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Proteção a

domésticas para
atingir epicentro
da pobreza

Por Maurício Hashizume

01/07/2004 00:00

Brasília– Se existisse um troféu para os

países campeões da desigualdade social, o

Brasil provavelmente já teria sido impedido

de competir por falta de adversários. A

estabilidade do estoque de 75% da riqueza

e do patrimônio de todo o país permanece

na mão de uma parcela pequena da

população brasileira há três séculos.

No contexto mais recente de encolhimento

do aparato estatal, o ônus da manutenção

dessa diferença, segundo inúmeras


pesquisas, converge ainda com maior

intensidade sobre a parcela mais vulnerável

da população: as mulheres negras.

Com o objetivo de propor ações do poder

público para enfrentar esse problema,

a coordenadora da Comissão Externa da

Feminização da Pobreza no Brasil, deputada

federal Luci Choinacki (PT-SC) concluiu um

relatório que deverá ser votado na semana

que vem na Câmara Federal, ao qual a

Agência Carta Maior teve acesso com

exclusividade.

Resultado de audiências públicas realizadas

na Câmara dos Deputados e em outras

cinco cidades – Florianópolis-SC, São Paulo-

SP, Cuiabá-MT, Belém-PA e Salvador-BA,

uma de cada Região do país -, o documento

propõe a criação de uma comissão especial

para efetuar estudo e emitir parecer sobre

as 43 proposições que dispõem sobre o

trabalho doméstico em tramitação na

Câmara. “A dispersão dessa discussão pode

ser lida como indício de esgarçamento da

pressão social em torno da questão. A

criação de uma comissão especial

galvanizaria a atenção pública para o

assunto, bem como forneceria a


oportunidade de uma discussão mais ampla

e profunda de suas implicações”, justifica o

relatório.

Em complemento, o parecer da deputada

Luci indica a aprovação do projeto de lei

1626, de 1989, de autoria da ex-deputada e

ex-governadora do Rio de Janeiro Benedita

da Silva, que prevê a equiparação do

trabalho doméstico com os demais

empregados formais. “Tal aprovação teria

impacto imediato na vida das mulheres”, diz

o texto. A matéria encontra-se em Plenário

para ser votada.

Luci chama atenção também para a notória

precariedade e a exigüidade de direitos

laborais das trabalhadoras domésticas “que

acentua as desvantagens femininas em

termos de rendimentos e proteção social”.

Do total de mulheres empregadas no setor

doméstico, em torno de 76% trabalham

sem carteira assinada.

A informalidade, aliás, é um problema que

atinge em cheio as parcelas mais

fragilizadas da população. A proporção de

mulheres que se concentram nas ocupações

precárias (61%) é, em números absolutos,

13% superior à proporção de homens nessa


mesma situação (54%). A proporção de

negros (65,3%) é 29% superior à proporção

de brancos nessa mesma situação (50,4%).

No caso das mulheres negras, essa

proporção é de 71% e 41% delas se

concentram nas ocupações mais precárias e

desprotegidas do mercado de trabalho,

segundo dados da Organização

Internacional do Trabalho (OIT).

“A tendência maior da mão-de-obra


feminina ao desemprego é acentuada por

variáveis de raça. A mulher negra apresenta

uma desvantagem marcante neste aspecto,

com 13,6% de desemprego, em relação aos

10% das mulheres brancas. Essa

desvantagem se agudiza no caso das

mulheres jovens negras, que apresentam

taxas alarmantes de desemprego de 25%.

Além disso, no que se refere ao emprego

doméstico, as mulheres negras são maioria.

Por essas razões, alcançam somente 39%

dos rendimentos dos homens brancos”,

sublinha o relatório.

Por isso, a deputada pede também no seu

parecer a aprovação e a regulamentação da

proposta de emenda constitucional (PEC)

227, de 2004, de autoria da senadora Ideli


Salvatti (PT-SC), que estabelece medidas

importantes para a proteção social do

trabalho informal, majoritariamente

composto por mulheres e afrodescendentes.

Uma das acadêmicas ouvidas pela Comissão

no seminário “Por um Brasil sem

Desigualdades”, ocorrido no início desta

semana, Hildete Pereira Melo, professora

titular da Faculdade de Economia da

Universidade Federal Fluminense (UFF),

recomenda exatamente a interferência na

questão previdenciária. “A ausência de

proteção social do conjunto dos brasileiros é

muito mais danosa para as mulheres”,

realça Hildete. “Não há como combater a

pobreza se não pensarmos em mudar as

relações de divisão do trabalho”. Ela lembra

que metade dos ocupados trabalham no

mercado informal. “O mundo do trabalho no

Brasil está de pernas para o ar”, frisa a

professora. “Hoje até a elite que serve ao

capital não tem nenhuma segurança

trabalhista”.

Outro participante do seminário, Rodrigo

Possas, do conselho-executivo da

Associação Nacional dos Auditores Fiscais da

Previdência Social (Anfip), concorda com


Hildete. “A aposentadoria para

trabalhadoras rurais, parteiras e donas-de-

casa não tem nada de assistencialista

porque está sendo destinada para quem

trabalha”.

Medidas de democratização do sistema

econômico como essa são fundamentais,

ressalta Diva Moreira, cientista política e

consultora de raça e gênero do Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(Pnud). “A economia no Brasil hoje é

centralizada, antidemocrática e autoritária”.

Na opinião dela, que também esteve na

mesa organizada pela Comissão Externa da

Feminização da Pobreza no Brasil, somente

a organização de movimentos sociais fortes

podem enfrentar a pobreza política dos

tempos de hoje que caracteriza a nossa

democracia “formal, liberal e ritualística”.

Leia também:

> Discriminação no trabalho aumenta

pobreza entre mulheres

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coluna=reportagens&id=1877)
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