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Resumo: Este ensaio discute, a partir dos problemas existentes no processo educativo e
na concepção de educação hoje predominante, os fundamentos teóricos que os
estruturaram e que encontram hoje seus limites em dar conta da complexidade
contemporânea. Assim, ao fazer a crítica ao processo educativo convencional, especula
a respeito de alternativas que possam trazer mais diversidade e riqueza na construção do
conhecimento, propondo como interessante abordagem neste sentido a utilização da
linguagem cinematográfica como processo pedagógico. Tal abordagem constitui
instrumental privilegiado para subsidiar e propiciar a dialogicidade e a elaboração do
conhecimento na relação de ensino-aprendizagem contemporânea.
Palavras-chaves: Educação; Tecnologia Educacional; Cinema.
Abstract: This essay discusses, based on existing problems in the educational process
and in the concept prevailing nowadays, the theoretical framework that has structured
them and that now find its limits in dealing with contemporaneous complexities. Thus, by
addressing the critic to the conventional educational process, we speculate on the
alternatives which might approach in this direction the use of cinematographic language
in the pedagogical process. Such approach constitutes a privilegiad means to subside
and boost dialogicity and elaboration of knowledge in the contemporaneous teaching and
learning relationship.
Key-words: Education; Educational Technology; Motion Picture.
I- Discussão Introdutória
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Professor do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural e do Mestrado em Extensão Rural –
UFSM; Doutorando em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade – CPDA – UFRRJ.
Jmfroe@ccr.ufsm.br
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Professor do Departamento de Metodologia do Ensino – UFSM; Doutorando em Educação – UFSC.
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A proposta deste artigo é fundamentar, então, algumas idéias, a partir das quais se
possa demonstrar as condições de instrumentalidade que a linguagem cinematográfica e do
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A idéia expressa acima pode, a nosso ver, servir como uma possibilidade de reflexão
em busca de alternativas de educação que comecem a romper, a “desconstruir” o modelo
de educação que hegemonicamente se construiu e que vem se mantendo.
Um modelo, uma prática em educação, que se pautou por características muito
marcantes da modernidade. Uma modernidade que, em educação, optou por transmitir
conhecimentos ao invés de investir na construção de conhecimentos; optou por
hierarquizar os saberes ( saber científico, saber étnico, saber popular...) a estabelecer um
diálogo entre os mesmos; forjou a separação entre a razão e a subjetividade, entre a arte e
a(s) ciência(s); avaliou a quantificação do conhecimento e não a qualificação do mesmo,
bem como na valoração destes conhecimentos o que prevaleceu foi o produtivo e o
econômico, em detrimento dos aspectos sócio-éticos.
Acreditamos que a educação a ser buscada precisa de um envolvimento afetivo,
lúdico, de todos aqueles que a ela se dedicam, sob pena de a transformarmos em mais uma
mera tarefa a ser cumprida ou mercadoria a ser vendida e consumida. A falta deste
envolvimento dificulta a criação de raízes emancipatórias e construtoras de autonomia
para a educação, na medida em que neste processo, parece-nos fundamental a mudança de
atitudes, de hábitos culturais, que nos levem a repensar nossos costumes, nossas práticas,
enfim, nossa “visão de mundo”.
As atividades em educação precisam incentivar a ruptura com estes pressupostos
da educação da modernidade, sob pena de continuarmos a reproduzir em nossas iniciativas
tudo aquilo que ajudou a mutilar a educação como um processo de construção da
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Para verificação de indicadores a respeito destes temas ver PNUD(1997).
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A grande predominância das aulas expositivas nos estabelecimentos de ensino é um exemplo disso.
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estudarem, não para serem felizes, para serem bem sucedidos economicamente, para
vencer na vida. Mas vencer o que? A quem?
Seria difícil esperar de um modelo educacional deste tipo um espaço aberto para as
diferentes dimensões do humano que não aquela da razão instrumental. Não por acaso o
homem que é levado em consideração para o processo educativo é o Homo sapiens. E o
Homo demens, Homo ludicus, Homo desejante, Homo esteticus, onde poderá se
manifestar? Ou não deve ser ouvido e considerado?
Ao mesmo tempo que esta visão reducionista e unidirecional predomina na
educação, ocorre uma fragmentação da ciência, que ao ser estudada e praticada, em partes
dissociadas, por cientistas cada vez mais especializados, cada um em sua região do saber,
faz com que muitas descobertas que poderiam ser de grande ajuda para se construir o
entendimento, por exemplo, das diferentes dimensões do humano, e suas regras de
interação, fiquem perdidas nos labirintos e escaninhos burocráticos da produção
fragmentária do conhecimento.
Esta postura de isolamento disciplinar é incompatível hoje com o avanço da
própria ciência5, pois a mesma enveredou por caminhos cada vez mais complexos e, em
consequência, cheios de incertezas. Incertezas estas, que não são impecilhos e sim novas
chaves para a aventura da busca, ao contrário das certezas e verdades, que por dominarem
a ciência não a deixaram perceber os sinais que, por momentos, delatavam a falha dos
sistemas acabados em perceber a chegada da complexidade. Hoje já nos é possível
repensar essas complexas relações da sociedade com a ciência, a filosofia e a técnica. Mais
do que possível, é necessário.
A relação que a sociedade tem com a técnica não precisa ser inevitavelmente esta
que hoje vivenciamos6, embora toda a sociedade necessite ter um aparato técnico
(Gonçalves,1990:146). A conjugação da idéia de uma ciência que a tudo podia decifrar,
com uma visão fragmentária do conhecimento, constituiu-se em uma sólida Matriz
Epistemológica, que acabou por dar orientação ao nosso modo de pensar e agir no mundo
da vida. Na esteira desta construção teórica, lançam-se as bases para a consolidação de
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Cf. Moreira(1993).
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uma razão técnico-científica, como sendo a razão absoluta. Esta seria uma das patologias
da teoria, segundo Morin (1991:20):
“A patologia da razão é a racionalização que encerra o real num sistema de
idéias coerentes, mas parcial e unilateral, e que não sabe que uma parte do real é
irracionalizável, nem que a racionalidade se encarrega de dialogar com o
irracional.”
Desta forma, tudo aquilo que vem em contraposição a esta forma de razão
racionalizante é taxado de irracionalismo inconseqüente. Desta maneira, busca-se
desqualificar toda e qualquer tentativa de construção diferente, rotulando-a de desordem,
loucura ou subversão (Gonçalves, 1990:139).
Defendemos a idéia de que a educação, como um processo, não pode sucumbir a
estes modelos explicativos totalizantes. Ao mesmo tempo, temos claro que não basta que
o identifiquemos e o analizemos criticamente. Há, isto sim, que buscar-se alternativas. É
neste sentido que sugerimos a apreciação da linguagem cinematográfica e do vídeo como
uma ponte possível para o diálogo entre a realidade ou realidades e o imaginário ou
imaginários na educação.
Como ponderamos anteriormente, o ser humano não restringe sua relação com o
mundo ao plano da razão, embora este plano seja muito importante e de presença
constante. Assim sendo, a imagem no/do cinema/vídeo pode constituir-se em um
importante ponto de contato entre estes mundos: mundo real/mundo imaginário. Até
porque, em muitos casos, estes mundos se confundem. Não raro somos confrontados com
situações onde não ficam muito nítidas estas fronteiras. Um exemplo desta fronteira difusa
nos é dado de forma bem simples e elementar quando ouvimos pela primeira vez nossa
própria voz em uma gravação radiofônica ou nossa imagem num vídeo. A sensação que de
pronto em geral se nos apresenta é de que não é a nossa voz/imagem que estamos
ouvindo/vendo. Sentimos alguma forma de estranhamento, como se fôssemos estrangeiros
de nós mesmos.
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É necessário romper com a forma ideológica que assumiu atualmente a ciência e a técnica, como bem
elucidou Habermas(1968/1997).
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A título de ilustração, podemos citar a montagem de ciclos de vídeos por assunto ou temática, como por
exemplo “O Discurso Ecológico no Cinema”, que poderia contar com filmes como “Brincando nos
campos do Senhor” (H. Babenco), “Onde sonham as formigas verdes” (W. Herzog), “Ilha das Flores”
(Jorge Furtado), etc, ou sobre “Conflitos Agrários no Brasil” através de filmes como “Deus e o Diabo na
Terra do Sol” (Glauber Rocha), “Terra para Rose” (Tetê Morais), “Jenipapo” (Monique Gardenberg), e
muitos outros. É evidente que a escolha dos filmes deve obedecer a alguns critérios e finalidades, levando
em conta fatores como idade dos espectadores, área de estudo, objetivos da aula, grau de elaboração e
abstração exigido dos alunos, etc.
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IV - Considerações Finais
“Em Hollywood aprendi rapidamente que a câmera jamais vê tudo; eu vejo tudo,
mas a câmera só vê porções”.(Tourneur:1914)
Esta parece ser uma afirmação bastante sábia. Dizemos isto porque, ao mesmo
tempo em que as imagens têm um poder imenso de mostrar coisas, transcrever objetos, ela
sozinha não pode criar o mais importante para o cinema: os sonhos8.
Os desejos, as vontades, ao serem transformadas em sonhos humanos podem, em
muitas situações, serem viabilizadas como tal pelo cinema/vídeo. Ai, sim, estamos diante
da grande capacidade criativa/educativa deste aparato tecnológico. Esta transformação de
um sonho em um fragmento de realidade/ilusão, mesmo que momentâneo, pode ser um
diálogo entre o racional e o irracional.
O grande desafio para a educação e sua relação com os meios modernos de
comunicação talvez não seja aprender a utilizá-los, mas sim, como fazer deles um artefato
a mais para a construção da autonomia dos sujeitos. Fazer destes instrumentos meios
auxiliares para tornar possível os diálogos entre as diferentes dimensões do humano e
também viabilizar os diálogos entre as diferentes culturas, e por que não dizer, diferentes
formas de vida.
Acreditamos que só o diálogo poderá criar alternativas de
solidariedade/fraternidade, não só entre os homens, como também entre o homem/mulher
e o universo. Para Paz(1994), há que se buscar solidariedade não só com outros seres
humanos, isto até pode não ser tão difícil, mas há, sim, que buscar solidariedade com as
coisas do universo.
As imagens são verdadeiros construtores/realizadores de sonhos. Tanto para o
bem como para o mal. Vivemos em um mundo radicalmente marcado pelo imagético. Um
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Contra o “realismo” da imagem, em qualquer de suas formas visuais, seja no cinema, no vídeo ou na
fotografia, é interessante as considerações de LEITE(1988:85-6):“...a fotografia deve ser considerada da
mesma forma como se avaliam os documentos verbais - através de uma apreciação crítica de suas
mensagens, que tanto podem ser simples e óbvias, quanto complexas e obscuras, avaliação que inclui
uma seleção e reconstrução(...). E embora as fotografias possam superar as palavras ao comunicar o
sentimento das coisas, falham ao transmitir a rede social de relacionamentos que extrapola as dimensões
espaciais.” Estas observações valem também para a referida utilização das imagens cinematográficas.
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dos territórios onde a força das imagens é explorado até as últimas consequências é o da
publicidade e propaganda. Sobre isto é inquietante a advertência feita por Kellner
(1995:112)
“A importância da publicidade para a educação tem muitos
aspectos....constitui uma das esferas mais avançadas na produção de imagens,
com mais dinheiro, talento, e energia investidos nesta forma de cultura do que em
qualquer outra em nossa sociedade hiper-capitalista....ensina os indivíduos o que
eles precisam e devem desejar, pensar e fazer para serem felizes, bem sucedidos
e genuinamente americanos... ensina quais valores são aceitáveis e quais são
inaceitáveis”.
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e desta forma trazer de volta para a sala de aula (se é que um dia lá já esteve) o lúdico, o
afetivo, o sonho, a arte, a alegria, a loucura, enfim, a possibilidade de se discutir a
emancipação humana a partir das mais diversas dimensões do mundo com que
interagimos....
Referências Bibliográficas:
BARCELOS, V.H.L.B. A temática ambiental e a formação de professores: uma
contribuição aos cursos de licenciatura da UFSM. Santa Maria: Cadernos de
Educação, V. 4, p. 01-40, Maio 1997.
BERNADET, J. C. O que é cinema . São Paulo: Ed. Brasiliense, 10ª ed., 1980.
____________. & RAMOS, A. F. Cinema e História do Brasil. São Paulo: Ed. USP/
contexto, 1988.
ECO, U.; BONAZZI, M. Mentiras que parecem verdades. São Paulo: Summus
Editorial, 1980.
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