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Resumo
O presente artigo pretende possibilitar estudos e reflexões com bases históricas abordando a
intolerância religiosa, no intuito de promover o respeito às diferenças, propondo formas
alternativas para trabalhar conteúdos didáticos com abordagens temáticas sobre essa
diversidade. O método empregado estará pautado na pesquisa bibliográfica, nos conteúdos
dos livros didáticos do Ensino Médio e na observação direta dos alunos, servindo como
referência para a pesquisa e os debates sobre a diversidade e intolerância religiosa no meio
escolar. Durante o desenvolvimento das ações pedagógicas percebeu-se que a intolerância
religiosa encontra-se mascarada no ambiente escolar. No momento em que os alunos são
incitados aos debates sobre o assunto, desvela-se de forma clara o preconceito e a falta de
conhecimento sobre o surgimento das várias crenças religiosas. Este artigo aponta a
necessidade da abordagem dessa temática no âmbito da escola, a partir dos contextos
históricos.
Introdução
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Graduada em História pela FAFI/Palmas, pós-graduada em Interdisciplinaridade na Escola pela
IBEPEX/Curitiba e Mestre em Educação pela UNOESC. Atualmente atuo como professora de História no
Colégio Estadual Agostinho Pereira-EFM, NRE Pato Branco/PR.
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Entender que as relações de poder são exercidas nas diversas instâncias sócio-
históricas [...] permite ao aluno perceber que tais relações estão no seu cotidiano.
Assim, ele poderá identificar onde estão os espaços decisórios, porque determinada
decisão foi tomada, de que forma foi executada ou implementada, e como, quando e
onde reagir a ela. (DCEs, 2008, p.66 a 67).
Em nossa prática como educadora, defrontamo-nos com várias situações que deixam
transparecer a resistência ao diferente.
A questão religiosa aparece não apenas como pano de fundo para grandes guerras e
inúmeros conflitos sociais, mas também exerce intervenção sobre o comportamento social das
massas, com estreita relação com nossa vida familiar, escolar, social e até mesmo política. A
partir desse enfoque pretendemos justificar teoricamente nossa opção pela pesquisa sobre a
necessidade da escola se envolver na luta contra a intolerância religiosa por meio de um
intenso trabalho com os conteúdos que permitam o debate e a reflexão sobre a diversidade de
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religiões existentes em nosso mundo nos mais diferentes contextos históricos e nações da
Terra.
Desenvolvimento
A intervenção das religiões sobre a sociedade desde as mais remotas eras históricas até
os dias atuais sempre foi um tema que nos chamou a atenção, desde o início do Curso de
História. Notadamente em todas as disciplinas, nossas professoras e nossos professores
faziam articulações sobre a influência que tal doutrina ou tal moral religiosa exercia sobre o
mundo social, a tal ponto que grandes guerras e revoluções ocorreram e continuam ocorrendo,
na maioria dos casos, a partir de pontos de vista religiosos.
Pesquisadores que estudam a religião como um fenômeno, defendem a ideia de que a
religião esteve sempre presente entre os seres humanos e em todas as épocas. Dados
paleontropológicos mais recentes indicam que:
Embora fundamentalistas de muitas religiões ainda possam afirmar que seus códigos
resultam de decretos divinos, provavelmente é correto dizer que agora a maioria das
pessoas reconhece que os códigos morais são inventados pelo homem: trata-se de
regras de comportamento elaboradas por grupos de pessoas ou indivíduos para
tornar a existência mais agradável para a maioria. Essa artificialidade não significa
que a moralidade seja antinatural ou que o homem sem código moral seja
necessariamente mau. (THOMSON, 2002 p. 21).
Sobre o desdobramento histórico dos códigos ou padrões morais impostos pelas mais
antigas religiões, o autor observa que:
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Os autores trabalhados servem como referência para afirmar, que em muitos casos, a
sociedade aceitava e justificava a violência feita pela Igreja e pelo Estado e, além disso,
programava seu uso pelos chefes de família.
Nos dias atuais percebe-se também que a religião está sendo praticada como uma
forma de minimizar o sofrimento causado pelo cotidiano capitalista. Trabalhadores
desenvolvem suas atividades em péssimas condições de trabalho e salários, desempregados
excluídos da produção de riquezas, pobres e oprimidos que atribuem à Deus a sua própria
miséria. Seus sofrimentos parecem diminuir quando encontram argumentos ilusórios capazes
de melhorar suas condições de vida através de sua crença religiosa.
A partir dessa vertente Marx defende a ideia de que enquanto houver alienação haverá
religião. No momento em que desaparecer essa alienação e as sociedades conseguirem
conquistar sua liberdade e autonomia não haverá mais opressores. Será nesse momento que a
religião desaparecerá. “A exigência de que se abandonem as ilusões sobre determinada
situação é a exigência de que se abandone uma situação que necessita de ilusões”. (MARX,
apud. ALVES, 1999, p.80).
Podemos perceber que as religiões por meio de códigos de conduta, padrões morais e
condicionamentos psicológicos, exerceram ao longo dos mais diversos processos históricos,
uma profunda influência sobre as sociedades, desde as mais primitivas até as atuais. Essa
intervenção pode ser vista de diversas formas a partir do momento em que tentamos
estabelecer o debate sobre o tema.
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Trabalhar a intolerância na sala de aula é difícil para muitos professores. Foi o que
constatei no momento em que socializei o projeto na escola em que atuo como docente.
Confessaram que não possuíam formação, estrutura e nem conhecimento para explorar o tema
com os alunos. Sentiam-se inseguros e sem preparo. Fui denominada de “corajosa” por meus
colegas professores por estar desenvolvendo tal projeto.
Nesta vertente Oliveira afirma:
Para comprovar que o tema deve ser abordado nas instituições escolares fizemos um
levantamento de casos de intolerância ocorridos nas escolas brasileiras.
Foi lançado um documento na Marcha Nacional pela Liberdade Religiosa no Rio de
Janeiro no dia 19 de outubro de 2011. Este documento tem por finalidade divulgar casos de
intolerância religiosa nas escolas e creches do Rio de Janeiro.
Os relatos informaram a ocorrências de casos de violência física (socos e até
apedrejamento) contra estudantes; demissão ou afastamento de profissionais de educação
adeptos de religiões de matriz africana ou que abordaram conteúdos dessas religiões em
classe; proibição de uso de livros e do ensino da capoeira em espaço escolar; desigualdade no
acesso a dependências escolares por parte de lideranças religiosas, em prejuízo das vinculadas
a matriz africana; omissão diante da discriminação ou abuso de atribuições por parte de
professores/as e diretores/as etc. Em São Paulo, o processo de colher informações está em
andamento.
Para Denise Carreira, coordenadora do programa Diversidade, Raça e Participação, da
Ação Educativa e Relatora Nacional pelo Direito à Educação, a discriminação e a violência
históricas contra pessoas de religiões de matriz africana sofrem de profunda invisibilidade no
debate educacional e as denúncias apontam que ela vem aumentando em decorrência do
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crescimento de determinados grupos neopentecostais nas periferias das cidades e de seu poder
midiático; da ambiguidade das políticas educacionais com relação à defesa explicita da
laicidade do Estado e do insuficiente investimento na implementação da lei 10.639/2003 que
tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira em toda a
educação básica.
De acordo com a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI),
há casos de explícita agressão física e moral a pessoas de diferentes religiões, levando até
mesmo a homicídios. Entretanto, muitas vezes o preconceito não é mostrado com nitidez. É
comum o agressor não reconhecer seu próprio preconceito e ato discriminatório. Todavia, é de
fundamental importância a vítima identificar o problema e denunciá-lo.
O agressor costuma fazer uso de palavras ofensivas ao se referir ao grupo religioso
atacado e aos elementos, deuses e hábitos da religião em questão. Há também casos em que o
agressor desmoraliza símbolos religiosos, queimando bandeiras, imagens, roupas típicas e etc.
Em situações extremas, a intolerância religiosa pode se tornar uma perseguição que visa o
extermínio de um grupo com certas crenças, levando a assassinatos, torturas e enorme
repressão.
Crianças são vítimas de intolerância religiosa na escola. Foi entregue ao
desembargador Siro Darlan, presidente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente
(CEDCA), no dia 27 de janeiro de 2009, um dossiê-denúncia de crianças discriminadas por
orientação religiosa em escolas. A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa constatou
que o caso mais grave é de um menino de treze anos que passou sete meses sendo alvo de
intolerância religiosa pela própria professora nas dependências da FAETEC. O menino está
em tratamento psicológico. O caso foi registrado na 28 DP. Além deste, outros casos de
intolerância estão sendo acompanhados pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
Gualberto fez um mapeamento dos casos de intolerância no Brasil com o objetivo de
sistematizar a problemática do desrespeito e da descriminação religiosa em nosso país nos
últimos dez anos. Não é um trabalho científico, mas tem por finalidade detectar casos de
intolerância também nas escolas e denunciá-las. O autor deste trabalho afirma que as punições
ainda não se concretizam de forma efetiva, sendo um fato que só faz aumentar os casos de
intolerância religiosa e que continuam sendo impunes.
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Escolas públicas sendo usadas para cultos, crianças que se iniciam em determinadas
religiões vítimas de agressão e de isolamento em sala de aula, professores que dão
aulas de ensino religioso de acordo com a sua fé. [...]. Denise conta que os
problemas ocorrem principalmente devido a profissionais de educação, ligados a
grupos religiosos evangélicos, que discriminam, na maioria das vezes, estudantes de
religiões de matriz africana. “Quando se iniciam na umbanda, crianças ficam sem
cabelo e usando contas. Professores, muitas vezes ligados às igrejas pentecostais,
“demonizam” as crianças, falam para a sala que elas fazem pacto com o diabo, entre
outras coisas”. (CARREIRA, 2010).
No site lei e ordem Raphael Vieira relata mais um caso de intolerância religiosa
ocorrida na Fundação de Apoio à Escola técnica (Faetec), em Quintino no subúrbio do Rio de
Janeiro.
O fato ocorreu em junho de 2008, quando Felipe Gonçalves Pereira, de 13 anos, foi
expulso da sala de aula por uma professora e chamado de “filho do demônio” por
usar no pescoço um colar de contas típico dos adeptos de religiões de origem
africana. O caso foi parar na delegacia, mas só agora, em janeiro, foi instaurado um
inquérito. (VIEIRA, 2009).
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Estas são algumas ocorrências relatadas, diante de inúmeros casos nem sempre
divulgados e denunciados pelas vítimas. Fica então comprovado que a escola pode e deve
combater a intolerância com medidas preventivas e educativas. Os agressores deverão ser
sempre punidos. As novas gerações devem ser orientadas e educadas, pois a ignorância e a
intolerância são fenômenos que ameaçam e comprometem uma sociedade democrática.
Aluno A. “No projeto de Educação Física em que a professora trabalha vários tipos
de ritmos ocorreu algo estranho. Ela não permitiu que alguns alunos dançassem
músicas islâmicas argumentando que a maioria dos alunos era da religião católica e
que a direção da escola impediria a apresentação da dança para os demais alunos”.
Aluno B. “Meu irmão está pensando em sair do emprego porque sofre muita pressão
por parte do patrão dele e da maioria dos seus colegas. Pressionam todos os dias
para mudar de religião. Ele falou que prefere mudar de emprego ou ficar sem
emprego do que mudar sua religião por outra”.
Nessa fala podemos constatar que a intolerância está presente no cotidiano das
pessoas. Ela influencia de forma negativa a vida dos cidadãos. Neste caso está provocando um
clima de tensão que poderá resultar em violência e o não respeito entre os de diferentes
credos.
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Aluno C. “Minha mãe não quer mais falar com nossa vizinha e nem tomar mais
chimarrão na casa dela, pois cada vez que se encontram ela fica tentando convencer
minha mãe de que a religião dela é que salva as pessoas. Um dia depois de ela
insistir para minha mãe ir à Igreja dela, a mãe foi. Ela não gostou do culto e não vai
mais. Disse que quer continuar com a religião que ela segue desde que nasceu”.
A evidência dessa situação relatada está nas pessoas acharem que somente a religião
que seguem leva à salvação. É um exemplo de intolerância por falta de conhecimento. As
pessoas envolvidas neste fato nunca exercitaram a tolerância pelos não iguais. Mas casos
semelhantes á esse é que alimenta um clima de tensão e que poderá ser o estopim para
conflitos religiosos.
Aluno D. “A colega que está faltando na aula hoje é evangélica. Nós a tratamos
normalmente, mas ela se fecha. Nos trabalhos em grupo ela não se integra e acaba
trabalhando sozinha. A gente até convida ela pra fazer parte do grupo e ela nunca
aceita. Fica isolada o tempo todo”.
Essa fala nos leva a várias reflexões. Teria esse aluno sofrido humilhações no decorrer
de sua vida escolar? Teve oportunidades em sala para se manifestar e se sentir a vontade para
falar sobre suas crenças? Pode ser também que maioria sendo de outra religião a perturba
causando inibição e insegurança. Que ações a escola planejou oportunizando para que todos
pudessem entender os diversos credos e criar um clima mais afetuoso?
Aluna E. “Professora, eu não sou intolerante com as pessoas que seguem outra
religião. Respeito à forma deles pensar. Mas eu não admito que ninguém julgue ou
critique minha religião. Eu tolero e espero que eu também seja tolerada”.
Considerações Finais
Acreditamos numa escola igual para todos e numa escola em que reconheça a
proveniência de alunos com diferentes culturas. Um clima de respeito faz com que todos se
sintam pertencentes ao processo educacional, evitando a exclusão escolar.
A intolerância poderá ser abordada constantemente na escola se o professor conhecer e
reconhecer que seus alunos são diferentes e que deverão ser respeitadas e trabalhadas essas
diferenças. Este trabalho terá êxito se os educadores acreditarem e defenderem a escola como
sendo um espaço para todos. Isso pressupõe a garantia de liberdade religiosa.
Pressupõe-se que os casos de intolerância levantados neste trabalho tenderão a ser
minimizados se toda comunidade escolar estiver integrada e consciente para enfrentar esse
fenômeno.
Dessa forma, a função da escola seria formar pensadores sensatos, conciliadores, e
para tanto é preciso que os professores se desprendam de seus próprios preconceitos, e que
sejam capazes de estabelecer estratégias pedagógicas, para conviver com as diversidades.
Fazer das diferenças momentos para enriquecer suas ações pedagógicas e proporcionar
entendimento e respeito às diversas crenças religiosas.
REFERÊNCIAS
CARREIRA, Denise. Agressões e outros casos de intolerância religiosa são relatados por
missão do Direito Humano à Educação em Salvador. Disponível em:
<http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=952%3Aagressoes-
e-outros-casos-de-intolerancia-religiosa-sao-relatados-por-missao-do-direito-humano-a-
educacao-em-salvador&option=com_content&Itemid=98>.2010. Acesso em: 28 maio 2012.
VIEIRA, Raphael. Caso de Polícia – Intolerância religiosa em sala de aula. Disponível em:
<http://www.leieordem.com.br/caso-de-policia-intolerancia-religiosa-em-sala-de-aula.html>.
2009. Acesso em 03 de junho de 2012.
VON, Cristina. Cultura de paz: o que os indivíduos, grupos, escolas e organizações podem
fazer pela paz no mundo. São Paulo: Ed. Petrópolis, 2003.