
em geral é bem vista pela banca de seleção, pois indica um amadu-
recimento do olhar e do conhecimento do aluno sobre a questão;

contribui com a área de conhecimento, por meio desta seleção
e análise mais rigorosas, para evidenciar questões já resolvidas,
repetições e, ainda, apontar possíveis necessidades de desdobra-

181
mento destes estudos; e atualmente, há acesso facilitado a produ-
ções acadêmicas, em especial no caso de periódicos, que disponi-
bilizam os trabalhos na íntegra para download, o que permite ao
aluno que trabalha desenvolver a pesquisa em horários e em locais
que lhe sejam mais adequados. Ou seja, impacta diretamente na
viabilidade de realização da pesquisa.

Deste conjunto de razões decorre a abordagem específi-


ca deste tipo de pesquisa nesta Unidade, e leva à recomendação
de que ao identificar o tema de interesse, o aluno deste Curso
desenvolva proposição de pesquisa bibliográfica para o seu TCC.

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de ma-


teriais já elaborados, a respeito de determinado tema, e dis-
ponibilizados como artigos, livros, dissertações ou teses.

Ela pode ser base exploratória para outros objetivos de
pesquisa, ou pode ser a pesquisa em si, dependendo da forma
como for delineada e organizada. No primeiro caso, ela é as-
sumida como o levantamento bibliográfico inicial, já abor-
dado na Unidade 4. O segundo caso exige maior explicita-
ção dos caminhos de sua construção e desenvolvimento para
constituir o TCC. No exemplo de problema e objetivo apre-
sentados nesta Unidade, na metodologia deveria constar:

quais são os periódicos que serão estudados? Por que estes e
não outros? Por exemplo, podem ser os periódicos com classi-
ficação A1 (a mais elevada) de acordo com o Sistema Qualis, da
Capes, na área de Educação.

qual o recorte temporal para o levantamento dos artigos? Por


quê? Por exemplo, de 2003 a 2012, em uma década de promul-

182
gação da Lei.

qual será o critério de seleção dos artigos para análise? Por


exemplo, palavras-chave, a partir de termos do Thesaurus.

como será feita a busca? Quais palavras-chave serão utilizadas?

quais informações serão sistematizadas na leitura dos ar-


tigos? Como serão organizados? Neste caso, pode ser proposta
uma ficha em que serão feitas as anotações a cada leitura, para
posterior sistematização. Os campos a serem selecionados de-
penderão bastante da problematização proposta, e devem estar
relacionados. Por exemplo, pode-se selecionar informações do
autor, instituição de origem, ano de publicação, se o texto re-
lata caso de escola pública ou privada, qual referencial, ou con-
ceito, ou autores, ou obras de referência utilizados, apresen-
ta problemas ou sucessos, ou ambos, entre outras questões;

o que você procurará identificar ao longo dos dez anos pes-
quisados?Esta questão se refere mais diretamente à análise
que será feita da produção identificada, após a leitura e preen-
chimento das fichas. Por exemplo, se o número de artigos ao
longo do tempo aumentou e continua crescente, ou se já teve
um aumento e está diminuindo; quais autores ou conceitos
são mais recorrentes, se isso ocorre em toda a produção ou
há variações ao longo do tempo; os casos de sucesso das ini-
ciativas têm quais elementos em comum; quais as dificulda-
des mais recorrentes, de acordo com os artigos, entre outros;
em complemento ao item anterior, no qual serão identifica-
dos elementos pertinentes ao seu problema de pesquisa, no mo-
vimento dentro do período indicado, a análise dessas informações
deverá ser feita com base no referencial ou conceito selecionado

183
para buscar explicar ou levantar possíveis explicações para estes
elementos. Por exemplo, se houve um pico no número de artigos
por volta de 2008 e depois decresceu, por que será que ocorreu
isso? Seria por que o tema se esgotou, já que as constatações eram
muito semelhantes? Há elementos que indiquem que a partir
daí passou-se a discutir outros temas como desdobramento des-
se primeiro? Ou, se você não investigou esses desdobramentos,
pode indicar como possibilidade a ser investigada futuramente?

Abaixo há indicação de dois artigos, sendo que o primeiro,
derivado de uma tese de doutorado, trata de uma pesquisa biblio-
gráfica de grande amplitude, chamada de estado da arte (para um
TCC de Especialização não é necessário este porte de pesquisa).
Ambos os trabalhos trazem detalhamentos que ilustram as ques-
tões levantadas neste tópico, sobre a pesquisa bibliográfica.

Acesse os dois artigos e identifique em cada um deles:

O objetivo do trabalho;

As justificativas para o recorte temporal e a escolha dos perió-


dicos e dos artigos;

Os aspectos que foram levantados pelos autores na leitura dos


artigos; e

A forma de organização e de discussão dos dados.

184
SUGESTÕES DE LEITURA
ARTIGOS PARA LEITURA

GONÇALVES, Nadia G. A relação Estado e Educação: uma análise


da produção acadêmica brasileira (1971-2000). Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, v. 86, n. 213/214, 2005. Disponível em:
<http://rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/ar ticle/
view/56>. Acesso em: 02/12/2013.

MAHEIRIE, Kátia et al. Concepções de juventude e política: pro-


dução acadêmica em periódicos científicos brasileiros (2002 a
2011). Estudos de Psicologia, Natal, v. 18, n. 2, abr./jun. 2013.
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ci_arttext&pid=S1413-294X2013000200020&lng=pt&nrm=i-
so>. Acesso em: 02/12/2013.

5.2.7 Cronograma

O cronograma constitui a apresentação das etapas de tra-
balho e intervalos de tempo a serem utilizados para desenvolvi-
mento da pesquisa, ou seja, quando será feito o quê. Pergunta:
quanto tempo levará cada etapa?

Ele pode ser organizado na forma de quadro, conforme o
exemplo abaixo, que seria adequado para uma pesquisa bibliográ-
fica. Para outros tipos de pesquisa, as etapas deverão ser ajustadas
conforme cada especificidade.

185
186
Etapas da pesquisa 2014 Jan Fev Mar Abr Mai jun jul Ago Set Out Nov Dez
Levantamento bibliográfico inicial x x

Elaboração do projeto x x

Continuidade de leituras sobre o tema x x x x x x x x x

Levantamento e seleção dos artigos x x x

Leitura dos artigos selecionados e preenchi- x x x


mento da ficha de leitura

Organização dos dados x x x

Análise e elaboração da redação preliminar do x x x


TCC

Revisão e elaboração da redação definitiva do x x


TCC
O cronograma é elemento importante para que o aluno pre-
veja e planeje, dentro do tempo disponível até a entrega do TCC,
quanto tempo e quando poderá se dedicar a cada fase, de forma a
conciliar a necessidade de cada etapa com a viabilidade de realiza-
ção da pesquisa no prazo estabelecido pela Coordenação do Curso.

Permeando todas as etapas, estará o processo de orien-
tação, durante o qual serão discutidos os resultados e materiais
parciais da pesquisa. A periodicidade desses encontros deverá ser
combinada entre orientando e orientador, de acordo com a espe-
cificidade de cada pesquisa.

5.2.8 Referências, anexos e apêndices



O tópico “Referências” trata da relação de todas as obras e
documentos ou fontes utilizados, citados ou não no decorrer do
texto. Deve seguir as normas, conforme abordado na Unidade 4,
e seguir a ordem alfabética de autores.

Atualmente não se utiliza a expressão “referências biblio-
gráficas”, pois pode haver outras fontes acessadas, por exemplo,
sites, que também devem ser listados neste item.

Eventualmente, em um projeto, pode haver algum anexo
ou apêndice, mas esses elementos são mais usuais ao final da pes-
quisa. Neles, é colocado todo material considerado relevante, que
deve ser apresentado ao leitor, e que não foram inseridos em tópicos
anteriores do projeto por serem impertinentes, como leis, mapas,
gráficos, tabelas, ilustrações, ou instrumentos de coletade dados,
como no caso aqui exemplificado (ficha de leitura dos periódicos).

187
Anexo se refere ao que já estava pronto e foi utilizado
(exemplo – lei); e Apêndice é o que você elaborou para a pesquisa
(exemplo: ficha de leitura).

188
ATIVIDADES


1)A partir do que já conhece sobre o tema e das leituras iniciais
desenvolvidas no Curso, inicie um esboço de seu futuro projeto
de pesquisa, contemplando os seguintes tópicos:

Tema

Problema

Delimitação

Objetivo

Metodologia

Possível referencial (autor, obra ou conceito)



Procure atentar para a precisão e detalhamento o quanto
possível, para a coerência interna na proposta, para a articulação
necessária com o tema do Curso, e para a sua viabilidade.

2) O tutor da turma organizará grupos de quatro pessoas para análise


e discussão dos esboços entregues como atividade 1. Cada aluno de-
verá ler os esboços dos três colegas e elaborar um parecer (para cada
esboço), com base no roteiro abaixo e nas informações do tópico 5.2.

É importante que nesta leitura e na escrita dos comentários,
você procure contribuir com o colega, apresentando sugestões que
possam auxiliá-lo na reescrita da proposta. O leitor deverá assumir
esse exercício como uma contribuição para o colega aperfeiçoar

189
a sua proposta, por isso deve ser bastante minucioso em sua lei-
tura, abrangendo elementos de forma (clareza, normas gramati-
cais e acadêmicas) e de conteúdo (precisão, adequação, coerência
e pertinência). Também deverá, se possível, sugerir leituras que
conheça, sobre o tema de interesse do colega autor da proposta.

Roteiro para análise dos esboços de pré-projeto:

O tema proposto está relacionado ao tema do Curso?

O problema está claro?



A delimitação está justificada, é plausível?

Os objetivos estão coerentes (geral e específicos)? Estão clara-
mente enunciados? São viáveis?

A metodologia está clara, é adequada ao problema e objetivos?


As fontes estão acessíveis, são pertinentes para os objetivos pro-
postos?

O possível referencial (autores ou conceitos) apresentado é


adequado para os objetivos e o problema de pesquisa?

Poste, separadamente, cada um dos seus parece-
res no Fórum, e em seguida, discutam, entre os mem-
bros do grupo, as contribuições, esclareçam dúvidas a
respeito dos comentários dos colegas, busquem prever as di-
ficuldades e os caminhos possíveis para a proposta de cada um.

Todo projeto de pesquisa passa, em seu processo de cons-
trução, por várias versões. Por isso este exercício tem como um de

190
seus objetivos, iniciar mais formalmente o processo. A partir das
observações do leitor, que devem ser tomadas como contribui-
ções, o autor do esboço de projeto analisado deverá posteriormen-
te refletir sobre como elas o auxiliam a aperfeiçoar sua proposta.

191
5.3 CUIDADOS NO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Um projeto bem elaborado é fundamental para que o
desenvolvimento da pesquisa transcorra sem grandes percal-
ços – ao menos, aqueles que estão sob controle do pesquisador.

Mesmo assim, ajustes são comuns no processo, e devem
ocorrer sempre que houver a avaliação de que algo que foi pla-
nejado não está tão adequado, ou então, se mostra inviável de
ser realizado. Por exemplo, no caso de pesquisa bibliográfica, não
encontrar artigos sobre o tema nos periódicos selecionados. Uma
possibilidade de ajuste para essa situação seria expandir os títulos
de periódicos abrangidos pela pesquisa. Neste caso, também, a
própria inexistência de artigos sobre o tema (implementação da
Lei no. 10.639/03) em periódicos acadêmicos considerados rele-
vantes na área da Educação pode e deve ser problematizada.

Neste caso, a ausência ou o silêncio na abordagem do tema
pode ser discutido como problema de pesquisa (o ajuste passaria
a ser uma redefinição mais ampla).

Com base no estabelecido no projeto, é importan-


te atentar para que o trabalho não seja puramente descriti-
vo, buscando evidenciar a interlocução com o conhecimento
já produzido na área e trazendo alguma contribuição particu-
lar, mesmo que não seja apontar respostas, mas problematiza-
ções e questões que você percebeu, e que não eram o seu ob-
jeto imediato. Neste caso, ao evidenciá-las, a contribuição é
indicar novas possibilidades para futuras pesquisas na área.

É importante estar em diálogo com o orientador, que ne-


cessariamente é alguém com mais experiência em pesquisa, e que

192
tem como função auxiliar o aluno no processo de aprendizado e
desenvolvimento de uma pesquisa acadêmica.

Cada orientador tem uma dinâmica própria para desenvol-
ver essa atividade, mas alguns elementos podem ser considerados
consensuais e importantes:

Que o aluno produza material escrito, para as conversas e dis-
cussões de orientação. Isso porque ao forçar-se a escrever, o aluno
exercita precisão, organização das ideias, e a sistematização de sua
pesquisa, ao mesmo tempo em que apresenta ao orientador, sub-
sídios para que este dimensione melhor leituras que devem ser
feitas, ajustes, ou complementos necessários.

Comprometimento e responsabilidade do aluno com a produ-


ção do TCC, incluindo atendimento a leituras e prazos para apre-
sentação de partes do texto e entrega do TCC, em complemento
ao item anterior.

5.4 RELATÓRIO DE PESQUISA



O TCC constitui um relatório de pesquisa, e deve neces-
sariamente contemplar Introdução, Desenvolvimento e Conclu-
são, atendendo às normas23 , conforme abordado na Unidade 4.

No caso da Introdução, em geral é aproveitado o texto do
projeto, com pequenos ajustes e atualizações, inclusive no tempo
verbal, agora como trabalho já realizado. Mais uma vez reitera-se
a relevância de um projeto bem feito, pois ele será futuramente
parte constituinte do TCC.

A Introdução deverá contemplar a apresentação do tema,

193
a delimitação, a problematização, os objetivos, a justificativa e a
metodologia, não necessariamente se mantendo cada item em
separado, com subtítulo. No caso da metodologia, é importante
detalhar como foi feito todo o processo de pesquisa, incluindo os
ajustes em relação ao previsto inicialmente.

Por vezes, o aluno é orientado para que o item revisão da li-


teratura, constante originalmente no projeto, permaneça na intro-
dução, ou então, que seja transposto para a parte de desenvolvimen-
to do TCC. Caso ocorra a segunda opção, é importante que junto
da problematização ou da metodologia, ainda na Introdução, seja
apresentado o referencial ou conceito principal, a ser utilizado para
a análise. Também podem ser apresentadas dificuldades enfrenta-
das no decorrer da pesquisa e ajustes que precisaram ser realizados.

O Desenvolvimento pode ter um outro título en-
quanto capítulo, ou até mesmo ser composto por mais de um
capítulo. Essa é uma decisão a ser tomada no decorrer da
pesquisa, em conjunto com o orientador, que também o au-
xiliará quanto à organização do conteúdo desta parte do tra-
balho, que dependerá do objeto e da metodologia utilizada.

Seja qual for a opção quanto ao Desenvolvimento, neces-


sariamente deverá trazer a descrição dos dados e sua análise, em
diálogo com a literatura pertinente. Se essas duas dimensões serão
apresentadas separadas ou intercaladas deve ser discutido com o
orientador, que saberá qual a melhor opção para aquele material.
Finalmente, na Conclusão, retoma-se o problema de pesquisa
e seus objetivos, evidenciando as respostas que conseguiu ob-
____________________
23
No site do Sistema de Bibliotecas, a orientação formal para o TCC pode ser consultada
no item “Modelo para trabalhos acadêmicos” (http://www.portal.ufpr.br/normalizacao.
html).

194
ter e construir ao longo do desenvolvimento da investigação.
Alguns optam por utilizar a expressão Considerações Finais,
por entender que a questão nunca está totalmente resolvida.

Neste sentido, algo muito positivo que pode constar nes-
ta última parte do texto são aquelas sugestões de possíveis des-
dobramentos para outras futuras pesquisas. Desta forma, o au-
tor auxilia outros interessados no tema a identificar caminhos
necessários para o estudo e aprofundamento daquele tema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste módulo foram apresentados cuidados, orientações
e condições, necessários para o desenvolvimento de pesquisas no
campo da Educação.

A expectativa é de que, embora de caráter introdutório,


este material possa esclarecer desafios da produção de conheci-
mento, de forma que o aluno do Curso de Especialização em Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais possa estar atento a elementos
importantes para essa construção, organizando-se para seu TCC.
Relembrando, todas as indicações de bibliografia listadas no item
Referências, bem como os sites sugeridos, devem ser buscados, a
fim de aprofundar a compreensão sobre os tópicos aqui abordados.

Agora, mãos à obra.


Bom trabalho!

195
REFERÊNCIAS

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n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n.
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e ba-
ses da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede
de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro
-Brasileira e Indígena”. Brasília: Diário Oficial da União. Dispo-
nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 73, p. 67-75, maio 1990.

201
202
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS

ABERTURA DO MÓDULO III


Caro/a cursista,

Neste módulo III são apresentados dois temas que, embora
diversos, estão inter-relacionados. No primeiro texto, "Aponta-
mentos sobre o racismo no Brasil", o autor Paulo Vinícius Baptis-
ta da Silva explora conceitos fundamentais para a compreensão
da maneira pela qual a temática das relações raciais foi abordada
e vivida ao longo de nossa história. Dentre eles, incluem-se as
noções de raça, racialização, racismo, etnia, discriminação, bem
como a maneira pela qual elas contribuem para a compreensão da
dinâmica das relações raciais no país, tanto no passado quanto no
presente.

O texto intitulado “O ensino da história e cultura afro-bra-


sileiras e a temática religiosa: dilemas enfrentados na aplicação da
lei 10639/03”, de minha autoria, parte da análise das dificuldades
deprofessores ao lidar com a questão da religiosidade afro-brasi-
leira em sala de aula, resultante de um desconhecimento da te-
mática mas, também, de uma forte relação estabelecida no Brasil
entre preconceito racial, preconceito religioso e medo de feitiça-
ria (identificado com as práticas religiosas negras). O texto indica
como tais preconceitos se constituem e consolidam ao longo da
história nacional, desde o período colonial até os nossos dias. Em

203
seguida, passa a delinear a influência da religiosidade africana no
contexto religioso brasileiro, abordando de maneira sintética não
apenas as religiões denominadas afro-brasileiras (religiões de ma-
triz africana - sendo o candomblé a mais conhecida -, e umban-
da), mas também as influências negras no catolicismo e no mundo
evangélico (tendo como foco, neste último caso, o neopente-
costalismo, em especial a Igreja Universal do Reino de Deus).

Esperamos que este módulo contribua para um aprofun-


damento referente à compreensão das relações raciais contem-
porâneas, como elas refletem e se desdobram no universo esco-
lar, de que maneira tais desdobramentos trazem desafios para o
professor e como lidar com os desafios em contextos específi-
cos. Em especial no que tange à religiosidade afro-brasileira e as
reações tanto racionais quanto afetivas que a temática mobiliza.

Desejo a todos boa leitura.


Profa. Dra. Liliana Porto

204
ANTROPOLOGIA DAS POPU-
LAÇÕES AFRO-BRASILEIRAS

MÓDULO III
Ao final deste módulo, você deverá:

Compreender as novas perspectivas apontadas para a


história da África que supera a representação estereotipada e eu-
rocêntrica.

Compreender o contexto do processo da escravização


de povos africanos no Brasil para além dos motivos apontados
pela versão oficial comumente expressa em livros didáticos.

Identificar as nuances envolvidas nos movimentos abo-


licionistas e seus objetivos.

205
206
Ohene aniwa
Ohene aniwa twa ho hyia

Os olhos do rei.
Os olhos do rei estão em todos os lugares.
Símbolo da vigilância, proteção, segurança e excelência.

APONTAMENTOS SOBRE O RA-


CISMO NO BRASIL
PauloVinícius Baptista da Silva1

Este artigo traz conceituações e abordagens que são ori-


ginárias de estudos e contribuições das Ciências Sociais. Nele são
apresentadas definições de termos importantes para a compreen-
são das relações raciais no Brasil, como raça/cor, racismo, entre
outros. Boa leitura!

1. O CONCEITO DE RAÇA/COR

A palavra raça, de origem latina, era utilizada no único


sentido de designar grupos de animais da mesma espécie, mas
com aspectos distintos (BUENO, 1967). No século XVI populari-
zou-se o uso para designar grupos humanos, inicialmente na Itália
e França e, logo a seguir, nos outros países de língua latina e nos
de língua anglo-saxônica. Os agrupamentos humanos passaram a
ser classificados em função de diferenças físicas, supostas ou reais.
Tais diferenças, reais ou imputadas, foram utilizadas como justi-
ficativa para formas específicas de tratamento a grupos e pessoas,
implicando em preconceitos, discriminações e segregações. No
século XVII, e principalmente no XVIII, as teorias racistas ad-
____________________
1
Doutor em Psicologia Social; membro do Núcleo de Estudos Afro-Bra-
sileiros (NEAB-UFPR) e Coordenador do Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação na Universidade Federal do Paraná; Coordenador do
GT 21 – Educação e Relações Raciais da ANPED; representante da Re-
gião Sul na Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) (ABPN).

207
quiriram importância para explicar diversos fenômenos sociais e
justificar novas desigualdades (WIEVIORKA, 1992).

No início do século XIX as teorias racistas foram decisivas


para números processos sociais e o racismo foi determinante para
diversas tragédias humanas. As ideias do racismo, que se dizia cien-
tífico, difundiram-se bastante e as formas de classificação das pes-
soas baseado na suposta ideia de existência de raças foram muito
efetivas sendo que sua influência atravessou os séculos. No século
XX as ideias racistas continuaram muito atuantes e tomaram par-
te em diversas tragédias sociais. A ideia de raça e o racismo foram
princípios basilares do fascismo europeu e resultaram no ho-
locausto judeu na segunda guerra mundial. Após o término da
guerra e com a organização das multilaterais ocorreu um esforço
em comprovar que raça não existe do ponto de vista biológico.

Em termos biológicos só é plausível falar de uma raça, a


raça humana. No entanto, no século XVIII e principalmente no
XIX alguns intelectuais europeus criaram teorias (que denomi-
nadas “racismo científico”) baseadas na ideia de que existiam dife-
renças biológicas entre os seres humanos. Propuseram a existência
de diferentes raças humanas e uma hierarquia entre elas, baseadas
no suposto critério de mais proximidade da razão e civilidade. As
raças eram classificadas em: 1) brancos – europeus; 2) amarelos
– asiáticos; 3) vermelhos – americanos e australianos; 4) negros –
africanos. Além dessas, outras formas de classificação foram pro-
postas. Porém, essa distribuição mais generalizante em cor/conti-
nente foi amplamente divulgada e aceita. As ideias do racismo, que
se dizia científico, difundiram-se bastante e as formas de classifica-
ção das pessoas baseando-se na suposição de existência de raças fo-
ram muito efetivas, sendo que sua influência atravessou os séculos.

208
Ato contínuo a essas tragédias, o conceito de raça passou a
ser recusado pela Biologia e as Ciências Sociais que tomaram o ra-
cismo como objeto de estudo. Raça passou a ser entendida como
uma construção social. As diferenças entre os seres humanos, reais
ou atribuídas, são significativas a partir dos sentidos a elas conferi-
dos. A maioria absoluta da comunidade científica passou a refutar
as teorias racistas, mas diversas práticas sociais mantêm vivos os
conceitos de raça e racismo. As pessoas continuam a classificar as
outras em função de diferenças imputadas à raça, crença que conti-
nuou a exercer papel importante sobre diversos fenômenos sociais.

As ideias racistas continuaram existindo e pesquisadores


de continentes diversos (por exemplo, Du Bois, 2000, nos EUA;
Wieviorka, 2000, na Europa; Coetzee, 1999, na África; Fernan-
des, 1964, no Brasil) apontaram não somente a permanência de tais
ideias como também sua forte atuação social, em diferentes con-
textos, para classificar e inferiorizar determinados grupos sociais.
Formula-se e se torna corrente o uso do termo racialização para
falar de tais processos de transformação de grupos sociais especí-
ficos em “raças”. Racialização, portanto, significa classificar e infe-
riorizar determinado grupo social, baseado em características que
podem ser de aparência ou não, culturais ou de origem, reais ou
imputadas. Tais processos podem ocorrer em contextos geográfi-
cos e históricos diversos. Por exemplo, na Europa contemporânea
a racialização passou a pesar também contra europeus do leste e se
manifesta, por exemplo, na racialização de “turcos” na Alemanha
(BEM, 1993), de Albaneses na Itália (BALBO; MANCONI, 1993).
Na América Latina é comum a racialização de indígenas e de ne-
gros, entre outros, conforme aponta TeunVan Dijk (2008, p. 23).

209
[...] as diferenças contemporâneas entre o México, o Brasil e
a Argentina, por exemplo, são profundas devido a uma dife-
rente história de imigração, desenvolvimento histórico e po-
sição dos grupos minoritários. A Argentina e o Chile recebem
imigrantes de países vizinhos que são economicamente me-
nos importantes. O México está ‘exportando’ seus próprios
emigrantes para os Estados Unidos e, ao mesmo tempo, per-
segue e explora emigrantes da América Central que atraves-
sam o país a caminho dos Estados Unidos. O Brasil tem com-
parativamente uma pequena minoria indígena. Na Argentina
e especialmente no Chile, os grupos minoritários podem ser
um pouco maiores, mas deve-se considerar que a maioria da
população possui raízes indígenas. Os povos indígenas for-
mam grandes minorias ou a maioria no México, na Guate-
mala, na Bolívia e no Peru. Por outro lado, os latino-ameri-
canos de origem africana representam minorias consideráveis
apenas no Caribe, na Venezuela, na Colômbia, [...] e grupos
muito menores em outros lugares, como México e Peru.


O processo denominado racialização implica que, ao
ser tratado como inferior o grupo social racializado têm, siste-
maticamente, negado ou dificultado o acesso a bens materiais
ou simbólicos, fazendo com que raça, mesmo não existindo
como diferença biológica, exista do ponto de vista social. Ou
seja, ao se tratar sistematicamente determinados grupos sociais
como inferiores, as raças tornam-se plenas de existência social.

Com base na classificação de raça/cor das pessoas são


mobilizadas uma série de expectativas sociais, pautas de com-
portamentos e definição de espaços sociais. O processo de tra-
tar determinado grupo social como inferior e que têm, siste-
maticamente, negado ou dificultado o acesso a bens materiais
ou simbólicos, faz com que raça/cor, mesmo não existindo
como diferença biológica, torne-se plena de existência social.

Tais exemplos tomados anteriormente servem como ilus-


tração de que o racismo e a racialização são fenômenos mundiais.

210
Mas, passemos ao contexto brasileiro.

PARA REFLETIR

Quais grupos têm sistematicamente tratamen-
to como inferiores, dificultando ou impedindo acesso
a bens sociais e pessoais no Brasil?


Observemos, por exemplo, o Programa Nacional de Di-
reitos Humanos II (BRASIL, 2002) que têm propostas específicas
para negros, indígenas e a ciganos. São estes os grupos que têm
sistematicamente acesso negado a bens materiais e simbólicos no
Brasil, a ponto de necessitarem de amparo específico na legislação
e propostas de ações relativas aos Direitos Humanos. São estes
os grupos que constantemente recebem tratamento diferenciado
baseado em suposto pertencimento a “raças”.

Sobre a população cigana brasileira, a falta de informações e
de estudos continua como principal marca. As instituições oficiais
de pesquisa pouco integram em seus estudos informações sobre a
população cigana e, no campo acadêmico, nas ciências humanas em
geral e na educação em específico, também são raros os estudos.

A população indígena foi dizimada durante séculos no
processo de colonização e interiorização do país e, segundo os
dados do IBGE de 2006, era de somente 0,3% do total da po-
pulação do país. O reconhecimento de direitos das populações
indígenas convive com processos sistemáticos de discriminação
e violações diversas. No campo educacional ocorre um atraso
muito grande que, em certa medida, tem sido contraposto por
políticas educacionais específicas bastante recentes, em especial
a necessidade de construção de uma Educação Escolar Indígena

211
caracterizada pela afirmação das identidades étni-
cas, pela recuperação das memórias históricas, pela va-
lorização das línguas e conhecimentos dos povos
indígenas, pela vital associação entre escola-sociedade-iden-
tidade, e em consonância com os projetos societários defini-
dos autonomamente por cada povo indígena (BRASIL, 2009).


A população negra corresponde a cerca de 50% do to-
tal do país, segundo dados do IBGE, que trabalha com uma
classificação de cor/etnia contendo os grupos: branco, pre-
to, pardo, amarelo e indígena. O mesmo instituto convencio-
nou utilizar o termo “negro” como correspondente ao agru-
pamento dos grupos de cor “preto” e “pardo”, o que foi, em
grande medida, incorporado pelos movimentos sociais negros.

O racismo, no Brasil, em especial em relação a indígenas
e negros, é um racismo ambíguo, que se afirma por sua negação,
bastante amparado num imaginário de mestiçagem (MUNAN-
GA, 2004). A negação do racismo gerou uma hegemonia do de-
nominado “mito da democracia racial” em grande parte do século
XX. Atualmente esse ideário de um país não racista deixou de ser
hegemônico, mas continua muito presente no imaginário social.

Alguns autores2 entendem que a utilização do conceito de


raça pelos cientistas seria sustentáculo das taxonomias raciais. Se-
gundo tais autores, ao utilizar o conceito de raça, as Ciências Sociais
e Humanas estariam oferecendo respaldo às distinções sociais que
carecem de fundamento biológico. Guimarães (2002) discute as po-
sições contrárias ao uso do termo, analisando com detalhe a posição
de Gilroy, que defende o uso do termo “raça(s)” sempre entre aspas.

Entre algumas concepções de raça, Guimarães (2002, p.


53) defende a que se baseia em dois pressupostos: 1) o reconhe-
____________________
2
No Brasil é célebre a discussão entre Peter Fry (1995-1996), Antônio Sérgio Gui-
marães (1995, 1999) e Michael Hanchard (1996).

212
cimento de que raças biológicas não existem. Raça é uma cons-
trução social, destituída de fundamentos biológicos. A ideia de
raças humanas e as bases sociais do racismo foram historicamen-
te criadas e difundidas, com objetivos políticos bem determina-
dos, mas carecem de fundamento científico. As ideias de raça têm
efetividade social em função de sua inserção no universo simbó-
lico, na construção e negociação de sentidos. Dizer que raça é
uma construção social é assumir que lhe são atribuídos sentidos
que influenciam a percepção a respeito de indivíduos e grupos e
muitas das práticas sociais a que esses são submetidos. 2) A de-
núncia de que a ideia de raça modifica-se continuamente e ma-
nifesta-se sob diferentes formas e tropos3. “O não-racialismo
não é garantia para o não-racismo, podendo mesmo cultivá-lo
se, para tanto, utilizar um bom tropo para raça” (GUIMARÃES,
2002, p. 53). O Brasil apresenta um contexto que serve para re-
futar a ideia de que o racismo depende do uso do termo raça:

As raças [no Brasil] foram, pelo menos até recentemente, no


período que vai dos anos 1930 aos anos 1970, abolidas do dis-
curso erudito e do discurso popular (sancionadas, inclusive,
por interdições rituais e etiqueta bastante sofisticada), mas,
ao mesmo tempo, cresceram as desigualdades e as queixas de
discriminação atribuídas à cor. (GUIMARÃES, 2002, p. 51).

As assertivas de Guimarães trazem elementos importan-


tes para a argumentação nesse texto. Primeiro, a noção de raça
entendida como construção social, que “tem existência nominal,
efetiva e eficaz somente no mundo social” (GUIMARÃES, 2002,
p. 50); além disso, consideramos tal conceito como instrumento
analítico necessário ao estudo das relações raciais, pois as práti-
cas discursivas mantêm arraigado o conceito de raça, que exer-
ce influência significativa sobre as práticas e organizações sociais.
____________________
3
Tropo = Emprego de palavras em sentido figurado.

213
Para lutar contra a discriminação, é necessário lhe dar rea-
lidade social (GUIMARÃES, 1995). Certas discriminações sociais
são compreensíveis somente pela ideia de raça.As desigualdades no
Brasil, na sua “estrutura”, são perpassadas pela ideia de raça, como
mostraram os estudos sobre relações raciais realizados a partir da
década de 1970 (HASENBALG, 1979; SILVA, 1980). A classifica-
ção racial determina oportunidades sociais, sendo necessário des-
velar como a produção e a reprodução das iniquidades sociais são
perpassadas pela ideia de raça. “Afinal, a linguagem científica deve
justamente ser capaz de desvendar e revelar o que o senso comum
escondeu” (GUIMARÃES, 2002, p. 56). O uso do conceito de raça,
como categoria analítica, tem um efeito político, que é lutar contra
as desigualdades que são definidas/redefinidas pelas ideias de raça.

A noção de “cor”, no Brasil, passou a ser utilizada como


tropo para raça. Cor, no contexto brasileiro, informa sobre atri-
butos diversos, cor da pele, outras características fenotípicas e,
também, certas características sociais atribuídas, tal como condi-
ção racial. Ou seja, a cor, assim entendida, passou a ser utilizada no
Brasil como uma das formas de classificação das pessoas. Alguns
segmentos e autores afirmaram que raça não era importante para
a realidade brasileira, justamente por causa de tal classificação por
cor (GUIMARÃES, 2002). No Entanto, a classificação por cor
foi utilizada no lugar de raça e orientada por esta. O uso de uma
linguagem figurada ajudou a criar o imaginário de que no Brasil
não existiria racismo, tendo decorrências políticas importantes.

214
2. O CONCEITO DE ETNIA / ÉTNICO

No Brasil, o termo étnico refere-se a grupo social que


tem traços culturais e origem em comum, bastante usado tan-
to nas ciências, em particular na antropologia, e também no dis-
curso público. Etnia é comumente aplicado a povos indígenas
(por exemplo, etnia xetá; etnia kaigank, etnia maxacalí, etc.)
ou a grupos de descendentes de povos de origem comum (et-
nia alemã, etnia italiana, e aos “sicilianos” ou “toscanos”). O ter-
mo etnia também é comumente utilizado para os povos ciganos.

No que se refere à população afro-brasileira, pode-se veri-


ficar que o termo etnia costuma não ser aplicado para designá-la
de modo tão constante quanto como em outros grupos. Diversas
são as hipóteses para a ausência dessa associação: 1) embora co-
nheçamos as regiões, nações e reinos explorados pelo sistema es-
cravista europeu e que desembocou no processo de escravização
de africanos para o Brasil, não se é possível comprovar, nos dias de
hoje, as reais raízes dos descendentes desses africanos. Logo, não
se pode identificar traços culturais e origens em comum, elemen-
tos básicos que identificam o conceito de etnia. 2) Dado o reco-
nhecimento de que raças não existem, mas que o racismo derivado
de uma falsa crença de raças (conceito construído no século XIX)
ainda se faz vigente nos dias de hoje, torna-se frágil a associação
de que as diferenças entre negros e brancos no Brasil devem-se
a meras diferenças étnicas, mas sim a diferenças racializantes.

Com relação a esta última hipótese, outro aspecto im-


portante é que do ponto de vista do reconhecimento da presen-
ça de diferentes grupos africanos trazidos forçosamente para o
Brasil, e inclusive em convergência com as divisões de nações
propostas pelas religiões brasileiras de matrizes africanas, tem

215
sido uma tendência recente utilizar a junção dos dois termos,
raça e etnia, para designar os afro-brasileiros. A expressão étni-
co-racial, portanto, tem sido usada comumente no que se refere
a leis e propostas educacionais, por exemplo. É o caso da legis-
lação que compõe a Educação das Relações Étnico-Raciais (Lei
no. 10.639/2003, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana e Lei n. 11.645/2008 – que
inclui o estudo da história e cultura sobre os povos indígenas).

216
3. O CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO E SUA RELAÇÃO
COM CULTURA

O ideário de branqueamento alimentou a noção de de-
mocracia racial. A partir dos anos 1930, a concepção do mesti-
ço como símbolo da identidade nacional passou a ser dominante
(GUIMARÃES, 2002). Ideias sobre a harmonia entre os grupos
raciais foram gestadas e difundidas. A obra Casa Grande & Senza-
la, de Gilberto Freire, foi veículo importante para a difusão das
ideias sobre a cordialidade nas relações raciais no Brasil. Em 1944,
Freire utilizou a expressão “democracia étnica e social” para des-
crever o Brasil.
No mesmo ano, num artigo de jor- No artigo Democra-
cia racial, de Antônio
nal em que relatava uma entrevista com Sérgio A. Guimarães,
Freire, Roger Bastide grafou pela primei- você encontrará mais
informações sobre esse
ra vez a expressão “democracia racial”. A conceito. Disponível
concepção de que o Brasil era um país sem em: http://www.ffl-
ch.usp.br/sociologia/
barreiras que impediam a ascensão social asag/Democracia%20
firmou-se internamente. O país esforçou- racial.pdf
se para divulgar esta imagem no exterior,
o ideário de que no Brasil as relações ra-
Acessando o link a se-
ciais eram cordiais, e que não existiam de- guir, você encontra o
marcações sociais baseadas em critérios de prefácio da obra Casa
Grande & Senzala.
raça. Tal ideário foi, após a década de 1930,
absorvido rapidamente na sociedade brasi- http://prossiga.bvgi.
igi.org/por tugues/
leira, e passou a ter uma ampla aceitação. obra/livros/pref_bra-
Mesmo integrantes do movimento negro, sil/casagrande.htm
como os líderes do Teatro Experimental do
Negro/TEN, consideraram a “democracia
racial” como presente no contexto brasilei-
ro, e utilizaram o conceito em seu discurso

217
(GUIMARÃES, 2002, p. 146). Prevaleceu a ideia de um país sem
linha de cor. “Tal idéia, no Brasil moderno, deu lugar à constru-
ção mítica de uma sociedade sem preconceitos e discriminações
raciais” (GUIMARÃES, 2002, p. 139).
Maio (1997, p.14)
aponta a mudança sig-
O início das críticas à concepção de nificativa na redação
relações raciais harmônicas chega com os do projeto da Unes-
co, mesmo antes de
resultados de pesquisas do “Projeto Unes- sua execução. O ob-
co”4, no início da década de 1950. O receio jetivo da pesquisa, na
primeira redação, era
da repetição do terror nazista era forte em “determinar os fato-
grande parte do mundo. A Unesco, recém- res que contribuíram
para a existência de
criada, visava à prevenção de tragédias se- relações harmoniosas”.
melhantes, e patrocinava estudos diversos Na versão definitiva
ficou “determinar os
sobre a questão. A imagem do Brasil como fatores econômicos,
país onde as relações raciais seriam predo- sociais, políticos, cul-
turais e psicológicos
minantemente pacíficas foi fundamental favoráveis ou desfavo-
para a escolha recair sobre o país, que re- ráveis à existência de
relações harmoniosas
presentava a esperança de relações raciais sobre grupos huma-
harmônicas. A concepção que motivou os nos”. Maio argumenta
que os resultados do
estudos era de um país como “laboratório “Projeto Unesco”, con-
da civilização” ou uma “democracia étnica” forme esse objetivo,
não foram frustrados.
(expressões de Arthur Ramos e Gilberto
Freire).

Os resultados, porém, particularmente dos estudos no


Rio de Janeiro e São Paulo, apontaram as grandes desigualdades
entre brancos e não brancos no país. O projeto foi significativo
para a crítica à concepção de “democracia racial” e para a mudança
____________________
4
O projeto envolveu estudos realizados, entre 1951 e 1953, na Bahia, por Tha-
les de Azevedo e Charles Wagley; no Rio de Janeiro, por Costa Pinto; em
São Paulo, por Roger Bastide, Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Vir-
gínia Leone Bicudo e Aniela Ginsberg; em Pernambuco, por René Ribeiro.

218
d e concepção no campo das Ciências Sociais brasileiras (particu-
larmente da sociologia).


Os dados da pesquisa, em São Paulo, descreveram a conti-
nuidade, após a escravidão, da subalternidade de pretos e pardos.
Os estereótipos contra os negros se mantinham e impediam a sua
ascensão (FERNANDES, 1971). Também no Rio de Janeiro, os
dados demográficos e educacionais apresentaram grandes distân-
cias sociais entre os grupos de cor (COSTA PINTO, 1998).

A libertação dos antigos escravizados não significou mu-
dança na estrutura de poder na sociedade. Na passagem ao mode-
lo capitalista de produção foram mantidas interdições aos chama-
dos “homens de cor”, o poder centralizado nas mãos das mesmas
classes dirigentes e foram ampliadas as distâncias sociais entre os
grupos raciais. Durante o início do século XX, as condições da
população negra mantiveram-se inalteradas, num jogo ambíguo.
Mesmo com muitos contatos e comunicação entre brancos e ne-
gros, os grupos raciais constituíam grupos socialmente separados
e irredutíveis um ao outro (FERNANDES, 1971). As relações en-
tre os grupos raciais foram regidas por uma “etiqueta” de relações
raciais que tornou o tema racial um tabu. Assim, a opinião pública
esteve informada pelos ideários do branqueamento e da integra-
ção racial. Os movimentos negros que se constituíram nas déca-
das de 1920 e 1930 foram importantes instrumentos de luta con-
tra as assimetrias raciais, mas sucumbiram em face desse quadro
particularmente porque os ideais da “integração nacional”, acima
das desigualdades raciais, foram incorporados pela população ne-
gra.

219
Os dados das pesquisas, em São Paulo, apontaram que a
cor branca facilita a ascensão social (embora sem garanti-la), ao
passo que a cor escura implica numa preterição social, não sendo
uma exclusão incondicional, (NOGUEIRA, 1985). Ao competir
por recursos ou posições sociais, os negros sofrem sistemática in-
terdição (BASTIDE, 1971) ou preterição (NOGUEIRA, 1985).
Como se trata de uma lógica de preterição5, e não de exclusão
incondicional, a ascensão social pode, em circunstâncias especí-
ficas, levar um negro a romper determinadas barreiras impostas
às “pessoas de cor”. Um indivíduo negro que conquista recursos
materiais pode suplantar certas barreiras de segregação, tornan-
do-se sócio de um clube, por exemplo, mas seus traços fenotípi-
cos continuam a impor-lhe preterições. O fato de determinados
indivíduos romperem algumas barreiras foi, e é, utilizado como
argumento em prol da concepção de democracia racial.

Outro sustentáculo do ideário da democracia racial é a


“correlação entre raça e classe social na hierarquização das pes-
soas” (BASTIDE, 1971). Os casos de discriminação contra pesso-
as negras são “justificados” como determinados pela classe social.
Nesse caso, os estereótipos são compreendidos como de classe,
não de cor. Guimarães (2002) aponta que nos anos 1940 este tipo
de argumentação foi refinado por importantes cientistas sociais
(Donald Pierson, Marvin Harris e Thales de Azevedo).

A explicação da desigualdade racial pela desigualdade de
classe social alcançou grande difusão no Brasil, não só no discurso
acadêmico, mas particularmente no discurso cotidiano. Mesmo
____________________
5
Lógica de preterição = Regra não explícita que orienta as relações entre brancos/as
e negros/as no Brasil - em qualquer situação de ocupação de relevância social, cargos,
postos de trabalho e, em especial, em posições de direção, negros/as raramente são es-
colhidos/as ou selecionados/as, principalmente, se em competição com brancos/as.

220
com a “desmistificação” do discurso da democracia racial nos úl-
timos anos, continua uma representação extremamente comum.
Como mostram as explicações dos habitantes de Vasália (TWINE,
1998).
Vasália foi um pseu-
Perguntados por que na cidade de dônimo atribuído pela
Vasália não havia nenhum negro na câ- pesquisadora a uma
pequena cidade no no-
mara de vereadores, ou por que entre os roeste do estado do
proprietários de terra não havia negros, Rio de Janeiro, palco
da pesquisa (TWINE,
os habitantes da cidade, tanto os de clas- 1998).
se média/alta quanto os pobres, tanto os
negros quanto os brancos, afirmaram, quase em uníssono, que o
motivo era a pobreza dos negros. A explicação é quase tautológi-
ca e naturaliza a condição de pobreza dos negros de Vasália, mas,
para os habitantes da cidade, é explicação suficiente.

Outro resultado significativo dos estudos foi a descrição da


convivência entre o preconceito de cor e a experiência de que “o
brasileiro tem preconceito de ter preconceitos” (BASTIDE, 1971,
p. 148). A contradição é notória. Ao mesmo tempo em que o cri-
tério de cor determina as possibilidades do indivíduo, a etiqueta
das relações raciais prevê que comportamentos explicitamente
preconceituosos ou discriminatórios devem ser evitados.Também
compõe a etiqueta das relações raciais o não mencionar ou per-
guntar, em relações amigáveis, a pertença racial das pessoas. Fazer
menção sobre a ascendência estigmatizada da pessoa é de péssimo
tom, é uma prática esperada somente de inimigos ou de investi-
gação policial (NOGUEIRA, 1998). As expressões indiretas do
discurso racista brasileiro estão relacionadas à complexidade da
etiqueta das relações raciais no país (GUIMARÃES, 2002).

Os resultados das pesquisas do “Projeto Unesco” tiveram,

221
no momento de sua publicação, pouca ou nenhuma repercussão
sobre as concepções da população brasileira em geral. Diríamos
que tais repercussões não foram imediatas, mas impulsionaram
outros estudos sobre as desigualdades raciais e foram sustentáculo
importante da retomada das discussões, na academia e nos movi-
mentos sociais, na década de 1970.

Um capítulo da tese de Florestan Fernandes, apresentada
em 1964, foi intitulado “mito da democracia racial”, para criticar
o processo de dissimulação das atitudes raciais no Brasil. Militan-
tes e ativistas negros logo incorporaram tal ideia ao seu discurso,
e passaram a tratar a democracia racial como uma ideologia a ser
combatida. As críticas passaram a ser sistemáticas às afirmações de
que no país não ocorre preconceito, discriminação, ou barreiras
para a ascensão social dos negros.

O ideário da democracia racial prevaleceu no país, pelo


menos, entre 1930 e 1970 (GUIMARÃES, 2002). Os argumentos
sobre a democracia racial deixaram, gradativamente, de ter acei-
tação acadêmica, mas continuaram utilizados em discursos sobre
o Brasil, particularmente como argumento contrário a afirmações
de direitos dos negros. O pesquisador Conceição (1995) oferece
um exemplo, dentre múltiplos, retirado do editorial do jornal A
Tarde, de Salvador, publicado em 12 de fevereiro de 1975:

Não temos, felizmente, problema racial. Esta é uma das
grandes felicidades do povo brasileiro. A harmonia que
reina entre as parcelas da população provenientes das di-
ferentes etnias, constitui, está claro, um dos motivos de
inconformidade dos agentes da irritação, que bem que gos-
tariam de somar aos propósitos da luta de classes o espe-
táculo da luta de raças (apud CONCEIÇÃO, 1995, p. 149).

222
No dia do centenário da Lei Áurea, 13 de maio de 1988, o
editorial manteve o mesmo tom:

Esse clima de virtual democracia racial que espanta e faz inveja


a boa parte do mundo só foi possível graças ao processo de mis-
cigenação, que, corpo a corpo, derrubou as barreiras herdadas
do tempo da escravidão. Sobre o assunto, Gilberto Freyre foi
mais do que oportuno num trecho de seu “Casa Grande e Sen-
zala”: ‘A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu
a distância social que doutro modo se teria conservado enorme
entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a
senzala’. (apud CONCEIÇÃO, 1995, p. 291).


Não é de estranhar tal argumento em 1988. O momento
era de embate pela legitimação simbólica da democracia racial ou
dos discursos alternativos, sobre a profundidade das desigualda-
des e sobre a valorização da cultura afro (HASENBALG, 1991).
Os trechos de discurso da imprensa mostram como as ideias miti-
ficadas sobre um país miscigenado e livre de problemas raciais são
utilizadas como argumentos para encobrir e negar as desigualda-
des raciais.

No caso brasileiro, a negação da existência de discrimina-
ção e desigualdades raciais serviu como forma de ocultar a domi-
nação racial. O período da ditadura militar, do início até próximo
ao seu final (período em que se insere a primeira citação do jornal
ATarde), representou uma lacuna para as pesquisas sobre relações
raciais e para os movimentos sociais de reivindicação de direitos
(SKIDMORE, 1991). A própria oposição ao regime militar tra-
tava a questão racial como destituída de importância, compar-
tilhando da perspectiva, anteriormente descrita, de redução da
desigualdade racial à social.

223
Com o processo de abertura política, no final da década de
1970, as críticas à pretensa democracia racial foram intensifica-
das. O movimento negro foi revigorado, com o objetivo principal
de “desmacarar a ‘democracia racial’, em sua versão conservado-
ra, de discurso estatal que impedia a organização das lutas anti-ra-
cistas” (GUIMARÃES, 2002, p. 158). A construção de identida-
de negra, valorizando as origens culturais africanas, e a denúncia
contra o mito da democracia racial foram as principais bandeiras
do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Ra-
cial/MNU, que foi importante para dar corpo a reivindicações
de entidades diversas, que tinham atuação mais local. No mesmo
período, as pesquisas sobre relações raciais foram retomadas, e
seus resultados somaram-se ao esforço do movimento negro no
sentido de apontar o engodo que representavam as ideias de re-
lações raciais harmônicas, particularmente, a ausência de “linha
de cor” na estratificação social. Com base em análise de macro
dados, particularmente dos dados gerados pelo Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), tais pesquisas enunciaram
as intensas desigualdades sociais entre brancos, pretos e pardos.
Os indicadores sociais de áreas diversas – trabalho e renda, mo-
bilidade social, saúde, educação, padrões de casamento – mos-
traram-se fortemente favoráveis a brancos, em comparação com
pretos e com pardos. Na maior parte dos indicadores a diferença
encontrada entre pretos e pardos era diminuta, o que levou ao
seu agrupamento, com a finalidade de realizar provas estatísticas
de maior confiabilidade. Os grupos preto e pardo foram reunidos
em segmento único, chamado de “negros”.

Da década de 1980 em diante, as pesquisas sobre relações
raciais passaram a ser muitos mais frequentes e a estar presentes
em áreas diversificadas. Apesar da multiplicação de pesquisas e

224
campos de interesse, ainda temos uma produção aquém da im-
portância que as relações raciais apresentam no contexto brasilei-
ro (de modo geral, as pesquisas sobre relações raciais são minori-
tárias nas diversas áreas de conhecimento).

225
REFERÊNCIAS

BALBO, L.; MANCONI, L. Razzismi. Un vocabolario. Milano:


Feltrinelli, 1993.

BEM, A. S. Educação e reprodução do racismo: as armadilhas dos


modelos alternativos. Educação e Sociedade, v. 14, n. 44, p. 96-
110, abr. 1993.

BASTIDE, Roger. Manifestações do preconceito de cor. In: BAS-


TIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e Negros em São
Paulo. Ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifesta-
ções atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulis-
tana. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1971[1. Ed. 1955]. p. 147-188.

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Brasília: Presidência da República, Secretaria de Comunicação
Social; Ministério da Justiça, 2002.

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Indígena. Brasília: MEC – Funai, 2009

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GI E TESTI, Dipartimento de Anglística della Università de Vero-
na, 1999.

CONCEIÇÃO, Fernando. Imprensa e racismo no Brasil. A manu-


tenção do ‘status quo’ do negro na Bahia. Dissertação (Mestrado
em Ciências da Comunicação) Universidade de São Paulo/USP,
1995.

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COSTA PINTO, Luiz A. O Negro no Rio de Janeiro: relações de
raça numa sociedade em mudança. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1998 [1ª Ed. 1953].

DU BOIS, W. E. B. The conservation of races. In: BACK, L.; SO-


LOMOS, J. (Eds.). Theories of race and racism. London, Routle-
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FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de


classes. São Paulo: USP, 1964.

GUIMARÃES, Antonio S. A. Classes, raças e democracia. São


Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo; Ed. 34,
2002.

HASENBALG, Carlos A. Discriminação e desigualdades raciais


no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

HASENBALG, Carlos A. Discursos sobre a raça: pequena crônica


de 1988. Estudos Afro-Asiáticos. Rio de Janeiro, n. 20, p. 187-
195, jun. 1991.

MUNANGA, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Belo Ho-


rizonte: Autêntica, 2004.

NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudos de rela-


ções raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985.

SILVA, Nelson do Valle. O preço da cor: diferenciais raciais na


distribuição de renda no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econô-
mico, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p21-44, 1980.

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SKIDMORE, Thomas E. Fato e mito: descobrindo um problema
racial no Brasil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 79, p. 5-16,
nov. 1991.

TWINE, France W. Racism in a racial democracy: the maintenen-


ce of white supremacy in Brazil. New Jersey: Rutgers University
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WIEVIORKA, M. El espacio del racismo. Barcelona: Paidós,


1992.

VAN DIJK, T. (Org.). Racismo e discurso na América Latina. São


Paulo: Contexto, 2008.

228
ATIVIDADES

1.Após a leitura do texto,elabore um quadro que apresenta uma sínte-


se do que você compreendeu sobre os conceitos de raça,racismo,etnia
e etnocentrismo. Envie em arquivo único com o seguinte cabeçalho:

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES


ÉTNICO-RACIAIS - MEC/SECADI E CIPEAD/NEAB-UFPR

Nome:________________________________________________
Pólo:__________________ Turma:_______________________
Módulo:_______________ Atividade:_____________________

2.Escolha um dos artigos a seguir e,após lê-lo,discuta no fórum sobre a


seguinte questão: Qual a influência de anedotas e piadas racistas para
a manutenção/reprodução de práticas racistas e discriminatórias?
Referências:

MELO DAHIA, Sandra Leal de. Riso: uma solução intermediária


para os racistas no Brasil. Estudos e Pesquisas em Psicologias, v.
10, n.2, 2010. Disponível em: <http://www.revispsi.uerj.br/
v10n2/artigos/html/v10n2a06.html>

______. A mediação do riso na expressão e consolidação do ra-


cismo no Brasil. Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 697-
720, set./dez. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/se/v23n3/a07v23n3.pdf>

229
SALES JR., Ronaldo. Democracia racial: o não-dito racista. Tem-
po Social, revista de sociologia da USP, v. 18, n. 2. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a12v18n2.pdf>

SANTOS, Karla Cristina dos. Relevância jurídica dos conceitos


de significado, referência, contexto e intenção nos casos de injúria
qualificada. Anais do Seta, n. 4, 2010. Disponível em: <http://
www.iel.unicamp.br/revista/index.php/seta/article/viewFi-
le/943/694>

230
SUGESTÃO DE LEITURA
TEXTOS

OTAVIO, Velho. À cata das Cotas. Disponível em: <http://sabe-


resaconectar.blogspot.com/2007/10/conexo-teorica-otvio-ve-
lho-cata-das.html>

SEGATO, Rita Laura. Raça é signo. 2005. Disponível em:


<http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie372empdf.pdf >

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Como trabalhar com


“raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1,
p. 93-107, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/ep/v29n1/a08v29n1.pdf>

231
232
Pempamsie
Pempamsie see bebirebe aho oden ne koroye

A unidade é a força. Esteja preparado. Fique atento.



Simbolo da prontidão, da persistência, resistência, bravura e coragem.

O ENSINO DA HISTÓRIA E CUL-


TURA AFRO-BRASILEIRAS E A TE-
MÁTICA RELIGIOSA: DILEMAS
ENFRENTADOS NA APLICAÇÃO
DA LEI No­10.639/03­1­­­­
Liliana Porto2

A abordagem da história e cultura afro-brasileiras, em es-


pecial da temática religiosa, na aplicação da Lei no10639/03 traz
uma série de dificuldades aos professores do ensino fundamental
e médio. Por um lado, pelo desconhecimento deste conteúdo, re-
sultante de processos de formação com currículos essencialmente
eurocentrados. Mas também devido à necessidade de enfrentar
contextos de preconceito conjugados que caracterizam o senso
comum brasileiro: preconceito racial, religioso, e o grande te-
mor à feitiçaria que perpassa nossa sociedade, e que se relaciona
tanto ao preconceito racial quanto religioso. Tendo em vista esta
situação, não caberia aqui fazer apenas uma retomada e esclare-
cimento sobre características das religiões afro-brasileiras – uni-
____________________
1
Agradeço a Paulo Dias a leitura atenta e as sugestões que dela resultaram.
2
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Ge-
rais (1992), mestrado (1997) e doutorado (2003) em Antropologia pela Uni-
versidade de Brasília. Atualmente é professora adjunto do Departamento de
Antropologia da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de
Antropologia, com ênfase em Antropologia Rural (destaque para o estudo de
Povos e Comunidades Tradicionais), Antropologia das Populações Afro-Brasilei-
ras, Cultura e Religiosidade Populares, Ações Afirmativas. Atua principalmen-
te nos seguintes temas: magia, comunidades quilombolas e faxinalenses, rela-
ções raciais, patrimônio imaterial, catolicismo popular, cotas no ensino superior.

233
verso complexo que não se restringe, como em geral se supõe,
a perspectivas unificadas do candomblé e da umbanda –, o que
responderia somente a parte da primeira das dificuldades acima
colocadas. É fundamental também refletir sobre o segundo dos
problemas levantados – a conjugação dos preconceitos racial e
religioso, perpassada pelo temor à magia – que gera resistências
e reações afetivas (muitas vezes intensas) tanto no corpo docen-
te quanto discente, impedindo até mesmo que as temáticas se-
jam abordadas. Ou, em alguns casos, levando a que a exposição
das dinâmicas das religiões afro-brasileiras tenha resultado opos-
to àquele visado – ou seja, que este conhecimento seja tomado
como reforço dos preconceitos religiosos e raciais preexistentes.

Foram as considerações acima que estimularam a redação
deste texto tal como se propõe. Nele, partimos de uma refle-
xão sobre as relações entre religião, magia e preconceito racial
no Brasil, fundamentais para que os professores compreendam os
dilemas e as resistências enfrentados ao se trabalhar com a temá-
tica no ensino fundamental e médio, bem como que possam ela-
borar estratégias para lidar com contextos específicos de sala de
aula. Em seguida, fazemos uma breve reflexão sobre as religiões
de matriz africana – com destaque para as religiões de orixás/vo-
duns, mas ressaltando também as especificidades das religiões de
origem banto3 – e a umbanda (pensada como uma religião sincré-
tica e brasileira, que contém em si importante diversidade inter-
na). Neste momento, as relações e divergências entre a umbanda
e o candomblé serão fundamentais. No entanto, não esgotamos
aí a análise, pois o universo do cristianismo também é essencial
para se pensar a influência africana na constituição e perfil atual
da religiosidade brasileira. Consideramos, portanto, a relevância
das irmandades religiosas de “homens pretos” – inclusive de seus

234
ritos e festas que celebram os santos de devoção – na formação
do catolicismo nacional. Ao final, passamos às religiões neopente-
costais, a partir do modelo da Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD). Esta será abordada sob duas perspectivas: por um lado,
a maneira pela qual a “guerra santa” por ela preconizada reforça
o preconceito racial/religioso a que nos referimos e dificulta o
estudo das religiões afro-brasileiras; por outro, como o universo
afro-brasileiro é fundamental na constituição da IURD – que im-
porta (embora invertendo) vários símbolos e seu calendário ritual
(principalmente da umbanda), bem como os reitera e reconhece
sua eficácia. Esperamos que, desta forma, seja possível simulta-
neamente trazer informações necessárias e auxiliar na compre-
ensão dos contextos concretos de dificuldade enfrentados pelos
professores ao discutir a religiosidade afro-brasileira. Pois, apesar
do discurso prevalente, no senso comum, do país como caldeirão
cultural e marcado pela “democracia racial”, na prática, como se
explicitará, a visão construída do negro e de sua religião os vin-
cula a características não só desvalorizadas, mas também social-
mente condenadas. Sabemos, contudo, que a tarefa de questio-
nar ideias consolidadas ao longo de séculos não é nada simples4 .

____________________
3
Como se esclarecerá ao longo do texto, estudiosos sobre negros do Brasil, inspirados
por Nina Rodrigues (1988), dividem-nos em dois grandes grupos de origens diversas
no contexto africano: sudaneses, provenientes da região subsaariana (África seten-
trional), e bantos, originários do centro-sul da África (África meridional).As religiões
de orixás vinculam-se ao primeiro desses grandes grupos – que, por sua vez, subdivi-
dem-se em várias nações distintas: dentre os sudaneses estão os nagô, jeje, mina, haus-
sás, malês, entre outros; dentre os bantos, angola, moçambique, congo, cabinda, etc.

A bibliografia presente no final do texto pode servir de guia para o esclareci-


4

mento e aprofundamento de questões levantadas ao longo dos tópicos seguintes.

235
I. INTRODUÇÃO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS RELA-
ÇÕES ENTRE RELIGIÃO, MAGIA E PRECONCEITO RACIAL
NO BRASIL
Nossa experiência com cursos de formação sobre história
e cultura afro-brasileiras para professores do ensino fundamental
e médio no Paraná indicam os empecilhos enfrentados pelos par-
ticipantes ao tentar levar para o contexto de sala de aula a temática
religiosa, principalmente quando o foco são as religiões afro-bra-
sileiras. Os relatos ouvidos apontam o desconhecimento do tema,
mas, principalmente, as resistências apresentadas por alunos, pais
e mesmo colegas professores e funcionários das instituições de
ensino. Sendo assim, é fundamental a todos que pretendem am-
pliar sua reflexão neste sentido a adoção de uma postura de fle-
xibilidade e a disposição de abrir mão de preconceitos e ideias
já estabelecidas como verdades (mesmo que temporariamente).
Em outras palavras, deixar de lado condenações racionais e mo-
rais, e tentar identificar de que maneira tais condenações foram
elaboradas, de onde partiram e como se sustentam. Não só reco-
nhecer a diversidade e complexidade inerentes ao mundo, mas
apostar no seu potencial em termos de abertura, ampliação de
nossa reflexividade e capacidade de pensar e agir. Com efeito, ou-
tros modos de ser e viver trazem consigo saberes diferenciados e
perspectivas interessantes sobre o cosmos, o ambiente, a socieda-
de em que vivemos, e sobre os quais podemos, também, intervir.

Tentando contribuir para a desconstrução de ideias pre-


conceituosas gestadas ao longo de toda a história nacional e
muito arraigadas, e a fim de considerar a situação complexa
enfrentada no cotidiano escolar quando se estudam as religi-
ões afro-brasileiras, gostaríamos de iniciar elencando algumas
questões que se colocam quando se pretende pensar a contri-
buição dos negros na formação do universo religioso brasileiro:

236
Ao se falar na constituição e perfil da religiosidade nacional, é
importante partir da premissa de que não se está referindo a um
período específico em que esta teria sido gerada, ou mesmo a um
processo já concluído. Ao contrário, refletir sobre as influências
africanas no quadro religioso nacional exige que se considerem pro-
cessos históricos que remontam ao período colonial e se estendem
até os dias de hoje, apontando sistemas de dominação, segregação e
resistência ao longo deste tempo. Com efeito, a religiosidade bra-
sileira é tanto muito diversificada quanto dinâmica, está em cons-
tante reconfiguração. Reconhecer tal dinamicidade é fundamental
para se pensar a questão das religiões afro-brasileiras e de sua po-
sição no cenário religioso mais amplo. Principalmente quando o
foco é o sistema educacional, pois tanto professores quanto pais e
alunos reagem à temática de acordo com seus próprios contextos
sócio-culturais e religiosos. Citamos como exemplo relevante da
dinâmica contemporânea a propagação das denominações evan-
gélicas – com destaque para as neopentecostais e a demonização
explícita das religiões afro-brasileiras realizada por algumas de-
las –, que altera o quadro religioso atual de forma muito parti-
cular, estimulando o recrudescimento da intolerância religiosa;

Embora se usem termos gerais, como “influência africana”,


“religiosidade brasileira”, entre outros, faz-se necessário refor-
çar a multiplicidade do universo mágico-religioso no Brasil, bem
como dos grupos de negros que vieram para o país. É sempre
importante lembrar que os “negros”, vistos como categoria uni-
ficada, não são uma realidade africana, mas consequência do sis-
tema escravista – que reúne sob esta denominação e a condição
de escravos membros de povos que, no continente de origem,
são não só muito diferentes, mas também eventualmente desco-
nhecidos uns dos outros, ou mesmo rivais. E que possuem or-
ganizações sociais, pensamentos e comportamentos variados;

237
No Brasil, há uma conjugação entre preconceito racial, pre-
conceito religioso e condenação moral da magia. Em outras
palavras, abordar a temática das religiões afro-brasileiras leva à
necessidade de enfrentar as constantes e muitas vezes veladas
acusações dirigidas a elas a partir de sua identificação com o uso
de magia maléfica – feitiçaria ou “magia negra”. Em outras pala-
vras, aciona-se como base para a compreensão um sistema clas-
sificatório que aproxima o catolicismo e as religiões cristãs em
geral do pólo “religião”, enquanto as religiões afro-brasileiras são
identificadas com o pólo oposto, moralmente condenado, da fei-
tiçaria ou “macumbaria”. Esta identificação, por sua vez, reforça
e é reforçada por uma perspectiva dicotômica do mundo, que
o divide em “bem” e “mal”. Estabelece-se, então, um ideal que
valoriza a estética e as práticas vinculadas a um modelo bran-
co como expressão do “bem”, enquanto a estética e as práticas
identificadas com os negros seriam identificadas com o “mal”5
. Enfrentar as dificuldades colocadas por este preconceito, que
se desdobra e reforça, é condição para que as influências africa-
nas no cenário religioso nacional sejam desvinculadas de qual-
quer condenação moral. Bem como que as religiões afro-brasi-
leiras possam ser conhecidas e respeitadas na sua especificidade.

Esta última questão, por sua vez, nos leva a iniciar nos-
sas reflexões a partir do lugar ocupado pelo “medo do feiti-
ço” no Brasil, como ressalta Yvonne Maggie (1992) no títu-
lo de seu livro. Com efeito, a prevalência deste temor entre

____________________
5
Rita Fazzi (2004), em O Drama Racial das Crianças Brasileiras. Socialização entre
Pares e Preconceito, ao estudar escolas públicas do ensino fundamental em Belo
Horizonte, identifica três eixos de construção do racismo entre as crianças, que
refletem o que apontamos aqui: as ideias de que “preto é feio”, “ladrão é preto” e
“preto parece o diabo”. Em outras palavras, expressões que conjugam o estético
ao comportamental e ao religioso, em todos os casos reforçando sua negatividade.

238
praticamente todos os grupos sociais do país – independen-
te de origem étnica, social, cultural, econômica – se conso-
lida desde o período colonial e se estende até a atualidade.

No entanto, se é possível perceber o temor à feitiçaria em


praticamente todos os brasileiros, sua prática não é atribuída a
todos os grupos, mas as acusações se dirigem essencialmente a
não brancos – indígenas e negros – e, em alguns contextos, es-
pecificamente aos negros. Assim, em Os desclassificados do
ouro, Laura de Mello e Souza (1986), analisando as devassas
eclesiásticas ocorridas nas regiões das Minas entre 1721 e o prin-
cípio do século XIX, afirma, após analisar um dos casos descritos:

Excetuando-se este caso, onde surge com força o sobrenatural e


os pactos demoníacos, a tônica dos outros episódios de feitiçaria
é a cura e o misticismo de raízes africanas. O que transparece em
todos eles é uma certa dificuldade de integração ao meio social
por parte dos indivíduos que exercem essas práticas. Havia, por
um lado, o repúdio da sociedade: negros em sua grande maioria,
esses indivíduos traziam na cor da pele a presença de um mun-
do secreto e desconhecido, de que a feitiçaria era um dos ecos
ameaçadores. O africano podia ser escravo dócil e serviçal; mas
por detrás dessa aparência inofensiva escondia-se o protagonista
da rebelião e da revolta, o representante misterioso e traiçoeiro de
uma humanidade diferente e perigosa, o feiticeiro que subvertia
o mundo ordenado dos brancos e instaurava o caos (1986: 189).

Aqui, é importante ressaltar que tais devassas represen-
tam o registro das representações oficiais do catolicismo so-
bre a temática. São, neste sentido, a perspectiva do sistema
dominante branco e católico sobre a diversidade, consolidan-
do tal perspectiva e construindo o outro como intrinsecamen-
te ameaçador e vinculado ao “mal”. É a forma de ser no mun-
do católica e branca que atribui legitimidade aos sujeitos.

239
Acrescente-se, ainda, que não só as práticas religiosas de
não brancos são desqualificadas e identificadas como feitiçaria,
mas também práticas semelhantes, realizadas por pessoas diferen-
tes, vão ser avaliadas de maneiras distintas. É o que aponta Mário
Sá (2010) ao analisar a documentação sobre a Devassa da Visi-
ta Geral da Comarca Eclesiástica de Cuiabá, ocorrida em 1785.
Neste texto, o autor indica como, embora o “medo do feitiço” seja
geral, não é possível dizer o mesmo sobre a “cor do feitiço”. Isto
pode ser percebido na análise dos perfis raciais de denunciadores e
denunciados, em que os primeiros são majoritariamente brancos,
mas também índios e pardos, enquanto os segundos principal-
mente índios, pardos e negros6 . Há uma incidência significativa
de denúncias de índios a outros índios aos visitadores, mas a pre-
dominância da acusação de negros por brancos. Além disso, Sá ob-
serva que “delitos” de mesmo tipo, como processos divinatórios,
são classificados de maneiras distintas quando os perfis raciais dos
denunciados são diversos: assim, enquanto adivinhações feitas por
brancos são definidas como magia – um “delito” mais brando –,
práticas semelhantes realizadas por negros constituem feitiçaria
– “delito” bem mais grave. Em outras palavras, interpretações dis-
tintas para ações semelhantes, orientadas pelo preconceito racial.

A situação de conjugação de preconceito racial e re-


ligioso permanece nos séculos posteriores. Lilia Schwarcz
(1988), ao analisar as imagens do negro presentes na impren-
sa paulista da segunda metade do século XIX, afirma que:
... nesses artigos que combinavam ironia com um grande “mau
gosto”, as práticas africanas eram descritas – assim como nos
diz Roger Bastide com relação ao negro na literatura bra-
sileira – ressaltando-se antes de tudo os estereótipos negati-
vos comumente empregados com relação ao negro: a feiti-
çaria, a violência, a degeneração, a imoralidade (1988: 110).
____________________
6
A categoria bastardos também aparece, mas não é tão relevante numericamente
nem para nossa análise.

240
Desta maneira, se dá continuidade à construção de uma
visão do negro como por princípio condenável tanto do pon-
to de vista moral (feiticeiro, praticante de “magia negra”7 )
quanto corporal (neste caso esteticamente – contrapondo-se
ao padrão de beleza branco, com “cabelo ruim”, “feio” – e hi-
gienisticamente – visto como “sujo”, alcoólatra, sexualmente
degenerado, etc.). Preconceito fundamental para a garantia de
manutenção da dominação branca, imposição de padrões de
comportamento e pensamento europeus, bem como legitima-
ção da presença negra nas camadas mais baixas da população.

Esta imagem da discriminação construída sistematicamente


nos jornais, por sua vez, transfere também à África os estereótipos
citados: o continente é retratado como bárbaro, incivilizado, atra-
sado, inferior, repleto de “monstruosas superstições”. Claramente
contrastante com a imagem de uma Europa esclarecida, civilizada,
rica e modelo para os demais, sobre a qual os artigos “funcionavam
como verdadeiros elogios das práticas imperialistas” (Schwarcz,
1988: 113). Neste sentido, é fundamental ressaltar o lugar que a
religiosidade negra ocupa na construção do quadro citado. Não
apenas a feitiçaria é tema dos jornais, mas retratada, por um lado,
como superstição e ignorância (negando sua eficácia), enquanto,
por outro, crueldade (com sua eficácia reconhecida e temida). No
segundo caso, curiosamente mais condenada quando dirigida aos
senhores de escravos, embora a crueldade da escravidão seja des-
considerada. As acusações de feitiçaria, além disso, normalmente
se vinculam à referência a “batuques” e outras práticas religiosas
dos negros. Uma síntese deste contexto é feita por Roger Bastide:
O branco não podendo compreender uma religião tão diferente
da sua, julgava-a “demoníaca” já que não era cristã. O dualismo
____________________
7
A expressão “magia negra” é ilustrativa da relação entre preconceito reli-
gioso e racial que estamos discutindo. A afirmação da existência na umban-
da de “mesa branca” (moralmente mais legítima) aponta na mesma direção.

241
social se prolongou por conseguinte – justificando-se também
– pela oposição entre as forças do Bem, que iam de Deus ao
senhor de engenho, e as forças do Mal, que iam de Satã até
os seus sequazes das senzalas e dos mocambos. Assim, ele re-
cuperou a “boa consciência”, e as danças místicas dos negros,
ao redor de suas pedras lavadas de sangue de animais sacri-
ficados, tornavam válida, aos seus olhos, a distância social
que mantinha entre si e eles. A definição de civilizações afri-
canas como diabólicas foi uma racionalização da brutalida-
de e da falta de humanidade da escravidão (1985: 198-199).

A abolição e o advento da república não somente não


alteram o contexto delineado, mas em certo sentido o agra-
vam. A iminência do fim da escravidão – regime que fazia com
que as fronteiras entre brancos e negros ficassem bem esta-
belecidas8 – leva a que o grande contingente de população
negra do Brasil passe a ser um problema político e uma ques-
tão significativa para os grupos dominantes: como manter
seu espaço de prestígio e poder agora que o muro da escravi-
dão foi derrubado? A reafirmação do preconceito racial/re-
ligioso é uma resposta importante a esta pergunta das elites.

Esta situação é potencializada, por sua vez, pelo projeto
político republicano, marcado por uma proposta de moderniza-
ção, higienização e branqueamento do país. Neste sentido, a di-
versidade cultural brasileira passa a ser vista como um empecilho
para a construção da identidade nacional visada, do que resultam
projetos de imigração europeia, intervenção no espaço urbano,
bem como criminalização de práticas populares – algumas delas
____________________
8
O estabelecimento de uma sinonímia entre negro e escravo no Brasil – expressa,
por exemplo, no risco constante enfrentado pelos negros livres e libertos de se ve-
rem novamente sujeitos à escravidão por ação da autoridade policial ou de senhores
de escravos (cf. Souza, 1986) – demonstra como a cor da pele, durante o período
escravista, é em si a garantia de uma divisão quase intransponível entre brancos e
negros. Em outras palavras, com o fim da escravidão se torna necessário garan-
tir essas divisões e o lugar privilegiado dos brancos através de outras estratégias.

242
caracteristicamente negras, como o caso da capoeira. Com relação
à temática aqui abordada, pela primeira vez práticas vinculadas à
religiosidade afro-brasileira são criminalizadas no Código Penal
de 1890 (cf. Maggie, 1992, Schritzmeyer, 2004). No entanto, não
como criminalização à religião, mas como repressão à “magia” –
pois a constituição republicana de 1891 separava o Estado da Igre-
ja e garantia a liberdade religiosa no país. Assim, como ressalta
Schritzmeyer, os dispositivos do Código Penal republicano que in-
cidem sobre esta temática “concentram-se no Título III – Dos Cri-
mes contra a Tranquilidade Pública – Capítulo III – Dos Crimes
contra a Saúde Pública, especialmente nos arts. 156 a 158” (2004:
76). Estes abordam o exercício não autorizado da prática médi-
ca, dentária ou farmacêutica (Art. 156); a prática do espiritismo,
magia e seus sortilégios (Art. 157); o desempenho da atividade de
curandeiro (Art. 158). Oficializa-se, em outras palavras, o direi-
to policial de intervenção nos templos e cultos das religiões afro
-brasileiras, mas através de sua identificação com a magia. Que,
por sua vez, é lida como risco à saúde da população – pela junção
de perspectivas jurídicas e médicas que percebem em tais práticas
populares uma ameaça não só ao corpo dos cidadãos, mas ao cor-
po social da República. Podemos afirmar, em síntese, que a iden-
tificação da religiosidade afro-brasileira com a magia se torna aqui
estratégica, pois permite no ano seguinte afirmar a liberdade reli-
giosa sem, com isto, torná-la efetiva para as religiões dos negros.

Não é, portanto, por acaso que algumas das principais re-


ferências sobre os estudos do negro no Brasil produzidas no final
do século XIX e primeira metade do século XX o tenham sido
por médicos (Nina Rodrigues, Arthur Ramos). O primeiro de-
les explicitamente adepto das teorias científicas racistas predo-
minantes na época. As temáticas das diferenças evolutivas entre

243
raças, da miscigenação, das possibilidades de instaurar o “progres-
so” no país fazem com que o negro se torne um problema e, ao
mesmo tempo, um tema fundamental e legítimo de pesquisa no
advento da República. E embora posteriormente as teorias ra-
cistas sejam explicitamente abandonadas, modelos classificatórios
e de interpretação do contexto dos negros no Brasil construí-
dos por Nina Rodrigues se mantêm como quadro interpretati-
vo das manifestações de africanos e seus descendentes no país9 .

No final do século XIX, em O Animismo Fetichis-


ta dos Negros Baianos, Nina Rodrigues (2006) apon-
ta a prevalência do temor e da recorrência ao feitiço em toda
a sociedade baiana, em trecho que relaciona diretamen-
te o ser negro com a feitiçaria – contribuindo para a cons-
trução do vínculo entre preconceito racial e religioso:

Para nos servir da expressão de Tylor ou melhor da expressão


consagrada na Costa d’África, pode-se afirmar que na Bahia
todas as classes, mesmo a dita superior, estão aptas a se tor-
narem negras. O número dos brancos, mulatos e indivíduos
de todas as cores e matizes que vão consultar os negros fei-
ticeiros nas suas aflições, nas suas desgraças, dos que creem
publicamente no poder sobrenatural dos talismãs e feitiços,
dos que, em muito maior número, zombam deles em públi-
co, mas ocultamente os ouvem, os consultam, esse número
seria incalculável se não fosse mais dizer de modo geral que é
a população em massa, a exceção de uma pequena minoria de
espíritos superiores e esclarecidos que tem a noção verdadeira
do valor exato dessas manifestações psicológicas (2006: 116).


Além de deslegitimar a religiosidade negra, neste trecho
Nina Rodrigues recusa a importância dos negros em atividades de
atendimento e cura desenvolvidos por este grupo social desde que
____________________
9
Apesar da postura racista, Nina Rodrigues produz trabalhos de grande qualidade, que
são referências ainda hoje – o que ajuda a compreender sua grande influência posterior.

244
aportaram no Brasil. Não somente sua cosmologia é desvalorizada,
mas também seu conhecimento sobre doenças e seus tratamentos
desconsiderados. E este é mais um aspecto relevante na invisibili-
zação da importância do negro para a constituição da religiosidade
brasileira, pois entre nós religião e cura sempre estiveram vincu-
ladas. Com efeito, processos de adoecimento e cura são caminhos
importantes nas dinâmicas de conversão e trânsito religioso no país.

A perspectiva sobre as práticas religiosas afro-brasileiras
presente nos ambientes de elite intelectualizados, no entanto,
não é exclusiva deles, como se pode perceber em texto do se-
gundo autor da época citado como uma das primeiras referên-
cias no estudo sobre o tema: João do Rio. O autor publica, em
1904, uma série de reportagens intituladas As Religiões do
Rio, na Gazeta de Notícias, com grande sucesso. Estas se ba-
seiam em investigações realizadas por ele com este fim, em que
visita as regiões da cidade em que as várias religiões são predo-
minantes e convive com adeptos e frequentadores. Dentre elas,
os textos intitulados “No mundo dos feitiços” têm um destaque
significativo. Neles, o jornalista faz afirmações que demons-
tram como o preconceito racial/religioso consolidado nos sécu-
los anteriores é uma realidade no início do século XX. Apenas
como exemplo, citamos um dos trechos em que ele se evidencia:
As iaôs10 abundam nesta Babel da crença, cruzando-se com a gente
diariamente, sorriem aos soldados ébrios nos prostíbulos baratos,
mercadejam doces nas praças, às portas dos estabelecimentos co-
merciais, fornecem ao hospício a sua cota de loucura, propagam a
histeria entre as senhoras honestas e as cocotes, exploram e são ex-
ploradas, vivem da crendice e alimentam o caftismo inconsciente.
As iaôs são as demoníacas e as grandes farsistas da raça preta, as ob-
sedadas e as delirantes. A história de cada uma delas, quando não é
sinistra pantomima de álcool e mancebia, é um tecido de fatos cru-
éis, anormais, inéditos, feitos de invisível, de sangue e de morte. Nas
____________________
10
Nome dado às mulheres que estão em processo de iniciação nos candomblés.

245
iaôs está a base do culto africano. Todas elas usam sinais exteriores
do santo, as vestimentas simbólicas, os rosários e os colares com as
cores preferidas da divindade a que pertencem; todas elas estão li-
gadas ao rito selvagem por mistérios que as obrigam a gastar a vida
em festejos, a sentir o santo e respeitar o pai de santo (2006: 35-36).

Aqui, de maneira muito mais grotesca que em Nina Rodri-


gues, em um texto de divulgação que se tornou best-seller pou-
co tempo após publicação em livro, os vários caminhos do pre-
conceito se explicitam. Primeiro, o texto está no capítulo sobre
feitiço. Além disso, vincula de maneira direta degradação moral,
degradação física, desonestidade, anomalia e selvageria às religi-
ões afro-brasileiras e seus membros. Não há um esforço de com-
preensão das dinâmicas próprias de tais religiões, de suas visões
de mundo, de seus ritos. A condenação antecede o conhecimento.

Mas se algumas destas ideias permanecem no senso co-


mum até os dias de hoje – fortalecidas, inclusive, pelo discurso de
certas igrejas neopentecostais – há uma modificação do contexto
acadêmico em que os estudos sobre o negro ocorrem ao longo da
primeira metade do século XX. Distanciando-se da área médica
e jurídica, eles passam a se concentrar nas ciências humanas, e a
adotar uma postura muito mais relativista. Ilustrando esta mudan-
ça, Roger Bastide (2001), já na segunda metade do século XX,
afirma que:
... é preciso mostrar ainda que esses cultos não são um te-
cido de superstições, que, pelo contrário, subtendem
uma cosmologia, uma psicologia e uma teodiceia; enfim,
que o pensamento africano é um pensamento culto (:24).

No entanto, mesmo este autor, um clássico nos estudos


sobre “as religiões africanas no Brasil” (título de um de seus li-
vros) traça uma distinção entre a “tradição” e o uso (deslegitima-
dor) da magia – em geral vinculada aos bantos –, como é possível

246
perceber nos seguintes trechos, o primeiro deles falando de Exu:

Os candomblés tradicionais que se recusam a trabalhar


com a magia ou, segundo a expressão consagrada, “trabalhar
à esquerda”, tomam todo cuidado para não confundir Exu com
o diabo. Entre eles é que encontramos (...) a fisionomia ver-
dadeira dessa divindade caluniada (2001:165 – grifo meu).

Nas páginas precedentes deixamos de lado o problema da magia


porque nosso interesse é pelo candomblé, o qual constitui religião
e não magia.Mas também existem feiticeiros na Bahia (2001:258).

O candomblé era e permanece um meio de controle social, um


instrumento de solidariedade e de comunhão; a macumba resulta
no parasitismo social, na exploração desavergonhada da creduli-
dade das classes baixas ou no afrouxamento das tendências imorais,
desde o estupro, até, frequentemente, o assassinato (1988: 414).

Peter Fry (1998), ao comentar a obra do autor, afirma que:

Bastide se alia a Ramos, Landes e Carneiro em formular uma


visão da totalidade do campo das religiões afro-brasileiras em
que a “magia” é definitivamente classificada de indesejável e
separada da “África brasileira” que é “preservada” no culto aos
orixás no candomblé da Bahia, numa assepsia exemplar (:455).

O preconceito, muito mais que questionado, é deslocado,


deixando de incidir sobre os negros como um todo para reme-
ter aos “negros feiticeiros”, que são em geral identificados como
negros bantos. Pois, como dizem Fernando Brumana e Elda Mar-
tinez, “dizer ‘magia’ não é mais que assinalar a subalternidade de
um tipo de prática mística” (1991: 81). Assim, um modelo evolu-
cionista que afirma a superioridade dos sudaneses (proposto por
____________________
11
Apenas como exemplo, o autor afirma que “... a história dos negros no Brasil
(...) deve discriminar melhor as nacionalidades dos escravos. Dentre estes, se não
a numérica, pelo menos a preeminência intelectual e social coube sem contestação
aos negros sudaneses” (1988: 37). Na medida em que os sudaneses predominariam
na Bahia, enquanto os bantos em outras regiões do país – como Pernambuco e Rio
de Janeiro – não é por acaso, também, que a Bahia, a partir desta perspectiva, se
tornaria o lugar de referência para o estudo da cultura negra nacional.

247
Nina Rodrigues11 ) impede o enfrentamento efetivo da perspec-
tiva discriminatória do negro, da concepção de que ele traz em si
uma inadequação moral e um risco social – que passam pela re-
ligião. E, embora nas últimas décadas a atuação intensa do movi-
mento negro e as perspectivas críticas cada vez mais elaboradas no
mundo acadêmico atuem em sentido de desconstruir tais precon-
ceitos, sua força é ainda muito marcante na sociedade brasileira.

Em suma, o processo de consolidação dos preconceitos


racial e religioso no Brasil, acima delineado, fornece o pano de
fundo para a interpretação das religiões afro-brasileiras na atua-
lidade, bem como da influência africana na constituição da reli-
giosidade brasileira. Sendo assim, torna-se fundamental conhe-
cê-lo para saber como lidar com ele. Tendo consciência de que:

Embora a tradição católica popular conte com vários elemen-


tos mágico-religiosos provenientes da península ibérica (e, poste-
riormente, dos imigrantes europeus) – como amuletos, imagens
de santos com poderes, benzeções, o temido Livro de São Ci-
priano, práticas que usam objetos consagrados pelo catolicismo
(como hóstias, por exemplo) a fim de atingir fins mágicos social-
mente condenados, etc. – a feitiçaria no Brasil foi identificada
com os não brancos, principalmente com os negros, e fortemen-
te condenada. Processo característico não apenas da expansão do
catolicismo, mas de várias religiões dominantes, que tendem a
construir a imagem das religiões dominadas como magia (deslegi-
timando-as) ou, no contexto cristão, vinculadas ao demônio (con-
denando-as moralmente). No caso das religiões afro-brasileiras, é
possível observar os dois mecanismos atuando ao mesmo tempo

Consequentemente, o objetivo de abordar as religiões afro


-brasileiras no contexto escolar faz necessário desconstruir va-

248
lores e ideias muito consolidados no imaginário brasileiro, e
esta desconstrução deve ser ativa. Não basta falar das religiões
afro-brasileiras, mas é fundamental enfrentar a questão da ma-
gia – das acusações de feitiçaria – não através de sua negação,
mas da reflexão sobre ela. Tendo sempre em mente que pro-
cessos mágicos marcam toda a religiosidade nacional – não
apenas a dos negros. Caso contrário, a mera apresentação da
estrutura e dinâmicas das religiões afro-brasileiras aos alunos
pode resultar no reforço do preconceito racial/religioso, e não
em uma maior abertura para a compreensão da diversidade12 .
Ou, então, na folclorização das religiões afro, sem que se per-
ceba que elas carregam cosmologias e práticas que estruturam
a perspectiva de mundo e o comportamento de seus membros;

Os caminhos para a desconstrução proposta não estão dados,


nem são óbvios. As reações contrárias a uma postura de maior
flexibilidade de pensamento com relação à temática religiosa no
Brasil são muitas – pode-se dizer, inclusive, que intensificadas nas
últimas décadas. Por outro lado, a ação do movimento negro, as
conquistas representadas por instrumentos legais como a Lei no
10639/03, a maior sensibilização de parte da população para a
necessidade de uma ruptura dos preconceitos e compreensão da
diversidade que marca o país permitem vislumbrar um horizonte
mais aberto e justo no futuro, que reconheça a multiplicidade como
um potencial, e não um problema. No entanto, para conquistá-lo,
____________________
12
No Paraná, a transformação oficial, pela Secretaria Estadual de Educação, da
“Semana da Consciência Negra” em “Semana Cultural”, e a apresentação da cul-
tura negra como algo folclorizado – contribuições alimentares, danças, etc.
– ou que remete ao passado (e em especial à escravidão), mostra como o en-
frentamento do preconceito racial no Brasil é uma tarefa árdua, especialmente
dificultada pelo “mito da democracia racial” que orienta as concepções de senso
comum sobre o tema. Assim, muitas vezes a “apresentação” da diversidade é uma
estratégia de exotização e consequente estigmatização do outro. O risco de que
este processo se dê com relação à temática religiosa é, neste caso, ainda maior.

249
impedindo que as diferenças se tornem desigualdade como no
presente, o caminho é longo e difícil. Mas é necessário trilhá-lo.

Para lidar com o preconceito racial/religioso, por sua vez,


o conhecimento da alteridade se torna fundamental. Assim, a se-
guir, passamos a abordar alguns aspectos da influência africana no
contexto religioso brasileiro, a partir de quatro itens: as religiões
de matriz africana; o catolicismo das irmandades negras e dos “san-
tos de preto”; a umbanda; a Igreja Universal do Reino de Deus.

250
II - AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA

Pensar as religiões de matriz africana, consideradas pelos


primeiros estudiosos do tema como religiões africanas modifica-
das, coloca a necessidade de reconhecer que o universo do qual
provêm os negros que são desterritorializados e escravizados no
Brasil é múltiplo. Com efeito, eles se originam de nações distin-
tas, situadas em amplas regiões da África e com culturas e costu-
mes diversificados. Além disso, ao chegarem ao Brasil, são levados
a áreas também distantes e diferenciadas, ocupadas por nações in-
dígenas específicas, exploradas por várias atividades econômicas –
o que leva a que as respostas e adaptações ao novo contexto sejam
também múltiplas. Apesar disto, há aspectos de proximidade en-
tre as religiões constituídas através da reinterpretação da tradição
africana em solo brasileiro, tais como: 1) serem religiões rituais;
2) seus ritos terem por base o estado de transe de parte dos adep-
tos, que incorporam os seres sobrenaturais; 3) os processos de
sagração se fundamentarem, entre outros aspectos, no sacrifício
animal (inclusive no sangue sacrificial), em banhos de ervas e ofe-
rendas alimentares; 4) ser dado lugar de destaque a consultas de
fiéis ao sagrado, seja através de processos divinatórios (jogo de
búzios, colar de Ifá) ou consulta direta com os seres sagrados (nos
casos banto, em que eles podem se expressar em português); 5)
sua cosmologia não ter por base a dicotomia bem x mal, mas apre-
sentar uma perspectiva rica da complexidade; 6) a cura ser um
aspecto importante da prática religiosa (sendo pensada de forma
ampla: tanto cura de doenças e males físicos quanto de problemas
de vida de ordem não física); 7) os processos de iniciação serem
complexos e marcados pelo segredo; 8) serem religiões de tradi-
ção oral. Acrescente-se, ainda, que os orixás (denominação nagô,
voduns para os jejes) estão presentes, com algumas distinções
de denominação, classificação e manifestação13 , em todas elas.

251
Para compreender como este panorama é constituído faz-
se necessário refletir sobre sua abordagem pelos pesquisadores,
desde as pesquisas de Nina Rodrigues iniciadas no final do sec.
XIX (cf. Rodrigues, 1988, 2006). Este autor, conhecido por suas
posturas explicitamente racistas (e muitas vezes sequer lido de-
vido a este fato), destaca-se pelo interesse genuíno na presença
africana e sua influência no Brasil da época. Além disso, propõe a
divisão dos negros que chegaram ao país em dois grandes grupos,
que reuniriam em conjuntos com certa homogeneidade as inú-
meras nações de onde estes provieram: os sudaneses – oriundos
da região subsaariana – e os bantos – originários do centro-sul da
África. Divisão esta que é acompanhada de uma valorização dos
sudaneses em detrimento dos bantos – estes últimos vistos como
mais “primitivos”, “atrasados”, etc. (cf. Rodrigues, 1988).

Quando se consideram as religiões de origem banto, a


própria ausência do registro de uma maior diversidade nos cultos
já demonstra o lugar subsidiário que ocupam no reconhecimento
da influência deste grupo na religiosidade nacional. Por um lado,
o candomblé angola e, principalmente, o candomblé de caboclo
baiano é abordado por Édison Carneiro (1991) como um tipo de
candomblé “menos legítimo” (e simultaneamente mais marcado
pela magia), em que a presença de entidades como caboclos e
pretos velhos, ou o uso do português como língua ritual (e não
uma língua africana), apontam certa “perda” do modelo inicial.
Mas o tratamento dado às macumbas carioca e paulista é o que
mais pode exemplificar aquilo que apontamos: a uma forte dis-
criminação geral da “macumba”, que é o termo mais frequente
quando se deseja identificar as religiões afro-brasileiras com a ma-
____________________
13
Apenas como exemplo, a incorporação no Tambor de Mina maranhense é descrita
de maneira muito mais discreta (sendo possível, inclusive, que uma vodunsi esteja
em transe de forma não evidente – cf. Ferreti, 1995) que o mesmo processo no
candomblé baiano.

252
gia maléfica, observa-se uma ausência de estudos mais aprofun-
dados sobre tais manifestações religiosas. Estas são desvalorizadas
e normalmente apenas uma referência dos pesquisadores para se
pensar a origem da umbanda no país. Como exemplo, Bastide
(2001), ao descrever uma festa de iniciação, afirma que:
O candomblé de Joãozinho pertence à nação angola. Portan-
to, a uma nação banta. Na verdade, os orixás dessa nação não
diferem dos orixás dos quetos ou dos jejes. Mas se a mitologia
é a mesma, se o ritual é comum, existe assim mesmo no can-
to, no ritmo, e na liturgia um certo número de diferenças. A
nação angola resiste menos às influências estrangeiras que nas-
cem do meio, brotam na nova pátria. Enquanto os nagôs e os
daomeanos permanecem fiéis à pureza africana, o banto aceita
com mais facilidade a linguagem dos portugueses em seus cân-
ticos festivos. E também não despreza os espíritos de caboclos.
Unem aos deuses de seus pais os deuses da terra adotiva. É ver-
dade que o sincretismo não é tão grande quanto na macumba...
(:328).

Assim, enquanto o candomblé se torna o grande modelo


das religiões de matriz africana, a macumba passa a ser conde-
nada. Em certa medida, questiona-se o preconceito racial/reli-
gioso para no momento seguinte dirigi-lo a outro grupo social.

Tal contexto, contudo, em certa medida cria as condições


para sua reprodução, ao fazer das informações sobre o candomblé
baiano um conjunto articulado, coerente e consistente, enquanto as
pesquisas e registros sobre as macumbas são muito mais precários.
Por este motivo – embora sem concordar com a predominância
do primeiro em termos de legitimidade – abordaremos em maio-
res detalhes, a seguir, a estrutura de culto e a cosmologia do can-
domblé (que se aproxima das demais religiões de orixás/voduns).

Ao propor uma compreensão geral de tais religiões, Car-


neiro (1991), em meados do século passado, identifica quatro
características gerais que as definiriam, apesar de suas especifi-

253
cidades. A primeira seria a incorporação, pelo fiel, da divindade.
Para entender tal incorporação e sua particularidade – distinta
das incorporações do espiritismo, da umbanda e da pajelança – é
importante ter em mente algumas características da cosmovisão e
da estrutura ritual destas religiões.

No candomblé, embora se reconheça a existência de uma


divindade suprema, Olorum14 , criador do céu e da terra, este
não possui representação, templos ou relação direta com os fiéis.
Estes se relacionam com os orixás, divindades que representam
forças naturais personificadas, com características e estruturas de
personalidade específicas. Tais orixás podem ser masculinos ou
femininos, possuem relações familiares entre si, e sua mitologia
expressa os padrões de personalidade que representam . Os hu-
manos, por sua vez, estão vinculados a certos orixás a partir de
seu nascimento, podendo ser identificado, de forma ritual, seu
orixá de cabeça e um ou dois subsidiários – pressupondo-se que
estes representam características fundamentais dos sujeitos. A in-
corporação do orixá de cabeça é possível apenas para alguns fiéis
(não todos), sendo necessário para tanto um processo de iniciação
que implica em reclusão e a realização de vários rituais. Neste
sentido, pode-se afirmar que ocorre aqui um tipo de transe parti-
cular, em que a manifestação consiste em uma maximização de ca-
racterísticas de personalidade do fiel – na medida em que o orixá
“dono de cabeça” pode ser tomado como um classificador de sua
personalidade. Rita Segato (2005), ao estudar o xangô de Recife,
propõe mesmo pensar os orixás em relação com a teoria arqueti-
pal jungiana. Outra característica fundamental deste sistema é sua
____________________
14
Utilizaremos, a seguir, as designações nagô, pois são as mais conhecidas. Faremos
aqui, além disso, somente uma breve descrição da estrutura geral do culto. Reco-
mendamos aos interessados na temática que recorram à bibliografia sugerida para
se aprofundar, pois sua complexidade impede desdobramentos mais longos em um
texto geral como este.

254
multiplicidade e abertura: na medida em que os orixás possuem
várias formas de ser, com aspectos tanto positivos quanto negati-
vos, não se propõe uma perspectiva dicotômica de mundo, onde
bem e mal seriam bem marcados16 . Esta divisão, imposta pelo
cristianismo, terá relevância somente com a formação da umban-
da.

A relação com os orixás se dá através de um sistema ritual


complexo e que apresenta particularidades não só ao se levar em
conta as várias religiões citadas, mas também entre os templos
específicos de uma religião. Estes se configuram, em linhas gerais,
como “famílias rituais”, em que os processos de iniciação estabele-
cem hierarquias e relações de parentesco ritual entre os membros
– daí as denominações pai, mãe, filho de santo, tão comumen-
te utilizadas. Já os orixás estão presentes nestes espaços sagrados
através de seus “assentos”. Nestes, muito mais importantes que
suas imagens antropomórficas são os objetos sagrados em que se
localizam, e que são especialmente consagrados. A seus orixás, os
iniciados devem oferecer sacrifícios e obrigações, entre os quais
o sangue proveniente de determinados sacrifícios animais, espe-
cíficos para cada orixá. Animais estes que, posteriormente, são
preparados de maneira ritualmente definida e compartilhados pe-
los membros do culto como alimento sagrado, juntamente com
outros alimentos de origem vegetal. É este conjunto ritual que
leva a que a alimentação seja tão central no candomblé, e que a
cozinha consista em um espaço sagrado relevante.

Apesar de serem vários adeptos “filhos” de um mesmo


orixá, a segunda característica ressaltada por Carneiro é de que
____________________
16
Aqui, não queremos dizer que os adeptos do candomblé não possuam valores
morais, mas sim que reconhecem a complexidade do mundo, suas diversas possibi-
lidades, bem como as distinções entre as pessoas e formas diferenciadas legítimas de
comportamento e interpretação da realidade.

255
as incorporações não são genéricas. Em outras palavras, cada fiel
iniciado desenvolve um orixá pessoal, ou seja, possui uma mani-
festação individual da divindade mais ampla. O que faz com que
não seja possível que o orixá de uma pessoa se manifeste em ou-
tra, bem como que possam ser comparadas e avaliadas manifesta-
ções individuais de um mesmo orixá como sendo distintas – por
exemplo, é possível considerar que o Xangô ou a Iansã de alguém
é mais bonito ou mais intenso que de uma outra pessoa. Ressalte-
se, ainda, que mesmo para um único orixá pode haver represen-
tações diferenciadas, como no caso de Xangô, que pode ocorrer
como jovem ou velho.

Esta segunda característica distingue significativamente as


tradições sudanesa e banto. Em primeiro lugar porque, enquanto
na primeira delas a incorporação (quando ocorre) se dá primor-
dialmente por um único orixá, dono de cabeça do membro do
culto, na segunda as incorporações de um único membro em ge-
ral são múltiplas, referindo-se aos vários tipos de entidades que
compunham o panteão dos candomblés banto e das macumbas
cariocas e paulistas17 – além dos orixás, caboclos, pretos velhos,
várias formas de Exu, entre outros (aspecto que ficará mais claro
posteriormente, pois a macumba é uma das matrizes para a com-
posição da umbanda). Acrescente-se que, no caso do candomblé,
as incorporações comumente se restringem aos momentos de
culto e à expressão corporal dos adeptos; não há comunicação
verbal entre os orixás e a assistência – para o que é um fator rele-
vante o uso de línguas africanas nos rituais. Já nas religiões banto,
com sua maior permeabilidade ao contexto brasileiro, a adoção
do português leva a que as entidades conversem com a assistência,
_____________________
17
A opção pelo uso do passado deve-se a que, com a formação da umbanda, as
macumbas passam a integrar este novo contexto religioso, perdendo sua especi-
ficidade. São descritas, portanto, como elementos do passado formador da díade
umbanda/quimbanda.

256
o que permite a realização de consultas diretamente com entida-
des incorporadas.

Tal diferença aponta no sentido da terceira característica


levantada por Carneiro, que ressalta a importância do oráculo –
o jogo de búzios ou colar de Ifá – no contexto das religiões de
modelo sudanês. Pois neste caso é o oráculo o principal veículo
de comunicação com o mundo dos orixás (ao longo do transe,
não somente a assistência não possui canal de comunicação com
eles, mas também o membro incorporado perde a consciência
do contexto ritual vivido). Através da consulta aos especialistas
nos processos divinatórios, é então possível se comunicar com o
sobrenatural e, entre outros aspectos, receber orientações sobre
obrigações e atitudes rituais necessárias ou recomendadas para
cada contexto.

A consulta aos búzios ou ao Ifá, por sua vez, pode implicar


na realização de práticas rituais que trazem a importância de uma
divindade fundamental no candomblé (e posteriormente na um-
banda, mas de uma maneira muito distinta): Exu. Intermediário
entre os orixás e os humanos, o Exu do candomblé é fundamental
na garantia do sucesso de qualquer cerimônia – pois que, como
mensageiro e auxiliar dos orixás, abre os caminhos e transmite as
mensagens a estes18. É este lugar ocupado por Exu que faz com
que ele “coma primeiro” em todos os rituais do candomblé – ou
seja, que as cerimônias sejam precedidas dos “despachos para Exu”
–, bem como que todas as casas de culto tenham um assento es-
pecífico para ele, normalmente fora do prédio central. Em geral,
____________________
18
Bastide (2001) faz a seguinte afirmação sobre o caráter de Exu: “Vai praticar aber-
turas entre os quatro reinos [humano, natureza, orixás, mortos], furar as paredes
estanques que os separam uns dos outros, fazendo-os, por seu intermédio, entrar
em comunicação e assegurando, assim, a união cósmica. Exu é, para nós, o elemen-
to dialético do cosmo” (:172).

257
Exu não possui “filhos” (em outras palavras, não é o orixá de cabe-
ça dos membros do culto). Consequentemente, não incorpora, e
a atenção que recebe dos adeptos está vinculada a sua posição de
mensageiro. No entanto, por um lado suas características – irre-
verência, controle das encruzilhadas, sexualidade, ambiguidade,
papel de mensageiro entre mundos –, e por outro sua apropriação
nas macumbas e atualmente na umbanda/quimbanda levaram a
que fosse identificado com o diabo cristão.

Novamente aqui há uma sensível diferença com relação


aos cultos com maior influência banto. Carneiro ressalta que, em
meados do século XX, somente as macumbas haviam conserva-
do as danças características de Exu, além de terem realizado sua
fusão com outros orixás – como Ogum, Oxóssi e Omolu – e
seu desdobramento em vários tipos de Exus distintos. Neste pro-
cesso, a divindade se tornou cada vez mais identificada com os
espaços e símbolos que contribuem para sua relação com o diabo
cristão: cemitérios, encruzilhadas, doenças, cadáveres, magia e
morte. Posteriormente, este desdobramento será uma das bases
da construção da “esquerda” na umbanda, denominada quimban-
da. Acrescente-se que, nestas, com sua multiplicidade de incorpo-
rações, Exu, em suas diversas formas, se integra ao universo das
entidades passíveis de serem “recebidas” pelos membros do culto.
E, frente ao uso do português pelas mesmas, de manter contato
direto com a assistência dos ritos.

A melhor compreensão do universo acima delineado exige


o conhecimento dos aspectos simbólicos e rituais destas religiões,
o que é possível através da leitura de inúmeros trabalhos dedi-
cados ao tema, alguns indicados na bibliografia abaixo. Ressalta-
mos a relevância de adquirir informações mais detalhadas sobre
a mitologia dos orixás, os processos iniciatórios e as obrigações

258
devidas por seus “filhos” a eles, o calendário ritual (incluindo as
festas), a organização social das casas de culto, a hierarquia dos
adeptos e suas motivações no estabelecimento e manutenção do
vínculo com o candomblé e as outras religiões de matriz africana,
as diferenças entre elas. Todos estes aspectos que devem ser pen-
sados como dinâmicos, e não como uma busca de algum modelo
original legítimo, que precise ser “resgatado” ou tenha se “perdi-
do” ao longo do tempo. A proposta de “resgate” deve ser interpre-
tada, em si mesma, como um discurso político resultante de um
momento particular: veja-se, a título de exemplo, como motiva-
ções para adesão ao culto podem variar, sendo recorrentes, nas
últimas décadas, histórias de estabelecimento de vínculo com o
candomblé por militantes do movimento negro, que vêem na re-
ligião a afirmação de características mais genuinamente africanas,
o que não se colocava em momentos históricos anteriores.

259
III - O CATOLICISMO DAS IRMANDADES NEGRAS E OS
“SANTOS DE PRETO”

Se, por um lado, os africanos que aportaram no Brasil ti-


nham, na constituição das religiões citadas no item anterior, uma
estratégia simultânea de manutenção de elementos de suas cul-
turas de origem, adaptação a um novo contexto (de opressão)
e resistência a ele – o que levou, inclusive, a identificações com
elementos católicos como mecanismos de invisibilização, para os
colonizadores, das crenças negras e garantia de possibilidade de
suas celebrações – por outro lado eles também se integraram ao
catolicismo de uma maneira particular, alterando a configuração
do próprio catolicismo brasileiro. Nas palavras de Bastide (1985):

O catolicismo negro foi um relicário precioso que a Igreja ofer-


tou, não obstante ela própria, aos negros, para aí conservar, não
como relíquias, mas como realidades vivas, certos valores mais
altos de suas religiões nativas (:179).


Neste sentido, Julita Scarano (1978) traça uma diferen-
ciação do contexto religioso negro nas regiões litorâneas e no
interior do país, ainda no período colonial. Segundo a autora,
enquanto no litoral era mais fácil manter as tradições religiosas
de origem africana devido à constância do comércio atlântico de
escravos – que levava a que os negros brasileiros estivessem em
contato frequente com os africanos recentemente chegados do
continente natal –, em Minas, por exemplo, estes ficavam como
que ilhados no interior do país, e os vínculos se tornavam cada vez
mais fracos. Por isto, enquanto no litoral as religiões de matriz
africana ocuparam lugar de destaque, nas Minas a forma mais co-
mum para a perpetuação de tradições negras foi sua incorporação
ao catolicismo, principalmente através das irmandades leigas e de

260
suas festas, crenças e cultos19.

Tal incorporação, por sua vez, se vinculava a um duplo pro-


cesso: por um lado, estratégias de propagação da religião oficial
pela administração da Colônia, que tinha no estímulo à formação
de irmandades leigas um instrumento relevante – principalmente
nas regiões de extração aurífera, em que havia a proibição da pre-
sença de ordens religiosas católicas20 –; por outro, a importância,
para os negros, da formação nas irmandades de um espaço de au-
tonomia e organização própria que destoava do contexto da escra-
vidão. Esta conjugação de interesses díspares fez com que houves-
se a formação de inúmeras irmandades negras ao longo de todo o
período colonial, reconhecidas oficialmente e com potencial para
instaurar suas próprias dinâmicas de devoção e celebrações.

____________________
Bastide (1985) atribui a não permanência de religiões africanas em áreas minera-
19

doras, por outro lado, às maiores chances de mobilidade social na região, fazendo
com que a mentalidade do branco se tornasse mais atrativa.
20
Salles ressalta as distinções das irmandades no caso do litoral e da região minera-
dora, embora seja aqui também importante deixar clara a presença de irmandades
importantes em várias das cidades litorâneas: “Dois fatores contribuíram para o
caráter de classe dessas corporações: o primeiro é que, sendo o Estado ligado à
Igreja, isto determinou o interesse daquela em estimular a eclosão das corpora-
ções; o segundo é que a estratificação social do Brasil colônia se efetuou calcada
na diferenciação interétnica da população, o que está intimamente vinculado ao
colonialismo e ao regime escravocrata. Neste sentido, foi completamente diferente
a função social das irmandades em Minas e no litoral. É que ali havia, para propagar
a religião e exercer as suas funções sócio-econômicas, as grandes congregações reli-
giosas, como os jesuítas e carmelitas. Em Minas, não as existindo, a Coroa tratou de
estimular as irmandades, a fim de – com elas e através delas – transferir ao próprio
povo, isto é, aos mineradores, comerciantes e escravos, os encargos tão dispendio-
sos de construir os grandes templos, os cemitérios, etc. Todos os complexos e caros
cerimoniais do culto religioso eram, desta forma, transferidos à população. Em
virtude disso, tanto à coroa como ao clero interessava muito o desenvolvimento das
ordens terceiras e confrarias.
A população, por sua vez, encontrava nestas corporações uma estrutura eficiente
e legal, uma forma orgânica para expandir suas necessidades ou reivindicações co-
letivas. E então vemos as irmandades não só lutando umas contra as outras, como
também trabalhando para prestar aos seus filiados pronta e vária assistência. Com o
aumento do poderio econômico dessas corporações, a coroa começa a restringir os
seus direitos ou, pelo menos, as suas possibilidades de enriquecimento” (1963: 27).

261
Compreender a importância de tais irmandades exige um
conhecimento mínimo sobre o contexto que as gerou. Este se
vincula às relações entre Estado e Igreja no período: assim, sendo
o monarca português também Grão-Mestre da Ordem de Cris-
to – ou seja, estando poder temporal e espiritual unidos – cabia
à Coroa o recolhimento de dízimos, bem como os investimentos
necessários à implantação e manutenção do catolicismo na Colô-
nia. Responsabilidade que era ainda maior nas regiões de minera-
ção aurífera, em que a ausência de regulares impedia que as ordens
religiosas assumissem o custo de parte da catequização21. Entre-
tanto, a política mercantilista e o recolhimento dos dízimos como
um imposto qualquer levavam a que houvesse uma contenção de
recursos e tentativa de atribuição dos custos da catequização a
particulares. O estímulo à formação de irmandades leigas foi im-
portante estratégia para atingir estes objetivos22 . Elas acabaram
arcando com a maior parte do ônus da propagação do catolicismo
na área mineradora, pois se tornou sua responsabilidade cobrir
todos os gastos com a construção de seus altares, capelas e igrejas,
de seus cemitérios, e com todo o tipo de obras assistenciais que
realizavam em benefício de seus membros – que iam desde a aju-
da em casos de crise financeira ou doença até o sepultamento e a
garantia dos “sufrágios” (missas que se mandava celebrar pela alma
do irmão morto). Assim, a metrópole se esquivava não apenas dos
gastos com a construção de templos e sustento de padres – sendo
os capelães e demais padres que celebravam quaisquer rituais para
as confrarias por elas devidamente remunerados – mas também
____________________
21
O temor da metrópole de contrabando de ouro e pedras preciosas fez com que ela
proibisse a presença de ordens religiosas nas regiões de mineração.
22
As irmandades leigas já se encontravam presentes em Portugal, vinculadas às cor-
porações de ofício, e isto facilita a adoção do modelo na Colônia. No entanto, aqui
passam a se relacionar não com ofícios, mas com grupos raciais particulares.
23
O exemplo mais claro deste último ponto são as Misericórdias, organizações reli-
giosas leigas de elite que se responsabilizavam pela construção e funcionamento de
hospitais e atendimento da população carente. Elas se distinguem das irmandades,
pois nestas a assistência era voltada diretamente aos irmãos e suas famílias.

262
de uma série de serviços sociais de assistência que seriam sua fun-
ção23.

No ambiente urbano que se compôs na região de extração
aurífera, as irmandades foram não somente as principais organi-
zações de propagação da fé católica, mas também os grandes ei-
xos da sociabilidade local. Praticamente todos os eventos sociais
coletivos e particulares de relevo – festas, celebrações religiosas,
batizados, casamentos, sepultamentos, etc. – eram por elas coor-
denados, e muitos deles ocorriam em seus espaços. Disputas por
questões aparentemente simples, como a ordem das irmandades
nas romarias, se tornavam fundamentais, na medida em que de-
finiam o status social dos grupos. No entanto, em uma socieda-
de marcada pelas divisões raciais instauradas a partir da escravi-
dão negra, a constituição das associações e suas atividades não se
deram sem que tais divisões estivessem também nelas inscritas.
Constituiram-se irmandades fundadas em clivagens étnico-raciais
e sociais, que eram explicitadas em seus documentos regulatórios
– os compromissos. Assim, houve uma tendência a que, com a
formação de qualquer povoado na região das Minas, fossem orga-
nizadas duas irmandades: a Irmandade do Santíssimo Sacramento,
composta por brancos e que normalmente tinha o controle da
Igreja Matriz, e a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos, que reunia os negros libertos e cativos. Poste-
riormente, com a diversificação das categorias sociais dos mo-
radores urbanos, estas poderiam se desdobrar em várias outras
irmandades – como de brancos vinculados a ofícios ou grupos
sociais específicos, negros libertos, pardos, cada uma delas com
seus respectivos santos de devoção e celebrações.

O estudo da documentação referente às irmandades (cf.


Boschi, 1986, Scarano, 1978, Porto, 1998) indica como havia se-

263
gregação no caso das irmandades de brancos, que muitas vezes
explicitavam em seus compromissos não somente o controle da
ascendência de seus membros, mas também de suas relações fa-
miliares. O mesmo não ocorria nas irmandades de pretos, que na
maioria das vezes não somente não limitavam a filiação a um gru-
po racial específico, mas chegavam mesmo a prever a participação
de brancos em suas diretorias, principalmente em cargos que exi-
giam domínio da escrita e de conhecimentos financeiros – como
secretaria e tesouraria. Neste sentido, pode-se pensar a ambigui-
dade representada pelas irmandades dos “santos de preto”: por
um lado, foram uma forma de imposição da religião dominante
aos negros, inserindo-os, mas simultaneamente segregando-os,
no contexto mais amplo do catolicismo; por outro, permitiram a
formação de espaços de relativa autonomia dos negros, de legiti-
midade de agremiação e de auxílio mútuo, e de possibilidade de
celebração de suas próprias festas, missas, ritos sociais e fúnebres.

Com efeito, se a estruturação das irmandades era predefi-


nida pelo poder colonial, ao propiciar a reunião dos escravos em
situações de não trabalho, com grupos muito mais amplos que
aqueles vinculados a um único senhor, capazes de reunir recur-
sos próprios e investir na construção de templos (muitos com
características bem específicas) e realização de festividades, bem
como no auxílio de seus membros, estas instituições foram tam-
bém importante lugar de resistência e organização dos negros.
A opulência de vários de seus templos e festas fornece indícios
neste sentido. Bem como os relatos de conflitos internos às ir-
mandades de negros que resultaram, em alguns casos, na expulsão
dos membros brancos e adoção de normas que definiam a exclu-
sividade racial na participação (cf. Salles, 1963). Ou, ainda, as
inúmeras histórias de apoio assistencial das irmandades aos seus

264
Alguns santos específicos foram os oragos mais recorren-
tes das irmandades de negros do período colonial. Destaca-se,
como já indicamos, Nossa Senhora do Rosário, cuja devoção já se
encontrava presente na África, através da ação de catequese dos
dominicanos. Os demais santos são negros, como São Benedito
e Santa Efigênia. No caso de pardos ou libertos, há a devoção a
Nossa Senhora das Mercês – que teria sido responsável pela liber-
tação de escravos em Roma. Os festejos dedicados a estes santos
também foram (e continuam sendo em muitos casos) momentos
importantes na constituição de uma forma específica de catolicis-
mo negro e de resistência destes grupos. Pois, havendo orientação
da Igreja no período para que se aceitasse a inclusão de aspectos
da religiosidade negra e índia na religião católica, com o objetivo
de facilitar a conversão (desde que esses não entrassem em cho-
que com os preceitos básicos definidos pela cúpula eclesiástica),
vemos em tais festas a possibilidade destes grupos demonstrarem
concepções culturais próprias, embora muitas vezes travestidas.
Este é o caso dos reinados, que obtêm grande destaque em várias
partes da Colônia, em que reis negros – com grande prestígio
durante o ano em que vigora seu reinado –, ricamente vestidos,
saem às ruas para serem coroados, respeitados e admirados. Mui-
tas vezes acompanhados de cortejos em que o batuque era um ele-
mento presente e até mesmo central. Aqui, uma citação de Priore
sobre as festas dos reis do Congo parece muito ilustrativa:
... sublinhando a importância e a função que tais comemorações
tinham para a comunidade negra. Aparato, luxo e riquezas ja-
mais sonhadas para esses segmentos, considerados tradicional-
mente pela historiografia como subalternos, enfatizam, como
já dissemos, sua capacidade de acumulação. Seu potencial polí-
tico frente à comunidade reafirmava-se, nesse momento, pela
apresentação do que poderia parecer uma inversão completa: a
sagração de um rei negro... Mas é justamente essa capacidade
de expor outras realidades que devolvia a festiva dignidade aos
negros e à sua cultura (1994: 83).

265
Aqui, vários aspectos se destacam: o coroamento de ne-
gros, nos moldes da realeza metropolitana, mas com elementos
característicos de sua tradição cultural – batuques, danças, consu-
mo de bebidas alcoólicas – possibilita tanto uma apropriação do
poder do dominador através da mimese, quanto marca um lugar
de não subordinação, de exposição pública do negro, coroado rei,
como eixo de festividade católica que o tem como centro e é
por sua irmandade organizada. Aos reinados se relaciona, ainda,
a formação de várias “guardas” negras – os conhecidos ternos de
congo, moçambique, catupés, marujos, entre outros – com seus
capitães, suas dinâmicas peculiares e uma nova mimese dos sis-
temas de dominação. Em alguns casos, os grupos de dançadores
se tornam mais relevantes que o próprio reinado, fazendo com
que os festejos passem a ser conhecidos como Congadas. Acres-
cente-se que a estas festas se vinculam vários relatos que apon-
tam os negros como verdadeiros cristãos, preferidos pelos santos,
em oposição aos dominadores, que apesar de aparentemente os
portadores da fé, não seguem os preceitos religiosos fundamen-
tais. E, ao trazerem para o centro do catolicismo, em condição
de igualdade com as festividades das irmandades de brancos, as
celebrações dos “santos de preto”, marcam no catolicismo suas
especificidades e o transformam em seu conjunto.

O potencial das irmandades e festas de santos de devo-


ção dos negros transcende o período colonial e se propaga para
regiões de colonização posterior. Juliana Calábria (2008) aponta
como, em Uberlândia (assim como em outras regiões do Triângu-
lo Mineiro e Goiás, onde as festividades de “santos de preto” são
relevantes), as irmandades de negros e suas festividades datam
de finais do século XIX, e ocorrem em contextos muito distintos
daqueles do período de extração aurífera. Em outras palavras, a
tradição dos reinados e congadas fornece uma matriz que será

266
reinterpretada e adaptada de acordo com a situação do momen-
to, e que continua sendo reinterpretada até a atualidade – o que
em Uberlândia e região resultou na diminuição da importância
dos reinados e no crescimento e valorização da atuação dos vários
ternos. Assim como apontamos no caso das religiões de matriz
africana, observa-se a possibilidade de leitura destas tradições de
várias maneiras a partir do presente, inclusive como possibilidade
de afirmação da negritude por integrantes do movimento negro.

267
IV - UMBANDA COMO RELIGIÃO BRASILEIRA

Embora a umbanda seja descrita como compondo o bloco


das religiões afro-brasileiras (e, ao abordarmos a Igreja Univer-
sal do Reino de Deus no próximo item, ela será incluída neste
bloco), juntamente com aquelas por nós denominadas de matriz
africana, optamos por distingui-la aqui das primeiras por alguns
motivos. Em primeiro lugar, enquanto as religiões de matriz afri-
cana se constituem ao longo de todo o período de chegada de
africanos no país (sec. XVI a XIX), a umbanda se forma no início
do século XX – ou seja, algumas décadas após a abolição da es-
cravatura e em um contexto republicano24 . Além disso, apesar
da clara relação com a macumba, o relato oficial do surgimento
da umbanda se vincula à expansão do espiritismo kardecista e a
não aceitação deste de que seus adeptos recebessem espíritos “da
terra”, como caboclos e pretos velhos. Esta narrativa, por sua vez,
já aponta que há outras matrizes religiosas fundamentais para a
constituição da umbanda, além da macumba: o espiritismo kar-
decista, o catolicismo, o ocultismo europeu e algumas religiões
indígenas. As duas primeiras matrizes, cristãs, trazem à umbanda
características fundamentais, que a afastam do contexto das re-
ligiões de matriz africana anteriormente descritas, quais sejam:
1) a adoção de uma perspectiva dicotômica de mundo, dividido
entre bem e mal (noções muitas vezes confundidas com “de Deus”
e “do diabo”); 2) a concepção de que o “bem” se intensifica com a
prática da “caridade” (fazendo com que o atendimento ao públi-
co seja um dos eixos da religião). Acrescente-se que, apesar de
____________________
É necessário ter em mente que este é o discurso oficial da criação de uma unidade
24

que não se observa na prática. Em vários casos, o que há é mais uma adoção da de-
nominação de umbanda por praticantes das antigas macumbas – como uma forma
de se proteger da repressão policial e reivindicar o direito à liberdade religiosa –
que uma reconfiguração das atividades dos grupos (sem, contudo, negarmos sua
dinamicidade). A denominação macumba passa a ser utilizada apenas por agentes
externos, como forma de discriminação.

268
não haver uma unanimidade sobre a interpretação do que defi-
ne o bem ou mal – sendo constantes as negociações dos adeptos
em torno do que pode ser identificado, principalmente, como
“mal” – a estrutura se impõe e se expressa em várias das dico-
tomias constituintes do culto – como mesa branca x esquerda,
entidades batizadas x não batizadas, guias x exus, entre outras25.

Sendo assim, pode-se afirmar que a umbanda retoma vários


elementos característicos das macumbas (também já religiões sin-
créticas26), mas os resignificando e fazendo-os dialogar e se inserir
em uma lógica de bases cristãs. Nas palavras de Renato Ortiz (1988):
A síntese umbandista pôde assim conservar parte das tradições
afro-brasileiras; mas, para estas perdurarem, foi necessário
reinterpretá-las, normatizá-las, codificá-las. Foi este o traba-
lho dos intelectuais umbandistas: canalizar uma situação de
fato para constituir uma nova religião. Mas quem eram esses
intelectuais? Brancos e mulatos de “alma branca”, que recons-
tituíram as antigas tradições com os instrumentos e os valores
fornecidos pela sociedade. Não estamos, pois, mais em presen-
ça de um culto afro-brasileiro, mas diante de uma religião bra-
sileira que traz em suas veias o sangue negro do escravo que se
tornou proletário (:33).

Se retomarmos as características da macumba levantadas


____________________
25
Esta adoção da perspectiva dicotômica, que traz a questão moral para o cerne da
umbanda, parece-nos um aspecto bastante delicado da religião. Embora a ambigui-
dade esteja sempre presente nos processos de avaliação do bem x mal, o discurso
dicotômico possibilita o reconhecimento de alguma legitimidade no que se refere
às posturas que discriminam a umbanda (e as religiões de matriz africana) através
de sua identificação com o mal. Se esta crítica não se coloca como pertinente no
contexto das religiões de matriz africana – não dicotômicas e não moralizantes –,
em certa medida ela encontra ressonância no modelo umbandista, pois opera com
uma categoria fundamental para tal modelo – que, ele mesmo, se divide entre bem
e mal, “mesa branca” e “esquerda”.]
26
A religião banto carioca que dá origem à macumba, predominante até o século
XIX, é denominada cabula. Magnani (1991) a caracteriza como mais permeável
que as religiões de origem sudanesa, tendo assimilado alguns orixás do candomblé
e a estrutura de culto, crenças e ritos dos caboclos catimbozeiros, práticas mágicas
europeias e muçulmanas, santos católicos e influências do espiritismo francês.

269
por Bastide (1988), isto se esclarece. Segundo o autor, seus supre-
mos sacerdotes se chamavam embandas ou umbandas (kimbandas
na Angola) – termos que dão nome tanto à nova religião quanto a sua
“esquerda”. Suas filhas, assim como no espiritismo, também eram
denominadas médiuns. Os grandes orixás, identificados com san-
tos católicos, estariam presentes no panteão, mas adorados em suas
correspondentes imagens católicas, presentes no altar dos templos
– de maneira semelhante ao contexto umbandista contemporâneo.

Além disso, o panteão se estendia para várias outras ca-


tegorias, com potencial de desdobramentos múltiplos, sendo os
caboclos e pretos velhos manifestações constantes. Na umbanda,
este panteão vai ser concebido como “linhas”, em que semelhan-
ças entre as entidades vão fazer com que elas se identifiquem com
uma linha, mas também se diferenciem no interior dela. Linha
que se divide em falanges ou legiões, o que resulta em um poten-
cial de expansão ilimitado, podendo surgir novas entidades a qual-
quer momento – embora algumas sejam recorrentes em inúme-
ros terreiros (como, por exemplo, Caboclo Sete Flexas, Pai João,
Exu Tranca Rua, Maria Padilha, Zé Pelintra, etc.). Os orixás são a
representação de várias dessas linhas, mas a maior parte deles não
incorpora diretamente nos membros da religião. Também seria
forte a presença do culto aos mortos, que se configura como culto
às almas, comum na tradição banto, mas na umbanda claramente
dialogando com o culto aos espíritos característico do espiritis-
mo kardecista – no entanto, sem se limitar a espíritos “de luz”
do kardecismo (sinônimo, na prática, de espíritos de brancos).

Vêm também dos cultos banto os processos de iniciação,


embora muito simplificados com relação ao candomblé, bem
como o caráter ritualístico da religião. A defumação, o consumo
de bebidas e fumo pelas entidades, a expressão destas em portu-

270
guês quando incorporadas, o toque de tambores, o uso de pontos
riscados são outras proximidades com as macumbas. E o desdobra-
mento da figura de Exu, que passa não apenas a ter perfil múltiplo,
mas a ser identificado com o diabo cristão. Uma entidade que, em
suas manifestações particulares (p.ex. Exu Caveira, Exu Tranca
Rua, Exu Sete Encruzilhadas, etc.), se incorpora regularmente
nos adeptos e é fundamental para a parte da umbanda que mais
se identifica com uma magia maléfica, bem como com o poder
de enfrentar tal magia: a quimbanda ou “esquerda”. Exu também
adquire um correspondente feminino, a Pombagira, estereotipa-
da como prostituta, lasciva, amante dos prazeres, de champanhe,
de cigarros. Exu e Pombagira trazem, por sua vez, um potencial
importante de intervenção no mundo para os adeptos e clientes
da umbanda, como estratégia de enfrentamento de aflições e dire-
cionamento da própria vida em sentidos desejados. Mas, ao mes-
mo tempo, uma visão do mundo como conflituoso, repleto de pe-
rigos, e em que ritos e mecanismos de proteção são necessários.

O panteão umbandista representa o contexto brasileiro,dan-


do destaque privilegiado aos marginalizados: caboclos, pretos ve-
lhos, crianças, marinheiros, ciganos, boiadeiros, cangaceiros, baia-
nos. A esquerda, por sua vez, traz um outro tipo de marginalidade:
malandros, criminosos, prostitutas, devassos, feiticeiros expressos
através dos sofredores/eguns, pombagiras, exus. Diversidade fun-
damental para a religião, pois, como indicam Brumana e Martinez
Diante de um Deus único e monolítico só existem duas pos-
sibilidades: a submissão (qualquer que seja a feição que esta
assuma) ou a perdição. Os múltiplos poderes, nenhum deles
tão forte como para poder prevalecer sobre os demais, deixam
uma margem de manobra pelo contrapeso entre as diversas en-
tidades. Nenhum poder é absoluto, sempre há limites para seu
alcance.(...)
...da vontade ou da natureza da entidade não pode despren-
der-se um código universal de respeito obrigatório. Assim, os

271
objetivos do cliente não têm por que submeter-se aos da enti-
dade; sua heterogeneidade está pressuposta na oferenda como
pagamento de serviços (1991: 259).

Se também na umbanda o processo de incorporação destas


entidades é a base do rito religioso, pode-se identificar aqui um
tipo de incorporação distinto, que mescla o transe espírita àquele
do candomblé. Por um lado, assim como no espiritismo – e em
contraposição ao candomblé – cada médium da umbanda incor-
pora várias entidades. No entanto, tais entidades não são espíritos
desencarnados de pessoas concretas, mas entidades representan-
tes de ideias mais abstratas (embora os adeptos afirmem que elas
tiveram uma vida terrena) e que se identificam como componen-
tes de linhas diferentes. Como exemplo, é comum que os mé-
diuns umbandistas incorporem um caboclo, um preto velho, uma
criança, um exu, um boiadeiro, uma pombagira, etc., vinculados
a eles a partir de sua iniciação religiosa. Acrescente-se, ainda, que
as entidades se expressam em português, o que traz um aspecto
fundamental para a estruturação da umbanda: a possibilidade de
que o sistema de “consultas” com as entidades se dê de maneira
direta, e que se torne o eixo dos ritos rotineiros. A religião con-
segue, portanto, reunir não apenas um número significativo de
adeptos, mas também uma clientela numerosa, que procura os
terreiros para assistir aos ritos, mas, principalmente, buscar so-
luções para problemas das mais diversas ordens. A clientela é tão
importante quanto os adeptos, pois:
O centro não pode funcionar sem clientes. No plano místico,
porque suas aflições são o motivo da presença dos Orixás na
terra; no plano profano, porque só sua afluência pode dar vida
ao terreiro (Brumana e Martinez, 1991: 207).

272
Neste sentido, outro aspecto da influência espírita que
marca a estrutura da umbanda é a importância atribuída ao aten-
dimento à clientela, a partir de uma valorização da “caridade”.
Assume, então, lugar de destaque a ideia de “trabalho”. Isma-
el Pordeus Jr., ao abordar o tema, afirma o uso recorrente “do
termo trabalho como expressão da imensa e complexa gama de
rituais praticados nessa religião. E, principalmente, o fato de os
próprios umbandistas considerarem trabalho e magia como sendo
um único fenômeno” (2000: 39). O termo adquire relevância ao
ponto de José Guilherme Magnani (1991) afirmar que, enquanto
o candomblé se constitui em um “teatro dos deuses”, a umbanda
se caracteriza como o espaço do “trabalho”.

O fato de se dirigir para o atendimento a uma clientela
que não possui vínculos mais estreitos com a religião – embora os
processos de atendimento e cura possam provocar estes vínculos
posteriormente –, traz um segundo aspecto importante relativo
à divisão da umbanda em umbanda e quimbanda: o problema da
cobrança por “trabalhos”. Neste sentido, a umbanda como pri-
meiro termo da divisão passa a ser valorizada não só por apontar
para uma maior distância dos rituais e da cosmologia afro-brasi-
leiros, além de trazer uma ideia moral do bem se contrapondo ao
mal, mas também por carregar uma perspectiva da importância
do “trabalho” de caridade, não remunerado. Assim, a quimbanda
será simultaneamente condenada por ser mais “negra” – tanto do
ponto de vista de suas referências religiosas como de vínculo atri-
buído com a “magia negra” – e por ser mais voltada para o ganho
financeiro. Novamente, o preconceito não é enfrentado, mas des-
locado para outro grupo – neste caso, para uma parte marginal do
mesmo grupo.

273
No entanto, a moralização e branqueamento propostos por uma
elite umbandista e articulados através da produção de literatura
e da organização de federações – com a promoção de eventos
e tentativa de instauração de uma unidade na umbanda – não se
concretiza de maneira eficiente. Não há, apesar dos esforços, su-
cesso no sentido de unificar as práticas dos inúmeros terreiros es-
palhados pelo país, ou de reprimir a quimbanda como indesejável
e moralmente condenada. Segundo Patrícia Birman:
A umbanda mais praticada, que se dissemina sem nenhum con-
trole, é essa – misturada, que não dá importância à pureza, seja
esta de cunho moral, com a pretensão de impor códigos dou-
trinários, seja de caráter ritual. Através da representação das
diferenças religiosas como linhas possíveis e legítimas coman-
dadas pelos espíritos e orixás, torna-se sempre possível para o
umbandista compor, somar, articular princípios diversos na sua
prática (1985: 90).

Pordeus Jr. , no mesmo sentido, aponta que:

A umbanda relegou elementos dos mais significativos da cultu-


ra afro-brasileira ao plano da quimbanda. Enviou o Exu para a
senzala, colocou-o em seu lugar, na magia negra. Apesar da fa-
chada umbandista, é a quimbanda que é sempre praticada quan-
do as coisas não funcionam bem ou nos estados de aflição. Não
tememos dizer que, ao longo de nossas pesquisas, a quimbanda
se revela a prática mais importante dos terreiros umbandistas
(...). A quimbanda, como imagem refletida no espelho, e o in-
verso da umbanda, ou ainda a sobrevivência da memória negra
através da rearticulação de Exu (2000: 79).


Vê-se, portanto, na umbanda uma ambiguidade que traz
a riqueza da religião e sua capacidade de penetração em todo o
território nacional: uma incorporação da moralidade e da lógi-
ca cristãs que, embora presentes no discurso e nos processos de
avaliação e construção de legitimidade interna dos vários grupos,
não se mostra absoluta. A diversidade, aliada a uma perspectiva
que torna a dicotomia complexa, permite a abertura para com-

274
portamentos e desejos diferenciados, e uma negociação sempre
possível entre bem e mal. Além disso, a umbanda dialoga com o
universo da religiosidade popular brasileira, em que o mundo é
percebido como repleto de perigos – estando a maior fonte deles
nos contatos próximos entre o humano e o sobrenatural27 –, os
males são atribuídos a fatores externos, a inveja é uma das princi-
pais ameaças à vida, ritos de proteção devem fazer parte do coti-
diano. E a possibilidade de intervenção no mundo traz um alívio
às várias aflições que permeiam as histórias das pessoas – sejam
adeptos ou clientes.

Por fim, cabe ressaltar que a umbanda não apresenta dis-


curso condenatório de outros códigos religiosos. Na verdade, o
discurso condenatório é muito mais mobilizado internamente,
seja para contestar a atuação de pais ou mães de santo como char-
latães, seja para condenar moralmente suas ações (então reconhe-
cendo-as como eficazes). Não há, portanto, incompatibilidade
entre ser católico e umbandista, na medida em que o primeiro
vínculo religioso estaria muito mais direcionado a questões de
salvação e ritos sociais consagrados, enquanto na umbanda “o que
realmente importa não são as doutrinas e sim a ajuda que se pode
obter” (Brumana e Martinez, 1991: 422). É interessante observar
que, no centro do Rio de Janeiro, seria possível inclusive identi-
ficar várias igrejas de um “catolicismo de umbanda” – em que a
devoção a santos importantes no panteão umbandista (como São
Cosme e Damião, São Jerônimo, São Jorge, São Cipriano, entre
____________________
27
No catolicismo popular paranaense há um exemplo muito ilustrativo desse perigo:
um dos dias mais temidos do ano, segundo relatos que ouvi em vários grupos rurais
do estado, é o 25 de março. Normalmente situado na quaresma, este dia se carac-
teriza por uma abertura arriscada do mundo ao sobrenatural – com várias visagens
povoando o cotidiano. Exige jejum, respeito, não trabalho, reclusão. Ao indagar
o motivo de tal perigo, recebi a resposta de que a data antecede em exatos nove
meses o nascimento de Cristo. Assim, um contato com o sagrado capaz de gerar a
concepção de Maria, se é o fundamento do cristianismo, é também o exemplo de
uma proximidade que se deve temer.

275
outros) se reúne ao culto às almas, e a uma ritualística caracte-
rística da umbanda (com o uso de velas coloridas e pipocas jun-
tamente com ex-votos, por exemplo). Estas igrejas têm missas
regularmente celebradas, e são aquelas da região central da cidade
que congregam público significativo.

276
V - O NEOPENTECOSTALISMO DA IGREJA UNIVERSAL DO
REINO DE DEUS (IURD)

Provavelmente, este seja o item que maior estranheza traz


neste texto, e deve provocar reações quanto à ideia de incorporar
a Igreja Universal do Reino de Deus como resultado da influên-
cia africana sobre a religiosidade brasileira. Afinal, a identifica-
ção das religiões afro-brasileiras simultaneamente com o feitiço
e o demônio é um dos principais eixos tanto do discurso quanto
dos rituais da IURD, e uma das grandes estratégias de atração e
conversão de adeptos. Ronaldo de Almeida (2009) afirma, mes-
mo, que o foco da Igreja Universal não é o cristianismo e uma
perspectiva de salvação, mas sim os processos de libertação (das
entidades vinculadas, principalmente, à umbanda). O que se ex-
pressa, inclusive, no título de um dos livros de autoria de Edir
Macedo, liderança máxima da IURD: Orixás, Caboclos e Guias.
Deuses ou Demônios?, cuja circulação já foi judicialmente proi-
bida devido à incitação ao preconceito religioso que traz. Pode-se
dizer, portanto, que a IURD se dirige muito mais ao enfrenta-
mento de males (sejam físicos ou espirituais) deste mundo – as-
sim como nas afro-brasileiras – que a uma ênfase na vida após
a morte. Há uma relação clara entre cura e conversão, também
muito presente naquelas religiões que relação clara entre cura e
conversão, também muito presente naquelas religiões que elege
como suas principais opositoras28. Acrescente-se que, ao fazer da
demonização das religiões afro-brasileiras um aspecto crucial, a
IURD também incorpora a simbologia, certos ritos e datas do
calendário de tais religiões. O transe (tanto a possessão por seres
nominados segundo o panteão umbandista quanto o “batismo no
____________________
28
Cabe ressaltar que alguns crimes dos quais Edir Macedo foi acusado na década de
1990, como charlatanismo e curandeirismo (cf. Mariano, 1999, Almeida, 2009),
são também mobilizados nos processos de criminalização das religiões afro-brasi-
leiras.

277
Espírito Santo”) passa a ser um elemento fundamental dos cultos.
A sacralização de objetos e a realização de ritos com eficácia mági-
ca são componentes do calendário religioso – como o uso de óleos
consagrados, a passagem por corredores ou portais, a queima de
roupas e objetos, etc., com consequências diretas nas vidas dos que
se submetem a tais ritos. Acrescente-se, ainda, o lugar fundamen-
tal ocupado pelo sacrifício – agora não mais pela mobilização do
sangue sacrificial, mas das doações monetárias29. Pontos de contato
mais ou menos próximos, que pedem uma análise aprofundada.

Antes, porém, de passar aos aspectos elencados logo aci-


ma, é importante compreender como se dá a demonização do can-
domblé e da umbanda no discurso de Edir Macedo30. Para tanto,
é necessário ter em mente uma característica da igreja apontada
no parágrafo anterior: o perfil mágico-religioso da IURD, com
ênfase no fornecimento de serviços religiosos de cunho curati-
vo e protetor, expresso na relevância que adquire o processo de
“libertação”. Há, assim, um deslocamento das origens de diver-
sos males enfrentados pelos sujeitos para a ação de elementos ex-
ternos, os “demônios” que os possuem. Estes, por sua vez, pre-
cisam ser melhor definidos, e é a partir de tal necessidade que
se mobiliza o preconceito racial/religioso prevalente na socie-
dade brasileira e a relação direta que estabelece entre religiões
afro-brasileiras e feitiçaria31. Em Orixás, Caboclos e Guias: Deu-
___________________
29
Esta relação entre sacrifício animal e monetário me ocorreu a partir de uma con-
versa com o Prof. Edin Abumanssur, em que este falava do dinheiro na IURD como
sacrifício que se assemelha aos pactos com o divino estabelecidos na religiosidade
popular.
30
Embora esta também se estenda ao espiritismo e, de maneira distinta, ao catolicis-
mo e outras denominações religiosas, o foco dos ataques são as religiões afro-brasi-
leiras, e o diálogo direto se dá com a umbanda.
31
Mariano (1999) afirma que: “Nos demais países em que está presente, a Universal
adota a estratégia de se contrapor às religiões locais, retraduzindo sua mensagem
de acordo com as matrizes simbólicas locais oponentes. Daí que em Portugal, por
exemplo, ‘os demônios se manifestam de forma diferente’ e com outros ‘nomes’,
segundo o pastor Silvério Prazeres Costa” (:136 – nota 31).

278
ses ou Demônios?, Edir Macedo (2000) explicita de que forma
estabelece tais relações em vários trechos, como por exemplo:
Quando os primeiros escravos chegaram ao Brasil, trouxeram
com eles as seitas animistas e fetichistas que permeavam seus
países de origem na África. Aqui, encontraram muita afinidade
por parte dos índios que tinham também uma forma de religião
semelhante, onde os espíritos dos mortos eram consultados e
onde se faziam trabalhos para agradarem aos desencarnados ou
deuses em seus rituais, ora folclóricos, ora macabros. Para evi-
tar atritos com a Igreja Católica, os escravos que praticavam
a macumba, inspirados pelas próprias entidades demoníacas,
passaram a relacionar os nomes de seus deuses ou, para ficar
mais claro, demônios, com os santos da Igreja Católica. Assim,
podiam escapar à grande perseguição que a própria Igreja Ca-
tólica moveu contra eles, após a libertação dos escravos, por
praticarem tais cultos (:44).

É interessante observar, neste texto do líder máximo da


IURD, como um discurso mais ameno vai se transformando em
um enunciado marcado pela condenação das práticas negras. As-
sim, embora os índios sejam inseridos no contexto descrito, eles
logo desaparecem, e as seitas negras, inicialmente animistas, fe-
tichistas ou folclóricas, se transformam em rituais macabros ins-
pirados por demônios. Em outro momento do texto, ao falar em
trabalhos ou despachos feitos pelos “adeptos da feitiçaria”, reduz
à magia as religiões afro-brasileiras, que passam a ser um espaço
povoado por feiticeiros. Feiticeiros estes que são eficazes, respon-
sáveis pela destruição não somente das vidas de suas vítimas, mas
também das pessoas que deles se aproximam. Acrescente-se que
a maneira como o autor descreve as supostas formas de interfe-
rência dos demônios (identificados nominalmente com entidades
da umbanda) no mundo humano intensificam o temor às religiões
afro – pois não apenas a frequência aos cultos, mas a mera convi-
vência com adeptos destas religiões, bem como a ingestão de ali-
mentos produzidos por seus membros (mesmo em contextos não

279
rituais, como os acarajés das baianas) podem colocar alguém em
perigo. Além disso, pode-se herdar a possessão por um “espírito
demoníaco” de familiares, ou ser atingido por ritos intencional-
mente feitos por terceiros. Assim, não basta se converter, mas é
necessária uma verdadeira “guerra santa” com o objetivo de com-
bater as religiões a que se opõem.

Nesta guerra, por sua vez, há uma apropriação de vários


elementos simbólicos principalmente da umbanda. Assim, os ri-
tos de “libertação”, que ocorrem às sextas-feiras32, têm como eixo
a incorporação dos presentes pelos “demônios” que os “possuem”
e são os responsáveis pelos problemas de suas vidas. Neles, como
descreve Almeida (2009), os fiéis não apenas entram em transe e
têm aqueles que os vitimizam e destroem suas vidas expulsos de
seus corpos, mas estes precisam dizer seus nomes, que são nomes
de entidades da umbanda. Dentre elas, têm destaque especial as
entidades “de esquerda” – exus e pombagiras –, porém estereo-
tipados e “dominados” pelos pastores, de maneira muito distinta
àquela com que aparecem nos contextos umbandistas.

­____________________
32
As sextas são dias com uma sacralidade especial nas religiões afro-brasileiras,
como se explicita no seguinte trecho de Silva (2007): “Os dias iniciais ou terminais
da semana são consagrados ao domínio do fogo, elemento transformador. Assim,
segunda e sexta-feira são dias consagrados a Exu, que sendo orixá dos caminhos e
das passagens é cultuado nesses dias liminares que circunscrevem as mudanças en-
tre períodos de trabalho e de descanso. Suas horas consagradas são as de mudanças
de períodos, como a meia-noite. Por esse motivo, nesses dias e horário são feitas,
preferencialmente, as giras de exus (ou dos guias da esquerda) nos terreiros de um-
banda, e lhes são entregues oferendas em locais de passagens, como encruzilhadas
e cemitérios. Sexta-feira também é o dia consagrado a Oxalá, no candomblé. Por
ser o orixá da criação que se veste de branco (e não recebe oferendas com óleo de
dendê ou sacrifício de sangue), Oxalá foi associado a Jesus ou às suas denominações,
como o Senhor do Bonfim na Bahia. Muitos iniciados se vestem de branco neste
dia e evitam comer carne vermelha, preferindo o peixe. Existe nessa associação
uma alusão ao tabu da quaresma ou da Sexta-feira Santa, dia em que Cristo foi
crucificado, o que torna essa data um dia de morte, mas também de esperança na
ressurreição” (:237).

280
Acrescente-se que o calendário litúrgico da umbanda pas-
sa a ser um guia para as atividades da IURD33. Além da impor-
tância atribuída à sexta-feira, Mariano (1999) e Almeida (2009)
fazem referência à preocupação da igreja, por exemplo, com a
aproximação do dia de São Cosme e Damião, em que há tradi-
cionalmente a distribuição de doces por membros das religiões
afro-brasileiras. A fim de que as crianças da membresia não sejam
contaminadas – já que a simples ingestão de alimentos vinculados
a tais religiões tem potencial deletério –, a IURD organiza, ela
mesma, um evento infantil com a doação de guloseimas para suas
crianças. E, ainda, estão presentes nos ritos e produtos (com efi-
cácia mágica) oferecidos pela igreja ervas e óleos utilizados tanto
nas religiões de matriz africana e na umbanda quanto na religio-
sidade popular de maneira mais ampla – como, por exemplo, a
arruda (cf. Silva, 2007).

Mas, além de proximidades mais diretas, também é possí-


vel estabelecer analogias entre a perspectiva da Igreja Universal e
da umbanda. Com efeito, quando se pensa a relação da primeira
com o cristianismo, destacam-se pontos específicos: há a adoção
de uma perspectiva dicotômica do mundo, em que ao bem, iden-
tificado com o que “é de Deus”, se opõe o mal, “do diabo”; neste
mundo, por sua vez, embora o mal sempre ameace o cotidiano,
a força do bem é maior – sendo portanto legítimo e eficaz mobi-
lizar o nome de Deus (e, por extensão, de Jesus) para enfrentar
o mal –; tal processo, além disso, se sustenta e é reconhecido
através dos textos bíblicos, tornando-se a referência à Bíblia a evi-
dência da correção e sacralidade da “guerra santa” contra o mal.
____________________
Extenso quadro das relações entre calendário católico, afro-brasileiro e da Igreja
33

Universal é apresentado por Silva (2007: 142-143). No mesmo capítulo, o autor


explora de maneira muito mais detalhada, também, as proximidades simbólicas e
estruturais entre a IURD e o universo afro-brasileiro.

281
No entanto, ao ter como foco a libertação, e não a salvação, há um
esvaziamento de noções como autocontrole, culpa ou pecado (cf.
Mariano, 1999). Com efeito, a fonte do mal é externa, sua mani-
festação (inclusive) corporal, o sofredor é uma vítima tanto dire-
tamente de seres sobrenaturais quanto da ação de outras pessoas
(que mobilizam tais seres). O contato do mundo humano como o
sobrenatural é constante e perigoso, e a alteridade é a expressão
de tal perigo. A magia é eficaz, e assim como atos de magia malé-
fica podem destruir a vida das pessoas, também é necessário rea-
lizar constantemente ritos mágicos de proteção – no que a IURD
teria uma função essencial para seus adeptos e clientela34.

Cito, aqui, um longo trecho de Almeida, em que o autor


sintetiza a importância do universo religioso afro-brasileiro (prin-
cipalmente a umbanda) na constituição não apenas da cosmologia,
mas também dos rituais da Igreja Universal do Reino de Deus:
... se o transe narrado já pertence à Igreja Universal, as enti-
dades, consequentemente, já fazem parte de seu universo. Ao
adquirirem autonomia nesse espaço, as entidades receberam
atribuições específicas, todas relacionadas a males concretos
da vida. Segundo os pregadores, a pombagira, por representar
uma prostituta e por levar as pessoas ao homossexualismo, é
a causadora da aids; o preto-velho, por andar curvado, causa
as dores na coluna; o exu Tranca-Rua gera a miséria; os erês
atingem fisicamente as crianças; o exu da morte, por sua vez,
motiva o suicídio. Em vez do diagnóstico de uma doença ou
de qualquer desgraça, a igreja vem formulando paulatinamente
uma anatomia da possessão, ao conferir às entidades atribui-
ções em grande medida diferentes das registradas no espaço
de um terreiro. (...) O que demonstra a (re)simbolização das
entidades afro-brasileiras, ou melhor, sua incorporação. Por-
tanto, ao acreditar que está combatendo uma fé inimiga, a Igre-

34
Não é necessário ser um membro da IURD para se beneficiar de seus ritos má-
gicos e sessões de libertação. Neste sentido, é possível observar mais um ponto
de proximidade com a umbanda, em que os templos são frequentados tanto por
adeptos da religião quanto por uma clientela de não adeptos. Em síntese, a IURD é
também uma denominação que oferece serviços mágico-religiosos que se definem
como eficazes para uma clientela de não adeptos.

282
ja Universal, na realidade, criou uma cosmologia de seres ma-
lignos povoando seu inferno com as entidades. Logo, por um
sincretismo às avessas, a Igreja Universal acabou produzindo
sua pombagira, seu exu Tranca-Rua, sua Maria Padilha. (...) A
guerra travada consegue, dessa forma, conjugar um sincretismo
invertido com a ideia de pluralismo religioso. E, como con-
sequência, a Igreja Universal combate aquilo que, em parte,
ajudou a criar.
Paradoxalmente, assim, a Igreja Universal ficou mais parecida
com sua inimiga. Mesmo sendo pentecostal, ela acabou se situ-
ando em um meio caminho entre os evangélicos e as religiões
afro-brasileiras. (...) mais que um sincretismo às avessas, a Igre-
ja Universal, em seu processo de constituição, elaborou, pela
guerra, uma antropofagia da fé inimiga. (...) Em resumo, muito
mais que pela oposição ou pelo contraste, a Igreja Universal
rege seu processo de expansão por uma antropofagia religio-
sa, na qual as mais diversas crenças podem ser negadas em seu
conteúdo religioso original e, ao mesmo tempo, parcialmente
assimiladas em suas formas de apresentação e funcionamento

De forma mais ampla, também aponta Silva (2007) que:

Se a evangelização e a libertação apregoadas pelas igrejas ne-


opentecostais, que se traduz num combate aos terreiros afro
-brasileiros, parece promover um aparente afastamento entre
essas instituições, beneficiando o crescimento das primeiras e a
evasão de adeptos dos segundos, além da degeneração da ima-
gem pública destes, há em sentido inverso um entrelaçamen-
to desses campos que os aproxima (...). Esta afirmação parece
consistente ao observarmos que a produção literária, concep-
ções religiosas, uso da oralidade e do transe, cosmogonias, ritos
e liturgias que constituem a teologia neopentecostal da batalha
espiritual parecem fornecer uma “pedagogia” na qual o léxico e
a gramática do sistema combatido são aproveitados em benefí-
cio próprio.Valer-se da lógica mágico-religiosa do outro parece
ser o primeiro passo para tentar garantir a operacionalidade
dessa lógica quanto aplicada em seu próprio sistema, a partir de
outros pressupostos. A “inversão”, também sendo uma versão,
só faz sentido quando se conhece o que se inverte (: 255-256).

Este processo, por sua vez, não é tão distinto daquele ob-
servado nos contextos seja do catolicismo negro, seja da umbanda

283
– em que vários aspectos da religiosidade africana são incorpo-
rados, embora muitas vezes com uma resignificação de seus ele-
mentos. Mas há, no entanto, uma diferença fundamental: resulta
do discurso da libertação e da consequente “guerra santa” efetua-
dos pela IURD o recrudescimento do preconceito religioso – ge-
rando, inclusive, ataques físicos diretos a templos e membros das
religiões afro-brasileiras35. Assim, ao incorporar aspectos das reli-
giões afro-brasileiras através de sua identificação com “o mal”, que
deve ser extirpado, a IURD contribui de maneira direta e violenta
para consolidação da relação inicialmente abordada neste texto
entre preconceito religioso, preconceito racial, temor à feitiçaria
e identidade entre os três termos. Neste sentido, reforça (e, em
certa medida, recria) uma construção que se deu ao longo de toda
a história nacional – exercendo influência muito mais abrangente
que apenas sobre seus membros (tanto no meio evangélico quanto
não evangélico).

É importante ressaltar, ainda, que a “guerra santa” baseada
na importância atribuída à ação de demônios na vida das pesso-
as, a necessidade de investir em rituais de libertação e proteção,
a identificação do diabo com o universo religioso afro-brasileiro
não são exclusividade da Igreja Universal do Reino de Deus. Tais
ideias estão difundidas no interior de várias denominações pente-
costais – de maneira muito semelhante na Igreja Internacional da
Graça de Deus. Vagner Silva (2007) afirma, inclusive, que:
A “demonização” das religiões afro-brasileiras propagada pelo
neopentecostalismo já estava presente em fases anteriores do
movimento pentecostal, como elemento da teologia da cura
____________________
35
Cabe apontar, como se explicita no livro Intolerância Religiosa. Impactos do
Neopentecostalismo no Campo Religioso Afro-Brasileiro, organizado por Vagner
Gonçalves da Silva (2007), que os adeptos das religiões afro-brasileiras não foram
vítimas passivas de tais processos, mas, juntamente com associações do movimento
negro, se organizaram em sua defesa através de meios políticos e jurídicos.

284
divina. Sendo uma das partes constitutivas do ritual da benção
aos doentes, a cura servia para mostrar a vitória de Deus sobre
o demônio, geralmente identificado com a umbanda e o can-
domblé (...). Nesse período, entretanto, não se convocavam os
“exércitos de Cristo” para saírem às ruas para impedir rituais
afro-brasileiros ou mesmo tentar fechar terreiros como têm
ocorrido nas duas últimas décadas (:195).


Esta identificação das religiões afro-brasileiras com o de-
mônio de maneira mais ampla também é explicitada em pesquisa
realizada entre evangélicos do Grande Rio de Janeiro em 1994
(cf. Mariano in Silva, 2007), em que 95% dos entrevistados de-
clararam considerar candomblé e umbanda como religiões de-
moníacas. Contudo, dentre as denominações de grande projeção
nacional e presença midiática, é na IURD que o ataque direto às
religiões afro-brasileiras tem maior centralidade, e toma sua for-
ma mais agressiva. Analisar seu exemplo contribui para compre-
ender como a expansão das religiões evangélicas no país trouxe
consigo a reativação, fortalecimento e reconfiguração do precon-
ceito racial/religioso36. Mas, por outro lado, permite perceber
como o diálogo com as religiões afro-brasileiras e a mobilização
do “medo do feitiço” são elementos de evangelização importantes
mobilizados por certas denominações evangélicas. É possível, em
suma, apontar tais conformações do campo religioso evangélico
brasileiro também como resultados da influência da religiosidade
____________________
36
Isto tem um efeito direto no contexto de salas de aula do ensino fundamental e
médio. Principalmente em áreas onde a presença evangélica é significativa. Alguns
dados censitários sobre a população paranaense são aqui interessantes: os evangéli-
cos subiram de 16,16% da população paranaense em 2000 para 20,99% em 2010.
Número ainda maior entre os negros paranaenses, que de 18,71% de evangélicos
em 2000 passaram para 25,48% em 2010. Dentre os negros evangélicos em 2010,
por sua vez, 67,03% são pentecostais (em 2000, o percentual de evangélicos que
se declaravam pentecostais era significativamente maior no Paraná: 77,91%). Já o
número de adeptos negros declarados da IURD é muito menos relevante: apenas
3,64% do total de evangélicos negros em 2010.

285
africana no país.

Para finalizar, gostaríamos de propor uma perspectiva se-


gundo a qual os milhões de negros desterritorializados e arrasta-
dos para o Brasil através do violento sistema que resultou em sua
escravização, ao trazerem consigo sua cosmologia e suas práticas
religiosas, fixaram uma matriz – múltipla e aberta – que, ao longo
da história, foi e é mobilizada e atualizada no processo dinâmico
de formação e transformação do campo religioso nacional. Ma-
triz que, por outro lado, foi lida pelos grupos dominantes como
ameaçadora. O que gerou a contraparte da demonização e con-
denação moral das práticas religiosas negras e de sua cosmologia.
E resultou na conjugação de preconceito religioso, preconceito
racial e temor à feitiçaria que abordamos inicialmente. Precon-
ceitos que, também eles, passaram a ter uma estrutura matricial,
pois que constantemente remodelados para atender a novas situa-
ções e permitir novos arranjos do campo religioso.

Neste contexto, o debate das religiões afro-brasileiras no
ambiente escolar não se dá como mera “informação” ou “esclare-
cimento” de alunos sem história. Ao contrário, ele mobiliza valo-
res fortemente arraigados. Assim, deve consistir em um proces-
so de negociação da possibilidade de diálogo, que muitas vezes
é inviabilizado por tais valores. Embora os caminhos para tanto
não sejam claros, cremos que vale a pena refletir e propor a re-
flexão sobre os processos históricos que fixaram tais preconceitos
– não através de sua simples negação, mas da percepção de que
elementos da religiosidade nacional que são atribuídos aos negros
(como o uso da magia ou a experiência do transe), na verdade
se espalham por vários grupos sociais e religiosos. Além disso, é
interessante que o diálogo aponte não para aspectos isolados das
religiões afro-brasileiras, mas para a maneira pela qual estas ela-

286
boram perspectivas de mundo complexas e saberes diversificados.
O reconhecimento de um cosmos que não se orienta apenas por
uma racionalidade científica e não se reduz à visão maniqueísta de
bem e mal, mas legitima formas diferenciadas de ser, aponta neste
sentido.

287
288
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