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Resumo
Neste texto, estudo a variação das interrogativas-Q, com a finalidade
de verificar o efeito do emprego de algumas variáveis com e sem
clivagem nessas construções em português. Lanço mão também de
estudo em painel e em tendência para verificar se o processo variável
encontra-se em mudança na língua. Os resultados demonstram que
há mudança nos indivíduos, e não na comunidade, desde que haja
progresso na escolarização dos sujeitos. O estudo visa, em última
análise, demonstrar como são aplicados os pressupostos teóricos e
metodológicos em pesquisa Sociolinguística.
Palavras-chave
Interrogativas-Q, Relevância do Letramento, Pesquisa em tempo
real, Painel, Tendência, Análise multivariacional.
344 MOLLICA; MOURA; LOFEUDO
Abstract
This paper analyzes the variation of Q-interrogatives in Portuguese
in order to verify the effect of the use of some variables with and
without cleavage in these constructions. The analysis includes
real time research panel and trend analysis to investigate if the
process variable is changing in the language. The results indicate
that there is change at the individual level, but not in the
community, provided there is progress in the formal education of
the subjects. The study also aims to demonstrate how theoretical
and methodological tools are applied to the field of Sociolinguistic
research.
Keywords
Q-interrogatives, Importance of literacy, Real-time research, Panel
and trend analysis, Multivariacional description.
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 20, n. 2, p. 343-360, jul./dez. 2012 345
Introdução
Japonês manifestará tal elmento à direita, na posição in situ. Algo que diferencia
o Inglês de línguas românicas como o português brasileiro (PB) é que nestas tanto
o movimento-QU quanto o QU in situ são permitidos.
Kato e Raposo (1996) consideram (8) um tipo de estrutura QU de
clivagem com apagamento de cópula. Braga, Kato e Mioto (2009) estudaram
esse tipo de construção com evidências na variedade do português brasileiro.
Explicam os autores que estruturas como (a) quem que a senhora acha que cuida
de toda essa parte...? (DID SP); (b) qual que seria o material? (DID SSA) (c) por
que que a senhora gostou dessa peça? (DID SP); (d) você sabe o que que é UPC?
(D2 RJ) ainda podem ter uma expressão-Q na periferia esquerda da sentença,
adicionada pelo complementizador, formando o fenômeno de ComP duplamente
preenchido. Ou seja, o pronome ocupa a posição de especificador de CP e o
complementizador ocupa a posição de núcleo.
Alexandre (2006) defende a tese de que as interrogativas-Q são predominantes
no português falado em Cabo Verde, caracterizando uma estratégia de
focalização obrigatória tanto quanto na sintaxe do crioulo português falado na
Guiné Bissau. Tal afirmação se torna um tanto abalada, uma vez que as variedades
do português brasileiro e do português europeu também exibem interrogativas
com clivagem, seja na posição inicial da sentença (periferia à esquerda), seja em
posição final (qu-in-situ), quer em discurso direto, quer em discurso indireto.
Neste texto, focalizo as interrogativas-Q com e sem clivagem sob a ótica
da Sociolinguística, perspectiva ainda não explorada na literatura. Advogo a tese
de que o fenômeno deve ser tratado levando em conta suas motivações de uso,
valendo-se de modelo que busca investigar o dinamismo dos sistemas linguísticos.
Assim, parto do pressuposto de que as interrogativas-Q supõem a existência de
um ou de mais de um processo variável.
O foco do estudo se restringe à variação entre qual X e qual que X , sendo que
(i) que o marcador de clivagem,
(ii) X o contexto seguinte à construção de interrogação,
(iii) é variável a posição das variantes na sentença.
Clivagem e multifuncionalidade
Calculados todos os dados das três amostras (Censo 1980, Censo 2000,
17 falantes recontatados da amostra de 1980), a clivagem nas construções
interrogativas em estudo apresenta percentual em torno de 6% nos anos 1980
e em 2000. O input da regra se diferencia quando calculamos em separado.
TABELA I
Efeito da escolarização em relação à clivagem nas interrogativas-Q
% Pesos relativos
Nível Fundamental 11/140 7.9% 0,80
Nível Médio e Superior 1/52 1,9 % 0.20
TABELA II
Efeito do lócus sintático na sentença em relação ao emprego
da clivagem nas interrogativas-Q
% Pesos relativos
Início de sentença
(Periferia à esquerda) 9/93 9,7% 0.70
Final de sentença
(qu-in-situ) 1/66 1,5% 0.30
TABELA III
Efeito do tipo de discurso em relação ao emprego da clivagem nas interrogativas-Q
% Pesos relativos
Discurso indireto 10/88 11,4% 0,70
Discurso direto 2/104 1,9% 0.30
Ainda que o lugar na sentença seja importante (cf. resultados na TAB. II),
as ocorrências das interrogativas-Q com clivagem são sensíveis ao discurso, já que
a variante qual que X tende a ser empregada em discurso indireto e tem seu uso
refreado em discurso direto. Pelos resultados, a variante qual que X apresenta chance
baixa (0.30) de emergir em perguntas abertas, exemplo (21), e tende a surgir mais
em interrogação indireta (0,70), como no exemplo (22).
(21) Qual que você acha melhor, futebol ou basquete?
(22) E- Qual é a estória? [eu]- eu não vi o filme, não sei qual é a [estória?]
O ambiente seguinte também constitui vetor importante para a escolha
de qual X ou qual que X, de acordo com as hipóteses postuladas.
TABELA IV
Efeito do contexto seguinte X em relação ao emprego da clivagem nas interrogativas-Q
% Pesos relativos
X = SN 7/43 14% 0,70
X = SV 5/142 3.5 % 0.40
Algumas considerações
Referências
ALEXANDRE, Nelida. Estruturas em movimento: alguns tópicos sobre as
construções-Q e de clivagem. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 41, n. 1, p. 99-119,
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funcionalista. (Mimeo a)
BRAGA, Maria Luiza. Construções clivada “em foco”: clivadas, construções “E
QUE” e construções que no português do Brasil. (Mimeo b)
BRAGA, Maria Luiza; KATO, Mary Azawa; MIOTO, Carlos. As construções-Q
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