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- 12º ano
- Prof. António Costa
MENSAGEM
(intertextualidade com Os Lusíadas)
notas para o estudo
Camões / F. Pessoa
MODERNISMO- contextualização
F. Pessoa
• apercebeu-se da crise (valores, fé) que marcava o
pensamento europeu do séc. XX;
• Põe em causa a tradição cultural da civilização
ocidental (religião, ciência, arte, política).
• Contesta a moral enraizada em princípios
maniqueístas.
• vê na religião o factor que motiva o atraso
civilizacional por ela atrofiar as capacidades
intelectuais e críticas do indivíduo.
• Acredita que a ciência não é a solução, apesar do
domínio da técnica, e que persiste a ansiedade
metafísica.
MODERNISMO
MODERNISMO: «a arte de ruptura»
• Na arte, Pessoa defende a teoria do fingimento:
o homem sente de uma forma convencional, condicionado por vários imperativos
sociais. Assim…
“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente” Autopsicografia
• A essência da obra:
“E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não
existe no espaço, em naus que são construídas daquilo de que os sonhos
são feitos.” (in, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação)
• Pergunta: “Sim ou não o moral da Nação pode ser levantado por uma
intensa propaganda, pelo jornal, pela revista e pelo livro, de forma a
criar uma mentalidade colectiva capaz de impor aos políticos uma
política de grandeza nacional? (…)”
“…Só aquilo que vale a pena custa e dói. Bendita a dor e a pena pelas
quais o Mundo se transforma.”
Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Socioogia Política
MENSAGEM – o sonho do poeta
• Mensagem é…
• O canto de um passado histórico que se transforma num
mito, para que possamos reinventar o futuro
- ultrapassar as várias fases de um percurso iniciático (a
«escola»)
- objectivo: atingir o renascimento do homem português
enquanto ser espiritual.
• A conquista sonhada
- a identidade perdida reencontrar-se-ia e traria consigo…
- o Rei (arquétipo de Pai)
- o Espaço (arquétipo de Mãe)
a nova PÁTRIA.
MENSAGEM – a génese
• Características gerais
• Estrutura: externa e interna
• A 1ª parte de Mensagem
Lei do Mentalismo
"O Todo é Mente; o Universo é mental."
Lei da Correspondência
"O que está em cima é como o que está em baixo. E o que está em baixo é como o que está em cima"
Lei da Vibração
"Nada está parado, tudo se move, tudo vibra".
Lei da Polaridade
"Tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os
extremos tocam-se . Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados"
Lei do Ritmo
"Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem as suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação".
Lei do Género
"O Género está em tudo: tudo tem os seus princípios Masculino e Feminino, o género se manifesta em
todos os planos da criação".
Lei de Causa e Efeito
"Toda causa tem seu efeito, todo o efeito tem sua causa, existem muitos planos de causalidade mas
nenhum escapa à Lei".
Mensagem - vocabulário
Os Lusíadas Mensagem
Superficialmente, numa primeira leitura, trata-se de um poema “geográfico”, mero exercício comparativo
do mapa físico da Europa com a figura de uma pessoa.
“A Europa jaz, posta nos cotovelos: / De Oriente a Ocidente jaz, fitando, / E toldam-lhe românticos cabelos /
Olhos gregos, lembrando .” . Nada de extraordinário até aqui. Os fiordes escandinavos realmente parecem
uma cabeleira vasta.
“O cotovelo esquerdo é recuado; / O direito é em ângulo disposto. / Aquele diz Itália onde é pousado; / Este
diz Inglaterra onde, afastado, / A mão sustenta, em que se apoia o rosto”. Ainda sem maior interesse. Dir-
se-ia — e aí precisamente mora o perigo — um poema vulgar. Se conferirmos no mapa da Europa — é
assim mesmo: os acidentes Itália e Inglaterra são como que os cotovelos de uma jovem.
“Fita, com olhar sphyngico e fatal, / Occidente, futuro do passado.” Aqui, as ideias já começam a
“complexificar-se”.
O poeta anuncia algo de grandioso: “Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro do passado.”
“Feche o livro, caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando as navegações daquela nesga
minúscula, simplório enclave geográfico no mapa d’Espanha... — quanta glória!!! Ah, meu Deus, quanta
glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada;
parece que é!), sete palavras apenas para tamanha grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas (…) contidos nesta
frase perfeita: “O rosto com que fita é Portugal.”! Disse Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho
razão em chamá-la perfeita. O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente descrito, o rosto da
Europa, símbolo então de toda a civilização ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem,
afinal, fita o mundo?! Agora percebemos que a estrofe anterior — o olhar sphyngico — era terreno
preparatório (…) para o grande final (…), onde fitar não é simplesmente sinónimo de olhar. Portugal, no
extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o mundo e o domina! E na ponta da lança
dos seus guerreiros, o missal dos frades enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do
Cristo! Quem olha, afinal? A Cruz-de-Malta?! Já não há mais tempo: eis o abismo, caia nele, de ponta!".
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E vós, ó bem nascida segurança Em vós se vêm da olímpica morada
Da Lusitana antígua liberdade, Dos dois avós as almas cá famosas,
E não menos certíssima esperança Uma na paz angélica dourada,
De aumento da pequena Cristandade;
Vós, ó novo temor da Maura lança, Outra pelas batalhas sanguinosas;
Maravilha fatal da nossa idade, Em vós esperam ver-se renovada
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Sua memória e obras valerosas;
Para do mundo a Deus dar parte grande; E lá vos tem lugar, no fim da idade,
No templo da suprema Eternidade.
7 Os Lusíadas, canto I
Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente, D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL
Cesárea ou Cristianíssima chamada;
(Vede-o no vosso escudo, que presente Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Vos amostra a vitória já passada, Qual a Sorte a não dá.
Na qual vos deu por armas, e deixou
As que Ele para si na Cruz tomou) Não coube em mim minha certeza;
16 Por isso onde o areal está
Em vós os olhos tem o Mouro frio, Ficou meu ser que houve, não o que há.
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; Minha loucura, outros que me a tomem
Tethys todo o cerúleo senhorio
Tem para vós por dote aparelhado; Com o que nela ia.
Que afeiçoada ao gesto belo e tenro, Sem a loucura que é o homem
Deseja de comprar-vos para genro.
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
F. Pessoa, Mensagem, I-III, 5
Os Lusíadas, canto I
• O sujeito poético:
- a sua voz identifica-se com a voz de D. Sebastião;
- dirige um apelo aos portugueses, estabelecendo a união entre o
passado e o presente da nossa história:
“Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que ela ia.”
D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL, Mensagem
D. JOÃO O PRIMEIRO 37
"Corre raivosa, e freme, e com bramidos
O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita. Os montes Sete Irmãos atroa e abala:
O mais é carne, cujo pó Tal Joanne, com outros escolhidos
A terra espreita. Dos seus, correndo acode à primeira ala:
Mestre, sem o saber, do Templo -"Ó fortes companheiros, ó subidos
Que Portugal foi feito ser, Cavaleiros, a quem nenhum se iguala,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender.
Defendei vossas terras, que a esperança
Da liberdade está na vossa lança.”
Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama, 45
A sombra eterna. "Destas e outras vitórias longamente
D.PHILIPPA DE LENCASTRE
Eram os Castelhanos oprimidos,
Quando a paz, desejada já da gente,
Que enigma havia em teu seio Deram os vencedores aos vencidos,
Que só génios concebia?
Que archanjo teus sonhos veio Depois que quis o Padre omnipotente
Vellar, maternos, um dia? Dar os Reis inimigos por maridos
As duas ilustríssimas Inglesas,
Volve a nós teu rosto sério,
Princeza do Santo Gral, Gentis, formosas, ínclitas princesas.”
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal! Canto IV, Os Lusíadas
D. João, o Primeiro / D. Filipa de Lencastre
D. João o Primeiro:
"O homem e a hora são um só, quando Deus faz e a História é feita"- Fernando Pessoa
exprime de novo a ideia de que o destino é traçado por Deus e rege inexoravelmente a
História. Quando uma nação atinge uma encruzilhada (como Portugal em 1383) é a
hora e os escolhidos executam os actos determinados. O homem é o papel que
desempenhou, este é o requerido pela ocasião (pela hora), a ocasião é determinada
pelo Destino, o Destino foi traçado por Deus. Conhecemos D. João I porque teve a sua
hora; sem ela teria sido um obscuro mestre de uma ordem militar obscura. Sem a hora
não teria havido o homem...
"na ara da nossa alma interna"- no altar do nosso espírito nacional.
"repele a sombra eterna"- repele o olvido, que seria o destino de Portugal se perdesse a
sua identidade como nação.
D. Filipa de Lencastre:
"Que enigma havia em teu seio que só génios concebia"- referência à chamada "ínclita
geração" dos filhos de D. Filipa e D. João I.
"Volve a nós teu rosto sério"- vira o teu rosto (sisudo...) e olha para nós; lembra-te de
Portugal; reza por nós!
"Princesa do Santo Gral"- referência ao Graal procurado pelos cavaleiros medievais das
lendas da Távola Redonda. Existem várias versões sobre o que seria, mas a mais comum
refere-o como a taça de onde Cristo bebera na Última Ceia e/ou que teria recolhido o
seu sangue na Cruz. A referência deve ser interpretada como "Princesa mística" porque
fadada por Deus para ser mãe dos principes da ínclita geração e muito particularmente
do Infante D.Henrique; ou "Princesa da grandeza (futura) de Portugal" (o Graal era
suposto trazer felicidade à Terra).
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem
1 12
"Estas sentenças tais o velho honrado
Vociferando estava, quando abrimos "Sempre enfim para o Austro a aguda proa
As asas ao sereno e sossegado No grandíssimo gólfão nos metemos,
Vento, e do porto amado nos partimos. Deixando a serra aspérrima Leoa,
E, como é já no mar costume usado, Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.
A vela desfraldando, o céu ferimos,
Dizendo: "Boa viagem", logo o vento O grande rio, onde batendo soa
Nos troncos fez o usado movimento. O mar nas praias notas que ali temos,
Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
2 O nome dum que o lado a Deus tocou.
"Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeio truculento, O INFANTE
E o mundo, que com tempo se consume, 13
Na sexta idade andava enfermo e lento: "Ali o mui grande reino está de Congo,
Nela vê, como tinha por costume, Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Cursos do sol quatorze vezes cento, Por nós já convertido à fé de Cristo, Deus quis que a terra fosse toda uma,
Com mais noventa e sete, em que corria, Por onde o Zaire passa, claro e longo, Que o mar unisse, já não separasse.
Quando no mar a armada se estendia. Rio pelos antigos nunca visto. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
Por este largo mar enfim me alongo
3
"Já a vista pouco e pouco se desterra Do conhecido pólo de Calisto, E a orla branca foi de ilha em continente,
Daqueles pátrios montes que ficavam; Tendo o término ardente já passado, Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
Ficava o caro Tejo, e a fresca serra Onde o meio do mundo é limitado.
De Sintra, e nela os olhos se alongavam. E viu-se a terra inteira, de repente,
Ficava-nos também na amada terra Surgir, redonda, do azul profundo.
O coração, que as mágoas lá deixavam; 14
E já depois que toda se escondeu, "Já descoberto tínhamos diante, Quem te sagrou criou-te português.
Não vimos mais enfim que mar e céu. Lá no novo Hemisfério, nova estrela, Do mar e nós em ti nos deu sinal.
4 Não vista de outra gente, que ignorante Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
"Assim fomos abrindo aqueles mares, Alguns tempos esteve incerta dela. Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Que geração alguma não abriu, Vimos a parte menos rutilante,
As novas ilhas vendo e os novos ares, E, por falta de estrelas, menos bela,
Que o generoso Henrique descobriu; Mensagem, V, 1
De Mauritânia os montes e lugares, Do Pólo fixo, onde ainda se não sabe
Terra que Anteu num tempo possuiu, Que outra terra comece, ou mar acabe.
Deixando à mão esquerda; que à direita
Não há certeza doutra, mas suspeita. Os Lusíadas, canto V
“O Infante” - Comentário:
Terceira estrofe
- Para Pessoa, Portugal era mais do que apenas terra, para ele, Portugal era
língua, cultura, espírito e alma.
- Pessoa entende que falta cumprir-se o destino glorioso (e imaterial) da alma, já
que se desfez o destino material do corpo.
Horizonte vs Os Lusíadas, c IX
HORIZONTE • 51
Cortando vão as naus a larga via
Ó mar anterior a nós, teus medos Do mar ingente para a pátria amada,
Tinham coral e praias e arvoredos. Desejando prover-se de água fria,
Para a grande viagem prolongada,
Desvendadas a noite e a cerração, Quando juntas, com súbita alegria,
As tormentas passadas e o misterio, Houveram vista da ilha namorada,
Rompendo pelo céu a mãe formosa
Abria em flor o Longe, e o Sul siderio De Menónio, suave e deleitosa.
'Splendia sobre as naus da iniciação.
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37 41
"Porém já cinco Sóis eram passados "E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas
Que dali nos partíramos, cortando No mundo cometeram grandes cousas,
O MOSTRENGO
Os mares nunca doutrem navegados, Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
Prosperamente os ventos assoprando, E por trabalhos vãos nunca repousas, O mostrengo que está no fim do mar
Quando uma noite estando descuidados, Pois os vedados términos quebrantas, Na noite de breu ergueu-se a voar;
Na cortadora proa vigiando, À roda da nau voou trez vezes,
E navegar meus longos mares ousas,
Voou trez vezes a chiar,
Uma nuvem que os ares escurece Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, E disse: «Quem é que ousou entrar
Sobre nossas cabeças aparece. Nunca arados d'estranho ou próprio lenho: Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
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42 E o homem do leme disse, tremendo:
"Não acabava, quando uma figura - "Pois vens ver os segredos escondidos «El-rei D. João Segundo!»
Se nos mostra no ar, robusta e válida, Da natureza e do húmido elemento, «De quem são as velas onde me roço?
De disforme e grandíssima estatura, A nenhum grande humano concedidos De quem as quilhas que vejo e ouço?»
O rosto carregado, a barba esquálida, De nobre ou de imortal merecimento, Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Os olhos encovados, e a postura Ouve os danos de mim, que apercebidos
Trez vezes rodou immundo e grosso.
Medonha e má, e a cor terrena e pálida, «Quem vem poder o que só eu posso,
Estão a teu sobejo atrevimento, Que moro onde nunca ninguém me visse
Cheios de terra e crespos os cabelos, Por todo o largo mar e pela terra, E escorro os medos do mar sem fundo?»
A boca negra, os dentes amarelos. Que ainda hás de sojugar com dura guerra. E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»
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"Tão grande era de membros, que bem posso 43
Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Certificar-te, que este era o segundo - "Sabe que quantas naus esta viagem Trez vezes ao leme as reprendeu,
De Rodes estranhíssimo Colosso, Que tu fazes, fizerem de atrevidas, E disse no fim de tremer trez vezes:
Inimiga terão esta paragem «Aqui ao leme sou mais do que eu:
Que um dos sete milagres foi do mundo: Sou um povo que quere o mar que é teu;
Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso, Com ventos e tormentas desmedidas. E mais que o mostrengo, que me a alma teme
Que pareceu sair do mar profundo: E da primeira armada que passagem E roda nas trevas do fim do mundo,
Fizer por estas ondas insofridas, Manda a vontade, que me ata ao leme,
Arrepiam-se as carnes e o cabelo D' El-rei D. João Segundo!»
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo. Eu farei d'improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo. Mensagem, II-4
Os Lusíadas, canto V
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem
O MOSTRENGO Comentário:
O Mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar; Este é um dos poemas mais conhecidos de Mensagem. Aquando
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
das suas duas primeiras publicações chamava-se "O Morcego" e
E disse: «Quem é que ousou entrar referia "o morcego que está no fim do mar..." mas o ser
Nas minhas cavernas que não desvendo, simbólico foi dignificado pela transformação em Mostrengo, na
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo: revisão anterior à edição de Mensagem em livro.
«El-rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço? - O poema simboliza o medo do desconhecido (o “Mostrengo")
De quem as quilhas que vejo e ouço?» que os navegadores portugueses tiveram que vencer.
Disse o Mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso. - A causa próxima dessa coragem é, segundo Fernando Pessoa,
«Quem vem poder o que só eu posso, as ordens do rei D. João II.
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
- Existe uma razão para isso: quando Gil Eanes voltou de uma
E o homem do leme tremeu, e disse: tentativa falhada de dobrar o Cabo Bojador, o Infante mandou-o
«El-rei D. João Segundo!»
voltar para tentar novamente e o navegador venceu o temor
Três vezes do leme as mãos ergueu, para não desagradar ao seu bondoso patrono.
Três vezes ao leme as repreendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu: - Mas com D. João II o trato era diferente, porque ele era o tipo
Sou um povo que quer o mar que é teu; de homem que não admitia que aqueles em quem confiava
E mais que o Mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo, falhassem - os comandantes preferiam enfrentar todos os
Manda a vontade, que me ata ao leme, dragões do mar à fúria do seu senhor e, por isso, o poema
D' El-rei D. João Segundo!»
encerra também uma ironia - a natureza da "vontade" que ata o
homem do leme à rota é que o temor do seu rei é maior do que
o terror do mar ignoto!
• 71
• 65 De uma os cabelos de ouro o vento leva
Assim lhe aconselhara a mestra experta; Correndo, e de outra as fraldas delicadas;
Que andassem pelos campos espalhadas; Acende-se o desejo, que se ceva
Nas alvas carnes súbito mostradas;
Que, vista dos barões a presa incerta, Uma de indústria cai, e já releva,
Se fizessem primeiro desejadas. Com mostras mais macias que indignadas,
Algumas, que na forma descoberta Que sobre ela, empecendo, também caia
Quem a seguiu pela arenosa praia.
Do belo corpo estavam confiadas,
Posta a artificiosa formosura, 72
Outros, por outra parte, vão topar
Nuas lavar-se deixam na água pura, Com as Deusas despidas, que se lavam:
Elas começam súbito a gritar,
Como que assalto tal não esperavam.
• 68 Umas, fingindo menos estimar
Começam de enxergar subitamente A vergonha que a força, se lançavam
Nuas por entre o mato, aos olhos dando
Por entre verdes ramos várias cores, O que às mãos cobiçosas vão negando.
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores, • 83
Mas da lã fina e seda diferente, Ó que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que mais incita a força dos amores, Que afagos tão suaves, que ira honesta,
De que se vestem as humanas rosas, Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã, e na sesta,
Fazendo-se por arte mais formosas. Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
• 70
"Sigamos estas Deusas, e vejamos • 84
Se fantásticas são, se verdadeiras." Desta arte enfim conformes já as formosas
Isto dito, velozes mais que gamos, Ninfas com os seus amados navegantes,
Os ornam de capelas deleitosas
Se lançam a correr pelas ribeiras. De louro, e de ouro, e flores abundantes.
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos, As mãos alvas lhes davam como esposas;
Mas, mais industriosas que ligeiras, Com palavras formais e estipulantes
Se prometem eterna companhia
Pouco e pouco sorrindo e gritos dando, Em vida e morte, de honra e alegria.
Se deixam ir dos galgos alcançando.
• 91
Não eram senão prémios que reparte
Por feitos imortais e soberanos
O mundo com os varões, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneias e Quirino, e os dois Tebanos,
Ceres, Palas e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.
MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”: Os Símbolos / Os Avisos / Os Tempos
• Nota:
- em “Mensagem”, não figuram as 4 dinastias da História de Portugal (a
filipina e a bragantina);
- o poeta sugere que no final da 2ª dinastia, Portugal morre e é
metonimicamente sepultado com D. Sebastião.
- Conclusão: a 3ª dinastia surgirá após a ressurreição e o regresso de D.
Sebastião.
• Na terceira parte:
- Anuncia-se a “paz nas alturas”
o Quinto Império, a criar sob a égide de Portugal, será essencialmente um
império do espírito, realizado sob o signo da Terceira Pessoa da Santíssima
Trindade: o Espírito Santo.
MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”
Símbolos:
-D. Sebastião aparece 3 vezes (três nomes diferentes), em analogia com a unidade e
trindade em Deus.
- o simbolismo dos números (3, 5, 13)
- (…)
MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”
Comentários:
D. SEBASTIÃO
'Sperai! Caí no areal e na hora adversa
• "Esperai!"- esperai pelo meu
regresso!
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma • "Caí... para o intervalo em que
imersa esteja a alma imersa..."- morri e
Em sonhos que são Deus. a minha alma repousa na paz de
Deus.
Que importa o areal e a morte e a • "areal"- o campo de Alcácer
desventura Quibir.
Se com Deus me guardei?
• "com Deus me guardei"- com a
É O que eu me sonhei que eterno dura,
Fé me protegi.
É Esse que regressarei.
• "É O que eu me sonhei... "-
sonhei-me Imperador (do
Quinto Império) e esse sonho
sobreviveu à minha morte; é
como tal que voltarei.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto” – 12º 1 A2
O QUINTO IMPÉRIO Comentários:
Triste de quem vive em casa, • "Triste de quem..."- a mesma noção já encontrada em O das
Contente com o seu lar, Quinas de que ser feliz é uma infelicidade porque se vive
Sem que um sonho, no erguer de asa, maquinalmente e não para o sonho ou para os cometimentos.
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar! • "a lição da raiz - ter por vida a sepultura"- na própria essência
material do homem está, desde a sua origem, a inevitabilidade
Triste de quem é feliz! da morte.
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz - • "passados os quatro tempos do ser que sonhou"- referência ao
Ter por vida a sepultura. rei assírio Nabucodonosor que, segundo a Bíblia, sonhou com
uma estátua de quatro metais que o profeta Daniel interpretou
Eras sobre eras se somem como uma premonição de quatro grandes impérios sucessivos,
No tempo que em eras vem. dos quais o seu era cronologicamente o primeiro.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem • "que no atro da erma noite começou"- que começou nas trevas
Pela visão que a alma tem! da noite deserta.
E assim, passados os quatro • "Grécia, Roma, Cristandade, Europa"- os quatro impérios que
Tempos do ser que sonhou, Pessoa pensava ajustarem-se ao sonho do rei assírio.
A terra será teatro • "vão para onde vai toda a idade"- envelhecem e morrem;
Do dia claro, que no atro desaparecem.
Da erma noite começou. • "Quem vem viver a verdade?"- o Quinto Império sonhado por
pessoa é uma abstracção de Luz (ou Verdade, ou Cultura -
Grécia, Roma, Cristandade, todos os termos são, nesta acepção, equivalentes). A frase
Europa - os quatro se vão deve ser lida "Quem vem viver o Quinto Império?".
Para onde vai toda a idade.
Quem vem viver a verdade
• "Quem vem viver a verdade que morreu Dom Sebastião?“ -
Que morreu Dom Sebastião? completa, a frase torna-se uma interrogação meramente
retórica, a menos que se tome "que" na acepção de "porque"
ou "para a qual". Nesse caso a frase torna-se "Quem viver a
verdade (do Quinto Império) para a qual D. Sebastião morreu".
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”
Comentários:
Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo, • "erguer a alma do teu povo à Eucaristia Nova"- trazer a
Portugal a Nova Religião (Pessoa referiu-se várias vezes em
Mas já no auge da suprema prova, outros escritos ao seu sonho de uma nova religião popular de
A alma penitente do teu povo cariz helénico).
À Eucaristia Nova. • "Mestre da Paz"- O Senhor do 5º Império, O Desejado;
"Excalibur do Fim"- Símbolo do fim do mundo tal como o
conhecemos; arauto da Nova Era (cujo estabelecimento é a
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido, "suprema prova").
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido • "revele o Santo Graal"- no Ciclo da Távola Redonda, o Graal
desapareceu como castigo do amor adúltero de Guinevere e
Revele o Santo Graal! Lancelot e com ele foi-se a felicidade do Reino. O retorno do
Graal representaria, pela mesma lógica, a união, paz e
felicidade de todos os povos do mundo.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Símbolos, quarto
• NOTAS:
AS ILHAS AFORTUNADAS
• As Ilhas Afortunadas são uma lenda medieval.
Que voz vem no som das ondas
• Por vezes, o nome é associado a ilhas maravilhosas (por
que não é a voz do mar? exemplo, com cidades de ouro puro) que teriam existência real
É a voz de alguém que nos fala, e chegavam até a estar indicadas nos mapas náuticos;
mas que, se escutamos, cala, • Outras vezes, referiam-se declaradamente a ilhas que podiam
por ter havido escutar. ser vistas pelos mareantes mas nunca alcançadas.
• Provavelmente ,a lenda foi sugerida por fenómenos
E só se, meio dormindo, atmosféricos que provocavam miragens de terras inexistentes
no meio do mar.
sem saber de ouvir ouvimos,
que ela nos diz a esperança
- "onde o Rei mora esperando“:
a que, como uma criança
• de novo, Fernando Pessoa faz uma convolução das lendas da
dormente, a dormir sorrimos. Távola Redonda e do Desejado.
Comentários:
O ENCOBERTO
- Este curioso poema é uma sucessão de referências
Que símbolo fecundo cruzadas à mística rosicruciana.
Vem na aurora ansiosa?
- Os Rosa-Cruz foram (são?) uma sociedade secreta cujas
Na Cruz Morta do Mundo origens provavelmente remontam ao século XVII. AQUI.
A Vida, que é a Rosa.
- Parece que, originalmente, seria um grupo secreto de
homens cultos e superiormente desinteressados que
Que símbolo divino sonhavam controlar os destinos da humanidade de
Traz o dia já visto? maneira a assegurar o advento de um mundo pacífico e
Na Cruz, que é o Destino, feliz (na prática, uma variante da noção do Quinto
Império).
A Rosa, que é o Cristo. - As diversas cisões e criação de sociedades sob o mesmo
nome obliteraram as pistas quanto à permanência real de
Que símbolo final uma sociedade secreta que represente a presença actual
de uma herança multisecular ininterrupta.
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal - Existem várias interpretações da simbologia da Rosa e
A Rosa do Encoberto. da Cruz.
21/2/1933; 11/2/1934
- a Rosa é uma representação do círculo e está
associada a ideais de perfeição que são metas;
- a Cruz representa, por exemplo, as atribulações
que há a ultrapassar ou vencer para as atingir.
“Os Avisos”
Comentários:
• Pessoa refere-se, neste poema, a
Gonçalo Anes, sapateiro de Trancoso,
que escreveu uns versos de cariz
O BANDARRA profético, na época de D. João III.
Neles, vêem alguns a previsão do
Sonhava, anónimo e disperso,
período de domínio filipino, a
o Império por Deus mesmo visto, Restauração e uma posterior expansão
confuso como o Universo imperial que está, na sua origem,
e plebeu como Jesus Cristo. próxima da convicção de Padre
António Vieira quanto ao advento de
Não foi nem santo nem herói, um Quinto Império português que
mas Deus sagrou com Seu sinal teria sido destinado por Deus ("por
este, cujo coração foi Deus mesmo visto").
não português mas Portugal.
28/03/1930
• Este que "Deus sagrou com seu sinal"-
este, a quem Deus deu o dom da
profecia.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Avisos
'Screvo meu livro à beira-mágoa. - Único poema de Mensagem que não tem nome;
Meu coração não tem que ter. - Fernando Pessoa fala como sucessor do Bandarra e do Padre António
Tenho meus olhos quentes de água. Vieira:
Só tu, Senhor, me dás viver. - também ele anuncia a boa nova - o advento do Rei que conduzirá
Portugal ao Quinto Império;
Só te sentir e te pensar - anuncia-o, não como profeta ungido (que só o Bandarra teria sido,
Meus dias vácuos enche e doura. já que Vieira derivou as suas conclusões das trovas do antecessor e
Mas quando quererás voltar? das Sagradas Escrituras) mas como Homem de Razão que sabe e
Quando é o Rei? Quando é a Hora? que espera (e desespera, como acentua);
- a ter nome, o poema chamar-se-ia "Fernando Pessoa" e por isso o
Quando virás a ser o Cristo não tem.
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo "Senhor"- O Encoberto, também chamado "Rei"..
A Nova Terra e os Novos Céus? "dias vácuos"- dias monótonos, vazios.
"o Cristo de a quem morreu o falso Deus"- o meu Cristo. Pessoa não
Quando virás, ó Encoberto, acreditava no Deus da Igreja Católica Romana, nem na divindade do seu
Sonho das eras português, Cristo que com Ele se confunde (o "falso Deus").
Tornar-me mais que o sopro incerto "a Nova Terra e os Novos Céus"- o Quinto Império (referência à expressão
De um grande anseio que Deus fez?
usada na 2ª Epístola de S. Pedro para designar o Terceiro Mundo - ver o
comentário ao poema "Antemanhã").
"sonho das eras português"- sonho secular dos portugueses.
Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor? "tornar-me mais que o sopro incerto de um grande anseio que Deus fez"-
quando Pessoa se refere a Deus, refere-se ao Criador (em que acreditava)
Da névoa e da saudade quando?
e Arquitecto do Destino. Aqui ele diz-nos que, com o advento do
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
Encoberto, que esperava para os seus dias, ele tornar-se-
10/12/1928 ia mais do que a voz quase inaudível que exprimia um
sonho nacional.
“Os Tempos”
• Pessoa já usara a expressão Tempos no poema
“Quinto Império” (“passados os quatro / Tempos
do ser que sonhou”).
• Os Tempos serão, pois, os 4 Impérios do passado
e o 5º, o Império do futuro.
• Curiosamente, o quinto poema desta parte
corresponde ao título “Nevoeiro”
– depreende-se que seja o tempo do presente, o
momento em que o poeta nos fala;
- o Quinto Império será consequência do regresso do
Rei D. Sebastião, aquele que, na profecia popular,
voltará numa manhã de nevoeiro.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos
NOITE Comentários:
A nau de um d’eles tinha-se perdido • O poema refere o episódio da exploração da América pelos
no mar indefinido. irmãos Corte-Real: Gaspar explorou as costas do Canadá em
O segundo pediu licença ao Rei 1500, mas não regressou de uma viagem similar no ano
de, na fé e na lei seguinte. O seu irmão Miguel foi procurá-lo com três navios
da descoberta ir em procura que se separaram ao atingir a América. O navio de Miguel
do irmão no mar sem fim e a névoa escura.
nunca mais foi visto embora os outros dois tenham regressado
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo a Portugal. Finalmente o terceiro irmão, Vasco, viu recusado
volveu do fim profundo por D.,ManueI o pedido de autorização de procurar os irmãos,
do mar ignoto à pátria por quem dera uma vez que a sua eventual morte representaria o fim da
o enigma que fizera. linhagem. O rei enviou, ele-próprio, uma expedição de
Então o terceiro a El-Rei rogou salvamento que não encontrou vestígios dos desaparecidos.
licença de os buscar, e El-Rei negou.
• "Noite" (em relação ao advento do Quinto Império) refere um
Como a um cativo, o ouvem a passar episódio apropriadamente passado antes do Bandarra ou D.
os servos do solar. Sebastião terem sequer nascido, mas é provável que tenha sido
E, quando o vêem, vêem a figura redigido para outro fim e aproveitado por Pessoa quando, em
da febre e da amargura, 1934, se apressava a completar Mensagem para apresentar o
com fixos olhos rasos de ânsia
fitando a proibida azul distancia.
livro a um concurso de poesia.
• "não volveu à pátria por quem dera o enigma que fizera"- não
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome voltou à Pátria pela qual deu a vida (o enigma é a circunstância
– O Poder e o Renome – do seu misterioso desaparecimento).
ambos se foram pelo mar da idade
à tua eternidade; • "ambos se foram à Tua eternidade"- ambos morreram.
e com eles de nós se foi • "com eles de nós se foi o que faz a alma poder ser de herói"-
o que faz a alma poder ser de herói. com eles perdeu Vasco o alento e a ousadia.
Queremos ir buscá-los, d’esta vil • "queremos ir buscá-los desta vil prisão"- (fala Vasco) quero
nossa prisão servil: morrer para ir ter com eles (a "prisão servil" é a vida).
é a busca de quem somos, na distancia
de nós; e, em febre de ânsia,
• "Deus não dá licença que partamos"- falhado o pedido feito ao
a Deus as mãos alçamos. rei para ir em busca dos irmãos, Vasco pede então a Deus que
o liberte da amargura e o leve para se reunir aos irmãos no
Mas Deus não dá licença que partamos. Além, mas Deus não lhe concede a morte...
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos
• Comentários:
• "a noite é o fausto do mistério"- a noite é
a pompa do desconhecido; é de noite que
TORMENTA o desconhecido assume toda a sua
grandeza (ou é mais terrível)..
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue? • "o relâmpago, farol de Deus, um hausto
Nós, Portugal, o poder ser. brilha"- o relâmpago reluz por um
Que inquietação do fundo nos soergue? instante (literalmente: pelo tempo de uma
O desejar poder querer. inalação rápida). "e o mar escuro
estruge"- o mar estrondeia (faz um
Isto, e o mistério de que a noite é o fausto... estrépito muito alto).
Mas súbito, onde o vento ruge, • o poema é sobre uma tormenta simbólica:
O relâmpago, farol de Deus, um austo a agitação íntima de Portugal que,
Brilha, e o mar 'scuro 'struge. segundo Pessoa, aspira ser a nação do
Quinto Império.
• E no negrume da ignorância do Seu
desígnio, Deus indica-o por um breve
instante (supostamente através do próprio
F. Pessoa que seria, assim, o "farol de
Deus").
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos
CALMA Comentários:
Que costa é que as ondas contam • Este estranho poema deve ser comparado ao intitulado
e se não pode encontrar "Ilhas Afortunadas" que versa o mesmo tema e foi
por mais naus que haja no mar? escrito alguns dias mais tarde.
O que é que as ondas encontram
e nunca se vê surgindo?
• É provável que o poema agora intitulado "Calma" tenha
Este som de o mar praiar sido a primeira versão de "Ilhas Afortunadas" e tenha
onde é que está existindo? sido repescado para a última parte de Mensagem que foi
preparada com um prazo muito curto e, destinando-se a
Ilha próxima e remota, um concurso que impunha um número mínimo de
que nos ouvidos persiste, páginas, obrigava o poeta a incluir mais material do que
para a vista não existe. o que, de outra maneira, poderia ter incluído.
Que nau, que armada, que frota
pode encontrar o caminho • Este poema representa uma espécie de tempo de
à praia onde o mar insiste, paragem para reflexão, o que talvez tenha justificado o
se à vista o mar é sozinho? seu nome.
Haverá rasgões no espaço • "rasgões no espaço que dêem para outro lado"- este
que dêem para outro lado, conceito dos mundos paralelos ou túneis para outros
e que, um d’eles encontrado, mundos, hoje lugar comum nos contos de ficção
aqui, onde há só sargaço, científica e parcialmente alvo de estudos pelos físicos
surja uma ilha velada, teóricos, é altamente surpreendente para a época e
o país afortunado suscita a questão de se Pessoa o terá imaginado ou se
que guarda o Rei desterrado terá tido notícia dele através de revistas de ficção
em sua vida encantada? científica americanas.
15/2/1934
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos
Comentários:
ANTEMANHÃ
• "a madrugada do novo dia, do novo dia sem acabar"- a
O mostrengo que está no fim do mar alvorada do Quinto Império (que será eterno).
Veio das trevas a procurar • "desvendou o Segundo Mundo, nem o Terceiro quer
A madrugada do novo dia, desvendar"- referência à Segunda Epístola de S. Pedro, onde
Do novo dia sem acabar; o apóstolo divide os Tempos em três:
E disse, «Quem é que dorme a lembrar – o Primeiro Mundo, que durou desde a Criação até ao
Que desvendou o Segundo Mundo, Dilúvio;
Nem o Terceiro quer desvendar?» – o Segundo Mundo, em que vivemos, que durará até à
segunda vinda de Cristo - que supostamente reinará por
E o som na treva de ele rodar mil anos -
Faz mau o sono, triste o sonhar. – e o Terceiro Mundo que se segue e que perdurará
Rodou e foi-se o mostrengo servo eternamente e é, nesta alegoria, confundido com o
Que seu senhor veio aqui buscar, Quinto Império.
Que veio aqui seu senhor chamar – • "Aquele que está dormindo e foi outrora Senhor do Mar"- D.
Chamar Aquele que está dormindo Sebastião ou Portugal, que nesta acepção se confundem.
E foi outrora Senhor do Mar. • Face a "O Mostrengo" de Mar Português conclui-se que
Pessoa quer de novo simbolizar o medo do desconhecido,
8/7/1933 agora não do mar ignoto, mas da via para o Quinto Império na
qual Portugal ainda não se lançara (está dormindo).
• No entanto o mostrengo que um dia foi soberano é agora
servo de Portugal (o medo já não será nosso, mas de outros)
que procura, debalde, para o início do caminho. O nome deste
poema indica que está a chegar a hora, "a madrugada do novo
dia".
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos
Comentários:
NEVOEIRO
• Neste poema, o último de Mensagem,
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Fernando Pessoa transmite uma imagem
define com perfil e ser desencantada da realidade do Portugal dos
este fulgor baço da terra seus dias... Mas, para concluir, que essa
que é Portugal a entristecer – situação é, afinal, o nevoeiro de que falam as
brilho sem luz e sem arder, profecias e que marcará o regresso de D.
como o que o fogo-fátuo encerra. Sebastião.
• A conclusão de que o nevoeiro que se
Ninguém sabe que coisa quer. esperava não é, afinal, literal (físico), mas
Ninguém conhece que alma tem, antes simbólico (social e político), permite-lhe
nem o que é mal nem o que é bem. acabar o poema com uma "volta" final ao
(Que ânsia distante perto chora?) gritar: "É a Hora!".
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro. • "fogo-fátuo"- chama azulada, em geral breve,
Ó Portugal, hoje és nevoeiro... resultante da combustão espontânea de uma
mistura de metano e ar em determinadas
É a Hora! proporções. O metano (gás dos pântanos) é
produzido naturalmente pela decomposição
VALETE FRATRES! da matéria orgânica, vegetal ou animal. A
combustão produz calor, mas como é muito
breve a chama pode parecer fria.
CONCLUSÃO
• “É a Hora!” – Pessoa parece ter uma “visão histórica da raça por vir”;
• Esta mensagem final da Mensagem sugere que a obra de Pessoa seja positiva.
• Ironicamente, a última mensagem de Mensagem é – como se acredita que era a
alma do poeta – um elogio da vida e não de morte.
• A “Hora” de Pessoa é uma realidade por consumar.
• A “Hora” é também o momento em que Pessoa (o seu plano) é lido até ao fim.
• Pessoa despede-se com uma nova elocução latina (Valete Fratres!), retirada de
um ritual maçónico; tem, por isso, um significado hermético:
pretende comunicar que se despede de todos aqueles iniciados, seus irmãos
templários e rosa-cruzes, que compreendem a(s) sua(s) mensagem(ens) e
agirão com vista à construção do futuro da Pátria.
• Haverá muito de amargura no adeus final: sabe Pessoa que a Pátria futura não
será nunca esse regresso ao passado de criança (a Pátria pura, com pai e mãe
atenciosos e dedicados, sem solidão, sem «dor de pensar».).