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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E ARQUEOLOGIA

DISCIPLINA: Patrimônio Cultural

PROFESSORA: Ana Beatriz Vianna Mendes

Trabalho Final: Monumentos do Campus – Depredação ou resignificação “O Caso


Geni”

Alunos: Rafael Paulino e Vinícius de Freitas

Apresentação
Para este ensaio final do curso de Patrimônio Cultural ministrado pela Professora Ana
Beatriz Vianna elegemos como tema o processo de destruição/ressignificação do
monumento em homenagem a Galileu Galilei feito por Wilde Lacerda na decáda de 70
do século passado. A obra - que havia somente um apelo visual em sua concepção –
desperta interesse sonoro/acústico quando alguns dos estudantes da UFMG passam a
lançar pedras contra a mesma. Ao fazermos a apuração desse processo pretendemos
compreender e analisar as diversas divergências ideológicas que se apresentam entre os
alunos e funcionários da universidade diante de tal peripécia. Para isso, além dos textos
discutidos em sala de aula, utilizaremos como recurso investigativo um breve
questionário contendo 6 perguntas – que deverão ser respondidas individualmente -
destinadas aos alunos e funcionários. Também faremos uso de informações fornecidas
por Raquel Furtado - aluna do curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais
Móveis da Escola de Belas Artes e que pretende transformar o seu trabalho de restauração
desse monumento em seu trabalho de conclusão de curso - durante entrevista concedida
à rádio UFMG educativa.
O caso do “Geni”, apelido dado pelos estudantes ao monumento com provável
referência a música “Geni e o Zepelim” de Chico Buarque, apresenta-se para nós como
uma discussão repleta de potencialidades no campo socio-político. O embate gerado por
esse novo modo de se relacionar com a obra nos revela um pouco como a sociedade pensa,
assimila e se relaciona com o patrimônio cultural em sua volta. Parece existente um
conflito ideológico entre um discurso mais conservador que busca preservar a concepção
da obra e outro que propõe uma maior liberdade quanto à possibilidade de ressignificação
da mesma.

Ensaio

Localizada entre o gramado da reitoria e o bosque da música, a obra “Galiléu” do


artista Wilde Damaso Lacerda (Belo Horizonte-MG 1929-1996) foi construída em 1973.
Escultor e professor, Lacerda “traduziu em puro movimento as idéias rebeldes do cientista
que sonhava com a rotação da terra e com as curvas arredondadas dos planetas” (breve
referência encontrada na placa localizada em frente ao monumento). Planejada para
remeter a uma turbina de avião com canos de diversos tamanhos e espessuras, a sua forma
elíptica, influenciada pelo movimento Futurista, permite que a obra se apresente como
excelente caixa de ressonância. Em sua composição original contava com uma piscina
artificial em seu entorno, no entanto, durante o primeiro surto de dengue essa água foi
retirada pela reitoria da UFMG para se evitar o acumulo de larvas do mosquito Aedes
Aegypti. No local foram colocadas seixos, isto são, pequenas pedras arredondadas para
substituir o espaço ocupado originalmente pela água.

Além de uma alteração estética do monumento, a substituição da água pelos seixos


provocou uma nova significação e utilização do monumento: o mesmo passou a ser visto
não mais somente como um monumento mas, também, como uma escultura
sonora/instrumento percussivo. As pedras colocadas no entorno, como parte integrante
da obra, passaram a ser arremessadas contra seus canos com a finalidade de emitir sons.
Essa prática, com o passar dos anos, causou alguns danos ao monumento e por
consquência gerou embates dentro da comunidade de alunos e funcionários da UFMG.
Além das pedras arremessadas, as pichações e o próprio desgaste sofrido pelo tempo
também são fatores que contribuiram para causar danos à obra.
(...) a construção de memórias coletivas não pode ser unilateral, nem tomada por segmentos
dominantes à revelia dos grupos historicamente à margem(...) promover o pluralismo, estimular
solidariedades, reverter invisibilidades históricas, reavivar esquecimentos coletivos dar voz aos
que foram silenciados pela sua circunstância histórica.(Lima, 2007,p.2)

Diante essa perspectiva colocada por Lima, em que o patrimônio cultural, além de
público, necessita estar em constante diálogo com aqueles que o utilizam dando sentido
à sua existência, torna-se fundamental abrirmos tal discussão sobre a ressignificação dos
objetos. Em artigo publicado nos “Seminários Temáticos Arte e Cultura Popular”, a
pesquisadora Regina Abreu (UNIRIO) abre seu texto citando uma pesquisa feita por
Maurice Halbwachs (Escola Sociológica Francesa) a qual afirma a existência de uma
“dinâmica entre lembranças e esquecimentos, ou seja, de que todas as sociedades
precisam lembrar de umas e coisas e esquecer outras tendo em vista a necessidade de
atualização permanente dos laços sociais” (ABREU, 1997, p.53). Ao dialogarmos tal
efeito com o caso “Geni”, há uma possível tentativa de compreendermos alguns dos
fenômenos sociais que se fazem presentes diante tal acontecimento. O processo
dinâmico ocorrido entre o ato de lembrar e o ato de esquecer parece-nos, em parte, uma
explicação condizente com a realidade dos fatos.

Néstor García Canclini, em seu texto: “O patrimônio cultural e a construção


imaginária do nacional”, traz nos uma importante colocação para nosso debate. Segundo
o autor, há pelo menos quatro paradigmas político-culturais que definem os objetivos da
preservação do patrimônio. São eles: o tradicionalismo substancialista, o
mercantilista, o conservacionista/monumentalista e, por último, o participacionista.
No entanto, trataremos apenas do tradicionalismo substancialista e do
participacionista. O primeiro, como o próprio nome já traz a reflexão, diz respeito aos
que “julgam os bens históricos unicamente pelo valor que têm em si mesmos, e por isso
concebem sua conservação independentemente do uso atual (Canclini, 1994, p.103). Em
contraste, o segundo nos traz uma visão que:

“concebe o patrimônio e sua preservação relacionando-os com as necessidades globais da


sociedade – o valor intrí dos bens, seu interesse mercantil e sua capacidade simbólica de
legitimação e sua capacidade simbólica de legitimação – são subordinadas às demandas
presentes do usuário” (Canclini, 1994, p.105).

A partir dessa perspectiva sobre os diferentes modos que a sociedade se relaciona com o
patrimônio, podemos analisar mais uma vez o caráter das ideologias presentes no caso
“Geni”. Aqueles que prezam pela preservação do seu significado original estariam em
proximidade com o tradicionalismo substancial enquanto aqueles que permitem a
atribuição de um novo significado ao objeto estariam em acordo com o modo
participacionista.

O caso do “Geni” não se trata de um objeto construído em um passado distante, mas,


diz respeito a um memorial que nos recorda a existência de um indivíduo relevante para
o estabelecimento da ciência ocidental. Nossa relação entre objetos muda
significativamente ao decorrer do tempo, algo que é enxergado como signo de um status,
de um momento histórico, pode ser entendido de outra forma no futuro. Em seu livro
Patrimônio Arqueológico: o desafio da preservação, Tânia Andrade de Lima nos traz um
caso de um caso específico de um grupo humano residente do sul do estreito de Bering e
que prática algo denominado pela autora como: “escavação de subsistência”. Esse grupo
escava o solo de seu território há muitas gerações em busca de antigos artefatos, ossos de
baleia presas de marfim com o propósito de comercializar esses objetos. Nesse contexto
essa atividade é perfeitamente lícita entre os indivíduos e, segundo a autora, isso aproxima
o passado com o presente daquela etnia. “Os artefatos são considerados uma dádiva
deixada pelos ancestrais e , quando estes permitem que eles sejam encontrados, é para
que sejam utilizados no mundo atual.”(Lima, 2007, p.6). A venda desses artigos que de
certa forma permite a existência dessa população, nos demonstra um caso em que o
“patrimônio” é apreendido e utilizado de uma maneira diferente.

Ao aceitarmos a ressignificação de um objeto podemos estar permitindo que este se


apresente a nós de maneiras diferentes e inesperadas. O “Geni”, em particular,parece-
nos um objeto repleto de possibilidades sonoras devido a algumas de suas
características. A primeira delas seria a utilização do aço inox – metal com grande
potencial sonoro - como matéria-prima. O seu formato, propício à ressonância e, os
canos de diferentes tamanhos soldados em seu corpo também seriam características
físicas importantes para sua sonoridade peculiar. No entanto, para que se apresente tal
potencialidade, o objeto requer um desenvolvimento individual do processo de escuta
daquele que se propõe a ouvi-lo.

Após termos apresentado nossos principais questionamentos, gostariamos de expor


uma seleção das entrevistas feitas por nós com alguns dos alunos da UFMG. Acreditamos
ser um meio esclarecedor para tentarmos compreender as idéias relativas ao patrimônio e
a percepção de cada um sobre os fatos ocorridos durante o caso “Geni”. As perguntas
colocadas para os entrevistados foram:

Obs: alguns dos entrevistados responderam duas questões fundindo-as e escrevendo-as


como uma só pergunta.

1. O que é patrimônio ?
2. Para quem é esse patrimônio ?
3. O artista têm controle sobre sua obra?
4. Ressignificação pode ser a destruição da obra?
5. Pra quem os patrimônios do campus existem?
6. O que você acha dessa nova interação criada com a “Geni”?

Se tiver algo mais a acrescentar, por favor acrescente.

Nome: S
Curso: Geografia
Período: 2°

1. Pra mim patrimônio é qualquer coisas que tenha valor material ou imaterial para
sociedade, pode ser um prédio público uma obra de arte, um conjunto
arquitetônico.
2. Esse patrimônio é para sociedade, ele tem que ser preservado porém tem que ser
público.
3. Acho que o artistas enquanto vivo tem algum tipo de controle, mas mesmo assim
não muito pois a partir do momento que ele expõe aquela obra. Ela vai ser vista
por milhares de pessoas, cada uma dessas pessoas vai interpretar a sua maneira.
Ainda mais nos dias atuais, que as obras são abstratas ou seja cada indivíduo vai
ter sua interpretação subjetiva da obra. Nem sempre apontam um caminho direto,
sobre o que artista queria dizer sobre sua obra. Então eu acho que o artista não
tem muito controle sobre sua obra.
4. Eu acho que ressignificação não deve implicar em destruição, pois eu entendo
uma ressignificação como uma nova forma de interpretar aquela obra. Se você
destrói essa obra esse significado é perdido.
5. Esse monumentos existem para comunidade acadêmica, para os funcionários
terceirizados, todos que circulam pelo campus.
6. Eu acho que essa interação foi equivocada, pois causou uma deterioração no
monumento. Porém é interessante, talvez o artista não imaginou que sua obra
também poderia ser usada como instrumento musical, eu não sabia porém achei
interessante.

Nome: T
Curso: Artes Plásticas
Período: 8°
1. O patrimônio, é quando você tem posse de algo. Exemplo: aquela estátua pertence
a ufmg, então pode ser vista como patrimônio da universidade. Existem diferenças
o patrimônio cultural material e imaterial, o imaterial por exemplo a cultura como
danças, músicas, modo de falar. O material pode ser um objeto físico, como essa
escultura. Se ela for um patrimônio cultural, ela merece ser preservada porém se
tratarmos ela enquanto um simples patrimônio ele está sujeita a intervenções da
universidade.
2. Nesse caso específico da “geni” é da UFMG, temos que lembrar que nossa
universidade é pública. Ela é para qualquer pessoa que queiram estudar, pesquisar,
trabalhar ou observá-la. Ela é de qualquer pessoa que frequente o campus, ele está
lá para qualquer pessoa que queira ver.
3. Em certos aspectos sim, existem diferenças principalmente referente ao local que
você coloca sua obra. O monumento por exemplo, é óbvio que uma estátua está
no local para permanecer como está. É facilmente identificável enquanto
monumento, porém é difícil identificar sua relação com meio, pois é cercado por
pedras emite sons enquanto objeto sonoro, não existem uma orientação direta que
o relaciona. Não existem uma galeria, um pedestal que o eleve, está no
chão.Vários fatores que confundem a relação espectador obra.
4. Nesse aspecto essa ressignificação pode destruir uma obra sim, essa obra não foi
feita para essa interação. Quando você interage de certa forma você está
destruindo, ela não foi feita para essa interação.
5. Os patrimônios existem para em primeiro lugar a UFMG, obras de artes objetos
coisas de peso, estão alí para aumentar o poder instituição. Ter essas coisas no
campus dão poder para instituição.
6. Eu não concordo com o modo como essa interação é feita, se objetivo é ser sonoro
é necessário uma orientação dessa interação. Para que essa obra não seja destruída
no processo.

Nome: J
Curso: Ciências Sociais
Período: 7°

1. Patrimônio é algo de valor material e/ou cultural e/ou histórico e ou/ambiental,


que pertence a alguém ou ao Estado ou uma empresa privada.
2. Teoricamente esse patrimônio é um bem de todos, sendo ele pertencente ao
Estado, mas há de se levar em conta as dificuldades de acesso de grande parte da
população ao Campus Pampulha da UFMG, pela sua localização, por falta de
informação muitas pessoas acham que só pode entrar na universidade quem é
estudante, outros acham que tem que pagar, muitos também desconhecem as
possibilidades de lazer possíveis dentro do campus, etc. Então é um patrimônio
que na verdade é mais direcionado à estudantes, professores e trabalhadores da
UFMG.
3. Tem até certo ponto. A subjetividade das artes assim como de vários outros
campos do conhecimento permite com que aconteça a ressignificação daquilo
apresentado por diversas pessoas, cada um vê aquilo que entende. Então por mais
que o artista transfira suas intenções para a obra, o espectador também o faz de
modo a ressignificá-la sempre.
4. Acredito que não, aliás acho impossível não haver ressignificação em qualquer
obra, uma vez que a interpretação dela vai variar de cada pessoa, é impossível ela
ter um significado único para todos, acho que a ressignificação está mais para uma
reinvenção do que uma destruição.
5. Para quem tem acesso ao campus. Sabemos que o acesso ao campus, por mais que
seja um espaço público é elitizado e uma grande parcela da população
belorizontina nunca pisou no campus e nem sabe que ele é acessível para quem
não é estudante.
6. Eu sei que a obra não foi feita para interação como é feita, jogando pedras nela e
sim para observação. Não vejo como errada a interação feita com Geni, como
dano ao patrimônio público, até porque a UFMG não deixou claro para quem vai
lá que não é assim que se interage com tal obra. E as coisas vão se ressignificando
com o tempo também, não é como se a obra tivesse passado por uma destruição
irreversível por causa disso.

Conclusão
Nós, enquanto sociedade, desprezamos nossa história, nossos espaços de memória,
nossos patrimônios, porém, como ocorrido na música de Chico Buarque, voltamos atrás
e “mudamos de idéia”. Essa noite “Geni” pode nos “salvar” no sentido de redimir
identidades. “Geni” representa nossa baixa auto estima coletiva que despreza nossas
identidades. Ela é de “tudo que é nego torto”, tortos coletivamente por um processo
sistémico de homogeneização social fruto de uma mentalidade colonizada que
estabeleceu um estado nação através da negação de identidades. Nosso monumentos
patrimônios refletem uma estrutura social de dominação de classes. Quantos monumentos
fixados no campus da UFMG relacionam-se com as maneiras de pensar dos estudantes
que ali frequentam ? Os monumentos não deveriam representar nossas memórias,
identidades e saberes? A construção da nossa identidade coletiva passa por entender
nossas relações com os objetos presentes em nosso cotidiano e se os mesmos são capazes
de nos representar.

Apesar de termos a intenção de deixarmos evidente ao leitor nossa posição que preza
por uma utilização mais “livre” daquilo que chamamos de patrimônio público,
gostariamos de demonstrar também que, para nós, o debate encontra-se em aberto.
Reconhecemos e respeitamos o trabalho de restauração feito pela aluna Raquel Furtado e
estamos a par de sua forma de pensar o uso desse patrimônio diferente daquela exposta
por nós durante o trabalho. A forma de utilização do “Geni” deve ser pensanda
coletivamente de forma que consigamos dialogar com todos que frequentam o espaço do
campus da UFMG. Sendo assim, deixamos dirigida à toda comunidade a seguinte
questão: qual seria então uma possível solução para atendermos as diferentes formas de
pensar e de utilizar o “Geni”? Para nós, apresenta-se como possível solução a troca do
material utilizado para se produzir som no objeto. Em vez da utilização de pedras
gostariamos de propor o uso daquelas bolinhas infantis de borracha, popularmente
conhecidas como bolinhas “perereca”. Essa bolinhas, além de produzirem uma outra
sonoridade ao monumento, poderiam colaborar para a não danificação do mesmo pois
não são agressivas ao inox quanto são as pedras.

Referências Bibliográficas
ABREU, Regina. “Patrimônio cultural: tensões e disputas no contexto de uma nova ordem discursiva”.
In: Seminários temáticos de arte e cultura popular. Museu Casa do Pontal. ano?
p.53-63

CANCLINI, N. “O Patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional”. In Revista do Patrimônio


Histórico e Artístico Nacional, no. 23, p.94 a 115, 1994.

LIMA, T. A. “Um passado para o presente: preservação arqueológica em questão. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional”. v. 33, p. 5-21, 2007.

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