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SUMÁRIO

PRÓLOGO: Doze Barbudos 9


1 O Modelo dos Animais 17
2 Uma Abundância de Instintos 55
3 Uma Aliteração Conveniente 93
4 A Loucura das Causas 129
5 Os Genes na Quarta Dimensão 161
6 Os Anos de Formação 193
7 Aprendendo Lições 225
8 Enigmas da Cultura 255
9 Os Sete Significados de “Gene” 291
10 Muitas Morais Paradoxais 313
EPILOGO: Homo Stramineus — O Homem Insignificante 345
AGRADECIMENTOS 351
NOTAS 353
ÍNDICE 379

PRÓLOGO

Doze Barbudos

Ah!, de que maneira os mortais censuram os deuses! A dar-lhes ouvidos, de nós provêm todos os
males, quando afinal, por sua insensatez, e contra a vontade do destino, são eles os autores de suas
desgraças.

Odisséia, de Homero. 1*

“Revelado o segredo do comportamento humano”, diz a manchete da edição dominical


do jornal britânico Observer em 11 de fevereiro de 2001. “O ambiente, e não os genes,
são a chave de nossos atos.” A fonte da matéria era Craig Venter, o self-made man dos
genes que criou uma empresa privada para ler toda a seqüência do genoma humano (do
genoma dele), competindo com um consórcio internacional financiado por impostos e
doações caritativas. Esta seqüência — um filamento de três bilhões de letras composto
em um alfabeto de quatro letras que contém a receita completa para a construção e o
funcionamento do corpo humano — seria publicada mais tarde naquela semana. A
primeira análise revelou que havia apenas 30.000 genes no genoma humano, e não os
100.000 que haviam sido estimados até alguns meses antes.
___________________
*Tradução de Antônio Pinto de Carvalho para a Difel, 1978. (N da T)
Os detalhes já haviam circulado para os jornalistas com exigência de sigilo. Mas
Venter deixou a história escapar em um encontro aberto em Lyons em 9 de fevereiro.
Robin McKie, do Observer, estava no auditório e entendeu que aquele número de
30.000 agora era público. Ele procurou Venter e perguntou se ele sabia que tinha
quebrado o sigilo; Venter assentiu. Não seria a primeira vez, na rivalidade cada vez
maior sobre o projeto genoma, que a versão de Venter da história chegaria às manchetes
antes que a de seus rivais. “Simplesmente não temos genes suficientes para que essa
história de determinismo genético seja correta”, disse Venter a McKie. “A maravilhosa
diversidade da espécie humana não é controlada por nosso código genético. Nosso
ambiente é fundamental.” 2
Depois da edição do Observer, outros jornais o acompanharam. “Descoberta do
genoma choca cientistas: programa genético contém bem menos genes do que se
pensava — importância do DNA reduzida”, proclamou o San Francisco Chronicle mais
tarde naquele domingo. 3 As publicações científicas suspenderam prontamente a
exigência de sigilo e a história apareceu nos jornais de todo o mundo. “Análise do
genoma humano revela bem menos genes”, entoou o New York Times.4 Não foi só
McKie que tinha dado um furo de reportagem; Venter lhe deu a matéria.
Foi a criação de um novo mito. Na verdade, o número de genes humanos não
muda nada. A observação de Venter encobre duas grandes conclusões falsas: primeira,
que um número menor de genes implica mais influência ambiental. E segunda, que
30.000 genes eram “muito pouco” para explicar a natureza humana, e que 100.000
teriam sido suficientes. Como me disse algumas semanas atrás Sir John Sulston, um dos
líderes do Projeto Genoma Humano, somente 33 genes, cada um deles em duas
variedades (ativo e inativo), seriam suficientes para tornar único cada ser humano no
mundo. Há mais de 10 bilhões de maneiras de lançar uma moeda 33 vezes. Assim,
30.000 não parece um número tão pequeno, afinal. Dois multiplicado por ele mesmo
30.000 vezes produz um número maior que o número total de partículas no universo
conhecido. Além disso, se menos genes significa mais livre-arbítrio, isso significa que a
mosca-da-fruta é mais livre que as pessoas, as bactérias ainda mais livres, e os vírus são
o John Stuart Mills da biologia.
Felizmente, não havia necessidade destes cálculos sofisticados para tranqüilizar a
população. As pessoas não parecem estar aos prantos na rua por causa da humilhante
novidade de que nosso genoma tem menos de duas vezes a quantidade de genes de um
verme. Não se esperava nada do número 100.000, que foi apenas uma aposta ruim. Mas
foi adequado depois de um século de debates cada vez mais repetitivos sobre ambiente
versus hereditariedade, que a publicação do genoma humano rompesse o leito de
Procusto da natureza versus criação. Foi, com a possível exceção da questão irlandesa, o
debate intelectual que menos mudou no século que acaba de terminar. Dividiu fascistas
e comunistas com a mesma simplicidade que sua política. Continuou imperturbável com
a descoberta dos cromossomos, do DNA e do Prozac. Estava destinado a ser tão
amargamente debatido em 2003 como foi em 1953, o ano da descoberta da estrutura do
gene, ou em 1900, o ano em que começa a genética moderna. Mesmo o genoma
humano, em seu nascimento, vem sendo reivindicado no debate natureza versus criação.
Por mais de cinqüenta anos, vozes sensatas pediram o fim do debate. Declarou-se
de tudo a respeito da questão natureza versus criação, de morta e terminada a inútil e
equivocada — uma falsa dicotomia. Todos, com algum bom senso, sabem que os seres
humanos são produto de uma permuta entre os dois. Mas ninguém consegue deter o
debate. Logo após chamar o debate de inútil ou morto, os protagonistas entraram na
batalha e começaram a acusar os outros de dar demasiada atenção a um ou outro
extremo. Os dois lados deste debate são os nativistas, que às vezes chamarei de
geneticistas, hereditarianistas ou naturistas; e os empiristas, que às vezes chamarei de
ambientalistas ou criacionistas.
Deixe-me mostrar minhas cartas logo de uma vez. Acredito que o comportamento
humano deve ser explicado tanto pela natureza como pela criação. Não estou apoiando
um lado em detrimento do outro. Mas isso não significa que eu esteja falando de um
meio-termo, de um “meio da estrada”. Como disse certa vez Jim Hightower, um político
texano: “Não há nada no meio da estrada, exceto uma linha amarela e um tatu morto.” É
minha intenção apresentar as razões para que o genoma tenha na verdade mudado tudo,
e não encerrar o debate ou dar a vitória na batalha a um ou outro lado, mas enriquecê-lo,
em ambos os lados, até que eles se encontrem no meio. A descoberta de como os genes
realmente influenciam o comportamento humano, e como o comportamento humano
influencia os genes, está prestes a remodelar completamente o debate. Não é mais uma
questão de natureza versus criação, mas de natureza via criação. Os genes são
projetados para usar as deixas da criação. Para apreciar o que tem acontecido, você terá
de abandonar concepções que lhe são caras e abrir sua mente. Você terá de entrar em
um mundo em que seus genes não são mestres manipulando as cordinhas de seu
comportamento, mas marionetes à mercê de seu comportamento; um mundo em que
instinto não é oposto de aprendizado, em que as influências ambientais são às vezes
menos reversíveis que as genéticas, e que a natureza é projetada pela criação. Pela
primeira vez na ciência, estas expressões baratas e aparentemente vazias estão criando
vida. É minha intenção contar histórias estranhas dos mais profundos recessos do
genoma para mostrar como o cérebro humano é construído pela criação. Meu
argumento, em resumo, é este: quanto mais revelamos sobre o genoma, mais os genes
parecem ser vulneráveis à experiência.
Imagino uma fotografia tirada no ano de 1903. É de um grupo de homens
reunidos em algum encontro internacional, em um lugar da moda como Baden-Baden
ou Biarritz, talvez. “Homens” não é bem a palavra certa, embora não haja nenhuma
mulher. Há um garotinho, um bebê e um fantasma; o resto é de homens de meia-idade
ou de idosos, principalmente ricos, e todos brancos. Há 12 deles e, como convém à
época, há muito pêlo facial. Dois são americanos, dois austríacos, dois britânicos, dois
alemães, um holandês, um francês, um russo e um suíço.
É uma fotografia imaginária, porque a maioria deles nunca conheceu os demais.
Mas, como a famosa foto do grupo de físicos em Solvay em 1927 — aquela que inclui
Einstein e Bohr, Marie Curie, Planck, Schrödinger, Heisenberg e Dirac —, meu retrato
capturaria aquele momento de efervescência em que um esforço científico lançou uma
série de novas idéias. 5 Meus 12 homens são aqueles que reuniram as principais teorias
da natureza humana que viriam a dominar o século XX.
O fantasma que adeja sobre todos é Charles Darwin, morto havia 21 anos na
época da fotografia, e com a barba mais comprida de todos. A idéia de Darwin é
procurar o caráter do homem no comportamento do macaco e demonstrar que há
características universais do comportamento humano, como sorrir. O cavalheiro mais
velho sentado ereto na extremidade esquerda é seu primo, Francis Galton, 81 anos, mas
ainda forte; sua barba se ergue nas laterais do rosto, como um camundongo branco.
Galton é o ardente defensor da hereditariedade. Ao lado dele, está sentado o americano
William James, 61 anos, com uma barba quadrada e desalinhada. Ele defende o instinto
e sustenta que os seres humanos têm mais impulsos que outros animais, e não menos. À
direita de Galton está um botânico, deslocado em um grupo preocupado com a natureza
humana, carrancudo e infeliz por trás de sua barba desgrenhada. Ele é Hugo De Vries,
55 anos, o holandês que descobriu as leis da hereditariedade somente para perceber que
tinha sido batido mais de trinta anos antes por um monge da Morávia chamado Gregor
Mendel. Ao lado dele está o russo Ivan Pavlov, 54 anos, sua barba cheia e grisalha. Ele
é um defensor do empirismo, acreditando que a chave para a mente humana está no
reflexo condicionado. A seus pés, o único barbeado, senta-se John Broadus Watson, que
transformaria as idéias de Pavlov no “behaviorismo” e afirmaria notoriamente ser capaz
de alterar a personalidade a seu bel-prazer apenas pelo treinamento. À direita de Pavlov
está, de pé, o alemão gorducho de óculos e bigodudo Emil Kraepelin, e o vienense de
barba elegante Sigmund Freud, ambos com 47 anos e ambos lutando para arrancar
gerações de psiquiatras das explicações “biológicas” e levá-los a duas noções muito
diferentes de história pessoal. Ao lado dele está o pioneiro da sociologia, o francês
Emile Durkheim, 45 anos, de barba especialmente densa, insistindo que a realidade dos
fatos sociais é mais do que a soma de suas partes. Seu companheiro nestas idéias está ao
lado dele: um germano-americano (ele emigrou em 1885), o arrojado Franz Boas, 45
anos, com seus bigodes curvos e cicatriz de duelo, e sua crescente insistência em que a
cultura modela a natureza humana, não o contrário, O rapazinho na frente é o suíço Jean
Piaget, cujas teorias de imitação e aprendizagem aparecerão, imberbes, em meados do
século. O bebê no carrinho é o austríaco Konrad Lorenz, que reviverá o estudo do
instinto e descreverá o conceito vital de imprinting na década de 1930, enquanto lhe
crescerá um elegante cavanhaque.
Não estou querendo afirmar que eles foram necessariamente os maiores
estudiosos da natureza humana, nem que foram igualmente brilhantes. Muitos, mortos e
ainda por nascer, mereceriam ser incluídos na fotografia. David Hume e Immanuel Kant
deviam estar ali, mas morreram há tempo demais (somente Darwin consegue enganar a
morte para a ocasião); assim como os teóricos modernos George Williams, William
Hamilton e Noam Chomsky, mas eles ainda não haviam nascido. E Jane Goodall, que
descobriu a individualidade nos macacos. E talvez alguns dos mais perceptivos
romancistas e dramaturgos.
Mas quero afirmar uma coisa muito surpreendente sobre esses 12 homens. Eles
estavam certos. Não o tempo todo, nem completamente certos, e não quero dizer
moralmente certos. Quase todos foram longe demais ao trombetear suas idéias e criticar
as dos outros. Um ou dois deles, deliberada ou acidentalmente, deram origem a
perversões grotescas de política “científica” que assombraram sua reputação para
sempre. Mas eles estavam certos no sentido de que contribuíram para uma idéia original
que possuía um germe de verdade; todos colocaram um tijolo na parede.
Na verdade, a natureza humana é uma combinação dos universais de Darwin, da
hereditariedade dos Galton, dos instintos de James, dos genes de De Vries, dos reflexos
de Pavlov, das associações de Watson, da história de Kraepelin, da experiência
formativa de Freud, da cultura de Boas, da divisão de trabalho de Durkheim, do
desenvolvimento de Piaget e do imprinting de Lorenz. Você pode encontrar todas essas
coisas na mente humana. Nenhum relato da natureza humana seria completo sem todas
elas.
Mas — e é aqui que eu começo a trilhar um novo caminho — é inteiramente
equivocado colocar estes fenômenos em um espectro que vá da natureza à criação, da
genética ao ambiente. Em vez disso, para compreender cada um deles, e todos eles,
precisamos compreender os genes. São os genes que permitem que a mente humana
aprenda, lembre, imite, sofra imprinting, absorva cultura e expresse os instintos. Os
genes não são mestres de marionetes, nem programas. Nem são apenas os portadores da
hereditariedade. Eles são ativos durante a vida; eles ativam e desativam uns aos outros;
eles reagem ao ambiente. Podem dirigir a construção do corpo e do cérebro no útero,
mas começam a desmantelar e reconstruir o que fizeram antes— em resposta ao
ambiente. Eles são ao mesmo tempo causa e conseqüência de nossos atos. De certa
forma, os adeptos do lado “criação” do debate assustaram-se com o poder e a
inevitabilidade dos genes, e perderam a maior lição de todas: os genes estão do lado
deles.

CAPÍTULO UM

O Modelo dos Animais

Não é o homem mais que isto? Considerai-o bem: Ao verme não deves a seda, ao animal o abrigo,
ao carneiro a lá e ao gato o perfume. Ah! Dos presentes, três somos adulterados; tu és a coisa em
si. O homem sem atavios não passa de um pobre animal, nu e fendido como tu.
Rei Lear1

A similaridade é a sombra da diferença. Duas coisas são similares graças a sua diferença
de outra; ou diferentes em virtude da similaridade de uma delas com uma terceira.
Assim é com os indivíduos. Um homem baixo é diferente de um homem alto, mas dois
homens parecem similares se comparados com uma mulher. E assim é com as espécies.
Um homem e uma mulher podem ser tão diferentes, mas, em comparação com um
chimpanzé, são suas similaridades que chamam a atenção — a pele sem pêlos, a postura
ereta, o nariz proeminente. Um chimpanzé, por sua vez, é similar a um ser humano
quando comparado com um cão; a face, as mãos, os 32 dentes, e assim por diante. E um
cão é como uma pessoa na medida em que ambos são diferentes de um peixe. A
diferença é a sombra da similaridade.
Considere, então, os sentimentos de um jovem ingênuo quando desembarcou na
Terra do Fogo em 18 de dezembro de 1832 para seu primeiro encontro com o que
chamaremos agora de caçadores-coletores, ou o que ele chamaria de “homem em estado
natural”. Melhor ainda, deixemos que ele conte a história:
Foi, sem exceção, o mais curioso & interessante espetáculo que já contemplei. Não teria
acreditado em como são diferentes o selvagem & o homem civilizado. A diferença é muito maior
que entre um animal selvagem & um domesticado, mesmo porque no homem há maior poder de
aperfeiçoamento (...). Acredito que, se o mundo fosse investigado, não se encontraria nenhum grau
inferior de homem.2

O efeito em Charles Darwin foi tão chocante porque foram os primeiros nativos da
Terra do Fogo que ele via. Ele compartilhou um barco com três deles, que foram
transportados para a Grã-Bretanha, vestidos em camisas e casacos e levados para
conhecer o rei. Para Darwin, eles eram tão humanos quanto qualquer pessoa. Todavia
aqui estavam seus parentes, subitamente parecendo bem menos humanos. Eles lhe
recordavam.., bem, animais. Um mês depois, sobre a descoberta do local de um único
caçador de lapa da Terra do Fogo em um lugar ainda mais remoto, ele escreveu em seu
diário: “Encontramos o lugar onde ele dormiu — que possivelmente não proporcionava
mais proteção do que a toca de uma lebre. Quão pequenos são os hábitos de tal ser
superior em relação aos de um animal.” 3 Subitamente, ele está escrevendo não sobre a
diferença (entre o homem civilizado e o selvagem), mas sobre a similaridade — a
afinidade entre tal homem e um animal, O nativo da Terra do Fogo é tão diferente do
estudante de Cambridge que ele começa a parecer um animal.
Seis anos depois de seu encontro com os nativos da Terra do Fogo, na primavera
de 1838, Darwin visitou o zoológico de Londres e ali, pela primeira vez, viu um grande
macaco. Era um orangotango fêmea chamada Jenny, e era o segundo macaco a ser
trazido para o zoológico. Seu predecessor, Tommy, um chimpanzé, fora exibido no
zoológico por alguns meses em 1835, antes de morrer de tuberculose. Jenny foi
adquirida pelo zoológico em 1837 e, como Tommy, causou uma pequena comoção na
sociedade londrina. Ela parecia um animal tão humano, ou era uma pessoa bestializada?
Os macacos impunham questões desagradáveis sobre a distinção entre as pessoas e os
animais, entre a razão e o instinto. Jenny figurou na capa da Penny Magazine of the
Society for the Diffusion of Useful Knowledge, em que o editorial reafirmou aos leitores
que, “embora o orangotango possa ser extraordinário se comparado com seus
companheiros da criação bruta, nada faz para violar as esferas moral ou mental do
homem”. A rainha Vitória, que viu um orangotango diferente no zoológico em 1842,
discordou categoricamente. Ela o descreveu como “assustadora, dolorosa e
desagradavelmente humano”.4
Depois de seu primeiro encontro com Jenny em 1838, Darwin voltou ao zoológico
outras duas vezes alguns meses depois. Ele retornou armado com uma harmônica, um
pouco de pimenta e um ramo de verbena. Aparentemente, Jenny apreciou os três. Ela
pareceu “assombrada além da medida” com seu reflexo no espelho. Ele escreveu em seu
caderno de notas: “Deixe que o homem visite o orangotango em cativeiro (...) veja sua
inteligência (...) e depois deixe-o se jactar de sua preeminência orgulhosa (...). O
homem, em sua arrogância, considera-se uma grande obra, admirável ato da divindade.
Mais humilde, eu acredito ser verdade considerá-lo oriundo dos animais,” Ele estava
aplicando aos animais o que aprendera a aplicar à geologia: o princípio uniformitarista
de que as forças que hoje modelam a paisagem são as mesmas que modelaram o
passado distante. Mais tarde, ainda em setembro, enquanto lia o ensaio de Malthus
sobre a população, ele teve seu súbito insight do que agora conhecemos como seleção
natural.
Jenny fez sua parte. Quando pegou a harmônica e colocou-a nos lábios, ela o
ajudou a perceber como os animais podiam ascender acima do embrutecimento, como
os habitantes da Terra do Fogo tinham-no levado a perceber como alguns seres
humanos podiam cair abaixo da civilização. Haverá mesmo um abismo?
Ele não foi o primeiro a pensar desta forma. Na verdade, um juiz escocês, lorde
Monboddo, tinha especulado na década de 1790 que os orangotangos podiam fadar —
desde que educados para isso. Jean-Jacques Rousseau foi apenas mais um dos vários
filósofos do Iluminismo que se perguntou se os macacos não evoluíam para os
“selvagens”. Mas foi Darwin que mudou a forma pela qual o ser humano pensa sua
própria natureza. Ainda em vida viu a opinião acadêmica começar a aceitar que o corpo
humano era o do macaco modificado, descendendo de um ancestral comum.
Mas Darwin teve menos sucesso em convencer seus companheiros humanos de
que o mesmo argumento podia ser usado para a mente. Acreditava, desde suas primeiras
anotações após ler o Tratado da natureza humana de David Hume para seu último livro
sobre as minhocas, que havia similaridade, em vez de diferença, entre o comportamento
humano e o animal. Ele tentou com seus filhos o mesmo teste do espelho que havia
experimentado com Jenny. Especulou continuamente sobre os paralelos animais e as
origens evolutivas das emoções, gestos, estímulos e hábitos humanos. Como declarou
abertamente, a mente precisava da evolução tanto quanto o corpo.
Mas nisso ele foi abandonado por muitos de seus adeptos, e o psicólogo William
James foi uma notável exceção. Alfred Russel Wallace, por exemplo, o co-descobridor
do princípio da seleção natural, afirmou que a mente humana era complexa demais para
ser produto da seleção natural. Devia, em vez disso, ser uma criação sobrenatural. O
raciocínio de Wallace era atraente e lógico. Baseava-se na similaridade e na diferença,
novamente. Wallace era extraordinariamente, para seu tempo, desprovido de
preconceito racial. Ele viveu entre os nativos da América do Sul e do Sudeste da Ásia e
considerava-os iguais, moral se não intelectualmente. Isso o levou à crença de que todas
as raças da humanidade têm capacidades mentais semelhantes, o que o confundiu,
porque isso implicava que, nas sociedades mais “primitivas”, grande parte da
inteligência humana não era utilizada. Qual era o sentido de ser capaz de ler ou fazer
uma divisão complexa se iríamos passar toda a vida em uma floresta tropical? Logo,
disse Wallace, “alguma inteligência superior dirigiu o processo pelo qual se
desenvolveu a raça humana”.5
Sabemos agora que o pressuposto de Wallace estava inteiramente correto onde o
de Darwin estava errado. O hiato entre o homem “inferior” e o macaco “superior” é
enorme. Genealogicamente, todos descendemos de um ancestral comum muito recente
que viveu apenas há 150.000 anos, enquanto o último ancestral comum com um
chimpanzé viveu há pelo menos 5 milhões de anos. Geneticamente, as diferenças entre
um ser humano e um chimpanzé são pelo menos dez vezes mais numerosas que aquelas
entre os dois seres humanos mais parecidos. Mas a dedução de Wallace a partir deste
pressuposto, de que a mente humana e a mente animal requerem explicações diferentes,
não é garantida. Só porque dois animais são diferentes não significa que eles não
possam ser similares.
René Descartes decretou firmemente no século XVII que as pessoas eram
racionais e os animais eram autômatos. “Eles agem não por conhecimento, mas por
disposição de seus órgãos (...). Os brutos não só têm um grau menor de raciocínio que o
homem, mas carecem completamente dele.” 6 Darwin prejudicou essa distinção
cartesiana por algum tempo. Livres pelo menos da necessidade de considerar a mente
humana uma criação divina, alguns contemporâneos de Darwin, os instintivistas,
começaram a pensar nos seres humanos como autômatos levados pelo instinto; outros,
os “mentalistas”, começaram a creditar ao cérebro humano o raciocínio e o pensamento.
O antropomorfismo mentalista chegou ao apogeu na obra do psicólogo vitoriano
George Romanes, que elogiou a inteligência dos animais de estimação, como os cães
que podiam erguer trincos e gatos que pareciam entender seus donos. Romanes
acreditava que a única explicação para seu comportamento era a escolha consciente. Ele
chegou a afirmar que cada espécie de animal tem uma mente como a de um ser humano,
apenas está congelada em um estágio equivalente ao de uma criança de uma certa idade.
Portanto, um chimpanzé tinha a mente de um adolescente, enquanto um cão era o
equivalente a uma criança mais nova, e assim por diante.7
A ignorância em relação aos animais selvagens sustentava esta concepção. Sabia-
se tão pouco sobre o comportamento dos macacos que era fácil pensar neles como
versões primitivas das pessoas, em vez de animais sofisticados, brilhantemente bons
sendo macacos. Em especial com a descoberta do aparentemente feroz gorila em 1847,
os encontros entre seres humanos e macacos selvagens foram exclusivamente curtos e
violentos. Quando eram levados aos zoológicos, os macacos tinham pouca oportunidade
de mostrar seu repertório de hábitos selvagens, e seus carcereiros pareciam manifestar
mais interesse em sua capacidade de “macaquear” costumes humanos do que no que
pertencia naturalmente a eles. Por exemplo, desde a primeira chegada dos chimpanzés à
Europa, parece ter havido uma obsessão em servir-lhes chá. O grande naturalista francês
Georges Leclerc, conde de Buffon, foi um dos primeiros “cientistas” a ver um
chimpanzé cativo, por volta de 1790. O que ele achou digno de nota? Que ele o
observou “pegar uma xícara e um pires e colocá-los na mesa, colocar o açúcar, verter
chá, deixá-lo esfriar sem beber”.8 Thomas Bewick, alguns anos depois, relatou
esbaforido que um macaco, “visto em Londres alguns anos atrás, aprendeu a se sentar à
mesa, fazendo uso de uma colher ou garfo para comer seus víveres”. 9 E quando
chegaram ao zoológico de Londres na década de 1830, Tommy e Jenny foram
rapidamente ensinados a comer e beber à mesa, para deleite do público pagante. Nasceu
aí a tradição do chá dos chimpanzés. Na década de 1920, era um ritual diário no
zoológico de Londres; chimpanzés treinados tanto para imitar costumes humanos como
para quebrá-los: “havia o eterno risco de que suas maneiras à mesa se tornassem polidas
demais”.10 O chá dos chimpanzés nos zoológicos durou cinqüenta anos. Em 1956, a
empresa Brooke Bond fez o primeiro de seus muitos comerciais de televisão
imensamente bem-sucedidos para seu chá usando chimpanzés tomando esta bebida, e a
Tetley abandonou suas propagandas de chá com chimpanzés somente em 2002. Em
1960, os seres humanos ainda sabiam mais sobre a capacidade dos chimpanzés de
aprender maneiras à mesa de chá do que sabiam sobre como os animais se comportavam
no meio selvagem. Não é de surpreender que os macacos fossem vistos como ridículos
aprendizes de gente.
Na psicologia, o mentalismo foi logo ridicularizado e demolido. O psicólogo
Edward Thorndike, no início do século XX, demonstrou que os cães de Romanes
invariavelmente aprendiam seus truques inteligentes por acidente. Eles não entendiam
como um trinco de porta era aberto; apenas repetiam qualquer ação que, acidentalmente,
lhes permitisse abrir a porta. Em reação à credulidade do mentalismo, os psicólogos
começaram a fazer o pressuposto contrário: de que o comportamento animal era
inconsciente, automático e reflexivo, O pressuposto logo se tornou um credo. Os
behavioristas radicais, que repeliram os mentalistas na mesma década em que os
bolcheviques repeliram os mencheviques, afirmaram bruscamente que os animais não
pensam, refletem ou raciocinam: apenas reagem a estímulos. Tornou-se até heresia falar
de animais tendo estados mentais, o que dizer de atribuir compreensão humana a eles.
Logo, com Burrhus Skinner, os behavioristas aplicariam a mesma lógica aos seres
humanos. Afinal, as pessoas não apenas antropomorfizam os animais, elas acusam
torradeiras de perversidade e as tempestades de fúria. Também antropomorfizam outras
pessoas, creditando a elas razão demais e hábitos de menos. Tente argumentar com um
viciado em nicotina.
Mas como ninguém levou Skinner muito a sério sobre o tema das pessoas, os
behavioristas inadvertidamente restauraram a distinção entre a mente humana e animal
exatamente onde Descartes a havia colocado. Os sociólogos e antropólogos, com sua
ênfase no peculiar atributo humano chamado cultura, condenaram toda aquela conversa
de instinto humano. Em meados do século XX, era heresia falar em mente animal e falar
em instintos humanos. A diferença, não a similaridade, era tudo.

A NOVELA DOS MACACOS ANTROPOMORFOS

Tudo isso iria mudar em 1960, quando uma jovem praticamente ignorante da ciência
começou a observar chimpanzés nas margens do lago Tanganica. Como escreveu ela
mais tarde:
Como eu era ingênua. Como não era cientista, não percebi que se supunha que os animais não
tinham personalidade, nem pensavam, nem sentiam emoções ou dor (...). Sem saber, livremente fiz
uso de todos os termos e conceitos proibidos em minhas primeiras tentativas de descrever, com o
máximo de minha capacidade, as coisas maravilhosas que observei em Gombe. 11

E assim, o relato de Jane Goodall da vida entre os chimpanzés de Gombe é lido como
um episódio sobre a Guerra dos Rose escrita por Jane Austen — tudo é conflito e
caráter. Sentimos a ambição, o ciúme, a ilusão e a afeição; distinguimos personalidades;
percebemos motivos; não podemos deixar de enfatizar que:
Gradualmente, a confiança de Evered voltou — em parte, sem dúvida, porque Figan nem sempre
estava com seu irmão. Faben ainda era amistoso com Humphrey, e Figan, sabiamente, obedecia
claramente ao macho poderoso. Além disso, mesmo quando os irmãos estavam juntos, Faben nem
sempre ajudava Figan: às vezes ele apenas se sentava e assistia. 12

Embora poucos só viessem a perceber isso bem mais tarde, o antropomorfismo de


Goodall tinha colocado em risco o cerne do excepcionalismo humano. Os macacos se
revelavam não como autômatos primitivos e desajeitados, incompetentes em ser
pessoas, mas como seres com uma vida social tão complexa e sutil quanto a nossa. Ou
os seres humanos devem ser mais instintivos, ou os animais devem ser mais conscientes
do que se suspeitava antes. As similaridades, e não as diferenças, estavam atraindo a
atenção.
É claro que as notícias de que Goodall tinha estreitado o abismo cartesiano
viajaram muito lentamente pela divisão entre as ciências humanas e animais. Muito
embora o propósito do estudo de Goodall, como foi concebido por seu orientador, o
antropólogo Louis Leakey, fosse lançar uma luz no comportamento de antigos
ancestrais humanos, antropólogos e sociólogos eram treinados para ignorar as
descobertas animais, considerando-as irrelevantes. Quando falou das similaridades em
seu livro O macaco nu, em 1967, Desmond Morris foi desprezado como sensacionalista
pela maioria dos que estudam a humanidade.
Definir a singularidade humana tem sido uma indústria para os filósofos por
séculos. Aristóteles disse que o homem era um animal político. Descartes disse que
éramos a única criatura que podia raciocinar. Marx disse que só nós éramos capazes de
fazer escolhas conscientes. Agora, os chimpanzés de Goodall só podiam ser excluídos
por definições heroicamente estreitas desses conceitos.
Santo Agostinho disse que éramos as únicas criaturas a fazer sexo por prazer em
vez da procriação. (Um libertino arrependido devia saber disso.) Os chimpanzés
afirmam o contrário, e seus parentes do sul, os bonobos, logo deixaram a definição em
frangalhos. Os bonobos fazem sexo para celebrar uma boa refeição, para terminar uma
discussão ou para solidificar uma amizade. Uma vez que grande parte deste sexo é
homossexual ou com os muito jovens, a procriação não pode sequer ser um efeito
colateral acidental.
Então pensamos que somos a única espécie a fazer e usar ferramentas. Uma das
primeiras coisas que Jane Goodall observou foi os chimpanzés modelando varetas de
capim para extrair cupins, ou amassando chumaços de folhas para beber água. Leakey
telegrafou a ela em êxtase: “Agora devemos redefinir ferramenta, redefinir homem ou
aceitar os chimpanzés como seres humanos.”
Em seguida nos dissemos que apenas nós tínhamos cultura: a capacidade de
transmitir, por imitação, hábitos adquiridos de uma geração à seguinte. Mas o que
somos nós se os chimpanzés da floresta de Tai, na África Ocidental, por muitas
gerações têm ensinado os mais novos a quebrar nozes usando martelos de madeira em
uma bigorna de pedra? Ou as baleias assassinas, que têm tradições de caça inteiramente
diferentes, respeitando padrões e sistemas sociais de acordo com a população a que
pertencem? 13
Acreditamos que éramos os únicos animais a fazer guerra e matar nossos
semelhantes. Mas em 1974 os chimpanzés de Gombe (e subseqüentemente a maioria
das outras colônias estudadas na África) derrubaram esta teoria atacando de surpresa e
silenciosamente o território de bandos vizinhos, emboscando os machos e espancando-
os até a morte.
Ainda acreditamos que somos o único animal com linguagem. Mas então
descobrimos que os micos têm um vocabulário para se referir a diferentes predadores e
pássaros, enquanto os chimpanzés e papagaios são capazes de aprender léxicos bem
grandes de símbolos. Até agora não há nada que sugira que qualquer outro animal pode
adquirir uma verdadeira compreensão da gramática e da sintaxe, embora o júri ainda
seja favorável aos golfinhos.
Alguns cientistas acreditam que os chimpanzés não têm uma “teoria da mente”:
isto é, eles não podem imaginar o que outro chimpanzé está pensando. Se podem, por
exemplo, eles não agem com o conhecimento de que outro indivíduo tem uma falsa
crença. Mas os experimentos são ambíguos. Os chimpanzés regularmente envolvem-se
em ilusão. Em um exemplo, um bebê chimpanzé fingiu que estava sendo atacado por
um adolescente para conseguir que sua mãe lhe permitisse mamar no peito. 14 Parece
que ele é capaz de imaginar como outros chimpanzés pensam.
Mais recentemente, foi revivido o argumento de que somente seres humanos têm
subjetividade. Kenan Malik afirma que “os seres humanos simplesmente não são como
outros animais, e pressupor que o somos é irracional (...). Os animais são objetos de
forças naturais, e não sujeitos potenciais de seu próprio destino.” Para Malik, só nós,
unicamente, possuímos consciência e iniciativa, só nós podemos romper a prisão de
nosso cérebro e ir além da visão solipsista do mundo. Todavia eu afirmaria que a
consciência e a iniciativa não se restringem aos seres humanos, como o instinto não se
restringe a animais não-humanos. Veja-se qualquer passagem dos livros de Goodall
para ter evidências disso. Recentemente, até os babuínos realizaram bastante bem
tarefas de discriminação ao computador para mostrar que são capazes de raciocínio
abstrato. 15
Este debate ocorre há mais de um século. Em 1871, Darwin elaborou uma lista de
peculiaridades humanas consideradas uma barreira intransponível entre homens e
animais. Depois, demoliu uma por uma. Embora acreditasse que só o homem tinha um
senso moral plenamente desenvolvido, Darwin dedicou um capítulo inteiro para afirmar
que havia senso moral, em uma forma primitiva, em outros animais. Sua conclusão foi
severa:
Mentalmente, a diferença entre o homem e outros animais, embora seja grande, é certamente de
grau e não de tipo. Temos visto que as sensações e as intuições, as várias emoções e faculdades,
como o amor, a memória, a atenção, curiosidade, imitação, raciocínio etc., dos quais o homem se
jacta, podem ser encontrados em uma condição incipiente, ou mesmo ocasionalmente bem
desenvolvida, nos animais inferiores. 16

Para onde quer que se olhe, há similaridades entre nosso comportamento e o dos
animais que não podem ser simplesmente varridas para debaixo do tapete cartesiano.
Todavia, é claro, seria perverso afirmar que as pessoas não são diferentes dos
chimpanzés. A verdade é que somos diferentes. Somos mais capazes de
autoconsciência, de calcular e de alterar o ambiente circundante do que qualquer outro
animal. É óbvio, em certo sentido, que isso nos distingue. Construímos cidades,
viajamos ao espaço, adoramos deuses e escrevemos poesia. Cada uma dessas coisas
deve algo a nossos instintos animais — abrigo, aventura e amor —, mas isso na verdade
não as define bem. É quando vamos além do instinto que parecemos mais
idiossincraticamente humanos. Talvez, como sugeriu Darwin, a diferença seja de grau, e
não de tipo; é quantitativa, não qualitativa. Podemos contar melhor que os chimpanzés;
podemos raciocinar melhor, pensar melhor, comunicarmo-nos melhor, emocionarmo-
nos melhor, talvez até adorar melhor. Nossos sonhos são provavelmente mais vívidos,
nosso riso mais intenso, nossa empatia mais profunda.
Isso nos leva, porém, direto de volta ao mentalismo, igualando um chimpanzé
com um aprendiz de gente. Os mentalistas modernos têm tentado diligentemente ensinar
animais a “falar”. Washoe (um chimpanzé), Koko (um gorila), Kanzi (um bonobo) e
Alex (um papagaio) têm se saído extraordinariamente bem. Eles aprenderam centenas
de palavras, em geral na forma da linguagem de sinais, e aprenderam a combiná-las em
frases primitivas. Todavia, como assinalou Herbert Terrace depois de fazer o mesmo
com um chimpanzé chamado Nim Chimpsky, o que todos estes experimentos nos
ensinam é como esses animais são ruins em linguagem. Eles raramente chegam aos pés
de uma criança de dois anos, e parecem incapazes de usar a sintaxe e a gramática,
exceto acidentalmente. Como Stalin parece ter dito da força militar, a quantidade tem
uma qualidade toda sua. Somos tão melhores do que o mais inteligente dos chimpanzés
em linguagem que isso pode ser chamado de diferença de tipo e não de grau. Não é o
mesmo que dizer que não há fundamentos e homologias na comunicação animal, mas
que a asa de um morcego tem homologia com o pé dianteiro de um sapo, e um sapo não
pode voar. Concordar que a linguagem é uma diferença qualitativa não implica que
possamos excluir a criação nos seres humanos, contudo. As trombas são específicas dos
elefantes. Cuspir veneno é típico das cobras. A singularidade não é singular.
Então o que somos nós, similares aos macacos ou diferentes dos macacos? As
duas coisas. O argumento sobre o excepcionalismo humano, hoje como nos tempos
vitorianos, está atolado em uma confusão simples. As pessoas ainda insistem que seus
oponentes devem assumir um lado: ou somos animais instintivos, ou somos seres
conscientes, mas não podemos ser os dois. Porém, tanto a similaridade como a diferença
podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Você não tem de abandonar o que existe de
iniciativa humana quando aceita o parentesco de nossa mente com a dos macacos. 17
Nem a similaridade nem a diferença vence; elas coexistem. Deixe que alguns cientistas
estudem as similaridades enquanto outros estudam as diferenças. É hora de
abandonarmos o que a filósofa Mary Midgley chamou de “a estranha segregação de
seres humanos de seu parentesco, que tem deformado muito o pensamento iluminista”.
18

O SEXO E SEUS EFEITOS

Há uma forma em que o comportamento parece evoluir de maneira diferente da


anatomia. No caso da anatomia, a maioria das similaridades é o resultado de
descendência comum, ou do que os evolucionistas denominam inércia filogenética. Por
exemplo, os seres humanos e os chimpanzés têm cinco dedos em cada mão e em cada
pé. Não é assim porque cinco é um número perfeito para o estilo de vida das duas
espécies, mas porque, entre os primeiros anfíbios, aconteceu de ter cinco dedos e seus
descendentes, de sapos a morcegos, não alteraram esse padrão básico. Alguns, como
pássaros e cavalos, têm menos dedos, mas nenhum dos primatas é assim.
O mesmo não é válido em relação ao comportamento social. De modo geral, os
etólogos têm descoberto muito pouca inércia filogenética nos sistemas sociais. Espécies
estreitamente relacionadas podem ter organização social muito diferente se vivem em
habitats diferentes ou comem alimentos diferentes. Parentes distantes podem ter muitos
sistemas sociais similares por evolução convergente se habitam nichos ecológicos
similares. O fato de duas espécies mostrarem comportamento similar lhe diz menos
sobre seu ancestral comum e mais sobre as pressões do ambiente que as formou. 19
Um bom exemplo é a vida sexual dos macacos antropomorfos africanos. À
medida que aprofundaram a pesquisa sobre a vida dos antropomorfos, os
primatologistas descobriram que, junto com as similaridades, estavam alguns contrastes
intrigantes. Estes contrastes tiveram um relevo maior nos estudos de George Shaller e
Diane Fossey com os gorilas, Birute Galdikas com os orangotangos e os estudos mais
recentes de Takayoshi Kano com os bonobos. No zoológico um chimpanzé parece um
pouco com um pequeno gorila. Esqueletos dos grandes chimpanzés têm sido
confundidos com o de pequenos gorilas. No meio selvagem, contudo, há uma diferença
acentuada em seu comportamento. Tudo começa com a dieta. Os gorilas são herbívoros,
comendo os caules e folhas de plantas verdes como urtiga ou junco, além de algumas
frutas. Os chimpanzés são principalmente frugívoros, procurando por frutas nas árvores,
mas acrescentando formigas, cupins ou carne de macaco quando podem. Esta diferença
na dieta dita uma. diferença na organização social. As plantas são abundantes, mas não
muito nutritivas. Para prosperar com elas, um gorila deve passar quase o dia todo
comendo, e não pode se mover para muito longe. Isso torna um grupo de gorilas muito
estável e fácil de defender. Isso, por sua vez, leva os gorilas a evoluir em uma estratégia
de acasalamento polígama: cada macho pode monopolizar um pequeno harém de
fêmeas e seus jovens imaturos, expulsando outros machos.
As frutas, contudo, aparecem imprevisivelmente em diferentes lugares. Os
chimpanzés precisam explorar grandes áreas para ter certeza de encontrar uma árvore
frutificando. Entretanto, quando uma árvore é encontrada, há muita comida, e os
animais podem compartilhar seu território com muitos outros chimpanzés. Porém,
devido ao tamanho do território, esses grupos com freqüência se dividem
temporariamente. Em conseqüência, para o chimpanzé macho, a estratégia da poligamia
não funciona. A única forma de controlar o acesso a um grande grupo de fêmeas é
dividir o trabalho com outros machos. Daí os favores sexuais de um bando de
chimpanzés compartilhados entre uma aliança de machos. Um deles se torna o macho
“alfa” e tem a parcela maior de acasalamentos, que, entretanto, não monopoliza.
Essa diferença no comportamento social, gerada por uma diferença na dieta, era
completamente insuspeitada até a década de 1960. E foi somente na década de 1980 que
uma conseqüência impressionante ficou clara. A diferença deixou sua marca na
anatomia das duas espécies de macacos. Para os gorilas, as recompensas reprodutivas de
ter um harém de fêmeas são tão grandes que os machos que assumem grandes riscos
para consegui-las geralmente têm se revelado ancestrais mais fecundos que os machos
com uma atitude mais cautelosa. E um risco que vale a pena correr é atingir um grande
tamanho — muito embora requeira muita comida para se conseguir um corpo grande.
Conseqüentemente, um gorila macho adulto pesa cerca de duas vezes mais que uma
fêmea.
Entre os chimpanzés, os machos não estão sob tal pressão para serem grandes.
Para começar, ser grande demais dificulta subir em árvores, e isso significa que você
passa mais tempo comendo. Melhor ser somente um pouco maior que uma fêmea e usar
a astúcia e a força para ascender ao topo da hierarquia. Além disso, não tem sentido
tentar eliminar todos os rivais sexuais, porque você às vezes precisará deles como
aliados para defender seu território. Contudo, como a maioria das fêmeas está
acasalando com grupos de machos do bando, os chimpanzés machos que mais
freqüentemente se tornaram ancestrais eram, no passado, aqueles que ejaculavam com
mais freqüência e mais volume. A competição entre chimpanzés machos continua
dentro da vagina da fêmea, na forma de competição de espermatozóides.
Conseqüentemente, os chimpanzés machos têm testículos gigantescos e uma energia
sexual prodigiosa. Como proporção do peso corporal, os testículos dos chimpanzés são
16 vezes maiores que os testículos dos gorilas. E um chimpanzé macho faz sexo com
uma freqüência aproximadamente cem vezes maior que a de um gorila.
Há mais uma conseqüência. O infanticídio é comum entre os gorilas, bem como
em muitos primatas. Um macho solteiro se infiltra no harém, agarra um bebê e o mata.
Isto tem dois efeitos sobre a mãe do bebê (além de lhe causar um grande sofrimento,
embora passageiro): primeiro, ao suspender a lactação, leva-a de volta ao estro;
segundo, convence-a de que precisa de um novo senhor de harém que seja mais
eficiente na proteção de seus bebês. E que escolha seria melhor que o atacante? Então
ela deixa seu macho e se casa com o assassino de seu filho. O infanticídio traz
recompensas genéticas para os machos, que portanto tornam-se ancestrais mais
fecundos que os machos que não matam bebês; daí a maioria dos gorilas modernos
descenderem de assassinos. O infanticídio é um instinto natural nos gorilas machos.
Mas as fêmeas chimpanzés “inventaram” uma contra-estratégia que evita com
vantagem o infanticídio: elas compartilham amplamente seus favores sexuais. O
resultado é que qualquer macho ambicioso, se quiser começar seu reinado com uma
farra homicida, pode estar matando um de seus próprios filhos. Os machos que evitam
matar bebês deixam portanto mais descendentes. Para confundir a paternidade,
seduzindo muitos machos que são possíveis pais, as fêmeas evoluíram intumescimentos
sexuais exagerados em seus traseiros rosa para divulgar seus períodos férteis. 20
O tamanho dos testículos de um chimpanzé é uma estatística irrelevante se tomada
isoladamente. Só faz sentido em comparação com os testículos do gorila. Esta é a
essência da ciência da anatomia comparativa. E tendo visto duas espécies de macacos
africanos desta forma, por que não incluir uma terceira? Os antropólogos gostam de
afirmar uma diversidade quase sem limites de comportamentos nas culturas humanas,
mas não há cultura humana tão extrema que sequer se compare com o sistema social de
chimpanzés ou gorilas. Nem mesmo a mais polígama sociedade humana é
exclusivamente organizada em haréns transferidos de um macho para outro. Os haréns
humanos são construídos um por um, de forma que a maioria dos homens, mesmo em
sociedades que estimulam a poligamia, somente tem uma esposa. Da mesma forma,
apesar das várias tentativas de inventar comunidades de amor livre, ninguém conseguiu
realizar, para não dizer manter, uma sociedade em que cada homem tem curtos casos
repetidos com todas as mulheres. A verdade é que a espécie humana tem um sistema de
acasalamento tão típico como qualquer outro: caracterizado por longos vínculos, em
geral monógamos, mas ocasionalmente polígamos, presentes em um grande bando
semelhante ao dos chimpanzés, ou uma tribo. Da mesma forma, embora haja um
tamanho variável de testículos entre os homens, não há homem vivo cujos testículos
(como uma proporção do peso corporal) sejam tão pequenos quanto os do gorila ou tão
grandes quanto os do chimpanzé. Como proporção do peso corporal, nossos testículos
são quase cinco vezes maiores que os dos gorilas e têm um terço do tamanho dos
testículos dos chimpanzés. Isto é compatível com uma espécie monógama que mostra
um certo grau de infidelidade da fêmea. A diferença entre as espécies é a sombra da
similaridade dentro das espécies.
Uma explicação intrigante para a formação humana de casais mais uma vez
remete à comida, O primatologista Richard Wrangham atribui isso ao cozimento. O
domínio do fogo e sua adoção para o cozimento — que é a forma de pré-digestão da
comida — gera uma necessidade menor de mastigar. Evidências sugestivas do uso
controlado do fogo remontam agora a 1,6 milhão de anos atrás, mas evidências
circunstanciais indicam que pode ter acontecido antes. Por volta de 1,9 milhão de anos
atrás, os dentes dos ancestrais humanos encolheram, ao mesmo tempo em que o
tamanho do corpo das fêmeas aumentou. Isso indica uma dieta melhor e mais facilmente
digerida, o que por sua vez remete ao cozimento. Mas cozinhar requer que se colete e
traga para casa o alimento, o que teria proporcionado amplas oportunidades para
valentões roubarem os frutos do trabalho dos outros. Ou, uma vez que os machos eram
ao mesmo tempo muito maiores e mais fortes que as fêmeas, para os machos roubarem
alimento das fêmeas. De acordo com isso, qualquer estratégia das fêmeas que evitasse
tal roubo teria sido selecionada, e a mais óbvia era de uma única fêmea relacionar-se
com um só macho, para ajudá-la a guardar a comida que coletaram. Então, machos cada
vez mais monogâmicos não competiriam tão ferozmente com os outros por cada
oportunidade de acasalamento, o que resultaria em se tornar menores em relação às
fêmeas — e as diferenças sexuais em tamanho começaram a diminuir há 1,9 milhão de
anos. 21 Mais tarde, a formação de casais se desenvolveu em algo ainda mais profundo,
quando os seres humanos ancestrais inventaram uma divisão sexual do trabalho. Entre
todos os caçadores-coletores, os homens em geral são mais interessados na caça e
melhores nisso; as mulheres têm mais interesse na coleta, e são melhores nesta
atividade. O resultado é um nicho ecológico que combina o melhor de dois mundos — a
proteína da carne e a confiabilidade do alimento vegetal. 22
Mas, é claro, não há três espécies de macacos antropomorfos africanos; há quatro.
Os bonobos que vivem no sul do rio Congo podem parecer chimpanzés, mas evoluíram
separadamente por 2 milhões de anos, desde que o rio dividiu seus ancestrais em dois.
Como os chimpanzés, eles comem frutas; como os chimpanzés, eles vivem em grandes
territórios compartilhados por bandos de muitos machos. Segue-se que sua vida sexual e
o tamanho de seu testículo devem ser como os dos chimpanzés. Mas, como que para nos
ensinar humildade científica, eles são surpreendentemente diferentes. Nos bonobos, em
geral as fêmeas são capazes de dominar e intimidar os machos. Elas fazem isso
formando coalizões e auxiliando umas às outras. Um macho bonobo com problemas
pode contar com o apoio de sua mãe mais do que com o de seus amigos machos. Uma
fêmea bonobo adulta, apoiada por suas melhores amigas, em geral pode superar
qualquer macho. 23
Mas por quê? O segredo da irmandade de fêmeas bonobo está no sexo. O laço
entre duas melhores amigas é solidificado por acessos freqüentes e intensos de “hoka-
hoka’, que os cientistas, sem nenhum romantismo, traduzem como esfregação genital-
genital. Sob a regra benéfica de irmandades cooperativas e amorosas, a sociedade dos
bonobos mais parece uma fantasia feminista que algo real. É uma estranha coincidência
que isto só passasse a ser compreendido na década de 1980, quando a ciência
tendenciosamente masculina estava sendo contestada. (A mente se espanta com a idéia
de como os vitorianos teriam descrito o hoka-hoka.)
Como previsto pela doutrina feminista, os machos bonobos têm reagido ao novo
regime de dominação das fêmeas evoluindo em uma natureza mais suave e mais gentil.
Há muito menos luta e gritos, e até agora são desconhecidos os ataques assassinos a
membros de outros bandos. Uma vez que as fêmeas bonobos são ainda mais
sexualmente ativas que os chimpanzés e fazem sexo com uma freqüência quase dez
vezes maior (e mil vezes mais freqüentemente que os gorilas), a melhor estratégia para
o macho bonobo ambicioso, para manter a qualidade de pai, é poupar sua energia para o
quarto de dormir, e não para o ringue de boxe. Gostaria de poder contar a você que os
testículos dos bonobos são ainda maiores que os dos chimpanzés, mas — embora eles
certamente sejam muito grandes ninguém ainda conseguiu pesá-los. 24 Em seu livro
Sexual Selections, Marlene Zuk descreve como a descoberta oportuna da vida sexual
dos bonobos tornou-os a mais recente celebridade animal, suplantando os golfinhos, que
mancharam muito sua imagem eco-amigável tolerando algo que parece muito com rapto
e estupro de gangue. Inevitavelmente, os terapeutas sexuais começaram a trombetear o
“jeito bonobo” de fazer sexo. A Dra. Susan Block (do Instituto Dra. Susan Block para
as Artes e Ciências Eróticas em Beverly Hills) proclama que estes “macacos mais
traídos da terra” são modelos para nós todos, se quisermos viver em paz. “Libere seu
bonobo interno”, insiste ela. “Você não pode travar uma guerra muito bem enquanto
está tendo um orgasmo.” Ela promete destinar uma parte dos lucros de seu programa de
tevê e da Internet, de hedonismo ético , para a preservação dos bonobos. 25
Estes são apenas nossos primos mais próximos. Os macacos antropomorfos da
Ásia — os orangotangos e gibões — têm uma vida sexual inteiramente diferente. Como
fazem as muitas e várias espécies de macacos, apresentando uma variedade atordoante
de estratagemas sociais e sexuais, cada um deles é adaptado a seu hábitat e seu
alimento. Quarenta anos de primatologia de campo confirmaram que somos uma
espécie única, completamente diferente de qualquer outra. Não há um paralelo exato
para o esquema humano. Mas, no reino animal, não há nada de excepcional em ser
único. Toda espécie é única.

ENTRA A GENÉTICA

O debate sobre o excepcionalismo humano, oscilando entre a similaridade darwinista e


a diferença cartesiana, não mostra sinais de término. Cada geração é fadada a travar as
mesmas velhas batalhas. Se você chegasse ao mundo em uma época em que as pessoas
tivessem perdido um pouco da similaridade antropomórfica, poderia encontrar um novo
argumento para como os animais são diferentes das pessoas. Se o ambiente está cheio
de diferença, então você pode defender as similaridades. A filosofia é esta: eternamente
deslocado e ocasionalmente perturbado por novos fatos.
Então surge uma ameaça inesperada para este debate agradável. A ameaça de uma
solução. A ameaça de definir de uma vez por todas, em seu âmago, qual é a diferença
entre uma pessoa e um chimpanzé; o que você teria a ver com um chimpanzé para
torná-lo uma pessoa.
Aconteceu ao mesmo tempo em que Jane Goodall estava solapando o
excepcionalismo do comportamento humano. Quase completamente esquecido, até ser
redescoberto na década de 1960, estava o experimento extraordinário de um
californiano chamado George Nuttall, em 1901, na Universidade de Cambridge. Ele
percebeu que quanto mais duas espécies são relacionadas mais seu sangue produz a
mesma reação imune em um coelho. Ele injetou repetidamente sangue proveniente de
um macaco em um coelho por algumas semanas; alguns dias depois da última injeção,
extraiu soro do sangue do coelho. O soro, misturado com o sangue de um macaco,
tornou-se espesso como resultado da reação imune. Misturado com o sangue de um
animal diferente, ele se espessou mais, de acordo com o grau de proximidade entre as
espécies. Desta forma, Nuttall entendeu que os seres humanos eram mais relacionados
com os chimpanzés do que com micos. Isso devia ser óbvio a partir da falta de um rabo
e outras características, mas ainda era controverso na época.
Em 1967, em Berkeley, Vincent Sarich e Allan Wilson reviveram as técnicas
bioquímicas de Nuttall de uma forma mais sofisticada e usaram-nas para construir um
“relógio molecular” que medisse o tempo transcorrido desde que duas espécies tinham
compartilhado um ancestral comum. Eles concluíram que os seres humanos
compartilharam um ancestral comum com os grandes macacos não há 16 milhões de
anos, como se pensava na época, mas somente a cerca de 5 milhões de anos, Os
antropólogos, cujos fósseis implicavam uma cisão mais antiga, reagiram com desdém.
Sarich e Wilson não largaram suas armas. Em 1975, Wilson pediu à sua aluna Marie-
Claire King para repetir o exercício para o DNA a fim de descobrir as diferenças
genéticas entre seres humanos e macacos antropomorfos. Ela voltou decepcionada. Era
impossível encontrar diferenças, disse ela, porque o DNA do homem e do chimpanzé
era desconcertantemente similar: perto de 99% do DNA de um ser humano era idêntico
ao de um chimpanzé. Wilson vibrou: a similaridade era mais empolgante que a
diferença.
Este número oscilou um pouco desde a década de 1970. A maior parte das
estimativas o coloca em 98,5%, embora dois estudos detalhados recentes de trechos
reais do genoma cheguem a um número de 98,76%. 26 Contudo, como 98,5% havia
penetrado na consciência pública, Roy Britten escreveu um artigo dramático em 2002
mostrando que o número era completamente errado. Ele confirmou que, se se contar
somente as substituições — isto é, as letras no texto que são diferentes entre os genes de
chimpanzés e humanos — haverá um número de 98,6%. Mas, se se acrescentar as
inserções ou deleções textuais, o número cai para 95%. 27
Pouco importava. Ainda era um choque terrível para a ciência descobrir como a
distância genética entre duas espécies era pequena. “A similaridade molecular entre
chimpanzés e seres humanos é extraordinária porque eles diferem muito mais que outras
espécies [estreitamente relacionadas] na anatomia e na forma de viver”, escreveram
King e Wilson. 28 Um choque muito maior estava por vir em 1984, quando Charles
Sibley e Jon Ahlquist, em Yale, descobriram que o DNA de chimpanzé tem mais
semelhança com o DNA humano do com o DNA de gorila. 29 Este foi um momento de
destronamento humano semelhante a Copérnico colocando a Terra no sistema solar,
como qualquer outro planeta. Sibley e Ahlquist colocaram a espécie humana na família
dos antropomorfos, como qualquer outro macaco antropomorfo. Depois de ter nossa
própria linhagem de macacos antropomorfos distinta se estendendo a 16 milhões de
anos, agora éramos forçados a admitir que não só compartilhávamos um ancestral
comum há não muito mais que 5 milhões de anos, como éramos também o ramo mais
recente da família. Nosso ancestral comum com os chimpanzés viveu depois do
ancestral comum de ambos com o gorila, e muito tempo depois do ancestral comum dos
três com o orangotango. Pode parecer inacreditável, mas os chimpanzés são mais
relacionados com os seres humanos do que com os gorilas (uma conclusão que não se
alterou com uma nova análise do número exato, feita por Britten). Nada na anatomia ou
no registro fóssil dos macacos africanos sugeria essa possibilidade. Os seres humanos
não são tão peculiares assim.
O tempo amorteceu estes choques. Mas outros virão. Ler o DNA de um ser
humano, junto com o de um chimpanzé, pode definir de uma vez por todas a diferença
entre eles. Na época em que estava escrevendo este livro, o genoma completo do
chimpanzé ainda não estava disponível. Mesmo quando estiver, poderá ser difícil definir
quais são as diferenças que importam. O genoma humano contém cerca de 3 bilhões de
“letras” do código. Estritamente falando, estas são as bases químicas de uma molécula
de DNA mas, uma vez que é a sua ordem, e não suas propriedades individuais, que
determina o que elas produzem, as bases podem ser tratadas como informação digital. A
diferença entre dois indivíduos humanos equivale, em média, a 0,1%; assim, há 3
milhões de letras diferentes entre mim e meu vizinho. A diferença entre um ser humano
e um chimpanzé é cerca de 15 vezes maior, ou 1,5%. Isso equivale a 45 milhões de
letras. Isto é cerca de dez vezes mais letras que em toda a Bíblia, ou 75 livros do
tamanho deste aqui. O livro das diferenças digitais entre nossas duas espécies, ainda não
escrito, encheria 3 metros de prateleira. (Já a prateleira das similaridades teria 227
metros.)
Vejamos de outra forma. Os cientistas agora calculam que há cerca de 30.000
genes humanos. Isto é, espalhados pelo genoma há 30.000 trechos distintos de
informação digital que são diretamente traduzidos em maquinaria protéica para
construir o corpo e fazê-lo funcionar: um gene é a receita de uma proteína. É quase
certo que os chimpanzés têm aproximadamente o mesmo número de genes. Uma vez
que 1,5% de 30.000 são 450, então infere-se que provavelmente temos 450 genes
humanos singularmente diferentes. Não é um número muito grande. Os demais 29.550
genes são idênticos em nós e nos chimpanzés. Mas isso é verdadeiramente muito
improvável. É possível que não haja diferenças entre cada gene humano e cada gene do
chimpanzé, mas que apenas 1,5% de seu texto seja diferente. A verdade está em algum
lugar entre as duas coisas. Muitos genes serão idênticos em espécies relacionadas;
muitos serão ligeiramente diferentes. Alguns poucos serão completamente diferentes.
A diferença mais visível é que todos os macacos antropomorfos têm um par de
cromossomos a mais que as pessoas. É bastante simples descobrir o motivo: em algum
momento do passado, dois cromossomos de macaco de porte médio se fundiram nos
ancestrais dos seres humanos, formando o grande cromossomo humano conhecido
como cromossomo 2. Este é um rearranjo surpreendente, e quase certamente significa
que um híbrido chimpanzé-humano seria estéril, se pudesse sobreviver. Pode ter
ajudado a criar o que os evolucionistas delicadamente chamam de isolamento
reprodutivo entre as espécies do passado.
Mas o rearranjo dos cromossomos não implica necessariamente a existência de
texto genético naquele local. Embora o genoma do chimpanzé ainda seja amplamente
desconhecido, já se conhecem diferenças textuais significativas entre os genes humanos
e de chimpanzés (ou outro par). Por exemplo, embora as pessoas tenham uma mistura
de grupos sangüíneos A, B ou O, os chimpanzés têm somente A e O, enquanto os
gorilas têm somente o grupo B. Da mesma forma, há três variantes comuns de um gene
humano chamado APOE, e os chimpanzés têm somente uma — a variante mais
associada com a doença de Alzheimer nas pessoas. Parece haver uma diferença distinta
na forma como os hormônios tireoidianos funcionam nas pessoas, comparando-se com
outros macacos antropomorfos. O significado disso é desconhecido. E uma família de
genes no cromossomo 16 tem sofrido diversos surtos de duplicação nos antropomorfos
depois que eles se separaram da linhagem dos macacos há 25 milhões de anos. Cada
conjunto destes chamados genes “morpheus” divergiu rápida e seqüencialmente uns dos
outros nos seres humanos e daqueles de outros antropomorfos — evoluindo a
aproximadamente vinte vezes a taxa normal. Alguns destes genes morpheus podem ser
descritos como genes exclusivamente humanos. Mas exatamente o que fazem estes
genes, ou por que eles estão evoluindo separadamente e tão rápido nos macacos
antropomorfos, ainda é um mistério. 30
A maior parte destas diferenças é também variável nas pessoas; não há nada aqui
que seja exclusivo do ser humano de modo geral. Em meados dos anos 90, contudo, foi
descoberta a primeira característica universal geneticamente exclusiva de todas as
pessoas e ausente em todos os macacos. Vários anos antes, um professor de medicina de
San Diego chamado Ajit Varki ficou intrigado com uma única forma de alergia humana:
uma alergia a um tipo particular de açúcar (um certo “ácido siálico”) encontrado ligado
a proteínas no soro animal. Esta reação imune é parcialmente responsável pela grave
reação que com freqüência as pessoas têm a soro eqüino usado como antídoto contra
veneno de cobra, por exemplo. Nós, seres humanos, simplesmente não podemos tolerar
esta versão “Gc” do ácido siálico, porque não a temos no corpo. Varki, junto com Elaine
Muchmore, logo descobriu a causa ao observar que, ao contrário dos seres humanos, os
chimpanzés e outros grandes macacos têm Gc. O corpo humano não produz ácido
siálico Gc porque carece da enzima para sintetizá-lo a partir de ácido siálico Ac. Sem a
enzima, os seres humanos não podem acrescentar um átomo de oxigênio à forma Ac.
Todos os seres humanos carecem da enzima, mas todos os macacos a têm. Esta foi a
primeira diferença bioquímica verdadeiramente universal entre nós e eles.
Adequadamente, no fim de um milênio em que nos vimos humilhantemente rebaixados
do centro do universo e a preferência de Deus ia para outro primata, Varki agora parecia
sugerir que diferíamos por apenas um átomo em uma simples molécula de açúcar: e por
uma omissão nesta molécula! Não é um lugar muito promissor para a alma.
Em 1998, Varki entendeu por que éramos peculiares: faltavam uma seqüência de
92 letras e um gene que codifica para a enzima que produz Gc chamado CMAH no
cromossomo 6 dos seres humanos. Em seguida ele descobriu como o gene fora perdido.
Bem no meio do gene estava uma seqüência Alu, uma espécie de “gene de salto”, de um
tipo que infesta nosso genoma. No genoma do macaco antropomorfo, há um Alu
diferente e mais antigo, mas o Alu do gene humano era de uma seqüência que se sabia
ser exclusiva de seres humanos. 31 Assim, algum tempo depois da divergência da
linhagem humana e dos chimpanzés, esse Alu fez o que faz melhor, isto é, saltar para o
gene CMAH, ocupar o lugar do Alu mais antigo e acidentalmente remover o trecho de
92 letras do gene que estava por ali. (Se isso parece um nonsense genético, experimente
pensar desta forma: um vírus de computador destruiu um de seus arquivos.)
Inicialmente, a descoberta de Varki suscitou um grande bocejo da comunidade
científica. Então, disseram eles, você descobriu um gene que malogrou nos seres
humanos mas não nos macacos. Grande coisa. Varki não desanimou facilmente, e agora
ele estava interessado em todo o tema da diferença homem-macaco. A primeira questão
era localizar quando a mutação tinha acontecido, O DNA não pode ser recuperado de
fósseis antigos de ancestrais humanos, mas o ácido siálico pode. Ele descobriu que os
neandertais eram como nós, por terem Ac e não Gc, mas todos os fósseis mais antigos
(de Java e do Quênia) eram de climas mais quentes e seus ácidos siálicos tinham
degradado demais. Contudo, ao contar o número de mudanças no gene humano CMAH
extinto, e usando um relógio molecular, seu colega Yuki Takahata conseguiu estimar
que a mudança aconteceu por volta de 2,5 ou 3 milhões de anos atrás, em alguns seres
humanos que agora são os ancestrais de todas as pessoas vivas.
Varki começou a investigar outras possíveis conseqüências da mutação. A maioria
dos outros animais parecia ter o gene ativo, até os ouriços-do-mar; mas se o gene era
“desativado” no embrião de um camundongo, o camundongo crescia saudável e fértil, O
ácido siálico é um açúcar encontrado do lado de fora das células, como uma espécie de
flor crescendo na superfície celular. É um dos primeiros alvos de patógenos infecciosos,
inclusive botulismo, malária, gripe e cólera. A ausência de uma das formas comuns de
ácido siálico pode nos tornar mais ou menos vulneráveis a estas doenças do que nossos
parentes macacos antropomorfos (os açúcares de superfície celular parecem ser uma
espécie de primeira linha de defesa do sistema imunológico). Mas a coisa mais
intrigante sobre a forma Gc do ácido siálico é que ela é facilmente encontrada em todo o
corpo dos mamíferos, exceto no cérebro. O gene de Varki é quase inteiramente inativo
no cérebro de mamíferos. Deve haver algum motivo para que você não possa operar
adequadamente um cérebro de mamífero a menos que desative este gene quase
completamente. Talvez, imaginou Varki, a expansão do cérebro humano, que acelerou
por volta de 2 milhões de anos atrás, tenha possibilitado seguir adiante e desativar o
gene em todo o corpo. Ele admite que é uma “idéia desvairada” para a qual não tem
provas; ele está em território inexplorado. O que é intrigante, ele descobriu outro gene
relacionado com o processamento de ácido siálico que também está desativado em seres
humanos. 32
Mesmo uma pesquisa esotérica como esta pode ter conseqüências práticas. Ela dá
um forte motivo para o abandono da idéia do xenotransplante, o transplante de órgãos
animais para pessoas: as reações alérgicas aos açúcares Gc dos órgãos animais é quase
inevitável. Uma vez que vestígios de ácido siálico Gc podem ser encontrados em tecidos
humanos, presumivelmente provenientes de alimento animal, Varki tem bebido
recentemente ácido siálico Gc diluído para testar como seu corpo lida com ele. Ele se
pergunta se algumas das doenças que são causadas pela ingestão de “carne vermelha”
podem estar associadas com a presença desta versão animal do açúcar. Mas Varki é o
primeiro a admitir que a ampla gama de diferenças entre os seres humanos e os macacos
não pode se resumir a um só tipo de molécula de açúcar.
Usamos aproximadamente o mesmo conjunto de genes de outros mamíferos, mas
conseguimos resultados diferentes com eles. Como pode ser isso? Se dois conjuntos de
genes quase idênticos podem produzir animais de aparência tão diferente como um ser
humano e um chimpanzé, então parece superficialmente óbvio que a origem da
diferença deve estar em outro lugar, em vez de nos genes. Criados como somos na
dicotomia natureza-criação, a alternativa óbvia que nos ocorre é a criação. Bem, então,
façamos o experimento óbvio. Implantemos um ovo humano fertilizado no útero de uma
macaca, e vice-versa. Se a criação é responsável pela diferença, do ser humano nascerá
um ser humano e do chimpanzé, um chimpanzé. Alguém quer ser voluntário?
Isso já foi feito, embora não com macacos. Em zoológicos, mães substitutas têm
emprestado seus úteros para fetos de outras espécies em nome da preservação. Os
resultados têm sido confusos, para dizer o mínimo. Os bois selvagens chamados gauro e
bantengue têm sido gestados em gado comum, mas até agora eles morreram logo após o
nascimento. Fracassos semelhantes são alcançados com carneiros selvagens da Córsega
em ovelhas; antílopes bongo em antílope elande; gato do deserto indiano e gato
selvagem africano em gatos domésticos; e zebra-de-grant em cavalos domesticados. O
fracasso destes experimentos em zoológicos sugere que uma mãe substituta humana não
pode portar um feto de chimpanzé até o nascimento. Mas eles pelo menos provam que,
de qualquer forma, o bebê é gestado como seu pai biológico, e não como seu pai
gestacional. Este, na verdade, é o cerne do experimento: salvar espécies raras
produzindo-as em massa em úteros de animais domésticos. 33
O resultado é tão óbvio que o experimento parece inútil. Todos sabemos que um
embrião de asno em um cavalo desenvolverá um asno, e não um cavalo. (Os asnos e
cavalos são ligeiramente mais similares, geneticamente, que pessoas e chimpanzés.
Como as duas espécies de macacos antropomorfos, eles também diferem um do outro
no sentido de que os cavalos têm um par a mais de cromossomos. Esta disparidade no
número de cromossomos é responsável pela esterilidade das mulas, e implica que um
homem acasalado com um fêmea chimpanzé só pode gerar um bebê viável que se
tornará um macaco-pessoa estéril com considerável vigor híbrido. Apesar dos boatos de
experimentos chineses na década de 1950, ninguém parece ter tentado este experimento
simples, embora nada ético.)
E assim, o enigma se aprofunda. Os genes, não o útero, determinam nossa espécie.
Todavia, apesar de terem aproximadamente o mesmo conjunto de genes, os seres
humanos e os chimpanzés parecem diferentes. Como fazer duas espécies diferentes a
partir de um mesmo conjunto de genes? Como podemos ter um cérebro que é três vezes
maior que o de um chimpanzé, e é capaz de aprender a falar, e não temos um conjunto
extra de genes para fazer isso?
APLICANDO COMUTADORES

Não resisto a fazer uma analogia. A frase de abertura do romance David Copperfield, de
Charles Dickens, é a seguinte: “Se devo me tornar o herói de minha própria vida, ou se
esta estação não será de mais ninguém, estas páginas mostrarão.” A frase de abertura do
romance O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, diz: “Se querem mesmo
ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde nasci, como passei
a porcaria da minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda
essa lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com
vontade de falar sobre isso.” Nas páginas que se seguem, para uma aproximação,
Dickens e Salinger usam os mesmos poucos milhares de palavras. Há palavras que
Salinger usa, mas não Dickens, como elevador ou besteira. Há palavras que Dickens
usa, mas não Salinger, como coifa e impertinente. Mas elas serão poucas se comparadas
com as palavras que compartilham. Provavelmente, há pelo menos 90% de
concordância léxica entre os dois livros. Todavia são livros muito diferentes. A
diferença não está no uso de um conjunto diferente de palavras, mas no mesmo conjunto
de palavras usadas em um padrão ou ordem diferente. Da mesma forma, a origem das
diferenças entre um chimpanzé e um ser humano não está nos diferentes genes, mas no
mesmo conjunto de 30.000 genes usados em uma ordem ou padrão diferentes.
Digo isso com confiança por uma razão principal. A surpresa mais atordoante que
os cientistas tiveram quando abriram a tampa do genoma animal pela primeira vez foi a
descoberta dos mesmos conjuntos de genes em animais bem diferentes. No início dos
anos 80, os geneticistas das moscas ficaram surpresos quando descobriram um pequeno
grupo de genes, que eles chamaram de genes hox, que pareciam estabelecer um plano
corporal da mosca durante seu desenvolvimento inicial — aproximadamente dizendo
onde colocar a cabeça, as pernas, as asas e assim por diante. Mas eles estavam
completamente despreparados para o que veio a seguir. Seus colegas que estudavam
camundongos descobriram os mesmos genes hox, na mesma ordem, fazendo a mesma
coisa. O mesmo gene diz ao embrião de camundongo onde (mas não como) desenvolver
costelas, como diz ao embrião de mosca onde desenvolver asas: você pode até trocá-lo
entre as espécies. Nada tinha preparado os biólogos para este choque. Ele significou,
com efeito, que o plano básico do corpo de todos os animais tinha sido definido no
genoma de um ancestral extinto há muito tempo, que viveu há mais de 600 milhões de
anos e foi preservado desde então em seus descendentes (e isso inclui você).
Os genes hox são as receitas para proteínas chamadas “fatores de transcrição”, o
que significa que sua tarefa é “ativar” outros genes. Um fator de transcrição funciona
ligando-se a uma região do DNA denominada promotor. 34 Em criaturas como as
moscas e as pessoas (ao contrário de uma bactéria, digamos), os promotores consistem
em cinco trechos separados do código de DNA, em geral na parte superior do gene, às
vezes na parte inferior. Cada uma destas seqüências atrai um tipo diferente de fator de
transcrição, que por sua vez inicia (ou bloqueia) a transcrição de um gene. A maioria
dos genes não será ativada até que vários de seus promotores tenham apanhado os
fatores de transcrição. Cada fator de transcrição é um produto de outro gene, presente
em algum lugar do genoma. A função de muitos genes é, portanto, ajudar a ativar ou
desativar outros genes. E a suscetibilidade de um gene a ser ativado ou desativado
depende da sensibilidade de seus promotores. Se seus promotores mudaram, ou
alteraram a seqüência de forma que os fatores de transcrição os encontrem mais
facilmente, o gene pode ser mais ativo. Ou, se a mudança fez com que os promotores
atraíssem fatores de bloqueio de transcrição em vez daqueles que a intensificam, o gene
pode ser menos ativo.
Pequenas mudanças no promotor podem, assim, ter efeitos sutis na expressão do
gene. Talvez os promotores sejam mais como termostatos do que como comutadores. Ë
aqui, nos promotores, que os cientistas esperam descobrir a maior mudança evolutiva
em animais e plantas — em contraste agudo com as bactérias. Por exemplo, os
camundongos têm pescoço curto e o corpo longo; as galinhas têm pescoço longo e o
corpo curto. Se você contar as vértebras do pescoço e do tórax de uma galinha e de um
camundongo, descobrirá que o camundongo tem sete vértebras no pescoço e 13
torácicas; a galinha tem 14 e sete, respectivamente. A origem desta diferença está em
um dos promotores ligados a um dos genes hox, o Hoxc8, um gene encontrado em
camundongos e galinhas, cuja tarefa é ativar outros genes que determinam detalhes do
desenvolvimento. O promotor é um parágrafo de 200 letras do DNA e tem um punhado
de letras diferentes nas duas espécies. Na verdade, uma mudança em algumas letras,
mesmo em apenas duas, pode ser o bastante para fazer toda a diferença. O efeito é
alterar ligeiramente a expressão do gene Hoxc8 no desenvolvimento do embrião da
galinha. No embrião da galinha, o gene é expresso em uma parte mais limitada da
espinha, dando ao animal um tórax mais curto, se comparado com o camundongo. Uma
vez que o desenvolvimento começa na cabeça, isso significa que a galinha terá mais
vértebras no pescoço que o camundongo. 35 Na píton, o Hoxc8 é expresso a partir da
cabeça e vai sendo expresso para a maior parte do corpo. Assim, a píton consiste em um
longo tórax — ela tem costelas em todo o corpo. 36
A beleza do sistema é que o mesmo gene pode ser reutilizado em diferentes
lugares e em diferentes momentos simplesmente colocando um conjunto de promotores
diferentes ao lado dele. O gene “eve” nas moscas-da-fruta, por exemplo, cuja tarefa é
ativar outros genes durante o desenvolvimento, é ativado em pelo menos dez ocasiões
distintas durante a vida da mosca, e tem oito promotores diferentes ligados a ele, três
acima do gene e cinco abaixo. Cada um destes promotores requer de dez a 15 proteínas
ligadas a ele para que a expressão do gene seja ativada. Isso, aliás, parece ser um bom
motivo para o fato humilhante de que em geral as plantas têm mais genes que os
animais. Em vez de reutilizar o mesmo gene acrescentando um novo promotor a ele,
uma planta reutiliza um gene duplicando todo o gene e mudando o promotor na versão
duplicada. Os 30.000 genes humanos provavelmente são usados pelo menos duas vezes
em muitos contextos durante o desenvolvimento graças às baterias de promotores. 37
Para fazer grandes mudanças no plano de corpo de animais, não é necessário
inventar novos genes, como também não há necessidade de inventar novas palavras para
escrever um romance original (a não ser que seu nome seja Joyce). Tudo o que você
precisa fazer é ativar e desativar os mesmos genes em diferentes padrões. Subitamente,
aqui está um mecanismo para criar grandes e pequenas mudanças evolutivas a partir de
pequenas diferenças genéticas. Basta ajustar a seqüência de um promotor, ou adicionar
um novo promotor, e você poderá alterar a expressão de um gene. E se esse gene é o
código para um fator de transcrição, então sua expressão alterará a expressão de outros
genes. Basta uma mudança minúscula e um promotor produzirá uma cascata de
diferenças para o organismo. Estas mudanças podem ser suficientes para criar toda uma
nova espécie sem alterar completamente os próprios genes. 38
De certa forma, isso é um pouco deprimente. Significa que, até que os cientistas
saibam como encontrar genes promotores no vasto texto do genoma, eles não saberão
como a receita de um chimpanzé difere da de uma pessoa. Os próprios genes lhes dirão
pouco, e a origem da singularidade humana continuará tão misteriosa como sempre foi.
Mas em outro sentido, é também animador, lembrando-nos, com mais vigor que nunca,
de uma verdade simples que é esquecida com demasiada freqüência: de que os corpos
não são feitos, eles se desenvolvem, O genoma não é um programa para a construção de
um corpo; ele é uma receita para assar um bolo. O embrião de galinha é marinado no
molho Hoxc8 por um tempo menor que o embrião de camundongo. Esta é uma metáfora
a que devo retornar freqüentemente neste livro, por ser uma das melhores maneiras de
explicar por que natureza e criação não são opostas, mas trabalham juntas.
Como ilustra a história do hox, os promotores do DNA se expressam na quarta
dimensão: seu timing é tudo. Um chimpanzé tem uma cabeça diferente da cabeça de um
ser humano não porque tem um programa diferente para a cabeça, mas porque ele
desenvolve as mandíbulas por mais tempo e o crânio por menos tempo que o ser
humano. A diferença está toda no timing.
O processo de domesticação, pelo qual o lobo foi transformado no cão, ilustra o
papel dos promotores. Na década de 1960, um geneticista chamado Dmitri Beliaev
estava administrando uma imensa fazenda de criação de animais de pele perto de
Novosibirsk, na Sibéria. Ele decidiu tentar criar raposas domesticadas, porque, embora
tivessem um bom manejo e já fossem mantidas em cativeiro havia muitas gerações, as
raposas eram criaturas nervosas e tímidas na fazenda de peles (com bons motivos,
presumivelmente). Assim, Beliaev começou a selecionar, como estoque de criação, os
animais que permitiam a maior proximidade dele antes de fugir. Depois de 25 gerações,
ele na verdade teve muitas raposas domesticadas, que, longe de fugirem, aproximavam-
se dele espontaneamente. A nova raça de raposas não só se comportava como cães, elas
pareciam cães: sua pelagem era malhada, como os collies, seu rabo se inclinava para
cima na ponta, as fêmeas tinham cio duas vezes por ano, as orelhas eram caídas, o
focinho mais curto e o cérebro menor que o das raposas selvagens. A surpresa foi que,
meramente selecionando para a domesticação, Beliaev chegara por acaso a todas as
características que o domesticador original do lobo tinha conseguido — e era
provavelmente a mesma raça do próprio lobo, que tinha desenvolvido a capacidade de
não fugir com muita rapidez do lixo dos homens antigos quando eram perturbados. A
inferência é que tinha ocorrido uma mudança no promotor que afetou não um, mas
muitos genes. Na verdade, é bastante óbvio que o que aconteceu nos dois casos foi que
o timing do desenvolvimento tinha sido alterado de modo que os animais adultos
conservaram muitas das características e hábitos de filhotes: as orelhas caídas, o focinho
mais curto, o crânio menor e o comportamento brincalhão. 39
O que parece acontecer nestes casos é que animais jovens não mostram medo nem
agressividade, e isso se desenvolve mais tarde durante o crescimento avançado do
sistema límbico, na base do cérebro. Assim, a forma mais provável de a evolução
produzir um animal amistoso ou domesticado é parar prematuramente o
desenvolvimento do cérebro. O efeito é um cérebro menor e especialmente uma “área
13” menor, uma parte de desenvolvimento tardio do sistema límbico que parece ter a
tarefa de desinibir as reações emocionais adultas, como o medo e a agressividade. O que
é intrigante, tal processo de domesticação parece ter acontecido naturalmente nos
bonobos depois de sua separação dos chimpanzés há mais de 2 milhões de anos. Por seu
porte, o bonobo não só tem uma cabeça menor, mas também a agressividade reduzida e
várias características juvenis são mantidas na idade adulta, inclusive um tufo de cauda
anal branco, chamados agudos e genitais incomuns nas fêmeas. Os bonobos têm em
geral uma pequena área 13. 40
E assim são os seres humanos. Surpreendentemente, o registro fóssil sugere que
houve um declínio acentuado no cérebro humano durante os últimos 15.000 anos, em
parte, mas não completamente, refletindo a redução do corpo que parece ter
acompanhado a chegada de densos e “civilizados” assentamentos humanos. A isto se
seguiram vários milhões de anos de aumentos mais ou menos estáveis no tamanho do
cérebro. No Mesolítico (por volta de 50.000 anos atrás), o cérebro humano tinha em
média 1.468 cc (nas fêmeas) e 1.567 cc (nos machos). Hoje os números caíram para
1.210 cc e 1.248 cc e, mesmo admitindo uma redução no peso corporal, este parece ser
um declínio agudo. Talvez tenha havido alguma recente domesticação da espécie. Se
houve, como aconteceu? Richard Wrangham acredita que, uma vez que os seres
humanos tornaram-se sedentários, vivendo em assentamentos permanentes, eles não
podiam mais tolerar o comportamento anti-social e começaram a banir, aprisionar ou
executar indivíduos especialmente difíceis. No passado, no planalto da Nova Guiné,
mais de um em dez de todos os adultos mortos foram executados como “bruxos”
(principalmente homens). Isso pode ter significado matar os mais agressivos e
impulsivos — aqueles de maior maturidade no desenvolvimento e um cérebro maior. 41
Esta autodomesticação, contudo, parece ser um fenômeno recente em nossa
espécie e não consegue explicar as pressões seletivas que levaram à divergência dos
seres humanos de ancestrais semelhantes a chimpanzés mais de 5 milhões de anos atrás.
Mas apóia a idéia de a evolução acontecer através do ajuste de promotores de genes em
vez de nos próprios genes: daí a alteração de várias características irrelevantes
apanhadas no turbilhão de uma redução da agressividade impulsiva. 42 Enquanto isso,
de repente parece plausível compreender como o cérebro humano alcançou seu tamanho
maior, graças a um gene recentemente descoberto no cromossomo 1. Depois da
conclusão de uma represa em Mirpur, na Caxemira controlada pelo Paquistão, em 1967,
um grande número de habitantes, deslocados de suas casas, migrou para Bradford, na
Inglaterra. Eles incluíam alguns que se casaram com primos, e entre a descendência
destes casamentos estavam algumas pessoas nascidas com cérebros anormalmente
pequenos, embora normais em outros aspectos — os chamado microcéfalos. A
genealogia das famílias permitiu que os cientistas localizassem a causa em quatro
mutações diferentes, em famílias diferentes, mas todas afetando o mesmo gene: o gene
ASPM no cromossomo 1.
Em uma pesquisa posterior, uma equipe de cientistas liderados por Geoffrey
Woods, em Leeds, descobriu algo bastante extraordinário sobre o gene. É um gene
grande, com 10.434 letras e dividido em 28 parágrafos (chamados exons). Os parágrafos
16 e 25 contêm um tema característico, repetido várias vezes. A frase, em geral de 75
letras, começa com o código para os aminoácidos isoleucina e glutamina, e o
significado disso logo será revelado por mim. Na versão humana do gene, há 74 desses
temas, no camundongo há 61, na mosca-da-fruta 24 e no verme nematóide apenas 2
repetições. Notavelmente, esses números parecem ser proporcionais ao número de
neurônios no cérebro adulto do animal. 43 Ainda mais extraordinário, a abreviatura
padrão para glutamina é “Q”, e a abreviatura para isoleucina é “I”. Portanto, o número
de repetições QI pode determinar o QI relativo da espécie, o que, de acordo com
Woods, “é uma prova da existência de Deus, uma vez que somente alguém com senso
de humor podia ter arranjado essa correlação”. 44
O ASPM parece funcionar regulando o número de vezes em que as células tronco
neuronais se dividem dentro das vesículas do cérebro jovem, por volta de duas semanas
depois da concepção. Isto, por sua vez, determina quantos neurônios terá um cérebro
adulto. Ter tropeçado com um gene com o poder de decidir o tamanho cerebral de uma
forma tão simples parece bom demais para ser verdade e, quanto mais conhecimento
tivermos, indubitavelmente mais complicações serão acumuladas nesta história simples.
Mas o gene ASPM demonstra as idéias do jovem que atemorizou tanto os habitantes da
Terra do Fogo: a evolução é uma diferença de grau, e não de tipo.
A nova e desconcertante verdade que surgiu do genoma humano — de que os
animais evoluem ajustando os termostatos nos frontes dos genes, capacitando-os a
desenvolver diferentes partes de seu corpo por mais tempo — tem profundas
implicações para o debate natureza-criação. Imagine as possibilidades em um sistema
desse tipo. Você pode alterar a expressão de um gene, e o produto disso aumenta a
expressão de outro, que suprime a expressão de um terceiro, e assim por diante. E bem
no meio desta pequena rede, você pode acompanhar os efeitos da experiência. Alguma
coisa externa — educação, comida, uma luta, ou amor retribuído, digamos — pode
influenciar um dos termostatos. De repente a criação pode começar a se expressar
através da natureza.

CAPÍTULO DOIS

Uma Abundância de Instintos

Quando, como que por milagre, a adorável borboleta irrompe da crisálida alada e perfeita (...) não
há, na maior parte dos casos, nada a aprender, porque sua pequena vida flui de sua organização
como melodia de uma caixa de música.

Douglas Alexander Spalding, 1873. 1

Assim como Charles Darwin, William James era um homem de recursos. Ele herdou
uma renda particular de seu pai Henry, cujo pai, William, acumulara US$10.000 por
ano com o Canal do Erie. O perneta Henry usou sua auto-suficiência para se tornar um
intelectual, e passou grande parte da vida entre Nova York, Genebra, Londres e Paris
com seus filhos a reboque. Ele era articulado, religioso e seguro de si. Seus dois filhos
mais novos partiram para lutar na Guerra Civil, depois fracassaram nos negócios e
voltaram-se para a bebida ou a depressão. Seus dois filhos mais velhos, William e
Henry foram educados quase desde o nascimento para serem intelectuais, O resultado
foi (nas palavras de Rebecca West) que “um deles se tornou escritor de ficção, embora
fosse filosofia, e o outro escreveu filosofia embora fosse ficção”. 2
Os dois irmãos foram influenciados por Darwin. O romance de Henry, The
Portrait of a Lady, foi escrito em obediência à idéia de Darwin da escolha feminina
como uma força da evolução. 3 Principles of Psychology, de William, grande parte
publicada pela primeira vez como uma série de artigos na década de 1880, continha um
manifesto pelo nativismo — a idéia de que a mente não pode aprender a menos que
tenha rudimentos de conhecimento inato —, contrariando a moda dominante do
empirismo, a teoria de que o comportamento é modelado pela experiência. William
James acreditava que os seres humanos eram equipados com tendências inatas que não
derivavam da experiência, mas do processo darwiniano de seleção natural. “Ele nega a
experiência!”, escreveu James, citando um leitor imaginário. “Nega a ciência; acredita
que a mente é criada por milagre; é um velho adepto regular de idéias inatas! Basta!
Não ouviremos mais tal disparate antediluviano.”
William James afirmava que os seres humanos tinham mais instintos que outros
animais, e não menos. “O homem possui todos os impulsos que têm [as criaturas
inferiores], e muitas outras além destas (...). Será observado que nenhum outro
mamífero, nem mesmo o mico, mostra um leque tão amplo deles.” Ele afirmou que era
falso opor o instinto à razão:
A razão, per se, não pode inibir os impulsos; a única coisa que pode neutralizar um impulso é um
impulso no sentido contrário. A razão pode, contudo, fazer uma inferência que estimulará a
imaginação de forma a liberar o impulso no sentido contrário; e assim, embora o animal mais fértil
em razão possa também ser o animal mais fértil em impulsos instintivos, ele nunca pareceria o
autômato fatal que um animal meramente instintivo seria. 4

Esta é uma passagem extraordinária, não menos porque seu impacto no pensamento do
início do século XXI pode ser considerado quase nulo. Muito poucas pessoas, seja do
lado da natureza ou da criação, assumiram essa posição nativista extrema no século por
vir, e quase todos assumiram nos cem anos seguintes que a razão era na verdade o
oposto do instinto. Todavia James não era de opiniões extremadas. Sua obra influenciou
gerações de eruditos sobre a consciência, a sensação, o espaço, tempo, memória,
vontade, emoção, pensamento, conhecimento, realidade, individualidade, moralidade e
religião — para citar apenas os títulos de capítulos de um livro moderno sobre sua obra.
Assim, por que este mesmo livro de 628 páginas nem mesmo tem as palavras “instinto ,
impulso ou inato em seu índice? 5 Por que, por mais de um século, tem se considerado
um tanto indecente usar a palavra instinto no contexto do comportamento humano?
As idéias de James foram na verdade imensamente influentes no início. Seu
seguidor, William McDougall, criou toda uma escola de instintivistas, que se tornaram
proficientes no reconhecimento dos novos instintos humanos sob qualquer
circunstância. Proficientes até demais: a especulação ultrapassou o experimento, e muito
em breve uma contra-reforma seria inevitável. Na década de 1920, as próprias idéias
empiristas atacadas por James, incorporadas no conceito da tabula rasa, recuperaram
forças não só na psicologia (com John B. Watson e B. E Skinner), mas na antropologia
(Franz Boas), psiquiatria (Freud) e sociologia (Durkheim). O nativismo foi quase
inteiramente eclipsado até 1958, quando Noam Chomsky mais uma vez afixou seus
estatutos na porta da ciência. Em uma famosa análise de um livro sobre linguagem de
Skinner, Chomsky afirmou que era impossível que uma criança aprendesse as regras de
linguagem a partir de exemplos: a criança deve ter as regras inatas pelas quais o
vocabulário da linguagem é fixado. Mesmo assim, a tabula rasa dominou as ciências
humanas por muitos anos. Foi somente um século depois da publicação de seu livro que
a idéia de William James da singularidade dos instintos humanos foi novamente levada
a sério em um novo manifesto do nativismo, escrito por John Tooby e Leda Cosmides
(ver Capítulo 9).
Falarei mais disso posteriormente. Primeiro, uma digressão sobre teleologia. Foi o
gênio de Darwin que colocou o velho argumento teológico do projeto em sua cabeça.
Até então, o fato óbvio de que as partes do organismo parecem ser projetadas para um
propósito — o coração para bombear, o estômago para digerir, a mão para pegar —
parecia implicar logicamente um projetista, como um motor a vapor implicava a
existência de um engenheiro. Darwin viu como o processo inteiramente às avessas da
seleção natural não podia ter produzido um projeto menos premeditado — o que
Richard Dawkins chamou de relojoeiro cego. 6 Embora em teoria não tenha sentido
teleológico falar de um estômago tendo seu propósito, uma vez que o estômago não tem
mente, na prática isso faz perfeito sentido desde que você considere o equivalente
gramatical da tração nas quatro rodas, a voz passiva: os estômagos foram selecionados
para parecer que são equipados com um projeto intencional. Uma vez que eu tenho
aversão à voz passiva, pretendo evitar este problema em todo o livro fingindo que na
verdade há um engenheiro teleológico pensando à frente e planejando intencionalmente.
O filósofo Daniel Dennett chama um artefato desses de “skyhook”, 7 uma vez que é o
equivalente aproximado de um engenheiro civil sustentando seu andaime no céu, mas,
para simplificar, eu simplesmente chamarei meu skyhook de Dispositivo de Organização
de Genoma, ou, para resumir, GOD (de genome organising device). Isso deixará os
religiosos satisfeitos e me permitirá usar a voz ativa. Então a pergunta é: como o GOD
construiu um cérebro que pode expressar um instinto?
Voltemos a William James. Para apoiar sua afirmação de que os seres humanos
têm mais instintos que outros animais, James enumerou sistematicamente os instintos
humanos. Ele começou com as ações dos bebês: sugar, agarrar, chorar, sentar, levantar,
andar e escalar eram todas, sugeriu ele, expressões de impulso, e não imitações ou
associações. Da mesma forma, à medida que a criança cresce, eram a imitação, a raiva e
a simpatia. Assim era um medo de estranhos, ruídos altos, altura, o escuro, répteis. (“O
evolucionista comum e seguro de si não deve ter dificuldade de explicar esses terrores”,
escreveu James, quase antecipando o argumento do que agora denomina-se psicologia
da evolução, “como reincidência na consciência do homem das cavernas, uma
consciência em geral encoberta em nós por experiências de épocas mais recentes.”) Ele
passou à cobiça, observando a tendência dos rapazes de colecionar coisas. Ele percebeu
as preferências bem diferentes de jogos entre meninos e meninas. O amor dos pais,
sugeriu ele, era pelo menos inicialmente mais forte nas mulheres do que nos homens.
Ele passeou rapidamente pela sociabilidade, timidez, dissimulação, asseio, modéstia e
vergonha. “O ciúme é inquestionavelmente instintivo”, assinalou ele.
O mais forte dos instintos, acreditava James, era o amor. “De todas as propensões,
os impulsos sexuais trazem em sua face os mais óbvios sinais de ser instintivos, no
sentido da cegueira, do automático e do impensado.” 8 Mas, insistiu ele, só porque a
atração sexual era instintiva não significava que era irresistível. Outros instintos, como a
timidez, nos impedem de corresponder a cada atração sexual.
Então deixe-me levar James a sério, pelo menos temporariamente, e examinar a
idéia do instinto do amor com um pouco mais de profundidade. Se ele está certo, deve
haver algum fator hereditário que dá origem a alguma mudança química ou física em
nosso cérebro quando nos apaixonamos, e esta mudança causa a emoção de se
apaixonar, em vez de ser causada por ela. Como o que se segue, do cientista Tom Insel:
Uma hipótese viável é que a ocitocina liberada durante o acasalamento ative os locais límbicos
ricos em receptores de ocitocina, conferindo um valor de reforço duradouro e seletivo ao casal. 9

Ou, para colocar as coisas mais poeticamente, você se apaixona.


O que é a ocitocina e por que Insel faz uma afirmação tão extravagante sobre ela?
A história começa com um processo ridiculamente nada romântico: a micção. Cerca de
400 milhões de anos atrás, quando deixaram a água pela primeira vez, os ancestrais de
nossa espécie eram equipados com um pequeno hormônio chamado vasotocina, uma
miniatura de proteína composta de uma cadeia de apenas nove aminoácidos formando
um anel. Sua tarefa era regular o equilíbrio de sal e água no corpo, e ela realizava este
trabalho indo de um lado a outro, ativando células nos rins e em outros órgãos. Hoje em
dia, os peixes ainda usam duas versões diferentes da vasotocina para este propósito, e
assim também fazem os sapos. Nos descendentes dos répteis — e estes incluem os seres
humanos — há duas cópias ligeiramente diferentes do gene relevante situadas próximas
uma da outra, voltadas para lados diferentes (nos seres humanos, no cromossomo 20). O
resultado, hoje, é que todos os mamíferos têm dois desses hormônios, chamados
vasopressina e ocitocina, que diferem em duas ligações na cadeia.
Eles ainda fazem seu velho trabalho. A vasopressina diz aos rins para
conservarem água; a ocitocina diz a eles que excretem sal. Mas, como a vasotocina no
peixe moderno, eles também têm um papel na regulação da fisiologia reprodutiva. A
ocitocina estimula a contração muscular no útero durante o parto; ela também leva à
secreção de leite dos dutos mamários. O GOD é um poupador: tendo inventado um
comutador para um propósito, ele o readapta para outras funções, expressando o
receptor de ocitocina em um órgão diferente. Mas uma surpresa muito maior estava por
vir na década de 1980, quando os cientistas subitamente perceberam que a vasopressina
e a ocitocina tinham uma tarefa no cérebro, bem como eram secretadas da glândula
pituitária na corrente sanguínea.
Então eles tentaram injetar ocitocina e vasopressina no cérebro de ratos para ver
que efeito teriam. Estranhamente, um rato macho que recebeu ocitocina intracerebral
imediatamente começou a bocejar e simultaneamente ter uma ereção. 10 Desde que a
dose seja baixa, a resposta sexual do rato também se torna mais intensa: ele ejacula mais
cedo e com mais freqüência. Nas fêmeas, a ocitocina intracerebral induz o animal a
adotar uma postura de acasalamento. Nos seres humanos, enquanto isso, a masturbação
aumenta os níveis de ocitocina em ambos os sexos. No todo, a ocitocina e a
vasopressina no cérebro parecem estar relacionadas com o comportamento de
acasalamento.
Agora, tudo isso parece muito pouco romântico: micção, masturbação,
amamentação — dificilmente a essência do amor. Seja paciente. No final dos anos 80,
Tom Insel estava trabalhando com o efeito da ocitocina no comportamento maternal de
ratos. A ocitocina cerebral parecia ajudar a mãe rato a formar um laço com seus filhos, e
Insel identificou as partes do cérebro de rato que eram sensíveis ao hormônio. Ele
mudou sua atenção para a formação de pares, perguntando-se se havia paralelos entre a
ligação de uma fêmea com seus filhos e com seu parceiro. Neste ponto ele conheceu
Sue Carter, que tinha começado a estudar arganaz-do-campo no laboratório. Ela disse a
ele como o arganaz-do-campo é uma raridade entre os roedores graças a seus
casamentos fiéis, Os arganazes-do-campo vivem em casais, e tanto o pai como a mãe
cuidam dos filhos por muitas semanas, Os arganazes-montanheses, por outro lado, são
mais típicos dos mamíferos: a fêmea acasala com um polígamo de passagem, separa-se
rapidamente dele, cria os filhos sozinha e os abandona depois de algumas semanas para
que se defendam sozinhos. Mesmo no laboratório, esta diferença é clara: os arganazes-
do-campo acasalados fitam-se nos olhos e limpam os bebês; os arganazes-montanheses
acasalados tratam suas esposas como estranhas.
Insel examinou o cérebro das duas espécies. Não descobriu nenhuma diferença na
expressão dos dois hormônios, mas uma grande diferença na distribuição de seus
receptores moleculares — as moléculas que estimulam os neurônios em resposta aos
hormônios, Os arganazes-do-campo monógamos tinham muito mais receptores de
ocitocina, em várias partes do cérebro, que os arganazes-montanheses polígamos. Além
disso, ao injetar ocitocina ou vasopressina no cérebro de arganazes-do-campo, Insel e
seus colegas conseguiram trazer à tona todos os sintomas característicos da monogamia,
como uma forte preferência por um parceiro e a agressividade em relação a outros ratos.
As mesmas injeções tiveram pouco efeito no arganaz-montanhês, e a injeção de
substâncias químicas que bloqueiam os receptores de ocitocina impediram o
comportamento monogâmico. A conclusão era clara: os arganazes-do-campo eram
monógamos porque reagem mais à ocitocina e à vasopressina. 11
Em uma habilidosa demonstração de engenhosidade científica, a equipe de Insel
passou a dissecar este efeito em detalhes convincentes. Eles desativaram o gene da
ocitocina de um camundongo antes do nascimento. Isso leva a uma amnésia social: os
camundongos conseguem se lembrar de coisas, mas não têm lembrança de
camundongos que já conheceram, e não os reconhecerão. Carecendo de ocitocina em
seu cérebro, um camundongo não pode reconhecer um camundongo que tenha
conhecido dez minutos antes — a não ser que o camundongo tenha sido marcado com
uma dica não-social, como um tom amarelo distintivo — ou o cheiro de amêndoa (Insel
compara isso a um professor distraído em uma conferência que reconhece os amigos
pelos nomes nos crachás, e não por seus rostos). 12 Então, injetando mais tarde o
hormônio em apenas uma parte do cérebro do animal — a amígdala medial — os
cientistas podem restaurar completamente a memória social no camundongo.
Em outro experimento, usando um vírus especialmente adaptado, eles
aumentaram a expressão do gene do receptor da vasopressina no pálido ventral, uma
parte do cérebro do arganaz-do-campo importante para a retribuição. Pausa aqui para
sua mente digerir esta idéia, a fim de apreciar o que a ciência pode fazer atualmente:
eles usam vírus para aumentar os volumes de genes em uma parte do cérebro de um
roedor. Mesmo dez anos atrás, um experimento desses era inimaginável. O resultado de
aumentar a expressão do gene é “facilitar a formação de preferência de parceiro”, o que,
trocando em miúdos, é “fazê-los se apaixonar”. Eles concluem que, para um arganaz-
do-campo macho formar um par, deve haver vasopressina e receptores de vasopressina
em seu pálido ventral. Uma vez que o acasalamento produz uma liberação de ocitocina
e vasopressina, o arganaz-do-campo formará um par com qualquer animal com quem
tenha acabado de acasalar; a ocitocina auxilia a memória, a vasopressina, a recompensa.
O arganaz-montanhês, ao contrário, não reagirá da mesma forma, porque carece dos
receptores naquela área. A fêmea montanhesa expressa estes receptores somente depois
de dar à luz, então ela pode ser boa com os bebês, mas por pouco tempo.
Até agora, falei da ocitocina e da vasopressina como se fossem a mesma coisa, e
elas são tão semelhantes que provavelmente estimulam de alguma forma os receptores
uma da outra. Mas parece que, no que diz respeito às diferenças, a ocitocina faz com
que as fêmeas de arganaz-do-campo escolham um parceiro; a vasopressina faz com que
os machos escolham uma parceira. O arganaz-do-campo macho torna-se agressivo em
relação a todos os outros, exceto sua parceira, quando a vasopressina é injetada em seu
cérebro. Atacar outros arganazes-do-campo é uma forma (bastante masculina) de
expressar seu amor. 13
Tudo isso é bastante surpreendente, mas talvez o resultado mais empolgante do
laboratório de Insel diga respeito aos genes para os receptores. Lembre-se de que a
diferença entre o arganaz-do-campo e o arganaz-montanhês está não na expressão do
hormônio, mas no padrão de expressão dos receptores do hormônio. Estes receptores
são em si produto de genes. Os genes dos receptores são essencialmente idênticos nas
duas espécies, mas as regiões promotoras, acima dos genes, são muito diferentes. Agora
lembre-se da lição do Capítulo 1: a diferença entre espécies estreitamente relacionadas
não está no texto dos genes, mas em seus promotores. No arganaz-do-campo, há um
trecho extra de texto de DNA, em média de cerca de 460 letras, no meio do promotor.
Assim, o laboratório de Insel fez um camundongo transgênico com este promotor
ampliado e o desenvolveu com um cérebro como o de um arganaz-do-campo,
expressando receptores de vasopressina em todos os lugares, embora não formasse par.
14
Steven Phelps foi adiante e pegou 43 ratos selvagens em Indiana e seqüenciou seus
promotores: alguns tinham inserções mais longas que outros. Elas variavam de 350 a
550 letras de extensão. Será que as longas dão maridos mais fiéis que as inserções de
trechos mais curtos? Ninguém sabe ainda. 15
A conclusão a que se está chegando a partir do trabalho de Insel é de uma
simplicidade arrasadora. A capacidade de um roedor de formar ligações de longo prazo
com seu parceiro sexual pode depender do tamanho de uma parte do texto de DNA no
comutador promotor em frente de um certo gene de receptor. É claro que, como toda
boa ciência, esta descoberta suscita mais perguntas que respostas. Por que alimentar os
receptores de ocitocina naquela parte do cérebro faz com que o camundongo tenha boa
vontade com seu parceiro? É possível que os receptores induzam a um estado parecido
com o vício, e neste aspecto é perceptível que eles pareçam se ligar com os receptores
de dopamina D2, que estão estreitamente envolvidos em vários tipos de vício em
drogas. 16 Por outro lado, sem a ocitocina, os camundongos não formam lembranças
sociais, então talvez eles simplesmente continuem esquecendo como se parece sua
esposa.
Camundongos não são homens. Você sabe agora que estou prestes a começar a
extrapolar antropomorficamente de formação de pares em arganazes-do-campo para o
amor nas pessoas, e provavelmente você não gosta do rumo que estou tomando. Parece
reducionista e simplista. O amor romântico, você dirá, é um fenômeno cultural, coberto
por séculos de tradição e ensino. Foi inventado na corte de Eleanor de Aquitânia, ou em
algum lugar, por um bando de poetas de grande vigor sexual chamados trovadores;
antes disso havia apenas sexo.
Muito embora em 1992 William Jankowiak tenha feito um levantamento de 168
diferentes culturas etnográficas e não tenha descoberto nenhuma que não reconhecesse
o amor romântico, você pode ter razão. 17 Certamente eu ainda não posso provar a você
que as pessoas se apaixonam quando seus receptores de ocitocina e vasopressina são
atingidos nos lugares corretos em seu cérebro. Ainda não. E há sinais acauteladores
sobre os riscos de extrapolar de uma espécie para outra: as ovelhas parecem precisar de
ocitocina para formar ligação materna com seus filhos; os camundongos aparentemente
não. 18 O cérebro humano é indubitavelmente mais complicado que o cérebro do
camundongo.
Mas eu posso chamar sua atenção para algumas coincidências curiosas. Um
camundongo compartilha grande parte de seu código genético com o ser humano. A
ocitocina e a vasopressina são idênticas nas duas espécies, e são produzidas em partes
equivalentes do cérebro. O sexo leva a sua produção no cérebro de seres humanos e
roedores. Os receptores para os dois hormônios são praticamente idênticos e são
expressos em partes equivalentes do cérebro. Como no caso do arganaz-do-campo, os
genes do receptor humano (no cromossomo 3) têm uma — pequena — inserção em suas
regiões promotoras. Como os ratos selvagens de Indiana, a extensão de tais inserções de
promotores varia de um indivíduo para outro: nas primeiras 150 pessoas examinadas,
Insel encontrou 17 diferentes tamanhos de promotores. E quando uma pessoa que diz
que está apaixonada contempla um retrato de seu amado enquanto está sentada sob um
scanner cerebral, certas partes de seu cérebro se acendem, e não se acendem quando ela
olha um retrato de um mero conhecido. Estas partes do cérebro coincidem com aquelas
estimuladas pela cocaína. 19 Tudo isso pode ser uma completa coincidência, e o amor
humano pode ser inteiramente diferente da formação de pares de roedores; mas, dado
que GOD é conservador e que uma continuidade existe entre seres humanos e outros
animais, pode ser tolice sua não apostar nisso. 20
Shakespeare se adiantou a nós, como sempre. Em Sonho de uma noite de verão,
Oberon diz a Puck como a flecha do Cupido caiu em uma flor branca (o amor-perfeito),
tornando-a púrpura, e que agora
... se deitarmos um pouco do sumo
sobre as pálpebras de homem ou mulher entregue ao sono
ficará loucamente apaixonado por quem primeiro vir.

Puck adequadamente arranca um amor-perfeito e Oberon causa danos à vida daqueles


que dormem na floresta, levando Lisandro a se apaixonar por Helena, que ele
desprezava antes, e Titânia a se apaixonar por Bottom, o tecelão com cabeça de asno.
Quem aposta comigo agora que eu não posso fazer agora algo parecido com uma
Titânia moderna? É evidente que não seria suficiente uma gota nas pálpebras. Eu teria
de dar a ela um anestésico geral enquanto introduziria uma cânula na amígdala medial e
injetava ocitocina nela. Duvido que com isso eu conseguisse fazê-la se apaixonar por
um asno. Mas eu podia ter uma boa probabilidade de fazê-la se sentir atraída pelo
primeiro homem que ela visse quando acordasse. Você quer apostar? (Apresso-me a
acrescentar que os comitês de ética impedirão — ou deveriam fazê-lo — que qualquer
pessoa aceite meu desafio.)
Estou pressupondo que, ao contrário dos mamíferos, os seres humanos são
basicamente monogâmicos, como os arganazes-do-campo, e não promíscuos, como os
arganazes-montanheses. Baseio meu pressuposto no argumento do tamanho do testículo
enunciado no Capítulo 1; na ampla evidência da etnografia de que, embora a maioria
das sociedades humanas permita a poligamia, a maioria das sociedades humanas ainda é
dominada por relacionamentos monogâmicos; e no fato de que os seres humanos em
geral praticam algum cuidado com os filhos — um traço característico das poucas
espécies de mamíferos que vivem como monógamos sociais. 21 Além disso, à medida
que libertamos a vida humana das camisas-de-força econômicas e culturais, como o
casamento arranjado, descobrimos que a monogamia se tornou mais dominante, e não
menos. Em 1998 o homem mais poderoso do mundo, longe de se deleitar com um
gigantesco harém, teve problemas por ter um caso com uma estagiária. Em toda parte
encontramos evidencias de que relações de longo prazo e exclusivas (mas às vezes
infiéis) são o padrão mais comum dos relacionamentos humanos.
Os chimpanzés são diferentes. A formação de relacionamentos de longo prazo é
desconhecida, e suponho que eles tenham, nas partes pertinentes de seu cérebro, menos
receptores de ocitocina que os seres humanos, provavelmente como resultado de ter
promotores de genes mais curtos. A história da ocitocina empresta pelo menos um apoio
experimental à concepção de William James do amor como instinto, evoluído por
seleção natural, e é parte de nossa herança mamífera, como quatro membros e dez
dedos. Cegamente, automaticamente e sem pensar, criamos vínculos com quem quer
que esteja mais perto quando os receptores de ocitocina na amígdala medial são
ativados. Uma forma segura de ativá-los é ter sexo, embora presumivelmente a atração
da castidade também possa fazer o truque. Será que é por isso que é tão difícil romper
um relacionamento?
Ter receptores de ocitocina não torna inevitável que alguém vá se apaixonar
durante sua vida, nem prevê quando acontecerá, ou com quem. Como demonstrou Niko
Tinbergen, o grande etólogo holandês, em seus estudos dos instintos, a expressão de um
instinto fixo e inato deve com freqüência ser incitada por um estímulo externo. Uma das
espécies favoritas de Tinbergen era o esgana-gata, um peixe minúsculo. Os esgana-gatas
machos ficam vermelhos na barriga quando chega a temporada de acasalamento,
quando eles defendem pequenos territórios em que constroem seus ninhos, para atrair as
fêmeas. Tinbergen fez pequenos modelos de peixe e os fez “invadir” o território de um
macho. Um modelo de fêmea era desconcertantemente grosseiro; mas, desde que tivesse
uma barriga “grávida”, ele excitava o macho. Mas se o modelo tinha uma barriga
vermelha, estimularia um ataque. Podia ser apenas um glóbulo oval com olhos
desenhados toscamente, mas sem nadadeiras ou cauda: ainda era atacado com o mesmo
vigor, como se fosse um macho rival real — desde que fosse vermelho. Uma das lendas
de Leiden, onde Tinbergen trabalhou primeiro, é de que ele percebeu que seus esgana-
gatas ameaçavam as vans vermelhas do serviço postal que passavam pela janela.
Tinbergen passou a demonstrar o poder que esses “mecanismos inatos de
liberação” têm de provocar um instinto em outras espécies, notavelmente a gaivota-
prateada. As gaivotas-prateadas têm bicos amarelos com uma mancha vermelho-
brilhante perto da extremidade. Os filhotes bicam neste ponto quando pedem comida.
Apresentando uma série de modelos a filhotes recém-nascidos, Tinbergen demonstrou
que a mancha era um liberador poderoso para a ação de pedir, e que quanto mais
vermelha, melhor. A cor do bico ou da cabeça do pássaro não importava absolutamente.
Desde que tivesse uma mancha contrastante perto da extremidade do bico,
preferivelmente vermelha, as bicadas seriam estimuladas. Em jargão moderno, os
cientistas diriam que o instinto do filhote e a mancha no bico do adulto tinham “co-
evoluído”. Um instinto é projetado para ser estimulado por um objeto ou evento
externo. A natureza somada à criação. 22
A importância dos experimentos de Tinbergen foi revelar como os instintos
podem ser complexos, e como são estimulados com simplicidade. As vespas que ele
estudou cavariam uma toca, sairiam e pegariam uma lagarta, paralisariam-na com o
ferrão, levariam-na para a toca e depositariam um ovo por cima, para que o bebê vespa
pudesse se alimentar da lagarta enquanto se desenvolvesse. Todo esse comportamento
complexo, inclusive a capacidade de encontrar o caminho de volta para a toca, foi
realizado com quase nenhum aprendizado, o que dirá ensino dos pais. Uma vespa nunca
conhece seus pais. Um cuco migra para a África e volta, canta sua canção e acasala com
um pássaro de sua própria espécie sem que jamais tenha sequer visto seus pais ou um
parente quando filhote.
A idéia de que o comportamento animal está nos genes já perturbou tanto os
biólogos quanto agora perturba os cientistas sociais. Max Delbruck, pioneiro da biologia
molecular, recusou-se a acreditar que seu colega na Caltech, Seymour Benzer, tinha
descoberto uma mutante comportamental de mosca. O comportamento, ele insistiu, era
complexo demais para ser reduzido a simples genes. Porém, a idéia de genes do
comportamento há muito é aceita pelos criadores diletantes de animais domésticos. Os
chineses começaram a criar camundongos de diferentes cores no século XVII ou antes,
e produziram um camundongo chamado waltzing (“valsador”), famoso por seu andar
parecido com uma dança, causado por um defeito herdado no ouvido interno. O
cruzamento de camundongos foi depois encontrado no Japão no século XIX e em
seguida se espalhou para a Europa e a América. Algum tempo antes do ano 1900, uma
professora aposentada em Granby, Massachusetts, com o nome de Abbie Lathrop,
resgatou o hobbie de “criar camundongos característicos”. Logo ela estava criando
camundongos em um pequeno celeiro anexo a sua propriedade e vendendo-os a lojas de
animais domésticos. Ela foi especialmente afeita ao que era na época conhecido como
waltzing japonês, e desenvolveu várias novas linhagens. Ela também percebeu que
algumas linhagens tinham câncer com mais freqüência do que outras; utilizada pela
Universidade de Yale, esta dica tornou-se a base dos primeiros estudos do câncer.
Mas foi a ligação de Lathrop com Harvard que revelou a relação entre os genes e
o comportamento. William Castle, de Harvard, levou alguns de seus camundongos e
fundou um laboratório de camundongos. Com a aluna de Castle, Clarence Little, o
principal laboratório de camundongos mudou-se para Bar Harbor, no Maine, onde ele
ainda se situa — uma gigantesca fábrica de linhagens consangüíneas de camundongos
usadas em pesquisa. Desde cedo, os cientistas começaram a perceber que diferentes
linhagens de camundongos se comportavam de forma diferente também. Benson
Ginsburg, por exemplo, encontrou o caminho mais difícil. Ele percebeu que, quando
pegava um camundongo da linhagem “porquinho-da-índia” (batizado graças à cor de
sua pelagem), ele com freqüência tinha uma tendência maior a morder. Ele logo foi
capaz de criar uma nova linhagem, que tinha a cor da pelagem mas não o traço
agressivo: prova suficiente de que a agressividade estava em algum lugar nos genes. Seu
colega Paul Scott também desenvolveu linhagens agressivas de camundongos, mas
estranhamente a linhagem mais agressiva de Ginsburg era a mais pacífica de Scott. A
explicação é que Scott e Ginsburg tinham lidado com os camundongos de forma
diferente quando bebês. Para algumas linhagens, o manejo não era importante. Mas para
uma linhagem em particular, a C57-Black-6, o manejo, no início da vida, aumentava a
agressividade do camundongo. Aqui estava a primeira pista de que um gene deve
interagir com o ambiente, uma vez que este efeito foi produzido. Ou, como colocou
Ginsburg, a estrada do “genótipo codificado”, herdado pelo camundongo, para o
“genótipo efetivo”, que ele expressa, passa pelo processo de desenvolvimento social. 23
Tanto Ginsburg como Scott mais tarde passaram a trabalhar com cães, Scott
provando por experimentos cruzados entre cocker spaniels e basenjis africanos que o
ato de brincar de luta na infância é controlado por dois genes que regulam o limiar para
a agressividade. 24 Mas não era necessária a ciência para provar a herança do
comportamento em cães: isso não era novidade nenhuma para os cinófilos. A questão
dos cães é que eles têm diferentes tipos de comportamento: retrievers (cães de busca),
pointers (cães de indicação em caça, apontando para a presa), setters (cães de indicação,
sentando-se em presença da presa), cães pastores, terriers (cães de toca), poodles (cães
d’água), buldogues (cães de fila), wolfhounds (cães de caça à raposa) — seus nomes
denotam o fato de que eles têm instintos desenvolvidos. E estes instintos são inatos. Um
retriever não pode ser treinado para a guarda e um cão de guarda não pode ser treinado
para pastorear ovelhas. Já se tentou isso. No processo de domesticação, os cães têm
mantido elementos incompletos ou exagerados do desenvolvimento comportamental
dos lobos. Um lobo rastejará, caçará, atacará, apanhará, matará, dissecará e levará a
comida, e um filhote de lobo praticará cada uma destas atividades de cada vez enquanto
crescer. Os cães são filhotes de lobo congelados no estágio de prática. Os collies e
pointers estão retidos no estágio de rastejar; os retrievers, de carregar, e os pit bulls no
de morder: cada um é uma mistura congelada de diferentes temas do filhote de lobo.
Isso está nos seus genes? Pode apostar: “Os comportamentos específicos da raça são
irrefutáveis”, afirma categoricamente o cronista de cães Stephen Budiansky. 25
Ou pergunte aos criadores de gado. Tenho diante de mim um catálogo de touros
planejado para me seduzir a encomendar sêmen pelo correio. Em detalhes enormes, ele
descreve a qualidade e a forma do úbere e das tetas, sua capacidade de produzir leite,
sua velocidade de lactação e até seu temperamento. Mas certamente, lembrará você, os
touros não têm úberes. Em qualquer página há um retrato de uma vaca, e não de um
touro. O catálogo se refere não ao próprio touro, mas a suas filhas. “Zidane, o italiano
n° 1”, alardeia, “melhora traços da estrutura e os fixa em ancas enormes com uma
inclinação ideal. Ele é particularmente impressionante na composição de suas patas e
pernas, com excelente conformação e uma profundidade terrível de calcanhar. Ele deixa
úberes impecáveis, que são confortavelmente ligados com fendas profundas.” Todos os
caracteres são de fêmeas, mas a atribuição é do macho. Talvez eu preferisse comprar um
pouquinho do sêmen de Terminator, cujas filhas têm “grande disposição de tetas”, ou
Igniter, um touro que é um “especialista em velocidade de lactação” cujas filhas
“exibem grande caráter leiteiro”. Talvez eu evite o Moet Flirt Freeman, porque, embora
suas filhas tenham “tremenda largura no peito” e dêem mais leite que suas mães o
fizeram, o pequeno impresso admite que elas são também ligeiramente “abaixo da
média” no quesito temperamento — o que provavelmente significa que tendem a
escoicear quando são ordenhadas. Elas são também leiteiras lentas. 26
A questão é que os criadores de gado não têm escrúpulos em atribuir
comportamento aos genes, assim como atribuem anatomia aos genes. Pequenas
diferenças no comportamento das vacas são confiantemente atribuídas por eles ao
sêmen que chegou pelo correio. Seres humanos não são vacas. Admitir o instinto em
vacas não prova que os seres humanos são também governados pelo instinto, é claro.
Mas derruba o pressuposto de que, porque o comportamento é complexo ou sutil, não
pode ser instintivo. Tal ilusão reconfortante ainda é freqüente nas ciências sociais;
todavia, nenhum zoólogo que estudou o comportamento animal pode acreditar que o
comportamento complexo não pode ser inato.

MARCIANOS E VENUSIANOS

Definir “instinto” tem frustrado tantos cientistas que alguns se recusam a usar a palavra.
Ele não precisa estar presente desde o nascimento: alguns instintos só se desenvolvem
em animais adultos (como o dente siso). Ele não precisa ser inflexível: as vespas
alterarão seu comportamento de acordo com o número de lagartas que encontram na
toca que abasteceram. Ele não precisa ser automático: a menos que encontre um peixe
de barriga vermelha, o esgana-gata macho não lutará. E as fronteiras entre o
comportamento instintivo e aprendido são turvas.
Mas imprecisão não é necessariamente uma palavra inútil. As fronteiras da
Europa são incertas — até que ponto ela se estende para o leste? A Turquia e a Ucrânia
estão dentro dela? — e há muitos significados diferentes para a palavra “europeu”, mas
ainda é uma palavra útil. A palavra “aprender” cobre uma multiplicidade de virtudes,
mas ainda é uma palavra útil. Da mesma forma, acredito que pode ser útil chamar isso
de comportamento instintivo. Implica que o comportamento é pelo menos parcialmente
herdado, engastado e automático, de acordo com o ambiente esperado. Um traço
característico de um instinto é que ele é universal. Isto é, se algo é primariamente
instintivo, então deve ser mais ou menos igual em todas as pessoas. O interesse da
antropologia sempre oscilou entre as similaridades e as diferenças humanas, com os
defensores da natureza enfatizando as primeiras e os defensores da criação destacando
as segundas. O fato de que as pessoas sorriem, franzem as sobrancelhas, fazem caretas e
riem da mesma forma em todo o mundo chocou Darwin e mais tarde os etólogos
Irenaeus Eibl-Eibesfeldt e Paul Ekman. Mesmo entre aqueles habitantes da Nova Guiné
e da Amazônia até então intocados pela “civilização”, estas expressões emocionais
tinham a mesma forma e o mesmo significado. 27 Ao mesmo tempo, a atordoante
variedade de rituais e hábitos expressos pela raça humana testemunha sua capacidade
para a diferença. Como é habitual na ciência, cada lado do debate leva o outro a assumir
posições extremas.
Talvez satisfizesse a ambos (ou a nenhum deles) concentrar-se no paradoxo das
diferenças humanas que são universalmente similares em todo o mundo. Afinal, a
similaridade é a sombra da diferença. Os principais candidatos são o sexo e a diferença
de gênero. Hoje ninguém nega que homens e mulheres são diferentes não só na
anatomia, mas também no comportamento. De livros best-sellers que afirmam que eles
são de planetas diferentes à crescente polarização do cinema em filmes que apelam aos
homens (ação) ou às mulheres (relacionamentos), certamente não é mais controverso
afirmar que — apesar das exceções — há diferenças mentais e físicas consistentes entre
os sexos. Como afirma o comediante Dave Barry, “Se uma mulher tem de escolher entre
pegar uma bola rebatida de beisebol e salvar a vida de um bebê, ela escolherá salvar a
vida do bebê sem sequer considerar se há homens na base”. Estas diferenças são da
natureza, da criação, ou de ambas?
De todas as diferenças sexuais, as mais estudadas são aquelas que têm a ver com o
acasalamento. Na década de 1930, os psicólogos começaram a perguntar a homens e
mulheres o que eles procuravam em um parceiro, e continuam a fazer a mesma pergunta
desde então. A resposta parece tão óbvia que somente um nerd de laboratório ou um
marciano se preocuparia em fazer a pergunta. Mas às vezes as coisas mais óbvias são
aquelas que mais precisam de demonstração.
Eles encontraram muitas similaridades. Os dois sexos querem parceiros
inteligentes, cooperativos, confiáveis e fiéis. Mas eles também encontraram diferenças.
As mulheres valorizam boas perspectivas financeiras em seus parceiros duas vezes mais
que os homens. O que não é de surpreender, uma vez que eram os homens que
sustentavam a casa na década de 1930. Volte à década de 1980 e você certamente
encontrará uma diferença cultural desaparecendo claramente. Não: em qualquer
levantamento realizado desde então, até o dia de hoje, a mesma preferência surge com a
mesma força. Até hoje, as mulheres americanas valorizam as perspectivas financeiras
duas vezes mais que os homens quando procuram parceiros. Em notificações pessoais,
as mulheres mencionam a riqueza como uma característica desejável de um parceiro
onze vezes mais que os homens. A comunidade da psicologia desprezou este resultado:
ele reflete meramente a importância do dinheiro na cultura americana, e não uma
diferença sexual universal. Então o psicólogo David Buss saiu e perguntou a
estrangeiros, e obteve a mesma resposta de homens e mulheres holandeses e alemães.
Não seja absurdo, ele ouviu, europeus ocidentais são como americanos. Então Buss
perguntou a 10.047 pessoas de 37 culturas diferentes em seis continentes e cinco ilhas,
indo do Alasca à Zululândia. Em todas as culturas, sem exceção, as mulheres
valorizavam as perspectivas financeiras mais que os homens. A diferença era mais alta
no Japão e mais baixa na Holanda, mas sempre estava presente. 28
E esta não foi a única diferença que ele encontrou. Em todas as 37 culturas, as
mulheres queriam homens mais velhos que elas. Em quase todas as culturas, o status
social, a ambição e a operosidade do parceiro correspondiam mais às mulheres que aos
homens. Os homens, por sua vez, colocavam mais ênfase na juventude (em todas as
culturas, os homens queriam mulheres mais novas) e na aparência física (em todas as
culturas, os homens queriam mulheres bonitas mais que as mulheres queriam homens
bonitos). Na maioria das culturas, os homens também colocavam um pouco mais de
ênfase na castidade e na fidelidade de suas parceiras, embora (é claro) fosse muito mais
provável que eles próprios procurassem sexo extraconjugal. 29
Bem, que surpresa! Os homens gostam de mulheres bonitas, novas e confiáveis,
enquanto as mulheres gostam de homens ricos, ambiciosos e mais velhos. Uma olhada
nos filmes, romances ou nos jornais podia ter revelado isso a Buss, ou a qualquer
marciano de passagem. Mas permanece o fato de muitos psicólogos terem afirmado
peremptoriamente a Buss que ele não conseguiria encontrar estas tendências repetidas
fora dos países do Ocidente, o que dirá em todo o mundo. Buss provou uma coisa que
era — pelo menos para a comunidade das ciências sociais — muito surpreendente.
Muitos cientistas sociais afirmam que o motivo para que as mulheres procurem
homens ricos é que os homens têm mais riqueza. Mas agora que sabe que isso é
universal à raça humana, você pode facilmente inverter a questão. Os homens procuram
a riqueza porque eles sabem que isso atrai as mulheres — assim como as mulheres dão
mais atenção à aparência de juventude porque sabem que isso atrai os homens. Esta
direção de causalidade nunca foi menos plausível do que outras e, dada a evidência da
universalidade, agora é mais plausível. Aristóteles Onassis, que sabia um pouco a
respeito de dinheiro e mulheres bonitas, notoriamente disse uma vez: “Se as mulheres
não existissem, todo o dinheiro do mundo não teria significado.” 30
Ao provar como tantas diferenças sexuais são universais nas preferências de
acasalamento, Buss atirou o ônus da prova para aqueles que veriam um hábito cultural
em vez de um instinto. Mas as duas explicações não são mutuamente exclusivas.
Ambas, provavelmente, são verdadeiras. Os homens procuram a riqueza para atrair as
mulheres, portanto as mulheres procuram a riqueza porque os homens a têm, portanto os
homens procuram a riqueza para atrair as mulheres. E assim por diante. Se os homens
têm um instinto para procurar as bugigangas que levam ao sucesso com as mulheres,
então eles provavelmente aprenderão em sua cultura que o dinheiro é uma dessas
bugigangas. A criação está reforçando a natureza, e não se opondo a ela.
Com a espécie humana, como observou Dan Dennett, você nunca pode ter certeza
de que o que vê é instinto, porque você pode estar olhando o resultado de um argumento
raciocinado, um ritual copiado ou uma lição aprendida. Mas o mesmo se aplica ao seu
oposto. Quando você vê um homem caçando uma mulher só porque ela é bonita, ou
uma garota brincando com uma boneca enquanto o irmão brinca com uma espada,
nunca pode ter certeza de que o que está vendo é apenas cultural, porque pode ter um
elemento de instinto. Polarizar a questão é um completo equívoco. Não é um jogo
empatado, onde a cultura desloca o instinto ou vice-versa. Pode haver todo tipo de
aspectos culturais no comportamento, baseados no instinto. A cultura com freqüência
refletirá a natureza humana, em vez de afetá-la.

MONEY OU DIAMOND?

O estudo de Buss da similaridade global na diferença prova a universalidade de


abordagens distintas ao comportamento de acasalamento, mas nada diz sobre como
surgem. Suponha que ele esteja certo e as diferenças evoluam, se adaptem e portanto
sejam pelo menos parcialmente inatas. Como se desenvolvem e sob que influências?
Graças a uma extraordinária batalha na guerra natureza-criação, chamada Money versus
Diamond, agora há um lampejo de luz a ser lançado sobre o tema.
O Money é John Money, um psicólogo da Nova Zelândia que reagiu contra sua
rigorosa formação religiosa para se tornar um “missionário” franco da liberação sexual
na Universidade Johns Hopkins em Baltimore, mais tarde defendendo não só o amor
livre, mas até a pedofilia consentida. Diamond é Mickey Diamond, alto, de fala macia,
barbudo e filho de judeus ucranianos imigrados para o Bronx, que primeiro se mudou
para o Kansas e depois para Honolulu, onde estuda os fatores determinantes do
comportamento sexual em animais e pessoas.
Money acredita que os papéis sexuais são produto da experiência inicial, e não
dos instintos. Em 1955, ele estabeleceu sua teoria da neutralidade psicossexual baseado
no estudo de 131 “hermafroditas” humanos — pessoas que tinham nascido com urna
genitália ambígua. Ao nascimento, disse Money, os seres humanos são
psicossexualmente neutros. Somente depois da experiência, por volta dos dois anos, eles
desenvolvem “identidade de gênero”. O comportamento sexual e a orientação como
homem ou mulher não tem uma base inata e instintiva ’, escreveu ele. “Diferencia-se em
masculino e feminino ao longo das várias experiências de crescimento.” Portanto, disse
Money, um bebê humano pode ser literalmente atribuído a qualquer sexo, uma crença
que foi usada por médicos para justificar a cirurgia para trocar o sexo de bebês meninos
nascidos com pênis anormais. Tal cirurgia tornou-se uma prática padrão: os meninos
com pênis incomumente pequenos eram “redefinidos” como fêmeas.
Já o grupo do Kansas chegou à conclusão de que “o maior órgão sexual está entre
as orelhas, e não entre as pernas”, e começou a contestar a ortodoxia de que os papéis
sexuais eram determinados pelo ambiente. Em 1965, Diamond afirmou a questão em
um artigo que criticava Money, acusando-o de não ter apresentado histórias de caso para
apoiar sua teoria da neutralidade psicossexual, de que a evidência de hermafroditas era
irrelevante — se sua genitália era ambígua, seu cérebro também podia ser — e que era
mais plausível que os seres humanos, como os porquinhos-da-índia, tivessem uma
fixação pré-natal da identidade sexual mental. 31 Na verdade, ele desafiou Money a
produzir uma criança normal e psicossexualmente neutra, ou uma criança que tenha
aceitado a redefinição sexual.
Money desprezou a crítica enquanto reunia as recompensas de sua fama crescente.
Seu artigo tinha conquistado um prêmio; tinha levado a uma imensa subvenção; e
quando sua equipe começou a cirurgia transexual, ele se tornou uma celebridade
retratada em jornais e na televisão. Mas Diamond tinha tocado numa ferida, porque no
ano seguinte Money usou o caso de um garoto normal que tinha perdido seu pênis
depois de uma circuncisão malfeita. O garoto era um gêmeo monozigótico, então a
oportunidade de demonstrar como podia ser transformado em uma mulher, enquanto
seu gêmeo se desenvolveria como homem, era irresistível. Sob o conselho de Money, o
garoto foi cirurgicamente redefinido como menina e depois criado por seus pais como
uma garota, e nunca soube de sua origem. Em 1972, Money publicou um livro
descrevendo o caso como um sucesso sem precedentes. Ele foi aclamado pela imprensa
como prova definitiva de que os papéis sexuais eram produto da sociedade, não da
biologia; influenciou uma geração de feministas em uma época crítica; entrou nos livros
didáticos de psicologia; e influenciou uma multiplicidade de médicos que agora viam a
redefinição sexual como uma solução simples para um problema complicado.
Money parecia ter se saído vitorioso no debate. Então, em 1979, uma equipe de
tevê da BBC começou a investigar o caso. Eles tinham ouvido rumores de que o garoto
que virara menina não era o sucesso que Money afirmava. Eles conseguiram romper o
anonimato do caso e até se encontrar brevemente com a menina em questão, embora
não tenham divulgado sua identidade no ar. Chamada Brenda Reimer, ela morava com
sua família em Winnipeg e tinha na época 14 anos. O que eles viram foi um jovem
infeliz, com linguagem corporal masculina e uma voz grave. A equipe da BBC
entrevistou Money, que reagiu com fúria à invasão da privacidade da família. Diamond
continuou a pressionar Money a fornecer detalhes, mas inutilmente. Money agora
retirara toda referência do caso de seu trabalho publicado. A tentativa mais uma vez
esfriou. Então, em 1991, na imprensa, Money culpou Diamond de incitar a BBC a
invadir a privacidade da menina. Irritado com a acusação, Diamond começou a tentar
entrar em contato com psiquiatras que podiam ter lidado com o caso. Em 1995, ele
finalmente conheceu Brenda Reimer.
Só que Brenda agora se chamava David, e era um feliz homem casado com filhos
adotivos. Ele tinha enfrentado uma infância confusa e infeliz, constantemente se
rebelando contra as coisas de menina, embora nada soubesse de ter nascido menino.
Quando aos 14 anos ele ainda insistia em viver como garoto, seus pais pelo menos
contaram-lhe de seu passado. Ele imediatamente exigiu uma cirurgia para restaurar um
pênis e adotou a vida de um adolescente. Diamond o convenceu a deixá-lo contar a
história para o mundo, sob pseudônimo, de forma que eles pudessem evitar que as
pessoas passassem pelo mesmo destino no futuro. Em 2000, o escritor John Colapinto o
convenceu a sair completamente do anonimato em um livro. 32
Money nunca se desculpou, nem com o mundo, por tê-lo enganado com o sucesso
da redefinição, nem com David Reimer. Hoje Diamond se pergunta o que teria
acontecido se o garoto tivesse sido gay ou transexual, que podia ter preferido a uma
forma efeminada, ou como mulher, ou se não estivesse disposto a assumir e contar a
história.
David Reimer não está só. A maioria dos garotos redefinidos como meninas se
declara menino na adolescência. E um recente estudo de pessoas nascidas com genitália
ambígua revelou que aqueles que escaparam do bisturi do cirurgião tinham menos
problemas psicológicos que os que foram operados na infância. A grande maioria
daqueles meninos que tiveram seu sexo trocado para viverem como meninas reverteu a
cirurgia, por sua própria conta, para viverem como homens. 33
Os papéis sexuais são pelo menos parcialmente automáticos, cegos e não
ensinados, para usar os termos de William James. Os hormônios no útero estimulam a
masculinização, mas aqueles hormônios originados no corpo do bebê são estimulados
por uma série de eventos que começa com a expressão de um único gene no
cromossomo Y. (Há muitas espécies que permitem que o ambiente determine o gênero.
Nos crocodilianos e tartarugas, por exemplo, o sexo do animal é estabelecido pela
temperatura em que o ovo é incubado. Mas há genes envolvidos também neste processo.
A temperatura estimula a expressão de genes que determinam o sexo. A principal causa
pode ser ambiental, mas o mecanismo é genético. Os genes podem ser tanto
conseqüência como causa.).

PSICOLOGIA POPULAR

Meninos como David Reimer querem ser meninos. Eles gostam mais de brinquedos,
armas, competição e ação que de bonecas, romance, relacionamentos e famílias. É claro
que eles não vêm ao mundo com todas essas preferências plenamente formadas, mas
nascem com alguma preferência inefável a se identificarem com coisas de meninos. Isso
é o que a psicóloga infantil Sandra Scarr chamou de “escolha de nicho”: a tendência de
escolher a criação que é adequada a sua natureza. As frustrações da juventude de David
Reimer foram causadas pelo fato de ele não ter tido permissão para escolher seu nicho.
De certa forma, causa e efeito são provavelmente circulares. As pessoas tanto
gostam de fazer aquilo em que elas acham que são boas como são boas no que gostam
de fazer. Mas isso implica que o início desta diferença sexual é pelo menos auxiliada
pelo instinto, por diferenças inatas de comportamento que antedatam a experiência.
Como muitos pais que tiveram filhos dos dois sexos, acho as diferenças
surpreendentemente fortes e precoces. Também não tenho dificuldade em acreditar que
eu e minha esposa estamos reagindo a tais dissimilaridades de gênero, em vez de causá-
las. Demos carrinhos aos meninos e bonecas às meninas não porque queremos que eles
sejam diferentes, mas porque era dolorosamente óbvio que um queria carrinhos e a
outra, bonecas.
Exatamente com que precocidade essas diferenças surgem? Svetlana Lutchmaya,
uma aluna de Simon Baron-Cohen em Cambridge, filmou 29 meninas e 41 meninos de
12 meses de idade e analisou com que freqüência o bebê olhava o rosto de sua mãe.
Como esperado, as meninas faziam mais contato visual que os meninos. Ela depois
voltou e mediu os níveis de testosterona presentes no útero durante o primeiro trimestre
da gestação de cada bebê. Isso foi possível porque, em todos os casos, a mãe tinha feito
amniocentese e uma amostra do líquido amniótico fora armazenada. Ela descobriu que o
nível de testosterona fetal geralmente era mais alto nos meninos que nas meninas, e que,
entre os meninos, havia uma correlação significativa: quanto mais alto o nível de
testosterona, menos contato visual fazia o bebê de um ano. 34
Baron-Cohen então pediu a outra aluna, Jennifer Connellan, para retroagir ainda
mais, ao primeiro dia de vida. Ela deu a 102 bebês com 24 horas de vida duas coisas
para olhar: seu próprio rosto, ou um móbile físico-mecânico de aproximadamente o
mesmo tamanho e formato de uma face. A maioria dos bebês meninos preferiu olhar o
móbile; as meninas preferiram, em geral, o rosto. 35
Então a preferência relativa por rostos, que gradualmente transforma-se em uma
preferência por relacionamentos sociais, parece estar presente de alguma forma desde o
início. A distinção entre os mundos social e físico pode ser uma pista crucial de como
funciona o cérebro humano. O psicólogo do século XIX Franz Brentano dividiu
rigidamente o universo em dois tipos de entidades: aquelas que têm intencionalidade e
as que não têm. O primeiro tipo pode se mover espontaneamente e pode ter metas e
desejos; o último obedece unicamente a leis físicas. É uma distinção que recai nos
extremos — e quanto aos vegetais? —, mas, como método empírico, funciona bastante
bem. Os psicólogos da evolução começaram a suspeitar de que os seres humanos
aplicam instintivamente dois processos mentais diferentes para compreender tais
objetos: o que Daniel Dennett chamou de psicologia popular e física popular.
Pressupomos que um jogador de futebol se move porque ele “quer”, mas que uma bola
de futebol se move porque foi chutada. Até bebês expressam surpresa quando objetos
parecem desobedecer às leis da física — quando eles se movem um através do outro,
quando grandes objetos parecem se transformar em pequenos, ou quando eles se movem
sem serem tocados.
Acho que você pode ver onde estou querendo chegar: em média, os homens são
mais interessados em física popular que as mulheres, que são mais interessadas em
psicologia popular que os homens. A pesquisa de Simon Baron-Cohen focaliza o
autismo, uma dificuldade com o mundo social que afeta principalmente meninos. Junto
com Alan Leslie, Baron-Cohen foi o pioneiro da teoria de que os meninos autistas têm
problemas para teorizar sobre a mente dos outros, embora ele agora prefira usar o termo
“empatizar”. Há muitas outras características do autismo grave, inclusive a dificuldade
com a linguagem, mas, no que é provavelmente sua forma mais “pura” e mais severa, a
síndrome de Asperger, o autismo parece consistir principalmente em uma dificuldade de
empatizar com as idéias de outras pessoas. Uma vez que os meninos são menos bons em
empatizar do que as meninas, então talvez o autismo seja apenas uma versão extrema do
cérebro masculino. Daí o interesse de Baron-Cohen na correlação inversa entre
testosterona uterina e contato visual: a masculinização do cérebro pela testosterona pode
ir “longe demais” nos autistas. 36
O que é intrigante, as crianças com síndrome de Asperger são com freqüência
melhores em física popular do que o normal. Não só são freqüentemente fascinadas por
coisas mecânicas, de interruptores de luz a aeroplanos, como geralmente têm uma
abordagem de engenharia ao mundo, tentando compreender as regras pelas quais as
coisas — e as pessoas — funcionam. Elas freqüentemente tornam-se especialistas
precoces em conhecimento factual e matemática. Também é duas vezes mais provável
que elas tenham pais e avôs que trabalharam com engenharia. Em um teste padrão de
tendências autistas, cientistas geralmente obtêm uma pontuação mais alta que não-
cientistas, e engenheiros pontuam mais que biólogos. Baron-Cohen diz de um brilhante
matemático, ganhador da medalha Fields, que tinha a síndrome de Asperger: “A
empatia não tomou conhecimento dele.” 37
Para demonstrar como a dificuldade com a psicologia popular pode coexistir
satisfatoriamente com a perícia em física popular, os psicólogos planejaram dois testes
incrivelmente semelhantes chamados de teste da falsa crença e teste da falsa foto. No
teste da falsa crença, a criança vê o experimentador mover um objeto escondido de um
receptáculo para outro, enquanto uma terceira pessoa não está observando. A criança
depois tem de dizer onde a terceira pessoa procurará o objeto. Para ter a resposta
correta, ela tem de entender que a terceira pessoa tem uma falsa crença. Todas as
crianças são aprovadas neste teste pela primeira vez por volta dos quatro anos (os
meninos mais tarde que as meninas), mas os autistas se desenvolvem especialmente
tarde.
Já no teste da falsa foto, a criança tira uma foto polaróide de uma cena, e depois,
enquanto a foto está se processando, vê o experimentador mover um dos objetos da
cena. Pergunta-se à criança que posição o objeto ocupará na fotografia. Os autistas não
têm dificuldade com este teste, porque sua compreensão de física popular é maior que a
compreensão da psicologia popular.
A física popular é apenas parte de uma habilidade que Baron-Cohen chama de
“sistematização”. É a capacidade de analisar relacionamentos entrada/saída nos mundos
natural, técnico, abstrato e até humano: é compreender causa e efeito, regularidade e
regras. Ele acredita que os seres humanos têm duas capacidades mentais separadas, de
sistematizar e empatizar, e que, embora algumas pessoas sejam boas em ambas, outras
são boas em uma e ruins na outra. Os que são bons sistematizadores e bons
empatizadores tentarão usar suas habilidades de sistematizar para resolver problemas
sociais. Por exemplo, uma pessoa com síndrome de Asperger disse a Baron-Cohen que
“Onde você vive?” não era uma boa pergunta, uma vez que pode ser respondida em
muitos níveis: país, cidade, bairro, rua ou o número da casa. É verdade, mas a maioria
das pessoas resolve o problema empatizando com o indagador. Se estiver falando com
um vizinho, ele poderá citar a casa; se for com um estrangeiro, o país.
Se as pessoas com síndrome de Asperger são boas sistematizadoras e
empatizadoras ruins, com cérebros extremamente masculinos, surge a idéia de que
provavelmente há pessoas que são boas empatizadoras e sistematizadoras ruins, com
cérebros extremamente femininos. Um pouco de reflexão confirmará que todos
conhecemos pessoas assim, mas sua combinação específica de habilidades raramente é
classificada como patológica. Provavelmente é mais fácil viver uma vida normal no
mundo moderno com habilidades de sistematização ruins do que com habilidades de
empatia ruins. Na Idade da Pedra, podia ter sido menos fácil. 38

A MENTE EM PARTES

A história da empatia ilustra um tema típico de William James, dos instintos separados.
Para ser bom em empatizar você precisa de um domínio, ou módulo em sua mente que
aprenda a tratar intuitivamente criaturas animadas como possuidoras de estados mentais
bem como de propriedades físicas. Para ser bom em sistematizar, você precisa de um
domínio que aprenda como intuir causa e efeito, regularidades e regras. São módulos
mentais separados, habilidades separadas e tarefas de aprendizagem separadas.
O domínio da empatia parece depender de circuitos em torno do sulco do
cingulado, um vale no cérebro perto da linha média e próximo da frente da cabeça. Nos
estudos de Chris e Uta Frith em Londres, esta área se acende (em um aparelho de
varredura adequado) quando uma pessoa lê uma história que requer “mentalização”
— imaginar os estados mentais de terceiros; ela não se acende quando a pessoa lê uma
história sobre causa e efeito físicos ou uma série de frases não relacionadas. Nas pessoas
com síndrome de Asperger, contudo, esta área não se acende durante a leitura de
histórias de estado mental, mas uma área vizinha, sim. Esta é uma área envolvida no
raciocínio geral, o que apóia o palpite dos psicólogos de que as pessoas com síndrome
de Asperger raciocinam sobre questões sociais em vez de empatizar com elas. 39
Tudo isso apóia a idéia de James de que os instintos devem se manifestar em
circuitos mentais chamados módulos, cada um deles especificamente projetado para ser
bom em sua tarefa mental. Tal visão modular da mente foi enunciada pela primeira vez
pelo filósofo Jerry Fodor no início da década de 1980, e mais tarde desenvolvida pelo
antropólogo John Tooby e pela psicóloga Leda Cosmides na década de 1990. Tooby e
Cosmides estavam atacando a então disseminada crença de que o cérebro é um
dispositivo de aprendizagem de propósito geral. Em vez disso, diz a dupla de
antropólogo-psicóloga, a mente é como um canivete suíço. Quanto às lâminas, chaves
de fenda e coisas que ajudam os escoteiros a tirar pedras de cascos de cavalos, leiam-se
módulos de visão, módulos de linguagem e módulos de empatia. Como as ferramentas
de um canivete, estes módulos são ricos em propósito teleológico: faz sentido não só
descrever de que são feitos e como fazem seu trabalho, mas para que servem. Assim
como o estômago está para a digestão, o sistema visual do cérebro está para a visão.
Ambos são funcionais, e o projeto funcional implica evolução por seleção natural, que
implica pelo menos em parte uma ontologia genética. A mente portanto consiste em
uma coleção de módulos de conteúdo específico e processamento de informação
adaptada para ultrapassar ambientes. O nativismo estava de volta. 40
Este foi o ponto alto do que às vezes é chamado revolução cognitiva. Embora
agora deva muito ao trágico gênio de Alan Turing, com sua extraordinária prova
matemática de que o raciocínio pode assumir uma forma mecânica — que era uma
forma de computação —, a revolução cognitiva na verdade começou com Noam
Chomsky na década de 1950. Chomsky afirmou que as características universais da
linguagem humana, invariáveis em todo o mundo, somadas à impossibilidade lógica de
uma criança deduzir as regras de uma linguagem com a mesma rapidez com que faz a
partir dos poucos exemplos disponíveis a ela, deve implicar que há alguma coisa inata
na linguagem. Mais tarde, Steven Pinker dissecou o “instinto de linguagem” humano,
mostrando que ele tinha todos os sinais de um canivete suíço — a estrutura projetada
para a função — e acrescentou a concepção de que a mente estava equipada não com
informação inata, mas com formas inatas de processar a informação. 41
Não confunda isto com um argumento vazio ou óbvio. Seria bem possível
imaginar que a visão, a linguagem e a empatia são feitas por diferentes partes do cérebro
em diferentes pessoas. Esta na verdade é a previsão lógica que se segue do argumento
empirista que veio de Locke, Rume e Mill para os modernos “conexionistas” que
projetam redes de computadores de múltiplos propósitos para imitar o cérebro. E isso
está errado. Os neurologistas podem produzir batalhões de histórias de caso para apoiar
a idéia de que determinadas partes da mente correspondem a determinadas partes do
cérebro com muito pouca variação em todo o mundo. Se você danifica uma parte de seu
cérebro, em um acidente ou depois de um derrame, não sofre uma debilidade
generalizada: você perde uma característica específica da mente — e a característica que
você perde depende precisamente de que parte do cérebro foi atingida. Isso só pode
significar que partes diferentes do cérebro são pré-projetadas para diferentes tarefas,
algo que só pode advir dos genes. Com freqüência considera-se que os genes reprimem
a adaptabilidade do comportamento humano. A verdade é o contrário disso. Eles não
reprimem; eles capacitam.
Na verdade, tem havido alguns ataques dos empiristas em retirada, mas estas
escaramuças só têm atrasado um pouco o progresso da mente modular. Há um grau de
plasticidade no cérebro que permite que diferentes áreas compensem a falha de sua área
adjacente. Mriganka Sur religou parcialmente os olhos de um furão ao córtex auditivo
de seu cérebro, em vez de ao córtex visual, e de uma forma rudimentar ele ainda pode
“ver”, mas não muito bem. Embora você possa pensar que é extraordinário que o furão
possa ver depois de uma cirurgia dessas, há desacordo se o experimento de Sur revela
mais sobre a plasticidade do cérebro ou sobre os limites desta plasticidade. 42
Se a mente modular é real, então tudo o que você tem a fazer para compreender as
características especiais da mente humana é dissecar o cérebro a fim de descobrir que
pedaços têm “hipertrofiado” nos últimos milhões de anos — que módulos, e portanto
que instintos, são desproporcionalmente grandes. Então você saberá o que torna o ser
humano especial. Quem dera fosse fácil assim! Quase tudo no cérebro humano é maior
que no cérebro do chimpanzé. Os seres humanos aparentemente têm mais visão, mais
sensações, mais movimentos, mais equilíbrio, mais lembranças e ainda mais olfato que
os chimpanzés. Longe de encontrar um cérebro de chimpanzé normal com um imenso e
turbinado dispositivo de pensamento e fala ligado a ele; você descobrirá, se olhar dentro
do crânio humano, mais de cada uma dessas coisas. Uma análise mais profunda revela
que há certas desproporções sutis. Nos primatas de modo geral, comparados com os
roedores, as partes ligadas ao olfato têm encolhido drasticamente e as partes que vêem
têm aumentado. O neocórtex cresceu em detrimento do resto. Mas mesmo aqui a
desproporção não é muito acentuada. Na verdade, como o neocórtex se desenvolve
tarde, e as regiões frontais mais tarde que todas, você pode simplesmente explicar o
grande cérebro humano como um cérebro de chimpanzé que cresceu demais. Em sua
forma extrema, esta teoria sustenta que o cérebro se expandiu não porque a expansão foi
necessária para realizar novas funções — especificamente a linguagem ou a cultura —,
mas porque alguma coisa exigiu o alargamento do tronco cerebral e um córtex maior
apareceu como carona. Lembre-se da lição de que o QI domina o gene ASPM: é
geneticamente fácil aumentar qualquer parte do cérebro. Uma vez que o cérebro grande
estava lá, como que por mágica, 50.000 anos atrás, o Homoo sapiens subitamente
descobriu que podia usá-lo para fazer arcos e flechas, pintar paredes de cavernas e
pensar no significado da vida. 43
Esta idéia tem a vantagem de reduzir novamente as espécies à posição cartesiana
— sempre reafirmando a idéia de que a humanidade foi o sujeito, e não o objeto, de sua
história evolutiva. Mas não é necessariamente incompatível com a idéia de uma mente
modular. De fato, você pode inverter facilmente a lógica em sua cabeça e afirmar que os
seres humanos estavam sob pressão seletiva para desenvolver mais poder de
processamento nas partes do genoma necessárias para uma função — a linguagem
digamos —, e a resposta mais fácil do genoma foi construir um cérebro maior. A
capacidade de fazer mais visão e ter um repertório maior de movimentos foi posta em
liberdade. Além disso, é muito pouco provável que mesmo um módulo de linguagem
seja isolado de outras funções. Ele precisa de uma ótima discriminação de audição, um
controle mais refinado de movimento na língua, lábios e peito, uma memória maior e
assim por diante. 44
As teorias científicas, contudo, como os impérios, chegam a seu ponto mais
vulnerável quando conquistam os rivais. Mal a mente modular triunfou e um de seus
defensores começou a destruí-la. Em 2001, Jerry Fodor publicou um livro
extraordinário intitulado The Mind Doesn’t Work That Way, que afirmava que, embora
separar a mente em módulos computacionais distintos tenha sido a melhor teoria na
época, não explicava e não podia explicar como funciona a mente. 45 Apontando o
fracasso “escandaloso” dos engenheiros na construção de robôs capazes de tarefas
rotineiras como preparar o café da manhã, Fodor gentilmente lembrou seus colegas
quão pouco tinha sido descoberto e censurou Pinker por seu otimismo animador de que
a mente estava explicada. 46 A mente, disse Fodor, é capaz de abduzir inferências
globais da informação fornecida pelas partes do cérebro. Você pode ver, sentir e ouvir
as gotas de chuva com três módulos diferentes do cérebro, ligados a diferentes sentidos,
mas em algum lugar de seu cérebro está a inferência: “está chovendo”. De forma
inevitável, então, o pensamento é uma atividade geral que integra visão, linguagem,
empatia e outros módulos: mecanismos que operam como módulos pressupõem
mecanismos que não o fazem. E quase nada se sabe sobre os mecanismos que não são
modulares. A conclusão de Fodor foi lembrar os cientistas de quanta ignorância eles
descobriram: eles apenas tinham esclarecido que as trevas eram enormes.
Mas pelo menos isso está claro. Para construir um cérebro com capacidades
instintivas, o dispositivo de organização do genoma assentou circuitos separados com
padrões internos adequados que lhes permitem realizar computações adequadas, depois
ligam-nos com a entrada de informação adequada dos sentidos. No caso de uma vespa
ou um cuco, é possível que tais módulos tenham de “ter o comportamento certo” na
primeira vez e podem ser comparativamente indiferentes à experiência. Mas no caso da
mente humana, quase todos os módulos instintivos são projetados para que sejam
modificados pela experiência. Alguns se adaptam continuamente ao longo da vida,
alguns mudam rapidamente com a experiência e se solidificam como cimento. Uns
poucos desenvolvem seu próprio cronograma. No restante deste livro, proponho tentar
descobrir os genes responsáveis pela construção — e pela mudança — destes circuitos.

UTOPIA PLATÔNICA

Um dos pecados insistentes do debate natureza-criação tem sido o hábito da utopia, a


idéia de que há um projeto ideal de sociedade que pode ser derivado da teoria da
natureza humana, Muitos daqueles que pensavam compreender a natureza humana
prontamente transformaram descrição em prescrição e criaram um projeto de sociedade
perfeita. Esta prática é comum tanto àqueles que, no debate, se colocam do lado da
natureza como àqueles no lado da criação. Todavia, a única lição a ser extraída do
sonho utópico é que todas as utopias são infernos. Todas as tentativas de projetar a
sociedade por referência a uma concepção estreita da natureza humana, seja no papel ou
nas ruas, termina produzindo algo muito pior. Proponho terminar cada capítulo
desdenhando de uma utopia que levou qualquer teoria longe demais.
William James e os protagonistas do instinto não escreveram uma utopia, até onde
posso discernir. Mas a República de Platão, o pai de todas as utopias, é de muitas
formas próxima do sonho de James. É imbuída de um nativismo semelhante. A
República tem sido chamada de “meritocracia gerencial”, em que a mesma educação
está disponível a todos, e assim os cargos mais altos vão para os que possuem talento
inato para eles. 47 Na república metafórica de Platão (provavelmente nunca pretendeu
ser um plano político), tudo é governado por regras estritas. Os Governantes, que fazem
as políticas, são assistidos pelos Auxiliares, que fornecem uma espécie de serviço civil e
de defesa. Juntas, essas duas classes são chamadas Guardiães, e elas são escolhidas por
mérito, o que significa um talento inato. Mas, para evitar a corrupção, os Guardiães têm
uma vida de ascetismo austero, incapazes de ter propriedades, casar, ou mesmo beber
em taças de ouro. Eles vivem em um dormitório, mas sua existência miserável alegra
seu coração porque eles sabem que é para o bem de toda a sociedade.
Karl Popper não foi o primeiro filósofo, nem será o último, a apelar ao sonho
platônico de um pesadelo totalitário. Até Aristóteles assinalou que não havia muito
sentido em uma meritocracia se o mérito não trouxesse recompensas de riqueza, sexo e
poder: “Os homens dão mais atenção ao que lhes pertence: eles se importam menos com
o que é comum.” 48 Esperava-se dos cidadãos de Platão que aceitassem qualquer
cônjuge indicado pelo Estado, e (no caso das mulheres) amamentar qualquer bebê.
Pouco provável. Mas confere a Platão o irônico elogio de ter este insight, pelo menos:
até a meritocracia é uma sociedade imperfeita. Se todas as pessoas recebessem a mesma
educação, as diferenças em suas capacidades seriam inatas. Uma sociedade
verdadeiramente de oportunidades iguais apenas recompensa o talentoso com os
melhores cargos e relega os demais ao trabalho sujo.

CAPÍTULO TRÊS

Uma Aliteração Conveniente

Os professores tendem a atribuir a inteligência de seus filhos à natureza e a inteligência de seus


alunos à criação.

Roger Masters 1

O desacordo prospera na incerteza. Na década de 1860, a incerteza sobre a nascente do


Nilo foi a fonte de uma disputa amarga entre dois exploradores ingleses, John Hanning
Speke e Richard Burton. Só dois homens que tinham compartilhado um acampamento
por muitos meses podiam discordar com tanta violência. Speke defendia o lago Vitória,
que ele tinha descoberto enquanto Burton estava doente em uma tenda em Tabora;
Burton insistia que a nascente ficava no lago Tanganica, ou perto dele. A rixa só
terminou em 1864, quando Speke atirou em si mesmo (talvez acidentalmente), no dia
em que ia debater com Burton em público. Speke, aliás, estava certo.
Assistindo ao debate de uma posição influente na Real Sociedade de Geografia, e
ocasionalmente avivando as chamas em defesa de Burton, estava um destacado
geógrafo com o nome de Francis Galton. Era destino de Galton incitar uma rixa ainda
maior no mesmo ano, que duraria mais de um século: natureza versus criação. O debate
natureza-criação é um pouco como a controvérsia sobre a nascente do Nilo. Ambos
prosperaram na ignorância; quanto mais se passava a saber, menos o debate parecia
importar. Ambos pareciam desnecessariamente banais. Certamente, o que importou
mais que definir em que lago ficava a nascente do Nilo foi saber que a África continha
dois grandes lagos novos para a ciência ocidental. Da mesma forma, sem dúvida
importa menos saber se a natureza humana é mais inata ou mais aprendida, mas
exatamente de que modo ela é as duas coisas. O Nilo é a soma de milhares de afluentes,
e nenhum deles pode verdadeiramente ser chamado de nascente; o mesmo é válido para
a natureza humana.
A paixão de Galton era quantificar. Em uma longa carreira, ele inventou, cunhou
ou descobriu um amplo leque de coisas: a Namíbia do Norte, os sistemas climáticos
anticiclones, o estudo dos gêmeos, questionários, impressões digitais, fotografias
compostas, regressão estatística e eugenia. Mas talvez seu legado mais duradouro seja
ter inaugurado o debate natureza-criação e cunhado esta expressão. Nascido em 1822,
ele era neto do grande cientista, poeta e inventor Erasmus Darwin, de seu segundo
casamento. Ele achou a teoria da seleção natural de seu meio-primo Charles
convincente e inspiradora, atribuindo sua falta de modéstia a “uma inclinação mental
hereditária que seu ilustre autor e eu mesmo herdamos de nosso avô, o dr. Erasmus
Darwin”. Assim, encorajado por sua genealogia, ele agora encontra sua verdadeira
vocação nas estatísticas da hereditariedade. Em 1865, abandonando a geografia, ele
publicou um artigo sobre “talento e caráter hereditário” na Macmillan’s Magazine, em
que revelou que homens de destaque tinham parentes de destaque. Galton a ampliou em
um livro intitulado Hereditary Genius em 1869.
Galton estava simplesmente afirmando que o talento está no sangue. Exaustiva e
entusiasticamente, ele descreveu a genealogia de famosos juízes, estadistas, nobres,
comandantes, cientistas, poetas, músicos, pintores, sacerdotes, remadores e lutadores.
“Os argumentos pelos quais empenho-me em provar que o gênio é hereditário
consistem em mostrar como é grande o número de exemplos em que homens que são
mais ou menos ilustres têm parentes eminentes.” 2 Não era um raciocínio muito
sofisticado. Afinal, pode-se bem argumentar o contrário, que a ascensão de homens
humildes à grande eminência revelaria o triunfo de seus talentos inatos sobre as
desvantagens das circunstâncias; o acúmulo de talentos em famílias pode indicar um
ensino compartilhado. A maioria dos críticos achou que Galton estava superestimando o
papel da hereditariedade e ignorando a contribuição da criação e da família. Em 1872,
um botânico suíço, Alphonse de Candolle, afirmou o contrário em um livro. Candolle
assinalou que os grandes cientistas nos dois séculos anteriores eram provenientes de
países ou cidades com tolerância religiosa, amplas relações de comércio, um clima
moderado e governos democráticos — sugerindo que a realização se devia mais à
circunstância e à oportunidade que ao gênio inato. 3
O ataque de Candolle instigou Galton a um segundo livro, English Men of
Science: Their Nature and Nurture (Os ingleses da ciência: sua natureza e criação), de
1874, em que ele empregou um questionário pela primeira vez, e repetiu sua conclusão
de que o gênio científico era inato, e não feito. Foi neste livro que ele cunhou a famosa
aliteração:

A expressão “natureza e criação” [nature and nurture] é um jogo conveniente de palavras, pois
separa sob dois tópicos distintos os inumeráveis elementos dos quais é composta a personalidade. 4

Ele pode ter tomado emprestada a expressão de Shakespeare, que em A tempestade


coloca Próspero insultando Calibã da seguinte maneira:
5
É um demônio, um demônio de nascença, em cuja natureza jamais pôde agir a criação.

Shakespeare não foi o primeiro a justapor as duas palavras. Três décadas antes de A
tempestade ter sido encenada, um professor elisabetano de nome Richard Mulcaster, o
primeiro diretor da escola Merchant Taylor, gostava tanto da antifonia de natureza e
criação que a usou quatro vezes em seu livro de 1581, Positions Concerning the
Training Up of Children (Atitudes em relação à educação de crianças):
(...) [Os pais] criarão seus filhos tão bem quanto puderem, sem perguntar onde, ou desavirem-se
por quem: assim como podem ter estes filhos bem-educados pela criação, que eles prezam tanto,
legando-lhes a natureza (...) Deus proporcionou esta força da natureza, por meio da qual Ele não
permite que a criação exclua o que à natureza pertence (...). Estas capacidades naturais, apesar de
não as perceberem, é a Ele que devem: que condenem, seja por ignorância, se não podiam julgar,
seja por negligência, se não as buscaram, tudo o que estava nas crianças, implantado pela natureza,
ampliado pela criação (...). Que, sendo assim, quando tanto a verdade fala ao ignorante e a leitura
mostra ao erudito, fazemos bem então em perceber pelos homens naturais, e por motivos
filosóficos, que as jovens donzelas merecem a educação: porque elas têm este tesouro, que a elas
pertence, concedido a elas pela natureza, a ser nelas aprimorado pela criação. 6

Ele repetiu a expressão em seu livro seguinte, Elementaires, em 1582:


“a isto a natureza o dirige, mas a criação coloca-o em evidência”. Mulcaster era um
personagem curioso. Nascido em Carlisle, era um reformador educacional eminente e
famoso, embora rigoroso. Queixava-se irascivelmente com os diretores de escolas e era
um defensor apaixonado do jogo de futebol: “O futebol fortalece e confere força
muscular a todo o corpo”, observou ele. Mulcaster também dedicou-se diletantemente
ao teatro, escrevendo vários dramas históricos para a corte real, e educando os
dramaturgos Thomas Kyd e Thomas Lodge em sua escola. Alguns supõem que ele
tenha sido o modelo do personagem de Holofernes, o professor vaidoso em Trabalhos
de amor perdido, e assim há uma boa possibilidade de que Shakespeare tenha
conhecido Mulcaster ou lido sua obra.
Shakespeare pode também ter sido a inspiração para mais uma idéia de Galton.
Duas peças de Shakespeare giram em torno da confusão de gêmeos: A comédia de erros
e Noite de reis. Pai de gêmeos, Shakespeare usou gêmeos errados na criação de tramas
agradavelmente engenhosas. Mas, como assinalou Galton, em Sonho de uma noite de
verão Shakespeare introduziu um par de “gêmeos virtuais” — indivíduos não
relacionados que tinham sido educados juntos. Hérmia e Helena, apesar de serem “como
dois frutos amorosos num só caule, aparentemente separadas, mas ainda assim unidas”,
7
não só pareciam diferentes, como foram atraídas para homens diferentes e terminaram
brigando violentamente.
Galton seguiu a pista. No ano seguinte escreveu um artigo intitulado “A história
de gêmeos, como critério dos poderes relativos da natureza e da criação”. Pelo menos
ele tinha uma forma respeitável de testar a hipótese da hereditariedade, livre das
objeções levantadas contra suas genealogias. Notavelmente, ele deduziu que havia dois
tipos de gêmeos: os gêmeos idênticos, nascidos de “dois pontos germinais no mesmo
óvulo”, e os gêmeos não idênticos, “cada um de um óvulo separado”. Nada mal. Por
“ponto germinal” entenda núcleo e você chegará perto da verdade. Todavia, em ambos
os tipos, os gêmeos compartilhavam a criação. Assim, se gêmeos idênticos tinham um
comportamento parecido mais que os gêmeos fraternos, então a influência da
hereditariedade encontrava apoio.
Galton escreveu a 35 pares de gêmeos idênticos e 23 pares de gêmeos não
idênticos, recolhendo histórias pitorescas de suas similaridades e diferenças.
Triunfantemente, contou os resultados. Os gêmeos que se pareciam desde o nascimento
continuavam semelhantes em toda a vida, não só na aparência, mas também nas
doenças, personalidade e interesses. Um par sofreu de uma forte dor de dente, no
mesmo dente e na mesma idade. Outro par comprou um jogo idêntico de taças de
champanhe como presente para o outro, ao mesmo tempo e em diferentes extremos do
país. Os gêmeos que nasceram diferentes, ao contrário, tornavam-se mais diferentes à
medida que cresciam. “Eles nunca eram semelhantes em corpo ou mente, e sua
dessemelhança aumenta diariamente”, disse um dos participantes de sua pesquisa. “As
influências externas foram idênticas; eles nunca se separaram.” Galton pareceu quase
constrangido com a intensidade de sua conclusão: “Não há como não concluir que a
natureza prevalece enormemente sobre a criação (...). Meu temor é de que minhas
evidências possam parecer provar demais, e por isso sejam desacreditadas, por
parecerem contrariar toda a experiência e que a criação importe tão pouco.” 8

DIVIDINDO PARES

Hoje podemos encontrar todo tipo de problema no primeiro estudo de gêmeos de


Galton. Era anedótico, pequeno e o argumento era circular: gêmeos que parecem
idênticos têm comportamento idêntico. Ele não distinguiu os idênticos dos
geneticamente fraternos. Todavia o estudo foi extraordinariamente convincente. No fim
de sua vida, Galton tinha visto suas crenças na hereditariedade passarem do ceticismo à
ortodoxia. “A natureza limita tão definitivamente os poderes da mente quanto aqueles
do corpo”, disse The Nation em 1892, “Nestas questões, entre os pensadores de toda
parte, prevaleceram as opiniões [de Galton]”. 9 O velho empirismo de John Locke,
David Hume e John Stuart Mill, segundo o qual a mente era vista como uma folha de
papel em branco em que a experiência escreveria seu roteiro, foi substituído por uma
espécie de concepção neocalvinista do destino individual herdado.
Há duas maneiras de ver este desenvolvimento. Você pode reprovar Galton por
ser seduzido por seu “jogo de palavras conveniente” ao apresentar uma falsa dicotomia.
Você pode vê-lo como um dos espíritos do mal do século XX, rogando às três gerações
que se seguiram a praga de que oscilariam como um pêndulo entre os extremos
ridículos dos determinismos ambiental e genético. Você pode observar com horror que,
desde o início, os motivos de Galton eram eugênicos. Na primeira página de Hereditary
Genius, de 1869, ele já exalta as virtudes do “casamento adequado”, lamentando a
“degradação da natureza humana’ pela propagação dos desajustes e invocando o
“dever” das autoridades de exercer o poder de mudar a natureza humana por
cruzamentos sucessivos. Estas sugestões se transformaram na pseudociência da eugenia.
Hoje, contudo, você pode culpá-lo por uma idéia que causaria sofrimento e crueldade a
milhões no século seguinte, não só na Alemanha nazista, mas em alguns dos países mais
tolerantes do mundo. 10
Tudo isso seria verdadeiro, embora seja um tanto severo pensar que nada disso
teria acontecido sem Galton, e mais ainda que ele deve ter previsto onde suas idéias
levariam. Mesmo a aliteração conveniente logo teria ocorrido a outra pessoa. Uma
leitura mais generosa da história veria Galton como um homem bem à frente de seu
tempo, que enxergou uma verdade impressionante: que muitos aspectos de nosso
comportamento começam em nós de alguma forma, que não somos massa de modelar
nas mãos da sociedade ou vítimas de nosso ambiente. Você pode até — embora isso
possa ser um exagero da verdade — afirmar que esta idéia era essencial para manter
viva a chama da liberdade nos despotismos ambientalistas do século XX: aqueles de
Lenin, Mao e seus imitadores. Os insights de Galton sobre a hereditariedade foram
extraordinários, considerando que ele nada sabia dos genes. Ele teria de viver mais de
um século para ver, no fim, o estudo de gêmeos revelar mais do que ele esperara.
Quando são separados, a natureza prevalece sobre um tipo de criação (compartilhada)
quando define as diferenças de personalidade, inteligência e saúde entre pessoas da
mesma sociedade. Observe a seguir.
Este é um desenvolvimento recente. Há vinte anos, o quadro era muito diferente.
Na década de 1970, toda a idéia de estudar gêmeos para aprender sobre a
hereditariedade estava em eclipse. Dois dos maiores estudos de gêmeos desde Galton
caíram em desgraça. Em Auschwitz, Josef Mengele era notoriamente fascinado por
gêmeos. Ele os procurou entre os recém-chegados ao campo de concentração, e os
segregou em uma ala especial para estudos. Ironicamente, este “favoritismo” levou a
uma taxa de sobrevivência mais alta entre os gêmeos que entre filhos únicos — a
maioria das crianças pequenas que sobreviveram a Auschwitz era de gêmeos. Em troca
de se submeter a procedimentos que eram com freqüência brutais e às vezes fatais, eles
eram pelo menos mais bem alimentados. Ainda assim, poucos sobreviveram. 11
Na Grã-Bretanha, enquanto isso, o psicólogo educacional Cyril Burt estava aos
poucos reunindo um grupo de gêmeos idênticos criados separadamente, o que lhe
permitiu calcular a hereditariedade da inteligência. Em 1966, quando publicou todo o
conjunto de resultados, ele afirmou ter descoberto 53 pares de tais gêmeos. Esta era uma
amostra extraordinariamente grande, e a conclusão de Burt, de que o QI era altamente
herdável, influenciou a política educacional britânica. Mais tarde, porém, esclareceu-se
que pelo menos alguns de seus dados eram quase certamente forjados. O psicólogo
Leon Kamin observou que a correlação tinha permanecido exatamente a mesma, até a
terceira casa decimal, muito embora os dados tenham abrangido várias décadas. Ao
mesmo tempo, o Sunday Times afirmou que dois dos co-autores de Burt provavelmente
não existiam (um reapareceu depois, contudo). 12
Com uma história como essa, era pouco surpreendente que a pesquisa de gêmeos
fosse um tema maculado na década de 1970. Mas hoje o estudo de gêmeos renasceu
como o principal método de uma disciplina científica conhecida como genética do
comportamento, que tem florescido especialmente nos Estados Unidos, Holanda,
Dinamarca, Suécia e Austrália. É sofisticada, controvertida, matemática e cara — tudo o
que uma ciência completamente moderna deve ser. Mas em seu cerne está o insight de
Galton: de que os gêmeos humanos proporcionam um belo experimento natural para
discernir as contribuições da natureza e da criação.
Neste aspecto, a sorte tem sido generosa com os seres humanos. A capacidade de
produzir gêmeos idênticos parece ser rara no reino animal. É desconhecida entre os
camundongos, por exemplo, que produzem ninhadas de filhotes não idênticos. Os seres
humanos ocasionalmente produzem ninhadas também. Entre os brancos, cerca de 1
parto em 125 consiste em dois gêmeos não idênticos, fraternos ou “dizigóticos” —
derivados de dois zigotos ou óvulos fertilizados. Esta taxa é mais alta entre os africanos
e mais baixa entre asiáticos. Mas 1 nascimento em cada 250 consiste em gêmeos
idênticos (ou monozigóticos), derivados de um único óvulo fertilizado. Sem um exame
genético, não se pode distinguir confiavelmente os gêmeos idênticos dos gêmeos
fraternos, embora haja sinais reveladores. Suas orelhas tendem a ser idênticas. 13
A genética do comportamento é uma simples questão de medir o grau de
similaridade entre gêmeos idênticos, o quanto diferem dos fraternos, e como ficam
gêmeos idênticos e fraternos quando são adotados separadamente por diferentes
famílias. O resultado é uma estimativa da “herdabilidade” de qualquer característica. A
herdabilidade é um conceito traiçoeiro, muito mal compreendido. Para começar, é uma
média da população, sem significado para qualquer indivíduo: você não pode dizer que
Hérmia tinha mais inteligência herdável que Helena. Quando se diz que a herdabilidade
de altura é de 90%, não se está querendo dizer, e isto nem é possível, que 90% de minha
altura vêm de meus genes e 10% de minha alimentação. Quer-se dizer que 90% da
variação de altura em uma amostra específica podem ser atribuídos aos genes e 10% ao
ambiente. Não há variabilidade em altura para o indivíduo e, portanto, não há
herdabilidade.
Além disso, a herdabilidade pode medir apenas a variação, e não números
absolutos. A maioria das pessoas nasce com dez dedos. Aqueles com menos dedos
geralmente perderam algum por acidente — por efeito do ambiente. A herdabilidade
para o número de dedos está portanto perto de zero. Todavia, seria absurdo afirmar que
o ambiente é a causa de termos dez dedos. Desenvolvemos dez dedos porque somos
geneticamente programados para ter dez dedos. É a variação no número de dedos que é
ambientalmente determinada; o fato de que temos dez dedos é genético.
Paradoxalmente, portanto, as características menos herdáveis da natureza humana
podem ser as mais geneticamente determinadas. 14
E também é assim com a inteligência. Não é correto dizer que a inteligência de
Hérmia é causada por seus genes; é óbvio que não se pode ficar inteligente sem
alimento, cuidados dos pais, educação ou livros. Mas em uma amostra de pessoas que
tiveram todas estas vantagens, a variação entre os que se saem bem nos exames e os que
não se saem bem pode se dever aos genes. De certa forma, a variação de inteligência
pode ser genética.
Por acidente de geografia, classe ou dinheiro, a maioria das escolas têm alunos de
ambientes semelhantes. Por definição, eles recebem educação similar. Tendo portanto
minimizado as diferenças nas influências ambientais, inconscientemente eles
maximizam o papel da hereditariedade: é inevitável que a diferença entre os alunos de
ótimos resultados e aqueles de resultados ruins deva-se a seus genes, por ser a única
coisa que varia. Novamente, a herdabilidade é uma medida do que está variando, e não
do que é determinante.
Da mesma forma, em uma verdadeira meritocracia, onde todos têm iguais
oportunidades e o mesmo treinamento, os melhores atletas serão os que têm os melhores
genes. A herdabilidade da capacidade atlética se aproximará de 100%. No tipo oposto
de sociedade, onde somente os poucos privilegiados têm alimento suficiente e
oportunidades de educação, a formação e a oportunidade determinarão quem vencerá a
corrida. A herdabilidade será zero. Paradoxalmente, portanto, quanto mais igualitária é
uma sociedade, mais alta será a herdabilidade, e mais os genes terão importância.

COINCIDÊNCIA

Esforcei-me nas advertências antes mesmo de mencionar os resultados dos estudos


modernos com gêmeos. A história destes estudos começa em 1979, quando apareceu em
um jornal de Minneapolis o relato de dois gêmeos idênticos do oeste de Ohio que se
reencontraram na idade de quarenta anos. Jim Springer e Jim Lewis tinham sido criados
separados em lares adotivos desde que tinham algumas semanas de idade. Intrigado, o
psicólogo Thomas Bouchard pediu para conhecê-los, a fim de registrar suas
similaridades e diferenças. Um mês depois do reencontro, Bouchard e seus colegas
examinaram os gêmeos Jim por um dia e ficaram desconcertados com as similaridades.
Embora eles tivessem cortes de cabelo diferentes, seu rosto e sua voz eram quase
indistinguíveis. Seu histórico médico era muito similar: pressão sangüínea alta,
hemorróidas, enxaquecas, abliopia, fumavam cigarros Salem, roíam unhas, ganharam
peso na mesma idade. Como esperado, o corpo mostrou uma similaridade
impressionante. Mas também a mente. Ambos acompanhavam as corridas de stock-car
e não gostavam de beisebol. Ambos tinham oficinas de carpintaria. Ambos construíram
um banco branco em torno do tronco de uma árvore no jardim. Eles iam à mesma praia
da Flórida nas férias. Algumas coincidências eram... bem, coincidências. Ambos tinham
cães chamados Toy. Os dois tinham esposas chamadas Betty. Ambos se divorciaram de
mulheres chamadas Linda. Os dois tinham batizado seu primeiro filho de James Alan
(embora um deles pronunciasse James Allen).
Ocorreu a Bouchard que talvez os gêmeos criados separados viessem a ser não
apenas similares, mas talvez mais similares que gêmeos criados juntos. Na mesma
família, as diferenças podem se tornar exageradas: um gêmeo começaria a falar um
pouco mais e outro menos, ou coisa parecida. Agora sabe-se que isso é verdade.
Gêmeos como os Jims, que foram separados cedo, têm mais similaridades que gêmeos
separados em uma época posterior na vida.
O repórter que tinha escrito pela primeira vez sobre os gêmeos Jim entrevistou
Bouchard depois de seu encontro com eles, e o artigo resultante trouxe uma enxurrada
de interesse da mídia. Os gêmeos Jim apareceram no Tonight Show, com Johnny
Carson, e foi aí que as coisas começaram a crescer como bola de neve, Os gêmeos
começaram a chamar a atenção. Bouchard os convidou a Minnesota e os submeteu a
uma bateria de exames físicos e psicológicos, administrados por uma equipe de 18
pessoas. No final de 1979, 12 pares de gêmeos reunidos tinham entrado em contato com
Bouchard. No final de 1980, 21; um ano depois, 39 pares. 15
Aquele foi o ano em que Susan Farber publicou um livro em que definitivamente
considerava duvidosos todos os estudos de gêmeos idênticos criados separadamente. 16
Os estudos exageravam similaridades, ignoravam diferenças e não levavam em conta o
fato de que muitos gêmeos passaram muitos meses juntos quando bebês, antes de sua
adoção, ou tinham se reencontrado muitos meses antes de serem vistos pelos cientistas.
Alguns estudos, como o de Cyril Burt, talvez tivessem sido fabricados. O livro de
Farber foi visto como a última palavra no assunto, mas para Bouchard foi apenas um
desafio a um estudo sem falhas. Ele estava decidido a não se deixar abater por tais
acusações, e registrou cuidadosamente tudo sobre seus pares de gêmeos. Além das
histórias pitorescas, reuniu informação quantitativa real sobre a similaridade. Na época
em que foram publicados, seus dados não transpareciam o menor sinal de terem sido
contaminados pelas críticas de Farber. Também não impressionaram a comunidade
científica. Seus críticos ainda afirmaram que ele não estava provando nada exceto seus
próprios pressupostos. É claro que estas pessoas se pareciam — elas viviam em
subúrbios de classe média similares, de cidades similares; nadavam no mesmo mar
cultural; elas aprenderam os mesmos valores ocidentais.
Então tudo bem, disse Bouchard, e passou a procurar gêmeos fraternos
(dizigóticos) criados separadamente. Eram pessoas que tinham compartilhado um útero
e uma criação ocidental. Se seus críticos estavam certos, então os gêmeos também
deviam mostrar similaridades mentais impressionantes. 17 Será que mostravam?
Considere o fundamentalismo religioso. Em um estudo recente, Bouchard mediu
como são os indivíduos fundamentalistas dando-lhes questionários sobre suas crenças.
A correlação entre os resultados para gêmeos idênticos criados separados era de 62%;
para gêmeos fraternos criados separados, de apenas 2%. Bouchard repetiu o exercício
com um questionário planejado para evocar uma medida mais ampla de religiosidade e
ainda teve um resultado sólido: 58 contra 27%. Depois mostrou um contraste similar
entre grupos de gêmeos idênticos criados juntos e gêmeos fraternos criados juntos. Ele
repetiu o exercício com um questionário diferente, planejado para descobrir “atitudes de
direita”. Novamente há uma alta correlação em gêmeos idênticos criados separados
(69%) e nenhuma correlação em todos os gêmeos fraternos criados separados. Ele deu
aos gêmeos um questionário diferente, que simplesmente listava expressões isoladas e
pedia sua aprovação ou desaprovação: imigrantes, pena de morte, filmes pornô etc.
Aqueles que responderam não aos imigrantes, sim à pena de morte, e assim por diante,
são julgados mais “de direita”. A correlação de gêmeos idênticos criados separados é de
62%, e a correlação de gêmeos fraternos criados separados é de apenas 21%. Diferenças
igualmente imensas surgem de grandes estudos semelhantes na Austrália. 18
Bouchard não está tentando provar que há um gene para Deus ou um gene
antiaborto. Nem está tentando afirmar que o ambiente não tem importância na
determinação dos detalhes da observância religiosa. É absurdo afirmar, por exemplo,
que o motivo para que os italianos sejam católicos e os líbios muçulmanos seja porque
eles possuem diferentes genes. Ele está simplesmente afirmando que,
surpreendentemente, até em uma coisa tão prototipicamente “cultural” como a religião,
o impacto dos genes não pode ser ignorado e pode ser medido. Há um aspecto
parcialmente herdável na natureza humana, que pode ser chamado religiosidade, e é
distinto de outros atributos de personalidade (isto tem uma fraca correlação com outras
medidas de personalidade, como a extroversão). Isso pode ser detectado usando-se
questionários simples, e prevê bastante bem quem acabará se tornando um crente
fundamentalista em qualquer sociedade.
Observe como até este estudo simples refuta muitas das objeções levantadas pelos
críticos da genética do comportamento. Muitas pessoas afirmam que os questionários
não são confiáveis e são medidas grosseiras do que as pessoas verdadeiramente pensam;
mas isso simplesmente torna os resultados conservadores. Os efeitos provavelmente
seriam maiores se o erro de medição pudesse ser eliminado. Muitos afirmam que
gêmeos idênticos criados separados não viveram realmente vidas separadas antes que o
experimento fosse realizado. Mas, se isso é verdade, será verdade também para os
gêmeos fraternos criados separados. A mesma resposta derruba a objeção freqüente de
que Bouchard, por atrair gêmeos auto-selecionados para seus estudos, atrai
preferencialmente aqueles que são mais similares que outros. 19 Mas são as diferenças
entre gêmeos idênticos e fraternos que são reveladoras, não a similaridade absoluta.
Outros dizem que você não pode separar natureza de criação, porque elas interagem. É
verdade, mas o fato de que gêmeos criados separados não diferem muito de gêmeos
criados juntos sugere que tal interação é menos poderosa do que muitos acreditam.
Na pesquisa feita para este livro, encontrei uma opinião mordaz da pesquisa de
Bouchard entre muitas pessoas. Não satisfeito com fazer as afirmações já refutadas no
parágrafo anterior, elas me lembraram incisivamente de verificar onde Bouchard
conseguiu os fundos para sua pesquisa: o Pioneer Fund. Este fundo, criado em 1937 por
um bilionário do setor têxtil, é despudoradamente favorável à eugenia. Diz seu estatuto:
“Para realizar ou ajudar na realização de estudos e pesquisa sobre os problemas da
hereditariedade e da eugenia na raça humana de modo geral, e tais estudos e pesquisas
em relação a animais e plantas que possam lançar uma luz sobre a hereditariedade no
homem, e pesquisas e estudos sobre os problemas do aperfeiçoamento da raça humana,
com especial referência ao povo dos Estados Unidos.” 20 Sediado em Nova York, ele é
administrado por um conselho composto principalmente de envelhecidos heróis de
guerra e advogados.
Presume-se que sua motivação para dar apoio à pesquisa de Bouchard é que eles
querem acreditar que os genes influenciam o comportamento, e assim dão dinheiro para
um pesquisador que parece estar conseguindo resultados que sustentam esta conclusão.
Será que isso significa que Bouchard e todos os seus colegas (para não falar de
estudiosos de gêmeos também na Virgínia, Austrália, Holanda, Suécia e Grã-Bretanha)
têm forjado seus dados para agradar a seus financiadores? Isto parece muito forçado.
Além disso, basta você encontrar Bouchard por alguns minutos para perceber que ele
não é nenhum otário, nem louco, o que dirá um determinista delirante se coçando para
desencadear um novo movimento eugênico no mundo. Ele usa o dinheiro do Pioneer
Fund porque não sofre manipulação alguma. “Minha regra é que se eles não fazem
nenhuma restrição a mim — ao que eu penso, ao que escrevo, ao que faço — eu
aceitarei o dinheiro.” 21
É claro que há o problema de como estes estudos são relatados. A manchete — “o
gene para x” — ocasiona muito dano, não menos por causa da reputação que os genes
angariaram de serem tratores de tudo que está em seu caminho. Entretanto, antes de
tudo, os defensores da natureza devem ter alguma responsabilidade pela criação desta
reputação, por igualarem os genes à inevitabilidade enquanto argumentam que, uma vez
que o comportamento não é inevitável, então os genes não podem estar envolvidos, Os
defensores da criação declaram repetidamente que “o gene para x” significa um gene
que sempre e somente causa o comportamento; os defensores da natureza replicam que
ele meramente significa que o gene aumenta a probabilidade do comportamento x,
comparado com outras versões do mesmo gene. 22 Quando a pesquisadora britânica de
gêmeos Thalia Eley anunciou em 1999 que a evidência para 1.500 pares de gêmeos
idênticos comparados com fraternos na Grã-Bretanha e Suécia sugeriam uma forte
influência genética em qual das duas crianças se tornaria um valentão da escola, devia
ela ter se queixado ou exigido retratação quando um repórter descreveu sua conclusão
com a taquigrafia de sempre, “comportamento fanfarrão pode ser genético?” 23 A
declaração mais verdadeira seria “variações no comportamento fanfarrão podem ser
genéticas em sociedades ocidentais típicas”, mas poucos repórteres podem esperar que
os editores de notícias utilizem advertências como esta.
Vale a pena lembrar como os estudos cuidadosamente controlados da década de
1980 causaram choque quando apareceram pela primeira vez. Até então, pensava-se
genuinamente que as diferenças na experiência, mesmo entre ocidentais de classe
média, produziriam diferenças na personalidade sem nenhuma participação dos genes.
A hipótese em teste não era “tudo está nos genes”, era “de jeito nenhum nos genes”.
Aqui está uma citação de um importante livro didático sobre psicologia da
personalidade, publicado em 1981, o ano em que Bouchard conseguiu bons dados pela
primeira vez: “Imagine as enormes diferenças que seriam encontradas em
personalidades de gêmeos, com dotações genéticas idênticas, se eles fossem criados em
duas famílias diferentes.” 24 É o que todo mundo pensava, até Bouchard. “Olhe”, diz ele
abertamente, “quando comecei, eu não acreditava que esse tipo de coisa pudesse ser
influenciado pelos genes. Fui convencido pelas evidências.” 25 Os estudos de gêmeos
têm causado uma verdadeira revolução na compreensão da personalidade.
Contudo, o próprio sucesso da genética do comportamento tem representado seu
desastre. Seus resultados são tediosamente previsíveis: tudo gira em torno de ser
herdável. Longe de ser capaz de dividir o mundo em causas genéticas e ambientais,
como queria Galton, os estudos de gêmeos têm descoberto que quase tudo é fortemente
herdável. Quando começou, Bouchard esperava descobrir que alguns parâmetros de
personalidade eram mais herdáveis que outros. Mas no fim de duas décadas de tais
estudos de gêmeos separados, em muitos países, com amostras de gêmeos cada vez
maiores, a conclusão é indubitável. Por quase todas as medidas de personalidade, a
herdabilidade é alta na sociedade ocidental: gêmeos idênticos criados separadamente
são muito mais similares que gêmeos fraternos criados separados. 26 A diferença entre
um indivíduo e outro deve-se mais às diferenças em seus genes do que a fatores em seu
ambiente familiar. Hoje em dia os psicólogos definem personalidade em cinco
dimensões — os chamados “cinco grandes” fatores: abertura, consciência, extroversão,
agradabilidade e neurose (ACEAN, para resumir). Os questionários podem trazer à luz
pontuações pessoais para cada uma destas dimensões, e parecem variar de forma
independente. Você pode ser de mente aberta (A), meticuloso (C), extrovertido (E),
ciumento (A) e calmo (N). Em cada caso, pouco mais de 40% da variação na
personalidade se deve a fatores genéticos diretos, menos de 10% a influências
ambientais compartilhadas (isto é, principalmente a família), e cerca de 25% se devem a
influências ambientais únicas vividas pelo indivíduo (de doenças e acidentes à escola
que foi freqüentada). Os 25% restantes são simplesmente erro de medição. 27
De certa forma, o que esses estudos de gêmeos têm provado é que a palavra
“personalidade” significa alguma coisa. Quando diz que alguém tem uma certa
personalidade, você está tentando se referir a alguma parte intrínseca que está além da
influência de outras pessoas — a essência de seu caráter, para usar uma expressão
famosa. Por definição, você significa algo único para eles. Contudo, não é muito
racional, depois de um século de certezas freudianas, descobrir que esse caráter
intrínseco é tão pouco influenciado pela família em que foi criado. 28
Neste aspecto, a personalidade é quase tão herdável quanto o peso corporal. A
correlação de peso entre dois irmãos, de acordo com um estudo, é de 34%. A
similaridade entre pais e filhos é um pouco mais baixa, de 26%. Quanto desta
similaridade se deve ao fato de que eles moram juntos e comem a mesma comida, e
quanto ao fato de compartilharem os mesmos genes? Bem, gêmeos idênticos criados na
mesma família têm uma correlação de 80%, enquanto gêmeos fraternos criados juntos
têm somente 43% de similaridade, o que sugere que os genes importam bem mais que
os hábitos alimentares comuns. E quanto aos adotivos? A correlação entre adotivos e
seus pais é de somente 4%, e entre irmãos não relacionados na mesma família é de
apenas 1%. Já os gêmeos idênticos criados separados em famílias diferentes ainda têm
72% de similaridade no peso. 29
Conclusão: o peso é em grande parte devido aos genes, e não aos hábitos
alimentares, e assim descartamos os conselhos nutricionais e deixamos que chafurdem
em sorvete? É claro que não. O estudo nada diz sobre as causas do peso corporal; ele
apenas revela algo sobre as causas das diferenças de peso em uma determinada família.
Com o mesmo acesso à comida, algumas pessoas ganharão mais peso que outras. As
pessoas estão engordando nas sociedades ocidentais, não porque seus genes estão
mudando, mas porque elas estão comendo mais e fazendo menos exercícios. Mas com
todos tendo o mesmo acesso à comida, aquele que engorda mais rápido será o que porta
certos genes. Então a variação de peso corporal pode ser herdada, muito embora as
mudanças na média possam ser ambientais.
Que tipo de gene pode levar a uma variação na personalidade? Um gene é um
conjunto de instruções para fazer uma molécula de proteína. Parece impossível saltar
deste epítome da simplicidade digital para personalidade. Porém agora, pela primeira
vez, isto pode ser feito. As mudanças na seqüência genética que levam a mudanças no
caráter estão sendo encontradas: o monte de palha revela suas primeiras agulhas.
Considere o gene para o dito fator neurotrófico derivado do cérebro, ou BDNF (de
brain-derived neurotrophic factor), no cromossomo 11. É um gene curto, um trecho de
DNA com apenas 1.335 letras—por acaso, exatamente o tamanho deste parágrafo. O
gene traz, em um código de quatro letras, a receita completa para uma proteína que age
como uma espécie de fertilizante no cérebro, estimulando o crescimento de neurônios, e
provavelmente faz muito mais além disso. Na maioria dos animais, a 192ª letra no gene
é G, mas em algumas pessoas é A. Cerca de três quartos dos genes humanos portam a
versão G, e o restante a versão A. Esta diferença minúscula, de apenas uma letra em um
longo parágrafo, leva à produção de uma proteína um pouco diferente — com metionina
em vez de valina na 66ª posição. Uma vez que todos têm duas cópias de cada gene, isso
significa que há três tipos de pessoas no mundo: as que têm duas metioninas em seu
BDNF, as que têm duas valinas e aquelas com uma de cada. Se você der às pessoas um
questionário sobre sua personalidade e ao mesmo tempo souber que tipo de BDNF elas
têm, descobrirá um efeito surpreendente. Os met-met são bem menos neuróticos que os
val-val. 30
Os val-val, ao contrário dos met-met, são os mais deprimidos, acanhados,
ansiosos e vulneráveis — quatro dos seis aspectos que compõem, para os psicólogos, a
dimensão neurótica. Dos outros 12 aspectos da personalidade somente um (a abertura de
sentimentos) mostra alguma associação. Este gene, em outras palavras, afeta
especificamente a neurose.
Não fique entusiasmado. Essa descoberta é responsável por somente uma pequena
parcela de variação entre as pessoas, talvez de 4%. Pode se mostrar uma peculiaridade
em 257 famílias em Tecumseh, no Michigan, onde o estudo foi feito. Mais logicamente,
não é “o” gene da neurose. Mas, pelo menos em Tecumseh, é um gene cuja variação
explica parte das diferenças de personalidade entre dois indivíduos quaisquer e de certa
forma é coerente com a forma padrão de descrição da personalidade. É também o
primeiro gene a se associar tão fortemente com a depressão, o que dá um tênue
vislumbre da esperança médica para um dos distúrbios menos tratáveis e mais comuns
da vida moderna. A lição que desejo tirar disso não é que este gene específico venha a
se mostrar especialmente significativo, mas que ele prova com que facilidade se salta de
uma mudança na ortografia de um código de DNA para uma diferença real de
personalidade. Ninguém, nem eu, pode sequer começar a dizer a você como ou por que
uma minúscula mudança resulta em uma personalidade diferente, mas isso parece quase
certo. O apelo à incredulidade, amado por alguns dos críticos da genética do
comportamento — os genes são apenas receitas de proteínas, e não determinantes da
personalidade” —, não sofrerá erosão. Uma mudança em uma receita de proteína pode
na verdade resultar em uma mudança na personalidade. Estão surgindo outros genes
candidatos, também.
Então não é tão maluco concluir que as pessoas diferem mais em personalidade se
têm diferentes genes do que quando são criadas em famílias diferentes. Hérmia é menos
parecida com Helena, apesar de terem sido criadas juntas, do que Sebastian é de Viola,
muito embora eles tenham sido criado separados. Isso pode parecer tão óbvio que chega
a ser banal. Qualquer genitor que tem mais de um filho observa diferenças drásticas em
personalidade e tem certeza de que ele não as colocou ali. Mas os pais estão fadados a
perceber as diferenças inatas, porque os pais mantém o ambiente bastante constante,
criando todo os filhos na mesma família. A surpresa dos estudos de gêmeos separados é
que eles parecem mostrar que, mesmo quando os ambientes variam de algum modo, as
diferenças na personalidade ainda são principalmente inatas. Mesmo quando o ambiente
familiar varia, ele não deixa marcas na personalidade. Esta conclusão é mais patente a
partir do estudo dos gêmeos, mas é plenamente apoiada por outros estudos de adoção e
das relações entre gêmeos e filhos adotivos.
Para muitas características psicológicas, o efeito de ser criado no mesmo lar é desprezível. 31

Ou:
O ambiente compartilhado tem apenas um papel pequeno e insignificante na criação das diferenças
de personalidade nos adultos. 32

Rápida mas imperceptivelmente, declarações como estas parecem evoluir para a


afirmação de que as famílias não importam. Vá em frente, despreze seus filhos, parece
ser a lógica a seguir; sua personalidade não será afetada. Alguns culpam os
pesquisadores por deixarem esta impressão. Leia as letras miúdas, contudo, e você
sempre encontrará cuidadosas negações de uma falácia dessas. Uma família feliz
proporciona outras coisas além de personalidade — coisas como felicidade. As famílias
são importantes para a personalidade; uma criança precisa desesperadamente ser criada
em uma família para desenvolver sua personalidade. Desde que ela tenha uma família
onde crescer, não terá tanta importância se a família é grande ou pequena, rica ou pobre,
gregária ou solitária, jovem ou velha. Uma família é como um pouco de vitamina C:
você precisa dela para não adoecer, mas, uma vez que a tenha, o consumo de doses
extras não o deixará mais saudável.
Para aqueles ligados à idéia da meritocracia, esta é uma descoberta estimulante.
Significa que não há desculpa para discriminar os que são oriundos de ambientes
desprivilegiados, ou ser precavido com os que são criados em famílias incomuns. Uma
infância em desvantagem não condena uma pessoa a uma certa personalidade. O
determinismo ambiental é pelo menos tão cruel quanto o credo no determinismo
genético, um tema que devo revisitar em todo este livro. Assim, é uma sorte não termos
de acreditar nem em um, nem em outro.
Há uma crítica a ser feita aos estudos de personalidade com gêmeos, que devo
tecer em meu argumento de que os genes são agentes da natureza pelo menos tanto
quanto são agentes da criação. A crítica está no fato de que a herdabilidade depende
inteiramente do contexto. A herdabilidade de personalidade pode ser alta em um grupo
de americanos de classe média que viveram padrões de criação equivalentes, e não
idênticos. Mas acrescente na amostra alguns órfãos do Sudão ou a descendência de
caçadores-coletores da Nova Guiné e a herdabilidade de personalidade provavelmente
cairá bem rápido: agora o ambiente terá importância. Mantenha o ambiente constante, e
são os genes que variam: que surpresa! “Posso provar em um tribunal”, diz Tim Tully,
que estuda os genes da memória mas não tem tempo para estudos com gêmeos, “que a
herdabilidade nada tem a ver com a biologia.” 33 Portanto, quando tentam sugerir que a
medida da herdabilidade é um fim em si mesma, os estudos com gêmeos estão se
iludindo. E tendo produzido evidências surpreendentemente fortes de que os genes
afetam a personalidade, não se sabe bem o que passarão a fazer. Os estudos de gêmeos,
sozinhos, são notoriamente inúteis para revelar que genes estão realmente envolvidos.
Aqui está o motivo. A herdabilidade é em geral mais alta para aquelas
características da natureza humana causadas por muitos genes, em vez de pela ação de
um único gene. E quanto mais genes estão envolvidos, mais a herdabilidade é causada
por efeitos colaterais dos genes, e não por efeito direto. A criminalidade, por exemplo, é
altamente herdável: os filhos adotivos terminam com uma história criminal muito mais
parecida com a de seus pais biológicos do que a de seus pais adotivos. Por quê? Não
porque existam genes específicos da criminalidade, mas porque há personalidades
específicas que têm problemas com a lei, e estas personalidades são herdáveis. Como
afirma Eric Turkheimer, um estudioso de gêmeos: “Será que ninguém realmente
imagina que a probabilidade de pessoas pouco inteligentes, sem atrativos, gananciosas,
impulsivas, emocionalmente instáveis ou alcoólatras virem a se tornar criminosas não é
maior que a de qualquer outra pessoa, ou que qualquer uma destas características pode
ser completamente independente da dotação genética?” 34

INTELIGÊNCIA

Apesar do enorme sucesso dos estudos com gêmeos, algumas características do


comportamento humano mostram-se menos herdáveis. O senso de humor exibe uma
baixa herdabilidade: irmãos adotivos parecem ter um senso de humor similar, enquanto
gêmeos separados têm senso de humor diferente. As preferências das pessoas com
relação à comida parecem ser muito pouco herdáveis — você (assim como os ratos)
adquire suas preferências alimentares com sua experiência inicial, e não graças a seus
genes. 35 As atitudes sociais e políticas mostram uma forte influência do ambiente
compartilhado — pais liberais ou conservadores parecem ser capazes de transmitir suas
preferências a seus filhos. A afiliação religiosa também é transmitida culturalmente, em
vez de geneticamente, embora não o fervor religioso.
E quanto à inteligência? Desde o início, o debate sobre a herdabilidade do QI tem
sido marcado pela controvérsia. Os primeiros testes de QI eram grosseiros e
culturalmente tendenciosos. Na década de 1920, convencidos de que grande parte da
inteligência era hereditária e alarmados com a idéia da criação excessiva de pessoas
burras, os governos nos Estados Unidos e em muitos países europeus começaram a
esterilizar deficientes mentais para evitar que transmitissem seus genes. Então, na
década de 1960, ocorreu uma súbita revolução, como em tantos outros debates. A partir
de então, afirmar a herdabilidade do QI leva a campanhas ferozes de denúncia, ataques à
sua reputação e exigências de demissão, O primeiro a sofrer este tratamento foi Arthur
Jensen, em 1969, depois de seu artigo na Harvard Educational Review. 36 Na década de
1990, o argumento de que a sociedade estava se segregando por casamentos
combinados, seguindo linhas intelectuais e portanto raciais — afirmado em A curva do
sino, de Richard Herrnstein e Charles Murray —, provocou outra onda de fúria entre
acadêmicos e jornalistas. 37
Todavia suspeito de que, se você considerar uma pesquisa de pessoas comuns,
verá que elas, por um século, não mudaram de opinião. A maioria das pessoas acredita
em “inteligência” — uma aptidão natural, ou a falta dela, para interesses intelectuais.
Quanto mais filhos elas têm, mais acreditam nisso. Isto não as impede também de
acreditar em ter um cuidado menor com os dotados e dar um treinamento maior aos não
dotados através da educação. Mas elas pensam que há alguma coisa inata.
Os estudos de gêmeos, criados juntos ou separados, inequivocamente apóiam a
idéia de que, apesar do fato de que algumas pessoas são boas em algumas coisas e
outras se saem melhor em outras coisas, há algo chamado inteligência unitária. Isto é o
mesmo que dizer que a maioria das medidas de inteligência tem uma correlação mútua.
As pessoas que são boas em testes de conhecimentos gerais ou vocabulário são em geral
boas em raciocínio abstrato ou tarefas de completar séries numéricas. Isto foi percebido
pela primeira vez há um século por um seguidor de Galton, o estatístico Charles
Spearman, que batizou a inteligência geral de fator comum “g”. Hoje em dia, uma
medida de g derivada da correlação de diferentes testes de QI, continua a ser um
previsor poderoso do grau de sucesso de uma criança na escola. Tem havido mais
pesquisa sobre g do que sobre qualquer outro tema na psicologia. As teorias de
inteligência múltipla vêm e vão, mas a idéia de inteligência correlacionada não se
afastará.
O que é g? Algo que parece tão real nos testes estatísticos deve certamente ter
uma manifestação física no cérebro. Teria alguma coisa a ver com a velocidade do
pensamento, o tamanho do cérebro, ou é algo mais sutil? A primeira coisa a ser dita é
que a pesquisa de genes de g tem se mostrado uma enorme decepção. Nenhum dos
genes capazes de causar retardo mental quando defeituosos mostram ter qualquer efeito
sobre a inteligência quando sofrem uma alteração mais sutil. A pesquisa aleatória de
genes de pessoas inteligentes, para descobrir como diferem consistentemente das
pessoas normais, produziu até agora apenas uma correlação estatística decente (para o
gene IGF2R do cromossomo 6) e mais de 2.000 expectativas frustradas. Isso pode
significar apenas que o monte de palha é grande demais e as agulhas pequenas demais.
Os genes candidatos, como o gene PLP que parece afetar a velocidade da transmissão
neuronal, têm se mostrado capazes de explicar somente um pequeno grau de tempo de
reação, e não se correlacionam muito bem com g: a teoria da velocidade do cérebro na
inteligência não parece promissora. 38
A única característica física que claramente prevê a inteligência é o tamanho do
cérebro. A correlação entre o volume cerebral e o QI é de cerca de 40%, um número que
deixa uma ampla probabilidade de existir um gênio de cérebro pequeno e um burro de
cérebro grande, mas ainda assim é uma forte correlação. O cérebro é composto de massa
branca e massa cinzenta. Quando, em 2001, os aparelhos de varredura eletrônica do
cérebro chegaram ao estágio em que as pessoas podiam ser comparadas com base na
quantidade de massa cinzenta de seu cérebro, dois estudos distintos, na Holanda e na
Finlândia, revelaram uma alta correlação entre g e o volume de massa cinzenta,
especialmente em certas partes do cérebro. Ambos também revelaram uma enorme
correlação no volume de massa cinzenta de gêmeos idênticos: 95%. Gêmeos fraternos
têm somente 50% de correlação. Estes números indicam algo que está sob o mais puro
controle genético, deixando pouco espaço para a influência ambiental. O volume de
massa cinzenta tem de se “dever completamente a fatores genéticos e não a fatores
ambientais”, nas palavras de Danielle Posthuma, a pesquisadora holandesa. Estes
estudos não nos aproximam mais dos verdadeiros genes da inteligência, mas deixam
pouca dúvida de que eles existem. A massa cinzenta consiste nos corpos dos neurônios,
e a nova correlação implica que as pessoas mais inteligentes literalmente têm mais
neurônios, ou mais conexões entre os neurônios, do que as pessoas normais. Depois da
descoberta do papel do gene ASPM na determinação do tamanho cerebral através do
número de neurônios (Capítulo 1), está começando a parecer que alguns dos genes de g
logo serão encontrados. 39
Entretanto, g não é tudo. Estudos da inteligência com gêmeos também revelam a
importância do ambiente. Ao contrário da personalidade, a inteligência parece receber
uma forte influência da família. Todos os estudos da herdabilidade do QI em gêmeos,
filhos adotivos e em uma combinação dos dois grupos têm convergido gradualmente
para a mesma conclusão. O QI é aproximadamente 50% “aditivamente genético”, 25%
influenciado pelo ambiente compartilhado e 25% influenciado por fatores ambientais
exclusivos do indivíduo. Portanto, a inteligência difere da personalidade por ser muito
mais suscetível à influência da família. Viver em um lar intelectual aumenta a
probabilidade de você se tornar um intelectual.
Contudo, estas médias escondem duas características muito mais interessantes.
Primeira, você pode encontrar amostras de pessoas em que a variação no QI é muito
mais ambiental e muito menos genética do que a média. Eric Turkheimer descobriu que
a herdabilidade do QI depende fortemente do status socioeconômico. Em uma amostra
de 350 pares de gêmeos, muitos dos quais criados na pobreza extrema, surgiu uma
diferença clara entre os mais ricos e os mais pobres. Entre as crianças mais pobres,
praticamente toda a variabilidade nas pontuações de QI individual foram atribuídas ao
ambiente compartilhado, e não ao tipo genético; nas famílias mais ricas, o oposto era
verdadeiro. Em outras palavras, viver com alguns milhares de dólares por ano pode
prejudicar severamente sua inteligência. Mas pouca diferença faz viver com 40.000 ou
com 400.000 dólares por ano. 40
Esta descoberta tem um significado político óbvio. Implica que erguer uma rede
de segurança para os mais pobres será mais eficaz para igualar as oportunidades do que
reduzir a desigualdade na classe média. É uma confirmação dramática da verdade a que
aludi antes: que mesmo quando a variação na realização é inteiramente explicada pelos
genes, isso não quer dizer que o ambiente não tenha importância. O motivo para você
encontrar estes fortes efeitos genéticos na maioria das amostras é porque a maior parte
destas pessoas vive em famílias adequadamente felizes, sem problemas financeiros e
que lhes dão apoio. Se não fosse assim, sofreriam enormemente. É uma questão quase
certamente verdadeira também com relação à personalidade. Seus pais podem não ter
conseguido alterar sua personalidade adulta com seu excesso de rigor. Mas você pode
ter certeza de que eles teriam conseguido se o tivessem trancado em seu quarto dez
horas por dia, por semanas a fio.
Lembre-se da herdabilidade do peso corporal. Em uma sociedade ocidental, com
amplo acesso à comida, aqueles que ganham peso mais rápido são os que possuem os
genes que os incitam a comer mais. Mas em uma parte desolada do Sudão, digamos, ou
da Birmânia, onde a pobreza extrema é freqüente e a fome acompanha qualquer pessoa,
todos são famintos e as pessoas gordas provavelmente são as ricas. Aqui, a variação no
peso é causada pelo ambiente, e não pelos genes. No jargão dos cientistas, o efeito do
ambiente é não-linear: nos extremos, ele tem efeitos drásticos. Mas, no meio moderado,
uma pequena mudança no ambiente tem um efeito desprezível.
A segunda surpresa oculta nas médias é que, com a idade, a influência dos genes
aumenta e a influência do ambiente compartilhado gradualmente desaparece. Quanto
mais velho você fica, menos sua formação familiar prevê seu QI e melhor é a previsão
de seus genes. Um órfão de pais brilhantes, adotado por uma família de burros, pode se
sair mal na escola, mas na meia-idade pode acabar professor de mecânica quântica. Um
órfão de pais burros, criado em uma família de ganhadores do Nobel, pode se sair bem
na escola, mas na meia-idade acabar em um emprego que requer pouca leitura ou
raciocínio profundo.
Numericamente, a contribuição do “ambiente compartilhado” para a variação do
QI em uma sociedade ocidental é de aproximadamente 40% nas pessoas menores de
vinte anos. Depois cai rapidamente a zero nos grupos etários mais velhos. Inversamente,
a contribuição dos genes para explicar a variação do QI aumenta de 20% nos bebês para
40% na infância e 60% nos adultos, e talvez chegue a 80% por cento nos que passaram
da meia-idade. 41 Em outras palavras, ser criado no ambiente de outra pessoa tem
influência enquanto você ainda está no ambiente, mas não dura além do período de
criação compartilhada. Irmãos adotivos têm QIs parcialmente similares enquanto
moram juntos. Mas, quando adultos, seu QI não tem nenhuma relação. Na idade adulta,
a inteligência é como a personalidade: principalmente herdada, parcialmente
influenciada por fatores exclusivos do indivíduo e muito pouco afetada pela família em
que foi criado. Esta descoberta demoliu a antiga idéia de que os genes surgem antes e a
criação depois.
O que isso parece refletir é que a experiência intelectual de uma criança é gerada
por terceiros. Um adulto, ao contrário, gera seus próprios desafios intelectuais. O
“ambiente” não é uma coisa inflexível e real: é um conjunto único de influências
ativamente escolhidas pelo próprio protagonista. Ter um certo conjunto de genes
predispõe alguém a experimentar um certo ambiente. Ter genes “esportivos” torna você
predisposto a praticar um esporte; ter genes “intelectuais” faz com que você procure
atividades intelectuais. Os genes são agentes da criação. 42
Como um paralelo, como os genes afetam o peso? Presumivelmente através do
controle do apetite. Em uma sociedade rica, aqueles que ganham mais peso são mais
famintos, e assim comem mais. A diferença entre um ocidental geneticamente gordo e
um ocidental geneticamente magro está no fato de que é mais provável que o primeiro
vá comprar um sorvete. Será que é o gene ou o sorvete que causa sua gordura? Bem,
obviamente são os dois. Os genes estão levando o indivíduo a sair e se expor a um fator
ambiental, neste caso o sorvete. Certamente deve ser o mesmo no caso da inteligência.
Ë provável que os genes afetem o apetite mais que a aptidão. Os genes não tornam você
inteligente; eles aumentam a probabilidade de você desfrutar do aprendizado. Como
você gosta de ler, passa mais tempo nesta atividade e fica mais inteligente. A natureza
só pode agir por meio da criação. Ela só pode agir incitando as pessoas a buscar as
influências ambientais que satisfarão seus apetites. O ambiente age como um
multiplicador de pequenas diferenças genéticas, levando crianças esportivas aos
esportes que as recompensem e crianças brilhantes aos livros que as recompensem. 43
A conclusão principal na genética do comportamento é, em seu extremo, contrária
à intuição. Ela diz a você que a criação tem um papel na determinação da personalidade,
da inteligência e da saúde — que os genes importam. Mas não diz a você que este papel
ocorre à custa da criação. Antes de mais nada, prova bastante dramaticamente que a
criação tem tanta importância quanto a natureza, embora seja inevitavelmente pior em
discernir como (não há equivalente ambiental para o experimento natural criado pelos
gêmeos idênticos e fraternos). Galton estava completamente errado em um aspecto
importante. A natureza não prevalece sobre a criação; elas não se completam; elas não
são rivais; não existe absolutamente natureza versus criação.
Paradoxalmente, se a sociedade ocidental chegou ao ponto em que a herdabilidade
da inteligência é tão alta, então isso significa que chegamos a algo que se aproxima da
meritocracia, onde sua formação não importa. Mas isso também revela algo
verdadeiramente surpreendente sobre os genes. Eles variam em um espectro normal do
comportamento humano. Podemos esperar que os genes sejam como a vitamina C ou as
famílias — eles só se tornam limitantes quando são disfuncionais. Assim, genes
defeituosos podem causar raras mentes defeituosas, bem como causar doenças raras. A
depressão grave, a doença mental ou a deficiência mental podem ser causadas por
variações raras nos genes, assim como todas essas coisas podem ser causadas por
criações raras e estranhas. Então esta seria a perfeita utopia em que, uma vez que se
tenham genes normais e uma família normal, todos tenham a mesma personalidade e a
mesma inteligência em potencial. Os detalhes seriam devidos a acidente ou
circunstância.
Mas não é assim que acontece. A genética do comportamento revela com bastante
perfeição que há diferenças genéticas que são comuns e afetam nossa personalidade na
gama da experiência humana normal. Há val-vals e met-mets entre nós não só para o
gene BDNF mas também para muitos outros genes que afetam a personalidade, a
inteligência e outros aspectos da mente. Assim como algumas pessoas são
geneticamente melhores que outras na aquisição de força muscular, de acordo com a
versão do gene ACE que elas possuem no cromossomo 17, 44 outras são geneticamente
mais capazes de absorver educação de acordo com as versões que possuem de alguns
genes desconhecidos. Estas mutações não são raras; são comuns.
Do ponto de vista da biologia da evolução, isso é um escândalo. Por que há tanta
variação genética “normal”, ou, para dar um nome apropriado, polimorfismo?
Certamente, as variantes “inteligentes” dos genes levariam aos poucos à extinção dos
“burros”, e os fleumáticos expulsariam os excitáveis. Um tipo deve inevitavelmente ser
superior a outro na garantia da sobrevivência ou de vantagens de acasalamento. Assim,
um tipo deve dotar seu possuidor de uma capacidade maior de se tornar um ancestral
fecundo. Todavia, não há evidências de genes se extinguindo desta maneira. Parece
haver uma espécie de coexistência satisfatória de diferentes versões de genes na
população humana.
Misteriosamente, há mais variação genética na população humana do que a
ciência tem o direito de esperar. A genética do comportamento, lembre-se, não descobre
o que determina o comportamento; ela descobre o que varia. E a resposta é que são os
genes que variam. Contrariando a opinião popular, a maioria dos cientistas adora
enigmas. Eles se dedicam a descobrir novos mistérios e não a catalogar fatos. Aquele
pessoal de jaleco branco nos laboratórios leva sua vida na frágil esperança de decifrar
um enigma ou um paradoxo realmente admirável. E aqui está um deles.
Há muitas teorias para explicar o enigma, embora nenhuma delas seja
inteiramente satisfatória. Talvez nós, seres humanos, tenhamos simplesmente relaxado
tanto a seleção natural, por nos mantermos vivos com a tecnologia, que nossas mutações
proliferaram. Mas então, por que a mesma variação está presente em outros animais?
Talvez haja uma forma delicada de equilibrar a seleção, que sempre favorece as
variantes raras, mantendo assim os genes raros longe da extinção. Esta idéia certamente
parece explicar a variabilidade no sistema imunológico, porque a doença favorece
versões raras de genes que atacam as versões comuns; mas não fica imediatamente
óbvio por que isso deve preservar um polimorfismo na personalidade. 45 Talvez a
escolha do parceiro estimule a diversidade. Ou talvez alguma idéia nova, ainda inaudita,
venha a explicar este fenômeno. Explicações concorrentes para o polimorfismo já
causaram divisões amargas entre evolucionistas na década de 1930, e estas
controvérsias não se assentaram ainda.

ACENTUANDO O POSITIVO

Normalmente, a esta altura, um livro sobre a genética do comportamento daria uma


guinada para a crítica mordaz de um ou outro lado do debate natureza-criação. Ou eu
afirmaria que os estudos com gêmeos têm motivos dúbios, planejamento falho,
interpretação idiota e provavelmente estimulam o fascismo e o fatalismo; ou afirmaria
que eles são um corretivo moderado e sensato para o dogma maluco da tabula rasa, que
tem nos obrigado a tentar acreditar que não há uma coisa chamada personalidade inata
ou talento mental, e que é tudo culpa da sociedade.
Tenho uma certa simpatia pelas duas posições. Mas estou resistindo resolutamente
à tentação de entrar neste tipo de comentário, que tem perturbado o debate natureza-
criação. A filósofa Janet Radcliffe Richards chegou satisfatoriamente ao âmago do
assunto: “Se se acompanhar em detalhes qualquer dos argumentos sobre o que se supõe
que os oponentes dizem neste debate, pode-se ficar bastante atordoado com a
quantidade de citações erradas, citações fora de contexto, a busca pela pior interpretação
do que é dito e a flagrante deturpação que se segue.” 46 Pelo que sei, os cientistas erram
com mais freqüência quando se criticam mutuamente. Quando afirmam que sua idéia
favorita é verdadeira e outra idéia é, por conseguinte, falsa, eles podem estar certos na
primeira e errados na segunda: as duas idéias podem ser parcialmente verdadeiras.
Como exploradores afirmando sobre que afluente é a nascente do Nilo, eles estão se
esquecendo de que o Nilo precisa dos dois afluentes, caso contrário seria um córrego.
Qualquer geneticista que diz que descobriu uma influência para os genes e que,
portanto, não há papel para o ambiente, está tapeando. E qualquer defensor da criação
que diga que descobriu um fator ambiental e que, portanto, não há papel para os genes,
também esta tapeando.
A história do QI é um exemplo muito claro deste fenômeno. Denomina-se efeito
Flynn, depois de ser descoberto por James Flynn, o fato notável de que as pontuações
médias de QI estão crescendo de forma estável à taxa de pelo menos 5 pontos por
década. Isto mostra que o ambiente influencia o QI; implica que, comparados com
nossos avós, estamos todos oscilando na margem da genialidade, o que parece
improvável. Porém, alguma coisa sobre a vida moderna, seja a nutrição, a educação ou o
estímulo mental, está tornando cada geração melhor em testes de QI que seus pais.
Portanto, foi dito por um ou dois defensores da criação (mas não Flynn)
triunfantemente, o papel dos genes deve ser menor do que se pensava. Mas a analogia
da altura mostra que esta é uma conclusão falsa. Graças a uma nutrição melhor, cada
geração é mais alta que seus pais, mas ninguém afirmaria que por isso a altura é menos
genética do que se pensava. De fato, porque a maioria das pessoas agora chega a seu
pleno potencial de estatura, a herdabilidade da variação na altura provavelmente está
aumentando.
O próprio Flynn agora pensa que compreende seu efeito em referência à forma
como o apetite reforça a aptidão. Durante o século XX, a sociedade progressivamente
fez com que a realização intelectual e escolar fosse mais recompensadora para as
crianças. Assim recompensadas, elas reagiram exercitando mais aquelas partes do
cérebro. Por analogia, a invenção do basquete estimulou mais crianças a praticar suas
habilidades de basquete. Como resultado, cada geração é melhor neste esporte. Dois
gêmeos idênticos são parecidos em sua capacidade para o basquete porque começaram
com uma aptidão similar, o que lhes deu o mesmo apetite para o jogo, que lhes trouxe a
mesma oportunidade para a prática. Trata- se de aptidão e apetite, e não de um ou outro.
Um gêmeo idêntico, tendo os mesmos genes de seu irmão, passa a se envolver na
mesma experiência. 47

EUTOPIA

Ao final de sua longa vida, Francis Galton sucumbiu à tentação em que caíram muitos
homens proeminentes. Escreveu uma utopia. Como todas as descrições da sociedade
ideal, de Platão e Thomas Morus em diante, ele descreve o tipo de Estado totalitário em
que ninguém, em seu juízo perfeito, gostaria de viver Este é um lembrete útil de um
tema recorrente em todo este livro: o pluralismo é essencial nas causas da natureza
humana. Galton estava certo sobre o poder dos fatores herdáveis na natureza humana
mas errado em pensar que, por causa disso, a criação não importava.
Galton escreveu seu livro em 1910, aos oitenta anos. Intitulado Kantsaywhere, se
propôs a ser o diário de um homem chamado Donoghue, um professor de estatística
vital. Ele chega a Kantsaywhere, colônia governada por um conselho que segue linhas
inteiramente eugênicas. Ele conhece a Srta. Augusta Allfancy, que está prestes a fazer
um exame no Colégio de Eugenia.
A política eugênica de Kantsaywhere foi inventada por um Sr. Neverwas, que
deixou seu dinheiro para ser usado para o aperfeiçoamento da linhagem humana. Os que
se saíam bem nos exames eugênicos, por terem dons herdáveis, eram recompensados de
várias formas; os que eram apenas aprovados tinham permissão para procriar mas
pouco; os que fracassavam eram enviados a colônias de trabalho, nas quais seus deveres
não eram especialmente onerosos mas permaneciam celibatários. A propagação dos
desajustados é um crime contra o Estado. Donoghue acompanha Augusta a vários
lugares, nos quais ela conhece parceiros em potencial, porque se casará aos 22 anos.
Felizmente para Galton a Methuen não quis publicar o romance, e sua sobrinha-
neta Eva conseguiu impedir que tivesse uma circulação ampla. 48 Pelo menos, ela
percebeu como era constrangedor. O que não percebeu absolutamente é que a sociedade
controlada de Galton era também terrivelmente profética para o século XX.
CAPÍTULO QUATRO

A Loucura das Causas

A palavra “causa’ é um altar a um deus desconhecido.

William James 1

Na maior parte do século XX, abusou-se do termo “determinismo”, e determinismo


genético era o pior tipo dele. Os genes eram retratados como dragões implacáveis do
destino, cujas tramas contra a donzela do livre-arbítrio só eram derrotadas pelo nobre
cavaleiro da criação. Esta visão chegou ao seu zênite na década de 1950, como resultado
das atrocidades nazistas, mas foi sustentada muito tempo antes em alguns recantos da
inquirição filosófica. Na psiquiatria, a moda estava mudando para uma oposição às
explicações biológicas por volta de 1900, exatamente na época em que Galton vencia o
debate da herança no comportamento humano de modo mais geral. Em vista do que
aconteceu depois, é uma ironia amarga que esta mudança para a criação tenha
acontecido primeiro no mundo de língua alemã.
A figura central do início da história da psiquiatria, antes de Sigmund Fred, foi
Emil Kraepelin. Nascido em 1856, Kraepelin se formou em psiquiatria em Munique no
final da década de 1870, mas não gostou da experiência. Ele tinha problemas de visão e
não gostava de examinar, ao microscópio, seções de cérebro morto. Na época a
psiquiatria, uma especialidade alemã, baseava-se na concepção de que as causas da
doença mental seriam descobertas no cérebro. Se a mente era o produto do cérebro,
então a origem dos distúrbios mentais podia ser identificada em disfunções de partes do
cérebro, como a doença cardíaca era causada por partes defeituosas do coração. Os
psiquiatras estavam se assemelhando a cirurgiões cardíacos, diagnosticando e curando
males físicos.
Kraepelin opôs-se a este raciocínio. Após um período de peregrinação acadêmica,
em 1890 ele se estabeleceu em Heidelberg e foi o pioneiro de um novo meio de
classificar os pacientes mentais, baseado não em seus sintomas, e muito menos na
aparência de seu cérebro, mas em suas histórias pessoais. Ele reunia o histórico de cada
paciente em cartões separados, de forma que podia ver a história individual. Diferentes
doenças mentais, afirmava ele, tinham progressões caracteristicamente diferentes.
Somente reunindo informações sobre cada paciente durante um espaço de tempo era que
se podia distinguir as características separadas de cada doença. O diagnóstico era o filho
do prognóstico, não o pai.
Na época, os psiquiatras estavam vendo um número cada vez maior de pacientes
com uma aflição específica. Jovens, principalmente em seus vinte anos, sofriam de
ilusões, alucinações, indiferença emocional e insensibilidade social. Kraepelin foi o
primeiro a delinear esta aparentemente nova doença, chamando-a Dementia praecox, ou
demência precoce. Hoje é conhecida por um nome menos útil, cunhado em 1908 pelo
seguidor de Kraepelin, Eugen Bleuter: “esquizofrenia’. Há muita discussão, na
atualidade, sobre se a esquizofrenia tornou-se mesmo subitamente mais freqüente ou se
estava sendo observada em pessoas mentalmente doentes que pela primeira vez
deixavam o lar e eram internadas em instituições. O balanço das evidências sugere que,
apesar desta tendenciosidade, houve um aumento real na doença mental durante o
século XIX e que a esquizofrenia, em particular, era uma doença rara antes de meados
do século.
A esquizofrenia possui muitas formas e vários graus de gravidade, mas a doença
não tem nenhuma característica notavelmente consistente. Os esquizofrênicos
experimentam seus pensamentos como ruído. Nos velhos tempos, isto era chamado
ouvir vozes, mas hoje, em geral, assume a forma de acreditar que a CIA implantou um
dispositivo em sua cabeça. Eles também imaginam que os outros podem ler sua mente
e, por serem capazes de personalizar qualquer acontecimento, pensam que o locutor do
telejornal está lhes mandando mensagens secretas. A paranóia os leva a teorias
complicadas de planos secretos que provavelmente os levarão a rejeitar um tratamento.
Dada a quantidade de formas em que o cérebro pode falhar, tal padrão consistente
sugere que a esquizofrenia é uma só doença e não uma coleção de sintomas
semelhantes.
Kraepelin distinguia a dementia praecox de uma síndrome diferente, caracterizada
pelo humor que oscila entre a mania e a depressão, que ele chamou de depressão
maníaca e hoje em dia é denominada distúrbio bipolar. Característicos de cada doença
eram seu curso e o resultado, e não sua manifestação. Podiam ser menos distinguidas
ainda por diferenças visíveis no cérebro. Kraepelin estava dizendo que a psiquiatria
devia abandonar a anatomia e ser agnóstica em relação às causas:
Uma vez que somos clinicamente incapazes de agrupar doenças com base na causa, e de separar
causas dessemelhantes, nossa visão sobre a etiologia continuará necessariamente obscurecida e
contraditória. 2

Mas qual é a causa, afinal? As causas da experiência humana incluem os genes,


acidentes, infecções, ordem de nascimento, professores, pais, circunstâncias,
oportunidade e acaso, para citar apenas as mais óbvias. Às vezes uma causa se agiganta,
mas nem sempre. Quando se pega uma gripe, a causa principal é um vírus; mas, quando
se pega pneumonia, a bactéria é somente uma oportunista — em geral é necessário que
seu sistema imunológico tenha sido deprimido por fome, hipotermia ou estresse. É esta
a “verdadeira” causa? Da mesma forma, as doenças “genéticas”, como a coréia de
Huntington, são causadas precisa e simplesmente por mutação em um gene; os fatores
ambientais quase não têm influência no resultado. Mas pode-se considerar que a
fenilcetonúria (PKU), uma forma de retardo mental causada por incapacidade de digerir
fenilalanina, é causada ou por mutação ou por fenilalanina na dieta — a doença pode ser
vista como resultado da natureza ou da criação, dependendo de sua preferência. O
padrão é muito mais complexo quando muitos genes e muitos fatores ambientais
diferentes quase certamente estão envolvidos, como é o que provavelmente acontece na
esquizofrenia.
Portanto, neste capítulo, ao investigar a causa da esquizofrenia, espero criar
confusão com toda a idéia de “causa’. Em parte porque a causa da esquizofrenia ainda é
uma questão em aberto, com muitas explicações rivais cobrindo todas as possibilidades.
É plausível que você acredite que os genes, ou os vírus, ou as dietas, ou os acidentes
sejam a principal causa da psicose. Mas a confusão fica mais profunda que isso, porque,
quanto mais perto a ciência está de compreender a esquizofrenia — e ela está muito
perto — mais toldada fica a distinção entre causa e sintoma. As influências genéticas e
ambientais parecem funcionar juntas, requerer uma à outra; assim, é impossível dizer o
que é causa e o que é efeito. A dicotomia de natureza e criação deve confrontar primeiro
a dicotomia de causa e efeito

A CULPA É DA MÃE

A primeira testemunha que convoco para explicar a causa da esquizofrenia é o


psicanalista. Ele dominou o assunto por metade do século XX. O agnosticismo de
Kraepelin sobre as causas da psicose, que transfixou a psiquiatria na virada do século
XX, deixou um vácuo que os freudianos estavam destinados a preencher. Por
aparentemente negar as explicações biológicas da doença mental e enfatizar a história
de vida, Kraepelin abriu caminho para a psicanálise, com sua ênfase nos acontecimentos
da infância como causa de neurose e psicose posteriores.
A extraordinária disseminação da psicanálise entre 1920 e 1970 deve-se mais ao
marketing do que aos triunfos terapêuticos. Por falar aos pacientes sobre sua infância, os
analistas oferecem uma humanidade e uma empatia que antes não estavam disponíveis.
Isso os tornou populares quando as alternativas eram um sono profundo à custa de
barbitúricos, coma insulínico, lobotomia ou convulsões por eletrochoque: todos
desagradáveis, viciantes ou perigosos. Ao destacar o inconsciente e a repressão de
lembranças da infância, os psicanalistas também dão à psiquiatria “um passe de saída do
manicômio”. Na verdade, ela agora pode oferecer seus serviços àqueles que não são
doentes, mas infelizes, que podem pagar pela oportunidade de contar sua história de
vida enquanto estão deitados no divã. Nos Estados Unidos, a prática particular, lucrativa
e próspera foi a força motriz pela qual os psicanalistas gradualmente tomaram o lugar da
psiquiatria e criaram a sua própria profissão. Na década de 1950, até a educação de
psiquiatras era dominada por psicanalistas. A chave para cada problema psicológico do
indivíduo estava em sua história pessoal, especificamente em uma causa social ou
psicogênica.
“O tratamento pela fala” foi um grande aperfeiçoamento em relação às
alternativas da época. Mas, como acontece com freqüência, a psicanálise foi longe
demais e começou a afirmar que outras explicações não só eram desnecessárias, mas
erradas — moral bem como factualmente. As explicações biológicas da doença mental
tornaram-se uma heresia. Como todas as religiões eficazes, a psicanálise redefiniu
engenhosamente o ceticismo como mais uma prova da necessidade de seus serviços. Se
um médico prescrevia um sedativo ou levantava dúvidas sobre uma história
psicanalítica, ele estava meramente manifestando sua própria neurose.
Em princípio, os freudianos evitavam a psicose grave, concentrando-se em vez
disso na neurose. O próprio Sigmund Freud era cauteloso com o tratamento de pacientes
psicóticos, acreditando que estava além de seus métodos, embora tenha se arriscado a
fazer a perigosa afirmação de que a esquizofrenia paranóide resultava de impulsos
homossexuais reprimidos. Mas à medida que cresciam a confiança e o poder dos
analistas, especialmente nos Estados Unidos, a tentação de lidar com a psicose foi
irresistível. Em 1935, uma analista refugiada da Alemanha, Frieda Fromm-Reichmann,
chegou a Chestnut Lodge, em Rockville, Maryland, uma instituição já dedicada ao
tratamento freudiano. Rapidamente desenvolveu uma nova teoria da esquizofrenia: de
que era causada pela mãe do paciente. Em 1948, ela escreveu:
O esquizofrênico desconfia e se ressente dolorosamente de outras pessoas devido às graves
perversão e rejeição inicial que ele encontrou em pessoas importantes de sua infância, via de regra,
principalmente em uma mãe esquizofrênica. 3
Logo depois disso, um herdeiro de Freud com estilo próprio, Bruno Bettelheim, ficou
famoso com um diagnóstico semelhante para o autismo: era causado por uma “mãe-
geladeira” indiferente, cuja frieza em relação a seu filho destruía a capacidade do
menino de adquirir habilidades sociais. Bettelheim tinha sido encarcerado pelos nazistas
em Dachau e Buchenwald, mas conseguiu comprar sua saída das piores partes do campo
e de alguma forma arranjou sua libertação em 1939, sob circunstâncias que continuam
misteriosas. Ele emigrou para Chicago, onde fundou um lar para crianças emocional-
mente perturbadas. 4 Sua enorme reputação não sobreviveu muito a seu suicídio, em
1990. Os estudos de gêmeos demoliram completamente a teoria da mãe-geladeira, que
espalhou culpa e vergonha em uma geração de pais: a herdabilidade do autismo é de
90%. Um gêmeo idêntico com autismo era irmão de um autista em 65% dos casos; a
concordância para gêmeos fraternos era de 0%. 5
Então foi a vez dos homossexuais, e desta feita a culpa recaía sobre a rigidez
emocional do pai ou a personalidade dominadora da mãe. Alguns freudianos ainda
sustentam estas teorias. Um livro recente afirmou:
Um pai [de um homem gay] o rejeita, ou é retraído, ou fraco, ou ausente — emocional,
literalmente ou uma combinação dos dois — e a relação conjugal é desarmoniosa. Os homens gays
tendem a ter relacionamentos negativos com seus pais, e metade deles (comparada com um quarto
dos heterossexuais) sente raiva, ressentimento e medo em relação ao pai que eles julgam frios,
hostis, desinteressados ou submissos.6

Tudo isso provavelmente é verdade. Seria um milagre se a maioria dos pais


heteros não tivesse um “relacionamento negativo” com seus filhos gays. Mas o que veio
primeiro? Todos, exceto os freudianos radicais, há muito deixaram de pressupor que o
relacionamento causa a homossexualidade, em vez de o contrário. (A correlação nada
nos diz sobre a causalidade e muito menos sobre a direção.) O mesmo é válido para as
teorias parentais da esquizofrenia e do autismo. Mães de crianças autistas, como pais de
garotos homossexuais, retraem-se frustradas com o comportamento do filho. As mães
de crianças esquizotípicas podem na verdade reagir mal à psicose que se desenvolve do
filho. A conseqüência tem sido confundida com a causa. 7
Para os pais de jovens esquizofrênicos, já sob um estresse terrível, a culpabilidade
freudiana foi um golpe que eles não conseguiram evitar. A dor que isso causou a uma
geração de pais teria sido mais suportável se houvesse qualquer evidência em apoio a
esta tese. Mas logo ficou óbvio, para qualquer observador neutro, que o tratamento
freudiano não estava conseguindo curar a esquizofrenia. Na verdade, na década de
1970, alguns psiquiatras foram corajosos o bastante para admitir que a psicanálise
realmente parecia piorar os sintomas: “O resultado para os pacientes que receberam
somente psicoterapia foi significativamente pior do que o resultado no grupo controle
sem tratamento”, disse um, desolado. 8 Na época, a psicanalise foi usada para tratar
dezenas de milhares de esquizofrênicos.
Com a mesma frequência, em meados do século, a “evidência’ era baseada em um
sólido pressuposto — de que a criação, e não a natureza, explicava a maior parte das
semelhanças entre pais e filhos. No caso da esquizofrenia, se não tivessem ignorado os
biólogos, os analistas teriam tomado conhecimento de que este pressuposto já era
injustificado — graças aos estudos de gêmeos.
Nas décadas de 1920 e 30, um imigrante judeu da Rússia, Aaron Rosanoff, reuniu
dados sobre gêmeos na Califórnia e os usou para testar a herdabilidade da doença
mental. Em mais de mil pares de gêmeos, em que um gêmeo era doente mental, ele
identificou 142 esquizofrênicos. Em 48% dos gêmeos idênticos, o outro gêmeo também
desenvolvia esquizofrenia, enquanto isso era válido para somente 15% dos gêmeos
fraternos. Ele descobriu uma diferença similar em gêmeos maníaco-depressivos.
Todavia, porque os genes estavam fora de moda na psiquiatria, Rosanoff foi ignorado.
De acordo com o historiador Edward Shorter:
Os estudos de gêmeos de Rosanoff representam inquestionavelmente a principal contribuição
americana à literatura psiquiátrica internacional nos anos entre as duas grandes guerras, mas a
história oficial da psiquiatria americana, dominada por autores de orientação psicanalítica,
desprezou seu trabalho com um silêncio quase completo. 9

Franz Kallmann, que tinha emigrado da Alemanha em 1935, fez um estudo semelhante
de 691 gêmeos esquizofrênicos em Nova York, e chegou a resultados ainda mais
sólidos (86% de concordância para os gêmeos idênticos, 15% para os fraternos). Foi
vaiado pelos analistas no Congresso Mundial de Psiquiatria em 1950. Rosanoff e
Kallmann, ambos judeus, foram ainda acusados de nazismo por usar estudos de gêmeos.
A teoria materna da esquizofrenia foi protegida dos fatos desagradáveis por mais duas
décadas.
O consenso atual é de que os “fatores psicossociais” têm um efeito pequeno, se é
que têm algum. Em um estudo finlandês de adotivos, ficou evidente que era um pouco
mais provável que filhos de esquizofrênicos exibissem distúrbio de pensamento se suas
mães adotivas também mostrassem o que era eufemisticamente chamado “desvio de
comunicação”. Mas não havia tal efeito para filhos de pais biológicos não afetados.
Assim, se existe uma “mãe esquizofrenogênica” ela só pode atingir aqueles de sua
descendência que têm suscetibilidade genética. 10

A CULPA É DOS GENES

A segunda testemunha a ser chamada acredita que a esquizofrenia é cansada pelos


genes. Ele usa todos os argumentos da genética do comportamento. A esquizofrenia
ocorre claramente em famílias. Ter um primo em primeiro grau com esquizofrenia
duplica seu risco de 1 para 2%. Ter um meio-irmão ou tia com esquizofrenia triplica-o
novamente para 6%. Ter um irmão com o distúrbio coloca-o na faixa de risco de 9%.
Ter um gêmeo não-idêntico aumenta este risco para 16%. Ter os dois pais como
distúrbio coloca-o no risco de 40%. E ter um gêmeo idêntico esquizofrênico é o mais
alto fator de risco conhecido para a doença: você tem aproximadamente 50% de
probabilidade de também ser esquizofrênico. (Este número é consideravelmente mais
baixo do que nos estudos de Rosanoff e Kallmann, por causa do diagnóstico mais
cauteloso.)
Mas os gêmeos compartilham a criação e a natureza. A partir da década de 1960,
Seymour Kety gradualmente demoliu esta objeção com um estudo crescente de adotivos
dinamarqueses (a Dinamarca tem uma base de dados estatal ímpar sobre crianças
colocadas em lares adotivos). Ele descobriu que a esquizofrenia era dez vezes mais
comum nos parentes biológicos de esquizofrênicos diagnosticados que tinham sido
adotados do que em suas famílias adotivas, O experimento contrário — filhos adotados
por esquizofrênicos — é, evidentemente, muito raro. 11
Todos esses números revelam duas coisas importantes. Primeira, que a
herdabilidade da esquizofrenia na sociedade ocidental é alta: aproximadamente 80%, ou
aproximadamente a mesma herdabilidade do peso corporal, e consideravelmente mais
alta que a da personalidade. Mas, segunda, eles revelam que muitos genes estão
envolvidos. De outra forma, o número para os gêmeos fraternos estaria muito mais
próximo do número para gêmeos idênticos. 12
A testemunha dos genes é portanto extraordinariamente convincente. Poucas
doenças mostram esta evidência clara de herança, exceto as que são causadas por genes
únicos. Devia ser uma questão banal, nesta era do genoma, identificar os genes da
esquizofrenia. Na década de 1980, cheios de confiança, os geneticistas tentaram
descobri-los. Os genes da esquizofrenia estavam entre as presas mais populares na caça
mundial de genes. Comparando os cromossomos de pessoas que tinham a doença com
os de seus parentes que não a tinham, os geneticistas tentaram identificar estes
fragmentos de cromossomos que eram consistentemente diferentes e assim ter uma idéia
aproximada de onde procurar os genes reais. Em 1988, usando genealogias bem
registradas de pessoas da Islândia, uma equipe obteve um sólido resultado. Eles tinham
encontrado uma parte do cromossomo 5 que era aparentemente anormal nos
esquizofrênicos, mas não em seus parentes próximos. Na mesma época, uma equipe
rival topou com um fenômeno semelhante: a esquizofrenia aparentemente associada
com um pedaço a mais de cromossomo 5. 13
Choveram congratulações sobre os vencedores. Manchetes na imprensa
proclamaram as novidades da descoberta do “gene da esquizofrenia”. Este foi um entre
os muitos genes do comportamento anunciados nesta época — genes para a depressão,
para o alcoolismo e outros problemas psiquiátricos. Os próprios cientistas foram
cuidadosos em reconhecer na imprensa menor que o resultado era preliminar, e que este
era somente um gene para a esquizofrenia, e não o gene.
Apesar disso, poucos estavam preparados para a decepção que se seguiu. Outros
tentaram reproduzir o resultado, sem sucesso. No final da década de 1990, reconheceu-
se que a associação com o cromossomo 5 era um “falso positivo” — uma miragem. Este
tinha sido o padrão com os genes que afetam doenças complexas da mente:
repetidamente, na década passada, eles se mostraram ilusórios. E mais uma vez a
empolgação inicial se esvaiu. Os cientistas aprenderam a anunciar com muito mais
cautela associações entre um distúrbio e um trecho de um cromossomo. Ninguém agora
leva um anúncio desses a sério até que o resultado do experimento tenha sido
reproduzido.
Agora a esquizofrenia tem sido relacionada com marcadores na maioria dos
cromossomos humanos. Somente seis cromossomos humanos (3, 7, 12, 17, 19 e 21) não
têm possíveis ligações com a esquizofrenia. Mas poucas das ligações se mostram
duráveis, e cada estudo parece descobrir uma ligação diferente. Pode haver bons
motivos para isso. Pode ser que as diferentes populações tenham mutações diferentes.
Quantos mais genes estão envolvidos nas pessoas predispostas à esquizofrenia, mais
provável é que haja mutações que produzem efeitos semelhantes. Imagine, por exemplo,
se falta luz em seu quarto. Pode ser um problema na lâmpada, no fusível ou no disjuntor
do circuito; pode até ser um corte de energia. Se não conseguir reproduzir uma
associação entre o disjuntor e a queda de luz, você indignamente rejeita-o como um
“falso positivo”. As lâmpadas, e não os disjuntores, são a causa da escuridão em seu
quarto.
Mas pode muito bem ser as duas coisas. No cérebro, um sistema de complexidade
muito maior, não há três ou quatro coisas possíveis que podem dar errado, mas
milhares. Os genes ativam outros genes, que ativam ainda mais genes, e assim por
diante até que haja montes de genes envolvidos até na via mais simples. A desativação
de qualquer um pode interromper toda a via. Mas você não esperaria encontrar o mesmo
gene desativado em todo esquizofrênico. Quanto mais genes podem causar a falha na
via, mais difícil será reproduzir as associações entre a doença e o gene. Assim, os falsos
positivos não são necessariamente desestimulantes ou mesmo errados (embora alguns
possam ser acasos estatísticos). Nem os estudos de falha de ligação provam, como
alguns têm aventado, que todo o conceito por trás do “determinismo neurogenético”
está errado. O papel dos genes na esquizofrenia é provado pelos estudos com gêmeos e
adotivos, e não pela descoberta ou pelo fracasso na busca de genes específicos. Mas é
justo dizer que os estudos de ligação, que funcionaram tão bem para doenças de um só
gene, como a coréia de Huntington, tenham falhado amplamente na psicose.

A CULPA É DAS SINAPSES

Chamo a terceira testemunha. Alguns cientistas, em vez de tentar descobrir o que era
diferente nos genes de esquizofrênicos, tentaram compreender o que era diferente em
sua bioquímica cerebral. A partir daí, eles deduziriam que genes controlam sua
bioquímica e assim investigariam os genes candidatos . A primeira escala foi feita no
receptor de dopamina, sendo a dopamina um “neurotransmissor”, ou sistema de relé
químico entre certos neurônios no cérebro. Um neurônio libera dopamina na sinapse
entre as células (uma sinapse é um hiato estreito especial), e isso causa o início da
transmissão de sinais elétricos no neurônio adjacente.
O foco na dopamina foi inevitável depois de 1955, o ano em que a droga
clorpromazina começou, a ser usada amplamente em esquizofrênicos. Para os
psiquiatras forçados a escolher entre a brutalidade da lobotomia e a inutilidade da
psicanálise, a droga era uma dádiva de Deus. Ela genuinamente restaurava a sanidade.
Pela primeira vez, os esquizofrênicos podiam deixar o manicômio e voltar a ter uma
vida normal. Somente mais tarde surgiriam os terríveis efeitos colaterais, e com eles o
problema dos pacientes se recusarem a tomar a medicação. A clorpromazina induzia em
alguns pacientes uma degeneração progressiva do controle do movimento, semelhante a
doença de Parkinson.
Mas apesar de não representar uma cura, a droga parecia oferecer uma pista vital
para a causa. A clorpromazina e suas sucessoras eram substâncias químicas que
bloqueavam os receptores de dopamina e evitavam que eles tivessem acesso à
dopamina. Além disso, as drogas que aumentam os níveis de dopamina no cérebro,
como as anfetaminas, provocam surtos psicóticos exacerbados. Terceiro, a varredura
eletrônica cerebral mostra que as partes do cérebro nutridas com dopamina são mais
atípicas nos esquizofrênicos. A esquizofrenia deve ser um distúrbio de
neurotransmissores, em particular da dopamina.
Há cinco tipos diferentes de receptores de dopamina nos neurônios receptores.
Dois deles (D2 e D3) mostraram-se defeituosos em alguns esquizofrênicos, mas
novamente o resultado é decepcionantemente fraco e difícil de reproduzir. Além disso, a
melhor droga antipsicótica prefere bloquear receptores D4. Para piorar as coisas, o gene
D3 está no cromossomo 3, que é um dos seis cromossomos que, nos estudos de ligação,
nunca se conseguiu associar com a esquizofrenia.
A teoria da dopamina na esquizofrenia aos poucos saiu de moda, no mínimo
depois da descoberta de camundongos com a sinalização de dopamina defeituosa que
não se comportavam absolutamente como pessoas esquizofrênicas. Recentemente a
atenção tem se voltado para um sistema diferente de sinalização no cérebro, o sistema
do glutamato. Os esquizofrênicos parecem ter muito pouca atividade em um tipo de
receptor de glutamato (chamado receptor NMDA) em seu cérebro, assim como têm
dopamina demais. Uma terceira possibilidade é o sistema de sinalização da serotonina.
Aqui tem havido mais sucesso, porque um dos genes candidatos, chamado 5HT2A,
parece estar, com bastante freqüência, defeituoso em esquizofrênicos, e se localiza em
um dos cromossomos (13) mais acusados por estudos de ligação. Mas o efeito ainda é
decepcionantemente fraco. 14
Com a chegada do ano 2000, nem os estudos de ligação nem a pesquisa de genes
candidatos resolveu o problema de que genes eram responsáveis pela herdabilidade da
esquizofrenia. Mas na época o Projeto Genoma Humano estava perto de sua conclusão,
então todos os genes estavam pelo menos presentes, nas entranhas dos computadores;
mas como descobrir os poucos que importam? Pat Levitt e seus colegas em Pittsburgh
colheram amostras de córtex pré-frontal de esquizofrênicos mortos para descobrir que
genes tinham agido estranhamente. Eles classificaram cuidadosamente os indivíduos
por sexo, tempo desde a morte, idade e acidez cerebral. Depois usaram microarrays
para amostrar perto de 8.000 genes e identificar os que pareciam se expressar de forma
diferente em esquizofrênicos. O primeiro foi um grupo de genes envolvidos nas
“funções secretórias pré-sinápticas”. Em bom português, isto significa os genes
envolvidos na produção de sinais químicos a partir dos neurônios — sinais como a
dopamina e o glutamato. Dois destes genes, em particular, eram menos ativos nos
esquizofrênicos. Surpreendentemente, estes genes estão nos cromossomos 3 e 17 —
dois dos seis cromossomos em que os estudos de ligação não encontraram uma
associação com a esquizofrenia. 15
Mas outro gene também surgiu deste estudo, apontando para um dos locais
cromossomiais certos (no cromossomo 1). É um gene chamado RGS4, e é ativo no lado
descendente da sinapse — isto é, no terminal receptor dos sinais químicos. Tinha sua
atividade drasticamente reduzida em dez esquizofrênicos do grupo estudado por Levitt.
Em animais, a atividade do RGS4 é reduzida por estresse agudo. Talvez isto explique
uma característica universal dos esquizofrênicos, de que o estresse tende a trazer-lhes
episódios psicóticos. No caso do brilhante matemático de Princeton John Nash, uma
prisão e a conseqüente perda de seu emprego, além do desespero de não conseguir
resolver um problema da mecânica quântica, parecem tê-lo derrubado no abismo. No
caso de Hamlet, ver a mãe se casar com o assassino de seu pai pode ser considerado
estresse suficiente para levar qualquer um a enlouquecer. Se tal estresse deprime a
atividade de RGS4, e se o RGS4 já é baixo em tipos vulneráveis, então o estresse pode
estimular a própria psicose. Mas isso não significaria que o RGS4 é a causa da
esquizofrenia, apenas que sua ausência é uma causa de sintomas piores em
esquizofrênicos depois de estresse — o que mais parece um sintoma.
Mas refreie esta especulação com a cautela. A técnica de microarray está pegando
genes que mudaram sua expressão em reação à doença bem como genes que induzem à
doença. Isto pode ser confundir a conseqüência com a causa. Esta é uma questão
essencial evocada em todo o livro. Os genes não só escrevem o roteiro; eles também
interpretam os personagens.
Contudo, a evidência dos microarrays pelo menos dá apoio às pistas fornecidas
pelos tratamentos medicamentosos de que a esquizofrenia é uma doença da sinapse,
embora pouco faça para separar causa de efeito. Algo está errado nas junções entre os
neurônios em determinadas partes do cérebro, mais especialmente no córtex pré-frontal.

A CULPA É DOS VÍRUS


Convoco a quarta testemunha, que acredita que a esquizofrenia é causada por um vírus.
A herdabilidade da esquizofrenia é alta, assinala ele, mas não é completa. Estudos de
gêmeos e estudos de adotivos deixam muito espaço para o papel dos fatores ambientais.
Na verdade, fazem mais do que isso. Eles destacam o papel da criação. Não importa
quantos genes os geneticistas acabem por descobrir, nada reduzirá o efeito do ambiente.
Lembre-se, a natureza não existe em detrimento da criação; há espaço para ambas, e
elas funcionam juntas. Talvez tudo isso que herdamos seja suscetibilidade, assim como
algumas pessoas herdam uma suscetibilidade à febre do feno — mas a causa da febre do
feno é certamente o pólen.
Os estudos de gêmeos revelam que um irmão (ou irmã) gêmeo idêntico de um
esquizofrênico tem somente uma possibilidade de 50% de ter esquizofrenia. Uma vez
que os dois têm genes idênticos, deve haver alguma coisa não genética que representa
metade da probabilidade. Além disso, suponha que dois gêmeos idênticos tenham se
casado com esposas diferentes e tenham tido filhos. E assim, um gêmeo tem
esquizofrenia, mas outro não. O que acontecerá aos filhos? Claramente, os filhos do
gêmeo afetado têm um risco bem mais alto de esquizofrenia, mas e quanto aos filhos do
gêmeo que continua sem ser afetado pela doença? Você pode esperar que, tendo
escapado da doença, é menos provável que o gêmeo não afetado venha a transmiti-la
para seus filhos. No entanto não é assim. Os filhos herdam o mesmo risco de um pai não
afetado, o que prova que ter os genes da predisposição é necessário, mas não suficiente,
para desenvolver o distúrbio. 16
A busca por fatores não genéticos na esquizofrenia recua ainda mais que a busca
por genes. Teve uma virada dramática em 1988, contudo: no ano em que a primeira
ligação genética foi aparentemente descoberta em islandeses. Esta história também é
nórdica, porque, enquanto Robin Sherrington estava testando os cromossomos de
Reykjavik, Sarnoff Mednick estudava cuidadosamente no Hospital Mental de
Helsinque. Mednick estava tentando explicar um fato bem conhecido sobre a
esquizofrenia: nascem mais esquizofrênicos no inverno que no verão. Isto acontece nos
dois hemisférios, apesar da diferença de seis meses no calendário das estações. Não é
um grande efeito, mas indubitavelmente existe, e recusa-se a desaparecer, embora as
estatísticas sejam manipuladas.
O palpite de Mednick era que as epidemias de gripe tendem a ocorrer no inverno.
Talvez haja alguma coisa na gripe que predispõe as mães a dar à luz potenciais
esquizofrênicos. Então ele examinou os registros hospitalares de Helsinque para
descobrir o efeito de uma epidemia de gripe em 1957. Certamente, as que estavam nos
três meses intermediários de sua gestação durante a epidemia tinham uma probabilidade
maior de ter a doença do que as que estavam no primeiro ou no último trimestre de
gestação.
Mednick leu os registros obstétricos de mulheres grávidas durante o surto de 1957
que deram à luz futuros esquizofrênicos. Ele descobriu que era mais provável que elas
tivessem contraído gripe durante o segundo trimestre de gravidez, os três meses
intermediários, do que antes ou depois deste período. Na Dinamarca, enquanto isso,
uma abordagem histórica produziu um resultado animador: nos anos entre 1911 e 1950,
quando a gripe era freqüente, nasceram mais esquizofrênicos. E a época mais arriscada
para a mãe pegar gripe era o sexto mês de gravidez, especialmente a 23ª semana.
E assim nasceu a hipótese viral da esquizofrenia: de que a infecção por gripe na
gravidez, especialmente durante o segundo trimestre, pode causar algum tipo de dano no
cérebro imaturo que tem o efeito, muitos anos depois, de predispor a pessoa afetada à
psicose. É claro que nem todas as mães que pegam gripe gerarão esquizofrênicos, O
efeito tende a depender dos genes: algumas pessoas são geneticamente vulneráveis ao
impacto do vírus, ou são infecciosamente vulneráveis ao impacto de seus genes,
dependendo de como você preferir olhar o problema. 17
Uma pista intrigante que pode apoiar a teoria da gripe vem da história dos gêmeos
“monocoriônicos”. Cerca de dois terços dos gêmeos idênticos são ainda mais
intimamente relacionados que os demais. Eles não só vêm do mesmo óvulo fertilizado
como desenvolvem uma única membrana externa, ou córion, dentro do útero e
compartilham a mesma placenta. (Alguns chegam a desenvolver uma única membrana
interna e são “monoamnióticos”.) Quanto mais tarde ocorre o evento de geração de
gêmeos, mais provável é que os gêmeos sejam monocoriônicos. Uma vez que gêmeos
monocoriônicos são banhados no mesmo fluido durante a gravidez, talvez encontrem as
mesmas influências não genéticas. Eles chegam a compartilhar o sangue através da
mesma placenta. Talvez encarem os mesmos vírus. Seria especialmente interessante
saber, portanto, se os gêmeos monocoriônicos têm mais correlação com a esquizofrenia
do que outros pares de gêmeos idênticos. Tais dados, contudo, são de difícil obtenção.
Teríamos de encontrar não só gêmeos mas gêmeos esquizofrênicos cujos registros de
nascimento estejam disponíveis e suficientemente detalhados para dar uma indicação de
se eles estavam em uma bolsa ou em duas. Não é de surpreender que os dados não
estejam disponíveis.
Contudo há alguns sinais reveladores. Parte dos gêmeos monocoriônicos mostra
imagens especulares: seus redemoinhos dos cabelos e suas impressões digitais estão em
lados opostos e eles escrevem com mãos diferentes. Além disso, os detalhes das
impressões digitais são mais similares em gêmeos monocoriônicos: as digitais são
criadas por volta do quarto mês de gestação. Usando estas característica como sinais
grosseiros de gêmeos monocoriônicos, James Davis, no Missouri; descobriu uma
concordância muito mais alta para a esquizofrenia em gêmeos monocoriônicos do que
em dicoriônicos. Ele especula que isso pode ser evidência para o papel dos vírus, porque
o compartilhamento de fluidos pelos gêmeos provavelmente impõe o compartilhamento
de vírus também. Mas a concordância de gêmeos monocoriônicos pode indicar
simplesmente uma exposição compartilhada a acontecimentos acidentais de todos os
tipos, não apenas a infecções. 18
Outros agentes infecciosos também podem incitar a cadeia de eventos que leva à
suscetibilidade à esquizofrenia, entre eles o vírus da herpes e a toxoplasmose, uma
doença protozoária às vezes contraída de gatos. O toxoplasma pode atravessar a
placenta de uma gestante e cegar ou retardar o feto. Também pode causar esquizofrenia
tardia. Há muito se sabe que outros danos ao feto em desenvolvimento podem ser
fatores de risco para a esquizofrenia, inclusive, e especialmente, as complicações de
parto. É difícil interpretar os dados, porque as próprias mães esquizofrênicas tendem a
ter complicações de parto. Todavia, parece que um feto privado de oxigênio no útero
por pré-eclâmpsia tem um risco de esquizofrenia nove vezes maior que o normal. O que
a fraternidade médica chama delicadamente de insulto hipóxico — a quase sufocação —
durante o nascimento é um fator de risco definido. Novamente parece interagir com os
genes. Você pode suportar melhor um episódio hipóxico com os genes certos, ou pode
superar melhor seu destino genético com um parto mais fácil. 19
A hipóxia pode ser um motivo para o fato de que os gêmeos não têm riscos
idênticos, muito embora compartilhem os genes da predisposição. Durante o parto, ou
antes dele, é provável que um gêmeo experimente a hipóxia mais do que o outro. Pode
ser este o motivo de os dois não exibirem a doença mais tarde na vida,
Contudo, há outra possibilidade mais intrigante. O vírus que causa a AIDS é um
retrovírus, o que significa que, quando se pega AIDS, os genes do vírus são literalmente
incorporados no DNA dos cromossomos de algumas células. Como isso acontece em
células sangüíneas e não em células de espermatozóides ou óvulos, tais genes não
podem ser transmitidos à descendência. Mas em algum momento no passado distante —
e mais de uma vez — um retrovírus semelhante conseguiu infectar células germinativas.
Sabemos disso porque o genoma humano contém muitas cópias diferentes de genomas
retrovirais completos, receitas para fazer partículas virais infecciosas. Conhecidos como
hervs (de human endogenous retroviruses, retrovírus endógenos humanos), eles se
colocam entre nossos genes, como invasores parasitas, e nós os transmitimos à nossa
descendência. Na verdade, versões simplificadas e resumidas destes genomas virais são
muito comuns em nosso genoma — são os chamados genes saltadores, que compõem
aproximadamente um quarto de nosso DNA. Nós, seres humanos, somos, no nível do
DNA, substancialmente descendentes de vírus.
Felizmente, o DNA viral é mantido sob uma espécie de prisão domiciliar, inativo
por um mecanismo chamado metilação. Mas sempre há o risco de um herv escapar,
criar um vírus e infectar nossas células a partir de dentro. Se isto acontecesse, o efeito
médico seria bastante ruim, mas considere-se o risco filosófico para o debate natureza-
criação. É uma doença infecciosa, como qualquer outro vírus, mas começa dentro de
nossos genes, e é transmitida dos pais para os filhos como um conjunto de genes. Parece
uma doença herdada, mas se comporta como uma infecção.
Alguns anos atrás, começaram a surgir evidências de que um evento precisamente
como esse podia explicar a esclerose múltipla. A EM tem sintomas bem diferentes dos
da esquizofrenia, mas compartilha algumas coincidências. Ambas ocorrem no início da
idade adulta; ambas são mais freqüentes em pessoas que nasceram no inverno. Assim,
Paromita Deb-Rinker, uma cientista canadense, analisou o DNA de três pares de
gêmeos idênticos, em que um membro do par tinha esquizofrenia e o outro não.
Comparando o DNA dos gêmeos afetados com o de não afetados, ela encontrou
evidências de um herv que pode ser mais ativo, ou presente em um número maior de
cópias, no gêmeo infectado. 20 Robert Yolken e seus colegas da Universidade Johns
Hopkins também procuraram por evidências de atividade de herv em esquizofrênicos.
Eles examinaram o fluido cefalorraquidiano de 35 pessoas recentemente diagnosticadas
com esquizofrenia em Heidelberg, na Alemanha, vinte pessoas que tinham sofrido do
distúrbio por muitos anos na Irlanda e trinta controles saudáveis dos dois lugares. Dez
dos esquizofrênicos alemães e um dos irlandeses mostraram evidência de genes herv
ativos, mas nenhum do grupo controle. Além disso, o retrovírus ativo provinha da
mesma família do herv de um associado com a esclerose múltipla. 21
Nada disso prova ainda que os hervs são relevantes na doença, e muito menos na
causa, mas eles sugerem uma ligação. Se os hervs realmente causam a esquizofrenia,
talvez incitados por uma infecção gripal no útero, e talvez interferindo em outros genes
durante o desenvolvimento do córtex pré-frontal no cérebro, então isso explicaria por
que o distúrbio é altamente herdável e ao mesmo tempo aparentemente associado com
diferentes genes em diferentes pessoas.

A CULPA É DO DESENVOLVIMENTO

A quinta testemunha trouxe um camundongo. Não um camundongo comum, mas um


animal que algumas vezes teve um comportamento muito estranho em sua gaiola em
1951. Ele se movia com um estranho movimento “cambaleante” (reeling), como se
dançasse (mas não de uma forma que possa ser confundida com o camundongo waltzing
japonês que mencionei no Capítulo 2). Um cientista percebeu devidamente o fenômeno,
e por acasalamentos sucessivos entre parentes rapidamente demonstrou que a causa era
um gene dos dois pais. O cérebro do camundongo reeler é meio confuso,
principalmente porque algumas camadas de células que deviam estar do lado de dentro
estão do lado de fora, O gene “reelin” foi localizado em 1995 no quinto cromossomo do
camundongo, e o equivalente humano se seguiu em 1997: um gene no cromossomo 7
que produzia uma proteína com 94% de homologia com a proteína do camundongo. É
um gene muito grande, com mais de 12.000 letras, dividido em não menos de 65
“parágrafos” separados chamados exons. Experimentos subseqüentes mostraram que a
proteína “reelin” é essencial para a organização do cérebro no feto tanto do
camundongo como do ser humano. Ela dirige a formação organizada de camadas do
cérebro, aparentemente dizendo aos neurônios onde se desenvolverem e quando parar.
O que tudo isso tem a ver com a esquizofrenia? Em 1998, uma equipe na
Universidade de Illinois mediu a quantidade de “reelin” no cérebro de esquizofrênicos
recentemente falecidos e descobriu que ela equivalia à metade dos cérebros normais
mortos. 22 Entrou em cena um novo suspeito. A migração neuronal desordenada é uma
característica da esquizofrenia, e a reelin e uma das organizadoras da migração
neuronal. Ela também ajuda a manter as “espinhas dendríticas” em que se formam as
sinapses e assim um encurtamento pode levar a sinapses defeituosas. Para os adeptos da
teoria da gripe, logo ficou aparente que uma forma de causar uma redução temporária
de 50% na expressão da “reelin” no cérebro de um camundongo, era infectá-lo no
período pré-natal com gripe humana. 23 Em outras palavras, a “reelin” parecia estar
relacionada com outras teorias da esquizofrenia. 24
O pobre camundongo “cambaleante” imediatamente tornou-se o foco de muita
atenção: talvez provasse ser um modelo animal da esquizofrenia. O comportamento
cambaleante só é aparente se o camundongo herdou o gene defeituoso dos dois pais. Se
tem apenas um gene defeituoso, o camundongo parece superficialmente normal. Mas
não é. Ele aprende o caminho em um labirinto com muito mais lentidão e nunca se sai
tão bem na tarefa como um camundongo normal. É menos sociável que os
camundongos normais.
Dificilmente isto é esquizofrenia de roedores, mas talvez haja alguns paralelos. A
esperança de que a “reelin” venha a se mostrar a principal causa da esquizofrenia
começou a se esvair, contudo, na década de 1990, quando foram descobertos
“cambaleantes” humanos em duas famílias distintas, na Arábia Saudita e na Inglaterra.
Nas duas famílias, houve casamento entre primos e este casamento trouxe consigo
versões defeituosas do gene da “reelin”, causando um distúrbio chamado lisencefalia
com hipoplasia cerebelar (LCH), que em geral é fatal quatro anos depois do nascimento.
Se a deficiência herdada de “reelin” é a causa da esquizofrenia, então era de se esperar
que alguns dos parentes aparentemente não afetados destas crianças infelizes fossem
esquizofrênicos, porque eles portavam a mutação em um de seus genes. Mas até agora
não há histórico de esquizofrenia em nenhuma das duas famílias, embora a família árabe
não tenha sido detalhadamente estudada. Mais uma vez, e com a mesma freqüência da
história da esquizofrenia, um começo promissor leva a um beco sem saída. A redução
da “reelin” é parte da esquizofrenia, talvez uma parte essencial, mas provavelmente não
é uma das principais causas. 25
Estranhamente, a redução da ‘reelin” não se restringe à esquizofrenia mas é
comum também em pacientes com depressão bipolar grave e autismo. É quase como se
uma redução na ‘reelin” pudesse causar diferentes problemas cerebrais, dependendo de
onde ela ocorre no cérebro, ou em que momento do desenvolvimento acontece. A
“reelin” e a gripe apontam para eventos no útero, o que em princípio é atordoante,
porque o traço mais característico da esquizofrenia é o de ser uma doença de adultos.
Embora as crianças que mais tarde se tornarão esquizofrênicas possam ser
retrospectivamente identificadas como ansiosas, de caminhar lento e de fraca
compreensão verbal, 26 a maioria só adoece absolutamente depois da puberdade. Como
é possível que uma doença seja causada no útero e expressa na idade adulta?
O modelo neurodesenvolvimental da esquizofrenia tenta explicar este enigma. Em
1987, Daniel Weinberger afirmou que a esquizofrenia era diferente de outros distúrbios
cerebrais em que a causa não estava mais presente quando os sintomas apareceram. O
dano tinha ocorrido muito tempo antes, mas só ficava aparente graças a algum processo
posterior de amadurecimento normal do cérebro: os efeitos iniciais são desmascarados
pelo desenvolvimento posterior, à medida que se aproxima a idade adulta. Ao contrário,
digamos, da doença de Alzheimer ou de Huntington, a esquizofrenia não é uma doença
de degeneração mas uma doença do desenvolvimento cerebral. 27 Por exemplo, durante
o final da adolescência e no início da idade adulta, o cérebro é extensivamente alterado.
Muitos de seus circuitos são isolados pela primeira vez, e muitas de suas conexões são
“podadas”: as sinapses entre os neurônios são cortadas, permanecendo somente as mais
fortes. Talvez, em esquizofrênicos, ou haja poda demais no córtex pré-frontal como
reação a uma falha no desenvolvimento adequado das sinapses muitos anos antes, ou
talvez haja muito poucos neurônios que tenham migrado ou se estendido para seus
alvos. Haverá muitos genes que atenuam ou exacerbam estes efeitos, ou talvez reajam a
eles, e portanto eles podem ser denominados “genes da esquizofrenia”, mas
assemelham-se mais a sintomas do que a causas. Entre os genes que afetam o
desenvolvimento inicial original está um muito procurado como a verdadeira causa da
esquizofrenia. 28 (Talvez não seja coincidência que a esquizofrenia apareça na idade em
que homens e mulheres jovens estão competindo com mais ardor para ganhar posições
em um mundo adulto fora da família e conquistar parceiros.)
A maioria dos cientistas concorda que, neste sentido, a esquizofrenia é uma
doença orgânica, uma doença do desenvolvimento, uma doença da quarta dimensão, a
dimensão do tempo. É causada por algo que sai errado no crescimento e na
diferenciação normais do cérebro. É outro forte lembrete de que o corpo — e o cérebro
— não é feito, como os modelos de aeroplanos. Ele se desenvolve, e este
desenvolvimento é dirigido pelos genes. Mas esses genes reagem entre si, com fatores
ambientais e com eventos ao acaso. Dizer que os genes são a natureza e que o resto é
criação é quase certamente um equívoco. Os genes são os meios pelos quais a criação se
expressa, assim como sem dúvida são os meios pelos quais a natureza se expressa.

A CULPA É DA DIETA

Porém, um amante da ciência não deve ficar satisfeito quando as coisas estão se
tornando consensuais. A sexta testemunha está decidida a transtornar o ambiente. Ele
acredita que os genes, o desenvolvimento, os vírus e os neurotransmissores têm
importância, mas nenhum deles é uma explicação realmente fundamental da causa.
Todos são na verdade sintomas. A chave para entender a esquizofrenia, afirma ele, está
no que comemos. Em particular, o cérebro humano em desenvolvimento tem uma
necessidade desesperada de certas gorduras, conhecidas como ácidos graxos essenciais,
e o cérebro de pessoas esquizotípicas precisam de mais dessas gorduras do que o
habitual. Se elas não as obtêm na dieta, o resultado pode ser a esquizofrenia.
Em fevereiro de 1977, em um dia luminoso mas muito frio, um pesquisador
médico britânico estava caminhando por Montreal quando teve seu momento de
“eureca”. David Horrobin vinha tentando encaixar as peças de um quebra-cabeça mental
de fatos estranhos sobre a esquizofrenia. Todos se relacionavam com os aspectos não
mentais freqüentemente esquecidos da doença, e eles estavam ali. Primeiro, os
esquizofrênicos raramente sofrem de artrite; segundo, eles são surpreendentemente
insensíveis à dor; terceiro, sua psicose com freqüência melhora, temporariamente,
quando eles têm febre (espantosamente, certa vez se tentou a malária como uma cura
para a esquizofrenia — e funcionou, mas temporariamente apenas). A quarta peça do
quebra-cabeça era nova para Horrobin. Ele tinha acabado de observar que uma
substância química chamada niacina, então usada para tratar o colesterol alto, não causa
rubor cutâneo em esquizofrênicos como faz com outras pessoas. 29
Subitamente as peças se encaixavam, O rubor cutâneo, a inflamação da artrite e a
reação à dor dependem da liberação de uma molécula de gordura chamada ácido
araquidônico (AA) pelas membranas das células. Elas são convertidas em
prostaglandinas, que causam alguns dos sinais de inflamação, vermelhidão e dor. Da
mesma forma, uma febre também libera AA. Assim, talvez os esquizofrênicos sejam
incapazes de liberar quantidades normais de AA de suas células e isso cause seus
problemas mentais, bem como sua resistência à dor, à artrite e ao rubor. Basta um pouco
de febre para aumentar seus níveis de AA para o de pessoas normais e restaurar o
funcionamento normal do cérebro. Horrobin publicou devidamente sua hipótese na
Lancet e sentou-se para esperar pelos aplausos. Houve um silêncio estarrecedor. Na
época, os especialistas em esquizofrenia estavam imersos demais na hipótese da
dopamina para perceber uma teoria diferente, e ainda mais considerá-la. A esquizofrenia
era uma doença cerebral, então, qual era a importância de toda essa conversa de
gorduras?
Horrobin gosta de negar o pensamento convencional e foi destemido. Mas foi
apenas na década de 1990 que começaram a surgir evidências em apoio a seu palpite.
Os déficits de AA em esquizofrênicos logo foram relatados, assim como uma taxa
maior de oxidação de AA. Aos poucos surgiram da névoa da ignorância detalhes
sugerindo que ou o AA é secretado com mais facilidade das membrana celulares de
esquizofrênicos, ou que o AA, depois de liberado, não pode ser reincorporado às
membranas com facilidade — ou talvez as duas coisas. Os dois processos são o
resultado de enzimas defeituosas, e as enzimas são feitas pelos genes; assim, Horrobin
admite com satisfação um papel para os genes na predisposição de pessoas à
esquizofrenia. Mas quanto a expressar a doença, ou, melhor ainda, quanto a curá-la, ele
acredita que a dieta possa ter importância.
Neste ponto, provavelmente é necessária uma pesquisa longa e bem fundamentada
sobre a natureza e a função das gorduras e dos ácidos graxos. Receio, porém, que o
leitor não compre este livro por ter paixão pela bioquímica. Então vou tentar expressar
com simplicidade os fatos essenciais sobre as gorduras em algumas frases concisas.
Cada célula de seu corpo é mantida unida por uma membrana externa, que é feita
amplamente de moléculas ricas em gorduras chamadas fosfolipídios; um fosfolipídio é
como um tridente, cada dente sendo um ácido graxo longo. Há centenas de diferentes
ácidos graxos a partir dos quais escolher, dos saturados aos poliinsaturados, e a
principal característica dos poliinsaturados é que eles formam um dente mais flexível.
Isto é especialmente importante no cérebro, onde a membrana de uma célula cerebral
deve não só assumir uma forma intrincada como também mudar rapidamente quando
conexões entre as células são acrescentadas ou perdidas. Assim, o cérebro necessita de
mais ácidos graxos poliinsaturados que outros tecidos: cerca de um quarto de seu peso
seco consiste em apenas quatro tipos de poliinsaturados. Eles são conhecidos como
ácidos graxos essenciais (EFA), porque nossos ancestrais negligentes nunca inventaram
a capacidade de produzi-los do zero; seus precursores provêm da comida, tendo
escalado a cadeia alimentar a partir de algas e bactérias simples que sabem como
produzi-los. Quem come uma dieta rica em gorduras saturadas e pobre em EFA pode
terminar com membranas celulares cerebrais que são menos flexíveis que aqueles que
comem muita gordura de peixe. (Isto não explica facilmente como a esquizofrenia é tão
comum em países como a Noruega e o Japão, onde o peixe compõe grande parte da
dieta tradicional.)
O teste óbvio das idéias de Horrobin é tratar esquizofrênicos com EFA. Seu
colega Malcolm Peet e outros começaram a fazer isso. Os resultados não são
espetaculares mas são estimulantes. Uma grande dose diária de óleo de peixe — rico em
EFA — produz uma melhora modesta nos sintomas de esquizofrênicos. Em 31
esquizofrênicos indianos recém-diagnosticados, uma dose de um dos quatro EFA
principais, chamados EPA, surtiram efeito em um estudo duplo-cego (onde nem o
médico, nem o paciente sabem que pacientes estão tomando a droga até o final do
ensaio) em que dez não precisaram mais tomar drogas antipsicóticas para controlar sua
doença; nenhum dos 29 controles que receberam placebo viram alguma melhora, O
EPA inibe a enzima que remove o ácido araquidônico das membranas neuronais;
portanto, preserva o AA na membrana. Uma vez que a maior parte das drogas
antipsicóticas tem efeitos colaterais bem pavorosos, de apatia e ganho de peso aos
sintomas do mal de Parkinson, esta é uma notícia empolgante.
A história do ácido graxo não é rival das várias hipóteses genéticas. Muitos dos
sintomas neurais da esquizofrenia podem ser relacionados com os ácidos graxos. Sabe-
se que os EFA regulam a supressão de conexões neuronais na puberdade. As mulheres
são melhores na produção de EFA a partir de seus precursores alimentares, e a
probabilidade de esquizofrenia nas mulheres é menor. A inanição durante a gravidez,
hipóxia durante o parto, estresse e até uma infecção gripal parecem reduzir a
disponibilidade de EFA para o cérebro em desenvolvimento. O vírus da gripe na
verdade inibe a formação de AA, possivelmente porque o AA é necessário como parte
da defesa do corpo.
Evidências mais diretas da teoria do ácido graxo vêm de alguns dos genes
implicados na esquizofrenia. Incluem o gene para a fosfolipase-A2, uma proteína cuja
tarefa é remover o dente do meio de um tridente fosfolipídico, que geralmente é um
EFA. O gene para apoD, uma espécie de caminhão de entrega que traz os ácidos graxos
ao cérebro, é três vezes mais ativo em esquizofrênicos exatamente na parte do cérebro
mais envolvida nos sintomas da doença — o córtex pré-frontal — mas não no resto do
cérebro ou do corpo. É quase como se o córtex pré-frontal, vendo-se com poucos destes
ácidos graxos, estimule a expressão do gene apoD como uma tentativa de compensar (o
gene apoD, aliás, está no cromossomo 3, em que nenhum “gene da esquizofrenia’ foi
detectado pelos estudos de ligação). Um dos motivos para que a clozapina seja uma
droga eficaz contra a esquizofrenia pode ser sua capacidade de estimular a expressão do
apoD. A hipótese de Horrobin é de que para a esquizofrenia plena são necessários dois
defeitos genéticos: um que reduz sua capacidade de incorporar EFA nas membranas
celulares e outro que as retira com demasiada facilidade (cada um pode ser afetado por
vários genes). Mesmo com estes defeitos genéticos, um evento externo também é
necessário para incitar a psicose, e outros genes podem modificar ou mesmo anular o
efeito. 30

MÉTODO EM NOSSA LOUCURA


A esquizofrenia é praticamente comum em todo o mundo e em todos os grupos étnicos,
ocorrendo à taxa de cerca de um caso por cem pessoas. Manifesta-se da mesma forma
em aborígines australianos e esquimós. 31 Isto é incomum: muitas doenças de influência
genética são peculiares a certos grupos étnicos, ou muito mais comuns em um grupo
que em outro. Isto implica, talvez, que as mutações que predispõem alguns seres
humanos à esquizofrenia são antigas, tendo ocorrido antes que os ancestrais de todos os
não africanos deixassem a África e se aventurassem pelo mundo. Uma vez que ser
esquizofrênico em um mundo da Idade da Pedra dificilmente leva à sobrevivência e
muito menos a ter descendentes, esta universalidade é desconcertante: por que as
mutações genéticas não desapareceram?
Muitas pessoas perceberam que os esquizofrênicos parecem surgir em famílias
bem-sucedidas e inteligentes. (Este argumento levou Henry Maudsley, contemporâneo
britânico de Kraepelin, a rejeitar a eugenia, porque percebeu que esterilizar aqueles que
traziam sinais de doença mental eliminaria também os gênios.) As pessoas com uma
versão branda do distúrbio — às vezes chamadas “esquizotípicas” — são com
freqüência incomumente brilhantes, seguras de si e focalizadas. Como afirmou Galton:
“Tenho me surpreendido em descobrir com que frequência a insanidade aparece entre os
parentes próximos de homens excepcionalmente capazes.” 32
Esta excentricidade pode até ajudá-los a obter sucesso. Talvez não seja acidental
que muitos grandes cientistas, líderes e profetas religiosos pareçam andar na beira de
uma cratera vulcânica de psicose e ter parentes com esquizofrenia.33 James Joyce,
Albert Einstein, Carl Gustav Jung e Bertrand Russell tinham parentes próximos com
esquizofrenia. Isaac Newton e Immanuel Kant podem ser descritos como
“esquizotípicos”. Um estudo absurdamente preciso estima que 28% dos cientistas
proeminentes, 60% dos compositores, 73% dos pintores, 77% dos romancistas e
atordoantes 87% dos poetas mostraram algum grau de distúrbio mental. 34 Como disse
John Nash, o matemático de Princeton, depois de se recuperar de trinta anos de
esquizofrenia e aceitar um prêmio Nobel por seu trabalho com a teoria dos jogos, o
interlúdio da racionalidade entre seus episódios psicóticos não eram bem-vindos. “O
pensamento racional impõe um limite em uma concepção pessoal e em sua relação com
o cosmo.” 35
O psiquiatra de Michigan Randolph Nesse especula que a esquizofrenia pode ser
um exemplo de um “efeito penhasco” evolutivo, em que as mutações em diferentes
genes são todas benéficas, exceto quando todas aparecem juntas na mesma pessoa, ou
evoluem rápido demais, e neste ponto elas subitamente se combinam para produzir um
desastre. A gota é uma doença penhasco deste tipo. Altos níveis de ácido úrico nas
articulações protegem os seres humanos do envelhecimento prematuro, mas algumas
pessoas têm ácido úrico demais e formam-se cristais dolorosos dele nas juntas. Talvez a
esquizofrenia seja o resultado de uma coisa boa em demasia: fatores genéticos e
ambientais demais, que em geral são bons para a função cerebral, aparecendo juntos em
um mesmo indivíduo. Isso explicaria por que os genes que predispõem as pessoas à
esquizofrenia não desaparecem; desde que eles não se combinem, cada um deles
beneficia a sobrevivência de seu portador.

CONFUSÃO MENTAL
Durante o século XX, as forças ideológicas da natureza e da criação com freqüência se
comportaram como exércitos medievais sitiando as doenças como se fossem castelos. O
escorbuto e a pelagra, explicados como deficiências de vitaminas, sucumbiram às forças
da criação, enquanto a hemofilia e a doença de Huntington, explicadas como mutações
genéticas, sucumbem ao exército da natureza; a esquizofrenia era uma fortaleza
essencial na fronteira, mantida na maior parte do século pela criação como um forte da
teoria freudiana. Mas embora os freudianos — aqueles Cavaleiros Templários da guerra
natureza-criação — tenham se retirado da batalha décadas atrás, os geneticistas nunca
conseguiram ocupar convincentemente a fortaleza, e eles podem ser forçados a pedir
trégua e receber as forças da criação de volta ao fosso.
Um século depois de a síndrome ter sido identificada pela primeira vez, as únicas
duas coisas que podem ser ditas com certeza sobre a esquizofrenia é que culpar as mães
não emocionais foi um completo equívoco, e que há algo de altamente herdável na
síndrome. Fora disso, quase qualquer combinação de explicações é possível. Muitos
genes claramente influenciam a suscetibilidade à esquizofrenia, muitos podem reagir a
ela como compensação, mas poucos parecem causá-la. A infecção pré-natal parece ser
essencial em muitos casos, mas pode nem ser necessária nem suficiente. A dieta pode
exacerbar os sintomas e talvez até incitar seu início, mas provavelmente apenas
naqueles que trazem uma suscetibilidade genética.
No caso da psicose, nem as teorias da natureza nem as teorias da criação são
muito boas para distinguir causa de efeito. O cérebro humano é equipado para procurar
por causas simples. Ele evita eventos infundados, preferindo em vez disso deduzir que
quando A e B aparecem juntos, ou A causa B, ou B causa A. Esta tendência é mais forte
em esquizofrênicos, cujas relações causais na maioria das coincidências são evidentes.
Mas freqüentemente A e B são simplesmente sintomas paralelos de outra coisa. Ou
ainda pior, A pode ser ao mesmo tempo causa e efeito de B.
Aqui está então uma ilustração perfeita de que tanto natureza como criação
importam. Prometi que a esquizofrenia confundiria a questão e cumpri a promessa.
Kraepelin foi sábio em ser agnóstico em relação à causa: mesmo com todo o peso da
ciência moderna por trás deles, seus sucessores não conseguiram encontrá-la. Eles têm
fracassado até em distinguir causa de efeito. Na verdade, parece muito possível que a
explicação definitiva da esquizofrenia venha a incluir natureza e criação, sem que
nenhuma das duas possa reclamar a primazia.

CAPÍTULO CINCO

Os Genes na Quarta Dimensão

Se seguirmos uma determinada receita de um livro de culinária palavra por palavra, sairá um bolo
do forno no final. Agora, não podemos quebrar o bolo em seus farelos componentes e dizer: este
farelo corresponde à primeira palavra da receita; este farelo corresponde à segunda palavra da
receita.

Richard Dawkins 1
O cargo de curador da coleção de moluscos do museu de história natural em Genebra
não pode ser desprezado. Quando foi oferecido Jean Piaget, ele era bem qualificado,
tendo publicado quase vinte artigos sobre caracóis e seus primos. Mas ele o rejeitou, e
por um bom motivo: ainda era estudante. Viria a fazer doutorado em moluscos suíços
antes que seu pai, alarmado com sua obsessão pela história natural, o desviasse da
malacologia para a filosofia, primeiro em Zurique e depois na Sorbonne. Mas sua fama
está em sua terceira carreira, iniciada no Instituto Rousseau em Genebra em 1925:
psicólogo infantil. Entre 1926 e 1932, ainda precoce, publicou cinco livros influentes
sobre a mente das crianças. É a Piaget que os pais modernos devem sua obsessão para
que o Joãozinho encontre os marcos de seu desenvolvimento.
Piaget não foi o primeiro a observar as crianças como se elas fossem animais —
Darwin fez o mesmo com seus próprios filhos —, mas foi provavelmente o primeiro a
pensar nelas não como aprendizes de adultos, mas como uma espécie dotada de uma
mente característica. Os “erros” que crianças de cinco anos de idade cometem ao
responder a perguntas de testes de inteligência revelaram a Piaget as formas peculiares
mas coerentes pelas quais sua mente funcionava. Ao tentar responder à pergunta, “como
o conhecimento cresce?”, ele viu uma construção progressiva e cumulativa da mente
durante a infância em resposta à experiência. Cada criança atravessa uma série de
estágios de desenvolvimento, sempre na mesma ordem, embora nem sempre na mesma
velocidade. Primeiro vem o estágio sensório-motor, quando o bebê é pouco mais que
um monte de reflexos e reações; ele ainda não pode conceber que os objetos continuam
existindo mesmo quando escondidos. Em seguida vem o estágio pré-operacional, uma
época de curiosidade egocêntrica. Depois, o estágio de operações concretas. E por fim,
perto da adolescência, a aurora do pensamento abstrato e do raciocínio dedutivo.
Piaget percebeu que o desenvolvimento era mais contínuo do que isto. Mas
insistiu que, assim como uma criança não fala ou anda até que esteja pronta, os
elementos do que o mundo chama de inteligência não são apenas absorvidos do mundo
exterior; aparecem quando o cérebro em desenvolvimento está pronto para eles. Piaget
via o desenvolvimento cognitivo não como aprendizagem ou amadurecimento mas
como uma combinação dos dois, uma espécie de envolvimento ativo da mente em
desenvolvimento com o mundo. Ele pensava que as estruturas mentais necessárias para
o desenvolvimento intelectual são geneticamente determinadas, mas o processo pelo
qual o cérebro em amadurecimento se desenvolve requer feedback da experiência e
interação social. Este feedback assume duas formas: assimilação e acomodação. Uma
criança assimila experiências previstas e acomoda-se àquelas inesperadas.
Em termos de natureza-criação, Piaget, sozinho entre os homens em minha
fotografia, desafia os rótulos de empírico ou nativista. Onde seus contemporâneos
Konrad Lorenz e B. E Skinner assumiram posições extremas, o primeiro como defensor
da natureza, o segundo da criação, Piaget toma um caminho cuidadoso no meio. Com
sua ênfase no desenvolvimento por estágios, Piaget prefigura vagamente as idéias das
experiências de formação na juventude. Estava errado em muitos aspectos. Sua hipótese
de que uma criança compreende as propriedades espaciais dos objetos apenas quando os
manipula se mostrou falsa. A compreensão espacial parece estar muito mais próxima do
inato que isso — até bebês muito pequenos podem entender as propriedades espaciais
de coisas que nunca pegaram. Todavia, Piaget merece algum crédito por ser o primeiro
a levar a sério a quarta dimensão da natureza humana — a dimensão do tempo. 2

OS EXCESSOS DO NATIVISMO
Foi este conceito, redescoberto um pouco mais tarde pelos zoólogos, que veio a
desempenhar um papel central em um dos mais esclarecedores debates natureza-criação,
aquele entre Konrad Lorenz e Daniel Lehrman nas décadas de 1950 e 60. Um nova-
iorquino fervoroso e articulado, apaixonado pela observação de pássaros, Lehrman fez
uma descoberta sobre o comportamento do pombo-torcaz com amplas implicações para
o ser humano. Descobriu que a dança da corte do macho de torcaz incita uma mudança
nos hormônios da fêmea. Assim, uma experiência externa pode causar, através do
sistema nervoso, uma mudança interna e biológica no organismo. Ele não sabia disso,
mas esta resposta é mediada pela ativação e desativação de genes.
Em 1953, antes do clímax de seu trabalho com os pombos, Lehrman decidiu usar
seu parco alemão, aprendido enquanto decodificava interceptações de rádio para a
inteligência americana na Segunda Guerra Mundial, para traduzir a obra de Lorenz para
o inglês — com o objetivo de criticá-lo. Sua poderosa crítica viria a influenciar uma
geração de etólogos. Até Niko Tinbergen moderaria suas opiniões depois de ler
Lehrman. O austríaco Lorenz tinha defendido o instinto — a idéia de que algum
comportamento é inato, no sentido de que surgirá mesmo que o animal fique isolado de
seu ambiente normal desde o nascimento. A maioria dos animais, disse Lorenz, era
levada a padrões de comportamento elaborados e sofisticados não por sua experiência,
mas por seus genes. Em sua crítica, Lehrman acusou Lorenz de ter omitido qualquer
menção ao desenvolvimento: de como o comportamento pode vir a ser. Ele não surge
plenamente formado a partir do gene; os genes construíram um cérebro, que absorveu
experiência antes que emitisse comportamento. Neste sistema, o que significa a palavra
inato? 3
Lorenz replicou longamente, e Lehrman respondeu de novo, mas os dois estavam
claramente em campos opostos. Lehrman afirmou que só porque um comportamento é
produto da seleção natural não quer dizer que seja “inato”, no sentido de produzido sem
experiência. Antes que um pombo possa desenvolver uma preferência de parceiro para
sua espécie, ele precisa conviver com um pai pombo; o mesmo não é valido em um
Molothrus, que parece um cuco que nunca viu os pais, e portanto não tem preferências
de parceiro verdadeiramente “inatas”. Lorenz não se preocupou com o modo como o
comportamento era produzido, desde que fosse obviamente mantido por seleção natural
e expresso no animal adulto da mesma forma que uma determinada experiência normal.
Para ele, inato significava inevitável. Lorenz sempre se interessou mais pelo por quê do
que pelo como.
Tinbergen resolveu a questão, para a satisfação de muitos, quando disse que um
estudioso do comportamento animal deve fazer quatro perguntas diferentes sobre um
determinado comportamento. Quais são os mecanismos que causa o comportamento?
Como o comportamento vem a se desenvolver no indivíduo (a questão de Lehrman)?
Como o comportamento evoluiu? Qual é a função ou o valor de sobrevivência do
comportamento (a pergunta de Lorenz)? 4
O debate foi abreviado com a morte de Lehrman em 1972. Todavia, o argumento
do desenvolvimento de Lehrman tornou-se nas últimas décadas uma espécie de padrão
para reorganizar os que acham que os nativistas da genética do comportamento e da
psicologia da evolução foram longe demais. O “desafio desenvolvimentista’ assume
muitas formas, mas as principais acusações que sofre são de que os muitos biólogos
modernos falam com demasiado desembaraço sobre “genes para” o comportamento,
ignorando a incerteza, a complexidade e a circularidade do sistema através do qual os
genes vêm a influenciar o comportamento. De acordo com o filósofo Ken Schaffner, um
manifesto de cinco pontos do desafio desenvolvimentista pode se assemelhar a isto: os
genes merecem paridade com outras causas; eles não são “pré-formacionistas”; seu
significado depende muito do contexto; os efeitos dos genes e dos ambientes são
contínuos e inseparáveis; e a psique “surge” imprevisivelmente do processo de
desenvolvimento. 5
Em sua forma mais vigorosa, apresentada pela zoóloga Mary Jane West-Eberhard,
o desafio afirma apresentar uma “segunda síntese evolutiva” que superará a primeira —
a fusão de Mendel com Darwin que surgiu na década de 1930 —, ao elevar os
mecanismos de desenvolvimento junto dos mecanismos genéticos. 6 Por exemplo — e
este exemplo é meu — dê uma olhada no padrão dos vasos sangüíneos no dorso de sua
mão. Embora as veias tenham o mesmo destino nas duas mãos, elas têm itinerários
ligeiramente diferentes. Não é que haja diferentes programas genéticos para diferentes
mãos, mas porque o programa genético é flexível: de certa forma, ele delega a direção
local aos próprios vasos. O desenvolvimento acomoda-se ao ambiente: ele é capaz de
lidar com diferentes circunstâncias e ainda chegar ao resultado que funciona. Se
diferentes desenvolvimentos podem resultar do mesmo conjunto de genes, então
diferentes genes podem ser capazes de chegar ao mesmo resultado. Ou, para colocar em
termos técnicos, o desenvolvimento é bem “tamponado” contra mudanças genéticas
menores. Isto pode explicar dois fenômenos intrigantes. Primeiro, as raças selvagens,
como os lobos, são muito menos sensíveis a mutações genéticas individuais do que as
formas consangüíneas como os cães com pedigree: eles são tamponados por sua
variação genética. Isto, por sua vez, pode explicar o fato desconcertante de haver tantas
versões diferentes de cada gene na população (em seres humanos, bem como em outros
animais selvagens). Muitos genes vêm em duas versões ligeiramente diferentes, um em
cada cromossomo equivalente, o que pode ajudar a proporcionar a flexibilidade para
desenvolver um corpo funcional em ambientes diferentes.
O desenvolvimento do comportamento não precisa ser menos flexível e
tamponado que o desenvolvimento da anatomia. 7 Em sua forma mais branda, o desafio
desenvolvimentista é apenas um lembrete aos geneticistas do comportamento para que
não tirem conclusões que sejam simplistas demais e não estimulem os redatores de
manchetes de jornais a falar de “genes gays” ou “genes da felicidade”. Os genes
funcionam em equipes imensas e constroem o organismo e seus instintos não de forma
direta, mas por meio de um processo flexível de desenvolvimento. Aqueles que
realmente estudam os genes e o comportamento — em camundongos, moscas e vermes
— dizem que estão bem conscientes dos perigos da supersimplificação, e às vezes ficam
um pouco irritados com os desenvolvimentistas. Na medida em que destacam suas
complicações e sua flexibilidade, mesmo o desenvolvimento ainda é basicamente um
processo genético. Os experimentos confirmam a complexidade, a plasticidade e a
circularidade do sistema, mas também revelam que até o ambiente afeta o
desenvolvimento, apenas por ativar e desativar genes: os genes que permitem a
plasticidade e o aprendizado. Ralph Greenspan, pioneiro do estudo da corte nas moscas-
da-fruta, coloca desta forma:
Assim como a capacidade de realizar a corte, também a capacidade de aprender durante a
experiência é dirigida pelos genes. Estudos deste fenômeno dão apoio adicional à probabilidade de
que o comportamento seja regulado por uma miríade de genes em interação, cada um deles lidando
com responsabilidades diversas no corpo. 8

NA COZINHA
Uma vez que você tente pensar na quarta dimensão do organismo, várias parábolas úteis
vêm à mente, todas bem ilustrativas. A metáfora, em minha opinião, é o sangue vital
(ah!) da boa prosa científica, então devo explorar longamente duas destas parábolas.
A primeira é a parábola da canalização, cunhada pelo embriologista britânico
Conrad Waddington em 1 940. 9 Considere uma bola no topo de uma colina. À medida
que a bola desce, a colina é suave no início, mas depois de algum tempo começam a
aparecer sulcos na superfície; em pouco tempo a bola está descendo um canal estreito.
Em algumas colinas, os sulcos convergem em um canal; em outras, eles divergem em
vários canais. A bola é o animal. A colina de sulcos convergentes representa o
desenvolvimento da maior parte do tipo “inato” de comportamento: sempre se torna
aproximadamente o mesmo, qualquer que seja a experiência do indivíduo. A colina de
sulcos divergentes representa o comportamento que é muito mais “ambientalmente”
determinado. Porém, o aparecimento de ambos requer genes, experiência e
desenvolvimento. Assim, por exemplo, a gramática é altamente canalizada; o
vocabulário, não. A canção formulaica de uma cambaxirra — que acabo de ouvir do
lado de fora de minha janela — é muito mais canalizada que a canção imitativa e
inventiva do tordo, que também posso ouvir. 10
Equiparar o comportamento inato com o desenvolvimento canalizado é uma idéia
útil, apesar de limitada, não menos porque corta tão claramente a dicotomia gene-
ambiente: uma coisa pode ser bem especificada pelos genes e ainda ser lançada em um
canal diferente pelo ambiente. Se a personalidade e o QI são altamente herdáveis na
maior parte das sociedades (Capítulo 3), isso implica que seu desenvolvimento é
estreitamente canalizado — seria necessário um ambiente muito diferente para lançar a
bola tão fora da trilha que ela terminaria em um canal diferente. Mas isso não significa
que o ambiente não tenha importância: a bola ainda precisa de uma colina para rolar
para baixo.
Para meu próximo sermão, discorrerei sobre uma parábola diferente, que data de
1976, quando foi cunhada por Pat Bateson, etólogo britânico muito influenciado por
Lehrman. Esta é a parábola da cozinha:
Os processos envolvidos no desenvolvimento psicológico e comportamental têm certas
similaridades metafóricas com o cozinhar. Os ingredientes e a maneira em que são combinados são
importantes. A cronometragem também importa. Em uma analogia com a cozinha, os ingredientes
representam as muitas influências genéticas e ambientais, enquanto cozinhar representa os
processos biológicos e psicológicos do desenvolvimento. 11

A analogia da cozinha se mostrou popular nos dois lados do debate natureza-criação.


Richard Dawkins usou a metáfora de assar um bolo em 1981, enquanto enfatizava o
papel dos genes; seu maior crítico, Steven Rose, usou a mesma metáfora três anos
depois enquanto afirmava que o comportamento “não esta em nossos genes”. 12 A
metáfora da culinária não é perfeita — ela não consegue apreender a alquimia do
desenvolvimento em que dois ingredientes levam automaticamente à produção de um
terceiro e assim por diante — mas merece sua popularidade, porque expressa tão bem a
quarta dimensão do desenvolvimento. Como observou Piaget, o desenvolvimento de
certo comportamento humano leva certo tempo e ocorre em determinada ordem, assim
como cozinhar um suflê perfeito requer não só os ingredientes corretos mas também o
nível correto de cozimento e a ordem certa de eventos.
Da mesma forma, a metáfora da culinária explica imediatamente como alguns
genes podem criar um organismo complexo. Douglas Adams, escritor de ficção
científica, mandou-me um e-mail pouco antes de sua morte prematura, criticando o
argumento de que 30.000 genes eram muito pouco para especificar a natureza humana.
Ele sugeriu que o programa de um bolo, para um arquiteto, seria na verdade um
documento imensamente complicado, exigindo um vetor exato para cada passa, uma
descrição exata da forma e tamanho de cada porção de geléia e assim por diante. Se o
genoma humano fosse um plano, então nem 30.000 genes seriam suficientes para
especificar um corpo e muito menos uma psique. A receita de um bolo, por outro lado, é
um parágrafo simples. Se o genoma era uma receita — um conjunto de instruções para
“cozinhar” os ingredientes de determinadas maneiras por um certo tempo — então
30.000 genes seriam o bastante. Não só é possível imaginar um processo desses no
crescimento de um membro, como se pode realmente ver os rudimentos de como isso
funciona, gene por gene, surgindo da literatura científica.
Mas você pode imaginar esse tipo de coisa para o comportamento? A maioria das
pessoas hesita tanto com a idéia de moléculas, feitas por genes, gerando um instinto na
mente de uma criança que desistem e chamam o processo de impenetrável. Agora tenho
de impor a mim mesmo um grande desafio: explicar como os genes podem causar o
desenvolvimento do comportamento. Neste livro, até agora fiz apenas uma tentativa, ao
mostrar como um instinto de formação de pares é manifestado nos genes do receptor da
ocitocina, ou como a personalidade é afetada por genes BDNF. Há sistemas úteis para
analisar. Mas eles levantam uma questão enorme: antes de mais nada, como o cérebro
conseguiu ser construído desta forma? Está tudo muito bem em dizer que os receptores
de ocitocina expressos na amígdala medial estimulam o sistema da dopamina com
sensações de vício pessoal em relação ao amado. Mas quem construiu a maldita
máquina desta forma e como?
Pense no Dispositivo Organizador do Genoma como um chefe de cozinha
habilidoso, cujo trabalho é assar um suflê chamado cérebro. Como ele empreende esta
tarefa?

POSTOS DE CONTROLE NA MENTE

Considere, primeiro, o sentido do olfato. No nível dos sentidos, o olfato é geneticamente


determinado: um gene, um cheiro. O camundongo tem 1.036 diferentes sensores
olfativos em seu nariz, cada um deles expressando um gene de receptor olfativo
ligeiramente diferente. Os seres humanos, neste aspecto, como em muitos outros, são
empobrecidos; eles têm somente 347 genes de receptores olfativos intactos, além de
muitas massas de genes antigos enferrujados (chamado pseudogenes). 13 No
camundongo, cada célula então manda uma única fibra nervosa (um axônio) a uma
unidade diferente do bulbo olfativo do cérebro. É notável que as células que expressam
um tipo de gene de receptor enviem seus axônios para apenas uma ou duas unidades.
Assim, por exemplo, os neurônios P2 no nariz do camundongo — várias centenas
deles — expressam o mesmo gene de receptor e fornecem todo o produto elétrico para
estimular apenas dois focos do cérebro. Há uma renovação estável nos neurônios, que
vivem somente noventa dias. Seus substitutos crescem no cérebro e chegam a
exatamente o mesmo ponto que seus predecessores. Uma equipe no laboratório de
Richard Axel, na Universidade de Columbia, teve a idéia arrasadora de destruir todas as
células P2 (fazendo com que elas, e somente elas, expressem a toxina da difteria) e
depois vendo se suas substitutas ainda podiam encontrar o caminho sem a condução de
“colegas”. Podiam. 14
Isso explicaria por que os odores são tão evocativos. Os neurônios olfativos são
tão leais aos mesmos focos no cérebro que, muito embora os neurônios da infância há
muito já tenham se perdido, seus substitutos adultos seguem exatamente o mesmo rumo
no cérebro. Quando Axel e seus colegas substituíram o gene do receptor de odores P2
por um P3, o axônio encontrou seu caminho diretamente para o alvo P3. 15 Isto prova
que o desenvolvimento de um sentido específico de olfato requer um gene expresso no
nariz, e um gene expresso no cérebro que combine com ele, desenvolvendo-se os
axônios para fazer a ligação.
O primeiro insight que explicou como isso acontece foi o trabalho de um
contemporâneo muito romântico de meus 12 barbudos. Santiago Ramón y Cajal (1 852-
1934) era tudo o que um herói espanhol devia ser: artístico, vistoso, incansável e
atlético. Foi Cajal que convenceu o mundo de que o cérebro é feito não de uma rede
contínua de fibras nervosas interconectadas mas de muitas células separadas, cada uma
tocando as demais, mas sem se fundir com elas. Por sua descoberta, ele tem um crédito
um pouco maior do que merece, uma vez que foi um insight compartilhado por pelo
menos cinco outros cientistas, inclusive o explorador norueguês e estadista Fridtjof
Nansen. Mas Nansen tinha motivos suficientes para ser famoso, então deu o crédito a
Cajal. Contudo, é outra intuição de Cajal que me interessa aqui. Cajal sugeriu que o
sistema nervoso é construído por nervos que crescem em direção a substâncias químicas
que os atraem. Ele suspeitou de que os nervos são atraídos a seu destino por gradientes
de alguma substância especial. Nisto ele estava absolutamente certo.
Como uma das bruxas de Macbeth, devo agora acrescentar à minha receita o olho
de um sapo. Os sapos têm visão binocular: eles podem olhar para a frente com os dois
olhos, o melhor a fazer para encontrar moscas que estejam de passagem. Os girinos,
contudo, têm olhos nas laterais da cabeça. Quando o girino se transforma em sapo, os
olhos têm de se mover para suas novas posições durante metade de sua vida. Problema:
agora que os campos dos dois olhos se sobrepõem, eles vêem a mesma cena. O cérebro
do sapo deve pegar as informações da metade esquerda de cada olho e mandá-las à
mesma parte do cérebro para que sejam processadas juntas. Enquanto isso, a metade
direita do campo visual de cada olho deve ser canalizada para um lugar diferente. Para
isso, o GOD deve mudar a rede que parte do olho para o cérebro. As células nervosas de
metade de cada olho devem atravessar o lado contralateral do cérebro, e aquelas da
outra metade deve ficar no mesmo lado. Inacreditavelmente, graças ao trabalho de
Christine Holt e Shin-ichi Nakagawa, é possível descrever exatamente como isto
acontece. 16
Cada célula da retina do olho desenvolve um axônio na direção do “tectum
opticum” do cérebro. Na ponta do axônio há um objeto chamado “cone de
crescimento”, que parece ser um tipo de locomotiva para o axônio, capaz de puxar a
extremidade do axônio em uma linha reta, ou mudar de rumo, ou pará-la. Ele faz cada
uma dessas manobras em resposta a substância químicas que o atraem e o repelem.
Quando chega ao quiasma ático, uma espécie de cruzamento ou junção de pontos, os
cones de crescimento do olho de um girino cruzam-se, de forma que a metade direita do
cérebro do girino responda ao olho esquerdo e vice-versa. Mas, uma vez que o girino
comece a se transformar em sapo, algo muda no quiasma. Agora os nervos da metade
esquerda do olho direito e a metade esquerda do olho esquerdo devem terminar no
mesmo lugar, e as metades direitas em outro, de forma que o sapo possa ver em estéreo,
o melhor para avaliar a distância de moscas que passam. Novos neurônios crescem de
cada retina para o cérebro; desta vez, porém, metade deles cruza o quiasma, enquanto a
outra metade continua no mesmo lado do cérebro. Holt e Nakagawa descobriram como
esta mudança é realizada. Um gene é ativado dentro do quiasma: o gene para uma
proteína chamada efrina B, que repele os cones de crescimento. Ela repele somente os
cones de crescimento provenientes da metade de cada olho, porque somente metade das
células está expressando o gene para o receptor de efrina B. Os cones repelidos
continuam no mesmo lado do cérebro do olho de que vieram. As células da outra
metade do olho, que não expressam o receptor, ignoram o sinal da efrina B e cruzam
para o lado contralateral do cérebro. O efeito é conferir a visão binocular ao sapo, para
que ele possa procurar e encontrar moscas.
Usando apenas dois genes — da efrina B e do receptor de efrina B — expressos
no padrão correto, nos lugares certos e nos momentos certos, o sapo adquiriu a rede de
neurônios que o capacita a ver de modo binocular. Exatamente os mesmos genes são
expressos exatamente nos locais equivalentes em um feto de camundongo, enquanto em
um peixe ou galinha os genes continuam inativos e a visão binocular não é alcançada —
o que tem sentido, porque peixes e galinhas têm olhos nas laterais da cabeça, não na
frente.
A efrina B é um “guia de axônio”, um entre um número surpreendentemente
pequeno destas proteínas. Há quatro famílias comuns de proteínas de orientação de
axônios: netrinas, efrinas, semaforinas e Slits. As netrinas geralmente atraem axônios,
enquanto as outras, em geral, os repelem. Algumas outras moléculas também agem
como guias de axônios, mas seu número não é grande. Todavia, está começando a ficar
claro que estas poucas felizardas são quase tudo o que é necessário na construção de um
cérebro, porque os mesmos quatro tipos de guias de axônios afloram onde quer que os
cientistas olhem, repelindo ou atraindo cones de crescimento — e em quase todos os
animais, inclusive os vermes inferiores. O sistema é de uma simplicidade atordoante,
mas parece ser capaz de produzir um cérebro humano com um trilhão de neurônios,
cada um deles fazendo mil conexões. 17
Permita-me contar mais uma história de caso da biologia molecular da orientação
de axônios antes que eu deixe você voltar à psicologia para tomar fôlego. Na mosca-da-
fruta, como nos sapos, são necessários alguns axônios para cruzar a linha média do
animal para o outro lado do cérebro. Para fazer isso, eles precisam suprimir sua
sensibilidade ao “Slit”, um guia de axônio repulsivo estacionado na linha média. Um
axônio que deseje cruzar a linha média deve suprimir a expressão de um gene chamado
Robo, que codifica para o receptor de Slit. Esta supressão torna o axônio insensível ao
Slit, dando-lhe livre passagem através do posto de controle da linha média. Uma vez
que o axônio atravessou, o Robo o ativa novamente, o que evita que ele atravesse de
volta. O axônio pode então desativar genes Robo extras (chamados Robo2 e Robo3), que
determinam o quanto ele vai se afastar da linha média. Quanto mais Robos são
desativados, mais longe da linha média ele viajará.
Embora estes genes tenham sido encontrados em moscas, não foi surpresa quando
um peixe-zebra mutante logo apareceu com o equivalente exato do gene Robo3 não
funcional e com problemas para cruzar o nervo da linha média. Então surgiram três Slits
e dois Robos em camundongos, novamente fazendo exatamente o mesmo trabalho,
dirigindo o tráfego na linha média durante a formação do prosencéfalo. Em
camundongos, contudo, os Slits podem fazer mais: eles podem canalizar axônios para
regiões específicas do cérebro. 18 Parece que os genes Slit e Robo continuam ativando e
desativando em diferentes partes do cérebro do roedor muito tempo depois do
nascimento, guiando axônios a seus destinos. 19 Uma vez que, com relação aos genes, as
pessoas são como grandes camundongos, esta parece uma inovação real na
compreensão de como as redes mentais humanas são construídas.
Você pode pensar que isso está muito longe do comportamento, e estará certo.
Meu propósito até agora foi apenas mostrar, em linhas gerais, como os genes podem
começar a construir um cérebro de acordo com uma receita muito complicada mas que
emprega algumas regras simples — e mostrar a quarta dimensão da genética, a
dimensão do tempo. Não quero implicar com isso que agora o desenvolvimento do
cérebro é plenamente compreendido e que os cientistas estão apenas tratando dos
detalhes. Longe disso. Como sempre acontece na ciência, quanto mais sabe, mais um
cientista percebe que não sabe. Até agora, a névoa ocultou a visão diante de nós. Tudo
que aconteceu é que parte dela se dissolveu, revelando vislumbres de um abismo
vertiginoso de ignorância. Não posso contar a você como a netrina e a efrina são
afetadas pela experiência, por exemplo, nem como o cérebro de um cuco é equipado por
estes guias de axônios com o instinto de cantar “cuco”. Mas pode-se ensaiar um
começo. E não posso resistir a apontar que este começo surgiu graças ao reducionismo
genético. Tentar entender a construção da mente sem considerar os genes individuais
envolvidos na orientação de axônios seria como tentar criar uma floresta sem plantar
árvore alguma.

EX UNUM PLURIBUS

Os guias de axônios, parados em seus postos de sinalização, dirigindo a passagem de


cones de crescimento de acordo com seus receptores, são apenas parte da história. Eles
explicam como os nervos vão para onde querem ir, mas não podem explicar como os
nervos fazem as conexões corretas quando estão lá. Hora da parábola de novo. Suponha
que uma mulher de Londres receba a oferta de um emprego em corretagem de valores
em Nova York. Ela migra para Nova York em resposta a certos sinais nos postos de
sinalização ao longo do caminho (a estação de trem, o aeroporto, o balcão de check-in, o
portão de embarque, o saguão de desembarque, o ponto de táxi, o hotel, o metrô e assim
por diante) até que chega aos escritórios de seu novo empregador. Aqui, subitamente,
ela muda para um tipo diferente de navegação: ela entra em contato com seu novo chefe
e seus futuros colegas, alguns dos quais também viajaram do exterior para este
escritório. Ela os acha não pelas pistas direcionais mas pelas pessoais — nome e cargo.
Da mesma forma, o GOD, tendo guiado um axônio a seu destino, deve conectá-lo com
outros neurônios apropriados na chegada. As pistas não são mais sinais direcionais mas
símbolos de identidade.
No final da década de 1980, os cientistas toparam com o primeiro exemplo de um
gene que diz a um axônio migratório quando ele chegou a seu destino. A história
começa em 1856, quando um médico espanhol chamado Aureliano Maestre de San Juan
fez a autópsia de um homem de quarenta anos que não tinha sentido de olfato, tinha um
pênis pequeno e testículos muito pequenos. San Juan não conseguiu encontrar bulbos
olfativos no cérebro do homem. Alguns anos depois, apareceu outro caso na Áustria, e
os médicos começaram a perguntar a homens de pênis pequenos se eles tinham olfato.
Sexólogos impressionáveis usaram estes casos como prova de que o nariz e o pênis
guardam uma relação óbvia. Em 1944, Franz Kallmann, um psicólogo que mencionei
no Capítulo 4, descreveu a síndrome de gônadas pequenas e nenhum sentido de olfato
como um raro distúrbio genético, aparecendo em famílias mas afetando principalmente
homens. De uma forma um tanto injusta, a síndrome agora é conhecida com o nome de
Kallmann e não do espanhol polinômio: é nisso que dá a pessoa ter muitos nomes.
A busca pelos genes envolvidos na síndrome de Kallmann mirou o cromossomo X
(dos quais os homens têm cópia sobressalente, porque eles o herdam somente da mãe) e
logo ela foi localizada em um gene chamado KAL-1. Há quase certamente dois genes
em outros cromossomos que também podem causar a síndrome de Kallmann, mas ainda
não foram identificados. Nos últimos anos, ficou claro como o KAL-1 funciona e o que
acontece se ele é defeituoso. O gene é ativado cerca de cinco semanas depois da
concepção, não no nariz, nem nas gônadas, mas na parte do cérebro embrionário que se
tornará o bulbo olfativo. Ele produz uma proteína chamada anosmina, que age como
molécula de adesividade celular — isto é, faz com que as células se liguem umas às
outras. A anosmina de certa forma tem um efeito drástico nos cones de crescimento de
axônios olfativos migratórios que partem para o bulbo olfativo. Quando estes cones de
crescimento chegam ao cérebro na sexta semana de vida, a presença de anosmina leva-
os a se expandir e a “defascicular”, uma palavra elegante para descarrilar. Cada axônio
deixa seu trilho e pára, conectando-se com as células próximas. Em pessoas que não têm
cópia funcional de KAL- 1 e não têm anosmina, os axônios nunca fazem a conexão com
o bulbo olfativo. Sentindo-se indesejados, eles definham e morrem. 20
Daí a ausência de olfato em pessoas que têm síndrome de Kallmann. Mas por que
o pênis pequeno? Surpreendentemente, parece que as células necessárias para incitar o
desenvolvimento sexual também começam a vida no nariz, em um antigo receptor de
feromônio chamado órgão vomeronasal. Ao contrário dos neurônios olfativos, que
meramente mandam axônios ao cérebro, estes neurônios migram eles mesmos para o
cérebro. Eles fazem isso junto de fascículos — os trilhos — já assentados pelos axônios
olfativos. Na ausência de anosmina, eles nunca chegam a seu alvo, e nunca começam
sua principal tarefa: a secreção de um hormônio denominado hormônio de liberação de
gonadotrofina. Sem este hormônio, a glândula pituitária nunca dá sua instrução para
começar a liberação do hormônio luteinizante no sangue, e sem o hormônio luteinizante
as gônadas não amadurecem, o homem tem baixos níveis de testosterona e portanto uma
libido baixa, e continua sexualmente indiferente às mulheres mesmo depois da
puberdade. 21
Oba! Pelo menos encontrei uma forma de identificar o caminho para um
comportamento, a partir de um gene, através da construção de uma parte do cérebro. Pat
Bateson usa a síndrome de Kallmann para enfatizar que, embora os genes possam
mesmo influenciar o comportamento, as conexões são tortuosas e indiretas. Chamar o
KAL-1 de “o gene para” a disfunção sexual seria enganador; até porque ele somente
cria o problema quando não é funcional. Além disso, a anosmina provavelmente tem
várias outras funções no corpo. Seu efeito no desenvolvimento sexual é indireto. E há
vários outros genes que podem sair errado, causando algum sintoma, ou todos os
mesmos sintomas, e que são provavelmente funcionais em outros pontos ao longo da
seqüência de causas e efeitos. Na verdade, a maior parte dos casos de Kallmann
herdados é causada por mutações não no KAL-1 mas em outros genes. 22
Embora não haja correspondência direta e individual entre genes e
comportamento (há uma correspondência de múltiplos genes), o KAL-l ainda é, em um
sentido prudente e acidental, “um dos genes para” parte do comportamento sexual.
Assim como Lehrman e Piaget podiam ter afirmado, ele manifesta seu efeito
comportamental no desenvolvimento físico do sistema nervoso. O gene especifica como
ocorre o desenvolvimento, e isto, por sua vez, especifica como ocorre o comportamento.
Os cientistas estão diante da assustadora verdade de que o comportamento pode ser
considerado uma forma extrema de desenvolvimento. O ninho de um pássaro é apenas
um produto de seus genes, como as suas asas. Em meu jardim, e em toda a Grã-
Bretanha, os tordos canoros demarcam seus ninhos com lodo, os melros com grama, o
papo-roxo com pêlos e os tentilhões com penas, geração após geração, porque a
construção do ninho é uma expressão dos genes. Richard Dawkins cunhou a expressão
“o fenótipo estendido” para esta idéia. 23
Mencionei que a anosmina é uma molécula de adesividade celular, e isso a torna
um dos itens mais intrigantes da carteira de produtos de genes do GOD. Ainda é cedo
para compreender o papel das moléculas de adesividade celular, mas parece
incrivelmente plausível que elas sejam os símbolos pelos quais os neurônios identificam
seus colegas de equipe quando o cérebro está sendo equipado. Elas são a chave para que
as células se encontrem na multidão. Justifico esta afirmativa altamente especulativa
com base no seguinte experimento, provavelmente o mais engenhoso que já encontrei
no estudo dos genes e do cérebro.
O responsável pelo experimento é Larry Zipursky; o objeto é uma simples mosca-
da-fruta. As moscas têm olhos compostos — isto é, seus olhos são divididos em 6.400
pequenos tubos hexagonais, e cada um deles focaliza uma pequena parte da cena. Cada
um destes tubos manda exatamente oito axônios para o cérebro para relatar o que vê —
principalmente movimento. Seis destes axônios reagem melhor à luz verde; o sétimo
reage à luz ultravioleta; e o oitavo reage à luz azul. Os primeiros seis param em uma
camada inicial do cérebro; o sétimo e o oitavo penetram mais profundamente, sendo que
o sétimo vai mais fundo no cérebro. 24 Zipursky primeiro mostrou que, quase
certamente, para que as oito células alcancem seus alvos, o gene para a N-caderina (uma
proteína de adesividade celular) deve estar ativado nas oito células e também em seus
alvos. O que esta equipe fez então, quase inacreditavelmente, foi manipular
geneticamente uma mosca para que algumas células do sétimo grupo somente
expressem uma versão mutante do gene da N-caderina, e elas, e somente elas, se
tornaram verdes fluorescentes, permitindo ao pesquisador distinguir entre o
desenvolvimento de uma célula mutante e uma normal no mesmo animal. Os detalhes
de como isso é realizado são atordoantes: eles mostram que a ciência ainda é domínio
de engenhosidade e virtuosismo. Sem a N-caderina, o sétimo axônio se desenvolve
normalmente, chega a seu alvo, mas não consegue fazer uma conexão, retrai-se e parece
ficar desorientado. Zipursky repetiu o experimento com os primeiros seis neurônios e
eles também não conseguiram encontrar seu destino sem o gene N-caderina funcional.
Ele conclui que a N-caderina (e, depois de um experimento semelhante, outro gene
chamado LAR, também de adesividade celular) é necessária para um axônio reconhecer
seu alvo no cérebro. 25
As caderinas e sua família estão atualmente entre as mais glamourosas moléculas
da biologia. Sua reputação se deve ao papel que provavelmente desempenham ao
permitirem que os neurônios se encontrem durante a formação da rede do cérebro. Elas
se projetam da superfície de neurônios como copas de algas kelp do leito marinho. Na
presença de cálcio, elas enrijecem em bastões e capturam caderinas semelhantes das
células vizinhas. Ao que parece, seu trabalho é unir dois neurônios. Mas elas só se
ligarão umas às outras se suas extremidades forem compatíveis, e o Dispositivo
Organizador do Genoma parece muito distante para variar a extremidade da copa entre
diferentes células. Isto se deve em parte ao fato de que há muitos genes de caderina
diferentes, mas em parte se deve a um fenômeno inteiramente diferente, denominado
splicing alternativo. Seja paciente comigo enquanto eu o levo em uma viagem pelo
funcionamento dos genes. Um gene é um filamento de letras de DNA que codificam a
receita de uma proteína. Em muitos casos, contudo, o gene é composto de vários trechos
pequenos de “sentido”, interrompidos por longos trechos sem nenhum sentido. Os
pedaços com sentido são chamados exons, e os sem sentido, introns. Depois que o gene
é transcrito em uma cópia funcional feita de RNA, e antes que seja traduzido em uma
proteína, os introns são removidos em um processo chamado splicing (montagem).
Isto foi descoberto em 1977 por Richard Roberts e Philip Sharp, e lhes garantiu
um prêmio Nobel. Depois Walter Gilbert percebeu que havia mais no splicing do que
apenas cortar os trechos sem sentido. Em alguns genes, há várias versões alternativas de
cada exon, de uma ponta a outra, e somente uma é escolhida; as outras são descartadas.
Dependendo de qual é a escolhida, podem ser produzidas proteínas ligeiramente
diferentes a partir do mesmo gene. Somente nos últimos anos, contudo, surgiu o pleno
significado desta descoberta. O splicing alternativo não é um evento raro ou ocasional.
Parece ocorrer em aproximadamente metade de todos os genes humanos; 26 pode até
envolver o splicing de exons de outros genes; e, em alguns casos, produz não apenas
uma ou duas variantes do mesmo gene, mas centenas ou até milhares delas.
Em fevereiro de 2000, Larry Zipursky pediu a Huidy Shu, um de seus alunos de
pós-graduação, para procurar por uma molécula chamada Dscam, um produto de um
gene recentemente purificado por Jim Clemens na mosca e que Dietmar Schmucker
mostrou ser necessário para guiar os neurônios da mosca a seus alvos no cérebro. Uma
parte do gene da mosca parecia decepcionantemente diferente em uma pequena região
de seu equivalente humano, um gene que provavelmente causa alguns dos sintomas da
síndrome de Down por um mecanismo desconhecido (o Dscam representa a molécula
de adesividade celular na síndrome de Down). Shu começou procurando por formas
alternativas de Dscam que podiam conter regiões de seqüência semelhantes ao gene
humano; e embora tal seqüência não tenha sido identificada, surpreendentemente cada
uma das trinta formas, ou mais, de Dscam que Shu seqüenciou era diferente. Então de
repente, pela primeira vez, todo o genoma da mosca-da-fruta tornou-se disponível na
Internet pela empresa Celera. Naquele fim de semana, Shu e Clemens usaram a base de
dados para ler o gene Dscam. Eles não conseguiram acreditar no que seus olhos viram
quando apareceu o resultado da busca. Não havia apenas alguns exons alternativos;
eram 95. Dos 24 exons no gene, quatro existiam em versões alternativas: o exon 4 vem
em 12 versões diferentes, o exon 6 em 48, o exon 9 em 33 e o exon 17 em 2. Isso
significa que, se o gene fosse montado em cada combinação possível de exons, podia
produzir 38.016 tipos diferentes de proteínas — a partir de um só gene! 27
As notícias da descoberta Dscam se espalharam como fogo na palha em toda a
comunidade de geneticistas. Muitos especialistas em genoma acharam-na deprimente,
porque conferia subitamente uma complexidade imensa aos trabalhos. Se um só gene
podia fazer milhares de proteínas, então identificar os genes humanos seria apenas o
começo da tarefa de identificar o número de proteínas que eles podem produzir. Por
outro lado, tal complexidade acabava com o argumento de que, graças ao fato de ter
relativamente poucos genes, o genoma era simples demais para explicar a natureza
humana; e assim as pessoas deviam ser o produto da experiência. De repente, os que
afirmavam isto viram seu tiro sair pela culatra. Depois de afirmar que um genoma de
30.000 genes era pequeno demais para determinar os detalhes da natureza humana,
teriam de admitir que um genoma que pode produzir centenas de milhares, talvez até
milhões de proteínas diferentes, tinha facilmente uma capacidade de combinação
suficiente para especificar a natureza humana em detalhes excruciantes, sem sequer se
preocupar em usar a criação.
É importante não se empolgar demais. Muito poucos genes alternativamente
montados mostram esta diversidade em potencial. Na época em que estava escrevendo
este livro, nenhuma versão humana do Dscam (e há várias delas) parecia sofrer splicing
alternativo, muito menos a este grau. Nem se sabe ainda se as moscas-da-fruta criam
todas as 38.016 proteínas que podem a partir do Dscam. Ainda é possível que as 48
versões do exon 6 sejam funcionalmente intercambiáveis. Mas Zipursky já sabe que
alternativas diferentes do exon 9 são encontradas em diferentes tecidos, e suspeita de
que o mesmo possa acontecer nos outros exons. Há uma sensação difusa entre os
cientistas que trabalham nesta área de que estão arranhando a porta de uma câmara de
segredos. Como os genes são montados e como o RNA se comporta na célula podem
ser a chave para alguns novos princípios biológicos verdadeiramente fundamentais.
De qualquer forma, Zipursky espera ter encontrado uma base molecular para o
reconhecimento celular: para como os neurônios se reconhecem em um cérebro
superlotado. A estrutura do Dscam é similar à de uma imunoglobulina, proteína
altamente variável usada no sistema imunológico para identificar muitos patógenos
diferentes. Reconhecer patógenos pode ser um problema bastante semelhante a
reconhecer neurônios no cérebro. 28 As caderinas e outros tipos de moléculas de
adesividade celular usadas no cérebro — as protocaderinas — também mostram
características semelhantes a imunoglobulinas. Elas usam splicing alternativo, que lhes
permite ter símbolos de identidade altamente específicos. Além disso, as proteínas que
produzem projetam-se das células, ondulam suas caudas variáveis e ligam-se por
combinação de suas caudas. Uma vez reunidas com uma proteína similar de outra
célula, as caudas formam uma ponte rígida. Isto parece incrivelmente parecido com um
sistema em que semelhante encontra semelhante: células que expressam os mesmos
exons podem se ligar e formar conexões sinápticas.
Em particular, as protocaderinas parecem muito intrigantes. Seus genes são
arranjados, cabeça com cauda, em três aglomerados no cromossomo 5 humano, perto de
sessenta genes no total. Cada gene possui uma série de exons variáveis a partir dos
quais escolher, e cada exon é controlado por um promotor separado. 29 Eles podem até
rearranjar sua mensagem genética por splicing alternativo não na transcrição de um
gene, mas entre diferentes transcrições de genes. Isso dá ao cérebro o potencial não de
milhares mas de bilhões de diferentes protocaderinas. Células adjacentes no cérebro, de
muitos tipos semelhantes, acabam expressando protocaderinas ligeiramente diferentes.
“As protocaderinas podem, portanto, proporcionar a diversidade de adesividade e de
código molecular para especificar conexões neuronais no cérebro”, escrevem dois de
seus defensores de Harvard. 30
Mais de quarenta anos atrás, um cientista chamado Roger Sperry conseguiu
derrubar o consenso dominante defendido por seu próprio orientador, de que o cérebro
era criado por aprendizado e experiência a partir de uma rede quase aleatória de
neurônios indiferenciados. Ao invés disso, ele descobriu que um nervo obtém sua
identidade no início do desenvolvimento e não pode ser facilmente reprogramado. Ao
cortar e regenerar nervos em salamandras, ele provou que cada neurônio encontra seu
caminho para o mesmo lugar que seu predecessor. Ao reequipar os cérebros de ratos e
sapos, ele provou que havia um limite para a plasticidade da mente animal: um rato
reequipado de forma que seu pé direito estivesse conectado com os nervos do esquerdo
continua a movimentar o pé esquerdo se o direito é estimulado. Ao enfatizar o
determinismo no sistema nervoso, Sperry fez uma revolução nativista na neurociência,
que tem paralelos com a de Chomsky na psicologia. Ele chegou a postular que cada
neurônio teria uma afinidade química com seu alvo e o cérebro seria formado por um
grande número de moléculas variáveis de reconhecimento. Nisto ele estava bem à frente
de seu tempo (seu prêmio Nobel foi para outro trabalho menor).

NOVOS NEURÔNIOS

A história do desenvolvimento, então, parece levar a uma conclusão muito diferente


daquela esperada por Lehrman e Piaget. Assim como se esperava que o estudo de
gêmeos revelasse um grande papel para o ambiente e um pequeno papel para os genes,
mas se descobriu o oposto, o desenvolvimento parece ser um processo muito bem
determinado, planejado e tramado pelos genes. Será que devo concluir que a natureza
vence este debate em particular, e que o desafio desenvolvimentista portanto fracassa?
Não. Por um lado, uma máquina deterministicamente construída ainda pode ser
modificada. Meu computador tem circuitos primorosamente especificados mas isso não
o impede de modificar a atividade de suas conexões em resposta a um novo programa.
Além disso, a plasticidade neural voltou à moda desde a época de Sperry. Isto, em parte,
deve-se ao rebote habitual natureza-criação: os cientistas de hoje estão reagindo ao que
entendem como nativismo excessivo, assim como Sperry reagiu ao que via como um
empirismo excessivo. Porém há mais do que isso. Por muitos anos, acreditou-se,
aparentemente provado pelo neurocientista Pasco Rakic, que os animais não
desenvolviam novos neurônios no córtex do cérebro depois de chegar à idade adulta.
Então Fernando Nottebohm descobriu que os canários criam novos neurônios quando
aprendem novos cantos. Depois Rakic disse que os mamíferos não desenvolvem novos
neurônios, embora as aves o façam. E aí Elizabeth Gould descobriu que os ratos os
criam. E Rakic recuou para os primatas. Gould os descobriu em sagüis. Então eram os
primatas do Velho Mundo. Gould descobriu-os em macacos rhesus. Agora é certo que
todos os primatas, inclusive os seres humanos, podem desenvolver novos neurônios
corticais em resposta a experiências ricas e perder neurônios em resposta ao abandono.
31
Há amplas e crescentes evidências de que, além do determinismo na formação inicial
da rede de neurônios no cérebro, a experiência é essencial para refinar esta equipagem.
Na síndrome de Kallmann, os bulbos olfativos definham por falta de uso. O velho
princípio da responsabilidade pública, de como lidar com uma subvenção
governamental — “use-a ou perca-a” —, parece servir também para a mente.
Observe uma tendência a acentuar o negativo. A melhor maneira de provar a
importância da experiência é privar um animal dela. No córtex visual, um olho vendado
ao nascimento logo desvia seu campo receptivo no cérebro para o outro olho (falarei
mais disso no próximo capítulo). Contudo, como escrevi, Hollis Cline tinha acabado de
produzir a primeira prova de como a experiência afeta positivamente o desenvolvimento
do cérebro. Ela estuda a forma como um neurônio do olho se comporta quando se
aproxima de seu alvo no cérebro. Longe de se voltar para sua meta de uma forma
predeterminada, ele lança toda uma “árvore” de antenas, e muitas delas logo são
retraídas. Parecem estar procurando por conexões que “funcionem — conexões entre
neurônios com os mesmos interesses que são estimulados juntos. Cline comparou os
neurônios no sistema visual de um girino em desenvolvimento depois de quatro horas
de estímulo luminoso ou quatro horas de escuridão e mostrou que a célula tinha lançado
bem mais antenas em busca de contatos na luz. “Eu tenho um estímulo”, grita o
neurônio, “e quero contar as novidades.” Pode ser assim que a experiência afeta o
desenvolvimento do cérebro, como afirmou Piaget. O colega de Cline, Karel Svoboda,
observou, através de uma janela no crânio, as sinapses entre as células cerebrais de um
camundongo se formarem e se dissolverem em resposta à experiência. 32
A educação certamente tem como objetivo exercitar os circuitos cerebrais que
podem ser necessários na vida — em vez de encher a mente de informações. Assim
exercitados, eles florescem. Surpreendentemente, isto é algo que os seres humanos
compartilham com os vermes microscópicos. O verme nematóide Caenorhabditis
elegans faz a delícia dos reducionistas. Ele não tem cérebro e tem exatamente 302
neurônios — cuja rede é formada de acordo com um programa rígido. Parece um dos
candidatos menos prováveis para a forma mais simples de aprendizado, muito menos
para a plasticidade do desenvolvimento e o comportamento social. Seu comportamento
se limita a se retorcer para a frente e para trás. Todavia, se repetidamente encontra
comida a uma certa temperatura, este verme registra o fato e passa a mostrar uma
preferência por esta temperatura; se não é recompensado pela temperatura, perde a
preferência por ela. Este aprendizado flexível está sob a influência de um gene chamado
NCS-1. 33
Os vermes nematóides não só aprendem como podem também desenvolver
diferentes “personalidades” adultas de acordo com sua experiência social durante a
infância. Cathy Rankin mandou alguns vermes à escola (isto é, criou-os juntos em uma
placa de Petri) e manteve outros em casa (isto é, sozinhos em uma placa). Ela então
bateu na lateral de cada placa, o que levou os vermes a mudar a direção de seu
movimento. Os vermes sociais, que estavam acostumados a se chocar uns com os
outros, foram muito mais sensíveis à pancada do que os vermes solitários.
Rankin tinha manipulado certos genes dentro do verme para que pudesse estudar
exatamente quais sinapses, entre quais neurônios, eram responsáveis pela diferença
entre os vermes sociais e os solitários. As diferenças mostraram-se como sinapses de
glutamato mais fracas entre certos neurônios sensoriais e “interneurônios”. O que é
intrigante, ela descobriu que as mesmas sinapses podam ser alteradas durante o
aprendizado. Depois de oitenta pancadas, os vermes de ambos os tipos tornaram-se
habituados com o fato de que viviam em um mundo vibratório e gradualmente perderam
sua tendência a mudar de direção: eles tinham aprendido. Tanto a aprendizagem como a
escola exerceram seus efeitos nas mesmas sinapses e o fizeram alterando a expressão
dos mesmos genes. 34
Provar que o desenvolvimento do comportamento em um simples verme é
ambientalmente plástico sublinha o desafio desenvolvimentista. Se um organismo que
não tem cérebro e apenas 302 neurônios pode se beneficiar de uma escola, então qual
será o grau do efeito de tais contingências na criação humana? É muito evidente que o
enriquecimento social inicial tem efeitos irreversíveis e de longa duração sobre o
comportamento de mamíferos. Na década de 1950, Harry Harlow (de quem falarei mais
no Capítulo 7) descobriu acidentalmente que uma macaca, criada em uma caverna vazia
com apenas um modelo de arame como mãe e companhia, sem colegas para brincar,
será uma mãe negligente quando crescer. Ela ameaça seus bebês como se fossem
grandes moscas. Ela foi marcada de algum modo pela experiência empobrecida de sua
infância e a passou adiante. 35
Da mesma forma, os bebês camundongos separados de suas mães ou manipulados
por seres humanos são permanentemente afetados pela experiência. Quando crescem,
proles isoladas tornam-se ansiosas, agressivas e um pouco mais vulneráveis ao vício em
drogas. Um camundongo que foi muito lambido por sua mãe quando bebê tende a
lamber muito seus filhotes, e a adoção cruzada revela que isto não é geneticamente
herdado — um camundongo adotivo se comportará mais como sua mãe de criação do
que como sua mãe biológica. Há pouca dúvida de que estes efeitos são mediados por
genes no camundongo bebê. 36
Uma fêmea de camundongo apresentada a filhotes os ignorará a princípio mas aos
poucos se tornará maternal em relação a eles. A velocidade com que esta resposta
ocorre varia muito entre os camundongos, e novamente um camundongo que foi muito
lambido quando bebê reagirá mais rapidamente. O trabalho de Michael Meaney sugere
que os genes para os receptores de ocitocina são os envolvidos, mais facilmente
ativados nos camundongos que foram muito lambidos quando bebês. De alguma forma,
as lambidas no início da vida alteram a sensibilidade destes genes aos estrógenos. Não
se sabe como exatamente isso funciona, mas pode envolver o sistema de dopamina do
cérebro, uma vez que a dopamina mimetiza o estrógeno. A trama engrossa, porque o
desprezo materno inicial definitivamente muda a expressão dos genes envolvidos no
desenvolvimento do sistema da dopamina, que aparentemente é responsável pelo fato de
que os animais criados na privação são mais facilmente viciados em certas drogas —
drogas que recompensam a mente através do sistema da dopamina. 37
Darlene Francis, no laboratório de Tom Insel, pegou duas linhagens de
camundongos e as trocou logo depois do nascimento. Os camundongos da linhagem
C57, transferidos em seguida à fertilização, foram criados no útero de camundongos ou
de sua própria linhagem, ou da linhagem BALB, e depois criados ou por mães BALB,
ou por mães C57. Depois desta criação adotiva cruzada, as habilidades dos camundongos
foram examinadas em vários testes padronizados, que todos os camundongos que vivem
em laboratórios estão habitualmente destinados a fazer. Um teste envolve descobrir uma
plataforma oculta em que está uma piscina de leite e depois se lembrar de sua
localização. Outro envolve criar coragem para explorar quando caem no meio de um
espaço aberto. Um terceiro teste envolve explorar um labirinto em formato de cruz, em
que dois braços estão fechados e dois abertos. As linhagens consangüíneas de
camundongos diferem consistentemente em seu desempenho nos testes, implicando que
os genes prescrevem seu comportamento. Os camundongos BALB passam menos
tempo no meio de um espaço aberto, passam mais tempo nos braços fechados da cruz e
lembram mais rápido onde encontrar a plataforma oculta que os camundongos C57. No
experimento de criação adotiva, os camundongos C57 criados como adotivos por mães
C57, ou antes ou depois do nascimento, comportavam-se como camundongos C57
normais. Mas os camundongos C57 inseridos como adotivos em mães BALB em seguida
à fertilização e depois criados por mães BALB, se comportaram como camundongos
BALB. Como os ratos de Meaney, as mães BALB lambem menos seus filhotes que as
mães C57, e parecem portanto mudar a criação dos filhotes. Mas este efeito do
comportamento maternal depende do crescimento em um útero BALB. Os filhotes C57
de um útero C57, criados como adotivos por mães BALB logo depois do nascimento,
parecem-se com outros camundongos C57 e não com camundongos BALB. Como
afirma Insel, a Mãe Natureza uniu-se à Mãe Criação. 38
Estas são descobertas formidáveis. Indicam uma enorme sensibilidade no
desenvolvimento do cérebro do mamífero em relação a como seu dono é tratado no
útero e logo depois do nascimento mas também sugerem que estes efeitos são mediados
pelos genes do animal. É um exemplo atordoante do argumento de Lehrman, de que o
desenvolvimento tem importância no resultado adulto. Na verdade, vai além de
Lehrman, ao revelar como os genes estão à mercê do comportamento de outros animais
no ambiente, especialmente dos pais. Como sempre, isso não apóia nem uma defesa
radical da criação (porque é um fenômeno possibilitado pelas ações dos genes), nem
uma defesa radical da natureza (porque mostra como a expressão dos genes pede ser
plástica). Ele reforça minha mensagem de que os genes são servos da criação tanto
quanto são servos da natureza. É um belo exemplo de como o GOD inclui a seguinte
advertência na descrição da tarefa de alguns genes: durante o desenvolvimento, você
deve estar sempre pronto para absorver informação do ambiente exterior a seu
organismo e ajustar sua atividade de acordo com isso.

INCUBANDO UTOPIA

“Não lhe ocorreu que, para um embrião de Ípsilon, é preciso um meio de Ípsilon, tanto
quanto uma hereditariedade de Ípsilon?” Assim fala o diretor de Incubação e
Condicionamento do romance de Aldous Huxley de 1932, Admirável mundo novo. Ele
está mostrando aos estudantes as Salas de Predestinação e Decantação na incubadora,
onde embriões humanos artificialmente inseminados são criados sob diferentes
condições para produzir diferentes castas da sociedade: de alfas brilhantes a ípsilons
para as fábricas.
Raramente um livro foi mais mal interpretado que Admirável mundo novo. Hoje
se julga quase automaticamente ser uma sátira à ciência hereditariana radical: um ataque
à natureza. Na verdade trata exclusivamente de criação. No futuro imaginado por
Huxley, os embriões humanos, tendo sido inseminados artificialmente e em alguns
casos clonados (“bokanovskificados”), são depois desenvolvidos em membros de várias
castas por um cuidadoso regime de nutrientes, drogas e oxigênio racionado. A isto se
segue, durante a infância, uma incessante hipnopedia (lavagem cerebral durante o sono)
e condicionamento neopavloviano até que cada pessoa surja certa de desfrutar a vida
para a qual foi atribuída. Aqueles que trabalham nos trópicos são condicionados ao
calor; os que voam em foguetes são condicionados ao movimento.
A heroína altamente “pneumática” Lenina é predestinada — pelo que foi feito a
ela na incubadora e na escola, não por seus genes — a gostar de voar, namorar o
predestinador assistente, promiscuidade, rodadas de golfe de obstáculos e doses da
droga da felicidade, o Soma. Seu admirador, Marx, se rebela contra tal conformidade
somente porque foi adicionado álcool, por engano, em seu sangue substituto no seu
nascimento. Ele leva Lenina à Reserva Selvagem no Novo México para férias, onde
conhece Linda, uma “selvagem” branca, e seu filho, John, que eles levam a Londres
para confrontar o pai de John, que por sua vez é o próprio diretor de incubação e
condicionamento. John, educado como autodidata com um livro de Shakespeare, anseia
por ver o mundo civilizado, mas se desilude rapidamente e se retira para um farol em
Surrey, onde é capturado por um cineasta. Acossado por espectadores invasivos, ele se
enforca. 39 Embora haja drogas para manter as pessoas felizes e sugestões de
hereditariedade, Admirável mundo novo e seus relatos como um lugar horrível de se
viver, detalha as influências ambientais exercidas sobre o desenvolvimento dos corpos e
cérebros dos habitantes. É um inferno da criação e não da natureza.

CAPÍTULO SEIS

Os Anos de Formação

A infância revela o homem, como a manhã revela o dia.

John Milton, Paraíso reconquistado 1

A criação é reversível; a natureza, não. Foi por causa deste raciocínio que os intelectuais
passaram um século preferindo o encantador meliorismo do ambiente ao árido
calvinismo dos genes. Mas e se houvesse um planeta onde ocorresse o oposto? Suponha
que algum cientista tenha descoberto um mundo que abrigasse seres inteligentes cuja
criação estivesse fora de seu controle, no qual seus genes fossem extraordinariamente
sensíveis ao mundo em que viviam.
Não suponha mais. Neste capítulo, meu objetivo é começar a convencê-lo de que
você vive exatamente neste planeta imaginário. Uma vez que são um produto da
criação, no sentido estritamente parental da palavra, as pessoas são amplamente
produtos de eventos iniciais e irreversíveis. Uma vez que elas são o produto dos genes,
elas estão expressando novos efeitos na idade adulta, e com freqüência estes efeitos
estão à mercê da forma como levam sua vida. Esta é uma daquelas surpresas
contraditórias que a ciência adora fornecer e é uma das menos reconhecidas e mais
significativas descobertas dos últimos anos. Mesmo seus descobridores, impregnados
como são da litania de natureza versus criação, estão apenas vagamente conscientes de
como suas descobertas são revolucionárias.
Em 1909, nos pântanos do Danúbio perto de Altenberg, no leste da Áustria, um
garoto de seis anos chamado Konrad e sua amiga Gretl ganharam de um vizinho dois
patinhos recém-chocados. Os patinhos fixaram a imagem das crianças e as seguiam a
toda parte, confundindo-as com seus pais. “O que não percebemos”, disse Konrad 64
anos depois, “é que, naquele meio tempo, os patos tinham fixado minha imagem (...).
Um comportamento de toda a vida é fixado por uma experiência decisiva no início da
juventude.” 2 Em 1935, Konrad Lorenz, então casado com Gretl, descreveu muito
cientificamente como um filhote de ganso, logo após ser chocado, se fixará na primeira
coisa em movimento que encontrar e a seguirá. Em geral, esta coisa é sua mãe, mas
ocasionalmente pode ser um professor de cavanhaque. Lorenz percebeu que havia um
pequeno lapso de tempo durante o qual podia acontecer esse processo, denominado
imprinting. Se o filhote de ganso tivesse menos de 15 horas ou mais que três dias de
idade, não sofria imprinting. Depois do imprinting, fixava a imagem e não podia
aprender a seguir um pai adotivo diferente. 3
Lorenz não foi realmente o primeiro a descrever o imprinting. Mais de sessenta
anos antes, o naturalista inglês Douglas Alexander Spalding falou da experiência que
teve sendo “gravado” na mente de um jovem animal praticamente a mesma metáfora.
Pouco se sabe sobre Spalding, mas esse pouco é agradavelmente exótico. John Stuart
MilI, tendo conhecido Spalding em Avignon, deu a ele o cargo de tutor do irmão mais
velho de Bertrand Russell. Os pais de Russell, o visconde e a viscondessa Amberley,
achavam um erro que Spalding, um tísico, se reproduzisse. Mas achavam igualmente
errado que se proibissem os impulsos sexuais naturais de um homem, então resolveram
que o dilema devia ser solucionado da maneira óbvia: por Lady Amberley
pessoalmente. Ela fez isso devidamente, mas morreu em 1874, seguida em 1876 por seu
marido, que tinha nomeado Spalding um dos guardiães de Bertrand Russell. A
revelação do caso estarreceu o envelhecido avô, o conde Russell, que prontamente
tomou a guarda do jovem Bertrand antes de morrer em 1878. Spalding, nesse meio
tempo, tinha morrido em 1877 de sua tuberculose.
Em seus poucos escritos, o obscuro herói desta tragédia grega parece ter
antecipado muitos dos grandes temas da psicologia do século XX, inclusive o
behaviorismo. Ele também descreveu como um pintinho recém-nascido “seguirá
qualquer objeto em movimento. E, quando guiado só pela visão, ele não parece ter uma
disposição maior de seguir um porco do que seguir um pato ou um ser humano (...) Há o
instinto a ser seguido; e a audição, anterior à experiência, liga-o ao objeto certo”.
Spading chegou a assinalar como um pintinho mantido encapuçado pelos primeiros
quatro dias de vida imediatamente foge dele quando descoberto, ao passo que, se tivesse
sido desencapuçado um dia antes, correria para ele. 4
Mas Spalding passou despercebido e foi Lorenz que colocou o imprinting (em
alemão, “Pragung”) no mapa científico. Foi Lorenz que cunhou o conceito de período
crítico — o lapso de tempo durante o qual o ambiente age irreversivelmente sobre o
desenvolvimento do comportamento. Para Lorenz, o imprinting era importante por ser
um instinto. A tendência a sofrer imprinting por uma mãe é inata no ganso recém-
nascido. Possivelmente não pode ser aprendida, por ser a primeira experiência da ave.
Na época em que o estudo do comportamento era dominado por reflexos condicionados
e associações, Lorenz via seu papel como o de reabilitador do inato. Em 1937, Niko
Tinbergen passou a primavera com Lorenz em Altenberg, e eles inventaram a ciência da
etologia — o estudo dos instintos animais. Surgiram ali conceitos como deslocamento
(fazer alguma outra coisa quando impedido de fazer o que é desejado), liberadores (o
ambiente incita o instinto) e padrões de ação fixa (subprogramas de um instinto).
Tinbergen e Lorenz fora premiados com o Nobel em 1973 pelo trabalho que começaram
naquela primavera
Mas há outra forma de ver o imprinting: como o produto do ambiente. Afinal, o
filhote de ganso não seguirá a menos que haja alguma coisa a seguir. Uma vez que ele
tenha seguido uma espécie de “mãe”, preferirá seguir uma que se pareça com ele. Mas,
antes disso, é receptivo ao que parece com a “mãe”. De uma perspectiva diferente,
Lorenz descobriu como o ambiente externo, da mesma forma que o interno, modela o
comportamento. O imprinting pode ser recrutado para o campo da criação com a mesma
convicção com que foi recrutado para o campo da natureza: um filhote de ganso pode
ser ensinado a seguir qualquer coisa que se move. 5
Um patinho, porém, é diferente. Apesar de seu sucesso com patinhos quando
garoto, o adulto Lorenz não conseguiu levar filhotes de patos selvagens a sofrer
imprinting por ele até que tentou fazer ruídos parecidos com o do pato selvagem.
Depois disso, eles o seguiam com entusiasmo, Os patinhos precisam ver e ouvir a mãe.
No início da década de 1960, Gilbert Gottlieb fez uma série de experimentos para
explorar como isso funciona. Ele descobriu que ingênuos filhotes recém-nascidos de
patos selvagens tinham preferência pelos chamados de sua própria espécie. Isto é,
apesar de nunca terem ouvido o chamado de sua própria espécie, eles identificavam o
som correto quando o ouviam. Mas Gottlieb então tentou complicar as coisas e
conseguiu um resultado surpreendente. Ele emudeceu os patinhos, operando suas cordas
vocais enquanto eles ainda estavam no ovo. Agora os patinhos, na incubadora, não
tinham preferência por uma mãe de sua espécie. Gottlieb concluiu que os patinhos
somente conheciam o chamado correto porque eles tinham ouvido sua própria voz antes
de o ovo ser chocado. Segundo ele, isto solapava toda a noção de instinto, ao trazer à
baila um estímulo ambiental anterior ao nascimento. 6

AS CICATRIZAES DA GESTAÇÃO

Se a influência do ambiente é parcialmente pré-natal, então o ambiente começa a se


assemelhar muito menos a uma força maleável e mais ao destino. Será uma
peculiaridade de patos e gansos, ou as pessoas também sofrem imprinting do ambiente
inicial com certas características invariáveis? Vamos começar pelas pistas médicas. Em
1989, um cientista médico de nome David Barker analisou o destino de mais de 5.600
homens nascidos entre 1911 e 1930 em seis distritos de Hertfordshire, no sul da
Inglaterra. Aqueles que tinham o menor peso ao nascimento na idade de um ano viriam
a ter as mais altas taxas de mortalidade por doença cardíaca isquêmica. O risco era
quase três vezes maior nos bebês leves do que nos pesados. 7
O resultado de Barker atraiu muita atenção; não surpreendeu que os bebês mais
pesados devessem ser mais saudáveis, mas era uma grande surpresa que eles fossem
menos vulneráveis a uma doença da velhice, e a uma doença, além disso, cujas causas
supostamente eram bem conhecidas. Aqui estava a prova de que a doença cardíaca não
é tão influenciada pela quantidade de gordura que você come quando adulto, mas por
sua magreza na idade de um ano. Barker passou a verificar o mesmo resultado em dados
provenientes de outras partes do mundo, relacionados com doença cardíaca, derrame e
diabetes. Por exemplo, em 4.600 homens nascidos no Hospital Universitário de
Helsinque entre 1934 e 1944, era muito mais provável que aqueles que eram magros ou
leves ao nascimento com um ano de idade morressem de doença cardíaca coronariana.
Barker coloca desta forma: se nenhuma dessas pessoas tivesse sido magra quando bebê,
o índice de doença coronariana cairia à metade mais tarde — um imenso ganho em
potencial para a saúde pública.
Barker afirma que a doença cardíaca não pode ser compreendida como um
acumulo de efeitos ambientais durante a vida. Na verdade, as conseqüências de algumas
influências, inclusive a alta massa corporal na infância, depende de certos
acontecimentos em estágios iniciais e críticos do desenvolvimento. Isto incorpora o
conceito de ‘comutadores’ do desenvolvimento incitados pelo ambiente”. 8 De acordo
com a hipótese do “fenótipo econômico”, elaborada a partir de seu trabalho, Barker
descobriu uma adaptação à fome. O corpo de um bebê mal nutrido, marcado por sua
experiência pré-natal, nasce “esperando” viver em um estado de privação de alimento
em toda a sua vida. Todo o seu metabolismo é aparelhado para ser pequeno,
armazenando calorias e evitando o exercício excessivo. Quando, em vez disso, o bebê se
vê em uma época de fartura, ele compensa crescendo rapidamente, mas de uma forma
que representa esforço para seu coração.
A hipótese da desnutrição pode ter implicações ainda mais estranhas, como
revelou um “experimento acidental” realizado em larga escala durante a Segunda
Guerra Mundial. Começou em setembro de 1944, numa época em que os ex-
colaboradores Konrad Lorenz e Niko Tinbergen estavam presos. Lorenz estava em um
campo de prisioneiros de guerra na Rússia, tendo acabado de ser capturado; Tinbergen
estava prestes a ser libertado depois de dois anos em um campo de concentração
alemão, mantido como refém e sob ameaça de morte por atividades na resistência
holandesa. Em 17 de setembro de 1944, pára-quedistas britânicos ocuparam a cidade
holandesa de Arnhem para capturar uma ponte estratégica sobre o Reno. Oito dias
depois, os alemães forçaram-nos a se render, depois de derrotar as forças terrestres
enviadas para ajudá-los. Os aliados então adiaram as tentativas de libertar a Holanda
para depois da primavera.
Os trabalhadores ferroviários holandeses tinham declarado greve para tentar evitar
que o reforço alemão chegasse a Arnhem. Como retaliação, o Reichskommissar Arthur
Seyss-Inquart ordenou o embargo de todo o transporte civil do país. O resultado foi uma
fome arrasadora, que durou sete meses: o inverno da fome, como chamaram. Mais de
10.000 pessoas definharam até a morte. Mas o que mais tarde chamou a atenção de
pesquisadores médicos foi o efeito que esta fome abrupta teve nos bebês em gestação.
Cerca de 40.000 pessoas eram fetos na época da fome e seu peso ao nascimento e saúde
posterior estão registrados. Na década de 1960, uma equipe da Universidade de
Columbia estudou os dados. Descobriram todos os efeitos esperados de mães
desnutridas: bebês malformados, altas taxas de mortalidade infantil e altas taxas de
natimortos. Mas eles também descobriram que os bebês que estavam em seu último
trimestre de gestação (somente neste período) sofreram de baixo peso ao parto. Estes
bebês cresceram normalmente, mas mais tarde sofreram de diabetes, provavelmente
como resultado de uma incompatibilidade entre seu fenótipo econômico e a abundância
de alimentos nutritivos do mundo pós-guerra.
Os bebês que estavam em seus primeiros seis meses de gestação durante a fome
tiveram peso normal ao nascimento, mas, quando chegaram à idade adulta, deram à luz
bebês incomumente pequenos. É difícil explicar este estranho efeito de segunda geração
pela hipótese do fenótipo econômico, embora Pat Bateson observe que os gafanhotos
levam várias gerações para passar da forma tímida e solitária, com uma dieta
especialista, para a forma gregária e de enxames com uma dieta generalista, e depois
começam tudo de novo. Se são necessárias várias gerações para os seres humanos
oscilarem entre fenótipos econômicos e esbanjadores, isso pode explicar por que a
Finlândia tem uma taxa de mortalidade por doença cardíaca quase quatro vezes maior
que a da França. O governo da França começou a suplementar as rações de mães
grávidas depois da guerra franco-prussiana na década de 1870. O povo da Finlândia
vivia em relativa pobreza até cinqüenta anos atrás. Talvez estas sejam as duas primeiras
gerações a experimentar a abundância e a sofrer de doença cardíaca. Talvez seja por
isso que os Estados Unidos estejam agora vendo uma rápida queda nas taxas de
mortalidade por doença cardíaca, mas a Grã-Bretanha, bem-alimentada por um tempo
mais curto, esteja ficando para trás. 9

O DEDO MÉDIO DA VIDA

Um evento pré-natal pode ter efeitos de longo alcance que não são absolutamente
impossíveis de neutralizar mais tarde na vida. Mesmo diferenças sutis entre indivíduos
saudáveis podem ser atribuídas a imprinting pré-natal. O tamanho do dedo é um
exemplo. Na maioria dos homens, o dedo anular é maior que o dedo indicador. Nas
mulheres, os dois dedos são em geral do mesmo tamanho. John Manning percebeu que
isto era uma indicação do nível de testosterona pré-natal a que as pessoas foram
expostas quando estavam no útero. Quanto mais testosterona em sua experiência
uterina, maiores seus anulares. Há um bom motivo biológico para a ligação. Os genes
hox, que controlam o crescimento da genitália, também controlam o crescimento dos
dedos, e uma diferença sutil na seqüência de eventos no útero provavelmente leva a
tamanhos de dedos sutilmente diferentes.
As medições de dedos anulares de Manning dão uma medida grosseira da
exposição à testosterona antes do nascimento: mas, e daí? Bem, esqueça a quiromancia;
esta é uma previsão real. Os homens com dedos anulares incomumente longos (alta
testosterona) têm um risco maior de autismo, dislexia, gagueira, disfunção imune; eles
também têm relativamente mais filhos. 10 Os homens com dedos anulares incomumente
curtos têm um risco maior de doença cardíaca e infertilidade. E porque os músculos
masculinos também são parcialmente formados pela testosterona, Manning estava
preparado para prever ousadamente na televisão que, de um grupo de atletas prestes a
disputar uma corrida, ganharia o único com o dedo anular mais longo, o que
efetivamente aconteceu. 11
O tamanho do dedo anular e sua impressão digital sofrem imprinting no útero.
Eles são um produto da criação — porque certamente o útero é a própria incorporação
da palavra criação. Mas isso não o torna maleável. A crença reconfortante de que a
criação é mais maleável do que a natureza repousa parcialmente na falácia de que
criação é o que acontece antes do nascimento e natureza é o que acontece antes do
parto. Isto é falácia mesmo.
Talvez você agora possa vislumbrar uma explicação do paradoxo do Capítulo 3:
de que a genética do comportamento revela um papel para os genes, e um papel para o
ambiente não compartilhado, mas dificilmente um papel para a influência ambiental
compartilhada. O ambiente pré-natal não é compartilhado com irmãos (exceto no caso
de gêmeos); a experiência de gestação é única para cada bebê; as injúrias sofridas ali,
como desnutrição, gripe ou testosterona, dependem do que está acontecendo com a mãe
naquele momento, e não do que acontece em toda a família. Quanto mais a criação
importa no pré-natal, menos a criação pode importar no pós-natal.

SEXO E O ÚTERO

Há algo muito freudiano em todo esse imprinting. O velho Sigmund acreditava que a
mente humana carrega as marcas de sua experiência inicial, e que muitas destas marcas
estão enterradas no subconsciente, mas ainda estão lá. Revelá-las é um dos prazeres do
divã do psicanalista. Freud chegou a sugerir que, por este processo de revelação, uma
pessoa podia se curar de várias neuroses. Um século depois, há um veredicto claro nesta
proposição: diagnóstico bom, terapia terrível. A psicanálise é desastrosamente inepta na
tarefa de mudar as pessoas. Isto é o que a torna tão lucrativa — “Vejo você na semana
que vem”. Mas ela está certa em sua premissa de que há coisas como “experiências de
formação”; que estas experiências surgem muito cedo; e que elas ainda estão
poderosamente presentes no subconsciente adulto. Todavia, por este mesmo raciocínio,
se elas ainda estão lá, e ainda são influentes, então deve ser difícil revertê-las. Se
persistem, as experiências de formação devem ser imutáveis.
Freud pode não ter sido o primeiro a considerar os desejos sexuais infantis mas
certamente foi o mais influente. Nisto ele estava sendo do contra. Para o observador
distante, nada pode ser mais óbvio que o fato de que o sexo começa na adolescência.
Até a idade de 12 anos, os seres humanos são indiferentes à nudez, entediam-se com o
romance e são um tanto incrédulos com os fatos da vida. Aos vinte anos, eles são
fascinados por sexo a um grau obsessivo. Algo mudou com certeza. Mas Freud estava
convencido de que havia alguma coisa sexual ocorrendo na mente da criança, mesmo do
bebê, muito antes disso.
Voltemos aos filhotes de ganso. Lorenz percebeu que filhotes de ganso marcados
por imprinting (e outras aves) não só tratavam-no como pai como também mais tarde
tornavam-se sexualmente fixados nele também. Eles ignorariam membros de sua
própria espécie e cortejariam seres humanos. (Minha irmã e eu descobrimos a mesma
coisa quando, na nossa infância, criamos uma rola-de-coleira do nascimento à idade
adulta; ela se apaixonou fanaticamente pelos dedos das mãos e dos pés de minha irmã,
provavelmente porque tinha sido alimentada com os dedos desde o momento em que
abriu seus olhos. Ela tratava meus dedos das mãos e dos pés como rivais sexuais.) Isto
era verdadeiramente intrigante porque implicava que, pelo menos nas aves, o objeto de
uma atração sexual podia ser fixado logo depois do nascimento e ao mesmo tempo
podia consistir em quase qualquer objeto vivo. Desde então, toda uma série de
experimentos no cativeiro e no meio natural tem mostrado que, em muitas espécies de
aves, um filhote macho criado por uma mãe adotiva de uma espécie diferente sofre
imprinting sexual por aquela outra espécie, e que existe um período crítico durante o
qual ele adquire sua preferência sexual. 12
Será que a mesma coisa pode ser aplicada às pessoas? A tranqüilizadora resposta
que a maioria das pessoas se dava no século XX em geral era não, as pessoas não têm
instintos, e então esta necessidade não aparece. Mas agora veja a que confusão isso
levou! Se o instinto é algo tão flexível que um ganso pode se apaixonar por um homem,
então será que os seres humanos têm um instinto menos flexível? Ou eles têm de
aprender duramente a amar? De qualquer forma, a bazófia humana de que nossa falta de
instinto é o que nos torna flexíveis começa a parecer vazia.
De qualquer forma, está claro há muito, a partir de experimentos com
homossexuais, que as preferências sexuais humanas não só são difíceis de mudar como
também são fixadas desde o início da vida. Ninguém na ciência atual acredita que a
orientação sexual é causada por acontecimentos na adolescência. A adolescência
meramente revela o negativo de uma película que foi exposta muito tempo antes. Está
claro que uma compreensão de por que a maioria dos homens sente-se atraída por
mulheres enquanto alguns sentem atração por homens deve remeter bem ao início da
infância. Talvez até ao útero.
A década de 1990 viu uma série de estudos que reviveram a idéia da
homossexualidade como uma condição “biológica” em vez de psicológica, como um
destino, e não uma escolha. Foram feitos estudos mostrando que os futuros
homossexuais tinham personalidades diferentes na infância; estudos mostrando que os
homens homossexuais tinham diferenças na anatomia cerebral em relação a
heterossexuais; vários estudos de gêmeos mostrando que a homossexualidade era
altamente herdável na sociedade ocidental; e relatos anedóticos de homens
homossexuais indicando que eles se sentiam “diferentes” desde a primeira infância. 13
Isoladamente, nenhum destes estudos se mostrou irresistível. Mas juntos, e comparando
décadas de provas de que a terapia de aversão, “tratamento” e preconceito fracassaram
inteiramente na “cura” de pessoas com instintos homossexuais, eles foram
enfaticamente claros. A homossexualidade é uma preferência inicial, provavelmente
pré-natal e irreversível. A adolescência simplesmente joga combustível no fogo. 14
O que, exatamente, é a homossexualidade? É claramente toda uma gama de
características diferentes de comportamento. Em alguns casos, os homens gays parecem
ser mais como mulheres: eles se sentem atraídos por homens, dão mais atenção às
roupas, com freqüência são mais interessados em pessoas do que, digamos, em futebol.
De outras formas, contudo, eles são mais como os heterossexuais: compram pornografia
e são promíscuos, por exemplo. (As páginas centrais de nus da Playgirl retratando
homens acabam apelando principalmente aos gays, e não às mulheres que a revista
pretende atingir.) 15
Pessoas, como os mamíferos em geral, são naturalmente fêmeas a não ser que
sejam masculinizadas. O sexo feminino é o “sexo padrão” (acontece o contrário com as
aves). Um único gene, o SRY, no cromossomo Y, começa uma cascata de eventos no
feto em desenvolvimento que levam ao desenvolvimento da aparência e do
comportamento masculinos. Se este gene está ausente, o resultado é um corpo feminino.
É portanto razoável supor que a homossexualidade nos homens resulta da falha parcial
deste processo de masculinização pré-natal no cérebro, embora não no corpo (ver
Capítulo 9).
De longe, a descoberta mais confiável, nos últimos anos, sobre as causas da
homossexualidade é a teoria de Ray Blanchard da ordem de nascimento fraterna. Em
meados dos anos 90, Blanchard mediu o número de irmãos e irmãs mais velhos de
homens gays, comparando com a média da população. Ele descobriu que era mais
provável que os gays tivessem irmãos mais velhos (mas não irmãs mais velhas) que as
mulheres gays ou os homens heterossexuais. Desde então isto foi confirmado em 14
amostras diferentes de muitos lugares diferentes. Para cada irmão mais velho a mais, a
probabilidade de um homem ser gay aumenta em um terço. (Isto não significa que os
homens com muitos irmãos mais velhos estejam fadados a serem gays; um aumento de,
digamos, 3 para 4% em uma população é um aumento de um terço.) 16
Blanchard calcula que pelo menos um homem gay em sete, provavelmente mais,
pode atribuir sua orientação sexual ao efeito da ordem de nascimento de seus irmãos. 17
Não é apenas a ordem de nascimento, porque ter irmãs mais velhas não tem
conseqüências. Algo sobre os irmãos mais velhos deve realmente estar causando a
homossexualidade em homens. Ele acredita que o mecanismo está no útero, não na
família. Uma pista está no peso ao nascimento de bebês meninos que mais tarde se
tornam homossexuais. Normalmente, um segundo bebê é mais pesado que um primeiro
do mesmo sexo. Os meninos são especialmente mais pesados se nascem depois de uma
ou mais irmãs. Mas meninos nascidos depois de um irmão são somente um pouco mais
pesados que os primogênitos meninos, e aqueles nascidos depois de dois ou mais irmãos
são em geral menores que o primeiro e o segundo meninos. Ao analisar questionários
respondidos por homens gays, heteros e seus pais, Blanchard pôde mostrar que irmãos
mais novos que viriam a se tornar homossexuais eram 170 gramas mais leves ao
nascimento que irmãos mais novos que viriam a se tornar heterossexuais. 18 Ele
confirmou este resultado — alta ordem de nascimento, baixo peso ao nascimento
comparado com controles — em uma amostra de 250 meninos (com idade média de sete
anos) que exibiam suficientes desejos “intergêneros” relatados a psiquiatras; sabe-se que
o comportamento intergênero na infância prevê a homossexualidade mais tarde. 19
Como Barker, Blanchard acredita que as condições no útero formam o bebê para a
vida. Neste caso, ele afirma, algo acerca de ocupar um útero que já manteve outros
meninos ocasionalmente resulta em peso reduzido ao nascimento, placenta maior
(presumivelmente compensando a dificuldade de crescimento que experimenta o bebê)
e uma maior probabilidade de homossexualidade. Este algo, suspeita ele, é a reação
imunológica materna. A reação imunológica da mãe, preparada pelos primeiros fetos
masculinos, torna-se mais forte a cada gestação de meninos. Se é branda, causa apenas
uma leve redução do peso ao nascimento. Se é forte, causa uma redução acentuada no
peso ao nascimento e uma probabilidade maior de homossexualidade.
Como pode a mãe estar reagindo a isso? Há vários genes que se expressam
somente em meninos, e já se sabe que alguns criam uma reação imunológica nas mães.
Alguns são expressos no cérebro, na época pré-natal. Uma nova e intringante
possibilidade é um gene chamado PCDH22, que está no cromossomo Y, e é portanto
específico de homens, e provavelmente está envolvido na construção do cérebro. 20 É a
receita para uma protocaderina (sim, ela novamente). Poderia este ser o gene que ativa a
parte do cérebro peculiar aos homens? Uma reação imunológica materna pode ser
suficiente para evitar a ativação da parte do cérebro que mais tarde estimularia um
fascínio pelo corpo feminino.
É evidente que nem toda homossexualidade é causada desta forma. Algumas delas
podem ser causadas diretamente por genes na pessoa homossexual, sem a mediação da
reação imunológica da mãe. A teoria de Blanchard pode explicar por que tem se
mostrado tão difícil encontrar o “gene gay”. O principal método para descobrir tal gene
é comparar marcadores nos cromossomos de homens homossexuais com aqueles de
seus irmãos heterossexuais. Mas, se muitos homens gays têm irmãos mais velhos
heteros, então este método funcionaria muito mal. Além disso, a principal diferença
genética pode estar nos cromossomos da mãe, que causam a reação imunológica. Isto
pode explicar por que a homossexualidade parece ser herdada pela linha feminina: os
genes para uma reação imunológica materna mais forte podem parecer “genes gays”,
embora seja possível que eles jamais se expressem no homem gay, mas somente na
mãe.
Observe, porém, o que isto faz ao debate natureza versus criação. Se a criação,
sob o pretexto da ordem de nascimento, causa alguma homossexualidade, ela o faz
causando uma reação imunológica, que é um processo mediado diretamente pelos
genes. Assim, é ambiental ou genético? Dificilmente isso importa, porque a distinção
absurda entre criação reversível e natureza inevitável está agora bem e verdadeiramente
enterrada. Neste caso, a criação parece tão irreversível quanto a natureza, talvez até
mais.
Politicamente, a confusão é ainda maior. Em meado dos anos 90, a maioria dos
homossexuais recebeu bem a notícia de que sua orientação sexual parecia ser
“biológica”. Eles queriam que fosse destino e não uma opção, porque isso solaparia o
argumento de homófobos de que era uma opção e portanto moralmente questionável.
Como pode ser errado se é inato? Sua reação é compreensível mas perigosa. Uma
tendência maior à violência é também inata nos machos humanos. O fato de existir não
significa que seja correta. A falácia naturalista, em que o “deve” pode ser derivado do
“é”, é por definição enganadora. Basear qualquer posição moral em um fato natural, seja
derivado da natureza ou da criação, é procurar problemas. Em minha concepção moral,
e espero que também na sua, algumas coisas são ruins apesar de serem naturais, como a
desonestidade e a violência; outras são boas, embora menos naturais, como a
generosidade e a fidelidade.

LANÇANDO COMUTADORES NO CÉREBRO

É fácil inferir a existência de períodos críticos durante os quais o cimento úmido do


caráter pode ser criado. É menos fácil conceber como ele funciona. O que pode ocorrer
dentro de um cérebro para que um filhote de ganso sofra imprinting de um professor
logo depois do nascimento? Para mim, o simples fato de fazer tal pergunta revela
reducionismo, e os reducionistas são RUINS. Supõe-se que existamos para a glória da
experiência holística, e não para tentar destruí-la. A isto eu poderia responder que há
com freqüência mais beleza, poesia e mistério no projeto de circuito de um microchip
ou no funcionamento de um aspirador de pó bem-feito do que em uma sala cheia de arte
conceitual, mas não quero ser chamado de filisteu, então afirmo apenas que o
reducionismo não suprime nada do todo; ele acrescenta novas camadas de maravilha à
experiência. Isto é válido quer o projetista das peças seja um ser humano ou o GOD.
Então, como um cérebro de filhote de ganso é marcado por um professor? Até
muito recentemente, este era um completo mistério. Nos últimos anos, contudo, os véus
do mistério começaram a se erguer, revelando novos véus por trás deles. O primeiro véu
diz respeito a que parte do cérebro está envolvida. Os experimentos revelam que,
quando um filhote sofre imprinting de seus pais, as lembranças são estabelecidas
primeiro e mais rapidamente em uma parte do cérebro chamada IMHV esquerdo
(intermediate and medial hyperstriatum ventral). Nesta parte do cérebro, e somente no
lado esquerdo, todo um surto de mudanças acompanha o imprinting: os neurônios
mudam de forma, as sinapses se formam e os genes são ativados. Se o IMHV esquerdo
é danificado, o filhote não consegue ser marcado por sua mãe.
O segundo véu a se erguer revela a substância química necessária para o
imprinting “filial” deste tipo. Ao examinar o cérebro de filhotes depois de eles passarem
ou não pelo imprinting de um objeto, Brian McCabe descobriu que um
neurotransmissor chamado GABA é liberado das células cerebrais no IMHV esquerdo
durante o imprinting. Antes, ele tinha percebido que um gene para um receptor GABA é
desativado cerca de dez horas depois de o filhote ter sido treinado para sofrer imprinting
de um objeto. 21
Assim, alguma coisa acontece em uma parte do lado esquerdo do cérebro do
filhote durante o imprinting, primeiro para liberar GABA e depois para reduzir a
sensibilidade ao GABA no final do período crítico. Para levar a história adiante, é hora
de deixar os bebês aves e passar a um tipo diferente de período crítico mais fácil de
estudar: o desenvolvimento da visão binocular. Ocasionalmente os bebês nascem com
cataratas nos dois olhos, que os deixam cegos. Até a década de 1930, os cirurgiões
achavam que era mais sábio não remover cirurgicamente estas cataratas até depois dos
dez anos de idade, por causa dos riscos da cirurgia em crianças menores. Mas ficou
claro que estas crianças nunca conseguiam distinguir profundidade ou forma
adequadamente, mesmo depois da remoção das cataratas. Era simplesmente tarde
demais para que o sistema visual aprendesse a “ver”. Da mesma forma, macacos criados
na escuridão pelos primeiros seis meses de sua vida levam meses para aprender a
distinguir círculos de quadrados, algo que os macacos podem aprender em dias. Sem a
experiência visual nos primeiros meses de vida, o cérebro não pode interpretar o que os
olhos vêem. Um período crítico se passou.
Há uma camada do córtex visual primário, chamada camada 4C, que recebe
informação dos dois olhos e as separa em correntes provenientes de cada olho. No
início, as informações são distribuídas aleatoriamente, mas antes do nascimento elas são
mais ou menos classificadas em faixas, cada faixa correspondendo principalmente a um
olho. Durante os primeiros meses de vida depois do nascimento, esta segregação torna-
se cada vez mais acentuada, de forma que todas as células que respondem ao olho
direito são agregadas em faixas do olho direito, enquanto todas as que reagem ao olho
esquerdo são agregadas em faixas do olho esquerdo. Estas faixas são chamadas colunas
de dominância ocular. Espantosamente, as colunas não são segregadas no cérebro de
animais privados de visão durante os primeiros meses de vida.
David Hubel e Torsten Wiesel descobriram como tingir estas colunas de cores
diferentes, injetando aminoácidos corados em um olho. Depois conseguiram ver o que
acontece quando um olho é fechado. Em um animal adulto, isto praticamente não tem
efeito sobre as faixas. Mas se um olho é fechado por pouco tempo, como uma semana,
durante os seis primeiros meses da vida de um macaco, então as faixas deste olho quase
desaparecem e o olho se torna efetivamente cego, porque não há nenhum lugar no
cérebro ao qual se reportar. O efeito é irreversível. É como se os neurônios dos dois
olhos competissem por espaço na camada 4C, e aqueles que são ativos vencem a
batalha.
Estes experimentos da década de 1960 foram as primeiras demonstrações de
“plasticidade” no desenvolvimento do cérebro durante um período crítico depois do
nascimento. Isto é, o cérebro é receptivo à calibragem pela experiência nas primeiras
semanas de vida, e depois deste período ele se estabelece. Somente experimentando o
mundo através dos olhos é que um animal pode classificar a informação em faixas
separadas. A experiência parece realmente ativar certos genes, que por sua vez ativam
outros. 22
No final da década de 1990, várias pessoas estavam procurando pela chave
molecular deste período crítico na visão. O método que escolheram foi a engenharia
genética: a criação de camundongos com genes extras ou ausentes. Os camundongos,
como os gatos e macacos, têm um período crítico durante o qual as informações dos
dois olhos competem por espaço no cérebro, embora eles não as classifiquem em
colunas arrumadas. Em Boston, no laboratório de Susumu Tonegawa, Josh Huang
concluiu que tinha uma idéia acerca do objeto da competição: o fator neurotrófico
derivado do cérebro, ou BDNF, o produto da versão de um gene que também parece
prever personalidades neuróticas (ver Capítulo 3). O BDNF é uma espécie de alimento
para o cérebro: estimula o crescimento dos neurônios. Talvez, raciocinou Huang, as
células que portam os principais sinais do olho tenham mais BDNF que as células
inativas, e assim a informação proveniente do olho aberto desloca a informação do olho
fechado. Em um mundo onde não havia BDNF suficiente para todos, ocorreu a
sobrevivência do neurônio mais faminto.
Huang fez o experimento óbvio: criou um camundongo que produzia BDNF extra
de seus genes, esperando que agora este BDNF proporcionasse amplo alimento para
todos os neurônios, permitindo que a informação proveniente de ambos os olhos
sobrevivesse. Ele ficou surpreso ao ver um efeito diferente e drástico. Os camundongos
com BDNF extra atravessaram o período crítico mais rápido. Seus cérebros se
estabeleceram duas semanas depois da abertura dos olhos, em vez de levar três semanas.
Esta foi a primeira demonstração de que se podia ajustar artificialmente um período
crítico. 23
Um ano depois, em 2000, veio outra inovação no laboratório de um cientista
japonês, Takao Hensch. Hensch descobriu que um camundongo sem um gene chamado
GAD65 não conseguia classificar a informação proveniente de seus olhos em resposta a
estímulos visuais. Mas estes mesmos camundongos prejudicados classificavam as
informações quando recebiam injeções da droga diazepam. Na verdade, o diazepam,
como o BDNF, parecia provocar um imprinting precoce. A injeção de diazepam depois
do período crítico não podia restaurar a plasticidade do cérebro. No camundongo sem
GAD65, os cientistas podiam provocar a plasticidade com diazepam a qualquer
momento, mesmo durante a idade adulta. Mas somente uma vez. Depois da
reorganização causada pelo diazepam, o sistema perdia inteiramente sua sensibilidade.
É como se houvesse um programa latente para reequipar o cérebro, que pode ser
detonado uma vez — mas somente uma vez. 24
De volta a Boston, Huang se surpreendeu novamente. Junto com Lamberto
Maffei, em Pisa, ele simplesmente criou seu camundongo transgênico — aquele com o
BDNF extra — no escuro. Os camundongos normais, se criados no escuro por três
semanas depois da abertura dos olhos, ficam efetivamente cegos para a vida toda; eles
precisam da experiência da luz para amadurecer seu sistema visual. Para deixar claro,
seu cérebro precisa da criação, assim como precisa da natureza. Mas, notavelmente, os
camundongos com BDNF extra criados no escuro respondiam normalmente a estímulos
visuais, sugerindo que eles podiam ver bem apesar de não terem sido expostos à luz
durante o período crítico. Huang e Maffei tinham topado com um fato extraordinário:
um gene que podia substituir aspectos da experiência. Aparentemente, um dos papéis da
experiência não é refinar o cérebro mas apenas ativar o gene BDNF, que por sua vez
refina o cérebro. Se você fecha o olho de um camundongo, a produção de BDNF em seu
córtex visual cai em meia hora. 25
Apesar deste resultado, Huang não acredita realmente que a experiência seja
dispensável. Ele observa que o sistema parece ser projetado para retardar o
amadurecimento do cérebro até que a experiência esteja disponível. O que o BDNF, o
GAD65 e o diazepam — as três coisas que podem afetar períodos críticos — têm em
comum? A resposta é o neurotransmissor GABA: o GAD65 o faz, o diazepam o
mimetiza e o BDNF o regula. Uma vez que o GABA estava envolvido no imprinting do
filhote de ganso, parece plausível que o sistema do GABA seja essencial em períodos
críticos de todos os tipos. O GABA é uma espécie de desmancha-prazeres neuronal: ele
inibe a estimulação de neurônios vizinhos. Sentindo-se rejeitados, os neurônios inibidos
fenecem. Como o amadurecimento do sistema do GABA é dependente da experiência
visual e estimulado por BDNF, parece provável haver uma ligação entre eles.
Embora ainda esteja longe de ser concluída, a história do GABA é um belo
exemplo de como, mais do que nunca, é possível começar a compreender os
mecanismos moleculares por trás de coisas como o imprinting. Ela mostra como é
injusto acusar o reducionismo de tirar a poesia da vida. Quem teria concebido um
mecanismo tão extraordinariamente planejado se tivesse se recusado a olhar sob a tampa
do cérebro? Somente equipando o cérebro com BDNF e genes GAD65, o GOD pode
fazer um cérebro capaz de absorver a experiência da visão. Estes são, se preferir, os
genes da criação.

IDIOMAS JOVENS

O imprinting no período crítico está em toda parte. Há milhares de modos que podem
ser alterados nos seres humanos em sua juventude que são imutáveis na idade adulta.
Assim como um filhote de ganso é marcado por uma imagem de sua mãe durante as
horas que se seguem ao nascimento, uma criança é marcada por tudo, do número de
glândulas sudoríparas em seu corpo e uma preferência por certos alimentos a uma
apreciação dos rituais e padrões de sua própria cultura. Nem a imagem da mãe de um
filhote de ganso, nem a cultura infantil são inatas em algum sentido. Mas a capacidade
de absorve-las, sim.
Um exemplo óbvio é o sotaque. As pessoas mudam seus sotaques facilmente
durante a juventude, geralmente adotando o sotaque de pessoas de sua própria idade em
seu meio, mas em alguma época entre os 15 e os 25 anos, esta flexibilidade
simplesmente desaparece. A partir de então, mesmo se alguém emigrar para um país
diferente e viver lá por muito anos, seu sotaque mudará muito pouco. Ele pode adquirir
algumas inflexões e hábitos do novo ambiente lingüístico, mas não muitos. Isto é válido
para sotaques regionais e nacionais: os adultos retém o sotaque de sua juventude; os
jovens adotam o sotaque da sociedade que o cerca. Considere Henry Kissinger e seu
irmão mais novo Walter. Henry nasceu em 27 de maio de 1923, enquanto Walter nasceu
apenas um ano depois, em 21 de junho de 1924. Eles emigraram como refugiados da
Alemanha para os Estados Unidos em 1938. Hoje em dia, Walter parece um americano,
enquanto Henry tem um sotaque caracteristicamente europeu. Um repórter uma vez
perguntou a Walter por que Henry tinha sotaque alemão e ele não. “Porque Henry não
ouve”, foi a resposta jocosa. Parece mais provável que, quando chegaram na América,
Henry estava velho o suficiente para perder a flexibilidade de assimilar o sotaque de seu
ambiente; ele estava saindo do período crítico.
Em 1967, um psicólogo de Harvard, Eric Lenneberg, publicou um livro em que
afirmou que a capacidade de aprender a linguagem está sujeita a um período crítico que
termina abruptamente na puberdade. As evidências para a teoria de Lenneberg agora
surgem de todos os lados, especialmente do fenômeno da língua crioula e da língua
franca. As línguas francas são uma linguagem usada por adultos de diferentes
formações linguísticas para se comunicarem uns com os outros. Ela carece de uma
gramática consistente ou sofisticada. Mas uma vez que tenha sido aprendida por uma
geração de crianças ainda em seu período crítico, elas mudam para as línguas crioulas
— novas linguagens com uma gramática plena. Em um exemplo na Nicarágua, crianças
surdas mandadas a novas escolas para surdos pela primeira vez em 1979 simplesmente
inventaram uma nova linguagem de sinais crioula com uma sofisticação extraordinária.
26

O teste mais direto do período crítico no aprendizado da linguagem seria privar


uma criança de toda linguagem até a idade de 13 anos e depois tentar ensinar a pobre
criatura a falar. Felizmente experimentos deliberados deste tipo são raros, embora pelo
menos três monarcas — o rei Psamético do Egito no século VII a.C., o imperador do
Sacro Império Romano Frederico II, no século XIII, e o rei Jaime IV da Escócia no
século XV — provavelmente tentaram privar crianças recém-nascidas de todo contato
humano, exceto uma mãe adotiva silenciosa, para ver ser eles cresciam falando
hebraico, árabe, latim ou grego. No caso de Frederico, todas as crianças morreram. De
modo semelhante, diz-se que o imperador mongol Akbar fez o mesmo experimento para
descobrir se as pessoas nasciam hindus, muçulmanas ou cristãs. Todos os experimentos
geraram surdos-mudos. Os deterministas genéticos eram implacáveis nesta época.
No século XIX, a atenção se voltou para experimentos de privação natural na
forma de “crianças selvagens”. Dois deles parecem ter sido genuínos. O primeiro foi
Victor, o garoto selvagem de Aveyron, que apareceu em 1800 no Languedoc,
aparentemente criado selvagem na maior parte de seus 12 anos. Apesar de anos de
esforço, seu professor não conseguiu ensiná-lo a falar, e “abandonei meu discípulo à
mudez incurável”. 27 O segundo foi Kaspar Hauser, um jovem descoberto em
Nuremberg em 1828, aparentemente mantido em uma sala praticamente sem qualquer
contato humano por todos os seus 16 anos. Mesmo depois de anos de ensino cuidadoso,
a sintaxe de Kaspar ainda estava em “um estado de confusão deplorável”. 28
São dois casos sugestivos, mas dificilmente são uma prova. Então subitamente,
quatro anos depois do livro de Lenneberg, apareceu um terceiro caso de criança
selvagem, encontrada pela primeira vez na puberdade: uma menina de 13 anos chamada
Genie foi descoberta em Los Angeles depois de uma infância de um horror quase
inconcebível. Filha de uma mãe cega e abusiva e um pai paranóico e cada vez mais
retraído, ela fora mantida em silêncio em um quarto, ou amarrada a uma cadeira ou
confinada a uma cama com grades. Ela era incontinente, deformada e quase
completamente muda: seu vocabulário consistia em duas palavras: “Stopit” (pára) e
“nomore” (chega).
A história da reabilitação de Genie é quase tão trágica quanto a de sua infância. À
medida que passava por cientistas, pais adotivos, autoridades do Estado e sua mãe (o pai
cometeu suicídio depois de sua descoberta), o otimismo inicial daqueles que se
encarregaram de cuidar dela foi gradualmente consumido em processos judiciais e
amargura. Hoje ela está em um lar para adultos retardados. Aprendeu muito, sua
inteligência era alta, sua comunicação não-verbal extraordinária e sua capacidade de
resolver quebra-cabeças espaciais era adiantada para sua idade.
Mas nunca aprendeu a falar. Ela desenvolveu um bom vocabulário, mas a
gramática elementar estava além de seu alcance, e a sintaxe da ordem das palavras era
uma terra estrangeira. Ela não podia apreender como construir uma frase interrogativa
em inglês alterando sua ordem, ou como mudar “você” para “eu” na resposta. (Kaspar
Hauser teve o mesmo problema.) Embora no início tenham acreditado que ela refutava a
teoria do período crítico de Lenneberg, mais tarde os psicólogos que a estudaram
admitiram que ela era uma confirmação daquela tese. Destreinado em conversação, o
módulo de linguagem do cérebro simplesmente não tinha se desenvolvido, e agora era
tarde demais. 29
Victor, Kaspar e Genie (e surgiram outros casos, inclusive uma mulher não
diagnosticada como surda até os trinta anos) sugerem que a linguagem não se
desenvolve apenas de acordo com um programa genético. Nem é somente absorvida do
mundo exterior. Em vez disso, ela sofre imprinting. É uma capacidade inata temporária
de aprender pela experiência no ambiente. Um instinto natural para a aquisição de
criação. Polarize isso em natureza e criação, se você puder.
Embora a linguagem tenha sido o mais grave problema de Genie em sua
adaptação ao mundo, não foi o único. Depois de sua libertação, ela se tornou uma
colecionadora obsessiva de objetos de plástico colorido. Por muitos anos, também, teve
pavor de cães. Talvez estas características possam ser identificadas na “experiência de
formação” em sua infância, Os únicos brinquedos que ela teve foram capas de chuva de
plástico. Quanto aos cães, seu pai latia e rosnava do lado de fora de sua porta para
amedrontá-la quando ela fazia barulho. Quantas preferências, quantos medos e hábitos
de uma pessoa são assimilados na juventude? A maioria de nós se lembra com detalhes
surpreendentes dos lugares e pessoas de nossos primeiros anos, enquanto se esquece de
experiências adultas muito mais recentes. A memória certamente não é todo um período
crítico — não é desativada em uma certa idade. Mas há um elemento de verdade na
velha idéia de que a criança é o pai do homem. Freud estava certo em enfatizar a
importância dos anos de formação, embora ele às vezes generalizasse com liberdade
demais sobre eles.

A FAMILIARIDADE ENGENDRA INDIFERENÇA

Uma das teorias mais controversas do imprinting humano diz respeito ao incesto. O
período crítico no desenvolvimento da orientação sexual certamente deixa um jovem
destinado a se sentir atraído por membros do sexo oposto (exceto quando o torna
destinado a ter atração por membros do mesmo sexo). Provavelmente isto também
determina “seu tipo” de parceiro de uma forma muito mais específica. Mas será que
determina também quem você terá aversão a cortejar?
A lei proíbe o casamento entre irmão e irmã, e por um bom motivo. O
acasalamento consangüíneo causa terríveis doenças genéticas, por reunir genes
recessivos raros. Mas suponha que algum país rejeitasse esta lei e proclamasse que, a
partir de agora, os casamentos entre irmãos seriam não só legais como uma boa coisa. O
que aconteceria? Nada. Apesar de serem os melhores amigos e altamente compatíveis, a
maioria das mulheres simplesmente não se sente atraída por seus irmãos “desta forma”.
Em 1891, um pioneiro finlandês da sociologia chamado Edward Westermarck publicou
um livro intitulado The History of Human Marriage, em que ele sugere que os seres
humanos evitam o incesto por instinto em vez de por obediência à lei. Eles são
naturalmente avessos ao sexo com parentes próximos. Inteligentemente, ele viu que isso
não requer que se tenha uma capacidade inata para reconhecer irmãos e irmãs reais. Em
vez disso, havia uma forma prática de reconhecê-los: aqueles que se conheceram bem
quando criança provavelmente eram parentes próximos. Ele previu que as pessoas que
compartilharam a infância são instintivamente avessas a fazer sexo quando adultas.
A idéia de Westermarck foi esquecida por vinte anos. Freud criticou sua teoria e
sugeriu que os seres humanos eram atraídos pelo incesto e eram impedidos de praticá-lo
apenas por proibições culturais na forma de tabus. Édipo sem o desejo incestuoso é
como Hamlet sem a loucura. Mas se são avessas ao incesto as pessoas não podem ter
desejos incestuosos. E se precisam de tabus, isto significa que devem ter desejos.
Westermarck protestou em vão que as teorias de aprendizado social “implicam que o lar
é mantido sem o sexo incestuoso pela lei, pelos costumes ou pela educação. Mas mesmo
que as proibições sociais evitem as uniões entre parentes mais próximos, elas não
evitam o desejo por tais uniões. O instinto sexual dificilmente e alterado por
proibições”. 30
Westermarck morreu em 1939, quando a estrela de Freud ainda estava em
ascensão e as explicações “biológicas” saíam de moda. Foram necessários outros
quarenta anos para que alguém observasse novamente os fatos. Arthur Wolf, um
sinólogo que analisou os meticulosos registros demográficos mantidos pela ocupação
japonesa na Taiwan do século XIX, percebeu que os chineses mortos há muito tinham
praticado duas formas de casamento arranjado. Em uma, a noiva e o noivo se conheciam
no dia do casamento, embora o casal fosse arranjado muitos anos antes. Na outra, a
noiva era adotada pela família do noivo quando bebê e criada por seus futuros sogros.
‘Wolf percebeu que este era um teste perfeito da hipótese de Westermarck, porque
aquelas “sim-puahs” ou “pequenas noras” viviam a ilusão de que esperavam se casar
com seu irmão. Se, como afirmou Westermarck, a infância compartilhada levava à
aversão sexual, então estes casamentos não deviam funcionar muito bem.
Wolf recolheu informações sobre 14.000 mulheres chinesas e comparou as que
tinham sido sim-puahs com as que conheceram os maridos arranjados somente no dia de
seu casamento. Surpreendentemente, era 2,65 vezes mais provável que o casamento
com uma infância associada terminasse em divórcio do que o casamento arranjado com
um parceiro não familiar — era muito menos provável que aqueles que se conheciam
por toda a vida permanecessem casados do que os que nunca se conheceram! Os
casamentos de sim-puah também produziram menos filhos e experimentaram mais
adultério. Wolf excluiu outras explicações óbvias — que o processo de adoção levava à
saúde ruim e à infertilidade, por exemplo. Longe de gerar cônjuges, o hábito de criar os
noivos juntos parecia inibir o desenvolvimento posterior da atração sexual. Mas isto era
verdade somente para sim-puahs adotadas na idade de três anos ou menos; aquelas
adotadas aos quatro anos ou mais tinham casamentos tão bem-sucedidos quanto as que
conheceram os noivos quando adultas. 31
Desde então, muitos estudos confirmaram o mesmo fenômeno. Israelenses criados
comunalmente em um kibutz raramente se casam. 32 Marroquinos que dormiram no
mesmo quarto quando crianças têm aversão a aceitar o casamento arranjado. 33 A
aversão parece ser mais forte entre mulheres do que entre homens. Mesmo na ficção, os
ecos da aversão reverberam: Victor Frankenstein, no romance de Mary Shelley, se vê na
expectativa de se casar com uma prima criada com ele desde a infância — mas
(simbolicamente) seu monstro intervém, matando sua noiva antes que o casamento seja
consumado. 34
É verdade que os tabus do incesto existem, mas em uma análise mais profunda
eles tem pouca relação com o casamento entre parentes próximos. Todos regulam mais
ou menos o casamento entre primos. 35 É verdade, também, que as pessoas parecem ser
fascinadas pelo incesto, e que ele tem um grande papel na ficção, no escândalo vitoriano
e nas lendas urbanas modernas. Mas então as coisas que aterrorizam as pessoas também
as fascina: com freqüência, as cobras fascinam tanto quando apavoram. Também parece
ser verdade que irmãos separados ao nascimento, que se conhecem mais tarde quando
adultos, frequentemente se sentem fortemente atraídos, 36 mas isto só confere apoio ao
efeito Westermarck.
O efeito Westermarck não é universalmente eficaz, com certeza. As exceções
existem tanto no nível cultural como no individual. Muitas noivas sim-puahs
conseguiram superar sua aversão sexual e ter casamentos bem-sucedidos: o sistema
derrubara seu instinto de evitar o incesto com um instinto ainda mais forte de
procriação, Também há alguma evidência de que ocorrem “brincadeiras” entre irmãos e
irmãs que foram criados juntos, enquanto é muito mais provável que os que foram
separados por mais de um ano no início da infância tenham se entregado a sexo
verdadeiro. Em outras palavras, a associação de infância não produz uma aversão à
atração, nem ao sexo real. 37
Todavia, a aversão ao incesto entre aqueles criados na mesma família, como a
linguagem, parece ser um caso claro de um hábito marcado na mente durante um
período crítico da juventude. De certa forma, é pura criação — a mente não tem
preconcepções sobre quem se rejeitará, desde que sejam companheiros de infância. E
todavia é a natureza no sentido de um desenvolvimento inevitável colocado em ação
presumivelmente por algum programa genético em uma determinada idade. Mensagem
do autor: você precisa da natureza para ser capaz de absorver a criação.
Como filhotes de ganso de Lorenz às avessas, somos marcados por uma aversão
em vez de uma ligação. Então aqui está um detalhe engraçado: Konrad Lorenz casou-se
com sua amiga de infância Gretl, a menina com quem ele marcou seu primeiro patinho
aos seis anos. Ela era filha de um agricultor, seu vizinho. Por que eles não tiveram
aversão um pelo outro? Talvez uma pista esteja no fato de que ela era três anos mais
velha que ele. Isto significa que ela provavelmente já havia saído do período crítico do
efeito Westermarck na época em que eles se conheceram. Ou talvez Konrad Lorenz
tenha sido uma exceção à própria regra. A biologia, disse certa vez alguém, é a ciência
das exceções e não das regras.

NAZITOPIA

O conceito de Lorenz do imprinting foi um grande insight que resistiu ao teste do


tempo. É parte essencial do quebra-cabeça natureza via criação e um casamento
primoroso dos dois. A invenção do imprinting como uma forma de garantir a
calibragem flexível do instinto foi um dos lances de mestre da seleção natural. Sem ele,
todos nasceríamos com uma linguagem fixa e inflexível que não teria se alterado desde
a Idade da Pedra, ou lutaríamos para reaprender cada construção gramatical. Mas uma
das outras idéias de Lorenz não será julgada com tanta benevolência pela história.
Embora este conto tenha pouco a ver com o imprinting, vale a pena narrar como Lorenz,
como tantos outros, caiu na armadilha comum do século XX de flertar com uma espécie
de utopia.
Em 1937 Lorenz estava desempregado. Seus estudos do instinto animal foram
proibidos por uma Universidade de Viena dominada pelos católicos, com base na
teologia, e ele teve de se retirar para Altenberg para continuar seu trabalho com aves por
conta própria. Ele se candidatou a uma bolsa de trabalho na Alemanha. Comentando a
candidatura, um oficial nazista escreveu: “Todas as análises da Áustria concordam que a
atitude política do Dr. Lorenz é impecável em todos os aspectos. Ele não é
politicamente ativo, mas na Áustria nunca fez segredo do fato de que aprovava o
nacional-socialismo (...). Tudo está em ordem também com sua ascendência ariana.”
Em junho de 1938, logo depois do Anschluss, Lorenz se filiou ao Partido Nazista e se
tornou membro do Gabinete de Política Racial do partido. Ele imediatamente começou
a falar e escrever sobre como seu trabalho com o comportamento animal podia ser
adequado para a ideologia nazista; em 1940, foi nomeado professor na Universidade de
Königsberg. Nos anos seguintes, até sua captura na frente russa em 1944, ele se
declarou consistentemente favorável aos ideais utópicos de uma “política racial de base
científica”, e a “eliminação do eticamente inferior”.
Depois de sofrer em um campo de prisioneiros russo por quatro anos no fim da
guerra, Lorenz voltou à Áustria. Conseguiu diminuir seus atos nazistas chamando-os de
simplórios e estúpidos, mas disse que não era politicamente ativo. O que ele fez foi
tentar submeter sua ciência para se adaptar aos novos poderes políticos, não que
genuinamente acreditasse neles, afirmou. Enquanto viveu, seus argumentos foram
aceitos. Mas depois de sua morte, aos poucos o grau de profundidade com que ele
assimilou o nazismo foi se revelando. Em 1942, enquanto servia como psicólogo militar
na Polônia, Lorenz participou da pesquisa liderada pelo psicólogo Rudolf Hippius e
patrocinada pela 55, cuja meta era desenvolver critérios para distinguir traços “alemães”
e “poloneses” de “mestiços”, para ajudar a SS a decidir quem escolher em seu esforço
de “regermanização”. Não há evidências de que ele estivesse envolvido pessoalmente
em crimes de guerra, mas provavelmente Lorenz sabia que eram cometidos. 38
A questão da domesticação, durante o período nazista, foi central em seu
argumento. Lorenz tinha desenvolvido um desprezo bastante singular por animais
domesticados, que ele considerava gananciosos, estúpidos e supersexuados se
comparados com seus parentes selvagens. “Sua besta horrível”, lamentou ele uma vez,
enquanto rejeitava os avanços sexuais de um pato-do-mato que sofrera imprinting. 39 À
parte os termos pejorativos, ele tinha alguma razão. Quase por definição, o cruzamento
seletivo para a domesticidade produz animais que engordam bem, procriam bem e são
dóceis e obtusos. O cérebro de vacas e porcos é um terço menor que o de seus parentes
selvagens. As cadelas são duas vezes mais férteis que as lobas. E os porcos
notoriamente podem ganhar mais peso que um javali.
Lorenz começou a aplicar estes conceitos à humanidade. Em um famoso artigo de
1940, intitulado “Distúrbios causados pela domesticação de comportamento espécie-
específico”, ele afirmou que os seres humanos são autodomesticados e que isso os
levava à deterioração física, moral e genética. “Nossa sensibilidade espécie-específica à
beleza e à feiúra de membros de nossa espécie está intimamente relacionada com os
sintomas de degeneração causados pela domesticação, que ameaça nossa raça (...). A
idéia racial, como base de nosso Estado, já fez muito a este respeito.” Com efeito, o
argumento da domesticação de Lorenz abriu uma nova frente no debate eugênico, dando
outro motivo para nacionalizar a reprodução e eliminar as raças e os indivíduos
desajustados. Lorenz parece não ter percebido uma grande falha em seu argumento, de
que o pato-do-mato sofre cruzamentos consangüíneos em gerações de seleção para
estreitar seu pool de genes, enquanto a civilização tem o efeito oposto nas pessoas: ela
relaxa a seleção, permitindo que mais mutações sobrevivam no pool de genes.
Não há provas de que isso tenha tido qualquer influência no nazismo, que já
estava cheio de razões, algumas mais “científicas” que outras, para sua política de
racismo e genocídio. O argumento de Lorenz foi ignorado, talvez até desacreditado,
pelo partido. O que é mais impressionante, talvez, é que o argumento da domesticação
de Lorenz tenha sobrevivido à guerra, para ser reiterado em termos menos emotivos em
seu livro Os oito pecados capitais do homem civilizado, publicado pela primeira vez em
1973. Este foi um livro que combinava as preocupações mais antigas de Lorenz com a
degeneração humana causada pelo relaxamento da seleção natural com preocupações
mais recentes e mais na moda sobre o estado do ambiente. Além da degeneração
genética, os oito pecados capitais eram a superpopulação, a destruição do ambiente, o
excesso de competição, a busca por recompensas imediatas, a doutrinação por técnicas
behavioristas, o abismo entre as gerações e a aniquilação nuclear.
O genocídio não estava na lista de Lorenz.
CAPÍTULO SETE

Aprendendo Lições

— Todos os homens são semelhantes, em alma como no corpo. Cada um de nós tem cérebro, baço,
coração e pulmões de construção semelhante; e as chamadas qualidades morais são as mesmas em
todos nós — as ligeiras variações não têm importância... As doenças morais são causadas pelo tipo
errado de educação, por todo o lixo que enche a cabeça das pessoas desde a infância, em resumo,
pelo estado desordenado da sociedade. Reforme a sociedade e não haverá doenças (...) De
qualquer maneira, em uma sociedade adequadamente organizada, não tem a menor importância se
um homem é idiota ou inteligente, bom ou mau.
— Sim, entendo. Eles terão baços idênticos.
— Exatamente, madame.

1
Bazarov e Madame Odintsov, em Pais e filhos, de Ivan Turgenev

Em 1893, Alfred Nobel, o sueco inventor da dinamite, estava começando a sentir sua
idade. Passara dos sessenta com a saúde ruim, e ouvira rumores de proezas miraculosas
de rejuvenescimento que podiam ser alcançadas com transfusões de sangue de girafas.
Quando homens ricos estão nesse tipo de humor, o cientista astuto se recolhe. Nobel foi
persuadido a pagar 10.000 rublos para financiar um novo prédio de fisiologia no
Instituto Imperial de Medicina Experimental da Rússia, nos arredores de São
Petersburgo. Nobel morreu de qualquer forma em 1896, e o laboratório nunca comprou
uma girafa, mas teve um sucesso após outro. Com uma equipe de mais de cem pessoas e
gerenciado como uma empresa, ele foi uma espécie de fábrica científica. No comando,
estava um ambicioso e confiante jovem chamado Ivan Petrovitch Pavlov. 2
Pavlov era discípulo de Ivan Mikhailovitch Setchenov, que era tão obcecado com
os reflexos que acreditava que o pensamento nada mais era que um reflexo com ação
ausente. Ele era tão dedicado à causa da criação quanto seu contemporâneo Galton à
causa da natureza: acreditava que “a verdadeira causa de toda atividade está fora do
homem”, e que “999/1.000 do conteúdo da mente depende da educação no sentido mais
amplo, e somente 1/1.000 depende da individualidade”. 3
A filosofia de Setchenov norteou grande parte da torrente de trabalho
experimental que inundou a fábrica de Pavlov nas três décadas seguintes. As vítimas
destes experimentos eram principalmente cães, ou “tecnologias de cão”, como eles
friamente a denominavam. A princípio, Pavlov se concentrou nas glândulas digestivas
do cão; mais tarde, começou a passar para o cérebro. Em 1903, em uma conferência em
Madri, anunciou os resultados de seu mais famoso experimento. Ele tinha começado
acidentalmente, como boa parte da grande ciência. Estava tentando estudar o reflexo de
salivação do cão em resposta à comida, e havia desviado uma das glândulas salivares
para um funil para que pudesse medir a produção de saliva, O cão, contudo, começaria a
salivar tão logo ouvisse a comida sendo preparada, ou mesmo logo depois de ser
amarrado no aparelho — em expectativa pela comida.
O “reflexo psíquico” não era o que Pavlov procurava, mas subitamente viu sua
importância e voltou sua atenção para ele. O cão agora foi levado a esperar pela comida
sempre que ouvia uma campainha ou um metrônomo, e logo começava a salivar ao som
da campainha. Pavlov, tendo desviado a glândula salivar do cão para um funil,
realmente pôde contar as gotas de saliva produzidas em reação a cada toque da
campainha. Mais tarde, provou que um cão sem córtex cerebral ainda podia salivar
reflexivamente quando alimentado, mas não quando alertado pela campainha, O
“reflexo condicionado” à campainha estava portanto no próprio córtex. 4
Pavlov parecia ter descoberto um mecanismo — condicionamento, ou associação
— pelo qual o cérebro podia conhecer as regularidades do mundo. Foi uma grande
descoberta, estava correta e é claro que não era toda a resposta. Mas, como sempre,
alguns seguidores de Pavlov foram longe demais. Começaram a afirmar que o cérebro
nada mais era que um dispositivo de aprendizagem através do condicionamento. Esta
tradição floresceu nos Estados Unidos como behaviorismo. Seu defensor foi John
Broadus Watson, de quem falarei mais tarde.
Os teóricos modernos da aprendizagem modificaram a idéia de Pavlov de uma
forma crucial. Eles afirmam que o aprendizado ativo ocorre não quando o estímulo e a
recompensa continuam a aparecer juntos, mas quando há alguma discrepância entre uma
coincidência esperada e o que realmente acontece. Se a mente comete um “erro de
previsão” — esperando uma recompensa depois de um estímulo sem a conseguir, e
vice-versa — então a mente deve mudar sua expectativa: ela deve aprender. Assim, por
exemplo, se a campainha não prevê mais a comida, mas agora a comida é prevista por
um flash de luz, o cão deve aprender a partir da discrepância entre suas próprias
expectativas e a nova realidade. Surpresa, prazer ou desprazer são mais informativos
que a previsibilidade.
A nova ênfase nos erros de previsão passou a assumir uma forma física no
cérebro, bem como a forma psicológica na mente. Em uma série de experimentos com
macacos, Wolfram Schultz descobriu que os neurônios que secretam dopamina em
determinada parte do cérebro (a substância negra e a área tegmental ventral) reagem à
surpresa, mas não a efeitos previstos. Eles são mais ativos quando o macaco é
recompensado, e menos ativos quando é inesperadamente privado de uma recompensa.
As células de dopamina, em outras palavras, realmente codificam a mesma regra da
teoria do aprendizado que os engenheiros agora tentam construir em robôs. 5
Pavlov, o infatigável dissector de cães, teria gostado deste resultado reducionista.
Mas ele poderia encontrar dificuldade em uma ironia filosófica derivada deste resultado.
Não provaria mais que o cérebro do cão aprendeu sobre sua situação com o mundo, que,
nas palavras de Setchenov, “a causa real (...) está fora do homem”. Ele seguia uma
longa tradição do empirismo que remontava de Mill e Hume a Locke: a natureza
humana era em grande parte escrever a experiência na folha em branco da mente.
Todavia, para que a mente escreva em sua folha, deve ter neurônios de dopamina
especialmente projetados para reagir à surpresa. E como eles são projetados? Pelos
genes. Um experimento equivalente ao que Pavlov realizou está sendo feito
precisamente hoje, como rotina, em muitos dos maiores laboratórios de genética do
mundo, porque os modernos descendentes de Pavlov estão ocupados provando o papel
dos genes na aprendizagem. Aqui está a prova do tema deste livro: os genes não só
estão envolvidos na natureza; eles estão também envolvidos intimamente na criação.
Os modernos experimentos pavlovianos são com freqüência feitos com moscas-
da-fruta, mas o princípio é idêntico. Uma mosca recebe um choque elétrico nos pés logo
depois que uma lufada de substância química malcheirosa é esguichada em seu tubo de
ensaio. Logo depois, a mosca aprende que o cheiro será seguido de um choque, então
ela toma ar antes da chegada do choque: ela faz a associação (inicialmente
surpreendente) entre os dois fenômenos. Este experimento foi feito pela primeira vez
por Chip Quinn e Seymour Benzer, na década de 1970, no Instituo de Tecnologia da
Califórnia. Ele provou, para surpresa de todos, que moscas podem aprender e se lembrar
de associações entre odores e choques.
Também provou que elas só fazem isso se têm certos genes. As mutantes que
carecem de um gene essencial não fazem a associação. Há pelo menos 17 genes que são
essenciais para a formulação de uma nova lembrança na mosca-da-fruta. Estes genes
têm nomes pejorativos — dunce (burro), amnesiac (amnésico), cabbage (lesado),
rutabaga (nabo) e assim por diante — que são um pouco injustos, uma vez que a mosca
é burra apenas se carece do gene e não se o possui. Reconhecivelmente o mesmo
conjunto dos chamados genes CREB é usado por todos os animais, inclusive seres
humanos. Eles devem se ativar — isto é, devem criar uma proteína — durante o próprio
processo de aprendizagem.
Esta é uma descoberta atordoante, raramente apreciada devido ao choque que
provoca. Aqui está o que John B. Watson disse sobre a aprendizagem associativa em
1914:
A maioria dos psicólogos fala com muita loquacidade sobre a formação de novas vias no cérebro,
como se houvesse um grupo de minúsculos servos de Vulcano que correm pelo sistema nervoso
com martelo e cinzel cavando novas trincheiras e aprofundando as antigas. 6

Watson estava zombando da idéia. Mas não foi ele quem riu por último. A formação de
uma associação mental tem a forma de novas conexões fortalecidas entre os neurônios.
Os servos de Vulcano que criam aquelas conexões existem. Eles são chamados genes.
Genes! Aqueles mestres implacáveis das marionetes do destino que supomos que fazem
o cérebro e deixam-no se haver com o trabalho. Mas não é assim que agem; eles
também participam do aprendizado. Bem agora, em algum lugar de sua cabeça, um gene
está sendo ativado, de forma que uma série de proteínas pode ir para o trabalho
alterando as sinapses entre células cerebrais para que você, talvez, passe a associar para
sempre a leitura deste parágrafo com o cheiro de café que vem da cozinha...
Nenhuma ênfase que eu der à frase seguinte será suficiente. Estes genes estão à
mercê de nosso comportamento; não o contrário. As coisas que fazem as associações de
Pavlov são feitas do mesmo material dos cromossomos que carregam a hereditariedade.
A memória está “nos genes”, no sentido de que usa genes, não no sentido de que você
herda lembranças. A criação, tanto quanto a natureza, é realizada pelos genes.
Aqui está mais um exemplo de um gene desses. Em 2001, Josh Dubnau,
trabalhando com Tim Tully, fez um experimento primoroso em uma mosca-da-fruta.
Por favor, tolere os detalhes dos métodos por algum tempo apenas para apreciar a
sofisticação das ferramentas disponíveis à moderna biologia molecular (e depois faça
uma pausa para imaginar a que grau de sofisticação chegarão daqui a alguns anos).
Primeiro, ele fez uma mutação sensível à temperatura em um gene específico da mosca,
chamado shibire, o gene para uma proteína motora chamada dinamina. Isto significa
que a 30°C a mosca é paralisada, mas a 20°C ela se recupera completamente. Em
seguida ele manipulou uma mosca em que este gene mutante é ativo somente na
produção de uma parte do cérebro da mosca, chamado corpo de cogumelo, que é
essencial para aprender a associar cheiros com choques. Esta mosca não é paralisada a
30°C, mas não pode resgatar lembranças. Quando uma mosca destas é treinada, quando
faz calor, a associar um cheiro com perigo, depois solicitada, quando faz frio, a
recuperar a lembrança, ela se sai bem. Na circunstância oposta, quando a mosca é
solicitada a formar a lembrança no frio e recuperá-la quando faz calor, ela não o
consegue. 7
Conclusão: a aquisição de uma lembrança é diferente de sua recuperação;
diferentes genes são necessários em diferentes partes do cérebro. O produto do corpo de
cogumelo é necessário para a recuperação, mas não para a aquisição da lembrança, e a
ativação de um gene é necessária para este produto. Pavlov pode ter sonhado que um dia
alguém compreenderia a formação de rede neural do cérebro que explicasse o
aprendizado associativo, mas ele certamente não teria imaginado que alguém iria ainda
mais profundamente e descreveria as próprias moléculas envolvidas, e muito menos que
descobriria que a chave para o processo, a cada minuto, está nas pequenas partículas da
hereditariedade de Mendel.
Esta é uma ciência em sua infância. Aqueles que estudam os genes envolvidos na
aprendizagem e na memória têm enfrentado um rico veio de ignorância para explorar.
Tully, por exemplo, tomou para si a imensa tarefa de compreender como estes genes da
memória alteram algumas das sinapses entre seu neurônio de origem e o neurônio
adjacente, enquanto deixam outras sinapses intocadas. Cada neurônio tem em média
setenta sinapses conectando-o com outras células. De algum modo, no núcleo das
células, o gene CREB no cromossomo 1 tem a tarefa de ativar um conjunto de outros
genes, que devem então mandar suas transcrições para as sinapses corretas, nas quais
podem ser usadas para mudar a intensidade da conexão. Tully pelo menos descobriu
uma maneira de entender como isto é feito. 8
Todavia o CREB é apenas uma parte da história. Seth Grant descobriu evidências
de que muitos dos genes necessários para o aprendizado e a memória não são parte de
uma rede seqüencial; mais do que isso, eles chegam a compor uma máquina, que ele
chama de Hebbossomo (por motivos que se tornarão mais claros posteriormente). Um
desses Hebbossomos consiste em pelo menos 75 proteínas diferentes — isto é, o
produto de 75 genes — e parece funcionar como um única máquina complexa. 9

FAZENDO BEBÊS CHORAR

Prometi voltar a John B. Watson. Criado na pobreza e no isolamento rurais na Carolina


do Sul, Watson era filho de uma mãe devota e um pai namorador que deixou a casa
quando ele tinha 13 anos. Esta formação lhe deu — seja pelos genes ou pela experiência
— um caráter forte e truculento. Ele foi um adolescente violento, um marido infiel e um
pai dominador, que levou um filho ao suicídio e uma neta ao alcoolismo, antes de se
tornar um aposentado recluso e amargo. Também causou uma revolução no estudo do
comportamento humano. Frustrado pela irrelevância por que passava a psicologia,
escreveu em 1913 um ousado manifesto pela reforma em uma conferência intitulada “A
psicologia na visão behaviorista”. 10
A introspecção, anunciou ele, devia acabar. Diz a lenda que Watson se aborreceu
por ser solicitado a imaginar o que se passava na mente de um rato que atravessava um
labirinto. Ele sofria de inveja da física. A ciência da psicologia deve ser colocada em
uma fundação objetiva. O comportamento, e não o pensamento, era o que importava. “O
tema da psicologia humana é o comportamento do ser humano.” Em outras palavras, o
psicólogo deve estudar o que chega ao organismo e o que parte dele, não os processos
entre as duas coisas. Os princípios que governavam o aprendizado podiam ser derivados
de qualquer animal e aplicados às pessoas.
Watson retirou suas idéias de três principais correntes de pensamento. William
James, embora nativista, destacara o papel da formação do hábito no comportamento
humano. Edward Thorndike fora além, cunhando sua “Lei do Efeito”, segundo a qual os
animais repetiam as ações que produziam resultados agradáveis e não repetiam as que
tinham conseqüências desagradáveis: uma idéia que também recebe os nomes de
aprendizagem e reforço, aprendizagem por tentativa e erro, condicionamento
instrumental ou condicionamento operante (esses psicólogos adoram seu jargão). Nos
experimentos de Thorndike, um gato tinha de descobrir uma alavanca para abrir a porta
para sua gaiola por tentativa e erro; após algumas tentativas, ele sabia exatamente como
abrir a porta. Embora o trabalho de Pavlov só tenha sido traduzido em 1927, Watson
soube dele por seu amigo Robert Yerkes, e viu imediatamente que o condicionamento
pavloviano, ou clássico, era uma peça central da aprendizagem. Pelo menos aqui o
psicólogo foi tão rigoroso quanto o físico: “Vi a enorme contribuição que Pavlov fez, e
com que facilidade a resposta condicionada podia ser considerada a unidade do que
todos estávamos chamando de HÁBJTO.” 11
Em 1920, Watson e sua assistente Rosalie Rayner realizaram um experimento que
o convenceu de que as reações emocionais podiam ser condicionadas e os seres
humanos tratados como grandes ratos sem pêlos. Foi um experimento imensamente
influente. É importante dar uma palavra sobre Rayner aqui. Ela era sobrinha de 19 anos
de um proeminente senador, famoso por realizar audiências sobre o naufrágio do
Titanic. Era bonita e rica, e viajou a Baltimore dirigindo um Stutz Bearcat. Watson se
apaixonou por ela e ela por ele. A esposa de Watson descobriu uma carta de amor de
Rayner em seu casaco, mas foi aconselhada por um advogado a ver se conseguia
encontrar uma carta dele, não para ele, antes de confrontá-lo. Então ela foi à casa de
Rayner para um café, onde fingiu uma dor de cabeça e pediu para se deitar. No andar de
cima, rapidamente se trancou no quarto de Rosalie, procurou e encontrou 14 cartas de
amor de seu marido. O escândalo decorrente custou a Watson sua carreira acadêmica.
Ele se divorciou, casou-se com Rayner e abandonou a psicologia em troca de uma
carreira na publicidade com J. Walter Thompson, onde preparou uma campanha bem-
sucedida para o talco para bebês da Johnson e convenceu a rainha da Romênia a
endossar o creme facial Pond.
O tema do experimento de 1920 entre os dois apaixonados era uma criança
pequena chamada Albert B, criada desde o nascimento em um hospital. (Dizia-se que
Albert era filho ilegítimo de Watson com uma enfermeira, mas não encontrei provas
disso.) Quando Albert tinha 11 meses de idade, Watson e Rayner mostraram-lhe uma
série de objetos, inclusive um rato branco. Nenhum dos objetos assustou Albert; ele
gostou de brincar com o rato. Mas quando Watson de repente bateu com um martelo em
uma barra de aço, Albert chorou, e não sem razão. Os dois psicólogos então começaram
a martelar a barra enquanto Abert tocava o rato. Em alguns dias, Albert ficava propenso
a começar a chorar logo que o rato aparecia, uma reação de medo condicionada. Ele
agora se assustava com um coelho branco também, e até um casaco de pele de foca,
aparentemente tendo transferido seu medo para qualquer coisa branca e com pêlos. Com
sarcasmo característico, Watson anunciou a moral da história:
Os freudianos, daqui a vinte anos, a menos que suas hipóteses mudem, quando passarem a analisar
o medo de Albert de um casaco de pele de foca — presumindo que ele seja analisado nesta idade
— provavelmente arrancarão dele a narração de um sonho que, sob sua análise, mostrará que
Albert, aos três anos de idade, tentou brincar com o pêlo pubiano da mãe e foi violentamente
repreendido por isso. 12

(Se me permite, é Watson que precisa de repreensão.)


Em meados da década de 1920, Watson estava convencido de que o
condicionamento não era só uma parte de como os seres humanos aprendiam sobre o
mundo, era o tema principal. Ele se uniu a um entusiasmo acadêmico crescente pela
criação em detrimento da natureza e fez uma afirmação extraordinária:
Dê-me uma dúzia de bebês saudáveis, bem-formados, e o mundo que eu especificar para criá-los e
eu lhes garanto pegar qualquer um deles aleatoriamente e treiná-lo para se tornar qualquer tipo de
especialista que eu escolher — médico, advogado, artista, comerciante e, sim, até mendigo e
ladrão, independente de seus talentos, propensões, tendências, capacidades, vocações e linhagem
de seus ancestrais. 13

REPROJETANDO AS PESSOAS

Ironicamente, cinco anos antes da afirmação de Watson, um homem muito poderoso


teve a mesma idéia: Vladimir Ilitch Lenin. Lenin, como Pavlov, foi influenciado pelo
ambientalismo de Setchenov, através dos escritos de Nikolai Tchernisheviski. Dois anos
depois da Revolução russa, diz-se que Lenin fez uma visita em segredo à fábrica de
fisiologia de Pavlov e perguntou a ele se era possível manipular a natureza humana. 14
Não resta nenhum registro desse encontro, então não se conhece a opinião de Pavlov
sobre o assunto. Talvez ele tivesse preocupações mais prementes: graças à fome
induzida pela guerra civil, os cães do instituto estavam definhando, e os pesquisadores
só conseguiam mantê-los vivos compartilhando suas magras rações com eles. Pavlov
tinha começado a cultivar seus canteiros de vegetais no instituto, liderando pelo
exemplo e levando seus alunos a proezas de horticultura com a mesma energia que os
levou a proezas na ciência. 15 Não chegou a nós nenhuma pista de estímulo político de
Pavlov a Lenin. Pavlov criticava abertamente a revolução, embora tenha se abrandado
quando mostrou simpatia pelos comissários do povo.
Indubitavelmente Lenin conseguia ver o sucesso do comunismo apoiado no
pressuposto de que a natureza humana podia ser treinada para um novo sistema. “O
homem pode ser corrigido”, disse ele. “Podemos fazer do homem o que quisermos.”
Ecoou Trotski: “Produzir uma nova ‘versão aprimorada’ do homem — esta é a tarefa do
comunismo.” 16 Muito debate marxista girou em torno da questão de quanto tempo
levaria para produzir um “novo homem”. Esta meta não faz sentido a menos que a
natureza humana seja quase inteiramente maleável. Neste sentido, o comunismo sempre
investiu na criação em vez de investir na natureza. Mas o Estado demorou demais a
colocar esta idéia em prática. Na década de 1920, até a União Soviética caiu no
entusiasmo global pela eugenia. N. A. Semashko delineou um programa ambicioso de
eugenia socialista em 1922, celebrando a verdade espantosa de que a eugenia “colocará
os interesses de toda a sociedade, do coletivo, em primeiro plano, acima dos interesses
dos indivíduos”, O “novo homem” estava prestes a se desenvolver. Mas com Stalin, a
eugenia soviética entrou em colapso, quando os líderes comunistas perceberam que isso
não só levaria muitas gerações, como também preservar a intelligentsia por cruzamento
seletivo contradizia muito a tendência cada vez mais óbvia do secretário-geral de
perseguir intelectuais. Depois que os nazistas chegaram ao poder na Alemanha, houve
outro motivo para rejeitar a eugenia: o estudo da hereditariedade humana foi igualado
ao credo rival do fascismo. Os eugenistas russos logo foram criticados por suas crenças
hereditárias; por não “entenderem as alavancas sociais”. 17
A pessoa que entenderia as alavancas sociais veio de uma direção inesperada. Na
década de 1920, com a Rússia apanhada pela fome, o governo descobriu um excêntrico
idoso e paranóico que cultivava maçãs perto de Kozlov, chamado Ivan Vladimirovitch
Mitchurin. Mitchurin fez afirmações absurdas — de que ele podia fazer uma pêra mais
doce até a segunda geração regando-a com água com açúcar, ou que o enxerto produzia
uma safra híbrida. Subitamente viu-se com honras e financiamento de um governo
desesperado por formas rápidas de aumentar a produção de alimentos, O mitchurinismo
foi promovido a nova ciência, em substituição ao mendelismo.
Estava armado o palco para um golpe científico. Um jovem chamado Trofim
Denisovitch Lisenko conseguiu atrair a atenção do Pravda para sua capacidade de
cultivar uma safra melhor de trigo por meios mitchurinistas. Na época, o trigo semeado
no inverno morria devido ao gelo do inverno, exceto no extremo sul do país, enquanto o
trigo semeado na primavera às vezes dava espigas tarde demais e definhava com a seca.
A princípio Lisenko afirmou ter cultivado trigo resistente ao inverno “treinando-o”. Em
1928-29, sete milhões de hectares foram plantados com sua técnica: todo o trigo
morreu. Sem se deixar perturbar, Lisenko passou para o trigo de primavera, afirmando
que a simples irrigação — a vernalização — faria com que ele desse espigas
rapidamente. De novo isso apenas exacerbou a fome. Em 1933 a vernalização acabou.
Mas Lisenko, que era melhor em política que em ciência, teve um sucesso atrás de
outro e logo estava alardeando suas idéias como uma nova forma de ciência que
provava que a teoria do gene era falsa e demolia os dogmas do darwinismo. A ajuda
mútua, não a competição, era a chave para a evolução, disse ele. Os genes eram uma
ficção metafísica; o reducionismo era um equívoco. “Não há, em um organismo,
nenhuma substância especial além do corpo comum (..). Negamos as pequenas coisas,
os corpúsculos da hereditariedade.” (Depois de 1961, cientistas russos tiveram
permissão para estudar o DNA, mas Lisenko, com seu jeito confuso, deixou claro que a
dupla hélice era uma idéia tola: “Ela lida com a duplicidade, e não a divisão de uma
única coisa em seus opostos, isto é, com a repetição, com o aumento, mas não com o
desenvolvimento”.) 18 O lisenkoísmo era uma ciência orgânica e “holística” e um “hino
à união natural dos homens com seu ambiente vivo”. Ele continuou desdenhando de
quem exigia informações que provassem suas afirmações, preferindo a bucólica
sabedoria popular.
Por toda a década de 1930, os lisenkoístas travaram uma batalha cada vez mais
amarga pela supremacia sobre os geneticistas na biologia soviética. Gradualmente
ganharam vantagem, e em 1948 Lisenko conquistou todo o apoio do Estado. A genética
foi reprimida, os geneticistas presos e muitos morreram. A morte de Stalin em 1953 não
fez diferença, uma vez que Khruschov era um velho amigo de Lisenko e o apoiava.
Todavia, ficava cada vez mais óbvio para os cientistas russos — embora não para
muitos biólogos estrangeiros, que continuavam a se desculpar por Lisenko — que o
homem era maluco. Literalmente: ele afirmava ter criado um arbusto de carpino que
dava avelãs, uma planta de trigo que dava sementes de centeio e ter visto cucos
nascendo de ovos de pássaros canoros.
Lisenko caiu com Khruschov em 1964. Na verdade, ele foi um dos motivos para a
queda de Khruschov. O lisenkoísmo estava na agenda da reunião do Comitê Central que
depôs Khruschov, e a estagnação da produção agrícola desde 1958 era a principal
acusação contra o líder do partido. Lisenko caiu em desgraça, mas a crítica foi
emudecida por muitos anos. Sua ciência desapareceu sem deixar vestígios. 19

SEM MANTEIGA

Pode ser que esta história da agricultura pareça ter pouco a ver com a natureza humana.
Afinal, como afirmou David Joravsky, um historiador do lisenkoísmo, “qualquer
semelhança com o pensamento genuinamente científico era mera coincidência”. Mas ela
demonstra o pano de findo contra o qual trabalhava toda a biologia soviética. O
criacionismo extremo que começou logo antes da revolução com Setchenov e chegou a
seu auge com Lisenko deu a tônica para grande parte do século na Rússia. E,
conscientemente ou não, ele ecoou em todo o Ocidente. Os insights de Pavlov e Watson
sobre como ocorria o aprendizado foram de certa forma tomados por muitos como
prova de que nada ocorria às pessoas, exceto o aprendizado. O marxismo endossava
explicitamente o excepcionalismo humano, afirmando que a história humana tinha
passado da biologia para a cultura em um determinado momento (“O homem, graças a
sua mente, há muito deixou de ser um animal”, disse Lisenko). De Marx também era o
crédito por ter transcendido a antinomia entre “é” e “deve ser” — a famosa falácia
naturalista de David Hume e G. E. Moore. No final dos anos 40, os conceitos gêmeos de
que os seres humanos eram o produto de criação e cultura, em contraste agudo com os
animais, e de que isto era uma necessidade moral bem como científica, foram
disseminados em todo o Ocidente e no mundo socialista.
“Se o determinismo genético é verdadeiro”, escreveu Stephen Jay Gould,
“aprenderemos a viver com ele também. Mas reitero minha declaração de que não existe
evidência em seu apoio, que as versões grosseiras dos séculos passados provaram-se
conclusivamente falsas, e que sua popularidade contínua deriva do preconceito social
daqueles que mais se beneficiam do status quo.” 20 Este raciocínio criou problemas.
Como afirmaram os biólogos, de Ernst Mayr a Steven Pinker, não é apenas equivocado
basear a política e a moralidade no pressuposto de que a natureza humana é maleável —
é também perigoso. Tão logo os biólogos começassem a descobrir que havia um grau de
causa inata e genética ao comportamento, outro argumento teria de ser inventado para a
moralidade. Disse Pinker:
Uma vez que [os cientistas sociais] apostaram no argumento indolente de que o racismo, o
sexismo, a guerra e a desigualdade política eram logicamente insensatos ou factualmente
incorretos porque não existe o que se chama de natureza humana (em oposição ao moralmente
desprezível, independente dos detalhes da natureza humana), toda descoberta sobre a natureza
humana foi, segundo seu raciocínio, equivalente a dizer que o racismo, o sexismo, a guerra e a
desigualdade política não eram de todo ruins. 21

Devo me repetir para ser absolutamente claro. Não há nada de factualmente errado em
afirmar que os seres humanos são capazes de aprender, ou de que podem ser
condicionados a associar estímulos, ou a reagir a recompensas e punições ou qualquer
outro aspecto da teoria do aprendizado. Estes são fatos verdadeiros e tijolos essenciais
na parede que estou construindo. Mas não se segue daí que os seres humanos não têm
instintos, e menos ainda que os seres humanos são incapazes de aprender se têm
instintos. As duas coisas podem ser verdadeiras, O erro é cair nos extremos,
condescender no que a filósofa Mary Midgely chama de “sem manteiga”.
O maior pregador do “sem manteiga” foi Burrhus Frederick Skinner, um seguidor
de Watson, que levou o behaviorismo a novos patamares de dogmatismo. O organismo,
disse Skinner, era uma caixa-preta que não precisa ser aberta: ela meramente processa
sinais do ambiente em uma reação adequada, sem que seu conhecimento inato
acrescente alguma coisa. Skinner, ainda mais que Watson, definiu a psicologia com
base em uma inverdade sobre a natureza humana: que as pessoas não têm instintos.
Mesmo quando, tarde na vida, admitiu que havia um componente inato no
comportamento humano, ele o equiparou ao destino — “[as características inatas] não
podem ser manipuladas depois que o indivíduo é concebido” — mais uma vez provando
meu argumento de que os críticos do inato têm em mente um modelo muito mais
determinista dos genes do que seus defensores. Os criacionistas eram mais fatalistas
sobre os genes que os naturistas.
Tento me manter positivo quando leio Skinner. Seus experimentos sobre
condicionamento operante foram indubitavelmente brilhantes; sua invenção da caixa de
Skinner, em que um pombo podia ser recompensado ou punido de acordo com um
programa experimental, foi uma maravilha tecnológica; sua honestidade intelectual era
inquestionável. Ao contrário de alguns behavioristas, ele não fingia que ambientalismo
não é determinismo. Em minha própria vida, eu freqüentemente obedeço a seus dogmas.
Comporto-me como um pombo em uma caixa de Skinner quando vou pescar: foram os
skinnerianos que descobriram que um programa imprevisível de recompensas aleatórias
é excepcionalmente eficaz para manter o pombo bicando o símbolo ou o pescador
arremessando o anzol na correnteza. Comporto-me como a própria caixa de Skinner
sempre que tento condicionar as maneiras de meus filhos à mesa usando recompensa e
punição.
Mas não posso admirar um homem que confinou regularmente sua filha Debby
em uma espécie de caixa de Skinner nos primeiros dois anos de sua vida. A “casinha de
ar” era uma caixa à prova de som com uma janela, abastecida com ar umidificado e
filtrado, da qual a garotinha saía somente para brincadeiras e refeições programadas.
Skinner também publicou um livro atacando a liberdade e a dignidade como conceitos
ultrapassados. Em 1948, no ano em que apareceu 1984 de George Orwell, ele publicou
um relato ficcional de utopia que parece quase tão ruim quanto o inferno de Orwell.
Falarei mais disso adiante. Meu propósito aqui é registrar o declínio e a queda do
skinnerismo, porque ele abriu um novo e fascinante capítulo na história do aprendizado.
Tudo começou com um bebê macaco no Wisconsin.
Harry Harlow era um jovial psicólogo do Meio-oeste viciado em trocadilhos e
rimas que se irritou com as restrições de sua formação no behaviorismo. Nascido Harry
Israel, ele estudou em Stanford com o psicólogo dominador Lewis Terman (que insistia
que Harry mudasse seu nome para Harlow porque parecia menos judeu, aumentando
portanto suas chances de conseguir um emprego). Ele nunca aceitou bem a idéia de que
só recompensa e punição determinavam a mente. Incapaz de construir um laboratório de
ratos, ele começou a criar bebês macacos em um laboratório caseiro quando se mudou
para a Universidade do Wisconsin, em Madison, em 1930. Mas logo percebeu que seus
bebês macacos, retirados de seus pais para serem criados em perfeita higiene e em um
isolamento livre de doenças, estavam se tornando adultos temerosos, anti-sociais e
patentemente infelizes. Eles se agarravam às roupas como se fossem balsas no mar da
vida. Um dia, no final da década de 1950, Harlow estava em um aeroplano de Detroit
para Madison quando olhou para baixo, para as nuvens brancas e fofas sobre o lago
Michigan, e lembrou-se de seus bebês macacos agarrando-se em suas roupas. Teve uma
idéia para um experimento. Por que não oferecer a um bebê macaco a escolha entre um
modelo de roupa de sua mãe, que não o recompensasse, e um modelo de arame de uma
mãe que o recompensasse com leite? O que ele escolheria?
Os alunos e colegas de Harlow ficaram aterrados com a idéia. Era uma hipótese
fraca demais para a severa ciência do comportamento. Mais tarde, Robert Zimmerman
foi convencido a fazer o experimento com a promessa de ficar com os bebês macacos
para algum trabalho posterior mais útil. Oito bebês macacos foram colocados em
gaiolas separadas, abastecidas com modelos de arame e de roupa simulando a mãe — os
dois modelos foram mais tarde equipados com cabeças de madeira mais realistas,
principalmente para agradar a observadores humanos. Em quatro das gaiolas, a mãe de
roupa continha uma garrafa de leite e um bico para que o bebê mamasse nela. Nas
outras quatro, o leite vinha das mães de arame. Se estes quatro bebês macacos tivessem
lido Watson ou Skinner, associariam rapidamente o modelo de arame com comida e
passariam a amar o arame. Suas mães de arame os recompensavam generosamente,
enquanto suas mães de roupa os ignoravam. Os bebês macacos passaram quase todo o
tempo com as mães de roupa; eles deixavam a segurança da roupa somente para beber
das mães de arame. Em uma famosa fotografia, um bebê macaco se agarra com suas
pernas traseiras à mãe de roupa e se inclina para conseguir pegar o leite da mãe de
arame. 22
Seguiram-se muitos experimentos semelhantes — mães de pedra eram preferidas
às de pernas de pau, mães quentes às frias e Harlow anunciou os resultados em seu
discurso presidencial na Associação Americana de Psicologia em 1958, intitulando-o
provocativamente de “A natureza do amor”. Tinha desferido um golpe fatal no
skinnerismo, que defendia a posição absurda de que toda a base de um amor infantil por
sua mãe estava no fato de que a mãe era a fonte de sua nutrição. Havia mais a amar do
que recompensa e punição; havia algo inato e auto-recompensador na preferência de um
bebê por uma mãe macia e suave. “O homem não pode viver só de leite”, brincou
Harlow. “O amor é uma emoção que não precisa ser servida em uma garrafa — ou em
uma colher.” 23
Havia um limite para o poder da associação, um limite fornecido pelas
preferências inatas. Estes resultados parecem quase absurdamente óbvios agora e, a
qualquer pessoa que tenha lido o trabalho de Tinbergen sobre os estímulos de
comportamento em gaivotas e esgana-gatas, eles eram óbvios já naquela época. Mas os
psicólogos não seguiam a etologia, e o poder do behaviorismo na psicologia era tão
grande que o discurso de Harlow realmente surpreendeu muitas pessoas. Aparecera uma
rachadura no edifício do behaviorismo, uma rachadura que se ampliaria paulatinamente.
Por toda a década de 1960, os psicólogos redescobriram a idéia sensata de que as
pessoas, e os animais, eram equipados de forma que achavam algumas coisas mais
fáceis de aprender do que outras. Os pombos são muito bons em bicar símbolos nas
caixas de Skinner. Os ratos são bons em atravessar labirintos. No final dos anos 60,
Martin Seligman desenvolveu o conceito vital de “aprendizado preparado”. Era quase o
extremo oposto do imprinting. No imprinting, um filhote de ganso fixava-se na primeira
coisa em movimento que encontrava, fosse uma mãe ganso ou um professor: o
aprendizado é automático e irreversível, mas pode estar ligado a uma ampla variedade
de alvos. No aprendizado preparado, o animal pode aprender a temer uma cobra muito
facilmente, por exemplo, mas acha difícil aprender a ter medo de uma flor: o
aprendizado está ligado somente a uma gama estreita de alvos, sem os quais não
acontecerá.
Este fato foi demonstrado por outro grupo de macacos do Wisconsin uma geração
depois de Harlow. Susan Mineka foi aluna de Seligman, e depois que se transferiu para
Wisconsin, em 1980, planejou um experimento para testar a idéia do aprendizado
preparado. Ela ainda tem os vídeos originais deste experimento em uma caixa de papel-
cartão em seu escritório. A pista que ela seguiu estava no fato, conhecido desde 1964,
de que os macacos criados no laboratório não exibem medo de cobras, enquanto todos
os macacos selvagens ficam apavorados quando as vêem. Todavia, não é possível que
todo macaco criado no meio natural tenha tido uma experiência pavloviana ruim com
uma cobra, porque o risco das cobras é em geral fatal; não se tem muita oportunidade de
aprender, por condicionamento, que uma picada de cobra é venenosa. Mineka imaginou
que os macacos deviam adquirir um medo de cobras de modo indireto, observando a
reação de outros macacos às cobras. Macacos criados em laboratório, sem ter esta
experiência, não adquirem este medo.
Primeiro ela pegou seis bebês macacos nascidos de mães selvagens em cativeiro e
os expôs a cobras quando eles estavam sozinhos. Eles não ficaram especialmente
temerosos. Quando tiveram a oportunidade de passar por cima de uma cobra para
conseguir comida, os macacos famintos foram rápidos em fazê-lo. Depois ela os
mostrou a cobras quando suas mães estavam presentes. A reação apavorada da mãe —
agarrando-se ao topo da gaiola, estalando os lábios, agitando as orelhas e fazendo
caretas — foi imediatamente percebida pela cria, que assim ficou permanentemente
apavorada até com um modelo plástico de cobra. (Daí em diante, Mineka usou cobras
de brinquedo, que eram mais fáceis de controlar.)
Em seguida ela mostrou que esta lição era aprendida tanto de um macaco estranho
quanto de um pai ou mãe e que era facilmente transmitida: um macaco podia adquirir
medo de cobras com um macaco que tinha adquirido seu medo desta forma. Em seu
truque seguinte, Mineka queria ver se era igualmente fácil levar um macaco a ensinar
outro macaco ingênuo a temer mais alguma coisa, como uma flor. O problema era como
levar o primeiro macaco a reagir com medo de uma flor. O colega de Mineka, Chuck
Snowdon, sugeriu que ela usasse a tecnologia recém-inventada do videoteipe. Se
macacos podiam assistir a videoteipes e aprender com eles, então os vídeos podiam ser
adulterados para parecer que o macaco “professor” estava com medo de uma flor,
quando ele estava na verdade reagindo a uma cobra.
E funcionou, Os macacos não tiveram dificuldades em assistir aos vídeos de
macacos e reagiram a eles como se fossem macacos reais. Então Mineka preparou
vídeos em que a metade inferior da tela exibia outra cena. Isto fez com que parecesse ou
que um macaco estava calmamente passando por cima de uma cobra de brinquedo para
conseguir comida, ou que um macaco estava reagindo com terror a uma flor. Mineka
mostrou as fitas adulteradas a macacos ingênuos criados em laboratório. Em resposta à
fita “verdadeira” (medo de cobra, indiferença à flor), os macacos rápida e fortemente
chegaram à conclusão de que as cobras são assustadoras. Em resposta às fitas “falsas”
(medo de flor, indiferença à cobra), os macacos meramente concluíram que alguns
macacos eram malucos. Eles não adquiriram medo de flores. 24
Este foi, em minha opinião, um dos grandes momentos experimentais da
psicologia, junto com a mãe de arame de Harlow. Foi repetido em todo tipo de maneiras
diferentes, mas surgia sempre a mesma conclusão: o macacos aprendem com muita
facilidade a ter medo de cobras; eles não aprendem facilmente a temer a maioria dos
outros objetos. Isto mostra que há um grau de instinto no aprendizado, assim como o
imprinting mostra que há um grau de aprendizado no instinto. O experimento de
Mineka foi muito examinado pelos entusiastas da tabula rasa que queriam descobrir
falhas nele, mas até agora vem resistindo a ser desmascarado.
Macacos não são pessoas, mas é indubitavelmente verdade que as pessoas com
freqüência têm medo de cobras. O medo de cobra é uma das formas mais comuns de
fobia. Coincidentemente, muitos relatam que adquiriram seu medo por experiência
indireta, como ver um familiar reagir com temor a uma cobra. 25 As pessoas também
comumente temem aranhas, o escuro, altura, águas profundas, pequenos espaços e
trovões. Tudo isso era uma ameaça para as pessoas da Idade da Pedra, onde as ameaças
muito maiores da vida moderna — carros, esquis, armas, tomadas elétricas —
simplesmente não induziriam tais fobias. É um desafio ao bom senso não ver aqui a
obra da evolução: o cérebro humano é pré-equipado para aprender medos que eram
relevantes na Idade da Pedra. E a evolução só pode transmitir tal informação do passado
ao projeto da mente no presente através dos genes. É isto que os genes são: partes de um
sistema de informação que coleta informações sobre o mundo no passado e os incorpora
em um bom projeto para o futuro através da seleção natural.
É claro que não posso provar as últimas afirmações. Posso apresentar muitas
evidências de que o condicionamento para o meio, em seres humanos como em outros
mamíferos, depende muito da amídala, uma pequena estrutura próxima da base do
cérebro. 26 Posso até passar umas poucas dicas sobre que servos de Vulcano estão
cavando trincheiras para e da amídala, e como fazem isso (parece a facilitação de
sinapses de glutamato). Posso contar a você dos estudos de gêmeos mostrando que as
fobias são herdáveis, o que implica genes em funcionamento. Mas não posso ter certeza
de que tudo isso é planejado de acordo com um projeto criado em uma instrução
genética para equipar o cérebro desta forma. Apenas não posso pensar em uma
explicação melhor, O aprendizado do medo parece um módulo bem delineado, uma
lâmina no canivete suíço da mente. É quase automático, encapsulado, seletivo e operado
por um circuito neural seletivo.
Ainda há o que aprender. E você também pode aprender a ter medo de carros,
brocas de dentista ou casacos de pele de foca. Evidentemente o condicionamento
pavloviano pode criar qualquer tipo de medo. Mas ele sem dúvida cria um medo mais
forte, mais rápido e de duração mais longa de cobras do que de carros, e assim também
o faz o aprendizado social. Em um experimento, os participantes humanos foram
condicionados a temer cobras, aranhas, tomadas elétricas ou formas geométricas. O
medo de cobras e aranhas durou muito mais tempo do que os outros medos. Em outro
experimento, os participantes foram condicionados (por ruídos altos de tiro) a temer
cobras ou armas. Novamente, o medo de cobras durou mais tempo que o de armas
— muito embora as cobras não produzam estampidos de tiro. 27
O fato de que um medo pode ser facilmente ensinado não quer dizer que não
possa ser evitado ou revertido. Macacos que assistem a vídeos de outros macacos
ignorando cobras tornam-se resistentes a aprender a temer cobras mesmo que mais tarde
sejam expostos a um vídeo de um macaco alarmado. Crianças com cobras de estimação
podem aparentemente “imunizar” seus amigos contra aprender a temer cobras. Desta
forma este não é, como destaca Mineka, um instinto fechado. Ainda é um exemplo de
aprendizado. Mas aprender requer não só genes para estabelecer o sistema para a
aprendizagem como genes para operá-lo também.
O mais estimulante nesta história é a forma como reúne cada um dos temas que
explorei neste livro até agora. Superficialmente, o medo de cobras parece exatamente
um instinto. É modular, automático e adaptativo. É altamente herdável — os estudos de
gêmeos mostram que as fobias, como a personalidade, nada devem ao ambiente familiar
compartilhado, mas a muitos genes compartilhados. 28 Porém... os experimentos de
Mineka mostram que isso é inteiramente aprendido. Haveria um caso ainda mais claro
de natureza via criação? O aprendizado é ele mesmo um instinto.

NERVOS, REDES E NÓS

Os behavioristas radicais são raros hoje em dia. Poucos — os que não ficaram
impressionados com a revolução cognitiva e por experimentos como o de Mineka —
continuam a acreditar que a mente humana aprende o que é bom aprender, e que o
aprendizado requer mais que um cérebro de propósito geral; ele requer dispositivos
especiais, cada um deles sensível ao conteúdo e especializado na obtenção de
regularidades do ambiente. As descobertas de Pavlov, Thorndike, Watson e Skinner são
pistas valiosas de como estes dispositivos fazem seu trabalho mas não são o oposto do
inato: tudo isso depende da arquitetura inata.
Ainda existe um grupo de cientistas que se opõe a conferir nativismo demais à
teoria da aprendizagem. São chamados conexionistas. Como sempre, mal se pode
distinguir o que eles dizem sobre como o cérebro funciona do que afirma a maioria dos
nativistas. Mas como sempre acontece nos debates natureza versus criação, os dois
lados gostam de retratar o outro em pontos extremos, e os sentimentos são exaltados. A
única diferença que posso ver entre os dois é que os conexionistas enfatizam a
receptividade de circuitos do cérebro a novas habilidades e experiências enquanto os
nativistas destacam sua especificidade. Se você me perdoar por usar um pouco de latim
vulgar, os conexionistas vêem a tabula como rasa pela metade; os nativistas a vêem
como escripta pela metade.
Vamos ao que interessa, então. O conexionismo não trata realmente de cérebros.
Trata de construir redes de computador que podem aprender. Ele é inspirado por duas
idéias simples: a correlação hebbiana e a propagação retroativa de erro. A primeira se
refere a um canadense chamado Donald Hebb, que fez uma afirmação imprudente em
1949 que o colocou firmemente nos livros de história:
Quando um axônio de uma célula A está perto o bastante para excitar a célula B e repetida ou
persistentemente participa de sua excitação, ocorre algum processo de crescimento ou mudança
metabólica em uma ou em ambas as células, de forma que a eficiência de A, quando uma das
células excita B, é ampliada. 29

O que Hebb está dizendo é que aprender consiste em fortalecer as conexões que são
usadas freqüentemente. Os servos de Vulcano cavam os canais que são usados, fazendo-
os fluir melhor. Ironicamente, Hebb não era behaviorista — na verdade, era um inimigo
fervoroso da idéia de Skinner de que a caixa-preta deve permanecer fechada. Ele queria
saber o que muda dentro do cérebro e estava certo em apostar que é a força da sinapse
que se altera. O fenômeno da memória, no nível molecular, parece ser precisamente
hebbiano.
Alguns anos depois do insight de Hebb, Frank Rosenblatt construiu um programa
de computador chamado perceptron, que consistia em duas camadas de “nós”, ou
switches, podendo-se variar as conexões entre elas. Sua tarefa era variar a intensidade
das conexões até que sua saída tivesse o padrão “correto”. O perceptron pouco fez; mas
quando, trinta anos depois, uma terceira camada “oculta’ de nós foi adicionada entre as
camadas de saída e entrada, a rede conexionista começou a assumir as propriedades de
uma máquina de aprendizagem primitiva, especialmente depois de lhe ser ensinada a
“propagação retroativa de erro”. Isto significa ajustar as forças das conexões entre as
unidades na camada oculta e a camada de saída quando a saída estava errada, e depois
ajustar a intensidade das conexões anteriores — propagando a conexão de erro de volta
para a máquina. É praticamente a mesma coisa que aprender com os erros de previsão,
que os pavlovianos modernos defendem e que Wolfram Schultz descobriu claramente
no sistema de dopamina humano. 30
Adequadamente bem-projetadas, as redes conexionistas são capazes de aprender
regularidades do mundo de uma forma que parece um pouco com o funcionamento do
cérebro. Podem, por exemplo, ser usadas para classificar palavras em substantivo/verbo,
animado/inanimado, animal/humano e assim por diante. Se danificadas, ou
“lesionadas”, elas parecem cometer erros semelhantes aos cometidos por pessoas que
tiveram derrames. Pouco surpreende que alguns conexionistas fiquem empolgados com
a idéia de que deram os primeiros passos para recriar o funcionamento básico do
cérebro.
Os conexionistas negam que não acreditam em nada, exceto a associação. Eles
não afirmam, como Pavlov, que aprender é uma forma de reflexo, ou, como Skinner,
que um cérebro pode ser condicionado a aprender qualquer coisa com a mesma
facilidade. Suas unidades ocultas desempenham o papel inato que Skinner relutou em
atribuir ao cérebro. 31 Mas eles afirmam que, com um mínimo de conteúdo pré-
especificado, uma rede geral pode aprender uma ampla variedade de regras sobre como
o mundo funciona. Neste sentido, eles seguem a tradição empirista. Eles não gostam do
nativismo excessivo, deploram a ênfase na modularidade maciça e lhes desagrada a
conversa de genes para o comportamento. Como David Hume, eles acreditam que o
conhecimento da mente deriva amplamente da experiência.
“É isto que é tão atraente na ciência cognitiva empirista: você pode pular alguns
séculos e não perde absolutamente nada”, brinca o filósofo Jerry Fodor. Embora tenha
se tornado um crítico mordaz do hábito de se levar o nativismo longe demais, Fodor não
teve tempo para a alternativa conexionista. Ela é “simplesmente inútil”, porque não
pode explicar nem que forma devem assumir os circuitos lógicos, nem o problema da
inferência abdutiva “global”. 32
A objeção de Steven Pinker é mais específica. Ele diz que as realizações dos
conexionistas estão em proporção direta porque pré-equipam suas redes com
conhecimento. Você só pode fazer uma rede que aprenda alguma coisa útil pré-
especificando as conexões. Ele compara os conexionistas com o homem que afirma ser
capaz de fazer “sopa de pedra” — quanto mais vegetais acrescenta, melhor fica seu
sabor. Na opinião de Pinker, os sucessos recentes do conexionismo são um elogio
ambíguo ao nativismo. 33
Em resposta, os conexionistas dizem que não estão negando que os genes podem
montar o palco para o aprendizado, somente que pode haver regras gerais sobre como as
redes de sinapses mudam para que este aprendizado se manifeste, e que redes
semelhantes podem operar em diferentes partes do cérebro. Eles fizeram muitas das
últimas descobertas da plasticidade neural. Em surdos, por exemplo, ou em amputados,
as partes sem uso do cérebro são realocadas para diferentes funções, implicando que
elas têm propósitos múltiplos. A fala, normalmente uma função do hemisfério esquerdo,
está no hemisfério direito em algumas pessoas. Os violinistas têm um córtex
somatossentorial maior que o normal para a mão esquerda.
Longe de mim julgar tais argumentos. Eu só faria minha avaliação habitual: algo
pode ser parcialmente verdade sem que represente a resposta completa. Acredito que
ainda descobrirão redes no cérebro que usam suas propriedades gerais como
dispositivos de aprendizado para aprender regularidades sobre o mundo, que elas
empregam princípios semelhantes às redes conexionistas e que redes similares podem
aparecer em diferentes sistemas mentais, de forma que aprender a reconhecer um rosto
requer uma arquitetura neural similar a aprender a ter medo de cobra. Descobrir estas
redes e descrever suas similaridades será um trabalho fascinante. Mas também acredito
que haverá diferenças entre redes que fazem trabalhos diferentes, diferenças que
codificam o pré-conhecimento na forma de um projeto mais ou menos evoluído. Os
empiristas enfatizam a similaridade; os nativistas, a diferença. Os conexionistas
modernos, como outros empiristas antes deles — Hebb, Skinner, Watson, Thorndike,
Pavlov, para não mencionar Mill, Hume e Locke — indubitavelmente acrescentaram
um tijolo útil à parede. Eles estão errados somente quando tentam retirar o tijolo de
outra pessoa, ou quando afirmam que a parede é mantida somente por tijolos empiristas.

UTOPIA NEWTONIANA

O que me traz de volta a Skinner. Você se lembrará de que ele escreveu uma utopia. Ela
descreve um lugar tão horrível quanto o Admirável mundo novo de Huxley ou o
Kantsaywhere de Galton e pelo mesmo motivo: é desequilibrado. Um mundo de puro
empirismo, sem a moderação da genética, seria tão terrível quanto um mundo de pura
eugenia sem a moderação do ambiente.
O livro foi intitulado Walden Two, e trata de uma comuna que é um clichê
sufocante de fascismo. Homens e mulheres jovens perambulam pelos corredores e
jardins da comuna sorrindo e ajudando-se como em um filme de propaganda nazista ou
soviética; a coerção à conformidade está em toda parte. Nenhuma nuvem distópica pode
desfigurar o céu, e o herói, Frazier, é o mais horripilante de todos, porque seu criador o
admira integralmente.
O romance é narrado pelos olhos de um professor, Burris, que é levado por dois
ex-alunos para ver seu velho colega, Frazier, que fundou uma comunidade chamada
Walden Two. Burris, acompanhado dos alunos e suas namoradas, além de um cínico
chamado Castle, passa uma semana em Walden Two, admirando a sociedade
aparentemente feliz de Frazier, baseada inteiramente no controle científico do
comportamento humano. Castle parte, zombeteiro; Burris o segue em princípio, mas
depois volta, atraído pelo magnetismo da visão de Frazier:
Nosso amigo Castle está preocupado com o conflito entre a ditadura de longo alcance e a
liberdade. Não sabe ele que está apenas levantando a antiga questão da predestinação e do livre-
arbítrio? Tudo o que acontece está contido em um plano original, mas em cada estágio o indivíduo
é capaz de optar e determinar o resultado. Acontece a mesma coisa em Walden Two. Nossos
membros praticamente estão fazendo sempre o que querem fazer—o que “escolhem” fazer—, mas
nós cuidamos para que eles queiram fazer exatamente o que é melhor para eles e para a
comunidade. Seu comportamento é determinado, mas eles são livres. 34

Fico do lado de Castle. Mas pelo menos Skinner é honesto. Ele acha que a natureza
humana é inteiramente causada por influências externas, em uma espécie de mundo
newtoniano de determinismo ambiental linear Se os behavioristas estivessem certos,
então o mundo seria assim: a natureza de uma pessoa simplesmente seria a soma de
influências externas sobre ela. Seria possível termos uma tecnologia de controle do
comportamento. Em um prefácio acrescentado à segunda edição em 1976, Skinner
demonstra não ter voltado atrás, embora, como Lorenz, ele quase inevitavelmente tente
ligar Walden Two ao movimento ambientalista.
Somente pela destruição de cidades e economias, e sua substituição por comunas
behavioristas, podemos sobreviver à poluição, à exaustão dos recursos e à catástrofe
ambiental, diz Skinner. “Algo como Walden Two não seria um mau começo.” O que é
verdadeiramente assustador é que a visão de Skinner atraiu seguidores que realmente
formaram uma comuna e tentaram administrá-la de acordo com as linhas de Frazier. Ela
ainda existe: é chamada Walden Dos e fica perto de Los Horcones, no México. 35

CAPÍTULO OITO

Enigmas da Cultura
Alguns homens, graças à composição inalterável de sua constituição, são corajosos, outros
temerosos, alguns confiantes, outros modestos, afáveis, ou obstinados, curiosos ou descuidados,
rápidos ou lentos.

John Locke 1

Uma criança que vem ao mundo hoje em dia herda um conjunto de genes e aprende
muitas lições com a experiência. Mas ela adquire algo mais, também: as palavras, os
pensamentos e as ferramentas que foram inventados por outras pessoas muito tempo
antes. O motivo para que a espécie humana domine o planeta e os gorilas estejam em
risco de extinção não está em nossos 5% de DNA especial, nem em nossa capacidade de
aprender associações, nem mesmo em nossa capacidade de agir culturalmente, mas na
capacidade de acumular cultura e transmitir informação, através dos mares e das
gerações.
A palavra cultura significa pelo menos duas coisas diferentes. Significa arte
intelectual, discernimento e gosto: a ópera, em uma palavra. Também significa ritual,
tradição e etnicidade: dançar em torno da fogueira do acampamento com um osso
atravessado no nariz. Há uma profunda convergência entre os dois: sentar-se em black-
tie assistindo a La Traviata é apenas uma versão ocidental de dançar em torno da
fogueira com um osso atravessado em seu nariz. O primeiro significado da palavra veio
do Iluminismo francês. La culture significa civilização — uma dimensão cosmopolita
do progresso. O segundo significado vem do movimento romântico germânico: die
Kultur era o estilo peculiar com que os germânicos distinguiam-na de outras culturas, a
essência primeva do teutonismo. Na Inglaterra, enquanto isso, surgindo do movimento
evangélico e sua reação ao darwinismo, cultura veio a significar o oposto de natureza
humana — o elixir que elevava os homens acima dos macacos. 2
Franz Boas, o dos magníficos bigodes em minha foto imaginária, levou o uso
germânico para a América e o transmutou em uma disciplina: a antropologia cultural.
Sua influência sobre o debate natureza-criação no século seguinte não pode ser
exagerada. Por enfatizar a plasticidade da cultura humana, ele expandiu a natureza
humana em uma infinidade de possibilidades em vez de mantê-la presa a restrições. Foi
ele que plantou com mais vigor a idéia de que a cultura é o que liberta as pessoas de sua
natureza.
A epifania de Boas vem do litoral de Cumberland Sound, uma baía na costa da
ilha Baffin, no Ártico canadense. Era janeiro de 1884. Boas tinha 25 anos e estava
mapeando a costa para tentar compreender as migrações e a ecologia do povo inuit.
Recentemente ele deixara seu interesse na física (sua tese foi sobre a cor da água) em
favor da geografia e da antropologia. Naquele inverno, acompanhado somente de um
europeu (seu empregado), ele efetivamente tornou-se um inuit: viveu com os habitantes
de Baffin em suas tendas e iglus, comeu carne de foca e viajou em trenó de cães. A
experiência foi humilhante. Boas começou a apreciar não só as habilidades técnicas de
seus anfitriões, mas também a sofisticação de suas canções, a riqueza de suas tradições e
a complexidade de seus costumes. Ele também viu sua dignidade e estoicismo diante da
tragédia: naquele inverno, muitos inuits morreram de difteria e gripe; seus cães,
também, morreram de uma nova doença. Boas sabia que as pessoas o culpavam por esta
epidemia. Não seria a última vez em que um antropólogo se perguntaria se tinha trazido
a morte a seus objetos de pesquisa. Quando ele se deitou em um iglu apertado, ouvindo
os gritos de esquimós, o ladrar dos cães, o choro das crianças , confiou a seu diário:
“Estes são os ‘selvagens’ cuja vida supostamente nada valem quando comparados com
um europeu civilizado. Não acredito que nós, se vivêssemos sob as mesmas condições,
estaríamos tão dispostos a trabalhar ou ser tão encantadores e felizes!” 3
Na verdade, ele estava bem preparado para a lição da igualdade cultural. Era filho
de orgulhosos livres-pensadores judeus da cidade de Minden, no Reno. Sua mãe, uma
professora, impregnou-o do “espírito de 1848”, o ano da fracassada revolução alemã.
Na universidade, ele travou um duelo para vingar o estigma anti-semita, e ficou com
cicatrizes no rosto pelo resto da vida. “O que eu quero, para o que viverei e morrerei,
são direitos iguais para todos”, escreveu ele a sua noiva da ilha Baffin. Boas era um
adepto ardoroso de Theodor Waitz, que argumentava pela igualdade da humanidade:
que todas as raças do mundo descendem de um ancestral comum recente — uma crença
que dividiu os conservadores. Apelava a leitores do Gênesis abalados por Darwin, mas
não aos praticantes da escravidão e da segregação racial. Boas foi muito mais
influenciado pela escola berlinense da antropologia liberal de Rudolf von Virchow e
Adolf Bastian, com sua ênfase no determinismo cultural e não no determinismo racial.
Assim, dificilmente surpreende ver Boas concluindo sobre seus amigos inuits, “a mente
do selvagem é sensível às belezas da poesia e da música, e é somente para o observador
superficial que ele parece estúpido e insensível”. 4
Boas emigrou para os Estados Unidos em 1887 e criou as fundações da moderna
antropologia como o estudo da cultura e não da raça. Ele queria estabelecer que a
“mente do homem primitivo” (o título de seu livro mais influente) era igual em tudo à
mente do homem civilizado, ao mesmo tempo que as culturas de outros povos eram
profundamente diferentes entre si e da cultura civilizada. A origem das diferenças
étnicas portanto está na história, na experiência e nas circunstâncias, e não na psicologia
e na fisiologia. Primeiro ele tentou provar que o formato da cabeça das pessoas mudou
uma geração depois de elas terem migrado para os Estados Unidos:
Os hebreus da Europa oriental, que têm uma cabeça muito redonda, tornam-se de cabeça alongada;
o italiano do sul, que na Itália tem uma cabeça excepcionalmente longa, ganha uma cabeça mais
curta; e assim, neste país, ambos se aproximam de um estilo mais uniforme. 5

Se o formato da cabeça — há muito a base da taxonomia racial — era afetado pelo


ambiente, então “as características fundamentais da mente” também podiam ser.
Infelizmente, uma análise recente dos dados de Boas sobre o formato do crânio sugere
que eles não exibem tal característica. Os grupos étnicos mantêm formatos de crânio
distintos mesmo depois da assimilação em um novo país. A interpretação de Boas foi
influenciada por seus desejos. 6
Embora destacasse a influência do ambiente, Boas não era um defensor radical da
tabula rasa. Ele fez uma distinção crucial entre o indivíduo e a raça. Foi precisamente
por ter reconhecido as profundas diferenças inatas na personalidade entre os indivíduos
que ele não levou em conta as diferenças inatas entre as raças: uma perspectiva que
mais tarde se provou geneticamente correta por Richard Lewontin. As diferenças
genéticas entre dois indivíduos de uma raça escolhidos ao acaso são muito maiores do
que as diferenças médias entre as raças. Na verdade, Boas parece inteiramente moderno
sob quase qualquer parâmetro. Seu anti-racismo ardente, sua crença em que a cultura
determina em vez de refletir a idiossincrasia étnica e sua paixão pela igualdade de
oportunidades a todos viriam a ser as marcas da virtude política da segunda metade do
século, quando Boas estava morto.
Como sempre, alguns seguidores de Boas foram longe demais. Gradualmente
abandonaram a crença de Boas nas diferenças individuais e seu reconhecimento das
características universais da natureza humana. Cometeram o erro habitual de equiparar a
verdade de uma proposição com a falsidade de outra. Já que a cultura influenciava o
comportamento, então o inato não podia fazê-lo. No início, Margaret Mead foi a mais
flagrante neste aspecto. Seus estudos dos hábitos sexuais dos samoanos propunham
mostrar o quanto a prática ocidental de celibato pré-conjugal era etnocêntrica, e portanto
“cultural”, e associava as inibições relacionadas com o sexo. Na verdade, agora se sabe
que ela foi enganada por algumas jovens travessas durante sua breve visita à ilha, e que
na década de 1920 Samoa era um pouco mais severa com o sexo que a América. 7
Contudo, o estrago já havia sido feito, e a antropologia, como a psicologia sob Watson e
Skinner, passou a se dedicar à tabula rasa — à idéia de que tudo no comportamento
humano era produto somente do ambiente social.
Paralelamente à reforma da antropologia por Boas, o mesmo tema estava
passando a dominar a nova ciência da sociologia. Contemporâneo de Boas, e seu colega
no quesito bigodes, Emile Durkheim fez uma defesa ainda mais forte da causa social: o
fenômeno social podia ser explicado somente por fatos sociais e não por qualquer coisa
biológica. Omnia cultura ex cultura. Durkheim era um ano mais velho que Boas,
nascido em Lorraine, do outro lado da fronteira francesa do local de nascimento de
Boas, também filho .de judeus. Ao contrário de Boas, contudo, Durkheim era filho de
um rabino, descendente de uma longa linhagem de rabinos, e passou sua juventude
estudando o Talmude. Depois de flertar com o catolicismo, ingressou na elitista École
Normale Supérieure de Paris. Enquanto Boas se maravilhava com o mundo, vivendo em
iglus, fazendo amizade com nativos americanos e migrando, Durkheim fez pouca coisa
exceto estudar, escrever e argumentar. À parte um breve período de estudos na
Alemanha, ele continuou na torre de marfim das universidades francesas por toda a
vida, primeiro em Bordéus e depois em Paris. Ele é um deserto biográfico.
Mas a influência de Durkheim na nascente escola da sociologia foi imensa. Foi ele
que baseou o estudo da sociologia na concepção da tabula rasa. As causas do
comportamento humano — do ciúme sexual à histeria em massa — estão fora do
indivíduo, O fenômeno social é real, pode ser repetido, é definível e científico
(Durkheim invejava os físicos com seus fatos implacáveis — a inveja da física é um
problema bem conhecido entre cientistas de áreas mais flexíveis), mas não pode ser
reduzido à biologia. A natureza humana é conseqüência, e não causa, das forças sociais.
As características gerais da natureza humana participam do trabalho de elaboração de que resulta a
vida social. Mas elas não são causa dela, nem dão a ela sua forma especial; somente a tornam
possível. As representações coletivas, as emoções e as tendências são causadas não por certos
estados de consciência dos indivíduos mas pelas condições em que o grupo social, em sua
totalidade, é colocado (...). As naturezas individuais são meramente o material indeterminado que
o fator social modela e transforma.8

Boas e Durkheim, com Watson na psicologia, representam o auge do argumento da


tabula rasa para a perfeita maleabilidade da psicologia humana por forças externas.
Como rejeição de todo caráter inato, este argumento foi tão demolido por Steven Pinker
em seu recente livro The Blank Slate que pouco resta a dizer. 9 Mas como declaração
positiva do grau a que o ser humano é influenciado por fatores sociais, é inegável. O
tijolo que Durkheim ajudou Boas a colocar na parede da natureza humana é essencial —
o tijolo chamado cultura. Boas afastou a noção de que todas as sociedades humanas
consistiam em aprendizes mais ou menos treinados a ser cavalheiros ingleses, que havia
uma escada de estágios que as culturas deviam subir no caminho para a civilização. Em
seu lugar, colocou uma natureza humana universal refratada por tradições diferentes em
culturas separadas. O comportamento de um ser humano deve muito a sua natureza mas
também deve muito aos rituais e hábitos de seus companheiros. Ele parece absorver
algo da tribo.
Boas impôs, e ainda impõe, um paradoxo. Se as capacidades humanas são as
mesmas em toda parte, e alemães e inuits têm mentes iguais, então por que as culturas
são diferentes? Por que não há uma única cultura humana, comum a Baffin e ao Reno?
Ou, se a cultura, e não a natureza, é responsável pela criação de diferentes sociedades,
então como podem as culturas ser consideradas iguais? O próprio fato da mudança
cultural implica que algumas culturas podem progredir mais que outras e, se a cultura
influencia a mente, então algumas culturas devem produzir mentes superiores. Os
descendentes intelectuais de Boas, como Clifford Geertz, têm respondido ao paradoxo
afirmando que os universais devem ser banais; não há “mente para todas as culturas”,
absolutamente nenhuma essência comum à psique humana, exceto os sentidos óbvios. A
antropologia deve se preocupar com a diferença e não com a similaridade.
Achei esta resposta profundamente insatisfatória, especialmente por seus riscos
políticos óbvios — sem a conclusão de Boas da igualdade mental, o preconceito bate à
porta dos fundos. Isso seria comprometer a falácia naturalista — derivando morais de
fatos, ou “devia” de “é” — o que o GOD proíbe. Também se compromete com a falácia
do determinismo, ignorando as lições da teoria do caos: a criação de regras não produz
um resultado estabelecido. Com as poucas regras do xadrez, você pode produzir trilhões
de jogos diferentes com apenas alguns movimentos.
Não acredito que Boas tenha sequer pensado nisto, mas por sua posição infere-se
a conclusão lógica de que há um grande contraste entre o progresso tecnológico e a
paralisia mental. A cultura do próprio Boas tinha navios a vapor, telégrafos e literatura
mas não produziu nenhuma superioridade discernível, em espírito e sensibilidade, em
relação aos caçadores-coletores iletrados inuits. Este foi um tema que atravessou o
trabalho do contemporâneo de Boas, o romancista Joseph Conrad. O progresso, para
Conrad, era uma ilusão. A natureza humana nunca progredia, era condenada a repetir os
mesmos atavismos a cada geração. Há uma natureza humana universal, repisando os
triunfos e desastres de seus ancestrais. A tecnologia e a tradição apenas refratam esta
natureza na cultura local: gravatas-borboleta e violinos em um lugar, ornamentos nasais
e dança tribal em outro. Mas as gravatas-borboleta e as danças não modelam a mente —
elas a expressam.
Quando assisto a uma peça de Shakespeare, com freqüência me surpreendo com a
sofisticação de sua compreensão da personalidade. Não há nada ingênuo ou primitivo na
forma como seus personagens planejam ou tentam conseguir as coisas; eles são
cansados do mundo, esgotados, pós-modernistas ou conscientes de si. Pense no cinismo
de Beatriz, Iago, Edmundo ou Jaques. Não consigo conceber, por um segundo sequer,
que seja acidental. As armas com que lutam são primitivas, seus métodos de viagem
incômodos, seu encanamento antediluviano. Mas eles nos falam de amor e desespero,
de raiva e traição em vozes que têm uma complexidade e uma sutileza modernas. Como
é possível? Seu autor tinha desvantagens culturais. Ele não leu Jane Austen ou
Dostoiévski; nem assistiu a Woody Allen; nem viu Picasso; nem ouviu Mozart; nem
soube da relatividade; nem voou em um avião; nem navegou na Internet.
Longe de provar a plasticidade da natureza humana, o argumento de Boas para a
igualdade das culturas depende da aceitação de uma natureza inalterável e universal. A
cultura pode determinar a si mesma, mas não pode determinar a natureza humana.
Ironicamente, foi Margaret Mead que provou isso com mais clareza. Para descobrir uma
sociedade em que as jovens eram sexualmente desinibidas, ela teve de visitar uma terra
da imaginação. Como Rousseau antes dela, ela buscou algo “primitivo” na natureza
humana nos mares do Sul. Mas não há natureza humana primitiva. Seu fracasso ao
tentar descobrir o determinismo cultural da natureza humana equivale ao cão que não
conseguiu latir.
Então inverta o determinismo e pergunte por que a natureza humana parece ser
universalmente capaz de produzir cultura — de gerar tradições cumulativas,
tecnológicas e herdáveis. Equipados com apenas neve, cães e focas mortas, os seres
humanos gradualmente inventam todo um estilo de vida, com canções e deuses, bem
como trenós e iglus. O que está dentro do cérebro humano que permite realizar esta
proeza, e quando este talento aparece?
Observe, primeiro, que a geração de cultura é uma atividade social. Uma mente
humana solitária não pode produzir cultura. Foi o precoce antropólogo russo Leon
Semenovitch Vigotski que assinalou, na década de 1920, que descrever uma mente
humana isolada demonstra incompreensão. A mente humana nunca é isolada. Mais do
que entre os seres de qualquer outra espécie, ela nada em um mar chamado cultura. Ela
aprende linguagem, usa tecnologias, observa rituais, compartilha crenças, adquire
habilidades. Ela tem uma experiência coletiva, bem como individual; até compartilha a
intencionalidade coletiva. Vigotski, que morreu aos 38 anos, em 1934, depois de
publicar suas idéias somente na Rússia, continuou amplamente desconhecido no
Ocidente até muito mais tarde. Mas recentemente se tornou uma figura da moda na
psicologia educacional e em alguns setores da antropologia. Para meus propósitos,
contudo, seu insight mais importante é sua insistência em uma ligação entre o uso da
ferramenta e a linguagem. 10
Se devo sustentar meu argumento de que os genes estão na base tanto da criação
como da natureza, então devo explicar de alguma forma como os genes possibilitam a
cultura. Mais uma vez tentarei fazê-lo, não com a proposta de “genes para” a prática
cultural, mas propondo a existência de genes que reagem ao ambiente, de genes como
mecanismos e não como causas. É uma tarefa difícil, e posso admitir agora mesmo que
vou fracassar. Acredito que a capacidade humana para a cultura não vem de alguns
genes que co-evoluíram com a cultura humana, mas de um conjunto fortuito de pré-
adaptações que subitamente dotaram a mente humana de uma capacidade quase
ilimitada de acumular e transmitir idéias. Essas pré-adaptações são sustentadas por
genes.

O ACÚMULO DE CONHECIMENTO

A descoberta de que os seres humanos são 95% chimpanzés no nível genético exacerba
meu problema. Na descrição dos genes envolvidos no aprendizado, instinto, imprinting
e desenvolvimento, não tive dificuldades em apelar para exemplos animais porque,
nestes aspectos, a diferença entre a psicologia humana e a animal é uma diferença de
grau. Mas a cultura é diferente. O hiato cultural entre um ser humano e até o mais
brilhante dos macacos ou golfinhos é um abismo. Transformar um cérebro de ancestral
símio em um cérebro humano certamente requer apenas alguns pequenos ajustes na
receita: todos os mesmos ingredientes apenas um pouco mais de tempo no forno.
Todavia estas mudanças menores têm conseqüências de longo alcance: as pessoas têm
armas nucleares e dinheiro, deuses e poesia, filosofia e fogo. Elas conseguem todas
estas coisas através da cultura, de sua capacidade de acumular idéias e invenções
geração após geração, transmiti-las a outros e portanto reunir os recursos cognitivos de
muitos indivíduos vivos e mortos.
Um homem de negócios comum, por exemplo, nada faria sem a ajuda da escrita
fonética assíria, a imprensa chinesa, a álgebra árabe, os numerais indianos, a
contabilidade italiana, as leis de mercado holandesas, os circuitos integrados
californianos e uma série de outras invenções espalhadas pelos continentes e séculos. O
que é que torna as pessoas, e não os chimpanzés, capazes desta proeza de acumulação?
Afinal, parece haver pouca dúvida de que os chimpanzés são capazes de cultura.
Eles mostram fortes tradições locais na conservação do comportamento, que é então
transmitido por aprendizado social. Algumas populações quebram nozes usando pedras;
outras usam varetas. Na África ocidental, os chimpanzés comem formigas mergulhando
uma longa vareta em um formigueiro, coletam muitos insetos, tiram as formigas
passando a mão pela vareta e as levam à boca. Há mais de cinqüenta tradições culturais
deste tipo conhecidas em toda a África e cada uma delas é aprendida por observação
cuidadosa pelos mais jovens (os imigrantes adultos em um bando acham mais difícil
aprender os costumes locais). Estas tradições são essenciais para sua vida. Frans de Vaal
chegou ao ponto de afirmar que “os chimpanzés são completamente dependentes da
cultura para sobreviver”. Como os seres humanos, eles não conseguem passar pela vida
sem as tradições aprendidas. 11
E os chimpanzés não estão sozinhos nisso. O momento em que a cultura animal
foi descoberta pela primeira vez foi em setembro de 1953, na pequena ilha de Kohima,
na costa do Japão. Por cinco anos, uma jovem chamada Satsue Mito alimentou os
macacos da ilha com trigo e batata-doce, para habituá-los a observadores humanos.
Naquele mês ela viu pela primeira vez um jovem macaco chamado Imo lavar a areia de
uma batata-doce. Em três meses dois dos companheiros de Imo e sua mãe tinham
adotado a prática, e em cinco anos a maioria dos macacos mais novos do bando a
adotara. Somente os machos mais velhos não conseguiram adquirir o costume. Imo
depois aprendeu a separar o trigo da areia colocando-o na água e deixando a areia
afundar. 12
A cultura abunda em espécies de cérebro grande. Baleias assassinas têm técnicas
de alimentação tradicionais e aprendidas que são peculiares a cada população: encalhar
na praia para pegar leões marinhos é uma especialidade das orcas do Atlântico sul, por
exemplo, e é um truque que requer muita prática para ser aperfeiçoado. Assim, os seres
humanos definitivamente não são os únicos na capacidade de transmitir costumes
tradicionais por aprendizado social. Mas isto só torna a questão mais desconcertante. Se
os chimpanzés, macacos e orcas têm culturas, por que eles não têm salto cultural? Não
há o fermento da inovação contínua e cumulativa. Não há, em uma palavra,
“progresso”.
Vamos reformular a questão, então. Como os seres humanos fazem progresso
cultural? Como topamos com a cultura cumulativa? Esta é uma questão que tem
incitado uma torrente de especulação teórica nos últimos anos, mas muito pouco na
forma de dados empíricos. O cientista que tem tentado encontrar uma resposta com mais
afinco é Michael Tomasello, de Harvard. Ele fez uma longa série de experimentos com
chimpanzés adultos e jovens seres humanos, dos quais conclui que “somente o ser
humano compreende [outros seres humanos] como agentes intencionais como o self e
assim só o ser humano pode se envolver em aprendizado cultural”. Esta diferença surge
aos nove meses de idade — o que Tomasello chama de revolução do nono mês. Neste
ponto os seres humanos deixam os macacos antropomorfos para trás no
desenvolvimento de certas habilidades sociais. Por exemplo, eles agora apontarão um
objeto com o único propósito de dividir a atenção com outro. Eles olham na direção que
alguém aponta, e seguem o olhar do outro. Os macacos nunca fazem isso, nem as
crianças autistas (até muito mais tarde), que parecem ter problemas para compreender
que os outros são agentes intencionais com uma mente própria. De acordo com
Tomasello, nenhum macaco jamais mostrou a capacidade de atribuir uma falsa crença a
outro indivíduo, algo que vem naturalmente à maioria dos seres humanos de quatro anos
de idade. A partir disto, Tomasello infere que só os seres humanos podem se colocar no
lugar dos outros. 13
Este argumento oscila na beira do excepcionalismo humano que tanto irritou
Darwin. Como todas as afirmações deste tipo, ele é vulnerável à primeira descoberta
definitiva de um macaco antropomorfo que age com base no que acredita ser o
pensamento de outro macaco. Muitos primatologistas, especialmente Frans de Vaal,
acreditam já ter visto tal comportamento no meio natural e em cativeiro. 14 Tomasello
não concorda. Outros macacos antropomorfos podem compreender os relacionamentos
sociais entre terceiros (algo que provavelmente está além da maioria dos mamíferos) e
podem aprender por imitação. Se a eles for mostrado que revirar um tronco revelará
insetos, eles aprenderão que os insetos podem ser encontrados embaixo de troncos. Mas
eles não podem, segundo Tomasello, compreender o objetivo do comportamento de
outros animais. Isto limita sua capacidade de aprender e, em particular, limita sua
capacidade de aprender por imitação. 15
Não tenho certeza se aceito plenamente o argumento de Tomasello. Sou
influenciado pelos macacos de Susan Mineka, que são indubitavelmente capazes de
aprendizado social pelo menos no caso minuciosamente preparado do medo de cobra.
Aprender não é um mecanismo geral; é modelado especificamente para cada tipo de
informação, e pode haver informações cujo aprendizado por imitação é possível até em
chimpanzés. E mesmo que Tomasello consiga explicar a imitação nas tradições culturais
de primatas — os macacos que aprenderam a lavar areia das batatas, os chimpanzés que
aprendem com os outros a como quebrar nozes — ele certamente terá problemas para
provar que os golfinhos não podem imaginar o que os outros estão pensando. Há sem
dúvida algo unicamente humano em nossa capacidade de empatizar e imitar, assim
como há algo unicamente humano em nossa capacidade de comunicar simbolicamente
— mas é uma diferença de grau e não de tipo.
Mas uma diferença de grau ainda pode chegar a um abismo nas engrenagens da
cultura. Neste ponto, Tomasello garante que a imitação torna-se algo mais profundo
quando o imitador entra na mente de seu modelo — quando ele tem uma teoria da
mente. Ele garante, também, que imitar uma idéia de alguém de certa forma cria
representação, o que por sua vez pode se transformar em simbolismo. Talvez seja isto
que permite aos jovens seres humanos adquirir muito mais cultura que os chimpanzés.
A imitação assim se torna a primeira candidata do que Robin Fox e Lionel Tiger
chamaram de dispositivo de aquisição de cultura. 16 Há duas outras candidatas
promissoras: a linguagem e a destreza manual. E, estranhamente, as três parecem surgir
juntas em uma parte do cérebro.
Em julho de 1991, Giacomo Rizzolatti fez uma descoberta impressionante em seu
laboratório em Parma. Ele estava registrando os sinais de neurônios isolados dentro do
cérebro de macacos, tentando entender o que causa a ativação de um neurônio.
Normalmente isto é feito em condições altamente controladas, usando macacos
imobilizados ao máximo, ocupados em tarefas inventadas. Insatisfeito com estas
condições artificiais, Rizzolatti queria registrar sinais de macacos levando uma vida
quase normal. Ele começou com a alimentação, tentando correlacionar cada ação com
cada resposta neuronal. Começou a suspeitar de que alguns neurônios registravam o
objetivo da ação, e não a própria ação, mas seus colegas cientistas rejeitaram a idéia: a
evidência era anedótica demais.
Então Rizzolatti devolveu seus macacos a condições mais controladas. De tempos
em tempos cada macaco lidava com comida, e Rizzolatti e seus colegas perceberam que
alguns neurônios “motores” pareciam reagir à visão de uma pessoa pegando um pedaço
de comida. Por um longo tempo eles pensaram que era uma coincidência e que o
macaco devia estar se movendo ao mesmo tempo, mas um dia estavam registrando um
neurônio que se ativava quando o experimentador pegava um pedaço de comida de uma
certa maneira; o macaco ficou completamente imóvel. A comida foi então dada ao
macaco, e quando ele a pegava da mesma maneira, mais uma vez o neurônio se
excitava. “Naquele dia eu me convenci de que o fenômeno era real”, diz Rizzolatti.
“Ficamos muito empolgados.” 17 Eles tinham descoberto uma parte do cérebro que
representa tanto a ação como a visão daquela ação. Rizzolatti chamou-o de “neurônio-
espelho” por sua capacidade incomum de espelhar ao mesmo tempo a percepção e o
controle motor. Ele mais tarde descobriu mais neurônios-espelho, cada um deles ativo
durante a observação e a imitação de uma ação altamente específica: coisas como pegar
entre o polegar e o indicador. Ele concluiu que esta parte do cérebro podia combinar um
movimento percebido da mão com um movimento realizado da mão. Ele acreditou que
estava vendo “o precursor evolutivo do mecanismo humano para a imitação”. 18
Desde então, Rizzolatti e seus colegas repetiram o experimento com seres
humanos em aparelhos de varredura eletrônica do cérebro. Três partes do cérebro se
acenderam quando os voluntários observavam e imitavam movimentos dos dedos:
novamente, o fenômeno de atividade “espelho”. Uma dessas partes, o Sulco Temporal
Superior (STS), estava relacionada com a percepção. Não é de surpreender encontrar
uma área sensorial acendendo-se quando o voluntário observa uma ação, mas
surpreende que ela se ative quando o voluntário mais tarde execute a ação imitada. Uma
curiosidade da imitação humana é que, se uma pessoa é solicitada a imitar uma ação da
mão direita, ela com freqüência imitará com a mão esquerda, e vice- versa. (Tente dizer
a alguém que há algo na bochecha dele e toque sua bochecha direita ao mesmo tempo.
As probabilidades são de a pessoa reagir tocando a bochecha esquerda.) Coerente com
isso, nos experimentos de Rizzolatti, o STS era mais ativo quando o voluntário imitava
uma ação da mão esquerda com a mão direita do que quando o voluntário imitava uma
ação da mão esquerda com a mão esquerda. Rizzolatti concluiu que o STS “percebe” a
ação do sujeito e a combina com sua lembrança da ação observada. 19
Recentemente, a equipe de Rizzolatti descobriu um neurônio ainda mais estranho,
que se excita não só quando um certo movimento é realizado e observado mas também
quando a mesma ação é ouvida. Por exemplo, eles encontraram um neurônio que reagia
à visão e ao som de um amendoim sendo quebrado mas não ao som de papel sendo
rasgado. O neurônio reagia ao som do amendoim se quebrando mas não à visão
isoladamente. O som é importante para dizer ao animal que ele conseguiu quebrar uma
noz, e portanto isto faz sentido. Mas os neurônios são tão primorosamente sensíveis que
eles podem “representar” certas ações a partir apenas do som que produzem. A
descoberta da manifestação neuronal de uma representação mental está ficando
extraordinariamente próxima: a expressão “quebrar nozes”. 20
Os experimentos de Rizzolatti nos colocam perto da descrição, apesar de em
termos mais grosseiros, de uma neurociência da cultura — um conjunto de ferramentas
que compõem pelo menos parte do dispositivo de aquisição de cultura. Será que
encontrarão um conjunto de genes que subjazem ao projeto de um “órgão”? De certa
forma sim, porque o projeto dos circuitos cerebrais, de conteúdo específico, é
indubitavelmente herdado através do DNA. Pode ser que não sejam os únicos para esta
parte do cérebro, sendo a singularidade proveniente da combinação dos genes usados no
projeto, e não proveniente dos próprios genes. Isto criará a capacidade de absorver
cultura. Mas esta é apenas uma interpretação da expressão “genes da cultura”; será
encontrado em funcionamento na vida cotidiana um conjunto completamente diferente
de genes provenientes dos genes de projeto. Os genes que guiam os axônios que
constroem o dispositivo serão silenciados. Em seu lugar, haverá genes que operam e
modificam sinapses, que secretam e absorvem neurotransmissores e assim por diante.
Tampouco este não será o único conjunto de genes. Mas eles serão, em um sentido
verdadeiro, os dispositivos que transmitem a cultura do mundo exterior para e através
do cérebro. Eles serão indispensáveis para a própria cultura.
Recentemente, Anthony Monaco e sua aluna Cecilia Lai descobriram uma
mutação genética aparentemente responsável por um distúrbio da fala e da linguagem. É
o primeiro candidato para um gene que pode melhorar o aprendizado cultural através da
linguagem. Há muito se sabe que várias deteriorações da linguagem ocorrem em
famílias, pouco tendo a ver com a inteligência geral, e afetam não só a capacidade de
falar, mas a capacidade de generalizar regras gramaticais na linguagem escrita e talvez
até de ouvir e interpretar a fala. Quando foi descoberta, a herdabilidade desta
característica foi batizada de “gene da gramática”, para a fúria dos que entendiam que
uma descrição dessas era culpada de determinismo. Mas agora parece que há mesmo um
gene no cromossomo 7 responsável por este distúrbio em uma grande genealogia e em
outra menor. O gene é necessário para o desenvolvimento da gramática normal e a
capacidade de falar nos seres humanos, inclusive o controle motor refinado da laringe.
Conhecido como forkhead box P2, ou resumidamente FOXP2, é um gene cuja tarefa é
ativar outros genes — um fator de transcrição. Quando é defeituoso, a pessoa nunca
desenvolve uma linguagem plena. 21
Os chimpanzés também têm FOXP2; da mesma forma, os macacos do Novo
Mundo e os camundongos. O simples fato de ter o gene não possibilita a fala. Na
verdade, o gene é incomumente semelhante em todos os mamíferos. Svante Paabo
descobriu que em todas as milhares de gerações de camundongos, macacos do Novo
Mundo, orangotangos, gorilas e chimpanzés, uma vez que todos compartilharam um
ancestral comum, houve somente duas mudanças no gene FOXP2 alterando seu
produto, a proteína — uma nos ancestrais do camundongo e outra nos ancestrais do
orangotango. Mas é possível que ter a forma humana peculiar do gene seja um pré-
requisito para a fala. Nos seres humanos, desde a divisão com os chimpanzés (apenas
ontem) já aconteceram duas mudanças que alteraram a proteína. E evidências
engenhosas da ausência de mutações inativas sugerem que estas mudanças aconteceram
muito recentemente e foram o motivo de uma “limpeza seletiva”. Este é o jargão técnico
para a exclusão de todas as outras versões do gene em pouco tempo. Em algum
momento depois de 200.000 anos atrás, apareceu uma forma mutante do FOXP2 na raça
humana, com uma ou com as duas mudanças, e esta forma mutante se saiu tão bem ao
ajudar seu possuidor a se reproduzir que agora seus descendentes dominam a espécie,
excluindo completamente todas as versões anteriores do gene. 22
Pelo menos uma das mudanças, que substitui uma molécula de serina por uma
arginina na 325ª posição (de 715) na construção da proteína, quase com certeza altera a
ativação e desativação do gene. Ela pode, por exemplo, permitir que o gene seja ativado
pela primeira vez em uma certa parte do cérebro. Isto, por sua vez, pode permitir que o
FOXP2 faça alguma coisa nova. Lembre-se de que os animais parecem evoluir dando
novas tarefas aos mesmos genes, em vez de inventar novos genes. Ninguém sabe
exatamente o que faz o FOXP2, ou como ele permite que a linguagem passe a existir e,
assim, já estou especulando aqui. Continua sendo possível que, em vez de o FOXP2
permitir que as pessoas falem, a invenção da fala tenha pressionado o GOD a mutar o
FOXP2 por algum motivo desconhecido: que a mutação seja conseqüência e não causa.
Mas uma vez que já estou indo além do perímetro do mundo conhecido, deixe-me
dar meus melhores palpites para como o FOXP2 capacita as pessoas a falar. Suspeito de
que, nos chimpanzés, o gene ajude a conectar a parte do cérebro responsável pelo
controle motor fino da mão a várias partes perceptuais do cérebro. Nos seres humanos, o
período extra (ou mais longo?) de atividade permite que ele conecte outras partes do
cérebro, inclusive a região responsável pelo controle motor da boca e da laringe.
Penso desta forma porque pode haver uma ligação entre o FOXP2 e os neurônios-
espelho de Rizzolatti. Uma das partes do cérebro que é ativa nos voluntários durante o
experimento de Rizzolatti, conhecida como área 44, corresponde à área em que
descobriram os neurônios-espelho no cérebro de macacos. Esta é parte do que às vezes é
chamado de área de Broca, o que complica consideravelmente a trama, porque é uma
parte essencial do “órgão da linguagem” do cérebro humano. Em macacos e pessoas,
esta parte do cérebro é responsável pelo movimento da língua, da boca e da laringe (é
por isso que um derrame nesta área incapacita a fala), mas também pelo movimento das
mãos e dos dedos. A área de Broca responde pela fala e pelo gesto. 23
Aqui está uma pista vital para a origem da fala. Uma idéia verdadeiramente
extraordinária começou a tomar forma na mente de vários cientistas nos últimos anos.
Eles estão começando a suspeitar de que a linguagem humana foi originalmente
transmitida pelos gestos e não pela fala.
As evidências para este palpite vêm de diferentes direções. Primeiro há o fato de
que macacos e pessoas usam uma parte do cérebro para produzir “chamados” que é
completamente diferente daquela que os seres humanos usam para produzir a
linguagem. O repertório vocal da média dos macacos consiste em várias dezenas de
ruídos diferentes, alguns dos quais expressam emoções, alguns se referindo a
predadores específicos e assim por diante. Todos são dirigidos por uma região do
cérebro que fica perto da linha média. Esta mesma região do cérebro dirige as
exclamações humanas: o grito de terror, o riso de prazer, o arfar de surpresa, a
imprecação involuntária. Alguém pode perder a capacidade de falar por um derrame no
lobo temporal e ainda exclamar fluentemente. Na verdade, alguns afásicos ainda podem
praguejar com prazer, mas descobrem que é impossível movimentar os braços.
O “órgão” da linguagem, por contraste, situa-se no lado (esquerdo) do cérebro,
escarrapachado no grande vale entre os lobos temporal e frontal — a fissura silviana.
Esta é uma região motora, usada nos macacos principalmente para os gestos, para
agarrar e tocar, bem como para os movimentos faciais e da língua. A maioria dos
grandes macacos antropomorfos usa preferencialmente a mão direita quando faz gestos
manuais, e a área de Broca é por conseqüência maior no lado esquerdo do cérebro de
chimpanzés, bonobos e gorilas. 24 Esta assimetria do cérebro — ainda mais acentuada
nos seres humanos — deve portanto ter antedatado a invenção da linguagem. Em vez de
o lado esquerdo do cérebro crescer e acomodar a linguagem, parece lógico que a
linguagem possa ter ido para a esquerda, porque era ali que a mão dominante dos gestos
era controlada. É uma boa teoria, mas não consegue explicar o fato a seguir. As pessoas
que aprendem a linguagem dos sinais quando adultas usam o hemisfério esquerdo; mas
falantes nativos da linguagem dos sinais usam os dois hemisférios. Aparentemente, a
especialização do hemisfério esquerdo para a linguagem é mais pronunciada na fala que
na linguagem de sinais — o oposto do que prevê a teoria dos gestos. 25
Uma terceira pista em favor da primazia da linguagem dos sinais vem da
capacidade humana de expressar a linguagem com o uso das mãos em vez da voz. Em
uma extensão maior ou menor, as pessoas acompanham grande parte de sua fala com
gestos -—- mesmo quando falam ao telefone, e até as que são cegas de nascença.
Antigamente se pensava que a linguagem dos sinais usada por surdos era uma mera
pantomima de gestos que imitam ações. Mas em 1960 William Stokoe percebeu que era
uma linguagem verdadeira: ela usa sinais arbitrariamente e possui uma gramática
interna tão sofisticada quanto a linguagem falada, com sintaxe, inflexão e todo o
equipamento da linguagem. Possui outras características muito semelhantes às línguas
faladas, como ser aprendida melhor durante um período crítico da juventude e adquirida
exatamente da mesma forma construtiva das linguagens faladas. De fato, assim como as
línguas francas podem ser transformadas em línguas crioulas plenamente gramaticais
somente quando aprendidas por uma geração de crianças, o mesmo acontece com a
linguagem de sinais. Como prova final do fato de que a fala é apenas um mecanismo de
elocução para o órgão da linguagem, os surdos podem se tornar manualmente “afásicos”
quando sofrem derrames que afetam as mesmas regiões do cérebro das pessoas com
audição normal.
Agora entra o registro fóssil. A primeira coisa que os ancestrais humanos fizeram
quando se separaram dos ancestrais dos chimpanzés, há mais de 5 milhões de anos, foi
se erguer sobre os pés. A locomoção bípede, acompanhada de uma grande organização
do esqueleto, ocorreu mais de 1 milhão de anos antes que qualquer sinal de aumento do
cérebro. Em outras palavras, nossos ancestrais libertaram suas mãos para pegar e fazer
gestos muito antes que começassem a pensar ou falar de qualquer forma diferente de
qualquer outro antropomorfo. Uma das belezas da teoria dos gestos é que ela sugere
imediatamente que os seres humanos adquiriram a linguagem e outros antropomorfos
não. O bipedalismo libertou as mãos não para carregar coisas mas para falar. Os
membros dianteiros da maioria dos primatas ficam demasiado ocupados sustentando o
corpo para participar de conversas.
Robin Dunbar sugere que a linguagem assumiu o papel que a limpeza coletiva
ocupa na sociedade de macacos — a manutenção e o desenvolvimento de laços sociais.
Na verdade, os macacos antropomorfos provavelmente usam sua ótima destreza manual
quando procuram carrapatos no pêlo uns dos outros e quando coletam frutas. Em
primatas que vivem em grandes grupos sociais, a limpeza é uma atividade que consome
muito tempo. Os babuínos-gelada passam até 20% de seu tempo de vigília cuidando uns
aos outros. As pessoas começaram a viver em grupos tão grandes, afirma Dunbar, que
se tornou necessário inventar uma forma de limpeza coletiva que pudesse ser feita com
várias pessoas de uma vez: a linguagem. Dunbar observa que os seres humanos não
usam a linguagem apenas para comunicar informações úteis; eles a usam principalmente
para fofocas sociais: “Por que diabos tanto tempo é dedicado a tanta discussão sobre tão
pouco?” 26
A idéia de limpeza-fofoca merece outro desvio: se os primeiros proto-humanos a
usar a linguagem começaram a fofocar com gestos manuais, eles teriam
necessariamente negligenciado seus verdadeiros deveres de limpeza. Se você fala com
as mãos, não pode limpar os outros e discutir ao mesmo tempo. Estou tentado a sugerir
que a linguagem gestual trouxe consigo uma crise na higiene pessoal em nossos
ancestrais, resolvida somente quando eles pararam de ser cabeludos e começaram a
vestir as roupas disponíveis. Mas algum crítico irritadiço me acusaria de contar lorotas,
então eu retiro a idéia.
De acordo com as poucas evidências fósseis, a fala, ao contrário da destreza
manual, apareceu tarde na evolução humana. O esqueleto Nariokotome de 1,6 milhão de
anos descoberto em 1984 no Quênia tem em seu pescoço espaço vertebral para apenas
uma fina medula espinhal como a de um macaco antropomorfo: a metade do tamanho
de uma medula humana moderna. As pessoas modernas precisam de uma grande
medula espinhal, para fornecer os muitos nervos para o tórax para o controle da
respiração durante a fala. 27 Outros esqueletos ainda mais antigos do Homo erectus têm
laringes altas como a dos macacos antropomorfos, que podem ser incompatíveis com a
fala elaborada. Os atributos da fala apareceram tão tarde que alguns antropólogos vêm
tentando inferir que a linguagem foi uma invenção recente, aparecendo apenas há
70.000 anos. 28 Mas linguagem não é a mesma coisa que fala: sintaxe, gramática,
recursividade e inflexão podem ser antigas, mas podem ter sido feitas com as mãos e
não com a voz. Talvez a mutação no FOXP2 de menos de 200.000 anos atrás represente
não o momento em que a linguagem em si foi inventada, mas o momento em que a
linguagem pôde ser expressa através da boca, bem como das mãos.
Ao contrário, as características peculiares da mão e do braço humanos aparecem
cedo no registro fóssil. Lucy, a etíope de 3,5 milhões de anos, já era dona de um polegar
longo e articulações alteradas na base dos dedos e no pulso, capacitando-a a pegar
objetos entre o polegar, o indicador e o dedo médio. Ela também tinha um ombro
alterado, permitindo lançar objetos do alto, e sua pélvis ereta lhe permitia um rápido
giro do eixo do corpo. Todas as três características são necessárias para a habilidade
humana de agarrar, mirar e lançar uma pequena pedra — algo que está além da
capacidade de um chimpanzé, cujo lançamento consiste em esforços aleatoriamente
almejados e lançados a partir de baixo. 29 É uma habilidade extraordinária, exigindo
uma cronometragem precisa na rotação de várias articulações e o exato momento do
lançamento. Planejar tal movimento requer mais que um pequeno comitê de neurônios
no cérebro; requer coordenação entre diferentes áreas. Talvez, diz o neurocientista
William Calvin, este “planejador de lançamento” tenha se mostrado adequado à tarefa
de produzir seqüências de gestos ordenados por uma espécie de gramática primitiva.
Isto explicaria o envolvimento dos dois lados da fissura silviana, conectados por uma
linha principal chamada fascículo arcuado. 30
Quer tenha sido o arremesso, a produção de ferramentas ou o próprio gesto que
capacitou as partes peri-silvianas do cérebro a se tornarem acidentalmente pré-adaptadas
para a comunicação simbólica, a mão indubitavelmente fez a sua parte. Como lamenta o
neurologista Frank Wilson, temos negligenciado por tempo demais a mão humana como
um afiador do cérebro humano. William Stokoe, um pioneiro do estudo da linguagem
dos sinais, sugeriu que os gestos manuais representam duas categorias distintas de
palavras: coisas por sua forma, e ações por seu movimento, inventando assim a
distinção entre substantivo e verbo que é tão profundamente entranhada em todas as
línguas. Até hoje, os substantivos são encontrados no lobo temporal e os verbos no
frontal, através da fissura silviana. Foi sua união que transformou a protolinguagem dos
símbolos e sinais em uma verdadeira linguagem gramatical. E talvez tenham sido as
mãos, e não a voz, que as reuniram primeiro. Somente mais tarde, talvez para ser capaz
de se comunicar no escuro, a fala invadiu a gramática. Stokoe morreu em 2000, logo
após concluir um livro sobre a teoria das mãos. 31
Você pode tergiversar com os detalhes históricos, e eu não sou um devoto
intransigente da hipótese da linguagem manual, mas para mim a beleza desta história
está na forma como une a imitação, as mãos e a voz no mesmo quadro. Todas são
características essenciais da capacidade humana de cultura. Imitar, manipular e falar são
três coisas que os seres humanos fazem peculiarmente bem. Elas não são apenas
centrais para a cultura: são a própria cultura. A cultura tem sido chamada de mediação
da ação através de artefatos. Se ópera é cultura, La Traviata é a combinação habilidosa
de imitação, voz e destreza (na preparação e no uso de instrumentos musicais). O que
estas três coisas trouxeram foi um sistema de símbolos, de forma que a mente pudesse
representar em si mesma, no discurso social e na tecnologia, qualquer coisa, da
mecânica quântica à Mona Lisa ou a um automóvel. Mas talvez mais importante, elas
reuniram os pensamentos de outras mentes: a memória externalizada. Elas capacitaram-
nos a adquirir muito mais do ambiente social do que podíamos esperar aprender por nós
mesmos. As palavras, ferramentas e idéias que ocorreram a alguém há muito tempo
podem ser parte da herança de cada indivíduo nascido hoje em dia.
Independente da veracidade ou não da teoria das mãos, o papel central do
simbolismo na expansão do cérebro humano é uma proposição com que muitos podem
concordar. A própria cultura pode ser “herdada” e pode selecionar para a mudança
genética a fim de se adaptar a ela. Nas palavras dos três cientistas mais associados com
esta teoria da co-evolução gene-cultura:
O processo que levou à cultura, agindo por um longo período de história evolutiva humana, podia
facilmente levar a uma remodelação fundamental das disposições psicológicas humanas. 32

O lingüista e psicólogo Terence Deacon afirma que em algum momento os seres


humanos primitivos combinaram sua capacidade de imitar com a de empatizar,
chegando à capacidade de representar idéias com símbolos arbitrários. Isto lhes permitiu
se referir a idéias, pessoas e eventos em sua ausência e assim desenvolver uma cultura
cada vez mais complexa, o que por sua vez os pressionou a desenvolver cérebros cada
vez maiores para “herdar” itens desta cultura por meio do aprendizado social. A cultura
portanto co-evoluiu lado a lado com a evolução genética real. 33
Susan Blackmore chegou a desenvolver a idéia de Richard Dawkins do meme
para inverter este processo a partir de sua origem. Dawkins descreve a evolução como
competição entre “replicadores” (em geral genes) por “veículos” (em geral corpos). Os
bons replicadores devem ter três propriedades: fidelidade, fecundidade e longevidade.
Se as têm, então a competição entre eles, a sobrevivência diferencial e portanto a
seleção natural por aprimoramentos sucessivos não são apenas prováveis — são
inevitáveis. Blackmore afirma que muitas idéias e unidades de cultura são
suficientemente duradouras, fecundas e de alta fidelidade, e que elas portanto competem
para colonizar o espaço cerebral. As palavras e os conceitos proporcionam assim a
pressão seletiva para impulsionar a expansão do cérebro. Os melhores cérebros
copiavam idéias, e o melhor deles levava seu corpo a prosperar.
A linguagem gramatical não é o resultado direto de qualquer necessidade biológica, mas da forma
com os memes mudaram o ambiente de seleção genética aumentando sua própria fidelidade,
fecundidade e longevidade. 34

O antropólogo Lee Cronk deu um bom exemplo de meme. A Nike, a empresa de


calçados, fez um anúncio de televisão mostrando um grupo de tribais da África oriental
calçando botas Nike de caminhada. No final do comercial, um dos homens volta-se para
a câmera e fala algumas palavras. Uma legenda traduzia: “Just do it”, o slogan da Nike.
A Nike não teve sorte, porque o anúncio foi visto por Lee Cronk, que fala o dialeto
samburu dos massais. O que o homem estava dizendo realmente era “Não quero estes.
Me dê calçados grandes”. A esposa de Cronk, jornalista, escreveu o artigo que logo
chegou à primeira página do USA Today e ao monólogo de Johnny Carson no Tonight
Show. A Nike mandou a Cronk um par de botas gratuitamente, que Cronk deu ao
africano quando foi à África.
Era uma brincadeira intercultural cotidiana. Durou uma semana em 1989 e logo
foi esquecida. Mas então, alguns anos depois, a Internet explodiu em um mundo
insuspeito e a história de Cronk logo encontrou seu caminho para algum website. Dali
ela se espalhou, sem a data, como se fosse uma nova história, e Cronk agora passa por
uma saraivada de perguntas por mês por causa disso. A moral da história é que os
memes precisam de um meio para se replicar. A sociedade humana funciona muito bem;
a Internet é ainda melhor. 35
Tão logo os seres humanos tiveram comunicação simbólica, a engrenagem
cumulativa da cultura podia começar a se inverter: mais cultura exigia cérebros maiores;
cérebros maiores permitiam mais cultura.
A GRANDE PARALISAÇÃO

Mas nada aconteceu. Logo depois da época em que o garoto de Nariokotome viveu, há
1,6 milhão de anos, apareceu na terra uma ferramenta magnífica: o machado de mão
acheuliano. Foi sem dúvida inventado por membros da espécie do garoto, os Homo
ergaster de cérebro imenso e sem precedentes, e foi um grande salto para as ferramentas
Olduvai simples e irregulares que o precederam. Com duas faces, simétrica, modelada
como uma lágrima, com gume em todo o contorno, feita de sílex ou quartzo, é um
objeto belo e misterioso. Ninguém sabe com certeza se foi usada para arremessar, cortar
ou raspar. Espalhou-se para o norte da Europa com a diáspora do Homo erectus, a Coca-
Cola da Idade da Pedra, e sua hegemonia tecnológica durou incríveis 1 milhão de anos:
ainda estava em uso apenas meio milhão de anos atrás. Se foi um meme, foi
espetacularmente fiel, fecundo e duradouro. Mas surpreendentemente, durante esse
tempo nem uma das centenas de milhares de pessoas vivas de Sussex à África do Sul
parece ter inventado uma nova versão. Não há engrenagem cultural, nem fermento da
inovação, nem experimento, nem produto rival, nenhuma Pepsi. Há somente um milhão
de anos de monopólio do machado de mão. A Machado de Mão Acheuliano S.A. deve
ter lucrado horrores. Bons tempos aqueles.
As teorias de co-evolução cultural não prevêem isso. Elas exigem uma aceleração
da mudança depois que a tecnologia e a linguagem se reúnem. As criaturas que fizeram
estes machados tinham cérebros grandes o bastante e mãos suficientemente versáteis
para fazer os machados de mão e aprender com os outros como fazê-los, mas não os
usaram para melhorar o produto. Por que esperaram mais de um milhão de anos para de
repente começar a progressão inexorável e exponencial da tecnologia da lança para o
arado, para o motor a vapor e depois para o chip de silício?
Não estou depreciando o machado de mão acheuliano. Experimentos mostram que
é quase impossível melhorá-lo como uma ferramenta para abater grandes caças, exceto
com a invenção do aço. Só podia ser aperfeiçoada pelo uso cuidadoso de “martelos
macios” feitos de ossos. Mas estranhamente, seus produtores parecem ter tido pouco
orgulho de suas ferramentas, fabricando novas para cada caçada. Em pelo menos um
caso, em Boxgrove, em Sussex, onde foram encontrados mais de 250 machados de mão,
parece que eles foram laboriosamente fabricados por pelo menos seis indivíduos destros
no sítio de um cavalo morto, depois descartados nos arredores, quase sem uso: algumas
das lascas quebradas no processo de produção mostraram mais sinais de uso nas caçadas
do que os próprios machados. Nada disso explica por que as pessoas capazes de fazer
uma coisa dessas não fizeram também pontas de lança, pontas de flechas, adagas e
agulhas. 36
A explicação do escritor Marek Kohn é de que os machados de mão não eram
ferramentas realmente práticas, mas o primeiro adorno: ornamentos feitos por machos
para exibir às fêmeas. Kohn afirma que eles mostram todas as marcas da seleção sexual;
são bem mais elaborados e (em particular) simétricos do que exigia sua função. Eram
artisticamente projetados para impressionar o sexo oposto, como o abrigo decorado
feito por um Ptilonorhynchidae, ou a cauda elaborada de um pavão. Os homens estavam
tentando fazer o machado de mão ideal, não o melhor. Pelo menos até muito
recentemente, na arte e no artesanato, afirma Kohn, o virtuosismo, e não a criatividade,
era o epítome da perfeição. As mulheres eram obcecadas por julgar os potenciais
parceiros pelo desenho de seus machados de mão, não por sua inventividade. Vem à
mente a imagem do fabricante do melhor machado de mão em Boxgrove tirando uma
soneca depois de almoçar bife de cavalo para um encontro clandestino nos arbustos com
uma fêmea fértil, enquanto seus amigos pegam desconsoladamente outro pedaço de
sílex e começam a praticar para a oportunidade seguinte. 37
Alguns antropólogos foram além e afirmaram que a própria caça de presas
grandes era sexualmente selecionada. Para muitos caçadores-coletores, era e é uma
forma extraordinariamente ineficiente de conseguir comida, mas os homens dedicavam
muito esforço a ela. Eles parecem mais interessados em se exibir, trazendo a perna de
uma ocasional girafa para seduzir uma mulher para o sexo, do que em encher a
despensa. 38
Sou um fã da teoria da seleção sexual, embora suspeite de que conta apenas uma
parte da história. Mas não resolve o problema da origem da cultura; é só uma nova
versão da co-evolução cérebro-cultura. No máximo, só torna o problema pior. Os
trovadores do paleolítico, cujas senhoras ficavam tão impressionadas com um machado
de mão bem-feito, certamente teriam impressionado mais com uma agulha de marfim de
mamute ou um pente de madeira — algum objeto novo. (Querida, tenho uma surpresa
para você. Ah, amor, outro machado de mão: era justamente o que eu queria.) Os
cérebros estavam crescendo rapidamente, muito antes que o machado de mão
acheuliano, e ele continuou a crescer durante o tempo de seu longo monopólio. Se esta
expansão foi motivada por seleção sexual, então por que os machados de mão mudaram
tão pouco? A verdade é que você pode passar horas olhando para ele e a monotonia
muda do machado de mão acheuliano continua reprovando silenciosamente todas as
teorias de evolução gene-cultura: os cérebros se tornam estavelmente maiores sem
nenhuma ajuda da mudança da tecnologia, porque a tecnologia é estática.
Depois de meio milhão de anos, o progresso tecnológico é estável, mas muito,
muito lento até a Revolução do Paleolítico Superior, às vezes conhecido como o Grande
Salto para a Frente. Por volta de 50.000 anos atrás, na Europa, a pintura, o adorno
corporal, o comércio por longas distâncias, artefatos de argila e ossos, novos e
elaborados objetos em pedra — aparentemente tudo isso apareceu ao mesmo tempo.
Sem dúvida a subitaneidade é em parte ilusória, porque o kit de ferramentas tinha se
desenvolvido gradualmente em algum canto da África antes de se espalhar por toda
parte com a migração ou a conquista. Sally McBrearty e Alison Brooks afirmaram que o
registro fóssil apóia uma revolução muito gradual na África, em etapas, a partir de uns
300.000 anos atrás. Lâminas e pigmentos já estavam em uso na época. Elas situam a
invenção do comércio de longa distância em 130.000 anos, por exemplo, baseando-se
na descoberta de dois sítios na Tanzânia de peças de obsidiana (vidro vulcânico) usadas
para fazer pontas de lança. Esta obsidiana vem do Rift Valley no Quênia, a mais de 300
quilômetros de distância.
A súbita revolução de 50.000 anos atrás no início do Paleolítico Superior é
claramente um mito eurocêntrico, causado pelo fato de que trabalham muito mais
arqueólogos na Europa do que na África. Mas ainda há algo atordoante a ser explicado.
O fato é que os habitantes da Europa foram culturalmente estáticos até então, da mesma
forma que os habitantes da África até 300.000 anos atrás. Sua tecnologia não mostrou
nenhum progresso. Depois daquelas datas, a tecnologia mudou a cada ano. A cultura
tornou-se cumulativa de uma forma que simplesmente não existia antes. A cultura
estava mudando sem esperar que os genes a alcançassem.
Estou diante de uma conclusão severa e bastante estranha, que não acredito que
tenha sido confrontada adequadamente pelos teóricos da cultura e da pré-história. Os
grandes cérebros que tornam as pessoas capazes de um rápido progresso cultural — de
leitura, escrita, tocar violino, aprender sobre o cerco de Tróia, dirigir um carro — surgiu
muito tempo antes que grande parte da cultura se acumulasse. A cultura progressiva e
cumulativa apareceu tão tarde na evolução humana que é pouco provável que tenha
modelado como as pessoas pensam, e muito menos o tamanho de seu cérebro, que já
chegou a seu máximo sem muita ajuda da cultura. A capacidade do cérebro de pensar,
imaginar e raciocinar evoluiu em seu próprio ritmo para resolver os problemas práticos
e sexuais da vida de uma espécie social e não para lidar com as demandas da cultura
transmitida por terceiros. 39
Estou afirmando que muito do que celebramos sobre nossos cérebros nada tem a
ver com a cultura. Nossa inteligência, imaginação, empatia e percepção passaram a
existir gradual e inexoravelmente, mas não com o auxílio da cultura. Elas tornam a
cultura possível, mas não o contrário. Nós, seres humanos, provavelmente seríamos
quase igualmente bons em representar, tramar e planejar mesmo que nunca tivéssemos
pronunciado uma palavra ou modelado uma ferramenta. Se, como afirmaram Nick
Humphrey, Robin Dunbar, Andrew Whiten e outros da “escola maquiavélica”, o
cérebro humano se expandiu para lidar com a complexidade social em grandes grupos
— com a cooperação, traição, fraude e empatia — então ele podia ter feito isso sem
inventar a linguagem ou desenvolver a cultura. 40
Mas a cultura explica o sucesso ecológico dos seres humanos. Sem a capacidade
de acumular e hibridizar idéias, as pessoas nunca teriam inventado a agricultura, ou as
cidades, ou a medicina, ou qualquer uma das coisas que permitem que dominem o
mundo. A chegada simultânea da linguagem e da tecnologia alterou drasticamente o
destino da espécie. Depois que se reuniram, o salto cultural foi inevitável. Devemos
nossa abundância a nosso brilho coletivo, não ao brilho individual.
Embora a origem da cultura cumulativa possa ser inexplicável, o progresso
alimenta a si mesmo depois que tem início. Quanto mais tecnologias houver, mais
alimento podemos conseguir, e mais mentes estas tecnologias podem apoiar e mais
tempo podemos poupar para a invenção, O progresso agora torna-se inevitável, um
conceito que é apoiado pelo fato de que o salto cultural aconteceu paralelamente em
diferentes partes do mundo. A escrita, as cidades, a cerâmica, agricultura, moedas e
muitas outras coisas chegaram juntas, ao mesmo tempo, de forma independente, na
Mesopotâmia, China e México. Depois de 4 bilhões de anos sem cultura letrada, o
mundo de repente teve três em alguns milhares de anos ou menos. Mais até, se, como
parece, o Egito, o Vale do Indo, a África ocidental e o Peru viveram saltos culturais de
forma independente. Robert Wright, cujo brilhante livro Nonzero explora em
profundidade este paradoxo, conclui que a densidade humana teve importância no
destino humano. Depois que os continentes foram povoados, apesar de esparsamente, e
não se podia mais emigrar para territórios vazios, a densidade começou a aumentar na
maior parte das áreas férteis. Com o aumento da densidade veio a possibilidade — aliás,
a inevitabilidade — de divisões crescentes de trabalho e portanto a crescente invenção
técnica. A população torna-se um “cérebro invisível”, fornecendo mercados cada vez
maiores para a engenhosidade individual. E nos lugares em que a população disponível
de repente encolheu — como a Tasmânia, quando foi separada do continente australiano
— o progresso cultural e tecnológico subitamente deu marcha a ré. 41
A densidade em si pode não importar tanto quanto o que ela permite:
a troca. A causa primária deste sucesso na espécie humana, como afirmei em meu livro
The Origins of Virtue (As origens da virtude), foi a invenção do hábito de trocar uma
coisa por outra, o que resultou na divisão de trabalho. 42 Para o economista Haim Ofek,
“não é irracional ver a transição do Paleolítico Superior como uma das primeiras
tentativas humanas muito bem-sucedidas de escapar (como população) da pobreza para
a riqueza através da instituição do comércio e da iniciativa da divisão de trabalho”. 43
Ele afirma que o que foi inventado no início da revolução foi a especialização. Até este
ponto, embora pudesse haver divisão de comida e ferramentas, não havia a atribuição de
diferentes tarefas a diferentes indivíduos, O arqueólogo Ian Tartersll concorda: “A mera
diversidade de produção de material na sociedade [humana do início da era moderna]
foi o resultado da especialização de indivíduos em diferentes atividades.” 44 Será que,
depois da invenção da troca e da divisão de trabalho, o progresso era inevitável?
Certamente há um círculo virtuoso em funcionamento na sociedade de hoje, e ele tem
existido desde a aurora da história, onde quer que a especialização aumente a
produtividade, que por sua vez aumenta a prosperidade, que permite a invenção
tecnológica, que aumenta ainda mais a especialização. Como coloca Robert Wright, “A
história humana envolve participar de jogos ainda mais numerosos, ainda maiores e
ainda mais elaborados cuja soma é diferente de zero”. 45
Uma vez que o ser humano viveu, como outros antropomorfos, em grupos
separados e competitivos, trocando somente fêmeas adolescentes, havia um limite para
o grau de rapidez com que a cultura podia mudar, embora o cérebro humano estivesse
preparado para planejar, cortejar, falar ou pensar, e embora houvesse uma alta
densidade populacional. Novas idéias tinham de ser inventadas em casa; elas não
podiam ser trazidas. As invenções bem-sucedidas podiam ajudar seus proprietários a
deslocar tribos rivais e dominar o mundo. Mas a inovação chegou lentamente. Com a
chegada do comércio — a troca de artefatos, alimento e informação, inicialmente entre
indivíduos e mais tarde entre grupos — tudo isso mudou. Agora uma boa ferramenta ou
um bom mito podiam viajar, podiam encontrar outra ferramenta ou mito e podiam
começar a competir pelo direito de ser replicados pelo comércio: em resumo, a cultura
podia evoluir.
A troca desempenha na evolução cultural o mesmo papel que o sexo desempenha
na evolução biológica. O sexo reúne inovações genéticas feitas em corpos diferentes; o
comércio reúne inovações culturais feitas em tribos diferentes. Assim como o sexo
permite que os mamíferos combinem duas boas invenções — a lactação e a placenta —,
o comércio permitiu que os povos primitivos combinassem arrastar animais com as
rodas para obter um efeito melhor. Sem a troca, os dois continuariam separados. Os
economistas têm afirmado que o comércio é uma invenção recente, facilitada pela
alfabetização, mas todas as evidências sugerem que é muito mais antigo. Os aborígines
yir yoronts, vivendo na península do Cabo York, trocavam nadadeiras de arraia-lixa da
costa por machados de pedra das colinas por meio de uma rede elaborada de contatos
comerciais muito antes da alfabetização. 46

GENES QUE FAVORECEM A CULTURA

Todos estes argumentos apóiam a conclusão de que a evolução progressiva da cultura,


desde a revolução do Paleolítico Superior, aconteceu sem que a mente humana se
alterasse. A cultura parece ser a carroça, não o cavalo; a conseqüência, e não a causa, de
alguma mudança na cérebro humano. Boas estava certo em afirmar que você pode
inventar toda e qualquer cultura com o mesmo cérebro humano. A diferença entre mim
e um de meus ancestrais africanos de 100.000 anos atrás não está em nossos cérebros ou
nossos genes, que são basicamente os mesmos, mas no conhecimento acumulado que
foi possível graças à arte, à literatura e à tecnologia. Meu cérebro é cheio de tais
informações, enquanto seu cérebro maior era igualmente cheio, mas de um
conhecimento muito mais local e efêmero. Os genes para a aquisição da cultura existem;
mas ele os tinha também.
Assim, o que foi que mudou nos 200.000-300.000 anos atrás para permitir que o
ser humano realizasse o enorme salto cultural desta maneira? Deve ter sido uma
mudança genética, no sentido comum de que o cérebro é construído por genes e algo
deve ter mudado na construção do cérebro. Duvido de que fosse apenas uma questão de
tamanho: uma mutação no gene ASPM, permitindo mais 20% de massa cinzenta. É
mais provável que tenha sido alguma mudança na formação da rede neural que de
repente permitiu o pensamento abstrato ou simbólico. É tentador acreditar que tenha
sido o FOXP2, que, por reequipar o órgão da linguagem, de certa forma começou a
máquina da troca. Mas parece uma sorte muito grande da ciência ter topado com o gene
principal tão cedo em sua pesquisa, então eu duvido de que o FOXP2 seja a resposta.
Acho que as mudanças aconteceram em um pequeno número de genes, simplesmente
porque o salto é súbito demais, e dentro em breve a ciência saberá que genes são estes.
Quaisquer que sejam as mudanças, elas permitiram que a mente humana fizesse
muito mais inovações do que antes. Não somos selecionados para fazer pequenos
ajustes proféticos em um volante enquanto andamos a 120 quilômetros por hora, ou
para ler símbolos manuscritos num papel, ou para imaginar números negativos. Mas
todos podemos fazer estas coisas com facilidade. Por quê? Porque algum conjunto de
genes permite que nos adaptemos. Os genes são dentes de engrenagem da máquina, não
deuses no céu. Ativando e desativando a vida, por eventos externos bem como pelos
internos, sua tarefa é absorver informação do ambiente com a mesma freqüência com
que a transmite do passado. Os genes fazem mais do que portar informação; eles reagem
à experiência. É hora de reavaliar o verdadeiro significado da palavra “gene”.

O SEXO E A UTOPIA

Se a natureza humana não se altera quando a cultura muda — o principal insight de


Boas, provado pela arqueologia — então o contrário também é verdadeiro: a mudança
cultural não altera a natureza humana (pelo menos não muito). Este fato atormentou os
utópicos. Uma das idéias mais persistentes nas utopias é a abolição do individualismo
em uma comunidade que compartilha tudo. Na verdade, é quase impossível imaginar
uma cultura sem o ingrediente do comunalismo. A esperança de que a experiência de
uma cultura comunal possa mudar o comportamento humano floresce com especial
vigor a cada poucos séculos. De sonhadores como Henri de Saint-Simon e Charles
Fourier a empresários práticos como John Humphrey Noyes e Bhagwan Shree
Rajneesh, os gurus têm repetidamente pregado a abolição da autonomia individual. Os
essênios, cátaros, lolardos, hussitas, quacres, shakers e hippies tentaram, para não falar
de uma miríade de seitas pequenas demais para ter nomes memoráveis. E o resultado é
idêntico: o comunalismo não funciona. Repetidamente, em relatos destas comunidades,
o que as derruba não é a desaprovação da sociedade em torno delas — embora esta seja
bastante forte — mas a tensão interna causada pelo individualismo .47
Em geral, esta tensão se desenvolve primeiramente sobre o sexo. Aparentemente é
impossível condicionar o ser humano a gostar do amor livre e abolir seu desejo de ser
ao mesmo tempo seletivo e possessivo em relação a seus parceiros. Você não pode
sequer enfraquecer este ciúme criando uma nova geração em uma cultura
compartilhada: o individualismo ciumento realmente piora nas crianças da comuna.
Algumas seitas sobrevivem abolindo o sexo — os essênios e os shakers eram
estritamente celibatários. Isto, contudo, leva à extinção. Outras fazem o possível para
tentar reinventar a prática sexual. A comunidade Oneida de John Noyes, no interior do
estado de Nova York do século XIX, praticava o que ele chamava de “casamento
complexo”, em que os velhos faziam amor com mulheres jovens e as mulheres velhas
com homens jovens, mas a ejaculação era proibida. Em seu ashram Poona, Rajneesh
inicialmente parecia ter adotado satisfatoriamente o amor livre. “Não é exagero dizer
que temos uma festa de f***, cujas predileções provavelmente não eram vistas desde os
tempos dos bacanais de Roma”, vangloriou-se um participante. 48 Mas o ashram Poona,
e o rancho Oregon que se seguiu, logo foi dividido por ciúmes e rixas, não menos sobre
quem ia dormir com quem. O experimento terminou, 93 Rolls-Royces depois, com uma
tentativa de homicídio, envenenamento em massa de comida para deturpar uma eleição
local e fraudes de imigração.
Há limites para o poder da cultura de mudar o comportamento humano.

CAPÍTULO NOVE

Os Sete Significados de “Gene”

Um erudito é apenas a maneira de uma biblioteca fazer outra biblioteca.

Daniel Dennett 1

Já é bastante ruim ser eclipsado à beira da fama eterna por um concorrente, mas imagine
como é pior saber que seu concorrente estava morto há mais de uma década e viveu toda
a sua vida na completa obscuridade em um mosteiro. Não surpreende que Hugo De
Vries pareça tão infeliz em minha fotografia. Em 1900 ele publicou uma teoria radical,
que achava que merecia o tipo de aclamação dada a John Dalton e que estava prestes a
ser dada a Max Plank. Onde Dalton tinha sugerido que a matéria é composta de átomos,
e Plank diria que a luz surge em feixes, De Vries também tinha apresentado uma teoria
quântica — de que a herança vem em partículas: “Os caracteres específicos dos
organismos são compostos de unidades separadas.” 2 Deduziu isto por uma série de
experimentos brilhantes, hibridizando variedades de plantas, e chegou a uma verdade
que levaria um século para ser demonstrada. Ele especulou que as partículas da
hereditariedade, que chamou de “pangenes”, não obedecem à barreira entre espécies, de
forma que um pangene para a pilosidade em uma planta também era responsável pela
pilosidade em outra espécie de flor pilosa.
De Vries, em outras palavras, certamente merecia ser conhecido como o pai do
gene. Mas logo depois de publicar seu relato triunfante, no jornal francês Comtes
Rendus de l’Académie de Sciences, ele foi atormentado por um alemão de nome Karl
Correns, um homem moderado que foi levado a uma fúria pouco característica pelo
artigo de De Vries. Correns tinha sido derrotado por um resultado científico de De Vries
antes e estava decidido a se vingar. Correns acidamente assinalou que, embora os
experimentos de De Vries fossem realmente dele, sua conclusão da herança particulada
foi tomada de empréstimo, não apenas em suas linhas gerais, mas em detalhes, do
trabalho de um monge da Morávia morto há muito tempo de nome Gregor Mendel,
descendo até aos termos que De Vries usava: recessivo e dominante, por exemplo.
Sabendo que tinha sido vencido, De Vries concordou em reconhecer, com
relutância, a prioridade a Mendel em uma nota de rodapé à versão alemã de seu artigo, e
conformou-se infeliz ao papel de ter tornado a descobrir as leis da hereditariedade. Pior,
teve de compartilhar até seu pequeno crédito com dois outros homens: não só Correns,
mas também um jovem penetra chamado Erich von Tschermark, que era bom em
apenas duas coisas — convencer o mundo da evidência inconsistente de que ele também
tinha redescoberto as leis de Mendel, e (muito mais tarde) aplicar seus talentos a serviço
do nazismo. Para De Vries, que tinha a si mesmo em alta conta, este foi um remédio
amargo; ao fim de seus dias, olhava para a deificação de Mendel com desgosto.
“Provavelmente esta moda vai passar”, asseverou, recusando um convite para desvelar
uma escultura do monge. O problema era que poucas pessoas se entusiasmavam com
De Vries. Rabugento, altivo, irascível e tão misógino que corria o boato de que cuspia
no prato cultural de suas assistentes, De Vries estava fadado a ver até sua terminologia
eclipsada pela dos outros. Em 1909, o pangene tornou-se o “gene”, uma palavra
cunhada por Wilhelm Johannsen, um professor da Dinamarca. 3
Será que De Vries era um plagiador? Provavelmente ele descobriu as leis de
Mendel através de seus próprios experimentos, antes de tomar conhecimento do
trabalho de Mendel na biblioteca; sua súbita mudança de terminologia no final da
década de 1890 é muito sugestiva. Neste sentido, ele fez uma grande descoberta.
Também é provável que ele pensasse que podia escapar sem citar a prioridade de
Mendel. Afinal, quem se divertia com a leitura de volumes de quarenta anos de idade
das atas da Sociedade de História Natural? Neste sentido, De Vries era uma fraude. Mas
não surpreende que um cientista enterre seus ancestrais, reduzindo mais ou menos
inconscientemente a importância dos insights de seus predecessores, temendo que eles
diminuam sua própria inovação. Até Darwin era propenso, de sua maneira
despretensiosa, a evitar mencionar as contribuições dos outros em suas idéias,
especialmente as de seu próprio avô. Ironicamente, o próprio Mendel pode ter tomado
emprestado pelo menos parte de sua idéia principal. Ele não mencionou o artigo do
horticulturista inglês Thomas Knight, de 1799, mostrando que a facilidade de se
conseguir a polinização artificial de diferentes variedades de ervilha podia sugerir o
mecanismo de hereditariedade, até o reaparecimento de caracteres na segunda geração.
O artigo de Knight, traduzido para o alemão, estava na biblioteca universitária em
Brünn. 4
Assim, sem que Mendel, o gênio insubstituível do gene, seja prejudicado de
alguma maneira, vamos dar também a De Vries seu momento de glória. Deixemos que
seu conceito de pangenes, as partes intercambiáveis da hereditariedade, sejam únicos
por um momento. Assim como os diferentes elementos são feitos de diferentes
combinações das mesmas partículas — nêutrons, prótons e elétrons — o mundo agora
sabe, como há vinte anos, que as espécies diferentes são pelo menos em parte
provenientes de diferentes combinações de genes muito parecidos.

UM GENE COM OUTRO NOME QUALQUER

Durante o século XX, os geneticistas usavam pelo menos três definições do que é o
gene. A primeira era a de Mendel: um gene é uma unidade da hereditariedade, um
arquivo para a armazenagem da informação evolutiva. A descoberta da estrutura do
DNA em 1953 imediatamente tornou literal a metáfora de Mendel, por sugerir como os
genes podem fazer genes. Como James Watson e Francis Crick anunciaram com uma
certa malícia na Nature, “Não nos escapou que o pareamento específico que postulamos
sugere imediatamente um possível mecanismo de cópia para o material genético”. 5
Apenas por seguir a regra do pareamento de bases, em que A deve parear com T (e não
C, G ou A), e C deve parear com G (e não com C, T ou A), cada molécula de DNA em
dois estágios produz automaticamente uma cópia digital exata de sua seqüência única.
Ela precisa de uma máquina para fazer a cópia, chamada DNA polimerase, mas como o
sistema é digital, não perde precisão, e porque o sistema é falível, permite a mudança
evolutiva. O gene mendeliano é um arquivo.
Uma segunda definição da palavra gene, ressuscitada apenas recentemente, é a
parte intercambiável de De Vries. A surpresa atordoante da leitura do genoma na década
de 1990 é que o ser humano tem muito mais genes em comum com a mosca e o verme
que qualquer pessoa esperava. Revelou-se que os genes para traçar o plano de corpo da
mosca-da-fruta tem contrapartes exatas no camundongo e no homem, tudo herdado de
um ancestral comum chamado verme arredondado-achatado que viveu 600 milhões de
anos atrás. Eles são tão semelhantes que a versão humana de um destes genes pode
substituir a contraparte da mosca no desenvolvimento da mosca-da-fruta. Ainda mais
surpreendente foi a descoberta de que os genes que as moscas usam para aprender e
memorizar são também duplicados nas pessoas — e também presumivelmente herdados
de verme arredondado-achatado. É só um pouco exagerado dizer que os genes nos
animais e plantas são meio como átomos: partes padronizadas usadas em diferentes
combinações para produzir diferentes compostos. O gene de De Vries é uma parte
intercambiável.
Uma terceira definição do gene começa em 1902 com um contemporâneo de De
Vries, o médico inglês Archibald Garrod, que identificou com muita engenhosidade a
primeira doença produzida por um só gene, uma obscura doença chamada alcaptonúria.
Dela descende toda a definição demasiado comum de genes que causam doenças
quando defeituosos, a definição de “um gene uma doença”. É enganadora de duas
maneiras: não menciona que um gene mutado pode ser associado a muitas doenças, e
uma doença a muitos genes mutados; e implica que a função do gene é evitar a doença.
É o mesmo que dizer que a função do coração é evitar ataques cardíacos. Além disso,
dado que a maior parte da pesquisa genética é impulsionada por necessidade médica, as
definições “um gene uma doença” provavelmente são inevitáveis. O gene de Garrod é
um preventivo de doença, um doador de saúde.
Uma quarta definição de um gene é a que é feita atualmente. Desde os primórdios
da pesquisa os pioneiros do DNA perceberam que os genes tinham duas tarefas: copiar a
si mesmos e se expressar através da construção de proteínas. Garrod sugeriu que os
genes fazem enzimas: são catalisadores químicos. Linus Pauling ampliou a definição: os
genes fazem proteínas de todos os tipos. Então, quatro meses antes da descoberta da
dupla hélice, James Watson sugeriu que o DNA faz RNA, que faz proteína, um conceito
mais tarde elegantemente batizado por Francis Crick de “dogma central” da biologia
molecular. A informação flui do gene e não de volta para ele, como a informação flui do
cozinheiro para o bolo e não o contrário. Embora muitos detalhes — splicing
alternativo, DNA lixo, fatores de transcrição, e mais recentemente uma fartura de novos
genes que fazem RNA mas não proteínas, muitos dos quais parecem estar intimamente
envolvidos na regulação da expressão dos genes que codificam proteínas — tenham
complicado o quadro padrão do gene metabólico, o dogma central ainda subsiste. Com
muito poucas exceções, a proteína faz o trabalho, o DNA armazena a informação e o
RNA é a ligação entre os dois, como suspeitou Watson. Então o gene de Watson-Crick
é uma receita.
Uma quinta definição do gene, que pode ser creditada a dois franceses, François
Jacob e Jacques Monod, é o gene como um comutador, e portanto como unidade de
desenvolvimento. O que Jacob e Monod fizeram na década de 1950 foi descobrir como
uma bactéria em uma solução de lactose de repente começa a produzir a enzima que
permite a digestão de lactose, e depois pára de sintetizá-la quando já produziu o
bastante. O gene é desativado por uma proteína repressora, e o repressor é desativado
pela lactose. Jacob e Monod tinham suspeitado de que alguma coisa assim devia
acontecer, espalhando a idéia então surpreendente de que os genes eram ativados e
desativados pela ligação de proteínas a seqüências especiais perto daqueles genes; que,
em outras palavras, os genes vêm com comutadores de DNA. Agora conhecidos como
promotores e enhancers, estes comutadores são a chave para o desenvolvimento de um
corpo a partir de um embrião. Muitos genes requerem vários ativadores para ligar a seus
promotores; os ativadores podem funcionar em diferentes combinações; e alguns genes
podem ser ativados por conjuntos diferentes de ativadores. O resultado é que
exatamente o mesmo gene pode ser usado em diferentes espécies ou em diferentes
partes do corpo para produzir efeitos completamente diferentes, dependendo de que
outros genes também estão ativos. Há um gene chamado sonic hedgehog, por exemplo,
que em um contexto transforma células adjacentes em neurônios; em outro contexto
induz células adjacentes a começar a se desenvolver em membros. Este é um motivo
para que seja arriscado falar de um “gene para’ alguma coisa: muitos genes têm funções
múltiplas.
Subitamente aqui está uma forma muito diferente de ver os genes:
como um conjunto de comutadores do desenvolvimento. Todos os tecidos carregam o
conjunto completo de genes, mas eles são ativados em diferentes combinações em
diferentes tecidos. Agora esqueça a seqüência do gene. O que conta é onde e como o
gene é expresso. Agora é assim que muitos biólogos pensam nos genes. Construir um
corpo humano significa colocar uma série de comutadores na ordem correta,
comutadores que levam ao crescimento e à diferenciação do corpo. E apenas para tornar
as coisas interessantes, as máquinas que ordenam os comutadores — os fatores de
transcrição — são elas mesmas produtos de outros genes. O gene de Jacob-Monod é um
comutador. 6

GENES COM PERSONALIDADE

Mas, para dizer a verdade, havia legiões de cientistas que apenas estavam usando a
palavra gene desde que foi cunhada em 1909 sem que realmente significasse qualquer
um destes cinco conceitos. Para eles, o gene não era a unidade da hereditariedade,
evolução, doença, desenvolvimento ou metabolismo, era a vítima da seleção. Foi
Ronald Fisher que primeiro esclareceu que a evolução era pouco mais que a
sobrevivência diferencial dos genes. E foram George Williams e William Hamilton,
junto com seus defensores Richard Dawkins e Edward Wilson, que finalmente falaram
das plenas e sensacionais implicações desta idéia. Os corpos, disse Dawkins, eram
veículos temporários construídos para a replicação de genes, primorosamente projetados
pelos genes para crescer, se alimentar, prosperar e morrer — mas sobretudo para
empenhar-se na reprodução. Os corpos eram a forma como os genes faziam novos
corpos. Esta visão do organismo “a partir do gene” foi uma mudança filosófica
repentina.
Por exemplo, ela explica imediatamente uma coisa que Aristóteles, Descartes,
Rousseau e Hume não perceberam que precisava de explicação: por que as pessoas são
boas com seus filhos (ou, no caso de Rousseau, não são). As pessoas geralmente são
mais generosas com seus próprios filhos do que com outros adultos, outras crianças e
até consigo mesmas. Um ou dois antropólogos do século XX tinham explicado isto com
elegância em termos puramente egoístas — você é bom com seus filhos na esperança de
que eles sejam bons com você na velhice —, mas aqui, de Williams a Hamilton, estava
uma explicação genuína que não excluía o altruísmo dos pais. Você é bom com seus
filhos porque você descende de pessoas que foram boas com seus filhos, e foram
portanto mais eficientes em capacitá-los para sobreviver para procriar. Eles puderam
fazer isto porque há genes em seus cromossomos que constroem corpos de tal forma
que, em um determinado ambiente, eles produzem confiavelmente o comportamento em
um adulto que leva à reprodução e ao cuidado com os filhos. A generosidade podia estar
nos genes.
Aqui está uma definição da palavra gene que não é nem uma unidade da
hereditariedade, nem uma unidade do metabolismo, nem uma unidade do
desenvolvimento, mas uma unidade da seleção. Para este fim, não importa muito de que
este “gene” é feito. Pode ser um par de genes reais, ou um vinte deles. Pode ser uma
série de genes agindo em seqüência. Pode ser uma rede de genes, regulada por uma
abundância de RNA. O que importa é que produz confiavelmente um determinado
efeito. Como diabos ele faz isso? Como pode haver um gene que diz, “Cuide de sua
prole!” na linguagem do DNA? E se este gene existe, como pode cuidar de si mesmo?
Todo o conceito — mais conhecido pela expressão de Richard Dawkins, “gene egoísta”
— pareceu quase mágico a muitas pessoas. Tão acostumadas estavam elas a pensar
teleologicamente que não conseguiram imaginar um gene se comportando
egoisticamente, a menos que tivesse a meta do egoísmo em mente. Os genes, afirmou
um crítico, são apenas receitas de proteínas; eles “não podem ser egoístas ou altruístas,
mais que os átomos podem ser ciumentos, elefantes abstratos ou biscoitos teleológicos”.
7
Mas esta foi simplesmente uma má incompreensão de Dawkins. Para os
sociobiólogos, como passaram a ser chamados, a questão era que a seleção natural podia
levar os genes a agir exatamente como se guiados por metas egoístas: era uma analogia,
mas uma analogia extraordinariamente útil. Aqueles cujos genes os levaram, ainda que
indiretamente, a serem bons com seus filhos deixam mais descendentes que os que não
o fizeram.
Agora é muito fácil formar uma ligação do gene de Watson-Crick com o gene de
Dawkins em casos reais. Aqui está um, um gene na extremidade norte do cromossomo
Y, chamado SRY. É um gene minúsculo, com apenas 612 letras em um só exon
(parágrafo) de texto — o máximo de simplicidade que um gene pode ter. Como unidade
de metabolismo de Watson-Crick, ele é traduzido em uma proteína de 204 aminoácidos
chamada fator de determinação do testículo. Como unidade de desenvolvimento de
Jacob-Monod, ele é ativado em partes do cérebro e apenas em outro tecido — os
testículos — por algumas horas, em geral no 11º dia depois da concepção (em
camundongos). Como pangene intercambiável de De Vries, ele é encontrado
praticamente da mesma forma em seres humanos e em camundongos, e em todos os
mamíferos, onde tem uma função semelhante — a masculinização do corpo. Como
unidade de doença de Garrod, ele é associado com várias formas de anormalidade
sexual, mais notavelmente pessoas com corpos femininos normais que possuem um
cromossomo Y, mas carecem de uma versão funcional deste gene, ou camundongos
com corpos masculinos normais que não têm o cromossomo Y, mas têm uma versão
funcional deste gene inserida neles por biólogos trapaceiros. Falando amplamente, tudo
de que um mamífero embrionário precisa para se tornar macho é carecer de uma versão
funcional do mesmo gene.
Para os leitores que gostam de saber como funcionam os motores de carros, o
SRY provavelmente realiza sua proeza de masculinização por uma ação muito simples:
ele ativa outro gene chamado SOX9. É tudo o que ele faz. Geneticamente, os seres
humanos machos ocasionalmente nascem com um de seus dois genes SOX9 não
funcionais, e a maioria deles desenvolve-se como mulher com um distúrbio esquelético
de nome displasia campomélica. O SRY parece ser o capitão do barco, ordenando
casualmente que o SOX9 leve o navio ao porto antes de se retirar para seu beliche. O
SOX9 faz todo o trabalho, ativando e desativando todo tipo de genes não só nos
testículos, mas também no cérebro — genes como o Lhx9, Wtl, Sf1, Dax1, Gata4,
Dmrtl, Amh, Wnt4 e Dhh. 8 Estes genes, por sua vez, ativam e desativam a produção de
hormônios, que alteram o desenvolvimento do corpo, o que por sua vez afeta a
expressão de outros genes. Muitos podem se mostrar sensíveis à experiência externa,
reagindo à dieta, ao ambiente social, ao aprendizado e à cultura, refratando o
desenvolvimento da masculinidade da pessoa. Mas ainda é verdade que, dada uma
criação tipicamente de classe média, todos os vastos detalhes da masculinidade,
expressos no ambiente moderno — de testículos à ousadia e à tendência a ficar no sofá
bebendo e zapeando com o controle remoto — partem de um único gene, o SRY.
Certamente não é absurdo chamá-lo de gene “para” a masculinidade.
Então você pode ver facilmente o SRY como um arquivo, uma receita, uma parte
intercambiável ou um doador de saúde da masculinidade — dependendo de qual das
cinco definições do século XX você prefere. Com a mesma facilidade, pode-se vê-lo
como uma unidade de seleção, um gene egoísta de Dawkins. Eis como. Um de seus
efeitos, inseparável da masculinidade, é uma probabilidade maior de que seu corpo
venha a assumir riscos, comporte-se violentamente e morra jovem. Assim que a
testosterona da masculinidade começa a agir no final da adolescência, a mortalidade
prematura dos homens aumenta inexoravelmente devido a muitos fatores: homicídio,
suicídio, acidentes e doença cardíaca. Isto é válido nas sociedades ocidentais — na
verdade, o abismo entre a mortalidade de homens e mulheres está aumentando. Das
principais causas de morre, somente o Alzheimer mata mais mulheres que homens. Mas
isto não é uma aberração da vida moderna; em algumas tribos amazônicas, mais da
metade dos homens é assassinada. A taxa média de morte violenta entre homens era
mais alta em sociedades caçadoras-coletoras do que na Alemanha arrasada pela guerra
no século XX. 9
Estes riscos fazem parte da bagagem do homem. Assumir riscos está na essência
masculina — embora possa ser temperado pela cultura, variado pela individualidade e
atenuado pela tecnologia. A seleção natural fora de moda de Darwin — a sobrevivência
dos indivíduos mais aptos — luta para explicar este fato. Um gene cuja conseqüência
seja uma mortalidade maior deve estar destinado à rápida extinção. O motivo não é
muito óbvio. Covardes avessos ao risco podem viver muito, mas não têm mais filhos. A
melhor maneira de se reproduzir, se você é homem, é assumir poucos riscos, empurrar
alguns outros homens para fora do caminho e impressionar algumas mulheres. Se você
tem sorte e nasceu na classe média da Califórnia, pode fazer tudo isso sem muita
probabilidade de morrer — pode deixar alguns egos feridos e derrubar algumas defesas,
mas provavelmente sobreviverá. Se você tem menos sorte e nasceu filho de um
guerreiro yanomâmi, então a melhor coisa a fazer para conseguir a imortalidade
genética é matar para não ser morto. Nessa sociedade, os homens que mataram outros
homens têm mais parceiras sexuais do que a média. 10 Seja o que for, não há dúvida de
que ser homem é ruim para a sobrevivência, e portanto não passa no teste da seleção
natural. A forma racional de resolver este dilema é ver o gene SRY através dos efeitos
colaterais de masculinização do corpo e do cérebro, cuidando de sua replicação em
gerações futuras à custa da sobrevivência do corpo que está ocupando.
Isto é seleção sexual, outra teoria muito negligenciada de Darwin, que insta não à
sobrevivência do mais apto, mas à reprodução do mais apto. Darwin considerava-a tão
importante quanto a seleção natural, talvez mais ainda no caso dos seres humanos, mas
a seleção sexual passou a maior parte do século XX no exílio científico. Em sua forma
atual, refinada por pessoas como Amotz Zahavi e Geoffrey Miller, a teoria da seleção
sexual sugere que o ato de assumir riscos de muitos machos animais é uma manobra
inconsciente dos genes das fêmeas para expor os genes dos machos à prova de fogo, de
forma que ela possa se assegurar de selecionar os melhores genes para sua
descendência. (Em algumas espécies acontece o contrário.) Mesmo que ela observe
passivamente os machos lutando por ela, como fazem as focas e gorilas, ela, ao acasalar
com o vencedor, automaticamente seleciona os genes da luta para as gerações futuras.
Esta seleção sexual pode reproduzir qualquer tipo de macho, de um valentão selvagem a
um almofadinha imprestável ou um macho gentil e cuidadoso, e pode agir sobre a fêmea
também, se exercitada pelo macho. Em espécies socialmente monogâmicas como os
papagaios, os dois sexos têm cores brilhantes para impressionar um ao outro. Na espécie
humana, comparada a outros antropomorfos, há claramente algum grau de seleção
masculina por exibir juventude, saúde, beleza e fidelidade entre as fêmeas, enquanto há
alguma seleção feminina por exibir dominância, saúde, força e fidelidade entre os
machos.
Uma pavoa que escolhe o macho com a cauda maior e mais ornamental está
garantindo inconscientemente que o próprio fato de desenvolver uma cauda
extravagante é um teste que revelará a qualidade dos genes do macho. Quanto mais
fêmeas expressam esta preferência, mais machos herdarão a capacidade de desenvolver
as maiores caudas que puderem. Colocando isto em termos empresariais, os genes do
pavão não podem se contentar em produzir um bom corpo; eles devem divulgá-lo.
Como uma empresa de pasta de dentes, eles têm de investir muito no orçamento de
publicidade: a cauda. Como um orçamento de publicidade, a cauda parece um luxo
dispendioso, mas é essencial. Tais ornamentos e rituais são, como os slogans
publicitários, sinais que tentam ser fraudulentos (será que fazer uma boa pasta de dentes
realmente melhora sua confiança?), mas ajuda as fêmeas a discriminar honestamente a
qualidade genética que está em oferta no mercado do acasalamento
Então Miller afirma que não é coincidência que muitos talentos humanos — de
contar histórias à arte, de discos de jazz à coragem nos esportes e à generosidade e ao
assassinato — tendem a ser exibidos com maior vigor por homens jovens na época da
seleção de parceiros. Miller assinala que os seres humanos dedicam quantidades
ridículas de tempo a práticas culturais que só raras vezes podem melhorar a
sobrevivência: arte, dança, contar histórias, humor, música, mitos, ritual, religião,
ideologia. Todavia tudo isso faz sentido porque aumenta o sucesso reprodutivo, a
sobrevivência genética, e não a individual. 11
Serão os genes unidades do instinto? O conceito percorreu um longo caminho
desde as partículas da hereditariedade de Mendel. A confusão entre muitas concepções
diferentes do gene tem atormentado o debate natureza-criação. Você não encontrará
“divulgar a qualidade masculina para as fêmeas” escrito no gene SRY, como não
encontrará “divulgar a riqueza do macho” escrito no manual de instruções de uma
Ferrari, mas isso não significa que não possa ser uma interpretação valida da função de
cada uma destas coisas. As Ferraris podem ser exemplos primorosos de engenharia, ao
mesmo tempo que podem ser ornamentos sexuais, e o mesmo é válido para os genes.

ENTRA A POLÍTICA

O conceito abstrato do gene de Dawkins como unidade do instinto chegou às manchetes


pela primeira vez no volumoso livro de Edward O. Wilson sobre o comportamento
social animal, Sociobiology. Wilson, em Harvard, era um especialista na ecologia das
formigas e ficou impressionado, como todos os entomologistas ficaram depois, com a
complexidade do instinto. Sem nenhuma oportunidade de aprender, os insetos se
comportam com sofisticação e sutileza, mas de uma forma característica para cada
espécie. O aspecto mais surpreendente do comportamento das formigas é o modo como
delegam a reprodução a uma rainha. A maioria das formigas, como operárias, nunca
procria. Este fato desconcertou Darwin e também Wilson, porque parecia representar
uma exceção à regra de que os animais se esforçam para reproduzir. Um dia, em 1965,
Wilson pegou um trem de Boston a Miami, porque prometera a sua esposa que não
andaria de avião enquanto sua filha fosse nova. Preso no trem por 18 horas, ele se
voltou para um novo artigo científico de um obscuro e jovem zoólogo britânico
chamado William Hamilton. Hamilton afirmara que o motivo pelo qual muitas
formigas, marimbondos e abelhas são sociais era uma peculiaridade de sua genética
“haplodiplóide”, que deixava as operárias mais relacionadas com suas irmãs do que com
suas filhas. Assim, em termos de gene egoísta, vale mais a pena para elas criar a prole
da rainha do que a própria. O objetivo de Hamilton era maior do que explicar as
formigas — era atrair a atenção para o grau de precisão com que o cálculo genético
explica toda a cooperação entre parentes, e para o fato de que o grau de cooperação
instintiva era fortemente relacionado com o grau de parentesco. Em outras palavras, as
pessoas são instintivamente boas com seus filhos porque seus genes as fazem desta
maneira, e seus genes as fazem desta forma porque os genes que assim agem
sobrevivem — através dos filhos — à custa dos genes que não agem desta forma.
Wilson em princípio achou o artigo ingênuo e tolo, e o deixou de lado depois de
uma lida rápida, mas não o havia compreendido claramente. No momento em que o
trem estava passando por Nova Jersey, ele estava relendo o artigo com mais cuidado.
Em Virginia ele estava frustrado e irritado com a presunção de Hamilton. No norte da
Flórida, Wilson começou a fraquejar. Quando chegou a Miami, Wilson era um
convertido. 12
A teoria de Hamilton — baseada nas idéias do discreto americano George
Williams — caiu na vida de muitos zoólogos como um mapa no colo de um explorador
perdido. De repente eles tinham um critério pelo qual julgar uma explicação de um
comportamento animal: será que favorecia a propagação dos genes de seu possuidor?
Richard Dawkins explorou e ampliou as implicações da idéia em seu belo livro The
Selfish Gene (O gene egoísta), mas, ao contrário de Wilson, ele se prendeu aos animais,
Os seres humanos, disse Dawkins, eram exceções à regra, porque seu cérebro
consciente lhes permitia ignorar os ditames de seus genes egoístas.
Wilson não teve estes escrúpulos. No último capítulo de Sociobiology, começou a
especular sobre como o comportamento humano também podia ser o produto dos planos
de genes. Seria a homossexualidade uma forma de nepotismo, induzida geneticamente
para permitir que “tios” sem filhos auxiliassem na criação cooperativa? Será que ética
requer uma compreensão evolutiva? Poderiam “as ciências sociais estreitar-se a ramos
especializados da biologia? 13 Wilson especulou “no livre espírito da história natural”,
mas às vezes ele escorregava na linguagem evangélica dos pregadores batistas do
Alabama de sua juventude. Na medida em que tinha uma agenda oculta, ele foi
motivado mais pelo desejo de puxar o rabo da religião do que lutar pela natureza contra
a criação. 14 Na verdade, ele pensava que estava sendo conciliatório e pluralista em sua
interpretação de como os genes podem colaborar com a criação para produzir padrões
sociais humanos. À parte algumas observações quase marxistas sobre a inevitabilidade
de uma sociedade planejada no século seguinte, ele não teve a intenção de dizer nada
abertamente político. A tempestade que irrompeu sobre sua cabeça em novembro de
1975 pegou-o verdadeiramente de surpresa.
Começou com uma carta à New York Review of Books assinada por um comitê
que se intitulava Grupo de Estudo em Sociobiologia. Entre as 16 assinaturas estavam as
de dois colegas de Wilson em Harvard e (acreditava ele) amigos seus: Stephen Jay
Gould e Richard Lewontin. A carta o acusava de proporcionar uma nova versão de um
velho esquema,
uma justificativa genética do status quo e dos privilégios existentes para certos grupos de acordo
com classe, raça ou sexo (...). Tais teorias proporcionam uma base importante para a promulgação
de leis de esterilização e de imigração restritiva pelos Estados Unidos entre 1910 e 1930, e também
para políticas eugênicas que levaram à criação das câmaras de gás na Alemanha nazista. 15

Quando a controvérsia aumentou, transbordando para a capa da revista Time no ano


seguinte, logo caiu nas pistas gastas do debate natureza-criação, aparentemente
lançando ambientalistas progressistas e implacáveis contra hereditarianos conservadores
e desafortunados. As conferências de Wilson foram boicotadas. Panfletos distribuídos a
estudantes na Harvard Square acusavam-no de postular “genes para toda a vida social,
inclusive a guerra, o sucesso nos negócios, a supremacia masculina e o racismo”. 16
Lewontin o acusou de refletir “as ideologias das revoluções burguesas do século XVIII,
17
um termo padrão usado e abusado por marxistas. Enquanto esperava para responder a
Gould em um simpósio em Washington, em 1979, Wilson foi subitamente atingido por
um copo de água gelada por um grupo de militantes.
O debate não foi menos amargo do outro lado do Atlântico. Richard Dawkins,
apesar de ter ignorado amplamente o ser humano em O gene egoísta, exceto para dizer
que a consciência libertava as pessoas da tirania dos genes, viu-se acusado de dar apoio
intelectual a políticos de extrema direita. Enquanto isso, as tentativas de Wilson de se
explicar mais extensamente, em dois livros posteriores, convenceram alguns, mas não
conseguiram satisfazer seus críticos, que agora estavam polarizados em dois extremos.
Ele tinha encontrado exatamente o mesmo orgulho ferido que Copérnico e Darwin
enfrentaram: os seres humanos não gostam de se ver retirados do centro do universo.
Ver o comportamento humano destronado de sua supremacia e descrito nos mesmos
termos do comportamento das formigas foi tão insultante ao orgulho da espécie como
ver a Terra rebaixada a um planeta. É possível que tudo viesse a ser menos mordaz se
Wilson tivesse falado de constelações de predisposições inatas em vez de “genes”. A
idéia de uma única seqüência de DNA com a capacidade de determinar uma atitude
social humana parecia intuitivamente errada e humilhante.
Muitos biólogos que se uniram à visão do gene egoísta não vieram em auxílio a
Wilson, causando uma amargura que dura até hoje. Alguns acharam que as
especulações humanas de Wilson eram ingênuas, prematuras e problemáticas. Outros
ficaram perturbados com o imperialismo de Wilson: a fanfarronada de que a biologia
logo assumiria as ciências sociais parecia no mínimo insensata. Outros se limitaram a
procurar o sossego: defender um alegado racismo é atrair o rótulo para si. Na verdade,
uma aguda divisão entre animais geneticamente determinados e seres humanos
culturalmente determinados foi uma dádiva divina para a maioria dos biólogos, porque
os libertava para:
Fazer sua pesquisa em paz, sem ter medo de que possam acidentalmente meter-se em dificuldades
com questões de alto conteúdo social ou político. Isto lhes oferece uma direção segura para
atravessar o campo minado politizado da vida acadêmica moderna. 18

Os autores desta frase, dois outros acadêmicos de Harvard, John Tooby e Leda
Cosmides, fugindo de tal segurança, tentaram uma reforma da sociobiologia a partir de
1992. Eles afirmaram que o comportamento expresso de um ser humano não precisa
estar diretamente ligado aos genes, mas os mecanismos psicológicos subjacentes podem
ser. Assim, para usar um exemplo simples, a busca por “genes para a guerra” está
fadada a fracassar, mas a insistência dogmática contrária de que a guerra é o mero
produto da cultura escrita na tabula rasa de cérebros impressionáveis é igualmente tola.
Pode bem haver mecanismos psicológicos na mente, colocados ali por seleção natural,
agindo no passado sobre conjuntos de genes, que predispõem a maioria das pessoas a
reagir a algumas circunstâncias de forma belicosa. Tooby e Cosmides chamaram isto de
psicologia da evolução. Foi uma tentativa de fundir o melhor do nativismo de Chomsky
— a idéia de que a mente não pode aprender a não ser que tenha rudimentos de
conhecimento inato — com o melhor do selecionismo da sociobiologia: a forma de
compreender uma parte da mente é entender o que a seleção natural planejou que ela
fizesse.
Para Tooby e Cosmides, é todo o programa do desenvolvimento que evolui, o
programa para criar um olho, um pé, um rim ou um órgão da linguagem no cérebro.
Cada programa requer a integração bem-sucedida de centenas, talvez milhares de genes
(muitos deles pangenes usados também em outros sistemas), e a presença de sugestões
ambientais esperadas. É uma mistura sutil de natureza e criação que cautelosamente
evita colocar as duas em campos opostos:
A cada vez que um gene é selecionado em detrimento de outro, um projeto de um programa de
desenvolvimento é selecionado em detrimento de outro também; em virtude de sua estrutura, este
programa desenvolvimental interage com alguns aspectos do ambiente em vez de outros,
produzindo certas características ambientais casualmente relevantes para o desenvolvimento (...).
Assim, os genes e o ambiente relevante para o desenvolvimento são o produto da seleção natural.
19

Mas o ambiente não é uma variável independente. O projeto do processo de


desenvolvimento especifica os efeitos ambientais que serão utilizados. A geléia-real
transforma a larva de abelha em uma rainha, mas não transforma um bebê humano em
uma rainha. Os genes, para Tooby e Cosmides, são projetados para esperar
determinados ambiente, e projetados para criar a maioria deles.
Apesar da ênfase renovada no ambiente, Tooby e Cosmides enfrentam o mesmo
problema político de Wilson e Dawkins. O establishment da ciência social, preferindo
suas ambições como Wilson preferia as dele, retratou-os como nativistas reacionários
radicais. Penso que este é um erro de interpretação crasso. Para mim, Tooby e Cosmides
representam um afastamento do nativismo ingênuo em direção a uma integração com a
criação. O tema que ajudaram a fundar — a psicologia da evolução — fica tão à
vontade com as explicações da criação como com as explicações da natureza. Nas mãos
de Martin Daly e Margo Wilson, por exemplo, foi usado para explicar padrões de
homicídio e infanticídio. Daly e Wilson reconhecem o papel da seleção sexual na
transformação de jovens adultos nos principais agentes de assassinato, por exemplo,
mas reconhecem com a mesma ênfase o papel do ambiente na produção de situações
que evocam o assassinato. 20 Nas mãos de Sarah Hrdy, a psicologia da evolução tem
sugerido que os jovens são “projetados” por seu passado para esperar ser criados de
forma comunal, em vez de em uma família nuclear. É impossível dividir estes estudos
em “natureza” ou “criação”. Eles são as duas coisas. Como assinala Hrdy:
A natureza não pode ser compartimentalizada a partir da criação, mas algo na imaginação humana
nos predispõe a dicotomizar o mundo desta forma (...). Comportamentos complexos como
alimentar, especialmente quando ligados a emoções ainda mais complexas como o “amor”, nunca
são geneticamente predeterminados ou ambientalmente produzidos. 21

A principal queixa que Tooby e Cosmides têm contra as ciências sociais é seu desejo de
se isolar de outros níveis de explicação (para lamento do reducionista!). Durkheim
notoriamente declarou: “A cada vez que um fenômeno social é diretamente explicado
por um fenômeno psicológico, podemos ter certeza de que a explicação é falsa (...). A
causa determinante de um fato social deve ser procurada entre os fatos sociais que o
precedem e não entre os estados de consciência individual.” 22 Em outras palavras, ele
rejeitava completamente o reducionismo. Mas outras ciências têm conseguido integrar
níveis “inferiores” de explicação sem perder nada. A psicologia usa a biologia, que usa
a química, que usa a física. Tooby e Cosmides queriam reinventar a psicologia de uma
forma que usasse os genes não como deterministas implacáveis de uma natureza
humana inevitável mas como dispositivos sutis projetados por seleção ancestral para
obter experiência do mundo.
A beleza do gene de Tooby-Cosmides, para mim, é exatamente esta. Ele integra
todas as outras seis definições e acrescenta uma sétima. É um gene dawkinista com
personalidade (em sua dependência de transmitir o teste de sobrevivência através de
gerações); um arquivo mendeliano (inscrito com a sabedoria derivada de milhões de
anos de ajuste evolutivo); uma receita de Watson-Crick (conseguindo seus efeitos
através da criação de proteínas por meio do RNA); um dispositivo do desenvolvimento
de Jacob-Monod (expressando- se somente em tecidos precisamente especificados); um
doador de saúde de Garrod (garantindo um resultado desenvolvimental saudável no
ambiente esperado); e um pangene de De Vries (reutilizado em muitos programas de
desenvolvimento diferentes na mesma espécie e em outras). Mas é também algo mais. É
um dispositivo para obter informação do ambiente.
O SRY, o gene masculinizante no cromossomo Y, à primeira vista pode parecer
um determinista genético do tipo que envaidece os cientistas sociais. Sugeri que ele
coloca em movimento a seqüência de acontecimentos que (em geral) leva a homens
sentando-se em sofás bebendo cerveja e assistindo futebol enquanto as mulheres fazem
compras e fofocam. Mas parece ser também o servo definitivo da criação. Sua tarefa,
objetivo e desejo na vida — com a ajuda de centenas de genes abaixo dele — é obter
certos tipos de informação da educação e do ambiente de seu organismo e senhor. Ele
obtém o alimento necessário para desenvolver um corpo masculino, as pistas sociais
necessárias para desenvolver uma psique masculina, as dicas de gênero necessárias para
desenvolver uma preferência sexual masculina, até a tecnologia necessária para
expressar uma personalidade masculina no mundo moderno (armas de brinquedo,
digamos, ou controles remotos). Ele — ou melhor, o programa de desenvolvimento que
inicia — pode ser dirigido e ajustado por mudanças no ambiente ao longo do caminho.
Pegue um bebê da Europa medieval e o transporte no tempo para ser criado na
Califórnia atual, e posso apostar que sua mente ficará fascinada com armas de fogo e
carros em vez de espadas e cavalos. O SRY nada mais é que um extrator da criação
glorificado.
Aqui, novamente, está a mensagem do autor deste livro. Os genes são
deterministazinhos implacáveis, agitando mensagens completamente previsíveis. Mas
por causa da forma como seus promotores ativam e desativam em resposta a instruções
externas, os genes estão muito longe de terem ações fixas. Em vez disso, eles são
dispositivos para obter informação do ambiente. A cada minuto, a cada segundo, muda
o padrão de genes que é expresso em seu cérebro, com freqüência em resposta direta ou
indireta a acontecimentos fora de seu corpo. Os genes são os mecanismos da
experiência.

CAPÍTULO DEZ

Muitas Morais Paradoxais

Por que combater o Deus, a Liberdade e a imortalidade de Kant quando é apenas uma questão de
tempo até que a neurociência, provavelmente por varredura eletrônica do cérebro, revele o
verdadeiro mecanismo físico que fabrica estes construtos mentais, estas ilusões?

Tom Wolfe 1

Quando foram descobertos, no final do segundo milênio da era cristã, os genes já


encontraram um lugar preparado para eles à mesa da filosofia. Eram as Parcas da
mitologia antiga, as entranhas da previsão oracular, as coincidências da astrologia. Eles
eram o destino e a determinação, os inimigos da escolha. Eram restrições à liberdade
humana. Eles eram os deuses.
Não surpreende que tantas pessoas tenham se colocado contra eles. Os genes
levaram o rótulo de “causa primeira”. Agora que o genoma pode ser inspecionado, e os
genes podem ser vistos em funcionamento, surge um quadro muito menos apavorante.
Há morais a serem extraídas do debate natureza-criação, e neste capítulo pretendo
extrair algumas. Elas são principalmente tranqüilizadoras. A primeira moral, e mais
geral, é que os genes são capacitadores, não limitadores. Eles criam novas
possibilidades para o organismo; não reduzem suas opções. Os genes do receptor de
ocitocina permitem a formação de pares; sem eles, o arganaz-do-campo não teria a
opção de formar um casal. Os genes CREB permitem a memória; sem estes genes, seria
impossível aprender e se lembrar, O BDNF permite a calibragem da visão binocular
através da experiência; sem ele, você não poderia avaliar tão facilmente a profundidade
e ver o mundo em três dimensões. O FOXP2 misteriosamente permite a um ser humano
adquirir a linguagem de seu povo; sem ele, você não poderia aprender a falar. E assim
por diante. Estas novas possibilidades estão abertas à experiência, não são
predeterminadas. Os genes não restringem mais a natureza humana que programas
extras restringem um computador. Um computador com Word, Powerpoint, Acrobat,
Internet Explorer, Photoshop e semelhantes não só pode fazer mais que um computador
sem estes programas — ele também pode conseguir mais do mundo exterior. Ele pode
abrir mais arquivos, encontrar mais websites e aceitar mais e-mails.
Os genes, ao contrário dos deuses, são condicionais. Eles são primorosamente
bons na simples lógica se-então: se estão em um certo ambiente, então se desenvolvem
de uma determinada maneira. Se o objeto em movimento mais próximo é um professor
barbudo, então é assim que as mães se parecem. Se é criado em condições de privação
de alimento, desenvolvem um tipo de corpo diferente. As garotas criadas em lares sem
pais vivem a puberdade mais cedo — um efeito possibilitado por algum conjunto
misterioso de genes. 2 Suspeito de que a ciência tem subestimado demais o número de
genes que agem desta forma — condicionando seu produto a circunstâncias externas.
Então aqui está a primeira moral da história: Não tenha medo dos genes. Eles não
são deuses, são dentes de engrenagem.

MORAL Nº 2: OS PAIS

Aqui está outra. Em 1960, uma estudante de pós-graduação em Harvard recebeu uma
carta de George A. Miller, chefe do departamento de psicologia, dispensando-a do
Ph.D. porque ela não estava à altura do programa. Lembre-se do nome. Muito tempo
depois, presa em casa com problemas de saúde crônicos, Judith Rich Harris começou a
escrever livros de psicologia, livros em que ela acuradamente substituía o paradigma
dominante da psicologia — de que a personalidade e muitas outras coisas eram
adquiridas do ambiente. Então, 35 anos depois de ter deixado Harvard, como uma avó
desempregada, tendo acidentalmente escapado da doutrinação acadêmica, ela se sentou
e escreveu um artigo, que submeteu à prestigiosa Psychological Review. Foi publicado
com uma aclamação sensacional. Ela foi inundada de perguntas de curiosos, como quem
era ela. Em 1997, somente com a força do artigo, ela recebeu um dos maiores prêmios
da psicologia: o prêmio George A. Miller. 3
As primeiras palavras do artigo de Harris eram:
Será que os pais têm algum efeito importante de longo prazo sobre o desenvolvimento da
personalidade de seus filhos? Este artigo examina as evidências e conclui que a resposta é não. 4

A partir de 1950, os psicólogos estudavam o que chamavam de socialização da criança.


Embora inicialmente ficassem decepcionados por descobrirem poucas correlações claras
entre um estilo de criação e a personalidade das crianças, eles se prenderam ao
pressuposto behaviorista de que os pais estavam treinando o caráter de seus filhos por
recompensa e punição, e ao freudiano, de que os problemas psicológicos de muitas
pessoas foram colocados ali por seus pais. Este pressuposto tornou-se tão automático
que até hoje nenhuma biografia é completa sem uma referência passageira às causas
parentais das peculiaridades do biografado. (“É provável que esta separação violenta de
sua mãe tenha sido uma das principais origens de sua instabilidade mental”, diz um
autor recente, referindo-se a Isaac Newton,) 5
Para ser franco, a teoria da socialização foi mais que um pressuposto. Ela
produziu evidências, montes delas, mostrando que as crianças terminam como seus pais.
Pais abusivos produzem filhos abusivos; pais neuróticos geram filhos neuróticos; pais
serenos produzem filhos serenos; pais dados à leitura geram filhos dados à leitura, e
assim por diante. 6
Nada disso prova alguma coisa, disse Harris. É claro que os filhos se parecem
com seus pais: eles compartilham muitos dos mesmos genes. Depois que começaram a
surgir estudos de gêmeos criados separados, provando drasticamente a alta
herdabilidade da personalidade, não se pode mais ignorar a possibilidade de que os pais
tenham estabelecido o caráter de seus filhos no momento da concepção e não durante os
longos anos da infância. A similaridade entre pais e filhos pode ser da natureza, não da
criação. Na verdade, uma vez que os estudos de gêmeos não conseguem encontrar quase
nenhum efeito do ambiente compartilhado na personalidade, a hipótese genética deve
ser a hipótese nula: o ônus da prova estava na criação. Se um estudo de socialização não
tem controle para os genes, não prova absolutamente nada. Porém, os pesquisadores da
socialização passaram ano após ano publicando estas correlações sem nem mesmo fazer
menção à teoria genética alternativa.
É verdade que os teóricos da socialização usaram outro argumento também: que
os diferentes estilos de criação pelos pais coincidem com as diferentes personalidades
dos filhos. Um lar calmo contém crianças felizes; crianças que são muito abraçadas são
boas; crianças que são espancadas são hostis; e assim por diante. Mas isso pode ser
confundir causa com efeito. Pode-se argumentar plausivelmente que crianças felizes
fazem lares calmos; crianças que são boas são muito abraçadas; crianças que são hostis
são muito espancadas. É a velha história: Johnny vem de um lar desfeito; isso não me
surpreende — Johnny pode desfazer qualquer lar. Os sociólogos tendem a dizer que um
bom relacionamento com os pais “tem um efeito protetor” na manutenção dos filhos
longe das drogas. Eles têm uma propensão muito menor em dizer que os filhos que se
drogam não se dão bem com seus pais.
Então a correlação de boa criação pelos pais com certas personalidades não vale
como prova de que os pais modelam a personalidade, porque a correlação não pode
distinguir causa de efeito. É patente que a socialização, diz Harris, não é algo que os
pais façam aos filhos; é algo que os filhos conseguem sozinhos. Há cada vez mais
evidências de que o pressuposto que os teóricos da socialização tinham como efeitos de
“pais para filhos” são com freqüência efeitos de “filhos para pais”. Os pais tratam seus
filhos de formas muito diferentes de acordo com a personalidade dos filhos.
Em nenhum lugar isso é mais óbvio do que na questão problemática do gênero.
Os pais que têm sorte suficiente para ter filhos de sexos diferentes saberão que os tratam
de forma diferente. Eles não têm de ouvir sobre experimentos em que adultos brincavam
de luta com meninas disfarçadas de azul e acariciavam meninos disfarçados de rosa.
Mas a maioria destes pais também protestará ardentemente que a principal razão para
que eles tratem os meninos com forma diferente das meninas é porque eles são
diferentes. Eles enchem o armário dos meninos de dinossauros e espadas, e o das
meninas com bonecas e roupas, porque eles sabem que é a forma de agradar a cada
criança. É isso que os pequenos tiranos pedem quando vão ao shopping. Os pais podem
reforçar a natureza via criação, mas não criam a diferença. Eles não forçam estereótipos
de gênero pela goela das crianças; eles reagem a discriminações preexistentes. Estas
discriminações não existem em um sentido inato — não existe um gene para a boneca
—, mas as bonecas são projetadas para apelar a discriminações predisponentes, como a
comida é projetada para apelar ao paladar humano. Além disso, a própria reação dos
pais provavelmente é também inata: os pais podem ser geneticamente predispostos a
reforçar em vez de combater estereótipos de gênero. 7
Mais uma vez, as evidências para a criação não são evidências contra a natureza,
nem acontece o contrário. Acabo de ouvir um programa de rádio sobre se os meninos
eram melhores no futebol que as meninas, ou se seus pais apenas os pressionavam para
aquele caminho. Os defensores de cada visão pareciam implicitamente concordar que
suas explicações eram mutuamente exclusivas. Ninguém chegou a sugerir que as duas
coisas podiam ser verdade ao mesmo tempo.
Pais criminosos produzem filhos criminosos — sim, mas não se os adotam. Em
um grande estudo na Dinamarca, ser adotado de uma família honesta por outra família
honesta produziu um filho com 13,5% de probabilidade de ter problemas com a lei; esta
probabilidade aumenta apenas marginalmente, para 14,7%, se a família adotiva inclui
criminosos. Ser adotado de pais criminosos por uma família honesta, contudo, levava a
probabilidade a saltar pata 20%. Onde tanto os pais adotivos como biológicos eram
criminosos, a taxa era ainda mais alta — 24,5%. Fatores genéticos estão predispondo a
forma como as pessoas reagem a ambientes que favorecem o crime. 8
Da mesma forma, é mais provável que filhos de pais divorciados venham a se
divorciar — sim, mas somente se forem filhos biológicos. Filhos cujos pais adotivos se
divorciam não mostram esta tendência. Os estudos de gêmeos não revelam nenhum
papel para o ambiente familiar no divórcio. O gêmeo fraterno tem 30% de probabilidade
de divorciar se seu irmão gêmeo se divorcia, aproximadamente a mesma correlação com
um pai ou mãe. Um gêmeo idêntico tem uma probabilidade de 45% de se divorciar se
seu irmão gêmeo se divorcia. Cerca de metade de sua probabilidade de se divorciar está
nos genes; o resto é circunstância.
Raramente um rei pareceu tão nu quanto depois que Harris acabou com a teoria da
socialização. Nada disso causaria muita surpresa às pessoas que têm mais de um filho.
Ser pai ou mãe é uma revelação para muitas pessoas. Depois de pensar que seria o
treinador-chefe e escultor de uma personalidade humana, você se vê reduzido ao papel
de pouco mais que um espectador-motorista inútil. Os filhos compartimentalizam a vida
deles. O aprendizado não é uma mochila que eles carregam de um ambiente para outro;
é específico ao contexto. Isto não permite que os pais tornem seus filhos infelizes —
fazer outra pessoa sofrer é errado, quer isso altere a personalidade ou não. Nas palavras
de Susan Scarr, a veterana defensora da idéia de que as pessoas adaptam o ambiente a
seu caráter, “a tarefa mais importante dos pais, portanto, é fornecer apoio e
oportunidades, e não tentar modelar as características duradouras dos filhos”. 9
Certamente, pais verdadeiramente terríveis ainda podem deformar a personalidade de
alguém. Mas parece provável que (repito) os pais sejam como vitamina C; embora seja
adequada, um pouco mais ou menos não tem efeito discernível a longo prazo.
Harris recebeu pedras e flores. Em uma longa resposta, entre cujos autores estava
a decana da teoria da socialização, Eleanor Maccoby, seus críticos citaram estudos
apoiando a idéia de que os pais não afetam a personalidade. 10 Eles admitiram com
relutância que os primeiros teóricos da socialização exageraram no determinismo dos
pais, que os estudos de gêmeos precisavam ser considerados e que tanto o
comportamento de um genitor é causado pelo comportamento do filho como acontece o
contrário. Eles enfatizaram que é muito mais provável que uma personalidade
criminosa, mesmo se parcialmente genética, seja expressa em um ambiente criminoso. E
chamaram a atenção para uma série de estudos que demonstravam como pais ruins
podem afetar permanente e drasticamente um filho. Órfãos romenos adotados depois
dos seis meses de idade, por exemplo, mantêm altos níveis de hormônio do estresse, o
cortisol, por toda a sua vida.
Eles também chamaram a atenção para o trabalho de Stephen Suomi com macacos
resos. Suomi era o aluno de Harry Harlow que foi construir seu próprio laboratório de
primatologia nos Institutos Nacionais de Saúde em Maryland, para continuar a pesquisa
de Harlow do amor materno. Primeiro, cruzou seletivamente macacos para que fossem
extremamente tensos. Depois colocou macacos jovens com mães adotivas pelos
primeiros seis meses de vida e estudou o temperamento e a vida social. Um bebê
geneticamente nervoso criado por mãe adotiva geneticamente nervosa se transformava
em um adulto socialmente incompetente, vulnerável ao estresse e ele próprio um pai
ruim. Mas o mesmo bebê geneticamente irrequieto criado por uma mãe adotiva calma
— uma “supermãe” — tornava-se normal, chegando a ser bom na ascensão ao topo da
hierarquia social por fazer amigos (desculpe: “recrutar apoio social”) e fugia do
estresse. Apesar de sua natureza geneticamente nervosa, tal macaca podia se tornar uma
mãe calma e competente. O estilo da maternidade, em outras palavras, é copiado dos
pais, em vez de herdado.
A partir daí, os colegas de Suomi têm passado a estudar o gene de transporte da
serotonina em macacos. Uma versão do gene produz uma reação vigorosa e de longa
duração à privação materna, enquanto a outra é imune à privação materna. 11 Uma vez
que este gene também varia em seres humanos e a variação se correlaciona com
personalidades diferentes, esta é uma grande descoberta. Traduzindo para termos
humanos, implicaria que o fato de algumas crianças serem praticamente órfãs não é o
pior; outras precisam ser muito bem criadas por seus pais para que venham a ser
normais — a diferença está nos genes. Esperávamos que fosse diferente?
Ao citar os estudos de Suomi, os críticos de Harris mostram que já aprenderam suas
lições de cor: eles estão procurando saber como os pais reagem à personalidade inata e
como reagem aos genes. Em suas próprias palavras, eles não acham mais que os pais
“moldam e determinam” os filhos. Agora são os criacionistas que apelam por
moderação. Já se foi o tempo do triunfalismo de Freud, Skinner e Watson. (Lembra-se
disso? “Dê-me uma dúzia de bebês saudáveis, bem formados, e o mundo que eu
especificar para criá-los e eu lhes garanto pegar qualquer um deles aleatoriamente e
treiná-lo para se tornar qualquer tipo de especialista que eu escolher — médico,
advogado, artista, comerciante e, sim, até mendigo e ladrão, independente de seus
talentos, propensões, tendências, capacidades, vocações e linhagem de seus ancestrais.”)
Moral: Ser um bom pai ainda importa.

MORAL Nº 3: OS COLEGAS

A demolição do determinismo parental por Harris é acompanhada da construção de uma


teoria alternativa. Ela acredita que o ambiente, bem como o genoma, têm uma grande
influência na personalidade de uma criança, mas principalmente através do grupo de
colegas da criança. As crianças não se vêem como aprendizes de adultos. Elas estão
tentando ser boas em ser crianças, o que significa encontrar um nicho em grupos de
colegas — conformando-se, mas também se diferenciando; competindo, mas também
colaborando. Elas adquirem sua linguagem e seu sotaque em grande parte de seus
colegas, não de seus pais. Harris, como a antropóloga Sarah Hrdy, acredita que os seres
humanos ancestrais criaram seus filhos em grupos, com as mulheres envolvidas no que
os zoólogos chamam de criação cooperativa. O hábitat natural da criança era portanto
uma creche mista de crianças de todas as idades — quase certamente auto-segregadas
por sexo na maior parte do tempo. É aqui, e não na família nuclear e na relação com os
pais, que deveríamos procurar pelas causas ambientais da personalidade.
A maioria das pessoas pensa na pressão dos colegas como um empurrão no jovem
para a conformidade. Vistos da sacada da meia-idade, os adolescentes parecem
obcecados com a uniformidade. Seja por calças largas, cheias de bolsos, casacos
gigantes, viseiras ou bonés de beisebol virados para trás, eles se prostram diante da
tirania da moda da forma mais covarde. Os excêntricos são ridicularizados; os não
conformistas caem no ostracismo. O código deve ser obedecido.
A conformidade é na verdade uma característica da sociedade humana, de todas as
eras. Quanto mais rivalidade há entre os grupos, mais pessoas se conformação às
normas de seu próprio grupo. Mas há uma coisa a mais por sob a superfície. Sob a
conformidade superficial dos costumes tribais está uma busca quase frenética por
diferenciação individual. Examine qualquer grupo de jovens e você verá cada um deles
desempenhando um papel consistentemente diferente. Há o durão, o espirituoso, o
intelectual, o líder, o maquinador, o bonito. Estes papéis são criados, é claro, pela
natureza via criação. Cada criança logo percebe no que ela é boa e no que é ruim —
comparada com os outros do grupo. Ela então treina para aquele papel e não para
outros, interpretando um personagem, desenvolvendo mais o talento que tem e
desprezando o talento de que carece. O durão fica mais durão, o espirituoso mais
divertido; e assim por diante. Por especializar-se no papel que escolheu, ela se
transforma naquilo em que tem competência. De acordo com Harris, esta tendência a se
diferenciar surge pela primeira vez por volta dos oito anos. Até este ponto, se a um
grupo de crianças é feita a pergunta, “Quem é o mais durão aqui?”, todos pularão e
gritarão, “Eu!”. Depois daquela idade, ele começarão a dizer “Ele”.
Isto acontece nas famílias, bem como nas salas de aula e gangues de rua. O
psicólogo da evolução Frank Sulloway vê cada criança na família escolhendo um nicho
vago. Se o filho mais velho é responsável e cauteloso, o segundo filho com freqüência
se tornará rebelde e despreocupado. Pequenas diferenças no caráter inato são exageradas
pela prática, não aplainadas por ela. Isto acontece até entre gêmeos idênticos. Se um
gêmeo é mais extrovertido que outro, eles gradualmente exagerarão esta diferença. Na
verdade, os psicólogos encontram menos correlação entre gêmeos fraternos em relação
à extroversão do que há entre irmãos de diferentes idades: a própria proximidade da
idade os leva a exagerar as diferenças em personalidade. Eles são menos semelhantes se
têm dois anos de diferença. Isso vale para outras medidas de personalidade também, e
parece indicar uma tendência de o ser humano se diferenciar de seus companheiros mais
próximos baseando-se em suas tendências inatas. Se os outros são práticos, então ele
tenta ser intelectual.
Chamo isso de teoria Asterix da personalidade humana. Nos cartuns de Goscinny
e Uderzo sobre uma aldeia gaulesa rebelde que resiste ao poder do Império Romano, há
uma divisão muito clara de trabalho. A aldeia contém um fortão (Obelix), um chefe
(Abracurcix), um druida (Panoramix), um bardo (Chatotorix), um ferreiro (Automatix),
um peixeiro (Ordenalfabetix) e um homem com idéias brilhantes (Asterix). A harmonia
da aldeia se deve em parte ao fato de que cada homem respeita os talentos dos outros —
com a exceção de Chatotorix, o bardo, cujas canções são temidas por todos.
O primeiro a chamar a atenção para esta tendência humana a especializar-se foi
provavelmente Platão, mas foi o economista Adam Smith que divulgou a idéia, e foi sob
esta observação que ele construiu sua teoria da divisão do trabalho — o segredo da
produtividade econômica humana está em dividir o trabalho entre especialistas e trocar
os resultados. Para Smith, os seres humanos eram incomuns entre os animais neste
aspecto. Outros animais são generalistas, fazendo qualquer coisa por si mesmos.
Embora os coelhos vivam em grupos sociais, não há especialização de função entre eles.
Nenhum ser humano é verdadeiramente um biscateiro de todos os negócios da mesma
forma. Disse Smith:
Em quase todas as outras raças de animais, cada indivíduo, depois de chegar à maturidade, é
inteiramente independente, e em seu estado natural não tem oportunidade de ter assistência de
nenhuma outra criatura viva (...). Cada animal é ainda obrigado a suportar e defender a si mesmo,
separada e independentemente, e não obtém nenhum tipo de vantagem daquela variedade de
talentos com que a natureza distinguiu seus companheiros. 12

Mas como Smith rapidamente concluiu, a especialização é inútil sem a troca.


O homem tem oportunidades quase constantes para a ajuda de seus confrades, e é inútil para ele
esperá-la somente de sua benevolência. Sua predominância será mais provável se ele puder usar a
auto-estima deles a seu favor, e mostrar-lhes que é vantajoso para eles fazer o que ele requer (...).
Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar,
mas de sua consideração por seu próprio interesse. Voltamo-nos não para sua humanidade, mas
para sua auto-estima, e nunca falamos a eles de nossas necessidades, mas de suas próprias
vantagens. Ninguém, exceto um mendigo, escolhe depender da benevolência de seus cidadãos
companheiros. 13

Com isto, Smith garantiu o apoio de Emile Durkheim, que considerava a divisão do
trabalho não só a fonte de harmonia social, mas também o fundamento da ordem moral:
Mas se a divisão de trabalho produz a solidariedade, não é só porque torna cada indivíduo um
cambista, como dizem os economistas é porque ele cria entre os homens todo um sistema de
direitos e deveres que os liga de uma forma durável. 14

Fico intrigado com uma coincidência: os humanos adultos são especialistas, e os


humanos adolescentes parecem ter uma tendência natural a se diferenciar. Será que
estão conectados? No mundo de Smith, sua especialidade adulta é uma questão de acaso
e oportunidade. Você herda a padaria da família, talvez, ou responde ao anúncio de uma
agência de empregos. Você pode ter sorte e encontrar um emprego que combine com
seu temperamento e talento, mas a maioria das pessoas apenas aceita que devem
aprender a fazer o trabalho que têm, O papel que desempenham em uma gangue
adolescente — como palhaço, espirituoso, líder, durão — é completamente esquecido.
Açougueiros, padeiros e fabricantes de castiçais são feitos, não nascem assim. Ou, como
coloca Smith: “A diferença entre os caracteres mais dessemelhantes, entre um filósofo e
um carregador de rua, por exemplo, parece surgir não tanto da natureza, mas do hábito,
do costume e da educação.”
Mas a mente humana foi projetada para a savana do Pleistoceno, não para a selva
urbana. E naquele mundo muito mais igualitário, em que as mesmas oportunidades
estavam abertas a todos, o talento pode ter decidido seu trabalho. Imagine um bando de
caçadores-coletores. Na gangue de garotos brincando em torno da fogueira há quatro
adolescentes. Og começa a perceber que tem qualidades de liderança — ele parece ser
respeitado quando sugere um novo jogo. Iz, por outro lado, percebe que ela pode fazer
os outros rirem quando conta uma história. Ob é inútil com as palavras, mas quando tem
de fazer uma rede de tiras de casca de árvore para apanhar coelhos ele parece ter um
talento natural. Ik, ao contrário, já é uma soberba naturalista e os outros estão
começando a confiar nela para identificar plantas e animais. Nos anos seguintes, cada
indivíduo reforçará natureza com criação, especializando-se em um talento particular
até que se torne uma profecia que se cumpre sozinha. Na época em que chegarem à
idade adulta, Og não dependerá mais de talento natural para a liderança; ele aprendeu
isso como uma profissão. Iz praticou o papel de bardo tribal tão bem que é sua segunda
natureza. Ob é ainda pior em entabular uma conversa, mas pode agora fabricar quase
qualquer ferramenta. E Ik é uma guru de erudição e ciência.
As diferenças genéticas originais em talento podem ser muito leves. A prática faz
o resto. Mas esta prática pode depender de uma espécie de instinto. Ele é, eu sugiro, um
instinto peculiar aos seres humanos, depositado no cérebro humano adolescente por
seleção natural por dezenas de milhares de anos, e simplesmente sussurra no ouvido do
jovem: Prefira fazer aquilo em que você é bom; não prefira aquilo em que você é ruim.
As crianças parecem ter esta regra firme na mente todo o tempo. Estou sugerindo que o
apetite para a criação de um talento pode ser ele mesmo um instinto. Ter certos genes dá
a você certos apetites; descobrir que é melhor em alguma coisa do que seus colegas
aumenta seu apetite para aquela coisa; a prática aperfeiçoa e logo você cavou um nicho
na tribo como especialista. A criação reforça a natureza.
Assim, a capacidade musical ou para os esportes existe graças à natureza ou à
criação? As duas coisas, é claro. São as horas intermináveis de prática que levam a jogar
tênis ou tocar violino bem, mas aqueles que têm um apetite por horas intermináveis de
prática são os que têm uma ligeira aptidão e um apetite para a prática. Recentemente
tive uma conversa com os pais de uma prodígio do tênis. Ela sempre foi boa no tênis?
Não especialmente, mas ela sempre estava disposta a jogar, determinada a se juntar a
seus irmãos mais velhos e aborrecia seus pais para lhe darem aulas de tênis.
Moral: A individualidade é o produto da aptidão reforçada pelo apetite.

MORAL Nº 4: A MERITOCRACIA

Quando o último candidato deixa a sala, o presidente do conselho limpa a garganta.


— Bem, estimados colegas, devemos escolher uma daquelas três pessoas para o
cargo de controller financeiro da empresa; quem deverá ser?
— É fácil — disse a mulher de cabelos ruivos. — O primeiro.
— Por quê?
— Porque é uma mulher qualificada e sua empresa precisa de mais mulheres.
— Bobagem — disse o homem corpulento. — O melhor candidato foi o segundo.
Ele teve a melhor formação. Pode apostar que fez Harvard. Além disso, seu pai foi meu
colega de faculdade. E ele freqüenta a igreja.
— Que besteira — escarneceu a jovem com óculos de lentes grossas —, quando
perguntei a ele quanto eram sete vezes oito, ele disse 54! E ele continuou sem entender
minhas perguntas. De que serve uma boa educação se você não tem cabeça? Acho que o
último candidato foi o melhor, de longe. Ele foi fluente, articulado, receptivo e rápido. É
verdade que não foi à faculdade, mas tem um dom natural com os números. Além disso,
tem uma personalidade verdadeira e a química certa.
— Talvez — disse o presidente. — Mas é negro.
Pergunta: quem nesta cena é culpado de discriminação genética? O presidente, a
mulher ruiva, o homem corpulento ou a mulher de óculos? Resposta: Todos, exceto o
homem corpulento. Só ele está preparado para discriminar com base na criação. Ele é
um verdadeiro defensor adepto da tabula rasa, acreditando firmemente que todos os
seres humanos nascem iguais e seu caráter é marcado por sua criação. Ele está
preparado para acreditar na Igreja, em Harvard e em seu colega de faculdade para criar
o caráter certo, qualquer que seja a matéria-prima. O racismo do presidente é baseado na
genética da cor da pele. A adesão da mulher ruiva à ação afirmativa para as mulheres é
discriminação contra pessoas com cromossomos Y. A jovem de óculos prefere ignorar
qualificações e procura por talento intrínseco e personalidade. Sua discriminação é mais
sutil, mas é certamente genética, pelo menos em parte; a personalidade é fortemente
herdada, e seu desprezo pelo candidato de Harvard é baseado no fato de que os genes de
sua criação fracassaram em tirar proveito de sua educação. Ela não acredita que ele seja
redimível. Sugiro que ela é uma determinista genética tão vigorosa quando o presidente
e a ruiva — e é claro que espero que seu candidato consiga o emprego.
Toda entrevista de emprego gira em torno da discriminação genética. Mesmo que
a entrevistadora ignore corretamente raça, sexo, deficiências e aparência físicas e
discrimine com base somente na capacidade, ainda está discriminando, e a menos que
esteja preparada para considerar somente as qualificações e a formação — afinal, por
que fazer uma entrevista? — então está procurando por um talento intrínseco, não por
um talento adquirido. Quanto mais preparada ela é para fazer concessões a uma
formação fraca, mais determinista genética é. Além disso, a outra questão da entrevista
é levar em consideração a personalidade e lembrar a lição dos estudos de gêmeos: a
personalidade é ainda mais fortemente herdável nesta sociedade do que a inteligência.
Não me entenda mal. Não estou dizendo que é errado entrevistar pessoas para
tentar averiguar sua personalidade e sua capacidade inata. Nem estou dizendo que é
certo discriminar com base na raça ou na incapacidade genética. Algumas formas de
discriminação genética são claramente mais aceitáveis que outras: a personalidade é
aceitável; a raça não. Estou dizendo que, se você quer viver em uma meritocracia, então
é melhor não acreditar somente na criação, ou você dará todos os altos cargos àqueles
que foram para escolas de elite. Meritocracia significa que as universidades e os
empregadores devem selecionar os melhores candidatos, apesar — não por causa
— de suas formações. E isto significa que eles devem acreditar nos fatores herdados da
mente.
Considere a questão da beleza. Não é necessário um estudo científico para dizer a
você que algumas pessoas nascem mais bonitas que outras. A beleza atravessa as
famílias; depende do formato do rosto, das feições, do tamanho do nariz, e assim por
diante: coisas que são principalmente genéticas. A beleza é a natureza. Mas é também
criação. Alimentação, exercícios, higiene e acidentes podem gerar a atratividade física
do corpo de alguém, como um corte de cabelo, a maquiagem ou a cirurgia cosmética.
Com muito dinheiro, luxo e ajuda, até gente feia pode se tornar atraente, como
Hollywood demonstra regularmente, e até gente bonita pode arruinar sua aparência com
a pobreza, a falta de cuidados e o estresse. Alguns aspectos da beleza mostram
considerável plasticidade cultural, especialmente a magreza e a gordura. Nos países
pobres, e no passado mais pobre do Ocidente, ser rechonchudo era ser belo, e ser
magrelo era ser feio; hoje em dia, no Ocidente, esta equação foi pelo menos em parte
invertida. Outros aspectos da beleza são menos variáveis. Se pessoas de diferentes
culturas são solicitadas a julgar a beleza de mulheres por fotos de seus rostos, surge um
grau surpreendente de consenso: os americanos escolhem as mesmas faces chinesas que
os chineses; e os chineses escolhem os mesmos rostos americanos que os americanos. 15
Seria um absurdo, porém, perguntar que aspectos da beleza são da natureza e
quais são da criação. Que partes de Britney Spears são geneticamente atraentes e quais
são cosmeticamenre atraentes? É uma questão irrelevante, precisamente porque sua
criação melhorou em vez de se opor a sua natureza: seu corte de cabelo melhorou os
cabelos, mas provavelmente já era um cabelo bastante bom. É justo apostar também que
seus cabelos serão menos atraentes quando ela tiver oitenta anos do que são aos vinte,
devido a... Bem, devido a quê? Estou prestes a escrever algum clichê, como os danos
ambientais, e então me lembro de que o envelhecimento é um processo largamente
genético, um processo mediado por genes da mesma forma que o aprendizado. A
decadência da beleza relacionada com o envelhecimento que ocorre em todos depois de
chegar à idade adulta é um processo de natureza via criação.
Há uma ironia cruel no fato de que, quanto mais igualitária é uma sociedade, mais
os fatores inatos terão importância. Em um mundo em que todos têm a mesma comida,
a herdabilidade da altura e do peso serão altas; em um mundo onde alguns vivem no
luxo e outros na inanição, a herdabilidade de peso será baixa. Da mesma forma, em um
mundo em que todos conseguem a mesma educação, os melhores empregos irão para
aqueles com o talento mais inato. É isto que significa meritocracia.
Será que o mundo seria mais justo se todas as crianças brilhantes, até as que
provêm de favelas, conseguissem uma vaga na melhor universidade, e assim
conseguissem o melhor emprego? É justo que os idiotas sejam deixados para trás? A
mensagem do famoso livro A curva do sino era exatamente esta: a meritocracia não é
um lugar justo. A sociedade estratificada por riqueza é injusta, porque os ricos podem
comprar confortos e privilégios. Mas a sociedade estratificada pela inteligência é
também injusta, porque o mais inteligente pode comprar confortos e privilégios.
Felizmente, a meritocracia é continuamente solapada por outra força ainda mais
humana: a luxúria. Se os homens mais inteligentes chegam ao topo, é justo apostar que
eles usarão seus privilégios para procurar por mulheres bonitas (e provavelmente vice-
versa), assim como o rico fazia antes dele. Mulheres bonitas não são necessariamente
idiotas, mas não são necessariamente brilhantes. A beleza colocará uma trava na
estratificação por inteligência.
Moral: Os igualitaristas devem destacar a natureza; os esnobes devem enfatizar a
criação.

MORAL N° 5: A RAÇA

Vistas de fora da espécie, as raças humanas são extraordinariamente semelhantes. Para


um chimpanzé ou um marciano, os diferentes grupos étnicos do ser humano mal
mereceriam a classificação de raças separadas. Não existem fronteiras geográficas
precisas onde uma raça comece e outra termine, e a variação genética entre as raças é
pequena se comparada com a variação genética entre indivíduos da mesma raça,
refletindo os ancestrais comuns recentes de todos os seres humanos vivos hoje — pouco
mais que 3 mil gerações se passaram desde então.
Mas visto de dentro de uma raça, outras raças humanas parecem extremamente
diferentes. Os vitorianos brancos estavam prontos para elevar (ou relegar) africanos a
diferentes espécies, e mesmo no século XX os hereditarianos freqüentemente tentaram
provar que as diferenças entre negros e brancos eram mais profundas que a pele e se
manifestavam na mente e no corpo. Em 1972, Richard Lewontin afastou um racismo
científico mais sério ao mostrar como diferenças genéticas entre os indivíduos
afundavam aquelas entre as raças. 16 Embora alguns malucos ainda acreditem que
encontrarão justificativas para o preconceito racial nos genes, a verdade é que a ciência
tem feito muito mais para explodir do que para fomentar o mito dos estereótipos raciais.
Todavia o racismo ainda tem sua agenda política mesmo quando o preconceito
racial e as justificativas científicas para ele minguaram. No final do século, os
sociólogos cautelosamente insinuaram uma nova e perturbadora idéia — de que, apesar
de a ciência da raça ser injustificada, o racismo em si estava nos genes. Pode ser uma
tendência humana inevitável ser preconceituoso contra pessoas de uma origem étnica
diferente, O racismo pode ser um instinto.
Peça para americanos descreverem alguém que eles tenham conhecido apenas há
pouco, e eles mencionarão muitas características, talvez incluindo o peso corporal, a
personalidade ou os hobbies. Mas três características salientes quase certamente serão
mencionadas: a idade, o sexo e a raça. “Minha nova vizinha é uma mulher jovem e
branca,” É quase como se fosse um dos classificadores naturais da mente humana. A
conclusão deprimente é que, se as pessoas são naturalmente tão conscientes da raça,
então talvez elas sejam naturalmente racistas.
John Tooby e Leda Cosmides recusam-se a acreditar nisso. Como fundadores da
biologia da evolução, eles estão aptos a pensar em termos de como os instintos
começaram. Segundo sua lógica, na Idade da Pedra africana a raça era inútil como
identificador, porque a maioria das pessoas nunca tinha conhecido ninguém de uma raça
diferente. Observar o sexo e a idade das pessoas, por outro lado, faria sentido na medida
em que eram previsores confiáveis do comportamento. Então as pressões evolutivas
podem bem ter construído no cérebro humano um instinto — adequadamente traduzido
em criação, é claro — para observar o sexo e a idade, mas não a raça. Para eles, era
perturbador que a raça continuasse sendo considerada um classificador natural.
Talvez, raciocinaram eles, a raça seja apenas um substituto para outra coisa. Na
Idade da Pedra — e antes disso — uma informação essencial em relação a um estranho
era, “de que lado ele está?”. A sociedade humana, como a sociedade dos macacos
antropomorfos, é crivada de facções — de tribos e bandos a coalizões temporárias de
amigos. Talvez a raça seja apenas um substituto para pertencer a uma aliança. Em outras
palavras na América moderna, as pessoas prestam muita atenção na raça porque elas
instintivamente identificam as pessoas de outras raças como membros de outras tribos
ou alianças.
Tooby e Cosmides pediram a seu colega Robert Kurzban para testar esta teoria
evolutiva em um experimento simples. Era o seguinte. Os participantes da pesquisa
sentavam-se a um computador e assistiam a uma série de retratos, cada um deles
associado a uma frase supostamente dita pela pessoa no retrato. No final, eles viam
todos os oito retratos e as oito frases, e tinham de combinar cada declaração com o
retrato certo. Se eles conseguissem fazer tudo corretamente, Kurzban não tinha dados:
ele estava interessado somente em seus erros. Os erros diriam a ele algo sobre como os
participantes classificavam as pessoas em sua mente. Por exemplo, a idade, o sexo e a
raça eram, como esperados, pistas fortes: os participantes atribuiriam uma declaração
feita por uma pessoa velha a outra pessoa velha, ou de um negro a outro negro.
Agora Kurzban começou a introduzir outro classificador possível: ser membro de
uma aliança. Isto foi revelado puramente através de declarações feitas por pessoas
retratadas que assumiam dois lados de um debate. Rapidamente os participantes
começaram a confundir dois membros do mesmo lado com mais freqüência do que dois
membros de lados diferentes. Surpreendentemente; isto substituiu muito a tendência a
cometer erros com base na raça. Mas praticamente não teve efeito na tendência a
cometer erros com base no sexo. Em 4 minutos, os psicólogos da evolução tinham feito
o que a ciência social não conseguiu fazer em décadas: levar as pessoas a ignorar a raça.
A forma de conseguir isso é dar a eles outra pista forte para o fato de pertencer a uma
aliança. Os fãs de esportes são bem conscientes deste fenômeno: fãs brancos aplaudem
um jogador negro de “seu” time quando ele derrota um jogador branco do time oposto.
Este estudo tem imensas implicações para a política social. Sugere que categorizar
os indivíduos por raça não é inevitável; que o racismo pode ser facilmente derrotado se
as pistas de aliança atravessarem as raças; e que não há nada de intratável a respeito das
atitudes racistas. Também sugere que, quanto mais pessoas de diferentes raças
parecerem agir ou ser tratadas como membros de uma aliança rival, mais instintos
racistas elas se arriscarão a evocar. Por outro lado, sugere que o sexismo é uma noz
mais difícil de quebrar, porque as pessoas continuarão a estereotipar homens como
homens e mulheres como mulheres, mesmo quando também os vêem como colegas ou
amigos. 17
Moral: Quanto mais compreendemos nossos genes e nosso instinto, menos
inevitáveis eles parecem ser.

MORAL Nº 6: A INDIVIDUALIDADE
Eu odiaria deixar o leitor se sentindo tão à vontade. A descoberta e a dissecação da
individualidade genética não tornará a vida dos políticos mais fácil. Antigamente a
ignorância era uma bênção; agora, eles olham para o passado, nostalgicamente, para a
época em que podiam tratar a todos da mesma forma. Em 2002, esta inocência foi
perdida para sempre com a publicação de um estudo extraordinário de 400 homens
jovens.
Todos nasceram nos anos de 1972-73 na cidade de Dunedin, na Ilha Sul da Nova
Zelândia. Os que nasceram naquele lugar e naquela época foram escolhidos para ser
estudados a intervalos regulares à medida que chegavam à idade adulta. Das 1.037
pessoas do grupo, Terrie Moffitt e Avshalom Caspi selecionaram 442 rapazes que
tinham os quatro avôs brancos. Estas crianças — todas brancas e com pouca variação de
classe ou riqueza — incluíam 8% que foram severamente maltratados entre as idades de
três e onze anos, e 28% que provavelmente foram maltratados de alguma forma. Como
era esperado, muitas das crianças maltratadas tinham se tornado violentas ou
criminosas, tendo problemas na escola ou com a lei, e mostravam disposições anti-
sociais e violentas. De acordo com a perspectiva natureza versus criação, seria
necessário ver se era por causa do tratamento que eles receberam de seus pais abusivos
ou dos genes que receberam daqueles pais. Mas Moffitt e Caspi estavam interessados na
abordagem natureza via criação. Eles testaram os meninos em busca de diferenças em
um gene especifico chamado monoamina oxidase A, ou MAOA, e depois compararam-
nos com a criação.
Na extremidade superior do gene MAOA está um promotor com uma frase de
trinta letras repetida 3, 3,5, 4 ou 5 vezes. Os genes com as versões de 3 e 5 repetições
são muito menos ativos que aqueles com 3,5 ou 4 repetições. Então Moffitt e Caspi
dividiram os garotos em alta atividade do gene MAOA e baixa atividade deste gene.
Notavelmente, aqueles com genes MAOA muito ativos eram praticamente imunes ao
efeito dos maus-tratos. Eles não criavam problemas, mesmo que tivessem sido muito
maltratados quando garotos. Aqueles com genes de baixa atividade eram muito mais
anti-sociais se maltratados, e ligeiramente menos anti-sociais do que a média se não
maltratados. Os homens maltratados, com baixa atividade do gene, tiveram uma quota
quatro vezes maior de estupros, roubos e assaltos.
Em outras palavras, parece que não é o bastante ter sofrido maus-tratos, você deve
também ter o gene de baixa atividade; ou não é suficiente ter o gene de baixa atividade,
você deve ter sido maltratado. O envolvimento do gene MAOA não é uma grande
surpresa. Desativar o gene em um camundongo causa o comportamento agressivo, e
restaurá-lo reduz a agressividade. Em uma grande família holandesa com uma história
de criminalidade por várias gerações, descobriu-se que o gene MAOA era
completamente defeituoso nos membros criminosos da família e não em seus parentes
que respeitavam a lei. Mas esta mutação é muito rara, e não pode explicar tanto o crime.
As mutações de baixa atividade, dependentes da criação, são muito mais comuns (cerca
de 37% dos homens).
O gene MAOA está no cromossomo X, do qual os homens têm somente uma
cópia. As mulheres, tendo duas cópias, são correspondentemente menos vulneráveis ao
efeito do gene de baixa atividade, porque a maioria delas possui pelo menos uma versão
do gene de alta atividade também. Mas 12% das garotas do grupo da Nova Zelândia
tinham os dois genes de baixa atividade, e significativa mente foram diagnosticadas
com distúrbio de conduta quando adolescentes — se maltratadas quando novas.
Moffitt assinala que reduzir os maus-tratos infantis é uma meta válida, quer isto afete a
personalidade adulta ou não, assim, ela não vê implicações políticas no trabalho. Mas
não é preciso muito para imaginar resultados como este abrindo as portas para uma
intervenção melhor na vida de jovens problemáticos. Deixa claro que um genótipo
“ruim” não é uma sentença; também é necessário um ambiente ruim. Da mesma forma,
um ambiente “ruim” não é uma sentença; é necessário um genótipo “ruim”. Para a
maioria das pessoas, portanto, a notícia é libertadora. Mas para uns poucos ela parece
bater a porta da prisão do destino. Imagine que você é um jovem resgatado tarde demais
de uma família abusiva pela assistência social. Basta um pequeno exame diagnóstico,
do tamanho do promotor deste gene, que permitirá a um médico prever, com alguma
confiança, se há probabilidade de que você venha a ser anti-social e criminoso. Como
você, seu médico, seu assistente social e seu representante eleito lidarão com esta
informação? Ë bem provável de que a terapia pela fala seja inútil, mas que uma droga
que altere sua neuroquímica mental não seja: muitas drogas para problemas mentais
alteram a atividade da monoamina oxidase. Assim, a droga pode ser perigosa, ou falhar
completamente. Os políticos estão tendo de decidir quem deve ter o poder de autorizar
tal exame e tal tratamento, no interesse não só do indivíduo, mas de suas futuras vítimas
em potencial. Agora que a ciência sabe a ligação entre gene e ambiente, a ignorância
não é mais moralmente neutra. Será mais ético insistir que todas as pessoas vulneráveis
façam tal exame, para poupá-las de prisões futuras, ou que o exame não seja oferecido a
ninguém? Bem-vindo ao primeiro dos muitos dilemas prometéicos do novo século.
Moffitt já encontrou outro exemplo de uma mutação genética no sistema da serotonina
que responde a fatores ambientais. Espere e verá. 18
Moral: A política social deve adaptar-se a um mundo em que todos são diferentes.

MORAL Nº 7: O LIVRE-ARBÍTRIO

Quando William James empregou seu considerável poder intelectual no problema do


livre-arbítrio na década de 1880, este já era um enigma venerável. Apear de todos os
esforços de Spinoza, Descartes, Hume, Kant, MilI e Darwin, ele insistiu que ainda havia
algum suco a ser espremido da controvérsia do livre-arbítrio. Mas até James se limitou
insatisfatoriamente ao seguinte repúdio:
Repudio assim abertamente a toda pretensão de provar a você que a liberdade de arbítrio é
verdadeira. O que mais espero é induzir alguns de vocês a seguirem meu exemplo e presumirem
que é um fato. 19

Mais de um século depois, ainda é assim. Apesar de todos os esforços dos filósofos para
inculcar no mundo a idéia de que o livre-arbítrio não é nem uma ilusão nem uma
impossibilidade, o homem e a mulher comuns estão, para todos os fins, presos ao que
existia antes. Eles podem ver o enigma com bastante facilidade, mas não podem ver a
solução. Na medida em que a ciência postula uma causa do comportamento de alguém,
parece inevitavelmente descartar a liberdade de auto-expressão. Todavia esse alguém
acha que é livre para escolher sua próxima ação, e neste caso seu comportamento é
imprevisível. O comportamento tem uma causa, então não é livre. Para todos os fins
práticos, os filósofos fracassaram em resolver este problema de uma forma que possam
explicar ao mortal comum. Spinoza disse que a única diferença entre um ser humano e
uma pedra rolando colina abaixo é que o ser humano pensa que está no comando de seu
próprio destino. Grande ajuda. Kant pensava ser inevitável que a razão pura se enrede
em contradições insolúveis quando tenta compreender a causalidade, e que a saída está
em postular dois mundos diferentes, um regido pelas leis da natureza, outro por agentes
inteligíveis. Locke achava um absurdo perguntar “se a vontade de um homem é livre
para perguntar se seu sono é imediato ou se sua virtude é honesta”. Hume disse que ou
nossas ações são determinadas, e neste caso não há nada que possamos fazer a respeito
disso; ou nossas ações são aleatórias, e neste caso não há nada que possamos fazer a
respeito. Ficou claro? 20
Espero ter feito o suficiente neste livro para convencer você de que apelar para a
criação não é uma saída para o dilema do determinismo. Se a personalidade é criada
pelos pais, colegas ou pela sociedade, então ainda é determinada; ela não é livre, O
filósofo Henrik Walter assinala que um animal determinado 99% pelos genes e 1% por
sua própria vontade tem mais liberdade que outro determinado 1% pelos genes e 99%
pela criação. Espero, também, ter feito o bastante para convencê-lo de que a natureza,
na forma de genes que influenciam o comportamento, não é uma ameaça especial ou
peculiar ao livre-arbítrio. De certa forma, as notícias de que seus genes são importantes
contribuintes para sua personalidade devem ser tranqüilizadoras: a própria
impenetrabilidade da natureza humana individual a influências externas proporciona
uma proteção contra a lavagem cerebral. Pelo menos você é determinado por suas
próprias forças intrínsecas em vez das forças de outra pessoa. Como afirma Isaiah
Berlin, na forma de um catecismo:
Desejo que minha vida e minhas decisões dependam de mim, e não de forças externas de qualquer
tipo. Desejo ser o instrumento de minha própria vontade, e não da vontade de outros homens.
Desejo ser o sujeito, não o objeto. 21

Aliás, fala-se muito que a descoberta de genes que influenciam o comportamento


levarão a uma epidemia de advogados tentando desculpar seus clientes com base no fato
de que seu destino genético os leva a cometer crimes, não sua opção. Não foi culpa dele,
meritíssimo, está em seus genes. Na prática, esta defesa foi tentada em muito poucos
casos até agora e, embora sua freqüência tenha tendência a aumentar, não vejo uma
revolução surpreendente na justiça criminal se isso ocorrer. Para começar, o mundo está
muito acostumado a desculpas deterministas nos tribunais. Os advogados argumentam
todo o tempo pela responsabilidade atenuada com base em que o réu é insano, foi
levado a isso por sua esposa, não podia fazer nada por causa da forma como foi tratado
na infância, e assim por diante. Até Hamlet usou a defesa da insanidade para explicar a
Laertes por que ele matou seu pai, Polônio:

Tudo o que fiz,


Que a vossa natureza porventura ofendesse
E a honra e o caráter, proclamo-o: foi loucura.
Foi Hamlet que a Laertes magoou? Jamais.
Se Hamlet de si mesmo se abstrai,
E, sem ser ele, causa a Laertes uma ofensa,
Hamlet não foi o causador, pode afirmá-lo.
Quem foi, então? Sua loucura: Logo,
Hamlet está do lado do ofendido;
Seu maior inimigo é a própria doença. 22

Os genes são apenas outra desculpa a ser acrescentada à lista. Além disso, como
assinalou Steven Pinker, desculpar criminosos com base na responsabilidade atenuada
nada tem a ver com decidir se ele tinha livre-arbítrio para escolher se comportar como
se comportou; é apenas uma questão de como evitar que ele aja desta forma novamente.
Mas, para mim, a principal razão para que a defesa do gene ainda seja uma raridade é
que é uma defesa inútil. Ao tentar provar que o criminoso não é culpado, dificilmente é
provável que um criminoso que admite uma inclinação natural para o crime vença nos
tribunais. E quando é sentenciado, se ele afirma que é de sua natureza matar, é
improvável que convença o juiz a deixá-lo livre para matar novamente. A única razão
para usar a defesa do gene seria evitar a pena de morte depois de admitir a culpa. O
primeiro caso em que uma defesa genética foi usada foi o de um assassino de Atlanta,
Stephen Mobley, apelando contra a pena de morte.
Estou agora prestes a tentar uma coisa muito mais ambiciosa: convencê-lo, como
James não conseguiu, de que a liberdade de arbítrio é verdadeira — apesar da natureza e
apesar da criação. Isto não é depreciar os grandes filósofos. O livre-arbítrio era, acredito
eu, um problema genuinamente insolúvel até as descobertas empíricas recentes, assim
como a natureza da vida era um problema genuinamente insolúvel até a descoberta da
estrutura do DNA. É possível que o problema não se resolva só com o pensamento.
Provavelmente ainda é prematuro atacar o livre-arbítrio até que entendamos melhor o
cérebro, mas acredito que agora podemos vislumbrar o começo de uma solução por
causa de nossa compreensão do que os genes fazem em um cérebro funcional.
Aqui está. Meu ponto de partida é o trabalho de Walter Freeman, um
neurocientista californiano visionário. Ele afirma:
A negação do livre-arbítrio, então, provém de se considerar o cérebro incrustado em uma cadeia
causal linear (...). O livre-arbítrio e o determinismo universal são arcas irreconciliáveis para as
quais leva a causalidade linear. 23

A palavra-chave é linear, pela qual Freeman essencialmente quer dizer de uma via. A
gravidade influencia uma bola de canhão em queda, mas não o contrário. Atribuir toda
ação à causalidade linear é um hábito no qual a mente humana é peculiarmente viciada.
É a origem de muitos equívocos. Não estou tão preocupado com o erro de atribuir causa
onde não existe nada, como na crença de que o trovão é a martelada de Tor, ou na busca
pela culpa por acontecimentos acidentais e a obsessão determinista com os horóscopos.
Minha preocupação aqui é com outro tipo de erro: a crença em que o comportamento
intencional deve ter uma causa linear. Isto é simplesmente uma ilusão, uma miragem
mental, um instinto falho. É um instinto muito útil, como é útil a ilusão de que uma
imagem bidimensional em uma tela de televisão é realmente uma cena tridimensional.
A seleção natural deu à mente humana a capacidade de detectar a intencionalidade em
terceiros, para prever melhor seus atos. Gostamos da metáfora de causa e efeito como
uma forma de compreender a vontade. Mas é uma ilusão, da mesma forma. A causa do
comportamento está em um sistema circular, não linear.
Isto não é negar a vontade. A capacidade de agir intencionalmente é um fenômeno
real, e pode ser localizada no cérebro. Está no sistema límbico, como demonstra o
seguinte experimento simples: um animal com qualquer parte de seu prosencéfalo
cortada perderá uma função específica. Ele será cego, surdo ou paralítico. Mas ainda
será inegavelmente intencional. Um animal com seu sistema límbico na base do cérebro
remando ainda é perfeitamente capaz de ouvir, ver e se movimentar. Se alimentado, ele
engolirá. Mas não dá início a nenhuma ação. Ele perdeu sua vontade.
Certa vez William James escreveu sobre estar deitado na cama pela manhã
dizendo a si mesmo para se levantar. Em princípio, nada aconteceu; depois, sem
perceber exatamente como ou quando, ele se viu se erguendo. Ele suspeitou de que a
consciência estava de alguma forma relatando os efeitos da vontade, mas não era a
vontade própria. Uma vez que o sistema límbico é, aproximadamente falando, uma área
inconsciente, isto faz sentido. A decisão de fazer alguma coisa é tomada por seu cérebro
antes que você tenha consciência dela. Os experimentos controversos de Benjamin Libet
com epiléticos conscientes parecem apoiar esta idéia. Libet estimulou o cérebro de
epiléticos enquanto estes estavam sob anestésicos locais. Ao estimular a área do lado
esquerdo do cérebro, que recebe informação sensorial da mão direita, ele pôde fazer
com que os pacientes percebessem conscientemente um toque na mão direita, mas
somente com meio segundo de atraso. Depois, ao estimular a própria mão esquerda, ele
pôde conseguir o mesmo resultado, além de uma resposta imediata e inconsciente na
parte apropriada do cérebro direito, que tinha recebido seu estímulo da mão por um
nervo mais direto e mais rápido. Aparentemente, o cérebro pode receber e começar a
agir com base na sensação em tempo real, antes do inevitável atraso necessário para
processar a sensação na consciência. Isto sugere que a vontade é inconsciente.
Para Freeman, a alternativa à causalidade linear é a causalidade circular, em que
um efeito influencia sua própria causa. Isto elimina a iniciativa da ação, porque um
círculo não tem início. Imagine um bando de pássaros voando em círculos junto a uma
praia. Cada pássaro é um indivíduo tomando suas próprias decisões. Não existe um
líder. Todavia, eles parecem se voltar em uníssono, como se estivessem ligados uns aos
outros. Qual é a causa de cada giro? Coloque-se no lugar de um pássaro. Você gira para
a esquerda, o que leva seu vizinho a se inclinar para a esquerda quase imediatamente.
Mas você virou porque outro vizinho virou, e ele virou porque pensou que você
estivesse virando antes que você o fizesse. Desta vez, a pequena manobra some aos
poucos, porque os três corrigem seu rumo ao ver o que o resto do bando está fazendo,
mas da vez seguinte talvez todo o bando pegue o hábito e desvie para a esquerda. A
questão é que você procurará em vão por uma seqüência linear de causa e feito, porque
a causa primeira (você se virando) é depois drasticamente influenciada pelo efeito (o
vizinho se virando). É possível ainda que as causas somente progridam, mas elas podem
então influenciar a si mesmas. Os seres humanos são tão obcecados por causas lineares
que acham quase impossível escapar do hábito. Inventamos mitos absurdos, como o
bater de asas de uma borboleta dando início a um furacão, em uma vã tentativa de
preservar a causalidade linear em tais sistemas.
Freeman não é o único a defender a causalidade não-linear como a origem do
livre-arbítrio. O filósofo alemão Henrik Walter acredita que todo ideal de livre-arbítrio é
genuinamente uma ilusão, mas que as pessoas possuem uma forma menor dele, que ele
chama anatomia natural e que deriva dos ciclos de feedback no cérebro, onde os
resultados de um processo tornam-se as condições iniciais do seguinte. Os neurônios no
cérebro estão ouvindo seus recipientes antes mesmo que tenham terminado de mandar
as mensagens. A resposta altera a mensagem que eles mandam, o que por sua vez altera
a resposta e assim por diante. Esta idéia é fundamental para muitas teorias da
consciência. 24 Agora tente imaginar isto em um sistema paralelo com muitos milhares
de neurônios se comunicando de uma só vez. Você não encontrará o caos, assim como
não encontrará caos no bando de pássaros, mas verá transições súbitas de um padrão
dominante para outro. Você está deitado desperto na cama e o cérebro está correndo
livre de uma idéia a outra desta forma agradável. Cada idéia surge espontaneamente, por
causa de suas associações com a última, à medida que um novo padrão de atividade
neuronal vem a dominar a consciência; então subitamente um padrão sensorial intervém
— o despertador. Outro padrão assume o controle (Tenho de levantar), depois outro
(Talvez mais uns minutinhos). Depois, antes que você saiba, é tomada uma decisão em
algum lugar no cérebro, e você fica consciente de que está se levantando. É um ato
inteiramente da vontade, mas é de certa forma determinado pelo despertador. Tentar
encontrar a causa primeira do momento real de levantar-se seria impossível, porque está
enterrada em um processo circular em que os pensamentos e experiências alimentam-se
mutuamente.
Até os próprios genes estão impregnados de causalidade circular. De longe, a
descoberta mais importante dos últimos anos na ciência do cérebro é a de que os genes
estão à mercê das ações e vice-versa. Os genes CREB, que regem o aprendizado e a
memória, não são apenas a causa do comportamento; eles são também a conseqüência.
Eles são dentes de engrenagem respondendo à experiência enquanto é mediada pelos
sentidos. Seus promotores são projetados para serem ativados e desativados pelos
acontecimentos. E quais são seus produtos? Os fatores de transcrição dispositivos para
ativar os promotores de outros genes. Esses genes alteram as conexões sinápticas entre
os neurônios; isto, por sua vez, altera o circuito neuronal, que por sua vez altera a
expressão dos genes CREB por absorver experiência exterior, e assim gira o círculo.
Isto é memória, mas outros sistemas no cérebro se mostrarão igualmente circulares. Os
sentidos, a memória e a ação influenciam-se mutuamente através de mecanismos
genéticos. Os genes não são apenas unidades de hereditariedade — esta descrição falha
completamente em tentar compreendê-los. Eles são mecanismos primorosos para
traduzir experiência em ação. 25
Não posso fingir que dei uma descrição refinada do livre-arbítrio, porque não
acho que exista alguma. Ele é a soma e o produto de influências circulares com redes
variáveis de neurônios, imanente em um relacionamento circular entre os genes. Nas
palavras de Freeman, “cada um de nós é uma fonte de significado, um manancial para o
fluxo de construções novas em nossos cérebros e corpos”.
Não há um “eu” dentro de meu cérebro; há somente um conjunto de estados
cerebrais em eterna transformação, uma destilação de história, emoção, instinto,
experiência e a influência de outras pessoas — para não falar no acaso.
Moral: O livre-arbítrio é inteiramente compatível com um cérebro
primorosamente pré-especificado pelos genes e regido por eles.

EPÍLOGO

Homo Stramineus —

O Homem Insignificante

Os mortos não contam histórias, e se houvesse qualquer tribo de outro tipo além desse, ela não
teria sobreviventes. Nossos ancestrais criaram a belicosidade em nossos ossos e medula, e milhares
de anos de paz não tirarão isso de nós.

William James 1

Doze barbudos posaram para minha foto imaginária em 1903. Se eles tivessem se
conhecido, duvido que teriam se gostado muito. O abrasivo Watson, o dogmático Freud,
o indeciso James, o pedante Pavlov, o arrogante Galton, o arrojado Boas — suas
personalidades (inatas?) eram díspares demais, sua formação cultural (adquirida?)
diversa demais e seus pêlos teriam se emaranhado.
Suponho que talvez eles pudessem ter arrumado a bagunça no início e evitado um
século de controvérsias sobre natureza e criação. Eles podiam ter concedido a Darwin,
James e Galton o caráter inato da personalidade; a De Vries a natureza particulada da
herança; a Kraepelin, Freud e Lorenz um papel para a experiência inicial na formação
da psique; a Piaget a importância dos estágios de desenvolvimento; a Pavlov e Watson o
poder do aprendizado para remodelar a mente adulta; a Boas e Durkheim o poder
astronômico da cultura e da sociedade. Todas estas coisas podiam ser verdade ao
mesmo tempo, diriam eles. O aprendizado podia não acontecer sem uma capacidade
inata de aprender. O inato pode não ser expresso sem a experiência. A verdade de cada
idéia não é prova da falsidade das outras.
É possível, mas não provável. Mesmo que tivessem conseguido esta — para os
filósofos — proezas sobre-humanas, não consigo vê-los impondo o pacto àqueles que os
seguiam. As hostilidades teriam aparecido com bastante rapidez entre os partidários de
diferentes teorias: é da natureza humana. Parece haver alguma coisa quase inevitável na
divisão da psicologia humana em natureza e criação. Talvez, como sugeriu Sarah Hrdy,
a dicotomia seja ela mesma um instinto — presente nos genes. Em vez de um progresso
majestoso para o esclarecimento, o século XX tornou-se um choque de idéias, uma
guerra dos cem anos entre as forças da natureza e as forças da criação. A antropologia
foi seu Flandres, Harvard seu Manassas, a Rússia sua Rússia. Era difícil continuar
neutro; aqueles que mantinham o respeito por ambos os lados, como John Maynard
Smith e Pat Bateson, descobriram que era duro prosseguir. Muita gente resvalou na
falsa equação de que provar uma proposição correta era provar que outra estava errada
— que o sucesso da natureza só podia significar a derrota da criação, ou vice-versa. Até
quando repetiam o chavão, “É claro que são as duas coisas”, muitos não conseguiam
resistir à tentação de vê-lo como um impasse, uma batalha. Espero ter mostrado neste
livro como isto é errado. Espero ter mostrado que, quanto mais você descobre genes que
influenciam o comportamento, mais descobre que eles funcionam através da criação, e
quanto mais você descobre que os animais aprendem, mais descobre que o aprendizado
funciona através dos genes.
Estranhamente, até os guerreiros mais ferozes da guerra dos cem anos sabiam
disso. As citações seguintes são todas de veteranos daquelas guerras. Será que você
pode dizer de que lado eles estavam?
[Vejo] os seres humanos como organismos dinâmicos e criativos para quem a oportunidade de
aprender e experimentar novos ambientes amplifica o efeito do genótipo sobre o fenótipo. 2

Cada pessoa é moldada por uma interação de seu ambiente, especialmente seu ambiente cultural,
com os genes que afetam o comportamento social. 3

De onde diabos vem o mito da inevitabilidade dos efeitos genéticos? 4

Se meus genes não gostam disso, que se atirem no lago. 5

Na medida em que qualquer aspecto da vida pode ser atribuído aos ‘genes”, nossos genes
proporcionam a capacidade tanto para a especificidade — uma corda salva-vidas relativamente
inacessível para o amortecedor do desenvolvimento e do ambiente — e a plasticidade — a
capacidade de reagir adequadamente à contingência ambiental imprevisível. 6

Se somos programados para ser o que somos, então estas características são inelutáveis. Podemos,
na melhor das hipóteses, canalizá-las, mas não podemos mudá-las seja pela vontade, seja pela
educação ou pela cultura. 7
Os genes de um organismo, na medida em que influenciam o que o organismo faz, em seu
comportamento, psicologia e morfologia, estão ao mesmo tempo ajudando a construir um
ambiente. 8

Sou um reducionista e um geneticista. A memória é, de certa forma, a soma de todos os genes da


memória. 9

As citações são de Thomas Bouchard, Edward Wilson, Richard Dawkins, Steven


Pinker, Steven Rose, Stephen Gould, Richard Lewontin e Tim Tully. Os quatro
primeiros seriam considerados deterministas genéticos radicais pelos outros quatro.
Mas, na verdade, cada um destes polemistas acredita aproximadamente na mesma coisa.
Eles acreditam que a natureza humana vem de uma interação de natureza com criação.
Somente seu oponente sustenta opiniões imoderadas. Mas seu oponente é um homem
insignificante.
Na história do debate natureza-criação, nas inovações realmente grandes, nos
momentos de esclarecimento surpreendente, era impossível dar a vitória a qualquer um
dos lados. Os experimentos que celebrei neste livro — os filhotes de ganso de Lorenz,
os macacos de Harlow, as cobras de brinquedo de Mineka, os arganazes de Insel, as
moscas de Zipursky, os vermes de Rankin, os girinos de Holt, os irmãos de Blanchard,
as crianças de Moffitt — cada um dos casos fornece evidências dos genes que
funcionam reagindo à experiência. Os filhotes de ganso de Lorenz são geneticamente
programados para sofrerem imprinting de qualquer coisa que o ambiente forneça como
modelo parental. O macaco de Harlow é geneticamente inclinado a preferir certos tipos
de mãe, mas não pode se desenvolver adequadamente sem o amor materno. A cobra de
Mineka incita uma fobia instintiva, mas só se pareada com uma reação de medo de um
modelo. O arganaz de Insel é programado para se apaixonar, mas somente em resposta a
certas experiências. Os olhos das moscas de Zipursky são equipados com genes que
acham seu rumo no cérebro em resposta ao ambiente que elas encontram pelo caminho.
Os vermes de Rankin alteram a expressão de seus genes em resposta a uma escola. O
girino de Holt desenvolveu cones nas extremidades de seus neurônios que expressam
genes em resposta ao mundo que o cerca. O útero blanchardiano de uma mãe de muitos
filhos mais provavelmente é feito, por seus genes, para levar seu próximo filho a ser
gay. Uma criança moffitiana que sofre maus-tratos é criada para o comportamento anti-
social, mas somente se equipada com uma determinada versão de um gene. Estes são
experimentos que mostram verdadeiramente que os genes são os epítomes da
sensibilidade, os meios pelos quais as criaturas podem ser flexíveis, os próprios servos
da experiência. Natureza versus criação está morto. Vida longa à natureza via criação.

AGRADECIMENTOS

Minha enorme gratidão a todos os cientistas que compartilharam suas admiráveis


pepitas do genoma comigo, e a todos aqueles que livraram minha mente de absurdos e a
encheram com idéias melhores. Alguns concederam-me longas entrevistas, outros
responderam a e-mails e alguns apenas contribuíram fazendo observações. Todos
fizeram isso com enorme generosidade. Incluem Michael Bailey, Simon Baron-Cohen,
Pat Bateson, Ray Blanchard, Dorset Boomsma, Tom Bouchard, John Burn, Ira Carmen,
Sue Carter, Avshalom Caspi, Shirley Chan, Hollis Cline, Steve Cohen, Peter Corning,
Leda Cosmides, Francis Crick, Tim Crow, Tony Curzon-Price, Richard Dawkins,
Paromita Deb-Rinker, Mickey Diamond, Alan Dixson, Sean Eddy, Thalia Eley, Mike
Fainzilber, James Flynn, Alex Gann, Mary-Jane Gething, David Goetze, Anthony
Gottlieb, Jean-Pierre Hardelin, Judith Rich Harris, Scott Hawley, Andrew Holmes,
Gabriel Horn, Sarah Hrdy, Josh Huang, Tim Hubbard, Tom Insel, BilI Irons, Lucia
Jacobs, Randal Keynes, Jonathan Kingdon, Tom Kirkwood, Robert Krueger, Robb
Krumlauf, Naida Loskutoff, Robin Lovell-Badge, Bobbi Low, Hugh Lynon, Zach
Mainen, Nick Martin, Roger Masters, Brian McCabe, Robin McKie, Chris McManus,
Michael Meaney, Drew Mendelsohn, David Micklos, Geoffrey Miller, Sue Mineka,
Graeme Mitchison, Terrie Moffitt, Bill Neaves, Randy Nesse, John OrbelI, Svante
Paabo, Steven Pinker, Robert Plomin, Malcolm Potts, Cathy Rankin, Mark Ridley,
Giacomo Rizzolatti, Pemilla Roth, Joe Sambrook, Ken Schaffner, Nancy Segal, Phil
Sharp, Richard Sherlock, Neil Smalheiser, Tim Specter, Robert Sprinkle, David Stern,
David Stewart, Bruce Stillman, John Sulston, lan Tattersall, Bronyn Terrill, John
Tooby, Patricia Tueting, TimTully, Eric Turkheimer, Ajit Varki, Richard Viken,
Christopher Walsh, Jim Watson, Mary-Jane West-Eberhard, Jan Witkowski, Geoffrey
Woods, kobert Wozniak, Richard Wrangham, Pat Wright, Robert Yolken e Larry
Zipursky.
Enquanto escrevia o livro, tive a sorte de passar algum tempo nos arredores
intelectualmente estimulantes e esteticamente pacíficos de Cold Spring Harbor em Long
Jsland. Sou muito grato àqueles que fizeram de nossa estada um prazer, especialmente
Jim e Liz Watson, Bruce e Grace Stillman e Jan e Fiona Witkowski. Também sou
especialmente grato a meus anfitriões no Instituto Stowers em Kansas City, quando os
terríveis acontecimentos de 11 de setembro de 2001 me detiveram brevemente ali:
especialmente BilI Neaves e Neil e Jean Patterson. De volta para casa, agradeço a todos
os meus colegas do Centro Internacional para a Vida por seu apoio e estímulo nos
últimos dois anos, inclusive AJastair BalIs, Linda Conlon, Steve Cross e Teresa
McDonald.
Vária pessoas leram generosamente todo o livro ou partes dele em rascunho e
sugeriram mudanças essenciais: Richard Dawkins, Graeme Mitchison, Randy Nesse,
Jim Watson, John Tooby, Anya Hurlbert.
Meus editores, Terry Karten e Christopher Potter, deram-me muita liberdade de
ação, meus agentes, Felicity Bryan e Peter Ginsberg fizeram um trabalho fabuloso,
como sempre, e minha editora o transformou em livro em um prazo recorde.
A expressão “natureza via criação” foi cunhada por David Lykken, que
gentilmente me permitiu usá-la como título de meu livro, O conselho e apoio de Anya
Hurlbert — neurocientífico, literário e pessoal — foram completamente inestimáveis.

NOTAS

PRÓLOGO: DOZE BARBUDOS

1. Livro 1, Linha 58.


2. Observer, 11 de fevereiro de 2001.
3. San Francisco Chronicle, 11 de fevereiro de 2001.
4. New York Times, 12 de fevereiro de 2001.
5. Ver http://web.fccj .org/-’ethall/trivia/solvay.htm.

CAPÍTULO 1: O MODELO DOS ANIMAIS

1. Ato 3,cena4.
2. Keynes, R. D. (org.). 1988. Charles Darwin’s Beagle Diary. Cambridge University
Press.
3. Ibid.
4. Keynes, R. D. 2001. Annie’s Box. 4th Estate.
5. Citado em Degler, C. N. 1991. In Search ofHuman Nature. Oxford University Press.
6. Citado em Midgely, M. 1978. Beast and Man. Routledge.
7. Budiansky, 5. 1998. If a Lion Could Talk. Weidenfeld & Nicolson.
8. Buffon’s Natural History (resumida). 1792. Londres.
9. Bewick, T. 1807. A General History of Quadrupeds. Newcastle upon Tyne.
10. Morris, R. e Morris, D. 1966. Men and Apes. Hutchinson.
11. Goodail, J. 1990. Through a Window. Houghton Mifflin.
12. Ibid.
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15. Malik, K. 2001. Whaz- Is li iv Be Human? Institute of Ideas.
16. Darwin, C. 1871. The Descent ofMan. John Murra>’.
17. Malik, K. 2001. What Is It iv Be Human? Institute of Ideas.
18. Midgley, M. 1978. Beast and Man. Routledge.
19. Zuk, M. 2002. Sexual Selections. University of California Press.
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22. Ridley, M. 1996. The Origins of Virtue. Penguin.
23. Wrangham, R. W. e Peterson, D. 1997. Demonic Males. Bloomsbury.
24. Alan Dixson, correspondência por e-mail.
25. Ver http://www.blockbonobofoundation.org.
26. Ebersberger, 1., Metzier, D., Schwarz, C. e Paabo, S. 2002. “Genomewide
comparison of DNA sequences between human and chimpanzees.” American
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indicated by DNA-DNA hybridization.” Journal of Iv[olecular Evolution 20:2-15.
30. Johnson, M. E., Viggiano, L., Baile>’, J. A., Abdul-Rauf, M., Goodwin, G., Rocchi,
M. e Eichler, E. E. 2001. “Posirive selection of a gene during the emergence
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31. Hayakawa, T., Satta, Y., Gagneuz, E., Varki, A. eTakahata, N. 2001. “Alu-mediated
inactivation of the human CMP-N-acetyineuraminic acid hydroxylase gene.”
Froceedings ofthe NationalAcademy ofScíences 98:11399-404.
32. Ajit Varki, entrevista. Ver também Chou, H.-H. a aL 1998. “A mutation in human
CMP-sialic acid hydroxylase occurred after the Homo-Pan divergence.”
Proceedings ofthe NationalAcademy ofSciences 95:11751-6; Gagneux, P. e Varki,
A. 2001. “Genetic differences between humans and great apes.” Molecular
Phylogenetics and Evolution 18:2-13; Varki, A. 2001. “Loss ofN-
glycolylneuraminic acid in humans: mechanisms, consequences, and implications
for hominid evolution.” Yearbook of PhysicalAnthropology 44:54-69
33. Hammer, C. J., Tyler, H. D., Loskutoff, N. M., Armstrong, D. L., Funk, D. J.,
Lindsey, B. R. e Simmons, L. G. 2001. “Compromised development of calves (Bos
gaurus) derived from in vitro-generated embryos and transferred interspecificaHy
into domestic catrle (Bos taurus).” Theriogenology 55:1447-55; Loskutoff, N.,
correspondência por e-maiL
34. Há alguma confusão com a terminologia aqui. Alguns biólogos usam “promotor”
para indicar o local onde a enzima RNA polimerase se liga depois de ser recrutada
por um fator de transcrição. Eu o uso neste livro no sentido mais amplo, indicando
toda a seqüência regulatória do gene.
35. Belting, H. G., Shashikant, C. S. e Ruddle, E H. 1998. “Modification ofexpression
and cis-regulation ofHoxc8 in the evolution ofdiverged axial morphology.”
Proceedings ofthe NationalAcademy ofSciences 95:2355-60.
36. Cohn, MJ. e Tickle, C. 1999. “Developmental basis of limbiessness and axial
patterning in snakes.” Nature 399:474-9.
37. Ptashne, M. e Gann, A. 2002. Genes and Signals. Cold Spring Harbor Press;
também Alex Gann, entrevistas.
38. Carroil, S. B. 2000. “Endless forms: the evolution of gene regulation and
morphological diversity.” CelI 101:5 77-80.
39. Coppinger, R. e Coppinger, L. 2001. Dogs: a Startling New Understanding
ofCanine Origin, Behavior and Evolution. Scribner.
40. Semendeferi, K., Armstrong, E., Schleicher, A., Zilies, K. e van Hoesen, G.W 1998.
“Limbic frontal cortex in hominoids: a comparative study of arca 13.” American
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41. Wrangham, R. W, Pilbeam, D. e Hare, B. (inédito). “Convergent paedomorphism in
bonobos, domesticated animais and humans: the role ofselection for reduced
aggression.”
42. Wrangham, R. W e Pilbeam, D. 2001, emAllApes Great and Small, volume 1;
Chimpanzees, Bonobos, and Gorillas (org. Galdikas, B., Erickson, N. e Sheeran, L.
K.). Plenum; também Wrangham, R W Discurso em Cold Spring Harbor, Conselho
Presidencial, maio de 2001.
43. Citado no New York Times, 24 de setembro de 2002.
44. Bond, J., Roberts, E., Mochida, G. H., Hampshire, D. J., Scott, 5., Askham, J. M.,
Springell, K., Mahadevan, M., Crow, Y. J., Markham, A. E, Walsh, C. A. e Woods,
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Genetics 32:316-20.

CAPÍTULO 2: UMA ABUNDÂNCIA DE INSTINTOS


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2. Myers, G. E. 1986. WilliamJames:HisLifèandThought. YaleUniversity Press.
3. Bender, B. 1996. The Descent ofLove: Darwin and the Theory ofSexualSelection
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4. James, W. 1890. The Principies ofPsychology. Henry Hoir.
5. Myers, G. E. 1986. WilliamJames: HisLfè and Thought. Yaie University Press.
6. Dawkins, R. 1986. The Blind Watchmaker. Norton.
7. Dennett, D. 1995. Darwin’s Dangerous Idea. Penguin.
8. James, W. 1890. The Principies ofPsychology. Henry Holt.
9. Insel, T. R. e Shapiro, L. E. 1992. “Oxytocin receptor distribution reflects social
organization in monogamous and polygamous voles.” Proceedings ofthe
NationaiAcademy fSciences 89:5981-5.
10. Argiolas, A., Meus, M. R., Stancampiano, R. e Gessa, G. L. 1989. “Penile erection and
yawning induced by oxytocin and related peptides: structure-activity relationship.”
Peptides 10:559-63.
11. Insel, T. R. e Shapiro, L. E. 1992. “Oxytocin receptor distribution reflects social
organization in monogamous and polygamous voles.” Proceedings ofthe National
Academy ofSciences 89:5981-5.
12. Ferguson, J. N., Young, L. J., Hearn, E. E, Marzuk, M. M., Insel, T. R. e Winslow, 1 T.
2000. “Social amnesia in mice iacking the oxytocin gene.” Nature Genetics 25:284-8.
13. Young, L. J., Wang, Z. e Insel, T. R. 1998. “Neuroendocrine bases of monogamy.”
Trends iii Neurosdences 21:71-5.
14. Insel, T. R., Winsiow, J. T., Wang, Z. e Young, L. J. 1998. “Oxytocin, vasopressin, and
the neuroendocrine basis of pair bond formation.” Advances in Experimental and
Medical Biology 449:215-24.
15. Insel, T. R. e Young, L.J. 2001. “Th neurobiology ofattachment.” Nature Reviews in
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16. Wang, Z., Yu, G., Cascio, C, Liu, Y., Gingrich, B. e Insel, T. R. 1999. “Dopamine D2
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17. Jankowiak, W. R. e Fisher, E. F. 1992. “A cross-culturai perspective on romantic love.”
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18. Insei, T. R., Gingrich, B. 5. e Young, L. J. 2001. “Oxytocin: who needs it?” Progress in
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19. Barteis, A. e Zeki, 5. 2000. “The neural basis of romantic love.” Neuroreport 1 13829-
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20. Carter, C. 5. 1998. “Neuroendocrine perspectives on social attachment and love.”
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21. Ridley, M. 1993. The Red Queen. Penguin.
22. Tinbergen, N. 1951. The Study oflnstinct. Oxford University Press.
23. Ginsburg, B. E. 2001. “Fellow travellers on the road to the genetics of behavior: mice,
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24. Konner, M. 2001. The Tangled Wing. Biological Constraints on the 1-luman Spirit. 2a
edição. W H. Freeman.
25. Budiansk 5. 2000. The Truth about Dogs. Viking Penguin.
26. Poderá verificar este catálogo de touros em www.genusplc.com.
27. Eibl-Eibesfeidt, 1. 1989. Human Ethology. Aldine de Gruyter; Ekrnan, E 1998.
“Mterword: Universality ofemotional expression? A personal history of the dispute.”
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28. Buss, D. M. 1994. TheEvolution ofDesire. Basic Books.
29. Buss, D. M. 2000. The Dangerous Passion. Bloomsbury
30. Poderá encontrar esta citação quase em toda parte na Interna.
31. Diamond, M., 1965. “A crjticaJ evaluation of the ontogeny ofhuman sexual behavior.
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32. Colapinto, J. 2000. As Nature Made Him; the Boy Who Was Raised as a Giri.
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33. Reiner, W G. 1999. “Assignment of sex in neonates with ambiguous genitalia.” Current
Opinion iii Pediatria 11:363-5. Também o artigo em The limes (Londres), 26 de junho
de 2001, de Lisa Melton: “Ethics and gender.”
34. Lutchmaya, 5., Baron-Cohen, 5. e Raggatt, P. No prelo. “Foetal testosterone and eye
contact in 12 month old human infanrs.” Infant Behaviour Development (no prelo).
35. Connellan, J., Baron-Cohen, 5., Wheelwright, 5., Batki, A. e Ahluwalia, J. 2000. “Sex
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36. Baron-Cohen, 5. 2002. “The extreme male brain theory of autism.” Trends in Cognitive
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37. Baron-Cohen, 5. 2002. “Autism: deficits in folk psychology exist alongside superiority
in folk physics.” Em Understanding OtherMinds (org. Baron-Cohen, 5., Tager-
Flusberg, H. e Cohen, D. J.), pp. 73- 82; Baron-Cohen, 5., Wheelwrighr, 5., Skinner, R.,
Martin, J. e Clubley, E. 2001. “lhe autism spectrum quotient: evidence from Asperger
syndrome/high-functioning autism, males and females, scientists and mathematicians.”
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38. Baron-Cohen, 5., entrevista.
39. Frith, C. e Frith, U. 2000. “lhe physiological basis oftheory ofmind: functional
neuroimugingstudies.” Em UnderstandingOtherMinds (org. Baron-Cohen, 5., Tager-
Flusberg, H. eCohen, D. J.), pp. 334-56.
40. Tooby, J. e Cosmides, L. 1992. “lhe psychological foundations of culture.” Em
TheAdaptedMind (org. Barkow, J. H., Cosmides, L. e Tooby, J.). Oxford University
Press.
41. Pinker, 5. 1994. The Language Instinct. HarperCollins.
42. Sharma, J., Angelucci, A. e Sur, M. 2000. “Induction of visual orientation modules in
audirory cortex.” Nature 404:841-7.
43. Finlay, B. L., Darlington, R. B. e Nicasrro, N. 2001. “Developmental srructure in brain
evolurion.” BehavioralandBrajn Sciences 24:263-308.
44. Barton, R. A. e Harvey, E H. 2000. “Mosajc evolution of brain structure in mammals.”
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45. Fodor, J. 2001. The MindDoesn’t Work That Way. MII Press.
46. Pinker, 5. 1997. How the Mmd Works. Norton.
47. Lee, D. 1987. “Inrroduction to Plato.” The Republie. Penguin.
48. Nevilie-Singron, E e Sington, D. 1993. ParadiseDreamed: How Utopian Thinkers Have
Changed the World. Bloomsbury.

CAPITULO 3: UMA ALITERAÇÃO CONVENIENTE

1. Diálogo com o autor, Montreal, 2002.


2. Galton, E 1869. Hereditary Genius.
3. Candolle, A. de. 1872. Histoire des sciences et der savants depuis deux siecles.
4. Galton, E 1874. English Men ofScience: Their Nature and Nurture.
5. A tempestade, AIO 4, cena 1.
6. O texto das “Posições” de Mulcaster pode ser encontrado em hIIp:// www.ucs. mun.ca/-
wbarker/positions-txt.html
7. Sonho de uma noite de verão, Ato 3, cena 2.
8. Galron, F. 1875. “The history oftwins, as a criterion of the relative powers of nature and
nurture.” Fraser’s Magazine 12:566-76.
9. Gilham, N. 2001. A L/è ofSirFrancis Galton:fromAfrican Exploration to the Birth
ofEugeníes. Oxford University Press.
10. Ridley, M. 1999. Genome. Fourth Estate. [Ed. bras.: Genoma. Rio de Janeiro: Record,
2001.]
11. Lifron, R. J. 1986. The Nazi Doctors. Basic Books.
12. Wright, W 1099. Bom That Way. Rourledge.
13. Para um resumo excelente destes prás e contras de gêmeos, ver Segal, N. 1999.
Entwined Limes. Dutton. Aliás, está cada vez mais fora de moda usar os termos
“idênticos” e “fraternos”; os pesquisadores preferem os mais exatos “monozigáricos” e
“dizigáticos”. Mas este é um livro popular, então uso termos populares.
14. Para uma análise geral da genética do comportamento, ver: Plomin, R., DeFries, J. C.,
Craig, 1. W e McGuffin, P 2002. Behavíoral Geneties in the Postgenomic Era.
American Psychological Associarion.
15. Wright, W 1999, Bom That Way. Routledge.
16. Farber, 5. L. 1981. Identical Twins Reared Apart A Reanalysis. Basic Books.
17. Há evidências de que os gêmeos fraternos são na verdade mais similares geneticamente
do que irmãos comuns, porque, embora venham de espermatozóides diferentes, com
frequência provêm do mesmo oácito materno, e dois destes prá-núcleos se desenvolvem
em ávulos. Isto, contudo, somente torna mais extraordinário que eles se mostrem tão
diferentes em personalidade quando comparados com gêmeos idênticos.
18. Bouchard, T. J., McGue, M., Lykken, D. e Tellegen, A. 1999. “Intrinsic and extrinsic
religiousness: genetics and environmental influences and personality correlates.” Twin
Research 2:88-98; Kirk, K. M., Eaves, L. J. e Martin, N. 1999. “Self-transcendence as a
measure of spirituality in a sample of older Australian twins.” Twin Research 2:81-7.
19. Neilcin, D. e Lindee, M. 5. 1996. TheDNA Mystique. W. H. Freeman.
20. Website do Pioneer Fund.
21. Citado em Wright, W 1999. Bom That Way. Routledge.
22. Pinker, 5. 2002. The Blank Siate. Penguin.
23. Eley, ‘E C., Lichtenstein, E e Stevenson, J. 1999. “Sex differences in the eriology
ofaggressive and nonaggressive antisocial behavior: results from two twin studies.”
Child Development 70:155-68.
24. Mischel, W. 1981. Introduction to Personality. Holt, Rinehart and Winston.
25. Thomas Bouchard, entrevista.
26. Clark, W R. e Grunstein, M. 2000. Are We Hard-wired? The Role of Gems in Human
Behavior. Oxford University Press.
27. Bouchard, ‘E. J. Jr. 1999. “Genes, environment and personality”, pp. 98-103, em The
Nature-Nurture Debate (org. Ceci, 5. J. e Williams, W M.). Blackwell.
28. Krueger, R. 2001. Discurso no 10° Congresso Internacional de Estudos de Gêmeos,
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29. Grilo, C. M. e Pogue-Geile, M. E 1991. “The nature ofenvironmental influences on
weight and obesiry.” Psycbological Bulietin 110:520-37.
30. Randolph Nesse, e-maiLVer também Srijan, 5., Nesse, R. M., Stoltenberg, 5. E, Li, 5.,
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variant is associated with the NEO personality inventory domam neuroticism, a risk
factor for depression.” Neuropsychophammacology (no prelo). Publicado original-
mente em 27 de agosto de 2002 em http://www.acnp.org/citationsNppo82902374.
31. Bouchard, T. J. Jr, Lykken, D. T., McGue, M., Segal, N. L. e Teilegen, A. 1990.
“Sources of human psychological differences: the Minnesota Study ofTwins Reared
Apart.” Selence 250:223-8.
32. Eaves, L., D’Onofrio, B. e Russell, R. 1999. “Transmission ofreligion and attitudes.”
Twin Research 2:5 9-61.
33. Tully, T., entrevista.
34. Turkheimer, E. 1998. “Heritability and biological explanation.” FsychologyReview
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35. Zach Mainen, entrevista.
36. Jensen, A. 1969. “How much can we boost IQ and scholastic achieve ment? Hamvard
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37. Herrnstein, R. J. e Murray, C. 1994. The Beil Curve: Inteiligence and Class Structure in
American LiJê. Free Press.
38. Posthuma, D., Neale, M. C., Boomsma, D. 1. e de Geus, E. J. 2001. “Are smarter brains
running faster? Heritability of alpha peak frequenc IQ, and their interrelation.” Behavior
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39. Thompson, P M., Cannon, ‘E. D., Narr, K. L., van Erp, T., Poutanen, V.-P., Huttunen,
M., Lohnqvist, J., Standertskjold-Nordenstant, C. G., Kaprio, J., Khaledy, M., Dail, R,
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Neumoscience 4:1253-8; Posthuma, D., de Geus, E. J., Baare, W E, HulshoffPol, H. E.,
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CAPÍTULO 4: A LOUCURA DAS CAUSAS

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CAPíTULO 5: OS GENES NA QUARTA DIMENSÃO

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CAPfTULO 6: OS ANOS DE FORMAÇÃO


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17. Todas as citações de ou sobre Lisenko são de Joravsky, D. 1986. The Lysenko Affair.
Universiry of Chicago Press.
18. Ibid.
19. Ibid.
20. Gould, 5. J. 1978. Ever Since Darwin. Burnett Books.
21. Pinker, 5. 2002. The Blank Slate. Penguin.
22. Bium, D. 2002. Love at Goon Park. Perseus Publishing.
23. Harlow, H. F. 1958. “The nature of love.” American Psychologist 13 1673-85.
24. Para uma análise do trabalho de Mineka, ver Ohman, A. e Mineka, 5. 2001. “Fears,
phobias and preparedness: toward an evolved module of fear and fear learning.”
Psychological Review 108:483-522.
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26. Ledoux, J. 2002. Synoptic SelfiHow OurBrainsBecome Who WeAre. Viking.
27. Ohman, A. e Mineka, 5. 2001. “Fears, phobias and preparedness: toward an evolved
module of fear and fear learning.” Psychological Review 108:483-522.
28. Kendler, K. 5., Jacobson, K. C., Myers, J. e Prescott, C. A. 2002. “Sex differences in
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29. Hebb, D. O. 1949. The Organisation ofBehavior. A Neuropsychological Theory. Wiley.
30. Elman, J., Bates, E. A., Johnson, M. H., Karmiloff-Smith, A., Parisi, D. e Plunkert, K.
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31. Ibid.
32. Fodor, J. 2001. Tbe MindDoesn’t Work That Way. MIT Press.
33. Pinker, 5. 2002. The Blank Slate. Penguin.
34. Skinner, B. E 1948/1976. Walden Two. Prentice Hail.
35. Ver www.loshorcones.org.mx.

CAPITULO 8: ENIGMAS DA CULTURA

1. Essay on Human Understandíng, 1692. Que somente mostra que Locke não era o
defensor cego da tabula rasa que com freqüência parecia ser.
2. Kuper, A. 1999. Culture: the Anthropologists’Account. Harvard University Press.
3. Muller-White, L. 1998. Franz Boas among the Inuit of Baifin Island, 1883-1884: Letters
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4. Citado em Degler, C. N. 1991. In Search of Human Nai-ure. Oxford
University Press.
5. Ibid.
6. Ver New York Times, 8 de outubro de 2002, p. F3. Também: Sparks, C. 5. e Jantz, R. L.
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Boas revisited.” Proceedings ofthe National Academy ofSciences. 8 de outubro. 2002.
7. Freeman, D. 1999. The Fateful Hoaxing ofMargaretMead: a Histo ri cal Analysis ofHer
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8. Durkheim, E. 1895. The Rules ofthe SociologicalMethod. (edição de 1962). Free Press.
9. Pinker, 5. 2002. The Blank State. Penguin.
10. Plotkin, H. 2002. The Imagined WorldMade Real: Towards a Natural Science of
Culture. Penguin.
11. Sobre o programa de tevê The CulturedApe. Channel 4. Produzido por Brian LeitE,
Scorer Associates.
12. de WaaI, E 2001. The Ape and the Sushi Master. Penguin.
13. Tomaselio, M. 1999. The Cultural Origins ofHuman Cognition. Harvard University
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14. de Waal, E 2001. TheApe and the Sushi Master. Penguin.
15. Tomaselio, M. 1999. The Cultural Origins ofHuman Cognition. Harvard University
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16. Tiger, L. e Fox, R. 1971. The ImperialAnimal. Transaction.
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18. Rizzolatti, G. e Arbib, M. A. 1998. “Language within our grasp.” Trends in
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19. Jacobini, M., Koski, L. M., Brass, M., Bekkering, H., Woods, R. E, Dubeau, M.—C.,
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20. Kohler, E., Keysers, C., Umilta, M. A., Fogassi, L., Gallese, V. e Rjzzolatti, G. 2002.
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speech and language disorder.” Nature 413:519-23.
22. Enard, W, Przeworski, M., Fisher, 5. E., Lai, C. 5. L., Wiebe, V., Kitano, T., Monaco,
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23. lacoboni, M., Woods, R. E, Brass, M., Bekkering, H., Mazziotta, J. C. e Rizzolatti, G.
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24. Cantalupo, C. e Hopkins, W. D. 2001. “Asymmetric Broca’s area in great apes.” Nature
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28. Tattersall, 1. Correspondência por e-mau.
29. Wilson, E R. 1998. TheHand. Pantheon.
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34. Biackmore, 5. 1999. The Meme Machine. Oxford University Press.
35. Cronk, L. 1999. That Cornplex Whole: Culture and the Evolution of Human Behavior.
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36. Pitts, M. e Roberts, M. 1997. FaírweatherEden. Century.
37. Kohn, M. 1999. As XVe Know li Corning to Terrns with an EvolvedMind. Granta,
38. Low, B. 5. 2000. Why Sex Matters: a Darwinian Look at Hurnan Behavior. Princeton
University Press.
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University Press.
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41. Wright, R. 2000. Nonzero: History, Evolution and Hurnan Cooperation. Random
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44. Tattersall, 1. 1998. Becorning Hurnan. Harcourt Brace.
45. Wright, R. 2000. Nonzero: History, Evolution and Hurnan Cooperation. Random
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46. Ridley, M. 1996. The Origins ofVirtue. Penguin.
47. Nevilie-Sington, P e Singron, D. 1993. FaradiseDreamed: How Utopian Thinkers Have
Changed the World. Bloomsbury.
48. Mune, H. 1986. Bhagwan: The God ThatFailed. Caliban Books.

CAPItULO 9: OS SETE SIGNIFICADOS DE “GENE”

1. Dennett, D. Darwin’s Dangerous Idea. Penguin.


2. De Vries, H. 1900. “Sur la loi de disjonction des hybrides.” Cornptes Rendus de
lAcadérnie des Sciences (Paris) 130:845-7.
3. Henig, R. M. 2000. A Monk and Two Fez. Weidenfeld & Nicolson.
4. Tudge, C. 2001. In Mendel’s Footnotes. Vintage; Orei, V. 1996. Gregor 7V[endel: the
Fira Geneticíst. Oxford University Press.
5. Watson, J. D. e Crick, E H. C. 1953. “Molecular structure ofnucieic acid: a structure for
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6. Ptashne, M. e Gann, A. 2002. Genes and Signais. Cold Spring Harbor Press.
7. Midgiey, M. 1979. “Gene juggling.” Fhilosophy 54:439-58.
8. Canning, C. e Lovell-Badge, R. Sry and sex determination: how lazy can it be?” Trends
in Genetics 18:111-13.
9. Randolph Nesse, comunicação pessoal.
10. Chagnon, N. 1992. Yanornarno: the LastDays ofEden. Harcourt Brace.
11. MilIer, G. 2000. The Mating Mmd. Doubleday.
12. Wilson, E. O. 1994. Naturalist. Island Press.
13. Wilson, E. O. 197 5. Sociobiology. Harvard University Press.
14. Segersrrale, U. 2000. Defenders ofthe Truth. Oxford Universiey Press.
15. Anthony Leeds, Barbara Beckwirh, Chuck Madansky David Culver, Elizabeth Álien,
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Rosenthal, Reed Pyeritz, Richard C. Lewontin, Ruth Hubbard, Steven Chorover e
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16. Segerstrale, U. 2000. Defenders ofthe Truth. Oxford University Press.
17. Lewontin, R 1993. TheDoctrine of DNA: Biology ofldeology Penguin.
18. Tooby, J. e Cosmides, L. 1992. “The psychological foundarions of culture. Em The
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19. Ibid.
20. Daly, M. e Wilson, M. 1988. Homicide. Aldine.
21. Hrdy, S. 2000. MotherNature. Baliantine Books.
22. Durkheim, E. 1895. The Rules ofthe Sociological Method (edição de 1962). Free Press.

CAPITULO 10: MUITAS MORAIS PARADOXAIS

1. Wolfe, T. 2000. Hooking Up. Picador.


2. Ellis, B. J. e Garber, J. 2000. “Psychosocial antecedents ofvariation in girls’ pubertal
timing: maternal depression, stepfather presence, and marital and family stress.” Child
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3. Harnis,J. R. 1998. TheNurtureAssumption. Bloomsbury.
4. Harris, J. R. 1995. “Where is the child’s environment? A group socialisation theory of
developmenr.” Psychological Review. 102:458-9.
5. Wills, J. E. 2001. 1688: a Global History. Granta.
6. Mas depois outros estudos revelaram algumas correlações negativas drásticas entre pais e
filhos, também: onde o efeito dos pais é o de levar o filho ao lado oposto. Os filhos de
hippies tornam-se banqueiros de investimento.
7. Lytton, H. 2000. “Towards a model offamily-environmental and childbiological
influences on development.” DeveI opmental Review 20:150-79.
8. Mednick, 8. A., Gabrielli, W. F. e Hutchings, B. 1984. “Genetic influences in criminal
convictions: evidence from an adoption cohort.” Science 224:891-4.
9. Scarr, 8. 1996. “How people make their own environments: implications for parents and
policy makers.” Psychology Public Policy and Law 2:204-28.
10. Collins, W A., Maccoby, E. E., Steinberg, L., Hetherington, E. M. e Bernstein, M. H.
2000. “The case for nature and nurture.” American Psychologist 55:218-32.
11. Bennett, A. J., Lesch, K. E, }-Ieils, A., Long, J. C., Lorenz, J. G., Shoaf, 8. E.,
Champoux, M., Suomi, 5. J., Linnoila, M. V. e Higley, J. D. 2002. “Early experience
and serotonin transporter gene variation interact to influence primate CNS function.”
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12. Smith, A. 1776. The Wealth ofNations. Londres.
13. Ibid.
14. Durkheim, E.(1933). The Division ofLabor in Society. Free Press.
15. Buss, D. M. 1994. The Evolution ofDesire. Basic Books.
16. Lewontin, R. C. 1972. “The apportionment ofhuman diversity.” Evolutionary Biology
6:381-98.
17. Kurzban, R., Tooby, J. e Cosmides, L. 2001. “Can race be erased? Coalitional
computation and social categorization.” Proceedings ofthe National Academy of
Sciences 98:15387-92.
18. Caspi, A., McClay, J., Moffitt, ‘E, MuI, J., Martin, J., Craig, 1. W., Taylor, A. e Poulton,
R. 2002. “Role of genotype in the cycle ofviolence in maltreated children.” Science
297:851-4. Também Terrie Moffitr e Avshalom Caspi, correspondência por e-mail. Ver
também o relatório do Conselho Nuffield de Bioética (2002). Genetics and Bebavior the
Ethical Conter. Aliás, como Judith Rich Harris assinalou, a correla çã entre maus-tratos
parentais e comportamento anti-social no estu d de Dunedin não pode ser considerada
casual. Pode ser que outro gene não descoberto afete a ambos: uma longa história de
pressupos to falaciosos nos ensina a sermos cautelosos antes de concluir que os atos dos
pais causam efeitos nos filhos.
19. James, W. 1884. “The dilemma of determinism.” Em The Writings of William James
(org. McDermott, J. J.). University of Chicago Press.
20. Walter, H. 2001. Neurophilosophy of Free Will. MIT Press.
21. Citado por Walter, H. 2001. Neurophilosophy ofFree Will. MIT Press.
22. Hamlet, Ato 5, cena 2.
23. Freeman, W. J. 1999. How Brains Make up Their Minds. Weidenfeld & Nicolson.
24. Francis Crick, entrevista.
25. Tim Tully, entrevista.

Este livro foi composto na tipologia Agaramond, em corpo 11/15, e impresso em papel
off-white SOg/m2, no Sistema Digital Instam Duplex da Divisão Gráfica da
Distribuidora Record.

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