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Personagens
Catarina, estudante de letras, 25 anos
Isabela, estudante de administração, 32 anos
Gregário, estudante de psicologia, 21 anos
Camila, estudante de dança, 32 anos
Jasmim, estudante de sociologia, 26 anos
Aline, estudante de cinema, 24 anos
Sala de um apartamento, com vista pra cozinha americana ao fundo. Dia. Aline está filmando o
depoimento de Catarina na sala. Isabela e Camila observam.
Catarina – Na natureza o ciclo da vida se resume em nascer, crescer se reproduzir e morrer. Na vida
humana o crescer se divide em 4 fases, que são a infância, a adolescência, a fase adulta e a velhice.
Afirma-se que a fase adulta se inicia aos 21 anos.
Catarina – Adulto vem do latim adultus, que quer dizer aquele que amadureceu. Já amadurecer vem
do latim Maturare, que quer dizer aquilo que está pronto pra colheita.
Aline – Corta!
Entra Gregório.
Isabela – Acredite.
Aline - Podemos?
Catarina – Mas como saber quando estamos prontos. Pronto vem do latim promptus, que quer dizer
terminado.
Entra Jasmim.
Aline – Corta!
Catarina – Você quer foco? Vou te mostrar foco! É pra falar olhando pra onde?
Catarina – Tanto faz não. Se eu tiver olhando pra você é uma outra coisa. Outro olhar, outra energia.
Se eu for olhar pra ela é mais um preparo. É diferente.
Aline – Certeza?
Catarina – Certeza?
Isabela - Não!
Saem todos.
Em focos isolados dão depoimento para câmera. Entra introdução da música “ O tempo é agora”
de Anavitoria.
Episodio 1 – DESCOBERTA
Aline – Esta é nossa casa. Temos 4 quartos e 6 moradores. Na verdade temos 3 quartos, a
proprietária dividiu um dos quartos ao meio pra cobrar mais caro, então temos 2 quartos e 2 meios
quartos. Um quarto é dividido pela Jasmim e Camila. Elas são tranquilas. A Camila é extremamente
zen, enquanto a Jasmim parece que nasceu ligada no 220. O outro quarto já não é tão tranquilo. É
dividido pela Catarina e pela Isabela. A Isabela é um tanto quanto bagunceira e a Catarina tem
mania de limpeza. A Camila sempre diz:
Camila – Tragedia anunciada. É um milagre estarem vivas. Uma é sagitário, a outra tem o centro do
céu em capricórnio.
Aline – Não entendo muito bem o que isso significa, mas deve fazer sentido. Um meio quarto o
Gregório ocupa sozinho. O Greg é o caçula da casa, e o único homem entre nós, ele ainda tá
descobrindo algumas coisas da vida. Ele era artista de rua, mas agora tá fazendo psicologia. E o
outro quarto quem ocupa sou eu, Aline. Lá é onde eu guardo todos os meus segredos, minhas
angustias, é meu campo de batalha. E aqui nossa sala, onde convivemos, rimos, discutimos e
também tomamos café.
Gregório – A Cat é a teorica da casa. Tudo ela tem uma explicação, uma resposta, uma compreensão.
Ela estuda letras mas podia ser física quântica que daria no mesmo.
Catarina – Essas relações de descobertas. Quase sempre não paramos pra analisar os acontecidos.
Catarina – Me falam as vezes que eu sou muito racional, o que eu não entendo, eu sou uma poetiza,
em mim transborda o metafísico. Mas as vezes vivemos sem analisar o que nos acontece e ficamos
errando ou acertando sem saber o porque acertamos, nem o porque erramos. Isso é metodo.
Aline – Eu não imaginei que pudesse dar pano pra manga aquela pergunta.
Camila – A Jasmim é extremamente hiperativa. Ela não desliga, é uma pessoa ótima, mas
possessiva com suas coisas. Ela tá o tempo todo repetindo que o tempo passa muito rápido, que ela
precisa correr, aproveitar, trabalhar. Já falei pra ela desacelerar pra não infartar aos 30.
Jasmim – Eu não sou possessiva, mas eu organizo minhas coisas pra gastar o mínimo possível de
tempo. Tenho muita coisa pra fazer, tenho aula, dois estágios, ainda uma bolsa de pesquisa, sem
contar que ainda tem que dormir, Não sei pra que o ser humano dorme, se gasta muito tempo
dormindo. Esse tempo podia se estar produzindo algo útil. Mas eu sou uma pessoa super tranquila.
(volta pra cena) Eu só vou perguntar mais uma vez!
Camila – Não fui eu, hein?! Negócio cheio de glúten, aromatizantes, químicos. Já te falei que isso
faz mal.
Isabela - Eu?
Jasmim – Isabela?
Isabela – Fofoqueira! A catarina é o tipo irritante de pessoa que não sabe dissimular! Ela é sincera.
Catariana – A Isabela se irrita comigo porque eu não minto. Não gosto de mentir, e acho que a
verdade é sempre o melhor caminho, por isso vou logo avisando não me contem segredos. Se é
segredo guarde, porque se me perguntarem eu não vou mentir. A Isabela por exemplo, ela ainda não
entendeu que não mora mais com os pais e que as coisas vão ressurgir feito mágica.
Isabela – Não é que eu ache que os outros tenham que fazer as coisas pra mim, mas somos uma
família agora, e todo mundo se ajuda. O que é um iogurte? Mas já fui pega! Não tenho como
escapar. Esse é o tipo de momento em que você deve assumir a culpa e fingir clemencia. Afinal não
há mais como negar. (volta pra cena) Confesso! Fui eu. Ah Deus! Pobre de mim! Pobrezinha de
mim! Eu estava faminta! Definhando! Eu sou doente. Eu não consigo controlar minhas ações. Eu
roubo.
Isabela – Ah garota, muquirana! Pode deixar que eu vou pagar! Vou pagar sim! Tintin por tin tin.
Que eu tenho honra!
Isabela – Onde está o amor ao próximo nessa casa, meu Deus? Oh, meu querido Deus! Por isso eu
vou embora.
Isabela – Você que pensa. Tem um monte de câmera espalhada ai, pra pegar a gente em momentos
espontâneos. É, meu amor. Isso é modernidade, direção interativa contemporânea.
Catarina – Ai meu Deus! Não pode não. Aline!
Camila – Catarina ficou com medo, foi? O que é que você faz escondido, Catzinha?
Jasmim – A camila divide o quarto comigo. Dizem que a energia que esbanjo, nela falta. Mas não é
verdade. A Mila tem outro ritmo, mas nesse ritmo dela ela segue a vida tranquila.
Camila – Dizem que eu sou muito zen. Mas gente, cada um tem seu tempo. Eu não vou medir vocês
com a minha régua. E vocês não vão me medir com a régua de vocês. “Ah, Camila você tem que
pensar já na sua pesquisa. Tem que seguir academia. Fulana entrou no Bolshoi.” Gente, eu tô no
meu tempo, curtindo meu momento, me relacionando. Gosto de me conectar a natureza. Entender
seus elementos.
Catarina – Sempre achei a camila meio estranha. Ela não bate bem, não. Essa história de astrologia.
Conexão com a lua. Eu não acredito em nada disso.
Aline – Então, mila, obrigada, mas esse docudrama é um experimento sobre nosso dia a dia.
Camila – Aí, linda, que você se engana. O nilsinho, aqui debaixo, o que é escorpiano, sabe?
Camila – Vocês são muito caretas! Que nada. Tem que ser bicho solto, Cat. Cadê essa libriana louca
que eu sei que tá ai dentro. Cadê, hein? Mostra ela pra mim, vai. Mostra! Cadê?
Catarina – Oxe! Ta doida? Nada disso. Venha pra cima de mim não. Vá pro Gregório ali.
Camila sai.
Jasmim – Cabou o floral, foi? Deixa eu ir que tô atrasada!
Jasmim sai.
Isabela – Quem sabe? Agora, Nine. A gente sabe que a estrela desse seu docudrama sou eu. Obvio.
Por diversos motivos. Eu sei que a câmera me ama, eu tenho uma sensualidade, que eu não consigo
controlar, é natural mesmo, e lógico meu nome chama publico, todos meus seguidores e tal.
Isabela – Tô querendo saber, quando vou receber meu texto. Essas coisas mesmo. Pra eu estudar, né?
Me aprofundar.
Aline – Bela, então, não tem texto. O objetivo é registrar a realidade em nosso entorno. Não
ficcionar.
Gregório – Mas você bem que podia passar as perguntas que você faz antes, né? Assim a gente
podia preparar melhor.
Aline – O Greg tem um problema de insegurança. Quando era criança ele fez xixi durante um
discurso de dia das mães que era pra ser improvisado, ele não conseguia falar e se molhou todo.
Gregorio – As pessoas acham que eu sou inseguro. Não é isso. É que eu gosto de ter as coisas sob
controle. Pra que nada dê errado. E não tem nada a ver com uma historia de xixi que contam ai. Isso
eu já nem lembro mais.
Aline – Ele fala que não lembra mais, mas a gente sabe que é trauma. Apesar dele repetir que já
superou.
Aline - Mas eu não quero boas respostas, mas sim respostas espontâneas. Então não fiquem
preocupados com isso não. Hajam naturalmente como se não houvesse ninguém filmando.
Isabela – Eu vou tentar, mas você sabe que eu sou muito sensual né? É meio que da minha natureza.
Aí, desculpa! Louco! Tá vendo só?
Catarina – A Isabela tem problemas, isso não é segredo pra ninguém. Ela estuda administração, mas
não sabe administrar a própria vida. Se bem que já faz 5 anos que ela está no terceiro semestre. A
formatura dela vai ser um baile de debutantes.
Isabela – As pessoas têm inveja de mim porque eu sou espontânea e sensual. Eu administro minha
vida muito bem. Meus pais queriam que eu fizesse uma faculdade. Mas eu sou jovem. Ainda nem
fiz 30. Escolhi administração porque… sei lá porquê. Precisava ser algum curso. Mas eu to
cuidando da minha vida. Tô vivendo. E vou bombar nesse docú, hein?!
Aline – Mas foi uma pergunta tão tranquila.
Camila entra.
Camila – Eu broto, como frutos silvestres, em camadas, em pequenos folículos, em babosas, ai você
me pega, me colhe, me dá dois tapas na cara, me passa no seu cabelo, que eu hidrato os fios. Não,
não é nada disso. Como é? Cê para, hein! Tranquila? Quando você percebe que amadureceu?
Amor!Ninguém aqui é maduro.
Catarina – Mas é muito louco, né? Um dia você dorme tranquilo comendo pizza de 3 dias atrás, no
dia seguinte você acorda com um pano de prato no ombro cozinhando um arroz e querendo a pia
limpa. É dificil entender esse processo.
Gregório – Igual quando você deixa de ser criança. Do nada aparece pêlo onde não tinha. Você
cresce um metro em dois dias, sua voz engrossa, vem um peito, uma bunda, não se sabe de onde, e
de repente você não é mais criança. Sem aviso prévio você deixa de ganhar doces e bombons e
ganha boletos e responsabilidades.
Isabela – Acho isso muito injusto. E eu não vou amadurecer. Não quero. Não vou. Vou deixar minha
pia suja sim! Vou comer besteira e dormir as 4h da manhã vendo série, sim! Abaixo a ditadura do
amadurecimento!
Catarina – Deixa de ser mal caráter, sua ridicula. Preguiçosa! Line, todos iremos amadurecer, mas
ninguém sabe o momento nem como será, minha linda. Sua pergunta, me perdoe, tô sendo sincera,
sou sua amiga, mas sua pergunta é incabida. Não se pode acelerar que uma flor abra, nem que uma
lagarta vire borboleta, na hora certa ela vai abrir e a borboleta vai voar. Deixa acontecer
naturalmente.
Aline – A cat tinha razão. Não adianta querer adivinhar, tudo acontece quando deve acontecer.
Descoberta número 1.
Mudança de tempo ao som de “Aquela dos 30” de Sandy . Passam as folhas do calendário e os
ponteiros do relógio paras as 16h da manhã.
Episodio 2 – Independência
Aline – O primeiro passo para iniciar a transição é a busca pela independência. A história conta que
o Brasil se tornou independente no dia 7 de setembro de 1822, quando Dom Pedro primeiro
montado num belo alazão gritou a celebre frase “independência ou morte” as margens do Ipiranga.
Mas todos sabemos que é tudo mentira, romantizado, fake news, foi nada assim. Mas me diga ai,
quando foi o seu 7 de setembro, hein?
Camila – Menina. Você larga só as pedrada, né? Já sei, foi quando eu viajei sozinha pela primeira
vez.
Gregório – É difícil, eu meio que ainda sou dependente dos meus pais.
Catarina – Que tipo de independência você tá falando? Eu não dependo financeiramente dos meus
pais tem um tempo, mas existem outras dependências.
Camila – Não há nada mais libertador que planejar um momento seu, sabe? Nem que seja um
passeio. Assim… Um cinema, um museu, um teatro. Acho que isso é independência.
Catarina – Porque eu sou poetiza, então eu sou dependente dos meus leitores, eu jamais serei
independente deles. Então talvez não exista o 7 de setembro nunca, não do jeito que pintamos.
Isabela – Mas acho que ainda sou uma pequena colônia. De um modo ou de outro, quem não é?
Gregório – Não é isso. É que eu tenho que terminar um trabalho e enviar hoje ainda.
Gregório – E eu um trabalho!
Isabela – Gente a internet caiu de novo? Eu tava fazendo uma live e do nada parou. Como assim?
Isabela – Paguei!
Isabela – O recibo?
Jasmim – Alô? Oi professor. Vou mandar o relatório daqui a pouco. Tive um problema aqui com a
internet.
Isabela –Bem... Você não teria, assim por acaso, 300 reais pra me emprestar, não?
Aline – Tá! Eu até te perdoo, só que eu não tenho esse dinheiro pra te emprestar.
Camila – Claro!
Camila – Ai, que lindo, Bela. Nossa! Fiquei até um pouco excitada agora. (faz bico pra beijar)
Isabela – É... pra ajudar uma tia minha que tá muito doente, cara.
Camila – A mesma que já morreu umas 3 vezes. Desculpa, amor, dia 20 já, né? Não tenho esse
dinheiro, gata. Tenta a Catarina, ela tem finanças.
Entra Catarina.
Catarina – O que é que você quer, hein? Sua sanguessuga mal caráter!
Entra Jasmim.
Jasmim – A internet voltou? Ligaram pra operadora. Eu preciso mandar meu relatório.
Catarina - A isabela não pagou!
Isabela – Eu errei! Deus, porque?! Por que eu sou assim, meu Deus?
Jasmim – Dá um jeito. Vende um rim. Tem dois. Mas eu preciso enviar meu relatório. Doutor
Cardoso tá no meu pé já.
Isabela – Oh, garota muquirana! É pro bem de todos nós! Nós somos uma família, cara! Ninguém
solta a mão de ninguém!
Catarina – Família? Você devia ter pensado na sua família, antes de gastar o dinheiro da internet! Já
sei. Você vai ligar pra sua mãe, e vai pedir dinheiro a ela.
Isabela – Que mal que eu te fiz, hein? Você sabe que mamãe vai acabar com a minha vida né?
Entra Gregorio.
Catarina – Liga!
Isabela – Tá chamando! Atendeu! Alô, mamãe? Oi mamãe, tudo bom com a senhora? Que bom.
Comigo? Tá, né… é, legalzinho… Não, mamãe, quero preocupar a senhora não. Ta tudo indo, aqui.
Uma dificuldadezinha ou outra, mas a gente vai, vendendo o almoço pra comprar a janta. Mas fique
tranquila, não quero preocupar a senhora não. Aah, a senhora vai mandar um dinheirinho? Nada que
uns 400 reais não resolvam.
Catarina – Que mal caráter!
Isabela – Fico esperando, mamãe. Te amo! (desliga) Pronto. Ainda hoje eu pago a internet.
Isabela – Pedi 100 de reserva. Não me julguem, não! Tem tanto que eu não peço nada a meus pais.
Acho até que vou fazer isso mais vezes. Já transferiu! Mamãe é rápida, menina. Prontinho, Greg e
Jasmim. Em alguns instantes, teremos internet.
Catarina – Você não tem vergonha de enganar sua mãe, não, oh pilantra?!
Isabela – Não, a mãe é minha. E sem contar que eles tem responsabilidade sobre mim.
Camila – Mas qual foi a última vez que você ligou pra eles, hein?
Jasmim – Tava aqui pensando quando foi que eu liguei la pra casa, sem motivo. Só pra conversar
mesmo.
Camila – Ih, menina. Se a gente for entrar nessa reflexão agora. Vou até preparar um chá.
Jasmim – A gente sai de casa, quer ganhar o mundo, ser independente, trabalha e estuda dia e noite,
e no final o que é que a gente tem, hein? A gente acaba se desligando de nossas raízes. Tentamos
nos tornar independentes da família, e vamos nos tornando dependentes do trabalho, das pesquisas,
dos amigos.
Catarina – Mas não existe independência, a partir do momento que precisamos de oxigênio e água,
já somos dependentes de algo.
Isabela - Oi meus amores, saudade de vocês! Fiquei meio off mas já estou de volta! Como ia
dizendo na nossa live, vamos olhar pro lado, tem sempre um irmão precisando de uma mão.
Catarina – Eu entendo essa necessidade social de manter relações com a família. Eu falo com meus
pais toda semana. Um dia que atraso, já vira um drama.
Jasmim – Alô, pai? Como o senhor tá? Não... aconteceu nada não. Ligando mesmo pra saber como
vão as coisas por ai.
Sai Jasmim.
Aline – Vivemos nossa vida inteira atrás da tão sonhada independência. Pra perceber que só
alcançamos quando entendemos que ela não existe, pelo menos não como a pintamos. Descoberta
número 2.
Episodio 3 - Pressão
Camila – (no telefone) Ta bom, mãe, também amo a senhora. Não, mãe, eu não quero filho agora.
Não cabe na minha. Eu sei que a senhora só tá preocupada com. Mãe, vou ter que.
Jasmim – (no telefone) Eu sei, professor. Eu fiquei de enviar hoje esse relatório e vou enviar.
Gregório – (no telefone) Não, pai, ainda não consegui o emprego. Eu fui em algumas entrevistas,
mas… Eu sei que o mercado tá difícil, pai.
Violeta – (no telefone) Eu sei que a Fátima já tá formando, e daí que eu já tô há 8, sei lá 7 anos, nem
lembro mais, no curso. Eu vou me formar quando eu achar que é a hora.
Catarina – (anotando no caderno) Tenho que terminar o conto, tem ainda o comentário da última
leitura no canal, tenho que atualizar meu projeto da rádio... o que falta Catarina, tem aquele artigo
que você ficou de escrever.
Aline – A catarina me disse um dia desses que todos recebemos a ação gravidade e da pressão
atmosférica. Segundo ela essa seria a pressão exercida pelo ar sobre uma determinada superfície.
Mas o ar pode ter nomes distintos as vezes.
Gregório – Eu sei que o mercado tá saturado, que tá cada vez mais difícil arranjar um emprego, mas
ficar repetindo isso não ajuda em nada. Só aumenta meu nervosismo quando arranjo uma entrevista,
entende, eu me sinto na obrigação de passar.
Violeta – O que eu tenho a ver se fulano ou beltrano tá formando? Eu vou formar na hora que eu
quiser, ficar me lembrando quantos anos eu já tô no curso não vai mudar em nada, só vai me deixar
de mal humor.
Catarina – Eu tenho muito pouco tempo e tenho muito o que fazer, eu preciso fazer, preciso deixar
algo. Como vou ser lembrada futuramente se não fizer nada de significativo?
Jasmim – Chega um momento que não dá pra mim, sabia?! Dá vontade de jogar tudo pra cima. Eu
vou mandar a banana do relatório. Eu falei pra ele que eu vou mandar. Tá no prazo. Palhaçada!
Camila – Eu vou ter um filho quando eu achar que é o momento, se eu achar que é o momento e se
eu quiser ter um filho. Eu não preciso de um filho, de um marido, nem de ninguém pra me sentir
realizada. Me deixem viver minha vida. (volta pro celular) Mãe o sinal, tá (som de ruido) Não tô
ouvindo! É o tunel! (desliga)
Camila – Não! É que ela me ligou pra falar do aniversario do meu sobrinho que é semana que vem
e começou a me fazer um monte de pergunta que eu não sei a resposta. Não sei! Não sei! Não sou
vidente pra saber do futuro. Ai fica me enchendo de questão. Querendo saber quando eu vou casar,
quando vou engravidar, fica me falando que o tempo é inimigo das mulheres. Ai, pelo amor de Deus,
se ela não fosse minha mãe eu juro que eu mandava ela.
Catarina – Catar coquinho, né? Eu já mandei. Teve um dia que a minha veio com essas histórias de
que eu precisava arrumar um paquerinha. Aí eu explodi, depois pedi desculpa.
Camila – Mas minha mãe tem que entender que a filha dela é bicho solto. Não adianta querer
enjaular.
Jasmim – Caiu! Argh! Inferno! Matar esse homem! Velho, eu falei pra ele que mandava hoje. Ele
me ligou cobrando. Não deu ainda o horário! Agora eu perdi uma hora de relógio com ele me
espezinhando enquanto eu podia estar revisando o relatório pra mandar pra ele. Já é o terceiro essa
semana. Ele nem me devolveu o primeiro! Acho que ele decora a casa dele com meus relatórios,
porque ler que é bom!
Isabela – Ela tem um grave bacana, né? Mas é isso ai! Tem que falar grosso! Esse negócio que tem
que se formar, né não?!
Catarina – Mas você que se formar. Seu diploma vai nascer maior de idade.
Isabela – Não interessa! Chega de pressão na minha cabeça! Diga não ao aperto de mente! Quem
está comigo?!
Jasmim – Oh, linda, eu até queria. Mas não posso, se eu jogar tudo pra cima depois eu mesma vou
ter que catar. Deixa eu ver meu relatório.
Jasmim sai.
Gregório – Eu vou treinar meus malabares, que nunca é tarde pra voltar pro sinal.
Sai Gregório.
Catarina – É engraçado, ver como os demais lindam com a pressão externa. Eu não tenho problema
nenhum com pressão. Eu até rendo mais, sabia. Se bem que eu acho que meu rendimento está
abaixo do que eu posso alcançar.
Aline – Mas, Mila. Porque esse telefonema mexeu tanto com você?
Camila – Eu não sei. (a parte) Mentira na verdade eu sei sim. Mas sempre que não queremos
explicar uma coisa que sabemos a explicação respondemos “eu não sei”. Deve ser um mecanismo
de defesa pra não se expor naquele momento, porque ninguém entrega suas fraquezas de bandeja.
Mas a verdade é que aquele telefonema de minha mãe me despertou inúmeras perguntas e
incertezas em minha vida. Que incertezas são essas? Eu não sei.
Aline – Eu o quê?
Catarina – Não tô acreditando que ela teve essa coragem! Mas deixe ela! Nine, tava pensando. E
tenho uma proposta pra te fazer. Que tal você filmar os vídeos do meu canal?
Catarina – Você filmaria, bonitinho, a gente colocava você como apoiadora. Melhor! Como
realizadora. Tipo uma permuta!
Isabela – Acorda, garota. Ela ganha o quê com isso? E vem cá, você nunca se preocupou com isso,
sempre falou que o conteúdo dos seus vídeos que importava. Mudou o quê agora?
Catarina – Mudou que eu acabei de ver aqui que a víbora da Flaviana do 305, comentou assim:
“Que imagem terrível. Não tem câmera? Ajuda ela Luciano!” Então agora eu quero filmar em full
blaster extra master power HD pra enfiar na goela dela! E pra isso eu preciso da sua ajuda! Por
favor!
Aline – Já?
Catarina – É!
Aline – Em 5, 4,3, 2.
Catarina – Olá queridos leitores. Esse é mais uma analise do nosso canal, essa semana vamos
analisar o livro “Sua vizinha é uma serpente”!
Camila – É importante, Cat. Todo mundo na sala. Na sala, por favor! Quero fazer um comunicado.
Camila – Posso falar? Então. Eu tava no quarto refletindo. E, bem. Eu tomei uma decisão muito
séria, e eu decidi que tá na hora de eu morar sozinha.
Aline – Cat!
Catarina – Mas gente, era um comunicado. Não é um plebiscito. Ela falou, “eu vou embora”.
Sucesso na carreira, linda. Vamos voltar aqui?
Catarina – Viram, só. Querida, muita luz no seu caminho, tá? Tudo de bom, pra ti.
Camila – Não, vocês são maravilhosos. Mas eu acho que eu to me acomodando aqui, entende? Eu
preciso de novos desafios pra poder seguir.
Catarina – Já vi que minha filmagem foi pro beleleu. Oh, mila. Porquê isso, minha amiga, tão
querida? (a parte) É importante a gente fingir que se importa com algumas coisas que acontecem
mesmo que essas coisas não tenham importância. Vocês devem tá pensando que “Ah, a Catarina é
egoísta”, mas não é isso. Se ela acha que precisa ir embora, a gente deve acolher a decisão. É
egoismo querer que a pessoa fique pra nos deixar bem sem saber se ficar é o melhor pra ela. (volta)
Conta pra mim, vai. Conta.
Gregório - Os pais ao mesmo tempo que são nosso porto seguro são a tsunami que acaba com o
equilíbrio do nosso mar.
Camila – Mas as vezes elas são um pouco os pais, sim. Sabe... eu sempre fui a filha diferente lá de
casa.
Camila – Pois é, Mim. Mas minha mãe hoje me mostrou umas coisas e... Eu não sei, eu acho que eu
preciso de novos ares.
Catarina – Oh, amor. Tudo de bom, pra ti, viu, linda? Sucesso na carreira.
Gregório – Eu sei que é tudo muito confuso, tudo muito recente, mas... não se precipite. Mudar de
casa ou morar sozinha talvez não mude em nada, porque problema vai continuar te seguindo.
Jasmim – (a parte) O que o Greg falou pra Mila, era algo que talvez eu devesse ter dito pra mim
mesma todos esses anos.
Catarina – Gente, vocês tão deixando a menina ainda mais confusa, né minha coisa linda? Não
gosto de te ver assim acanhada. Cadê o bicho solto, hein? Cadê?
Catarina – Vamos desprender então. Ih! Gente! Vamos parar?! Pressão existe e precisa existir, só
temos que saber administrar. Você não vai pra lugar nenhum! E você já mandou o relatório? Quando
é sua próxima entrevista? Pode se abater não, muito menos enlouquecer. Olhem pra mim. O que
veem?
Catarina – Não, linda! Eu sou consciente! Entendeu! A gente não precisa fazer tudo o que dizem
não. Vai ter pressão de todo lado, ai gente vai administrando. A gente não precisa provar nada pra
ninguém. Meu vídeos são gravados com webcam? São! Mas o que importa é o conteúdo. Eu posso
buscar melhorar? Posso! Mas não porque a víbora da Flaviane do 305 comentou qualquer coisa.
Então vamos pra guerra. Vamos pra luta!
Camila – É isso ai, Cat. Você tá coberta de razão. Eu não vou entrar na pilha da minha mãe. Eu sou
bicho solto! minha vénus tá lá em escorpião! Que o relógio ande, que o relógio corra, meu tempo
sou eu que faço.
Gregório – É!
Camila – E pro bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico!
Isabela – Graças a Deus. Já tava aqui pensando que ia aumentar o aluguel. Mas é, gente! Se de 6
passa pra 5, muda o preço.
Jasmim sai.
Catarina – Nada? Não! Os pingos estão nos i’s e a vida segue plena.
Catarina – Vamos sim, linda! Mas não agora. Vou preparar tudo, até porque nada no impulso
funciona, né? Eu fico aqui sofrendo, e ela tá lá tranquila na vida dela. |Como diria uma tia minha,
me estresso não. Praga eu não rogo, mas o fim eu hei de ver.
Catarina sai.
Jasmim – Oi, professor. Mandei o relatório pro senhor. Isso do jeito que o senhor pediu.
Aline – Seguindo os princípios da física e da Catarina, tanto a pressão elevada quanto a pressão
reduzida são prejudiciais, é preciso estar em equilíbrio. Descoberta número 3.
Episodio 4 – Dúvidas
Depoimentos isolados.
Aline – Se você tem incertezas, medos de escolhas erradas, se acredita estar no caminho certo.
Aline – (a parte) O Greg sempre foi o mais calado de nós. Sempre achamos que era a personalidade
dele, mas nos últimos dias isso tá mais latente e tem nos deixado um pouco bastante preocupadas.
Gregório – Domingo?
Isabela – Sim. (a parte) O greg tá muito ansioso, ele foi aprovado em um estagio numa clínica aqui
no centro e começa a trabalhar amanhã. (volta) Amanhã, Greg. Amanhã!
Entra Camila.
Catarina – Ele está com a síndrome de ansiedade. O que foi, hein Greguinho? Fala aqui pra gente?
Fala, vai.
Gregório – Tem nada disso não, só me atrapalhei. (a parte) Eu odeio ser o centro da conversa. Não
quero ser o tema do dia, por favor.
Jasmim – Não sei, não. To te achando muito agitado com esse estágio. Fique tranquilo. Você vai ver
que é tranquilo. Você começa, ai daqui a pouco você já tá em dois, de repente, olha só tem três, você
consegue um quarto, coisa pouca, que dá pra fazer em casa nas horas vagas, de repente, cê nem
percebe mais o que é trabalho e o que é vida. É uma beleza.
Isabela – Ai daqui a pouco você tem o quê? Pequenas pedras nos rins, uma vesícula necrosada, um
infarto aos 30, você nem percebe. É uma beleza.
Camila – A belinha tem razão. Hein? Pode entrar nesse ritmo frenético não.
Gregório – Já entendi, gente. Valeu ai pela preocupação.
Gregório sai.
Camila – Tô preocupada com esse menino. Ele não tá legal. Será que é inferno astral?
Aline – Sei não, viu. Mas hoje mais cedo, eu vi que ele tava separando as coisas que ele usava
quando fazia malabares na rua, e mais tarde encontrei isso aqui no chão.
Jasmim – O que é?
Isabela – Ele tava indo pra lá, então? Será que ele tava mentindo pra gente?
Entra Gregório.
Camila – Calma, Greg. É que a Aline, ela. Fala você vai, Nine.
Aline – Hoje mais cedo eu vi você separando seu material de malabares e depois encontrei isso pelo
chão.
Catarina – Um folheto do encontro de artistas de rua que ocorrerá hoje mais tarde.
Catarina – Greg, Greg, Greg, meu bom, Greg. Você pode até tentar se enganar, mas não a nós. Tá na
cara que você estava tentando ir escondido para este encontro! Mas porquê? Eu te pergunto: Porquê?
Não adianta negar. Nós ligamos todos os pontos, analisamos as provas e o depoimento da
testemunha. Mas pra quê tudo isso? Pra quê, meu Deus?
Isabela - Ih, menina deixe de drama! Greg, a gente só quer saber o que tá acontecendo. Você
nervoso, indo pro estagio no domingo e depois a gente encontra esse panfleto. O que foi?
Gregório – Meninas, não tá acontecendo nada. Eu tava separando meu material porque eu vou doar
pro pessoal que taí na rua, ainda. E esse panfleto eu recebi por acaso e ele deve ter caído no chão,
mas eu nem lembrava que era hoje.
Catarina – Será mesmo, hein? Fala pra mim! Será? As vezes nosso inconsciente nos leva a tomar
decisões que parecem coincidências, mas não são.
Camila - Eu mesma! Quantas vezes já falei que não ia mais encontrar o nilsinho, e quando menos
percebia já tinha dado um duplo twiste carpado, cara a cara com a virilha sarrada, fazendo “mê mê,
sou eu a cabritinha”, e era o destino? Não era, não! Era meu inconsciente. que me levou pr’aquele
escorpiano, safado, ah escorpiano!
Catarina – É, meu caro. Acabou-se o tempo da brincadeira. Agora vem o tempo da educação.
Catarina – Nosso querido Gregory está dando adeus aos seus pertences de malabares para focar na
sua carreira profissional.
Jasmim – Mas tem que focar mesmo, Greg. Mira e vai. Sangue no olho, faca nos dentes. Tem tempo
de pensar não. Ataca. Ataca. Ataca! Vai!
Isabela – Pera lá! Não é pra tanto, não é porque agora ele vai começar uma nova fase que ele tem
que apagar o passado. Você não precisa se desfazer de suas coisas.
Aline – A Bela tem razão. Uma coisa não anula a outra. Você pode muito bem estagiar na clínica e
fazer seus malabares pra se distrair.
Gregório – Posso me distrair, mais não. O tempo tá passando, tenho que focar no que interessa.
Jasmim – O tempo tem uma coisa com a gente. Comigo principalmente. Eu só queria pelos mais 5
horinhas por dia. Mas não dá. Daqui a pouco eu tô com 30, com 40 e ai? Não posso perder nem um
segundo. Você tá certissimo, Greg.
Isabela – Ah, meu amor, o tempo passa pra você. Eu mesma fiquei com 22 anos até os 27, quando
eu cheguei nos 28, aí sim eu fiz 25. Então é tudo muito relativo. Por exemplo, vou pra Florida? 21
aninhos tranquila? Dependendo da roupa consigo até uns 19.
Isabela – Não! Só pra mostrar pra vocês que não existe esse negócio de “já passei da idade de
bereguedê, de baragadá”. Entendeu?
Isabela/Jasmim – NÃO!
Aline – (a parte) Tinha alguma coisa no Greg que não tava fechando. Essa decisão de se desfazer de
tudo acho que vai além da questão de tempo.
Catarina – (a parte) É muito obvio. O Greg tá se desfazendo de suas coisas porque ele tá dividido.
Ele não tem certeza se quer seguir essa vida, mas tem medo de um futuro instável, e ele sabe que
com as coisas dele perto ele jamais vai seguir um caminho, vai ficar sempre no meio.
Gregório – Vou respirar, vocês tão me sufocando. Tão pior que meu pai! Que saco! Eu não consegui
o estagio? Não era isso que eu precisava fazer? Pois então! Eu tô fazendo! Agora me deixem!
Quando eu consigo coragem pra seguir em frente. Quando eu tomo uma decisão, vocês ficam me
enchendo de perguntas que eu já havia respondido. Eu não quero repensar, eu não quero refletir, eu
não quero nada! Eu vou pegar a droga do meu material e vou doar pros meus amigos! Já não basta
eles enchendo minha cabeça? Eu quero paz! Paz! Pelo amor de Deus! Um minuto de Paz!
Gregório sai.
Jasmim – Greg!
Aline – Minha?
Catarina – Sim!! Tinha nada que ficar ai bisbilhotando a vida dos outros.
Catarina sai.
Isabela – Eu acho que ele está cometendo um erro terrível. Tá na cara que ele não vai ser feliz nessa
vida que ele decidiu. Ele amava os malabares.
Jasmim – Ele se acostuma. O início pode ser difícil, mas depois acostuma.
Isabela sai.
Aline – (a parte) Os sonhos as vezes se desmancham, e é preciso ter cuidado. A matéria dos sonhos
quando desaba faz vítimas fatais, mas é preciso saber que existe também existe o momento de
despertar. Descoberta número 4.
Isabela – Eu tenho vários contatos, ai eu fico oscilando. Você sabe que eu sou sensual!
Gregório – A gente tá se conhecendo ainda, mas eu acho que vai ser… prefiro não criar expectativas.
Isabela – Aí eu vou escolhendo, depende do meu humor. Eu vou curtindo. Tem que aproveitar.
Camila – Então, tô solteira. Mas tem esse negocio mal resolvido com Nilsinho, já tem o quê? 3… 4
anos que… porque é, ele vem, e, ai em negocio, amazônico, nossa! Cê para, Aline! Cê gosta, né?! A
lá a cara da safada! Vênus em escorpião essa garota.
Aline – Cat! Se você... não quiser tocar nesse assunto tudo bem. (a parte) As questões do coração
são as mais delicadas. Nietzsche escreveu que há sempre alguma loucura no amor, e também há
sempre algum fundamento na loucura. Eu acredito que só é vivo de fato quem ama, e só os loucos
amam verdadeiramente. Faz mais ou menos um mês que o Greg começou a estagiar, e acho que ele
tá se acostumando, pelo menos arrumou uma namorada lá.
Entra Isabela.
Isabela – Hoje é sexta, hoje é dia de maldade! Que sexta é hoje, hein? Ultima sexta do mês! Hoje
dia de... Dia de Miguel! (liga. A parte) Tá chamando. Alô, miguel? Oi, sumido! Tava pensando, sei
lá… A gente… Como é que… Aham. Sei. Claro. Não, com certeza. Claro. Aham. Não, não, entendo
perfeitamente. Sim. Nossa, né? Coisa chata. Eu até te… Não. Claro. Com certeza.
Entra Jasmim.
Isabela – Claro. Ai meu Deus! Vou ter que desligar que minha amiga escorregou aqui no box, vou
ter que socorrer. (figindo) Calma, que eu tô indo! (volta) Depois eu te ligo pra gente continuar!
Beijo! (desliga)
Isabela – Ele tá lá cuidando da mãe. Agora, na última sexta do mês. O quê? Vou ficar em casa.
Isabela – Quê? Cê tá. Quê? Nunca! Meu amor, eu organizo tudo. O miguel tá aqui na ultima sexta
do mês estrategicamente porque ele é o contatinho que no fim do mês ainda dispõe de verba para
uma saidinha maneira. E contatinho não se repete assim. Se eu ligar pro João ele vai achar o quê?
Que eu tô a fim de algo contínuo. Se eu ligo pro Márcio, semana que vem eu ligo pra quem? Você
me responde, pro Miguel! Mas eu te pergunto, e no final do mês que vem? Hein? É tudo organizado,
tá pensando que é bagunça, que eu escolho aleatoriamente. Obvio que não. Eu sou uma
administradora, meu amor.
Entra Gregório.
Gregório – Oi meninas.
Jasmim – Fátima?
Isabela – (a parte) A Jasmim é o próprio tiozão do natal, ela adora a piada do pavê. (volta) Nossa,
Mim. Que engraçada! Ha ha ha! Não tô nem controlando.
Isabela – Que faz mal assim, que tem gosto, nada né?
Camila - Não! Mas trouxe um cogumelo raríssimo que comprei, na feirinha ali, sabe? Aquela que
fica em frente ao, você sabe né? Então, comprei e vou fazer um chá. O amigo do Nilsinho que
vende.
Jasmim sai.
Camila – Olhe o vendedor disse que pode ser que dê um negocinho. Vou preparar pra gente.
Isabela – Delicia! Vai lá! Tô precisando de um negocinho mesmo pra animar a noite!
Entra Aline.
Isabela - Claro, ela não tinha o que falar. As máquinas não tem sentimentos.
Isabela – Daqui a pouco ela aparece ai cheia de teorias e normas que ninguém nunca ouviu falar.
Aline – Mas é isso que me preocupa. Gente se ela não tinha o que falar, é porque ela… nunca… Até
a Jasmim que vive pro trabalho e 24h fazendo relatório arruma um momento.
Camila – Isabela!
Catarina – Ai meus Deus, minha música! “Às vezes me pergunto se / Eu viverei sem ter você / Se
saberei te esquecer”
Aline – Cat!
Aline – Sim. Tava preocupada com você. Você saiu e demorou, não recebia mensagem.
Isabela – Chocada!
Entra Jasmim.
Jasmim – Claro!
Jasmim – Obvio!
Catarina – Muita coisa. Tô confusa. (a parte) Eu tinha ido pra praça pra fugir das perguntas e agora
chego em casa e sou bombardeada de perguntas. A verdade é que eu nunca parei pra pensar nessa
coisa de amor, namoro, arrumar um paquerinha, nada disso. Sempre foquei no meu trabalho, nos
estudos. Mas hoje na praça eu vi aqueles casais felizes, os pais com os filhos, e fiquei me
perguntando: “quando eu ficar velha, será que eu vou ficar sozinha?” (volta) Meninas, eu sou feia?
Camila – Claro que não!
Catarina – E chata?
Catarina – Não. Mas, também nunca me cortejaram na rua. Nunca recebi um galanteio ou qualquer
tipo de presente.
Isabela – Porque a gente já não está no século 18 tem uns 300 anos mais ou menos. E você tambem
não sorri na rua, né querida?
Jasmim – Elas tão dizendo que não tem mais esse tipo de protocolo social.
Catarina – Quero. (a parte) Na verdade eu não quero ficar velha sozinha, mas tudo tem um preço.
Camila – Olha, o Nilsinho, ele divide o apartamento com um amigo, agora. Argetino! Ele tem um
braço, nossa, menina, cê pensa, puxa meu cabelo, me dá 3 tapas na cara, sarra meu mamilo, me.
Quê? Né nada disso! Cê para, hein, Catarina! Louca!
Isabela – Só porque você é minha amiga, vou te dar umas dicas de como ser sensual. Serve pra você
também Jasmim.
Aline – (ri) Não concebo! Vai ser histórico! Por favor, eu posso filmar isso?
Isabela – Vem! Você vai ser minha ajudante de palco. Mim, você faz a simulação comigo. Podemos
diretora? A postos?
Aline – Podemos!
Isabela – Então, meninas. Tá filmando? Ótimo! Então, meninas! Hoje vou dar uma aula pra você
que quer arrumar aquele boyzinho na noite, de como sensualizar. Então vamos lá. Lição numero um,
hein, vai a dica. Tá la dançando e avistou o boy. Disfarça e primeiro você se bate nele e é super
simpática. (se bate em Jasmim) “Ai, desculpa. Que desastrada eu! Você tá bem? Machucou?” e
segue a noite. Não perde de vista. Mas não dá bandeira, tá! Lição dois: viu que ele foi beber alguma
coisa, você finge coincidencia e reencontra ele. E o que eu faço Isabela? Simples, faz questão de
lembrar do ocorrido: (chega em Jasmim) “E ai? E esse pé? Gente eu sou muito desastrada desde
pequena”, vai aqui uma dica importante, fale do passado pra dar a entender que você não quer algo
momentâneo e de preferência cite um parente de longe: “minha prima sempre me chamava de
estabanada. Muito doido.”. A lição três é encontrar e esnobar. Pra não dar a entender que você quer
alguma coisa. (Esnoba Jasmim) Ele vai ficar confuso e ai a lição quatro! Catarina tá atenta? O
quarto passo é o ataque! Você vai pro tudo ou nada. E lembre-se! Sempre fragilzinha.
Aline – Corta!
Catarina – Claro! É ridículo você ensinar as garotas como seduzir homem. Primeiro que esse
joguinho só faz aumentar a solidão! Uma relação fria. Sem profundidade. Sem envolvimento. O
romance é algo que acontece. Não se premedita nada. Essas relações de uma noite apenas.
Catarina – Eu não quero isso! Fico até nervosa com isso! Minha cabeça tá explodindo! (pega o chá
da mão de Camila e bebe) É camomila? Esse chá não é muito bom, não. Achei que era camomila,
mas parece meio que cidreira com… não sei explicar. (desmaia)
Aline – Entendi.
Camila – Meu Deus! Cat, acorda! Cat, acorda pelo amor de Deus!
Camila - Foi o amigo do Nilsinho, o do braço, nossa! Eu comprei na mão dele na feirinha. Ele deve
saber o que fazer. Vou la ver.
Camila sai.
Catarina – (acorda) Nossa! Eu tô otima! Zero bala! Uau! Ué, a casa tá rodando? Que loucura é essa?
Entra Gregório.
Gregório sai.
Catarina - (a parte) Meu príncipe me largou, mas… nossa, tesão em você também. Nem sei o que ia
dizer. (volta) Greg, meu amor!
Catarina sai.
Camila – Tudo sob controle. A dose foi pouca, então o efeito já deve estar passando.
Catarina – Cadê você, meu cavalão? (relincha) Se escondendo de mim né? (ataca Gregório)
Catarina – Aline? Nossa tesão em você também! Vem os dois! Vem todo mundo! Ai, tá rodando!
Rodando!
Jasmim – Será?
Isabela – Calma! Ela é magra. Não é difícil esconder. Que foi? Não me olha assim. A gente precisa
dar um jeito!
Isabela - Caiu. Caiu! Você escorregou e bateu a cabeça! Depois de estragar meu tutorial.
Catarina - As pessoas tem que se amar acima de tudo, Isabela. Não ficar treinando dança pra
acasalamento. Nossa, eu nunca tive uma, mas a sensação que eu tenho é que eu to com uma ressaca.
Gregório sai.
Camila – Pronto. Joguei os cogumelos que sobraram fora! Tenho que agradecer ao Nilsinho.
Catarina – Minha cabeça tá explodindo. Isso é um aviso que eu não tenho que me preocupar com
paquerinha, eu tenho é que estudar. Se aparecer ótimo, se não aparecer também ótimo. Eu me basto.
Sai Catarina.
Isabela – Vá se bastar, lindinha! Eu vou ver como está a mãe do Miguel. Olha, é ele. (atende) Alô?
Oi Miguel, já ia ligar pra você! E sua mãe? Ah que ótimo? Serio? (a parte) A irmã dele foi lá tomar
conta da mãe. (volta) Você vai passar aqui agora? Claro! Minha amiga tá ótima, nem parece que
teve nada. Loucura né?
Aline – Tudo está bem, quando termina bem. E não existem normas para o coração pelo visto, cada
um tem seu próprio manual, não é mesmo? O importante é estar feliz. Descoberta número 5.
Mudança de tempo ao som de “Tempo perdido” versão de Tiago Iorc. Passam as folhas do
calendário e os ponteiros do relógio paras as 7h da manhã.
Episodio 6 – Frustrações
Isabela entra e senta a mesa do café com fone de ouvido.
Gregório – (a parte) Acordou cedo e veio tomar café sozinha. Isso não é um bom sinal.
Jasmim – (a parte) Eita! Tomando café em silêncio, e com fones, sinal de alerta!
Catarina – (a parte) Falta de apetite, é grave! Agressividade? Vixe! Vai estourar a qualquer
momento!
Isabela – (a parte) Eu não entendo. Ontem minha mãe me ligou pra falar que minha irmã mais nova
vai casar. Aí, hoje eu acordei e vi que minha prima passou em primeiro lugar em medicina, e uma
amiga de escola postou no instagram suas férias no Marrocos. Ai eu te pergunto, eu tô com inveja?
Não. Não tô. Até porque eu li no dicionário e inveja é um sentimento de angústia ou raiva, perante o
que o outro tem e eu não tenho. E eu não tô com raiva. (grita) Eu só quero saber, porque a vida de
todo mundo tá melhorando e a minha continua esse cocô!
Jasmim – Falhar...
Camila – Ter vergonha do meu passado. Eu tento ser coerente em minhas ações.
Isabela - Não gosto nem de imaginar… “E isabela, menina? Cê soube? Sumiu, né?”
Entra Isabela com uma mala, um cachecol e um chapéu na mão. Coloca o chapéu e o cachecol e
tira algumas fotos, até que uma lhe agrada.
Entra Camila.
Isabela – Eu!
Catarina – Você? Não tem dinheiro nem pra trocar as calcinhas! Roubou alguém, pilantra?
Isabela – Não, querida! Vou com o poder da minha imaginação! E das montagens, claro. (Tira uma
foto.) Maravilhosa! (digitando) Em… bar… cando! Nada como um bom ângulo. Pronto! Embarquei
para Dubai. E se está ná internet é verdade.
Entra Jasmim.
Entra Gregório.
Gregório – Chegou alguma carta pra mim? (Estranha) Porque essas malas? Quem vai viajar?
Isabela – Exatamente. E daqui a pouco fazer um stories no avião. E mais tarde conexão em Portugal!
Catarina – Não, meu bem. Também to esperando uma correspondência e não chegou nada.
Gregório – (a parte) Eu não quis contar pra ninguém, mas me inscrevi em dois intercâmbios. Esse
de psicologia humanitária no Canadá e em outro pra um conservatório de circo na França. Esses
dois resultados podem definir meu futuro.
Catarina – (a parte) Eu sempre tive medo de mandar minhas coisas para serem avaliadas. O medo
de não ser boa como eu acredito ser. Mas dessa vez decidi jogar pra cima e mandei. Se o resultado
for negativo. Bem, talvez eu deva repensar minha profissão.
Jasmim – Atualiza! (a parte) Hoje sai o resultado da prova do mestrado. Eu tô há duas horas
atualizando o site mas o resultado, como sempre, tá atrasado. Eu tô pra ter um treco.
Camila – Fiquem calmos. Parece que a vida de vocês depende desses resultados.
Jasmim/Catarina/Gregório – E depende!
Camila – Não, gente. Esse é um resultado. Se não for pra ser agora será em outro momento.
Acreditem, tudo está traçado.
Isabela – Exatamente! Por exemplo, eu. Não estou em Dubai agora, mas em breve estarei.
Catarina – (a parte) Esse discurso da Camila de destino, pra mim é pura desculpa pra amenizar a
derrota. Eu não nasci pra perder.
Catarina/Jasmim/Gregório – Nada!
Isabela – Eles tão esperando um resultado que vai definir a vida deles.
Aline – Ah, tá! Greg, chegou essa carta aqui pra você.
Catarina – Traquilão!
Gregório – (a parte) A carta que chegou foi a carta do meu curso de psicologia humanitária no
Canadá.
Gregório – É de um curso no Canadá. E eu... fui aprovado? (a parte) Eu fui aprovado. Meus pais
vão ficar felizes com esse resultado.
Aline – Pela cara dele esse resultado não é nem um pouco o que ele esperava.
Jasmim – Droga de site! (a parte) Eu não estou ansiosa, nem nervosa. Aaaah! Eu não sei! Acho que
tô com medo.
Aline – (a parte) Estamos todos com medo. A Cat tá com medo de não ser valorizada, ou de estar se
enganando. O Greg está com medo de desapontar os pais, a Jasmim tá com medo de se desapontar.
Semana que vem eu tenho que apresentar o docudrama que eu to fazendo sobre nosso dia a dia, e eu
também tô com medo. As achamos que estamos inventando a roda ou descobrindo o fogo, e
estamos apenas arrombando portas abertas. No fim todos estamos com medo da mesma coisa, do
julgamento e do fracasso.
Isabela – Como será que esta minha tour em Dubai? Vamos ver… até agora… ninguém falou nada
da minha viagem? Como assim?
Isabela – Calma? Já faz mais de 3 minutos que eu postei, e você me pede calma?!
Isabela – Deixe de coisa, não. Eu tô aqui me esforçando pra estar em Dubai e ninguém está nem ai
pra mim? Isso é um absurdo!
Camila – Isso é pra você entender que em vez de querer que os outros vejam que você está em
Dubai, você deve viver sua vida! Vá e curta Dubai.
Isabela – Curtir Dubai? Mas eu vou fazer o quê em Dubai? Perdi nada lá!
Jasmim sai.
Isabela – Não venha com seus estresses pra cá não, bonequinha, que eu não tenho nada a ver com
seu resultado que não sai, tá? Eu tava aqui dando uma resposta. Todo mundo tá aqui em Noronha,
Paris, Grécia! Feliz, bem de vida! Eu não ia ficar por baixo.
Catarina – É tudo mentira, meu amor. Ai tá todo mundo chorando no hotel. As pessoas sofrem,
minha linda!
Camila – Lê ai!
Gregório – (a parte) É a carta do conservatório. O outro lado da minha moeda está aqui.
Catarina – Vou abrir. Calma! Tô nervosa! (Lendo) “Cara amiga Catarina. Lemos seus escritos com
muito afinco, primeiramente gostaríamos de parabenizá-la pela qualidade linguística e o conteúdo
de sua obra.”
Catarina – “Entretanto, seus escritos não se adéquam ao viés artístico do publico alvo de nossa
editora. Agradecemos sua dedicação e disponibilidade, mas não será dessa vez que publicaremos
sua obra. Até um outro momento. Saudações, Pedro Lopes Novais.”
Aline – Mas ele elogiou, né? Só não tá nos padrões dessa editora.
Catarina – É... (a parte) É engraçado essa sensação, sabia?! Não morri. Eu jurava que ia morrer, mas
não morri. Não perdi um braço. Continuo com todos os dentes. A terra continua girando, e o relógio
correndo. Tudo igual… E eu… Bem... Acho que pronta pra outra. Dói?! Dói. Não vou dizer que não
dói. Porque dói e muito. Mas a gente supera, e segue com dignidade.
Catarina – Também não vamos demonizar o homem e editora porque eles não me escolheram.
Talvez não seja esse o momento, né Mila. E talvez eu precise reavaliar meus escritos, ou não
também. Tudo é aprendizado. E afinal, essa não é a única editora do planeta.
Greg – Nada de importante, era do intercambio. Na verdade era sobre a bolsa, e eu não fui
selecionado pra ter bolsa. Sem bolsa eu não tenho como ir. (a parte) Na verdade era do
conservatório. E eu não fui aceito. A parte da bolsa não era mentira, de fato eu não consegui a bolsa
pro Canadá, mas meus pais pagariam ainda assim… (rasga as cartas) se eles soubessem que tinha
sido aprovado.
Catarina – (a parte) É um soco no estômago esse resultado pra mim e pro Greg. O justo seria todo
mundo triste. Não. Eu tô maluca, esqueçam! É melhor pelo menos uma pessoa feliz.
Aline – Aprovada!
Todos – Dubai!
Aline – As vezes uma frustração pode ser mais construtiva que uma conquista. Nunca confie em
quem nunca falhou, são nas falhas que mostramos o que há de melhor e mais verdadeiro em nós. E
também conseguimos enxergar outros caminhos. Descoberta número 6.
Mudança de tempo ao som de “Dois Cafés” de Tulipa Ruiz e Lulu Santos. Passam as folhas do
calendário e os ponteiros do relógio paras as 15h da tarde.
Epílogo
Catarina – Querida Catarina, que alegria poder falar contigo… que é comigo também, que não sou
mais e que agora é você. (sai da filmagem) Desculpa pode voltar?
Entra Jasmim
Aline – Filmando em 5, 4, 3, 2 e.
Catarina – Querida amiga Cat. Como vai você? Espero que bem, afinal você sou eu e eu espero que
eu esteja bem, você olhe bem sua vida, porque eu estou bem, se eu não estiver bem ai, eu não sei
bem o que eu vou fazer com você que também sou eu, então eu não sei o que eu vou fazer comigo,
mas eu espero.
Entra Gregório
Catarina – Me atrapalhou!
Aline – Corta!
Camila – Pois é né? Quatro meses e tanta coisa né? Como a vida é interessante.
Aline – (a parte) Quando resolvi filmar nosso dia a dia eu não imaginava que teria tantas
descobertas e que aprenderia tanta coisa com esse bando de maluco. Sei bem que nisto tudo que não
há grandes novidades. Nem foi meu intuito revelar o mistério do planeta. Moveu-me apenas o
desejo de contemplação, ainda que tenhamos repetido algumas verdades, que nem por serem eternas
perdem em serem repetidas, cada verdade é única. (volta) Agora vai?
Isabela – Duvido!
Aline – Gravando!
A luz vai morrendo ao som da música que vai aumentando mais enquanto os amigos vão
brincando entre si até a cena se encontrar em estado de trevas.