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Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Vulnerabilidades ao HIV/Aids no Contexto Brasileiro: iniquidades de gênero, raça e geração.

Trajetórias de mulheres vivendo com HIV/Aids no Brasil. Avanços e permanências da resposta à


epidemia

Autoras: Sandra Garcia e Fabiana Mendes de Souza

Autoras: WV Villela e RM Barbosa

Fernando Silva - 0022829

Marilia Mota – 0022781


Este artigo produzido em 2010, tem como objetivo trazer alguns dados sobre o
nível de conhecimento e acesso à informação de determinados grupos, sobre métodos
preventivos e transmissão das DST’s, assim como levantar dados sobre as praticas sexuais
das pessoas entrevistadas, levando em consideração as desigualdades de geração, gênero
e raça.
Na introdução, fala-se sobre a importância dos estudos feitos nas últimas duas
décadas, em vários contextos socioculturais, para implementação de políticas que visem o
atendimento de grupos mais vulneráveis. Também discorre sobre a importância do
conceito da palavra “vulnerabilidade”, que substitui as ideias rotuladoras e geradoras de
preconceito e estigmatização, assim como sua sucedânea, as de comportamento de risco,
que, por sua vez, consideravam os comportamentos individuais e coletivos de prevenção
em detrimento de características relacionadas à construção social e cultural da epidemia.
Destaca-se assim, o esforço de pesquisadores em avaliar essas vulnerabilidades em três
níveis interdependentes de análise: individual, social e político-programático.
O plano individual divide-se em quatro esferas: epidemiológica, identifica o grau de
exposição à infecção; a operacional, que observa a proteção e a assistência; a social, que
são os direitos efetivados e o acesso aos serviços; econômico, são as pessoas que, devido
às limitações financeiras, não acessam a assistência em um nível satisfatório.
A vulnerabilidade às DST’s é mediada pela noção de cidadania e dos direitos, em
especial, o direito humano à saúde, os direitos sexuais e reprodutivos e o direito de livre
orientação sexual; repertório de crenças e valores relacionados ao exercício da
sexualidade; ao pertencimento étnico racial; assim como identidades de gênero, idade e
geração; entre várias outras dimensões. Tudo isso, em vistas de construir estratégias que
coletivizem os compromissos políticos de conscientização e prevenção. Na dimensão
programática, a caracterização se da por meio de investimento em ações e programas de
informação e educação preventivas; serviço social e saúde com fácil acesso e de qualidade;
e mecanismos de não discriminação nas instituições.
Populações vulneráveis ao HIV/aids no Brasil, a partir de 1993 e até 2010 (ano em
que este artigo foi apresentado) vem em uma taxa crescente, principalmente entre as
mulheres, que passaram a ser categoria de maior transmissão, superando as categorias
homossexual e bissexual. O crescimento proporcional de mulheres infectadas em relação
aos homens foi maior. A epidemia de aids em homens entre 13 e 34 anos vem
decrescendo, ao contrário das mulheres com a mesma faixa etária. As desigualdades

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socioeconômicas e o nível de escolaridade são fatores que influenciam a dinâmica da aids,
onde 70% dos homens soro positivos tinham apenas o ensino fundamental, sendo estes
números superados pelas mulheres já no final da década de 80, apesar do
desenvolvimento e dos aspectos positivos dos antirretrovirais, o local de moradia, e outros
fatores, os homens pardos, as mulheres, principalmente as pardas, são o maior número de
casos de óbito.
Como metodologia, os dados analisados são resultantes da fase qualitativa do
“Estudo sobre vulnerabilidades de negros e não negros ao HIV/Aids”, visando identificar
diferenciais étnico-raciais, de gênero e faixa etária no processo de vulnerabilização da
população ao HIV/aids” (2010, 12), seguindo um roteiro de perguntas pré-definidas, nos
municípios de São Paulo - com menor número de população negra - e Recife - com maior
número de população negra. Os critérios de elegibilidade eram: ter entre 16 e 24 anos ou
45 ou mais; cor branca ou negra autorreferida e ter parceira (o) sexual. Toda a pesquisa foi
feita respeitando as resoluções do Conselho Nacional de Saúde no que tange às normas
éticas. A entrevista só foi realizada em condições de privacidade da entrevistada (o) e por
local escolhido pela mesma (o), mediante assinatura do “Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido”, havendo um prévio esclarecimento sobre a pesquisa. Além disso, também
houve a precaução para que o sexo da entrevistada e da entrevistadora fossem o mesmo.
Alguns dos resultados mostram a desinformação que a população tem em relação
à transmissão do HIV, até mesmo pessoas escolarizadas a nível superior aprendem de
maneira errada e passam isso para frente, o que mostra uma possível falha no sistema
educacional. Também é visto que muitos ainda acreditam que métodos como a
higienização das partes íntimas antes e após as relações sexuais seria o suficiente para se
prevenir do contágio do vírus HIV, outros, principalmente do Recife, acham que a melhor
maneira de prevenção é diminuir o número de parceiras e conhecer a pessoa com quem se
tem relação. Os principais meios de informação são as mídias de massa, e entre as pessoas
jovens e mais escolarizadas, a internet.
As campanhas foram criticadas pela sazonalidade pela linguagem utilizada. A
sazonalidade diz respeito ao fato das campanhas serem feitas em momentos específicos,
como o carnaval, o que, segundo muitos entrevistados, não se veem os resultados dessas
campanhas conduzidas em pequenos períodos. A falta de informação sobre os locais de
realização do teste anti-HIV, é preocupante, principalmente entre os adultos menos
escolarizados da cidade de São Paulo, que são os que menos realizaram o teste.
As respostas dadas pelas pessoas entrevistadas constataram que o uso de
preservativo está diretamente ligado à duração dos relacionamentos, quando casuais, tem-

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se um maior índice de uso. Quando as relações são mais longas e existe uma confiança,
ponto principal para o não uso, é efetivo pelos casais só em caso de prevenção da gravidez.
Mesmo que a maioria das mulheres tenham afirmado que gostariam de usar o
preservativo com mais frequência, a negativa do parceiro, ainda é fator preponderante
para o não uso. Entre a população mais escolarizada, o não uso de preservativo, dá-se pelo
teste anti-HIV, a partir do momento em que a relação começa a se estabilizar. A orientação
religiosa não interfere nas pesquisas, sendo que algumas entrevistadas relataram nem
saber da campanha da igreja católica pelo não uso de proteção.
Discute-se que o estudo mostrou que os entrevistados possuem um maior
conhecimento a respeito da aids do que em relação às DST’s. Neste quadro, as mulheres
têm mais dificuldades de assumir que essas doenças são transmitidas pela via sexual, num
panorama onde, as pessoas com menor nível socioeconômico têm menos conhecimento
sobre as formas de transmissão e possuem maior taxa de atividade sexual.
Pessoas acima de 45 anos e os menos escolarizados ainda possuem conhecimento
incipiente em relação às formas de transmissão. Mesmo as pessoas mais jovens
apresentando um grau maior de conhecimento, conseguidas na internet e pelos diversos
materiais disponíveis nas escolas, destaca-se a lacuna que existe no processo de
informação, tanto nos meios de comunicação, quanto na disseminação por parte dos
agentes educadores e até mesmo a corrente de comunicação entre a própria população
que espalha informações erradas. Em contrapartida, há uma certa melhora por conta da
distribuição gratuita de preservativos e informativos que circulam pela rede pública de
saúde.
O estudo mostra o desconhecimento das formas de transmissão das DST’s, ainda
precário sobre as maneiras de prevenção, incluindo pessoas com alta escolaridade e
pessoas da área da saúde. Vários relatos de estudos feitos há quase vinte anos corroboram
com essa realidade.
O resultado indica que as ações de prevenção devem ser focadas em mulheres
menos escolarizadas, e ressalta-se a importância de pesquisas futuras para uma
investigação mais atenciosa as assimetrias de gênero e especificidades regionais.
“A partir da análise dos depoimentos das mulheres, fica claro como se constrói o
processo de vulnerabilização feminina da aids” (Bastos, 2001), com destaque ao poder de
negociação da mulher na hora do uso do preservativo, em que prevalece as demandas
pessoais do homem.
Os aspectos da relação entre homens e mulheres, são mais visíveis entre as
pessoas com mais de 45 anos e moradores de Recife/PE. Conforme a pesquisa, onde

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homens entrevistados relataram ter relações extraconjugais sem o uso de preservativo,
podemos constatar uma cultura machista predominante, onde o processo de
vulnerabilização da mulher fica evidente, em um contexto que nem o acesso ao
preservativo feminino, no qual a mulher poderia controlar seu uso, se torna viável, pois
além de não ser amplamente disponibilizado pela rede pública, tem um custo muito alto,
chegando a 21 vezes o valor do preservativo masculino.
Nas considerações finais, recomenda-se que as diversidades de gênero, homens e
mulheres, sejam foco de ações específicas. O planejamento das políticas públicas, também
deve se considerar diversidades culturais e regionais; devem haver ações específicas que
promovam o combate à discriminação de pessoas vivendo com HIV/aids. A veiculação
contínua, de maneira adequada de informações sobre a transmissão e prevenção das IST’s,
torna-se preponderante para uma diminuição das vulnerabilidades desses grupos, e,
futuras pesquisas, com foco nas mulheres que não tiveram acesso à escola, assim como a
parceria com as diversas instituições, como escolas e programas de saúde da família,
devem ser um norte para realização de políticas públicas adequadas.

Informação importante:
O Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das
Hepatites Virais passa a usar a nomenclatura “IST” - infecções sexualmente transmissíveis -
no lugar de DST. A nova denominação é uma das atualizações da estrutura regimental do
Ministério da Saúde por meio do pelo Decreto nº 8.901/2016 publicada no Diário Oficial da
União em 11.11.2016, Seção I, páginas 03 a 17.
A denominação ‘D’, de DST, vem de doença, que implica em sintomas e sinais
visíveis no organismo do indivíduo. Já ‘Infecções’ podem ter períodos assintomáticas -
sífilis, herpes genital, por exemplo - ou mantém-se assintomáticas durante toda a vida do
indivíduo - casos da infecção pelo HPV e vírus do Herpes – “São detectadas por meio de
exames laboratoriais”, explicou a diretora do Departamento, Adele Benzaken. “O termo
IST é mais adequado e já é utilizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelos
principais Organismos que lidam com a temática das Infecções Sexualmente Transmissíveis
ao redor do mundo”.

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Trajetórias de mulheres vivendo com HIV/aids no Brasil. Avanços e permanências da
resposta à epidemia

Correlacionando com o que foi abordado acima, trazemos para a nossa discussão o
artigo de Wilza Vieira Villela, doutora em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo
(1992) e Livre Docente em Ciências Sociais em Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (2010), junto
com Regina Maria Barbosa, graduada em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(1975), mestrado em Medicina Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1990).
Esse artigo, publicado em 2016, aprofunda-se na trajetória de um grupo de mulheres
que convive com HIV/aids. E para isso, foram analisadas seis cidades Belém, São Paulo, Ribeirão
Preto, Goiânia, Recife e Pelotas, atuando em cima das experiências de vida antes e depois da
infecção.
Na introdução, fica claro o quanto as desigualdades de gênero, impacta na vida dessas
mulheres portadoras do HIV/aids. Deste modo, as trajetórias de saúde se constroem no
cruzamento entre dimensões subjetivas e individuais e contextos socioculturais.
É notado também que, além de explicitar as desigualdades de gênero no exercício da
sexualidade e da reprodução, a infecção pelo HIV na população feminina apresenta uma
dinâmica específica. A maioria das mulheres não se identifica com os grupos e
comportamentos considerados de maior risco para a infecção, o que dificulta sua percepção de
risco e uso de proteção. Importante lembrar que após a primeira década de epidemia, marcada
pelo predomínio de casos entre homens, o aumento da infecção entre mu lheres na década de
1990 movimentou um grande número de estudos e intervenções voltados para este grupo.
Atualmente, o Brasil é considerado um país de epidemia concentrada, na qual as mulheres não
constituem um grupo populacional prioritário, apesar da notificação de novos casos.

Dados importantes:

“Em 2014 a taxa foi de 2,6 gestantes por 1000 nascidos vivos, com diferenças entre as
regiões e estados da federação. A maioria das gestantes identificadas como soropositivas tinha
de 20 a 29 anos de idade, estudou até, no máximo, a oitava série e em termos de raça/cor não
se classifica como branca, sugerindo a persistência de características de vulnerabilidade social
já apontada anteriormente em estudos sobre a epidemia do HIV/aids no Brasil”

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A metodologia usada neste artigo vem de um estudo anterior realizado em 2009. E a
estratégia para compor o grupo de participantes buscou contemplar diversidade em termos de
raça/cor, idade, inserção social e trajetórias sexuais e reprodutivas.
Aprofundando mais, foi reconstruída a trajetória de cada mulher. Para tanto,
considerou-se a sequência temporal de cada um dos eventos abordados e os sentidos
atribuídos pelas entrevistadas aos seus posicionamentos e decisões em cada etapa. Depois
disso, os depoimentos relativos a cada um dos temas propostos foram organizados em blocos
temáticos, e seu conteúdo foi categorizado considerando experiências e decisões antes e
depois da infecção.
Os contextos de aquisição da infecção, embora distintos, são permeados por histórias
de amor, de pressão dos parceiros por sexo e/ou para o sexo sem preservativo, como também
por desinformação sobre a infecção pelo HIV/aids e a necessidade de proteção.
No relato das mulheres com maior tempo de infecção, foi frequente a referência a
infecções ou adoecimento do parceiro como motivo da realização do teste. Para aquelas com
diagnóstico mais recente, há um número expressivo destes terem sido realizados durante o
pré-natal.
As repercussões do HIV na vida das mulheres variam, tanto em função do tempo de
diagnóstico como dos apoios e suportes recebidos. Algumas referem ter restringido seu círculo
de amizades e suas atividades sociais e de lazer, e aproximação da família. Outras pararam de
trabalhar, seja para cuidar da saúde, da família, ou porque foram demitidas, em função do HIV
ou não. Em termos de vida sexual e afetiva, algumas permaneceram com os parceiros da época
do diagnóstico, outras iniciaram novas relações. Do mesmo modo, na esfera reprodutiva
algumas optaram por não ter mais filhos por medo destes serem portadores ou por receio de
morrer e deixar a criança. Outras, no entanto, optaram por manter sua vida repro dutiva até ter
o número desejado de filhos. Interessante ressaltar que, tanto as mulheres diagnosticadas há
mais de 10 anos quanto as que recém se infectaram, tem dificuldade de saber como ou com
quem se deu a infecção.
A presença da violência na vida das entrevistadas coincide com o que tem sido
considerado outro importante desafio para a redução da vulnerabilidade das mulheres à
infecção.
Chama a atenção as formas distintas com que as mulheres lidaram com esta
circunstância ao longo das suas vidas. Algumas reproduziram, nas suas relações amorosas e
conjugais, as relações abusivas que haviam vivenciado nas suas casas, mas outras romperam
com o ciclo de violência e estabeleceram novos padrões de relacionamento afetivo e familiar,
independente da sua situação de pobreza, da baixa escolaridade e da infecção pelo HIV. Ou

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seja, há uma capacidade de agência, por parte das mulheres, que deve ser valorizada para que
não sejam reduzidas a vítimas, seja de um parceiro infiel ou violento ou de uma família
desestruturada.
Deve também ser considerada a ausência de uma política pública mais ampla e efetiva
para prevenções. O apoio governamental a iniciativas da sociedade civil visando discutir os
padrões desiguais do exercício da sexualidade entre mulheres e homens e suas consequências
para a saúde, e a realização de algumas campanhas neste sentido, não se constituíram em
ações sistemáticas visando à prevenção do HIV/aids entre mulheres em qualquer fase da vida,
em que pese a formulação, em 2007, do Plano Integrado de “Enfrentamento à Feminização da
aids e outras DST”.
O tabu relacionado ao HIV/aids é um dos grandes obstáculos para a prevenção entre as
mulheres, que não se identificam, nem seus parceiros, com os estereótipos construídos em
torno da epidemia, e ainda para a construção de uma vida de qualidade em presença da
infecção. Assim, enfrentar o estigma associado ao HIV/aids entre a população feminina
continua sendo uma prioridade. O estudo apontou também a persistência de padrões de
relacionamento amoroso e sexual entre homens e mulheres que acabam por expô-las ao risco
da infecção, e as repercussões negativas relacionado ao HIV/aids para o manejo da
soropositividade. No que se refere a questões sexuais e reprodutivas, a abordagem das
trajetórias mostrou que a infecção pelo HIV não necessariamente significa um obstáculo para
que as mulheres parem seus planos e objetivos.
Cabe, portanto, reconhecer a capacidade de agenciar as mulheres na reconstrução das
suas trajetórias com estudos que adotam uma perspectiva para identificar lacunas na
construção de respostas à infecção pelo HIV.

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