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Resumo: O assistente social é um dos profissionais requisitados a atuar na gestão das políticas públi-
cas. Trata-se de um dos campos profissionais que exerce função de planejamento e avaliação de pro-
gramas, projetos e serviços das políticas públicas. Este artigo aponta referências sobre o trabalho do
assistente social na gestão, partindo da bibliografia sobre o Serviço Social e seu estatuto teórico-
prático. Indica também a necessidade de analisar a profissão e as relações construídas entre o projeto
eticopolítico e o exercício profissional nesse campo. Conclui-se que esse exercício requer do profissio-
nal um conjunto de saberes que o possibilita reconhecer as determinações constitutivas desse campo
profissional, dentre elas: a identificação do modo como opera a relação teoria e prática; os conheci-
mentos que a orientam e a interpretação dos desafios da gestão social como possibilidade de
(re)construir e qualificar as respostas profissionais.
Palavras-chaves: Serviço Social. Trabalho Profissional. Gestão de Políticas Públicas. Exercício Profis-
sional.
Summary: The social worker is professionals required to act in the management of public policies.
This is one of the professional fields in which it exercises planning function and evaluation of
programs, projects and services of public policies. This article points out references to this work based
on the literature on social work and its theoretical status and practical. Indicates the need to examine
the profession and the relationships built between the ethical-political project, professional practice
and its dimensions. We conclude that this exercise requires a set of knowledge that allows the
recognition of this professional field determinations constituent among them, identify how the
relationship operates theory and practice, the knowledge that guide it, the interpretation of the
challenges of corporate management as a possibility (re) construct and qualify professional responses.
Keywords: Social Service. Professional Work. Management of Public Policies. Professional Practice.
1 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica São Paulo (PUC-SP, Brasil). Profes-
sora da Universidade Estadual de Londrina (UEL, Brasil). E-mail: <mmtorres@uel.br>.
2 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica São Paulo (PUC-SP, Brasil). Profes-
E
ste artigo apresenta uma discus- Em síntese, entende-se que o início do
são sobre o exercício profissio- Serviço Social se articula às relações de
nal desenvolvido pelo assistente ajuda, com enfoque assistencialista e
social na gestão de políticas públicas. sob influência da Igreja Católica, em
O Serviço Social é uma profissão inscri- especial do humanismo cristão, como
ta na divisão sociotécnica do trabalho, um ‚braço da ação católica‛. Verdes-
regulamentada pela Lei nº 8662/93, de Leroux(1986) indica, em sua análise,
7 de junho de 1993, com alterações que o Serviço Social decorre da ‚pro-
determinadas pelas resoluções CFESS fissionalização‛ da ajuda que acompa-
nº 290/94 e nº 293/94 e balizada pelo nha a complexificação da natureza dos
Código de Ética, aprovado por meio da fenômenos e de sua manifestação na
resolução CFESS nº 273/93, de 13 de realidade sócio-histórica. Em ambas as
março de 1993. posições as respostas profissionais
recaem sobre a vida dos usuários, e o
A análise sobre a origem do Serviço profissional é reconhecido como
Social como profissão decorre dos
estudos desenvolvidos por vários [...] profissional da ajuda, do auxílio, da
autores e tem sido discutida sob diver- assistência, desenvolvendo uma ação
pedagógica, distribuindo recursos mate-
sos pontos de vista teóricos e filosófi-
riais, atestando carências, realizando tri-
cos. agens, conferindo méritos, orientando e
esclarecendo a população quanto aos
O início da profissão data do fim do seus direitos, aos serviços, aos benefícios
século XIX na Europa e nos EUA, e da disponíveis, administrando recursos ins-
titucionais, numa mediação da relação
década de 1930 no Brasil. Para Vieira
Estado, instituição e classes subalternas
(1980), o reconhecimento da profissão (YASBEK, 1999, p. 95).
passa pela necessidade de dotar as
práticas de filantropia de um caráter As atividades eram dirigidas às pesso-
técnico e científico. Nesse sentido, o as que enfrentavam, de forma tempo-
Serviço Social era identificado como rária ou permanente, dificuldades
profissão de ajuda, como um processo econômicas, de relacionamento, entre
de ajuste moral de comportamentos outras, por meio da atenção psicosso-
dos indivíduos, desenvolvendo suas cial, visando reconhecer os comporta-
potencialidades a fim de ajustá-los à mentos humanos, adequando-os aos
sociedade em que viviam. A ajuda era padrões estabelecidos e aceitos social-
compreendida sob dois aspectos fun- mente. Esse modo de ação visava à
damentais: ajuda material, dirigida à manutenção e à permanência da
subsistência humana e ajuda de caráter tura social vigente, um ajuste moral à
assistencial, preventivo, corretivo e ordem social estabelecida naquele
promocional, necessária para o ajusta- período histórico. Esse modo de en-
mento do indivíduo, como instrumen-
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Serviço Social
[...] todo ele tensionado, não só pelas e- lada à lógica do mercado, em que o
xigências da ordem monopólica, mas pe- assistente social se inscreve como um
los conflitos que esta faz dimanar em
profissional assalariado. Sob essa pers-
toda escala societária. É somente nestas
condições que as sequelas da ‘questão pectiva, não é o Serviço Social que cria
social’ tornam *...+ objeto de uma inter- um novo espaço de trabalho, mas é
venção contínua e sistemática por parte ‚[...] a existência de um espaço na rede
do Estado (NETTO, 1992, p. 25). sócio-organizacional que leva à consti-
tuição da profissional‛ (NETTO, 1992,
Netto (1992) sinaliza que uma análise p. 69). O autor reconhece que o Serviço
descolada desse contexto reforça uma Social se inscreve na divisão sociotéc-
visão linear, até então dominante entre nica do trabalho, e ‚[...] tem sua base
os profissionais, qual seja a visão da nas modalidades através das quais o
incorporação da filantropia e das ‚*...+ Estado burguês se enfrenta com a
atividades filantrópicas já ‘organiza- ‘questão social’, tipificadas nas políti-
das’, de parâmetros teórico-científicos cas sociais [...]‛ (NETTO, 1992, p. 70).
e no afinamento de um instrumental
operativo de natureza técnica; em Tendo como base a matriz crítica que
suma, das protoformas do Serviço faz presente no Serviço Social a partir
Social‛ (NETTO, 1992, p. 66). do Movimento de Reconceituação,
Iamamoto e Carvalho (1983) também
Em termos de concepção da profissão, se debruçam no estudo sobre as con-
Netto (1992) traz para o debate a dis- cepções de profissão presentes no
cussão sobre o que fundamenta e legi- Serviço Social. Afirmam que o Serviço
tima a profissionalidade do Serviço Social
Social. De pronto, afirma que essa
profissionalidade e legitimidade estão [...] se gesta e se desenvolve como pro-
localizadas nos aportes e embasamen- fissão reconhecida na divisão social do
to teóricos presentes no exercício pro- trabalho, tendo por pano de fundo o de-
fissional. Resta saber, diz ele, se senvolvimento capitalista industrial e a
expansão urbana, processo esses aqui
apreendidos sob o ângulo das novas
[...] a nosso juízo, constitui o efetivo
classes sociais emergentes [...]. Afirma-se
fundamento profissional do Serviço So-
como um tipo de especialização do tra-
cial: a criação de um espaço sócio-
balho coletivo, ao ser expressão de ne-
ocupacional onde o agente técnico se
cessidades sociais derivadas da prática
movimenta – mais exatamente, o estabe-
histórica das classes sociais no ato de
lecimento das condições histórico-sociais
produzir e reproduzir os meios de vida
que demandas este agente, configuradas
e de trabalho de forma socialmente de-
na emersão do mercado de trabalho
terminada (IAMAMOTO; CARVALHO,
(NETTO, 1992, p. 66).
1983, p. 77).
artigo, em especial quando se trata da dimen- 6 Essas dimensões serão explicitadas ainda
são eticopolítica constitutiva do Serviço Social. neste artigo.
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Mabel Mascarenhas TORRES; Liria Maria Bettiol LANZA
sem ser ouvidos somente por suas que possibilitará ao profissional reco-
queixas e não por sua capacidade e lher informações que favoreçam a
autonomia de decisão. Garantir condi- construção da análise e da intervenção,
ções de expressão aos usuários signifi- cujo resultado esperado é que essas
ca também defender seus interesses, ações de fato interfiram – positivamen-
explicitar seu projeto societário e aju- te – na vida do usuário.
dá-los a desenvolver a autopercepção
acerca de suas condições objetivas de A partir desse modo de entender a
vida e de sua própria concepção de relação entre teoria e prática, o usuário
mundo. Trata-se de uma posição usuá- ocupa um lugar diferenciado, ou seja,
rio-centrada,7 ou seja, o usuário é co- tem seu ponto de vista ouvido e refe-
partícipe do processo de trabalho e renciado como elemento fundamental
suas necessidades devem orienta-lo na construção da intervenção. Dar
(MEHRY, 2002; CAMPOS, 2003). Deve- visibilidade ao conhecimento que o
se frisar que não se trata de ‚empode- usuário tem e construir de forma con-
ramento‛ desse sujeito, ao contrário, junta as alternativas de intervenção
reconhece-se o potencial de interven- pode ser um dos caminhos para a
ção que ele, enquanto sujeito social, concretização de uma prática
detém sobre sua própria vida. No profissional que alcance a explicitação
Código de Ética de 1993, a relação dos direitos sociais.
entre assistente social e usuário foi
consolidada na perspectiva do direito, Esse conjunto de elementos e caracte-
quando estabelece no Artigo 5 como rísticas do processo interventivo refor-
um dos deveres do assistente social ça a visão de que o exercício profissio-
‚democratizar as informações e o aces- nal não é autoexplicável, ou ainda,
so aos programas disponíveis no espa- autorreferenciado. Intervir, orientar
ço institucional, como um dos meca- significa construir uma opinião profis-
nismos indispensáveis à participação sional, uma resposta socioprofissional
dos usuários‛ (CONSELHO FEDERAL a respeito da questão apresentada,
DE SERVIÇO SOCIAL, 1993, p. 45). levando-se em consideração o modo
Nessa perspectiva, a linguagem e a como o usuário entende a questão
escuta são instrumentos largamente tratada, uma vez que é vivida por ele.
utilizados pelo profissional no trato
interventivo e na construção relacional No espaço da gestão das políticas pú-
entre o assistente social e o usuário. blicas, essa compreensão do exercício
Acolher o usuário significa deixá-lo à profissional do assistente social tem-se
vontade para falar, expor suas ideias, o configurado como um esforço no sen-
tido de garantir espaços democráticos
na gestão social. O controle social tem
7 A perspectiva usuário-centrada tem sido
sido uma das defesas mais radicais da
utilizada na saúde em referência à mudança do
modelo de atenção. Para saber mais, consultar: profissão e por ele são expressas as
Mehry (2002) e Campos (2003). necessidades coletivas dos cidadãos
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Serviço Social
determinações estabelecidas pelo Esta- [...] é o Estado que produz, direta ou in-
do. diretamente, esses serviços fundamen-
tais ao cotidiano do trabalhador [...] O
Estado, pela própria historicização das
Na contemporaneidade, no que se necessidades sociais, passa a assumir
refere ao papel desempenhado pelos novos encargos frente à sociedade. Tor-
assistentes sociais na gestão de políti- na-se cada vez mais, um agente
cas públicas, identifica-se um avanço: o produtor e organizador das desi-
gualdades e do espaço de confronto. [...]
assistente social é chamado a ser plane-
O Estado com seus programas e agentes
jador do processo da gestão, a executar institucionais, que deles dão conta,
a gestão das políticas sociais. Esse principalmente os dirigentes, terminam
avanço é percebido prioritariamente sendo um foco para onde se canalizam
nas seguintes políticas: seguridade os conflitos e pressões pelos serviços
coletivos enquanto espaço de
social (assistência social, saúde e pre-
atendimento às necessidades que se
vidência), habitação e educação. A colocam no cotidiano da força de
realização de atividades de planeja- trabalho (SPOSATI et al., 2003, p. 63-64).
mento e implantação de programas
sociais, a elaboração e prestação de Assim, a discussão sobre a gestão das
serviços, o estabelecimento de sistemas políticas sociais é matéria de debate
de monitoramento e avaliação da ges- constante entre os profissionais. Esse
tão social têm demandado do assisten- debate abarca não somente as questões
te social saberes que o qualificam a teóricas que lhe dão direção, mas tam-
exercer a função de gestor. bém as possibilidades de construção de
estratégias e respostas profissionais
Para Carvalho (1999, p. 12), ‚[...] a que alavanquem outras discussões
gestão social é, em realidade, a gestão para além da mera reprodução dos
das demandas e necessidades dos serviços previamente determinados
cidadãos. A política social, os progra- pelos gestores que respondem tecni-
mas sociais, os projetos são não apenas camente pela gestão. Sob essa lógica, o
canais dessas necessidades e deman- assistente social tem sido acionado
das, mas também respostas a ela *...+‛. para contribuir com seus conhecimen-
O assistente social tem sido reconheci- tos na formulação dos sistemas de
do como o profissional cuja formação proteção social, direcionados majorita-
aborda aspectos que o possibilitam riamente à população que vive em
reconhecer, analisar e dar significado condição de vulnerabilidade social.
às necessidades sociais apresentadas Esses sistemas vinculam-se às políticas
pelos usuários que demandam ações públicas e sociais, sendo os sistemas
de análise, planejamento e intervenção. mais conhecidos aqueles desenvolvi-
Discutir política pública e social impli- dos via seguridade social, a saber, o
ca reconhecer os diversos papéis que o Sistema Único da Saúde (SUS), o Sis-
Estado assume, principalmente o papel tema Único da Assistência Social (SU-
regulador da vida em sociedade. AS) e o Sistema Previdenciário. Esses
sistemas indicam como necessário o
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Serviço Social
ca. Entendemos que essa rede deveria bem como os ‚arranjos organizacio-
envolver também a participação dos nais‛ das equipes de referência e do
representantes dos movimentos sociais matriciamento têm demandado a pre-
organizados, uma vez que são sujeitos sença do profissional para auxiliar no
desse processo. O assistente social é âmbito da gestão dessas propostas em
um dos profissionais que consegue não curso. Esses desafios atuais da gestão
somente construir essa rede, mas tam- da política de saúde corroboram com o
bém mantê-la atuante e fortalecida. O histórico compromisso que os assisten-
atendimento à população usuária, tes sociais trabalhadores da saúde têm
quando ocorre via rede, tende a ser com os usuários dos serviços. Assim,
otimizado e alcança resultados mais ao trazer para dentro da gestão os
expressivos. Outro aspecto fundamen- cidadãos, vistos como parte integrante
tal para entender a gestão social está do processo de trabalho em saúde, é
apenso à descentralização prevista na permitido aos profissionais avançar na
legislação. consolidação de sua intervenção nesse
campo.
Um exame da política de saúde brasi-
leira demonstra a contribuição dos A partir do ano de 2003, na área da
assistentes sociais na efetivação do assistência social, a discussão da gestão
direito à saúde universal, pública e de social ganha força, uma vez que o
qualidade. Com o alargamento do Ministério do Desenvolvimento Social
conceito de saúde e o princípio da (MDS) passa a discutir a gestão no
integralidade garantido pelo SUS, o âmbito federal, com vistas à implanta-
reconhecimento dos determinantes ção do Sistema Único da Assistência
sociais da saúde tem ampliado o espa- Social (SUAS). A ideia de gestão im-
ço de trabalho profissional nesse cam- plementada volta-se ao desenvolvi-
po. Além das ações construídas e legi- mento do trabalho articulado às de-
timadas socialmente, os assistentes mandas e necessidades identificadas
sociais são chamados a compor equi- junto à população usuária ou não dos
pes multiprofissionais para inovar suas serviços prestados à rede de atendi-
práticas relacionadas à produção do mento. Por meio de um conjunto arti-
cuidado. Aspectos como a territoriali- culado de políticas sociais, programas
zação dos serviços de saúde, em que as e serviços sociais, busca-se a constru-
práticas terapêuticas são vinculadas ao ção de respostas concretas a essas
modo como os usuários vivem e necessidades. Sob essa perspectiva, as
lham; a educação permanente em necessidades dos cidadãos são vistas
quipe como forma de qualificar as sob a ótica dos direitos, e não da soli-
equipes de saúde pelo e no trabalho dariedade e da tutela social. O trabalho
cotidiano; a crescente busca pela hu- social parte da realidade local para se
manização nos serviços com claros construir e se constituir. Ao assistente
espaços de escuta, acolhimento e com- social é demandado um conjunto de
promisso entre usuários e equipes, conhecimentos, a saber: conhecimentos
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