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RE-TEORIZANDO A MODERNIDADE EM PETER WAGNER

Luciana Lombas Belmonte Amaral

Peter Wagner é Professor-pesquisador no Departamento de Teoria Sociológica,


Filosofia do Direito e Metodologia das Ciências Sociais na Universidade de Barcelona.
Seus interesses de pesquisa se situam nas áreas de teoria social e política e de sociologia
histórica, política e cultural, com ênfase particular na análise comparativa das
configurações sociais contemporâneas e suas trajetórias históricas. Desde 2010, é o
investigador principal do projeto Advanced Grant, financiado pelo European Research
Council, “Trajectories of modernity: comparing non-European and European varieties”.
Suas publicações recentes incluem: Modernity: Understanding the Present (Cambridge:
Polity, 2012) e Modernity as Experience and Interpretation. A New Sociology of
Modernity (Cambridge: Polity, 2008), também co-editou os volumes The Greek polis and
the Invention of Democracy: a Politico-cultural Transformation and its Interpretations
(com Johann Arnason e Kurt Raaflaub, Oxford: Blackwell, forthcoming) e Varieties of
World-Making: Beyond Globalization (com Nathalie Karagiannis, Liverpool: Liverpool
University Press, 2007).

Em sua obra “Modernity: Understanding the Present” (2012), o autor objetivou


contribuir para a renovação de reflexões sobre a modernidade com vistas a uma melhor
compreensão do tempo presente. Para tanto, propôs reavaliar as afirmações de que a
modernidade, originada supostamente no e pelo Ocidente, teria aberto caminho a uma
nova era da história da humanidade, discutindo-as a luz da atual natureza global da
modernidade. A hipótese que norteia seu trabalho é a de que, no curso de sua realização
e difusão, as afirmações e as expectativas sociais também se modificaram radicalmente.
As reflexões do livro de referência são uma aproximação a outra obra de sua autoria
intitulada “Modernity as Experience and Interpretation” (2008), em que se tentou
estabelecer um novo caminho de articulação entre a sociologia histórica comparada e a
filosofia política e social. A verificação de uma atual constelação da modernidade
impulsionou Wagner a reconsiderar os caminhos para (re)teorizá-la.
No primeiro capítulo, intitulado “Retrieving Modernity´s past, understanding
modernity´s present", o autor discute a natureza global da modernidade por meio de uma
breve revisão das ideias-chave da modernidade do ponto de vista do presente. Em sua
leitura, o pensamento sobre o assunto sempre se baseou no global e no universal, estando
articulada, frequentemente, à normatividade e à funcionalidade superior de outras formas
de organização sociopolíticas. A ideia de que modernidade era um novo modelo de
sociedade, emergida nas grandes transformações ocorridas na Europa e na América do
Norte nos séculos XVIII e XIX, colocam-na em posição de destaque na história mundial,
na qual um modelo ocidental difundido mundialmente estabilizaria uma superioridade
inerente.

Entretanto, as discussões sobre a modernidade nas décadas de 1980 aliadas às


novas conformações político-econômicas em diferentes países do globo no final da
década de 1970 e nos anos seguintes, ensejaram uma reflexão sobre seus significados e a
condição humana contemporânea, tendo os movimentos sociais de estudantes, de
trabalhadores e os movimentos de direitos civis no final da década de 1960 promovido
uma interrupção brusca do aparente consenso no pós-Segunda Guerra mundial, além do
próprio colapso do modelo soviético entre os anos 1989 e 1991. Esse contexto deu origem
a uma série de debates sobre a modernidade, cujas vertentes apontam para os mais
variados caminhos, deflagrando um processo de questionamento quanto à
institucionalização da liberdade e da razão, da convergência, da estabilidade e do
progresso como pressupostos da sociedade moderna.

No capítulo “Changing views of Modernity: from convergence e stability to


plurality”, Wagner ressalta que, mais que observar a conversão das sociedades modernas
em uma única expressão, deve-se, na atualidade, identificar a persistente pluralidade de
formas modernas de organizações sociopolíticas. Após as grandes revoluções se
assentarem, a partir do debate teórico nas últimas décadas, observou-se que a
institucionalização da liberdade e da razão não seriam mais processos tão diretos, tal
como haviam previstos os otimistas do Iluminismo. Contudo, as críticas elaboradas no
final do século XIX e início do século XX deram conta que havia problemas básicos nas
práticas da modernidade, mas não abandonaram a ideia de compromisso dessa última
como uma consequência. Todas problematizaram a tensão entre a desarticulação das
dinâmicas modernas de liberdade e o domínio da razão.

Nesse período, a alienação, a atomização, a comodificação, a burocratização e a


racionalidade instrumental iriam se afirmar como tendências absolutamente dominantes,
levando ao surgimento do homem unidimensional e da sociedade unidimensional. Para o
autor, apesar de parecerem persuasivas as afirmações, essas críticas subestimavam a
persistência da ambivalência da modernidade e o ressurgimento da autonomia. Após esses
debates, pontua-se que, no final do século XX, os diagnósticos teórico-sociais acabaram
deslocando sua ênfase na individualização, mais que na atomização, e na reflexividade,
mais que na racionalidade.

O capítulo “Sucessive Modernities: Crisis, Criticism and Idea of Progress” se


inicia com a afirmação de que a ideia de progresso aparece no final da década 1980. Na
leitura de Wagner, existem pressupostos comumente difundidos quanto à sociedade
moderna que pressupõe que as sociedades humanas perseguem uma trajetória evolutiva
para formas de organização que são superiores àquelas já experimentadas.
Discordando da ideia de pós-modernidade, o autor irá se aprofundar na ideia de
formas plurais da modernidade, além de reavaliar as noções de crise e de crítica,
reconectando a história a filosofia normativa. O pensamento de Axel Honneth e sua teoria
da justiça são empregadas para reconsiderar ideia de progresso, buscando-se questionar,
assim, o progresso material, político e papel da crítica na modernidade atual. Aponta,
ainda, os dilemas epistemológicos para a discussão de uma natureza universal dessa
última que considere a existência do empírico com a coexistente pluralidade de arranjos
institucionais que se incorporam aos compromissos modernos. Para o autor, haveria uma
falibilidade da filosofia política, sozinha, dar conta das complexidades, contingências e
diversidades na modernidade.
No quarto capítulo, “Disentangling the concept of modernity: time, action and
problems to be solved”, propõe-se o desfazimento do emaranhado conceitual da
modernidade, considerando os eixos do tempo e da ação, destacando-se, ainda, os
problemas a serem resolvidos para compreender esses processos. Ao retomar seu
entendimento quanto à configuração da modernidade em termos plurais e à
progressividade de suas condições normativas, Wagner refuta, novamente, a ideia de que
essa possa ser um fenômeno social coerente. A busca pelas possíveis constituições e
tensões na crise, observadas a partir de uma reavaliação da própria teoria crítica sobre o
assunto, dão ensejo ao desenvolvimento deste bloco de reflexões que busca esmiuçar
como as modernidades se diferem e de que maneira o progresso constitui, ou não, a
realização dos princípios normativos da modernidade, para, ao fim, construir um
programa conceitual e empírico de análise.

No que tange à continuidade e ao comunitarismo nas transformações do social,


pretende-se demonstrar que, para além do pressuposto de múltiplas modernidades,
subsiste um autoentendimento societal. Desenvolvidas a partir do enlace da teoria social
e da macrossociologia histórica, as argumentações do autor consideram,
concomitantemente, os seguintes aspectos: a) o resgate da formulação teórica de
estrutura-agência dos anos 1980; b) a superação das perspectivas evolucionistas,
considerando suas críticas ao uso infundado de conceitos coletivos; c) a elaboração de
teoria da mudança social que enfatize a criatividade coletiva; e d) a reinterpretação como
componente cultural em todas as grandes transformações sociais. Dessa forma, ao
contrário de investir nos debates sobre as múltiplas modernidades, Wagner lança mão da
análise civilizacional para melhor compreender as mudanças sociais e as instabilidades
do autoentendimento das sociedades ao longo da modernidade. Em sua leitura, o principal
desafio da sociologia comparativa interpretativa-institucional é a análise do
autoentendimento societal e de suas transformações, de tal maneira que possam ser
comparadas entre diferentes sociedades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WAGNER, Peter. Part I. Re-theorizing the modernity. In: WAGNER, Peter. Modernity:
understanding the present. Cambridge: Polity, 2012. p. 1-79.

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